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“O teorema espectral e a

propriedade de ‘self-adjointness’ para


alguns operadores de Schrödinger”

Rodrigo Augusto Higo Mafra Cabral

Dissertação de mestrado

Orientador: Severino Toscano do Rêgo Melo

Programa de pós-graduação em Matemática Aplicada


Instituto de Matemática e Estatı́stica da
Universidade de São Paulo (IME - USP)

Trabalho produzido com apoio financeiro da agência CNPq

Novembro de 2014
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“O teorema espectral e a propriedade de ‘self-adjointness’ para
alguns operadores de Schrödinger”

Esta versão da dissertação contém as correções e alterações sugeridas pela


Comissão Julgadora durante a defesa da versão original do trabalho, realizada
em 18/12/2014. Uma cópia da versão original está disponı́vel no Instituto de
Matemática e Estatı́stica da Universidade de São Paulo.

Comissão Julgadora:

• Prof. Dr. Severino Toscano do Rêgo Melo (orientador) - IME-USP


• Prof. Dr. Frank Michael Forger - IME-USP
• Prof. Dr. César Rogério de Oliveira - DM-UFSCAR

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Agradecimentos

Vivemos, inevitavelmente, integrados num coletivo do qual muitas vezes es-


quecemos fazer parte, de modo que o ato de agradecer se torna uma ação vaga
e de difı́cil atribuição especı́fica. Agradeço, então, a todos os anônimos envolvi-
dos. Quanto aos não-anônimos, agradeço o meu orientador pela paciência e pelo
suporte acadêmico; agradeço também os meus pais, meu irmão, meus amigos e
a minha namorada pelo suporte emocional e pelos bons (e vitais) momentos de
descontração.

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5
Resumo

Neste texto são demonstrados, a partir do ponto de vista da teoria dos espa-
ços de Hilbert e da teoria das C∗ -álgebras, teoremas relacionados a operadores
auto-adjuntos em espaços de Hilbert, entre os quais estão o Teorema Espec-
tral, o teorema de Kato-Rellich e a desigualdade de Kato. Também são dadas
aplicações destes teoremas a alguns operadores de Schrödinger provenientes da
Fı́sica-Matemática.

Palavras-chave: Teorema Espectral, Kato-Rellich, Schrödinger, desigualdade


de Kato, “self-adjointness”, C∗ -álgebras.

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Abstract

In this text we prove, within the Hilbert spaces theory and C∗ -algebras points
of view, some theorems which are related to self-adjoint operators acting on Hil-
bert spaces, among which are the Spectral Theorem, the Kato-Rellich theorem
and Kato’s inequality. Also, some applications to Schrödinger operators coming
from the Mathematical-Physics context are given.

Keywords: Spectral Theorem, Kato-Rellich, Schrödinger, Kato’s inequality,


self-adjointness, C∗ -algebras.

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8
Sumário
Considerações Iniciais 14
Álgebras de Banach e C∗ -álgebras - alguns resultados elementares . . 31

1 O Teorema Espectral 42
O teorema espectral para operadores lineares auto-adjuntos limitados 43
O Cálculo Funcional Boreliano relativamente a operadores lineares
auto-adjuntos limitados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
Teorema espectral para n-uplas de operadores lineares auto-adjuntos
que comutam dois a dois . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
O teorema espectral para operadores lineares normais . . . . . . . . . 62
O teorema espectral para operadores auto-adjuntos não-limitados . . . 64
O Cálculo Funcional Boreliano relativamente a operadores lineares
auto-adjuntos não-limitados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67

2 O Teorema de Kato-Rellich 71

3 Aplicações do Teorema de Kato-Rellich 85


O domı́nio de “self-adjointness” do operador −∆ . . . . . . . . . . . . 85
O átomo de hidrogênio e um átomo qualquer . . . . . . . . . . . . . . 94

4 A desigualdade de Kato 102


Um corolário da desigualdade de Kato . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
Aplicações do corolário da desigualdade de Kato . . . . . . . . . . . . 113

5 Apêndice A 116
Teorema espectral para operadores normais via C∗ -álgebras . . . . . . 116
Teorema de Von Neumann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
O Teorema Espectral - uma outra demonstração . . . . . . . . . . . . 123

6 Apêndice B 127
O teorema espectral para coleções de operadores limitados auto-adjuntos
que comutam dois a dois . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

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10
Introdução

O intuito principal deste texto é fazer uma exposição de alguns tópicos clás-
sicos em teoria de operadores não-limitados auto-adjuntos sobre espaços de Hil-
bert.

Nas “Considerações Iniciais” são estabelecidas algumas notações, definições


e teoremas que servirão de ferramentas básicas para o desenvolvimento do con-
teúdo principal. Incluem-se nessa seção:

1. a definição de somabilidade em espaços de Banach com alguns resultados,


para que possamos lidar com espaços de Hilbert não-separáveis;
2. as definições de semi-álgebras e álgebras de conjuntos, que serão cruciais
para que possamos estabelecer (de maneira um tanto “limpa”) uma esti-
mativa vital, quando formos demonstrar o teorema espectral para n-uplas
finitas de operadores lineares limitados auto-adjuntos que comutam dois
a dois;1
3. uma subseção na qual são expostos alguns resultados rudimentares sobre
a teoria de C∗ -álgebras, que serão importantes para a demonstração de
vários teoremas presentes nos Apêndices A e B. As informações desta sub-
seção só serão utilizadas fortemente nos Apêndices A e B, e não precisam
ser lidas caso não se pretenda lê-los (na verdade, utilizamos levemente um
resultado mencionado logo no inı́cio dessa subseção - a expansão da série de
Von Neumann - para podermos concluir alguns detalhes da demonstração
do teorema de Kato-Rellich; mas esta é a única exceção).

O Capı́tulo 1 se encarrega da demonstração detalhada, utilizando-se somente


a teoria de espaços de Hilbert e alguns resultados de medida e integração, das
linhas gerais do teorema espectral para operadores lineares auto-adjuntos ex-
postas em [18]. Tal teorema se encarrega da caracterização dos operadores
lineares auto-adjuntos (não-limitados) agindo num espaço de Hilbert (não ne-
cessariamente separável) como sendo unitariamente equivalentes a um operador
de multiplicação por uma função real e Borel-mensurável definido num certo
espaço de funções de quadrado integrável.

No Capı́tulo 2 é demonstrado o famoso teorema de Kato-Rellich, que es-


tabelece condições suficientes para que a perturbação simétrica de um opera-
dor auto-adjunto seja auto-adjunta. Algumas variações desse teorema (como
a versão deste teorema para “cores” (ou “cernes”, em português) do operador
auto-adjunto em questão e o caso limite em que a cota do operador simétrico
em relação ao auto-adjunto é igual a 1) e uma estimativa muito útil para esta-
belecer cotas inferiores para um operador auto-adjunto limitado inferiormente
assim perturbado também são demonstradas. Inclusive, para chegarmos a tais
1 Agradeço ao professor Daniel V. Tausk pela sugestão de utilizar tais conceitos para esta-

belecer a estimativa mencionada

11
estimativas utilizamos o Cálculo Funcional estabelecido no capı́tulo 1 (também
utilizamos tal Cálculo para demonstrar o Lema 2.2).

No Capı́tulo 3 apresentamos alguns conceitos básicos relativos à Teoria de


Distribuições para estabelecer o domı́nio de “self-adjointness” do Laplaciano, e
utiliza-se o teorema de Kato-Rellich para concluir que os operadores de Schrö-
dinger da forma −∆ + V (x), agindo em L2 (Rn ), com

V = V1 + V2 , V1 ∈ L2 (Rn ), V2 ∈ L∞ (Rn ), 0 < n ≤ 3,

estão bem-definidos e são auto-adjuntos em H 2 (Rn ). Em particular, mostra-se


que o operador de Schrödinger que descreve um modelo aproximado do sistema
correspondente a um átomo de hidrogênio é auto-adjunto em H 2 (Rn ) e limitado
inferiormente. Essa é uma aplicação muito famosa, e muito importante para a
Mecânica Quântica não-relativı́stica. Também mostramos que o operador de
Schrödinger correspondente a um modelo aproximado de um átomo qualquer é
auto-adjunto em em H 2 (Rn ).2

O Capı́tulo 4 destina-se à demonstração detalhada da famosa desigualdade


(distribucional) de Kato, com uma aplicação aos operadores de Schrödinger da
forma −∆ + V (x), onde MV (x) é um operador de multiplicação limitado infe-
riormente tal que V ∈ L2loc (Rn ) (a saber, mostramos que tais operadores são
essencialmente auto-adjuntos em Cc∞ (Rn )). Em particular, mostra-se que o
operador de Schrödinger relativo ao potencial de Coulomb em uma dimensão é
essencialmente auto-adjunto em Cc∞ (Rn ), e comenta-se como a desigualdade de
Kato pode ser refinada de modo a podermos aplicá-la a operadores de Schrödin-
ger relativos a sistemas de n partı́culas carregadas sujeitas à ação de um campo
magnético constante.

No Apêndice A é dada uma demonstração alternativa do teorema espectral


para operadores normais utilizando a teoria de C∗ -álgebras, e conclui-se uma
nova demonstração do teorema espectral para operadores auto-adjuntos que não
são limitados, com o auxı́lio do teorema de Von Neumann (que classifica as ex-
tensões simétricas de um operador simétrico em termos da transformação de
Cayley), também demonstrado no apêndice.

No Apêndice B demonstra-se, também utilizando a teoria de C∗ -álgebras,


o teorema espectral para uma coleção infinita (de qualquer cardinalidade) de
operadores limitados auto-adjuntos que comutam dois a dois.

2 Enfatizamos que este texto não possui a pretensão de discutir do ponto de vista da Fı́sica

as aplicações dos teoremas demonstrados; a intenção aqui é somente ilustrar os teoremas com
exemplos advindos da Fı́sica-Matemática

12
13
Considerações Iniciais

I) todos os espaços vetoriais mencionados serão considerados sobre o corpo


C dos números complexos;

II) as normas e os produtos internos (que serão considerados lineares na


primeira entrada, seguindo a “nomenclatura dos matemáticos”) de um espaço
normado (respectivamente, espaço com produto interno) serão representados in-
distintamente por k·k/h·, ·i, estando subentendido no contexto a qual espaço tal
norma (respectivamente, produto interno) se refere;

III) uma notação recorrente que será utilizada é a seguinte: se X é um es-


paço normado e x ∈ X, com {xn }n∈N sendo uma seqüência de elementos de X
que converge para x, indicaremos “xn −→ x” para indicar que “limn xn = x”;

IV) se I é um intervalo compacto, ou o produto cartesiano finito de intervalos


compactos, então:

1. P (I) denota o espaço normado das funções polinomiais p com coeficientes


complexos definidas em I, com a norma do sup kpk∞ := sup {|p(x)| : x ∈ I};
2. C(I) denota o espaço normado das funções contı́nuas a valores complexos
definidas em I, com a “norma do sup” kf k∞ := sup {|f (x)| : x ∈ I}. A
função idC(I) será sempre definida por idC(I) (x) := x, para todo x ∈ I,
e a função 1C(I) , por 1C(I) (x) := 1, para todo x ∈ I (na verdade, para
todo espaço topológico compacto e Hausdorff X, o espaço das funções
contı́nuas a valores complexos definidas em X será denotado por C(X), e
será sempre munido da norma do sup, tornando-se um espaço de Banach,
desta forma);
3. se µ é uma medida que possui as propriedades da medida construı́da no
Teorema da Representação de Riesz (veja a página 45), então Cµ (I) de-
nota o espaço normado das classes de equivalência (segundo a relação de
equivalência usual induzida pela medida µ) de funções contı́nuas f a va-
lores complexos definidas em I, com a norma herdada do espaço L2 (I, µ)
(a norma induzida pelo produto interno usual). Isto é possı́vel devido ao
fato de que Cµ (I) ⊆ L2 (I, µ) (na verdade, Cµ (I) é denso em L2 (I, µ)).
A notação idCµ (I) sempre indicará a classe de equivalência de idC(I) com
respeito a µ, e 1Cµ (I) sempre indicará a classe de equivalência de 1C(I)
com respeito a µ;

4. B(R) denota o espaço das funções definidas em R a valores complexos,


Borel-mensuráveis e limitadas, e é munido da norma do sup (inclusive,
torna-se um espaço de Banach, desta forma);

Notamos aqui que, quando tratarmos de espaços de medida (M, µ), utiliza-
remos a mesma notação tanto para nos referirmos a uma função f : M −→ C

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quanto para nos referirmos a sua classe de equivalência relativa a µ (por exem-
plo, nos espaços Lp (M, µ), 1 ≤ p ≤ +∞. Lembramos que L∞ (M, µ) é de-
finido
 como sendo o conjunto das funções f mensuráveis tais que kf k∞ :=
inf λ ∈ R, λ ≥ 0 : µ(|f |−1 [(λ, +∞)]) = 0 < +∞; os membros desta álgebra
serão chamados de funções essencialmente limitadas). Também chamamos a
atenção para o fato de que usamos a mesma notação para indicar as normas
do sup e a norma das funções essencialmente limitadas, estando implı́cito pelo
contexto qual delas está sendo usada;

V) um operador linear A num espaço de Hilbert H será uma transformação


linear cujos domı́nio e conjunto-imagem estão contidos em H, e seu domı́nio
será sempre um subespaço vetorial de H. O seu domı́nio será denotado por
Dom(A), enquanto sua imagem e kernel serão denotados por Im(A) e Ker(A),
respectivamente; seu gráfico será denotado por

Gr(A) := {(u, v) ∈ H × H : u ∈ Dom(A), v = Au} ;

VI) se A e B são dois operadores lineares num espaço de Hilbert H, então


definiremos
Dom(A + B) := Dom(A) ∩ Dom(B)
e
Dom(A ◦ B) := {u ∈ Dom(B) : Bu ∈ Dom(A)} ;
note que tais domı́nios, assim definidos, permanecem sendo subespaços vetoriais
de H;

VII) se A e B são dois operadores lineares num espaço de Hilbert H, diremos


que B é uma extensão de A, e escreveremos A ⊂ B, se Dom(A) ⊆ Dom(B) e
B|Dom(A) = A; (perceba que tal notação torna-se natural se interpretarmos uma
função definida em H a valores em H como sendo um subconjunto de H × H)

VIII) se X é um espaço normado, então B(X) denota o espaço normado


dos operadores lineares limitados T : Dom(T ) −→ X tais que Dom(T ) é um
subconjunto denso de X, com a norma dada por

kT k := sup {kT xk / kxk : x ∈ Dom(T ), x 6= 0} ,

para todo T ∈ B(X). O operador identidade IB(X) ∈ B(X) é definido por


IB(X) (u) := u, para todo u ∈ X, e o operador nulo 0B(X) ∈ B(X) é definido por
0B(X) (u) := 0, para todo u ∈ X. Devido ao Lema 1.1 (B.L.T.), demonstrado
logo no inı́cio do capı́tulo 1, sempre que tomarmos um elemento T de B(X),
suporemos sem perda de generalidade que Dom(T ) = X (salvo em menção
contrária, como na seção do Teorema de Von Neumann). Como veremos mais
adiante, na Observação X, no contexto dos espaços de Hilbert esta hipótese de
densidade do domı́nio é equivalente à garantia de podermos definir o operador
adjunto. Lidaremos neste texto essencialmente com operadores não-limitados

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(ou seja, operadores T tais que kT k = +∞)3 sobre espaços de Hilbert (e cujo
operador adjunto correspondente esteja bem definido). Ainda notamos também
que, devido ao Teorema do Gráfico Fechado,4 vemos que operadores lineares não-
limitados (ou, equivalentemente, não-contı́nuos) fechados não podem satisfazer
Dom(T ) = X. Aliás, notamos aqui como os operadores não-limitados são entes
bastante naturais, a partir do exemplo de um operador de diferenciação agindo
num espaço de Banach: considere o operador de diferenciação D : C 1 ([−π, π]) ⊆
C([−π, π]) −→ C([π, π]), D : f 7−→ D(f ) := f 0 . Vamos mostrar que este
operador não é limitado. De fato, considere a seqüência {fn }n∈N definida por
sen(nx)
fn (x) := , n ∈ N, x ∈ [−π, π].
n
Vemos que os elementos desta seqüência estão em C 1 ([−π, π]) e que fn −→
0[−π,π] , pois
sen(nx) 1
n ≤ n,


para todo n ∈ N. No entanto, {D(fn )}N é uma seqüência de funções tal que,
para cada x ∈ [−π, π] fixado, o limite limn D(fn )(x) não existe. Logo, não
existe um elemento g em C([−π, π]) que possa satisfazer D(fn ) −→ g, pois a
convergência pontual da seqüência é condição necessária para que haja a con-
vergência uniforme da seqüência. Em particular, não podemos ter D(fn ) −→
D(0C([−π,π]) ) = 0C([−π,π]) , e D não é um operador contı́nuo em C([−π, π]). Para
ver um exemplo de operador não-limitado em espaços de Hilbert, basta tomar o
operador de diferenciação com domı́nio H 1 [0, 1] ⊆ L2 [0, 1] (com√a medida de Le-
besgue e norma induzida de L2 [0, 1]).5 A sequência {φn (x) := 2sen(nπx)}n∈N
é formada somente por elementos de norma 1 e está em L2 [0, 1], mas a sequência
de suas derivadas satisfaz kφn k = nπ, para todo n ∈ N, mostrando novamente
que tal operador não é contı́nuo.

Um resultado elementar relativo à geometria de espaços de Hilbert e que


será utilizado freqüentemente é o

IX) Teorema I: Se H é um espaço de Hilbert e F ⊆ H é um subespaço


vetorial fechado, então H = F ⊕ F ⊥ , isto é, se x ∈ H, então existem x1 ∈ F e
x2 ∈ F ⊥ tais que x = x1 +x2 e, se x = x1 +x2 = (x1 )0 +(x2 )0 , com x1 , (x1 )0 ∈ F
e x2 , (x2 )0 ∈ F ⊥ , então x1 = (x1 )0 e x2 = (x2 )0 ; além disso, existe um par
P, Q ∈ B(H) unicamente determinado pelas propriedades: (i) IB(H) = P + Q,
(ii) Im(P ) ⊆ F e (iii) Im(Q) ⊆ F ⊥ . P e Q possuem as seguintes propriedades
3 Salientamos aqui que assumir esta interpretação para a expressão “não-limitado” não é

uma prática usual da literatura, ou seja, costuma-se dizer “não-limitado” (unbounded) para
afirmar que um operador não é necessariamente limitado. No entanto, não adotaremos esta
prática ambı́gua neste texto
4 Se T : X ⊇ Dom(T ) −→ Y é uma transformação linear tal que Dom(T ) é fechado em X e

cujo gráfico é fechado - segundo a topologia do gráfico induzida pela norma (x, y) 7−→ kxk+kyk
-, então T é contı́nua
5 Para a definição do espaço de Sobolev H 1 [0, 1], veja o inı́cio do capı́tulo 3

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adicionais: (iv) P ◦ Q = Q ◦ P = 0B(H) e (v) P 2 = P , Q2 = Q (ou seja, P
e Q são projeções - veja a Definição abaixo). Devido à propriedade (iv), P e
Q são denominadas projeções ortogonais sobre F e F ⊥ , respectivamente. Note
que Im(P ) = F e Im(Q) = F ⊥

X) se A é um operador linear num espaço de Hilbert H, defina DA :=


{v ∈ H : existe η ∈ H satisfazendo hAu, vi = hu, ηi, para todo u ∈ Dom(A)} .
Vamos mostrar que cada v ∈ DA determina unicamente o η da definição se, e
somente se, A é densamente definido, isto é, o conjunto Dom(A) é denso em H:

⇒) Sejam v ∈ DA e η ∈ H um elemento tal que hAu, vi = hu, ηi, para


todo u ∈ Dom(A). Suponhamos que Dom(A) não seja denso em H. En-
tão, Dom(A) 6= H e, pelo Teorema I, garantimos a existência de um elemento

0 6= w ∈ Dom(A) . Portanto, hAu, vi = hu, η + wi = hu, ηi + hu, wi = hu, ηi,
para todo u ∈ Dom(A), e vemos que η + w também contempla a definição, mas
η + w 6= η (na verdade, (η + αw) contempla a definição para todo α ∈ C).

⇐) Seja v ∈ DA . Se η1 , η2 ambos contemplam a definição, então para todo


u ∈ Dom(A), tem-se que 0 = hu, η1 − η2 i. Como Dom(A) é denso em H,
sabemos que existe uma seqüência {un }n∈N de elementos de Dom(A) tal que
un −→ (η1 − η2 ). Da igualdade acima, obtemos 0 = hun , η1 − η2 i, para todo
n ∈ N. Tomando limites em ambos os membros, concluı́mos 0 = hη1 −η2 , η1 −η2 i,
e vem que η1 = η2 . Logo, o η da definição está unicamente determinado.

Assim, se A é um operador linear densamente definido em H, podemos defi-


nir em função deste um outro operador em H, que denotaremos por A∗ , e será
tal que Dom(A∗ ) := DA e A∗ v := η, onde η é tal que hAu, vi = hu, ηi, para todo
u ∈ Dom(A) (note que DA é um espaço vetorial e A∗ é linear).

A∗ será denominado o operador adjunto de A (lembramos que se A ∈ B(H)


- e, portanto, Dom(A) = H -, então Dom(A∗ ) = H, pelo Lema de Riesz6 ).

XI) se A é um operador linear num espaço de Hilbert H, definimos seu resol-


vente como sendo o conjunto dos λ ∈ C que satisfazem as seguintes condições:

1. (λIB(H) − A) : Dom(A) −→ H é uma bijeção;

2. existe um operador linear limitado (λIB(H) − A)−1 : H −→ Dom(A) que


satisfaz (λIB(H) − A)(λIB(H) − A)−1 = IB(H) e (λIB(H) − A)−1 (λIB(H) −
A) = IB(Dom(A)) .

Denotaremos o resolvente de A por ρ(A); definimos o espectro de A como


sendo σ(A) := C\ρ(A);

6 Se λ é um funcional linear limitado definido num espaço de Hilbert H, então existe um

único elemento η ∈ H tal que λu = hu, ηi, para todo u ∈ H

17
XII) Definição: Se H é um espaço de Hilbert, então um operador linear
densamente definido A é dito auto-adjunto se A = A∗ .

Em Mecânica Quântica não-relativı́stica, o estado de uma partı́cula é dado


por uma função R4 3 (x, t) 7−→ ψ(x, t) ∈ C de quadrado integrável sobre R3 ,
para todo t ∈ R fixado (ou melhor, (x, t) 7−→ ψ(x, t) satisfaz R3 |ψ(x, t)|2 dx =
R

C, onde C é uma constante real, para todo t ∈ R fixo). Ela é denominada


função de onda da partı́cula. Através de uma normalização, tal aplicação induz
uma distribuição de probabilidade para a posição da partı́cula. A evolução desta
função é governada pela equação

i~ ψ = Hψ,
∂t
chamada equação de Schrödinger.7 Aqui, H é um operador
~2
H := − ∆ + MV (x)
2m
agindo em um certo domı́nio Dom(H) ⊆ L2 (Rn ), e é chamado operador de
Schrödinger que, com o domı́nio adequado, representa a energia mecânica do
sistema correspondente. Se o problema de valor inicial


i~ ∂t ψ = Hψ
,
ψ|t=0 = ψ0
para algum ψ0 ∈ Dom(H) fixo, possui uma R única solução, e que preserva pro-
babilidade (i.e., (x, t) 7−→ ψ(x, t) satisfaz R3 |ψ(x, t)|2 dx = 1, para todo t ∈ R
fixo), diz-se que existe uma dinâmica unitária. Prova-se que uma dinâmica uni-
tária existe se, e somente se, H é auto-adjunto. Além disso, os observáveis da
Mecânica Quântica tais como posição, momento, energia, etc., são represen-
tados por operadores auto-adjuntos agindo num espaço de Hilbert. Estes fatos
são uma motivação (provinda de argumentos fı́sico-matemáticos) do porquê de a
propriedade de “self-adjointness” ser algo importante, e do porquê de investigar-
se quando se tem a propriedade de “self-adjointness” para operadores da forma
H = −∆ + MV (x) .

XIII) se f é uma função mensurável e finita em µ-quase toda parte rela-


tivamente a um espaço de medida positiva (M, µ), definimos o operador de
multiplicação Mf : Dom(Mf ) −→ L2 (M, µ) por M f (g) = f · g, para toda
g ∈ Dom(Mf ) := g ∈ L2 (M, µ) : (f · g) ∈ L2 (M, µ) . Este operador possui
uma participação fundamental na essência do Teorema Espectral. Se Mf :
Dom(Mf ) −→ L2 (M, µ) é um operador de multiplicação, então quatro fatos
importantes à respeito deste são:

1. Mf é densamente definido (e, portanto, o seu adjunto está sempre bem


definido);
7~ denota a constante de Planck

18
2. (Mf )∗ = Mf ;
3. kMf k ≤ kf k∞ . Se M for σ-finito, e kf k∞ < ∞, então kMf k = kf k∞ ;
4. se M é σ-finito, então σ(Mf ) = {λ ∈ C : µ({x ∈ M : |λ − f (x)| < }) >
0, ∀ > 0} (este último conjunto é chamado de imagem essencial de f , e
será denotado por Imess (f )).

Demonstração de 1:

Defina, para cada n ∈ N,

En := {x ∈ M : |f (x)| ∈ [0, n]} ,

e seja ξ ∈ Dom(Mf )⊥ ⊆ L2 (M, µ). Então, M ξφdµ = 0, para todo φ ∈


R

Dom(Mf ) e ξχEn ∈ Dom(Mf ), pois ξχEn ∈ L2 (M, µ) e


Z Z Z
|f (ξχEn )|2 dµ = |f ξ|2 |χEn |2 dµ = |f ξ|2 χEn dµ =
M M M
Z Z Z
|f ξ|2 dµ ≤ n2 |ξ|2 dµ ≤ n2 |ξ|2 dµ < ∞.
En En M

Portanto, M |ξ|2 χEn dµ = M ξ · ξχEn dµ = 0, para todo n ∈ N. Como


R R

|ξ|2 χEn −→ |ξ|2 pontualmente e |ξ|2 χEn ≤ |ξ|2 ∈ L1 (M, µ), para todo n ∈ N,
obtemos pelo Teorema da RConvergência Dominada (ou pelo Teorema da Con-
vergência Monótona) que M |ξ|2 dµ = limn M |ξ|2 χEn dµ = 0, o que implica
R

ξ = 0 ∈ L2 (M, µ). Assim, concluı́mos que Dom(Mf ) = L2 (M, µ).

Demonstração de 2:

Primeiro, notemos que Mf ⊂ (Mf )∗ , pois se θ ∈ Dom(Mf ) = Dom(Mf ),


então
Z Z
hMf φ, θi = hf φ, θi = (f φ)θdµ = φ(f θ)dµ = hφ, f · θi,
M M

para todo φ ∈ Dom(Mf ) e, como (f · θ) ∈ L2 (M, µ), segue pela definição de ad-
junto que θ ∈ Dom((Mf )∗ ), com (Mf )∗ θ = Mf θ. Seja, agora, θ ∈ Dom((Mf )∗ ).
Então, existe um único elemento em L2 (M, µ), denotado por (Mf )∗ θ, tal que
hMf φ, θi = hφ, (Mf )∗ θi, para todo φ ∈ Dom(Mf ). Vamos mostrar que f θ ∈
L2 (M, µ). De fato, como para todo ρ ∈ L2 (M, µ) a norma do funcional linear

L2 (m, µ) 3 ψ 7−→ hψ, ρi

é kρk, obtemos pelo Teorema da Convergência Monótona (considerando En


como acima),
Z Z
∗ 2 2
∞> |(Mf ) θ| dµ = lim |(Mf )∗ θ|2 χEn dµ = lim k[(Mf )∗ θ]χEn k =
M n M n

19
lim(sup |hψ, [(Mf )∗ θ]χEn i| : ψ ∈ L2 (M, µ), kψk = 1 )2 =

n

lim(sup |hψ, (Mf )∗ θi| : ψ ∈ L2 (M, µ), kψk = 1, ψ|M \En = 0 )2 =(∗)

n

lim(sup |hMf ψ, θi| : ψ ∈ L2 (M, µ), kψk = 1, ψ|M \En = 0 )2 =



n

lim(sup |hψ, f θi| : ψ ∈ L2 (M, µ), kψk = 1, ψ|M \En = 0 )2 =



n

lim(sup |hψ, f θχEn i| : ψ ∈ L2 (M, µ), kψk = 1 )2 =



n
Z
2 2
|f θχEn |2 dµ = f θ .

lim f θχEn = lim

n n M

Note que em (∗) foi usado que as funções ψ ∈ L2 (M, µ), kψk = 1, ψ|M \En = 0
pertencem ao domı́nio de Mf . Segue, então, que θ é uma função de L2 (M, µ) tal
que f θ ∈ L2 (M, µ). Portanto, concluı́mos que Dom((Mf )∗ ) ⊆ Dom(Mf ). Logo,
Dom((Mf )∗ ) = Dom(Mf ), e como já foi mostrado que Mf ⊂ (Mf )∗ , concluı́-
mos que Mf θ = (Mf )∗ θ, demonstrando que (Mf )∗ ⊂ Mf . Logo, (Mf )∗ = Mf .
Obtemos como corolário deste teorema que, se f é uma função a valores reais,
então Mf é auto-adjunto.

Demonstração de 3:

Notemos, primeiramente, que kMf k ≤ kf k∞ . Se kf k∞ = +∞, a desi-


gualdade é trivialmente satisfeita. Suponhamos que kf k∞ < ∞. Para todo
φ ∈ Dom(Mf ), tem-se que
Z Z
kMf φk2 = |f φ|2 dµ = |f φ|2 dµ+
M |f |−1 [(kf k∞ ,+∞)]
Z Z
|f φ|2 dµ = |f φ|2 dµ =
M \|f |−1 [(kf k∞ ,+∞)] M \|f |−1 [(kf k ∞ ,+∞)]
Z Z
|f φ|2 dµ ≤ kf k2∞ |φ|2 dµ ≤
|f |−1 [0,kf k∞ ] |f |−1 [0,kf k∞ ]
Z
kf k2∞ |φ|2 dµ = kf k2∞ kφk2 ,
M

mostrando que kMf k ≤ kf k∞ . Suponha, agora, que M é σ-finito e que kf k∞ <


∞. Para ver que kMf k ≥ kf k∞ , tome r < kf k∞ . Vamos mostrar que kMf k > r.
Pela definição de kf k∞ , temos que µ(f −1 [r, +∞)) > 0. Agora, como (M, µ)
é σ-finito, garantimos a existência de um subconjunto E ⊆ f −1 [r, +∞) de
medida finita e estritamente positiva. Dessa forma, a função caracterı́stica
χE ∈ Dom(MfR) (basta fazer um cálculo semelhante ao que foi feito no item
1 para ver que M |f χE |2 dµ ≤ kf k2∞ M |χE |2 dµ = kf k2∞ µ(E)) e
R

Z Z Z
2 2 2 2
kMf (χE )k = |f χE | dµ = |f | dµ > r dµ =
M E E

20
Z
r2 |χE |2 dµ = r2 kχE k2 .
M

Logo, como kχE k =


6 0, concluı́mos que kMf k > r. Isto finaliza a demonstração.

Corolário: Se M for σ-finito, então Mf ser auto-adjunto implica que f


seja, a menos de um conjunto de medida nula, uma função a valores reais.

Demonstração: Se Mf for auto-adjunto, então pelo item 2, temos que


Mf −f = 0. Logo, pelo que acabou de ser mostrado no item 3, 0 = Mf −f =
kf − f k∞ , e concluı́mos que f = f em µ-quase toda parte de M .

Observação importante: enfatizamos que a propriedade fundamental do


espaço de medida (M, µ) utilizada para mostrar que kMf k ≥ kf k∞ foi a exis-
tência de um subconjunto E ⊆ f −1 [r, +∞) de medida finita e estritamente
positiva. Logo, se ao invés da σ-finitude de M exigı́ssemos a hipótese mais
fraca de que M seja um espaço de medida no qual todo subconjunto S ⊆ M de
medida estritamente positiva possui um subconjunto E ⊆ S de medida finita e
estritamente positiva, concluirı́amos que kMf k ≥ kf k∞ . O espaço de medida
que construiremos no decorrer do Teorema Espectral possuirá esta propriedade,
como mostraremos na página 63.

Demonstração de 4:

Suponha que λ ∈ ρ(Mf ). Então, existe um operador limitado L agindo em


L2 (M, µ) satisfazendo (LMλ−f )φ = φ, para todo φ ∈ Dom(Mλ−f ) (note que
λIL2 (M µ) − Mf = Mλ−f ). Isto implica
Z Z
kLk2 |λ − f |2 |φ|2 dµ ≥ |φ|2 dµ,
M M

ou melhor, Z  
1 2
− |λ − f | |φ|2 dµ ≤ 0,
M kLk2
1 2
para todo φ ∈ Dom(Mλ−f ) = Dom(Mf ). Afirmamos que kLk 2 − |λ − f | ≤0
em µ-quase toda parte de M . Suponha, por absurdo, que exista um conjunto
1 2
de medida positiva S ⊆ M de forma que kLk 2 − |λ − f | > 0 em µ-quase toda
parte de S. Pela σ-finitude de M , podemos encontrar um subconjunto E de S
com medida estritamente positiva e finita. Portanto, como também

E = ∪n∈N (E ∩ |f |−1 [0, n]),

existe n0 ∈ N tal que +∞ > µ(E ∩ |f |−1 [0, n0 ]) > 0. Assim, χE∩|f |−1 [0,n0 ] ∈
Dom(Mf ) e concluı́mos que
Z  
1
− |λ − f | |χE∩|f |−1 [0,n0 ] |2 dµ =
2
M kLk2

21
Z
1
− |λ − f |2 dµ > 0,
E∩|f |−1 [0,n0 ] kLk2
e isto não pode ocorrer. Portanto,
1
|λ − f | ≥
kLk
em µ-quase toda parte de M , estabelecendo que λ não está na imagem essencial
de f . Logo, Imess (f ) ⊆ σ(Mf ).

(Outra observação importante: Como no item anterior, poderı́amos trocar


a propriedade de σ-finitude e substituir por aquela outra propriedade mencio-
nada, mais fraca, e ainda obterı́amos a mesma conclusão).

Suponha, agora, que λ ∈


/ Imess (f ). Então, por hipótese, existe  > 0 tal que
µ({x ∈ M : |λ − f (x)| < }) = 0. Portanto, |λ − f (x)| ≥  > 0 em µ-quase
toda parte de M , mostrando queestá bem definido em L2 (M, µ) e é limitado
o operador M |λ−f1 (x)| , com Dom M |λ−f1 (x)| = L2 (M, µ), pelo item 3 - para
concluir que  
Dom M |λ−f1 (x)| = L2 (M, µ),
usamos que
1 1

λ − f (x) ≤ .
∞ 
Então, λ ∈ ρ(Mf ), e isto estabelece a inclusão σ(Mf ) ⊆ Imess (f ).

XIV) Definição: Se A é um operador linear definido num espaço de Hil-


bert H, diremos que A é fechado se seu gráfico é um subconjunto fechado de
H × H, segundo a norma definida em H × H dada por k(u, v)k := kuk + kvk,
para todo (u, v) ∈ H × H; A será dito fechável se possuir uma extensão fe-
chada. Neste caso, a menor extensão fechada de A - no sentido da inclusão
- será denotada por A, e denominada o fecho de A. Notamos aqui que, se
Gr(A) := {(u, v) ∈ H × H : u ∈ Dom(A) e v = Au e A for fechável, então
Gr(A) = Gr(A). Em particular, o conjunto Gr(A) será o gráfico de um opera-
dor linear.

Alguns fatos que devem ser ressaltados, e que poderão ser utilizados suma-
riamente, são os seguintes:

se A é um operador linear densamente definido num espaço de Hilbert H,


então:

1. A∗ é um operador fechado;

2. se A for fechável, então A = A∗∗ e A = A∗ ;
3. A é fechável se, e somente se, A∗ for densamente definido.

22
Se A é um operador linear densamente definido num espaço de Hilbert H,
diremos que A é simétrico se o seu adjunto o estende. Como o adjunto de um
operador linear é sempre fechado, temos que todo operador linear simétrico é
fechável. Além disso, A é dito ser essencialmente auto-adjunto se o seu fecho é
um operador auto-adjunto.

XV) Definição: Uma transformação linear U : H1 −→ H2 entre os espa-


ços com produto interno H1 e H2 é dito um operador unitário se é bijetor e
hu, vi = hU u, U vi, para todos u, v ∈ H1 . Se U : Dom(U ) ⊆ H1 −→ H2 for uma
bijeção tal que hu, vi = hU u, U vi, para todos u, v ∈ Dom(U ) mas Dom(U ) não
for necessariamente igual a H1 , então diremos que U é uma isometria. Note
que todo operador unitário é uma isometria.

XVI) Definição: Se H é um espaço de Hilbert, então um operador linear


N ∈ B(H) é dito normal se N ◦ N ∗ = N ∗ ◦ N .

XVII) Definição: Se H é um espaço de Hilbert, então um operador linear


P ∈ B(H) é dito uma projeção se P 2 = P . Um resultado importante sobre
projeções é a equivalência:

Seja P uma projeção. Então P é auto-adjunta se, e somente se, é a projeção


ortogonal sobre algum subespaço fechado F de H.

Demonstração:

⇒) Vamos mostrar, primeiramente, que a imagem de P é fechada em H.


De fato, se {un }n∈N é uma seqüência de elementos de H tal que P un −→
η ∈ H, então pela continuidade de P , segue que P un = P (P un ) −→ P (η)
e, pela unicidade do limite, segue que P (η) = η. Definindo o operador li-
near Q : u 7−→ (u − P u), para todo u ∈ H, vemos que hP v, u − P ui =
hv, P ∗ (u−P u)i = hv, P (u−P u)i = hv, P u−P 2 ui = hv, P u−P ui = 0, quaisquer
que sejam u, v ∈ H. Logo, como se u ∈ H é dado, temos u = P u + Qu, te-
2 2 2 2
mos kQuk = kuk − kP uk ≤ kuk , mostrando que Q ∈ B(H). Então, fazendo
F = Im(P ) no enunciado do Teorema I, garantimos pela unicidade da existência
dos operadores ali mencionados que P é a projeção ortogonal sobre sua imagem.

⇐) Sejam Q ∈ B(H) a projeção ortogonal sobre F ⊥ e u, v ∈ H. Então,


hP u, vi = hP u, P v + Qvi = hP u, P vi + hP u, Qvi = hP u, P vi = hu, P ∗ P vi.
Como tal igualdade é válida para todos u, v ∈ H, concluı́mos que P ∗ = P ∗ P , e
temos que P = P ∗∗ = (P ∗ P )∗ = P ∗ P = P ∗ .

XVIII) Sejam A e B operadores lineares densamente definidos num espaço


de Hilbert H. Então, se A + B e A ◦ B também são densamente definidos, temos
que:

1. A∗ + B ∗ ⊂ (A + B)∗ (se A ∈ B(H), então A∗ + B ∗ = (A + B)∗ );

23
2. B ∗ ◦ A∗ ⊂ (A ◦ B)∗ (se A ∈ B(H), então B ∗ ◦ A∗ = (A ◦ B)∗ ).
Demonstração de 1:

Se ξ ∈ Dom(A∗ + B ∗ ) = Dom(A∗ ) ∩ Dom(B ∗ ), então hu, A∗ ξ + B ∗ ξi =


hu, A∗ ξi + hu, B ∗ ξi = hAu, ξi + hBu, ξi = h(A + B)u, ξi = hu, (A + B)∗ ξi, para
todo u ∈ Dom(A + B) = Dom(A) ∩ Dom(B). Portanto, da definição de adjunto,
segue que ξ ∈ Dom(A + B)∗ e A∗ ξ + B ∗ ξ = (A + B)∗ ξ. Da arbitrariedade de ξ,
obtemos A∗ + B ∗ ⊂ (A + B)∗ .

Suponha, agora, que A ∈ B(H), e tome ξ ∈ Dom((A + B)∗ ). Então, pela de-
finição de adjunto, h(A + B)u, ξi = hu, (A + B)∗ ξi, para todo u ∈ Dom(A + B).
Ainda, como Dom(A + B) = H ∩ Dom(B) = Dom(B) e ξ ∈ Dom(A∗ ) = H
(pois kA∗ k = kAk < ∞), temos que hu, A∗ ξi + hBu, ξi = hAu, ξi + hBu, ξi =
h(A + B)u, ξi = hu, (A + B)∗ ξi, para todo u ∈ Dom(A + B) = Dom(B).
Mas, pela definição de adjunto, isto é equivalente a dizer que ξ ∈ Dom(B ∗ ) =
H ∩ Dom(B ∗ ) = Dom(A∗ ) ∩ Dom(B ∗ ) e B ∗ ξ = (A + B)∗ ξ − A∗ ξ. Portanto,
(A + B)∗ ⊂ A∗ + B ∗ . Concluı́mos, então, que A∗ + B ∗ = (A + B)∗ .

Demonstração de 2:

Seja ξ ∈ Dom(B ∗ ◦A∗ ). Então, A∗ ξ ∈ Dom(B ∗ ), de onde vem que hBu, A∗ ξi =


hu, (B ∗ ◦ A∗ )ξi, para todo u ∈ Dom(B). Em particular, hBu, A∗ ξi = hu, (B ∗ ◦
A∗ )ξi, para todo u ∈ Dom(A ◦ B) = {u ∈ Dom(B) : Bu ∈ Dom(A)}. Por-
tanto, h(A ◦ B)u, ξi = hBu, A∗ ξi = hu, (B ∗ ◦ A∗ )ξi, para todo u ∈ Dom(A ◦ B).
Logo, pela definição de adjunto, concluı́mos que ξ ∈ Dom((A ◦ B)∗ ) e que
(A ◦ B)∗ ξ = (B ∗ ◦ A∗ )ξ. Assim, B ∗ ◦ A∗ ⊂ (A ◦ B)∗ .

Suponhamos, agora, que A ∈ B(H), e seja ξ ∈ Dom(A ◦ B)∗ . Então,


hA(Bu), ξi = h(A ◦ B)u, ξi = hu, (A ◦ B)∗ ξi,
para todo u ∈ Dom(A ◦ B). Decorre de A ∈ B(H) que

hBu, A∗ ξi = hA(Bu), ξi,


para todo u ∈ Dom(A ◦ B), uma vez que ξ ∈ Dom(A∗ ) = H. Assim, concluı́-
mos que A∗ ξ ∈ Dom(B ∗ ), e que B ∗ (A∗ ξ) = (A ◦ B)∗ ξ. Mostramos, então, que
Dom((A ◦ B)∗ ) ⊆ Dom(B ∗ ◦ A∗ ), e que (B ∗ ◦ A∗ )|Dom((A◦B)∗ ) = (A ◦ B)∗ , isto
é, (A ◦ B)∗ ⊂ B ∗ ◦ A∗ , finalizando a demonstração.

XIX) Demonstraremos, agora, condições necessárias e suficientes para que


um operador linear simétrico num espaço de Hilbert seja auto-adjunto.

Teorema II: Se H é um espaço de Hilbert, A é um operador linear densa-


mente definido e simétrico em H e λ ∈ R, λ > 0, então são equivalentes:

1. A é auto-adjunto;

24
2. A é fechado e Ker(A∗ ± λiIB(H) ) = {0};
3. Im(A ± λiIB(H) ) = H.

Demonstração:

1 ⇒ 2) A é fechado, pois A∗ é fechado e A = A∗ . Se u ∈ Dom(A∗ ) =


Dom(A∗ + λiIB(H) ), então

(A + λiIB(H) )u 2 = kA∗ uk2 − λihA∗ u, ui + λihu, A∗ ui + λ2 kuk2 ≥


2
λ2 kuk
(note que hA∗ u, ui = hu, A∗ ui), o que mostra a injetividade de A∗ + λi. A de-
monstração de Ker(A∗ − λiIB(H) ) = {0} é análoga.

2 ⇒ 3) Vamos mostrar que Im(A + λiIB(H) ) é um conjunto denso e fechado.


Se Im(A + λiIB(H) ) não fosse denso, então pelo Teorema I existiria ξ ∈ Im(A +
λiIB(H) )⊥ não-nulo. Mas isto implicaria 0 = h(A + λiIB(H) )u, ξi = hu, 0i, para
todo u ∈ Dom(A) e, portanto, ξ ∈ Dom((A + λiIB(H) )∗ ), com

(A + λiIB(H) )∗ ξ = (A∗ − λiIB(H) )ξ = 0,

contradizendo
 a hipótese.
Logo, Im(A + λiIB(H) ) é denso em H. Seja, agora,
(A + λiIB(H) )un n∈N uma seqüência convergente de elementos de Im(A +
λiIB(H) ). Como A é simétrico, vale que hAu, vi = hu, Avi, para todo v ∈
Dom(A), o que implica

(A + λiIB(H) )un 2 ≥ λ2 kun k2 ,


para todo n ∈ N. Por esta última desigualdade, segue que {un }n∈N é uma
seqüência de Cauchy em Dom(A), uma vez que (A + λiIB(H) )un n∈N tam-
bém o é. Logo, da completude de H,  segue que {un }n∈N converge
para algum
elemento de H, e concluı́mos que (un , (A + λiIB(H) )un ) n∈N é uma seqüên-
cia convergente de elementos de Gr(A  + λiIB(H) ). Como A + λiIB(H) é fe-
chado (pois A é fechado), o limite de (un , (A + λiIB(H) )un ) n∈N também per-

tence a Gr(A + λiIB(H) ). Em particular, o limite de (A + λiIB(H) )un n∈N
pertence à imagem de A + λiIB(H) , e concluı́mos que Im(A + λiIB(H) ) é fechado
em H. Temos, então, que Im(A + λiIB(H) ) é denso e fechado em H, isto é,
Im(A + λiIB(H) ) = H. A demonstração de que Im(A − λiIB(H) ) = H é análoga
à que acabou de ser feita.

3 ⇒ 1) Vamos mostrar, primeiramente, que se T é um operador linear qual-


quer, então Im(T )⊥ = Ker(T ∗ ). De fato, se v ∈ Ker(T ∗ ), então hT u, vi =
hu, T ∗ vi = 0, para todo u ∈ Dom(T ). Isso mostra que Ker(T ∗ ) ⊆ Im(T )⊥ .
Por outro lado, se v ∈ Im(T )⊥ , então hT u, vi = 0 = hu, 0i, para todo u ∈
Dom(T ), mostrando que v ∈ Dom(T ∗ ) e que T ∗ v = 0. Logo, v ∈ Ker(T ∗ ),

25
e a outra inclusão está demonstrada. Voltemos à demonstração original. Seja
ξ ∈ Dom(A∗ ). Da sobrejetividade de A − λiIB(H) , garantimos a existência de
ρ ∈ Dom(A − λiIB(H) ) = Dom(A) tal que (A − λiIB(H) )ρ = (A∗ − λiIB(H) )ξ.
Como A é simétrico, temos que (A∗ − λiIB(H) )(ρ − ξ) = 0. Logo, como
Im(A + λiIB(H) ) = H, pelo que acabou de ser demonstrado temos que Ker(A∗ −
λiIB(H) ) = Ker((A + λiIB(H) )∗ ) = Im(A + λiIB(H) )⊥ = {0}, e obtemos ξ =
ρ ∈ Dom(A − λiIB(H) ) = Dom(A). Portanto, Dom(A∗ ) ⊆ Dom(A) e, como A é
simétrico por hipótese, concluı́mos que A é auto-adjunto.

Deste teorema que acabamos de mostrar, podemos derivar um critério para


verificar se um operador linear densamente definido e simétrico é essencialmente
auto-adjunto, bastando substituir A por A:

Se H é um espaço de Hilbert, A é um operador linear densamente definido e


simétrico em H, então A é um operador linear densamente definido e simétrico
em H. Portanto, pelo Teorema II, se λ ∈ R, λ > 0, então são equivalentes:

1. A é auto-adjunto;
2. Im(A ∓ λiIB(H) )⊥ = Ker(A∗ ± λiIB(H) ) = {0}.

Denotaremos, às vezes, A ± λIB(H) , λ ∈ C, simplesmente por A ± λ, alterna-


tivamente.

Temos também o seguinte lema, que utilizaremos na demonstração do coro-


lário da desigualdade de Kato, no capı́tulo 4:

Lema: Seja A um operador densamente definido e simétrico. Se existir


λ ∈ R satisfazendo Im(A−λIB(H) ) = H então A é essencialmente auto-adjunto.

Demonstração: Já sabemos que A ⊆ A∗ = A∗ = A . Vamos mostrar que
Dom(A∗ ) ⊆ Dom(A). Seja v ∈ Dom(A∗ ). Pela definição de adjunto,

h(A − λ)u, vi = hu, (A∗ − λ)vi,

qualquer que seja u ∈ Dom(A) (lembre-se que, pelo que comentamos na Obser-

vação XIII, A = A∗ ). Tome w ∈ Dom(A) =: Dom(A − λ) tal que (A − λ)w =
(A∗ − λ)v. Então,

h(A − λ)u, vi = hu, (A − λ)wi = h(A − λ)u, wi,

para todo u ∈ Dom(A), mostrando que w − v deve ser ortogonal a todo vetor
de H. Logo, v = w ∈ Dom(A), e terminamos a demonstração.

O intuito das próximas duas definições8 é generalizar a noção de convergência


de séries em espaços normados. Isto se torna uma necessidade natural devido ao
8 Estas definições e os subsequentes “Fatos” foram retirados/inspirados na referência [13]

26
fato de não estarmos lidando com espaços de Hilbert necessariamente separáveis:

XX) Definição: Seja X um espaço normado. Diremos que a famı́lia {xi }i∈I
de elementos de X é somável se existir x ∈ X de forma que, para
Ptodo  > 0 dado

exista F ⊆ I finito tal que, para todo F ⊇ F finito, se tenha ( i∈F xi ) − x <
.
P Nesse caso, diremos que a soma de tal famı́lia é x, e denotaremos x :=
i∈I xi (note que a soma de uma famı́lia somável é única). Se a famı́lia
{kxi k}i∈I for somável, então diremos que a famı́lia {xi }i∈I é absolutamente
somável.

XXI) Definição: Seja X um espaço normado. Diremos que a famı́lia


{xi }i∈I de elementos de X é de Cauchy se, dado  > 0, existe F ⊆ I finito tal
P
que, para todo F ⊆ I finito e disjunto de F , tem-se i∈F xi < .

Alguns fatos pertinentes relacionados às definições XX e XXI são: (alguns


são apresentados sem demonstração. Os que serão efetivamente utilizados pos-
teriormente são os Fatos 1, 2, 3, a implicação (⇒) do Fato 4 e o Fato 7)

Fato 1: Dada uma famı́lia Γ = {ri }i∈I não-vazia de números reais não-
negativos, se existir M > 0 tal que
( )
X
sup ri : F ⊆ I finito ≤ M,
i∈F
P P
então Γ é somável e i∈I ri = sup i∈F ri : F ⊆ I finito .

Obs.: daqui para frente, denotaremosPo fato de uma famı́lia de números reais
não-negativos {ri }i∈I ser somável por i∈I ri < ∞.

Demonstração: Basta mostrar que


( )
X X
ri = sup ri : F ⊆ I finito =: s.
i∈I i∈F
P
Seja  > 0. Pela hipótese, sabemos que o supremo de i∈F ri : F ⊆ I finito
existe e é um número real.P Da definição de supremo, temos que existe F ⊆ I
finito de modo que s −  <P i∈F ri . Mas,
P se F ⊆ I é um subconjunto
P finito tal
que F ⊇ F , então s −  < i∈F ri ≤ i∈F ri , o que implica | i∈F ri − s| < .
P P
Assim, da unicidade da soma, vem que i∈I ri = sup i∈F ri : F ⊆ I finito .

Fato 2: Se Γ = {ri }i∈I é uma famı́lia


P somável não-vazia
de números reais
P
não-negativos, então i∈I ri = sup i∈F ri : F ⊆ I finito =: s.

Demonstração: Seja  > 0. Sabemos, por hipótese, que existe F ⊆ I


finito P F ⊆ I é um subconjunto finito
tal que, se P P que satisfazPF ⊇ F , en-
tão |( i∈F ri ) − i∈I ri | < , e isto implica ( i∈I ri ) −  < i∈F ri . Para

27
P
finalizar
P a demonstração, basta mostrar que i∈I riP é uma cota superior de
P
P i∈F ir : F ⊆ I
P finito . Seja
P F ⊆ I finito.
P Então, i∈F ri ≤ i∈F ∪F ri =
( i∈F ∪F ri ) − ( i∈I ri ) + ( i∈I ri ) <  + ( i∈I ri ) e, como  e F são arbitrá-
rios, concluiu-se a demonstração.

Fato 3: Se a famı́lia {xi }i∈I é de Cauchy, então o conjunto


E := {i ∈ I : xi 6= 0}
é enumerável.
S
Demonstração: Como E = n∈N\{0} {i ∈ I : kxi k ≥ 1/n}, basta mostrar
que En := {i ∈ I : kxi k ≥ 1/n} é finito, para todo n ∈ N\ {0}. De fato, se En
não for finito, para algum n ∈ N\ {0}, então dado F ⊆ I finito, garantimos a
existência de j ∈ En \F . Logo, como En \F é disjunto de F , {xi }i∈I não pode
ser de Cauchy.

Fato 4: Se X é um espaço de Banach, então a famı́lia {xi }i∈I é somável se,


e somente se, for de Cauchy.

Fato 5: Se {xi }i∈I é uma famı́lia absolutamente somável e X é um espaço


de Banach, então ela é somável: de fato, se  > 0 é dado, sabemos que existe,
P Fato 4, F ⊆ I finito tal P
pelo que, se F ⊆ PI é finito e disjunto de F , então
i∈F kx i k <  e, portanto,
i∈F x i

i∈F kxi k < . Logo, valendo-se
novamente do Fato 4, concluı́mos que {xi }i∈I é somável.

Fato 6: Se A é um operador limitado num espaço com produto interno


H e {xi }i∈I é uma famı́lia somável em H, então
P{Axi }i∈I é somável em
H
P P P
e i∈I Axi = A( i∈I xi ). (basta notar que i∈F Axi − A( i∈I xi ) ≤
P P
kAk ( i∈F xi ) − i∈I xi , para todo F ⊆ I finito)

Fato 7: Seja {Xi }i∈I uma famı́lia de espaços normados. Então,

a) o conjunto
( )
Y
⊕i∈I Xi := (xi )i∈I ∈ Xi : {i ∈ I : xi 6= 0} é finito
i∈I

é denso no conjunto
( )
Y X p
˜lp := (xi )i∈I ∈ Xi : kxi k < ∞ ,
i∈I i∈I

se 1 ≤ p < ∞ (com a topologia induzida pela norma dada por


sX
p
k(xi )i∈I k := p kxi k ,
i∈I

28
para todo (xi )i∈I ∈ ˜lp ): de fato, sejam  > 0 e (xi )i∈I ∈ ˜lp . Da somabilidade
p
P {kxi k }i∈I pgarantimos,
de P pelo FatoP2, a existência de Fp ⊆ I finito tal que
p p p
i∈I\Fp kx i k = | i∈Fp kxi k − i∈I kxi k | <  . Considere o elemento
(yi )i∈I definido por yi = xi , se i ∈ Fp e yi = 0, se i ∈ I\Fp . Então, (yi )i∈I é
tal que (yi )i∈I ∈ ⊕i∈I Xi e k(yi )i∈I − (xi )i∈I k < .

Logo, se p = 2 e cada Xi := Hi for um espaço com produto interno, ˜l2 será


um espaço com produto interno, sendo este dado por
X
h(xi )i∈I , (yi )i∈I i := hxi , yi i,
i∈I
Q
(xi )i∈I , (yi )i∈I ∈ i∈I Hi .

b) ˜lp é completo se, e somente se, Xi é completo, para todo i ∈ I. Para


demonstrar este item, basta usar o Fato 1 e alguns truques simples de Análise.

XXII) Seja X um conjunto não-vazio.

Uma famı́lia S não-vazia de subconjuntos de X é dita ser uma semi-álgebra


em X se:

1. X ∈ S;

2. para todos A, B ∈ S tem-se que A ∩ B ∈ S; (e, portanto, intersecções


finitas de elementos de A pertencem a A)
3. para todo A ∈ S, existem n ∈ N e elementos Ai ∈ S, 1 ≤ i ≤ n, com
Ai ∩ Aj = ∅, se i 6= j, tais que X\A = ∪1≤i≤n Ai .

Além disso, uma famı́lia A não-vazia de subconjuntos de X é dita ser uma


álgebra X se:

1. para todos A, B ∈ A tem-se que A ∪ B ∈ A; (e, portanto, uniões finitas


de elementos de A pertencem a A)
2. para todo A ∈ A, tem-se que X\A ∈ A.

(Note que X ∈ A).

Um resultado muito importante que vamos utilizar mais tarde, na demons-


tração do teorema espectral para n-uplas finitas de operadores lineares limitados
auto-adjuntos que comutam dois a dois, é o seguinte:

Lema:9 Seja S uma semi-álgebra em X. Então a álgebra gerada por S,


A(S), consiste no conjunto D(S) das uniões finitas disjuntas de elementos de
9 Este lema foi demonstrado com base em informações de [9]

29
S.

Demonstração: É possı́vel ver que A(S) é o conjunto das uniões finitas de


elementos de S com complementares de elementos de S. Logo, tem-se trivial-
mente que D(S) ⊆ A(S). Como D(S) contém S, terminaremos a demonstração
se mostrarmos que D(S) é uma álgebra. Vamos mostrar, primeiramente, que
D(S) é fechado por complementação. SejamSBj , 1 ≤ j ≤ m, elementos de S tais
que Bp ∩ Bq = ∅, se p 6= q. Definindo B := 1≤j≤m Bj temos que
\
X\B = X\Bj ,
1≤j≤m

eS cada X\Bj é uma união disjunta de elementos de S, digamos X\Bj =


k k
1≤k≤r(j) Bj , para algum r(j) ∈ N e certos Bj ∈ S. Logo, X\B é a união
variando-se nas m-uplas (k(i))1≤i≤m , onde 1 ≤ k(i) ≤ r(i), dos elementos
T k(j) T k(j)
1≤j≤m Bj . Cada 1≤j≤m Bj pertence a S, pelo fato de S ser uma semi-
T k (j)
álgebra. Além disso, eles são dois a dois disjuntos, pois se 1≤j≤m Bj 1 e
T k2 (j)
1≤j≤m jB são tais que (k 1 (i))1≤i≤m 6
= (k2 (i)) 1≤i≤m , então existe i tal
k (i) k (i) T k (j)
que k1 (i) 6= k2 (i). Logo, Bi 1 ∩ Bi 2 = ∅, mostrando que 1≤j≤m Bj 1 e
T k2 (j)
1≤j≤m Bj são disjuntos. Isto estabelece que X\B é uma união disjunta de
elementos de S. Vamos mostrar, agora, que D(S) é fechado por união. Sejam
≤ l ≤ n, elementos
Al , 1 S S de S tais que Ai ∩ Aj = ∅, se i 6= j. Vamos mostrar
que ( 1≤l≤n Al )∪( 1≤j≤m Bj ) é uma união disjunta de elementos de S. Temos
que [ [
( Al ) ∪ B = ( (Al ∩ X\B)) ∪ B.
1≤l≤n 1≤l≤n

Mas X\B é uma união disjunta de elementos de S, como já vimos. Portanto,
S
1≤l≤n (Al ∩ X\B) é uma união disjunta de elementos de S, sendo que tais
elementos são todos disjuntos de B. Isto termina a demonstração.

30
“Álgebras de Banach e C∗ -álgebras - alguns resultados elementares”
10

Definiremos uma álgebra de Banach A como sendo um C-espaço vetorial no


qual:
1. além das operações de soma (+) e de multiplicação por um escalar (·), está
definida uma operação de multiplicação ◦ : A × A −→ A que é associativa
e bilinear (em particular, vale a distributividade à esquerda e à direita).
Os sı́mbolos de multiplicação e de multiplicação por escalar serão sempre
omitidos;
2. está definida uma norma k · k que é submultiplicativa (isto é, ela satisfaz
kabk ≤ kakkbk, para todos a, b ∈ A) e que induz uma métrica segundo a
qual A, quando considerada como um espaço métrico, é completo.
Uma álgebra de Banach será dita comutativa se a multiplicação satisfizer
ab = ba, para todos a, b ∈ A. Além disso, se A for uma álgebra de Banach na
qual existe um elemento IA satisfazendo IA 6= 0, aIA = IA a = a, para todo
a ∈ A, e kIA k = 1 (note que aIA = IA a = a, para todo a ∈ A implica somente
kIA k ≥ 1), diremos que tal álgebra possui uma unidade (note que sua definição
implica sua unicidade). Agora, se A for uma álgebra de Banach na qual está
definida uma aplicação ∗ : A −→ A satisfazendo, para todos a, b ∈ A e λ ∈ C:
1. (a + λb)∗ = a∗ + λb∗ ,
2. (ab)∗ = b∗ a∗ ,
3. (a∗ )∗ = a,
com a propriedade adicional ka∗ ak = kak2 , para todo a ∈ A, então A é
dita ser uma C∗ -álgebra (∗ é denominada aplicação de involução, e a propri-
edade ka∗ ak = kak2 , para todo a ∈ A, é denominada propriedade C∗ ; além
disso, a∗ é definido como o adjunto de a). Numa C∗ -álgebra, a involução
é uma isometria, isto é, ka∗ k = kak, para todo a ∈ A. Isto se segue da
propriedade 3 da involução, da submultiplicatividade da norma e da identi-
dade C∗ . Se A for uma C∗ -álgebra que possui uma unidade, dizemos que
A é uma C∗ -álgebra unital. Se A for uma C∗ -álgebra sem unidade podemos
munir o produto cartesiano A × C com uma estrutura de C∗ -álgebra unital,
na qual a aplicação a 7−→ (a, 0) := é uma isometria. Basta definirmos a
soma, o produto por escalar e a involução da maneira óbvia (coordenada a co-
ordenada), o produto por (a, α)(b, β) 7−→ (ab + αb + βa, αβ) e a norma por
k(a, α)k = sup {(a, α)x̃ : x ∈ A, kxk ≤ 1}, a, b ∈ A, α, β ∈ C. A unidade, neste
caso, será o elemento (0, 1) (a C∗ -álgebra à assim obtida é conhecida como a
unitização de A).

Se A é uma C∗ -álgebra, dizemos que:


10 Esta subseção foi escrita com inspiração na leitura de textos presentes em [16], [21], [17]

e [3]

31
1. a ∈ A é um elemento normal se aa∗ = a∗ a, isto é, se a comuta com seu
adjunto;
2. a ∈ A é um elemento auto-adjunto se a = a∗ ;

3. a ∈ A é um elemento unitário se satisfaz aa∗ = a∗ a = IA ;


4. a ∈ A é uma projeção se satisfaz a∗ = a = a2 .11

Ressaltamos aqui, sem demonstração, que os espaços C(I) e B(H) são C∗ -


álgebras, se definirmos suas involuções pela conjugação complexa e pela operação
de adjunção, respectivamente.
Um homomorfismo entre C∗ -álgebras será dito um ∗-homomorfismo se for um
homomorfismo de álgebras que preserva a involução. Se as C∗ -álgebras forem
unitais e tal homomorfismo levar a unidade de uma na unidade da outra, então
ele será denominado um homomorfismo unital.

Um resultado muito conhecido afirma que, se A é uma álgebra de Banach


com unidade IA , então o elemento IA − a é inversı́vel, para todo
P+∞ a ∈ A sa-
tisfazendo kak < 1. Neste caso, mostra-se que (IA − a)−1 = n
n=0 a (esta
fórmula é conhecida como série de Von Neumann). Isto mostra que o con-
junto G(A) := {a ∈ A : a é inversı́vel em A } (dizer que “a ∈ A é inversı́-
vel em A” significa dizer que a possui um inverso multiplicativo a−1 , isto é,
aa−1 = a−1 a = IA , e que este pertence a A) é aberto em A, pois se a ∈ G(A)
e b ∈ A satisfizer kbk < ka−1 k−1 , então a − b = a(IA − a−1 b), e IA − a−1 b é
inversı́vel, uma vez que ka−1 bk ≤ ka−1 kkbk < 1.
É possı́vel provar que a operação de inversão em G(A) é um homeomorfismo
diferenciável (não nos aprofundaremos nesta discussão, aqui).

Dado a ∈ A numa álgebra de Banach com unidade, definimos o espectro de


a com respeito a A por σA (a) := {λ ∈ C : λIA − a não é inversı́vel em A}, e o
seu resolvente (com respeito a A) por ρA (a) := C\σA (a). Definimos, ainda, o
raio espectral de a, com respeito a A, por rnA (a) := sup {|λ| : λ ∈ σA (a)} (se oA
não tiver uma unidade, definimos σA (a) := λ ∈ C : λIà − é inversı́vel em à ,
sendo IÃ = (0, 1)). Aliás, o acréscimo “com respeito a A” posto acima na
definição de espectro se deve ao fato de que, se um certo elemento a ∈ A
pertence a uma subálgebra de Banach de A, digamos B, com IA ∈ B - por
exemplo, a subálgebra gerada por a e IA -, então σA (a) ⊆ σB (a), mas nem
sempre se tem a inclusão inversa, pois um elemento inversı́vel em A pode não
ser inversı́vel em B. Portanto, se λ ∈ C, |λ| > kak, então λ ∈ ρA (a). De fato,
se |λ| > kak, temos que λ1 − a = λ(IA − a/λ), e ka/λk < 1. Além disso, como
C 3 λ 7−→ λIA − a ∈ A é uma aplicação contı́nua e σA (a) é a imagem inversa
de A\G(A) por tal aplicação, segue que σA (a) é um subconjunto fechado de C.
11 Aqui temos uma certa ambiguidade de nomenclaturas, pois se a fosse um operador limi-

tado agindo sobre um espaço de Hilbert, ele seria chamado de projeção ortogonal. No entanto,
no contexto de C∗ -álgebras abstratas chamaremos tal elemento somente de projeção

32
Logo, σA (a) é um subconjunto compacto de C. Prova-se, inclusive, que σA (a)
é sempre não-vazio.
Uma fórmula extremamente importante afirma que

(R) rA (a) = lim kan k1/n .


n

Com esta fórmula, mostra-se que, se A for uma C∗ -álgebra unital, então rA (a) =
kak, sempre que a ∈ A for um elemento normal ou auto-adjunto. Inclusive,
usando este fato, podemos dar uma aplicação interessante aos operadores auto-
adjuntos sobre espaços de Hilbert (sejam eles limitados ou não). Vamos fazer
uma breve digressão para mostrar um lema e, logo em seguida, mostrar a apli-
cação mencionada:12

Lema A0: Se A é um operador linear injetor agindo num espaço de Hilbert


H, então
σ(A−1 )\{0} = {λ−1 : λ ∈ σ(A)\{0}},
onde Dom(A−1 ) := Im(A)

Demonstração: A identidade algébrica

(z −1 − λ−1 )−1 = −λz(z − λ)−1 ,

válida para quaisquer z, λ ∈ C não-nulos, nos motiva a ideia da demonstração:


se λ ∈ ρ(A), λ 6= 0, então para todo u ∈ H,

(A−1 − λ−1 )(−λA(A − λ)−1 )u = −λ(A − λ)−1 u + A(A − λ)−1 u = u,

enquanto que para todo v := Aw ∈ Dom(A−1 ) = Im(A),

(−λA(A − λ)−1 )(A−1 − λ−1 )v = A(A − λ)−1 (−λ + A)w = Aw = v.

Isto mostra que


−λA(A − λ)−1 = (A−1 − λ−1 )−1
e, como
−λA(A − λ)−1 = −λ2 (A − λ)−1 − λ
e o membro da direita pertence a B(H), temos pela definição de resolvente que
λ−1 ∈ ρ(A−1 ). Isto mostra a inclusão ρ(A−1 )\{0} ⊇ {λ−1 : λ ∈ ρ(A)\{0}}, ou
seja, σ(A−1 )\{0} ⊆ {λ−1 : λ ∈ σ(A)\{0}}. Usando-se a identidade

−λ−1 z −1 (z −1 − λ−1 )−1 = (z − λ)−1

e a mesma estratégia acima, mostra-se a outra inclusão.

Teorema: O espectro de qualquer operador auto-adjunto A agindo num es-


paço de Hilbert H é não-vazio.

12 O lema, bem como a aplicação mencionada, foram retirados de [6]

33
Demonstração: Se 0 ∈ σ(A), não há nada a demonstrar. Suponha que
0∈ / σ(A). Então, está bem definido e é limitado o operador A−1 . Como A−1
é auto-adjunto,13 rB(H) (A−1 ) = kA−1 k, pelo que acabamos de afirmar. Isto
mostra que σ(A−1 ) contém um elemento não-nulo de C, pois caso contrário,
A−1 seria nulo, um absurdo. Logo, existe 0 6= λ ∈ σ(A−1 ). Pelo Lema A0,
garantimos que λ−1 ∈ σ(A), mostrando que o espectro de A é não-vazio. Isto
estabelece o resultado desejado.

(na realidade, ganhamos o seguinte corolário, também: se A é um operador


linear agindo sobre um espaço de Hilbert H tal que 0 ∈ / σ(A) e A−1 é um
operador normal, então σ(A) 6= ∅. Isto se deve ao fato de que também temos
rB(H) (A−1 ) = kA−1 k, neste caso).

Voltemos à teoria de álgebras de Banach.

Devido ao fato de a definição do raio espectral ser puramente algébrica e à


“ponte” criada entre a estrutura algébrica e a estrutura topológica de A pela
fórmula (R), provamos que o raio espectral de a permanece o mesmo, tanto se
o consideramos com respeito a A ou com respeito a alguma subálgebra unital
de A que contenha a (desde que a unidade desta seja a unidade de A). Por
este motivo, representaremos o raio espectral de a simplesmente por r(a), de
agora em diante. Prova-se também que se A é uma ∗-álgebra (isto é, uma ál-
gebra com uma involução) que adquire uma estrutura de C∗ -álgebra quando
munida de uma certa norma k · k1 e se, quando munimos A com uma outra
norma k · k2 , (mantendo as mesmas operações de soma, multiplicação, multipli-
cação por escalar e involução) A também se transforma numa C∗ -álgebra, então
k · k1 = k · k2 . De fato, se a ∈ A é um elemento de uma álgebra de Banach A com
unidade que se torna uma C∗ -álgebra tanto com k · k1 quanto com k · k2 , então
kak21 = ka∗ ak1 = r(a∗ a) = ka∗ ak2 = kak22 , pois a∗ a é um elemento auto-adjunto
de A.

Devido ao fato (não trivial) de que o espectro de todo elemento de uma ál-
gebra de Banach com unidade é não-vazio, prova-se o seguinte resultado:

Teorema (Gelfand): Se A é uma álgebra de Banach com unidade tal que


todo elemento não-nulo é inversı́vel, então A é isometricamente isomorfa a C
(a comutatividade de A também é conseqüência do teorema).

Demonstração: notemos, primeiramente, que o espectro de cada elemento


a de A, por ser não-vazio, contém somente um elemento. De fato, se λ, µ ∈
σA (a), então λIA − a = 0 = µIA − a, pela definição de espectro, uma vez que
13 Pois seja A um operador simétrico densamente definido tal que 0 ∈
/ σ(A). Então, se v ∈ H
e u ∈ Dom(A−1 ), existem x, y ∈ Dom(A) tais que Ax = u e Ay = v. Logo,
hA−1 u, vi = hx, Ayi = hAx, yi = hu, A−1 vi,
mostrando que A−1 é auto-adjunto

34
todo elemento não-nulo de A é inversı́vel. Como IA 6= 0, λ = µ. (o espectro de
0A é constituı́do somente pelo 0).
Seja a ∈ G(A) e λ ∈ σA (a). Como todo elemento não-nulo é inversı́vel, devemos
ter λIA − a = 0, pela definição de espectro. Logo, a = λIA . Isto mostra o
resultado, pois então a aplicação que associa cada elemento de A ao seu respec-
tivo elemento do espectro está bem definida, é um homomorfismo de álgebras
isométrico (se a = λIA , então kak = kλIA k = |λ|kIA k = |λ|) e é uma bijeção de
A em C.

É possı́vel, ainda, obter uma outra condição suficiente para que uma álgebra
de Banach unital seja isometricamente isomorfa a C. Para tanto, vamos pre-
cisar do seguinte lema,14 que também será utilizado depois, por uma outra razão:

Lema A1: Se a ∈ ∂G(A) (∂G(A) denota a fronteira topológica de G(A))


e {an }n∈N é uma seqüência de elementos de G(A) tal que an −→ a, então
ka−1n k −→ +∞ (note que tal seqüência sempre existe, pois A é um espaço mé-
trico; além disso, ela possui infinitos elementos em sua imagem, pois a ∈
/ G(A),
já que G(A) é aberto em A).

−1
Demonstração: Suponhamos que
 não valha kan k −→ +∞. Então, exis-
tem uma subseqüência ank k∈N de an n∈N e M > 0 tais que ka−1
 −1 −1
nk k ≤ M,
para todo k ∈ N. Como an −→ a, sabemos que existe k0 tal que kank0 − ak <
1/M e, portanto, kIA − a−1 −1 −1
nk0 ak = kank0 (ank0 − a)k ≤ kank0 kk(ank0 − a)k < 1.
−1
Concluirı́amos, então, pela série de Von Neumann, que ank a = IA − (IA − a−1 nk 0 )
0
é inversı́vel, e terı́amos, portanto, que a também é inversı́vel, um absurdo.

Agora vamos usar o lema acima para mostrar que:

Teorema: Se A é uma álgebra de Banach com unidade satisfazendo

kakkbk ≤ M kabk,

para algum M > 0 e todos a, b ∈ A, então A é isometricamente isomorfa a C.

Demonstração: Vamos mostrar que, se a ∈ ∂G(A), então a = 0. De fato,


seja {an }n∈N uma seqüência de elementos de G(A) tal que an −→ a. Então,
kan kka−1 −1
n k ≤ M kan an k = M kIA k = M , para todo n ∈ N, mostrando que
kan k −→ 0, devido ao lema anterior. Logo, pela continuidade da norma, temos
que kak = k limn an k = limn kan k = 0 e, portanto, a = 0. Sejam, agora, a ∈ A
e λ ∈ ∂σA (a). Então, existe uma seqüência {λn }n∈N em ρ(a) tal que λn −→ λ.
Portanto, como λIA − a ∈ ∂G(A) (pois λ ∈ ∂σ(a)), temos que λIA − a = 0,
pelo argumento acima. Logo, a conclusão do teorema se dá de forma análoga à
conclusão do Teorema de Gelfand.

14 Este lema, bem como o próximo teorema, foram retirados de [3]

35
Dado um espaço de Banach X sobre C, representamos por X 0 o seu dual,
isto é, X 0 := {f : X −→ C : f é linear e contı́nuo }. Pelo Teorema de Banach-
Alaoglu, sabemos que a bola unitária {f ∈ X 0 : kf k ≤ 1} (onde k · k é a norma
usual de operador em X 0 ) é um subconjunto compacto de X 0 , quando munido
da topologia fraca-∗.15 Agora, dada uma uma álgebra de Banach com unidade
A, podemos considerar o conjunto

ΩA := {φ : A −→ C : φ é linear, contı́nuo e multiplicativo, φ 6= 0} ,

onde ser multiplicativo significa que φ(ab) = φ(a)φ(b), para todos a, b ∈ A. É


possı́vel mostrar que todos os elementos de ΩA possuem norma (de operador)
igual a 1. Agora, como toda álgebra de Banach é, em particular, um espaço de
Banach sobre C, as inclusões

ΩA ⊆ {φ ∈ X 0 : kφk ≤ 1} ⊆ A0

fazem sentido. Além disso, se munirmos A0 com a topologia fraca-∗, ΩA será um


subconjunto fechado (em A0 ) de {φ ∈ X 0 : kφk ≤ 1} (para mostrar isso, basta
usar a caracterização de continuidade via nets e o fato de A0 ser Hausdorff,
quando munido da topologia fraca-∗), que é, por sua vez, compacto em A0 . As-
sim, vemos que ΩA também é um subconjunto compacto de A0 .
Se A for uma C∗ -álgebra, mostra-se que os elementos φ de ΩA , acima definido,
automaticamente satisfazem φ(a∗ ) = φ(a).

Seja A uma álgebra de Banach comutativa com unidade. Então, a aplicação


(denominada aplicação de Gelfand)

ˆ· : A 3 a −→ â ∈ C(ΩA )

(C(ΩA ) sendo munida da norma do sup kf k∞ := max {|f (φ)| : φ ∈ C(ΩA )},
onde â : φ 7−→ φ(a)) é um homomorfismo contı́nuo de álgebras de norma 1.
Inclusive, prova-se que, numa C∗ -álgebra comutativa A com unidade, para todo
a ∈ A, σA (a) = {φ(a) ∈ C : φ ∈ ΩA }. Conseqüentemente,

kâk+∞ := sup {|â(φ)| ∈ C : φ ∈ ΩA } = sup {|φ(a)| ∈ C : φ ∈ ΩA } =

max {|φ(a)| ∈ C : φ ∈ ΩA } = max {|λ| : λ ∈ σA (a)} = r(a),


onde a antepenúltima igualdade se dá devido à compacidade de ΩA e à conti-
nuidade da função | · |. Se, além disso, A for uma C∗ -álgebra comutativa unital,
então tal aplicação será um ∗-isomorfismo (ou seja, um isomorfismo de álgebras
que preserva a involução) isométrico de A sobre ΩA (um jeito de provar isto é
15 A topologia fraca-∗ é a topologia menos fina em X 0 que torna as aplicações x̂ : X 0 −→ C,

x̂ : X 0 3 f 7−→ f (x) ∈ C, x ∈ X, contı́nuas (agradeço ao professor Paulo D. Cordaro por


esclarecer certas dúvidas nossas quanto a algumas tecnicalidades referentes a esta definição).
Como conseqüência da definição de topologia fraca-∗, as aplicações de soma e multiplicação
por escalar em X 0 serão contı́nuas. Além disso, como a famı́lia {x̂ : x ∈ X} separa pontos -
i.e., dados f1 , f2 ∈ X com f1 6= f2 , existe x̂ ∈ X 00 tal que x̂(f1 ) 6= x̂(f2 ) -, garantimos que X
é Hausdorff, uma vez que C é Hausdorff

36
usando, além da identidade C∗ e a fórmula (R), o fato de que ΩA é um espaço
topológico Hausdorff e compacto, pois invoca-se o Teorema da Aproximação de
Stone-Weierstrass.16
Pelo que foi dito neste parágrafo e pela última frase do parágrafo anterior, po-
demos mostrar que se A for uma C∗ -álgebra comutativa unital e a ∈ A for um
elemento auto-adjunto, então seu espectro está contido em R: seja λ ∈ σA (a).
Então, existe φ ∈ ΩA tal que λ = φ(a). Assim, λ = φ(a) = φ(a∗ ) = φ(a) = λ,
provando o que querı́amos.

Se A é uma C∗ -álgebra unital e a ∈ A é um elemento normal, podemos definir


um ∗-isomorfismo entre a “menor” C∗ -álgebra que contém a e IA (segundo a
ordem imposta pela inclusão), que denotaremos por C ∗ (a), e o conjunto das
funções contı́nuas a valores complexos definidas em σA (a), C(σA (a)) - este ∗-
isomorfismo é denominado Cálculo Funcional Contı́nuo. Aliás, note que C ∗ (a) =
nP o
i ∗ j ∗
i,j,(i+j)≤n cij a (a ) , cij ∈ C, n ∈ N , isto é, C (a) é o fecho do conjunto dos
polinômios complexos em a e a∗ . E como a é normal, C ∗ (a) é uma C∗ -álgebra
comutativa.
Para estabelecer tal Cálculo Funcional, primeiramente notamos que a aplicação

τ : ΩC ∗ (a) 3 φ 7−→ φ(a) ∈ σC ∗ (a) (a).

Note que a ação de τ é a mesma de , definida anteriormente, e que a imagem


de τ é σC ∗ (a) (a), pois

σC ∗ (a) (a) = φ(a) : φ ∈ ΩC ∗ (a)

é injetora, devido à simplicidade da estrutura de C ∗ (a): se φ(a) = ψ(a),


φ, ψ ∈ ΩC ∗ (a) , então φ(a∗ ) = φ(a) = ψ(a) = ψ(a∗ ) uma vez que, em uma C∗ -
álgebra unital A, todo elemento φ de ΩA satisfaz automaticamente φ(a∗ ) = φ(a).
Assim, pela linearidade e a multiplicatividade de φ e ψ, vemos que seus valo-
res coincidem sobre todo polinômio complexo em a e a∗ . Logo, pela continui-
dade de φ e ψ (lembre-se que kφk = kψk = 1), concluı́mos que seus valores
coincidem sobre todo elemento do fecho do conjunto dos polinômios complexos
em a e a∗ , isto é, sobre C ∗ (a). Logo, φ = ψ, e verificamos a injetividade de
τ . Assim, τ é uma aplicação contı́nua e bijetora entre um espaço compacto
e um espaço Hausdorff e, conseqüentemente, é uma aplicação fechada. Por-
tanto, τ é um homeomorfismo. Este homeomorfismo induz um ∗-isomorfismo
Λ : C(ΩC ∗ (a) ) −→ C(σC ∗ (a) (a)), dado por Λ(f ) = f ◦ τ −1 . Logo, Λ ◦ ˆ· é um
∗-isomorfismo de C ∗ (a) em C(σC ∗ (a) (a)), e é tal que Λ ◦ â = Id, onde Id(z) = z,
para todo z ∈ σC ∗ (a) (a) (na verdade, é o único ∗-isomorfismo unital de C ∗ (a)
16 Teorema da Aproximação de Stone-Weierstrass para espaços compactos: Se X

é um espaço topológico compacto Hausdorff e A ⊆ C(X) é uma ∗-subálgebra completamente


separante de C(X) - uma famı́lia de funções A é separante se, dados x, y ∈ X, x 6= y, existe
f ∈ A tal que f (x) 6= f (y); se tal famı́lia, além de separante, for tal que: para todo x ∈ X,
existe f ∈ A satisfazendo f (x) 6= 0, então esta famı́lia será denominada completamente
separante -, então A é densa em C(X)

37
em C(σC ∗ (a) (a)) satisfazendo tal propriedade).

No contexto das C∗ -álgebras existe o seguinte:

Teorema (Invariância Espectral:) Se A é uma C∗ -álgebra unital com


unidade IA e B ⊆ A é uma sub C∗ -álgebra de A tal que IA ∈ B, então para todo
b ∈ B, tem-se que σB (b) = σA (b) (note que a inclusão σA (b) ⊆ σB (b) é imediata,
de modo que o que realmente precisa ser mostrado é a inclusão inversa).

Já mostramos no caso de álgebras de Banach com unidade que existe uma
“invariância” com respeito ao raio espectral, mas no caso de C∗ -álgebras temos
um pouco mais, como acabamos de afirmar. Para provar este teorema vamos
precisar de alguns lemas:

Lema A2: Se A é uma álgebra de Banach com unidade IA e B ⊆ A é uma


sub-álgebra fechada de A tal que IA ∈ B, então para todo b ∈ B, tem-se que
∂σB (b) ⊆ ∂σA (b).

Demonstração: Sejam b ∈ B e λ ∈ ∂σB (b). Pela definição de fronteira to-


pológica, existe uma seqüência (que, aliás, possui imagem infinita) {λn }n∈N de
elementos de ρB (b) ⊆ ρA (b) tal que λn −→ λ. Assim, λn IA − b ∈ G(B) ⊆ G(A),
para todo n ∈ N. Como σB (b) é fechado em C, segue que λIA − b ∈ / G(B).
Logo, como λn IA − b −→ λIA − b em A, devemos ter λIA − b ∈ ∂G(B), pois
G(B) = int(G(B)) ∪ ∂G(B) e int(G(B)) ⊆ G(B) (aliás, lembre-se que a fron-
teira considerada aqui é relativa à topologia de A; assim, G(B) pode não ser
aberto em A). Portanto, pelo Lema A1, temos que k(λn IA − b)−1 k −→ +∞.
Vamos mostrar, agora, que λIA − b ∈ ∂G(A). Já sabemos que λIA − b ∈ G(A).
Se tivéssemos λ ∈ int(G(A)) = G(A), então pela continuidade da operação
de inversão em G(A) e da norma em A, terı́amos que k(λn IA − b)−1 k −→
k(λIA − b)−1 k, o que é incoerente com o que acabamos de observar. Portanto,
λIA − b ∈ ∂G(A) = ∂(A\G(A)) ⊆ A\G(A) = A\G(A), o que nos leva a concluir
que λ ∈ σA (b). Como, também, λ é limite de elementos de ρA (b) := C\σA (b),
concluı́mos, finalmente, que λ ∈ ∂σA (b). Isto mostra a inclusão que querı́amos.

O próximo lema é de fácil demonstração:

Lema A3: Se A é uma ∗-álgebra com unidade, então a ∈ A é inversı́vel em


A se, e somente se, aa∗ e a∗ a são inversı́veis em A.

Podemos, agora, demonstrar o Teorema da Invariância Espectral:

Demonstração: Seja b ∈ B. Façamos, primeiramente, a demonstração


supondo-se que b é auto-adjunto em B. Como já observamos anteriormente,
o espectro σC ∗ (b) (b) é real, pois C ∗ (b) é uma C∗ -álgebra comutativa. Logo,

38
σC ∗ (b) (b) = ∂σC ∗ (b) (b), pois int(σC ∗ (b) (b)) = ∅. Assim,

σB (b) ⊆ σC ∗ (b) (b) = ∂σC ∗ (b) (b) ⊆(∗) ∂σB (b) ⊆B (b),

(usamos o Lema A2 em (∗)) mostrando que σC ∗ (b) (b) = σB (b). Repetindo o


argumento acima substituindo-se σB (b) por σA (b), obtemos σC ∗ (b) (b) = σA (b)
e, conseqüentemente, σB (b) = σA (b). Suponhamos, agora, que b ∈ B é um
elemento arbitrário, e seja λ ∈ σB (b). Então, pela definição de espectro, λIA − b
não é inversı́vel em B. Pelo Lema A3, sabemos que (λIA − b)(λIA − b)∗ ou
(λIA − b)∗ (λIA − b) não é inversı́vel em B. Portanto, pelo que acabamos de
mostrar, (λIA − b)(λIA − b)∗ ou (λIA − b)∗ (λIA − b) não é inversı́vel em A. Con-
cluı́mos, então, aplicando novamente o Lema A3 (agora para A), que λIA − b
não é inversı́vel em A. Logo, λ ∈ σA (b), como querı́amos.

Devido a este teorema, é possı́vel inferir a respeito do espectro de um ele-


mento auto-adjunto, por exemplo, em uma C∗ -álgebra unital A qualquer (não
necessariamente comutativa): se a ∈ A é auto-adjunto, então em particular é
normal, de modo que podemos utilizar o Cálculo Funcional construı́do acima.
Pelo Cálculo Funcional, temos que, como a = a∗ , então id = · (id é a fun-
ção identidade sobre σC ∗ (a) (a)), aplicando-se o ∗-isomorfismo Λ ◦ ˆ· : C ∗ (a) −→
C(σC ∗ (a) (a)) em ambos os membros, onde · denota a conjugação complexa em
C (ou, mais precisamente, em σC ∗ (a) ). Assim, devemos ter z = z, para todo
z ∈ σC ∗ (a) . Pelo Teorema de Invariância Espectral, concluı́mos que z = z, para
todo z ∈ σA (a), isto é, o espectro de a é real. Logo, a é auto-adjunto em A se,
e somente se, seu espectro está contido em R.
Seguindo passos semelhantes é possı́vel mostrar que

1. a ∈ A satisfaz aa∗ = a∗ a = IA se, e somente se, σA (a) ⊆ {z ∈ C : |z| = 1};


2. a satisfaz a∗ = a = a2 se, e somente se, σA (a) ⊆ {0, 1}.

Para finalizar este resumo sobre C∗ -álgebras, vamos mostrar que todo ∗-
homomorfismo bijetor entre duas C∗ -álgebras unitais é necessariamente uma
isometria:

Lema A4: Seja φ : A −→ B um ∗-homomorfismo bijetor e unital entre


duas C∗ -álgebras unitais A e B, de unidades IA e IB , respectivamente. Então,
φ é uma isometria.

Demonstração: Seja a ∈ A. Se λIA − a ∈ G(A), então φ(λIA − a) ∈ G(B),


pois φ preserva a multiplicação. Logo, σB (φ(a)) ⊆ σA (a) (note que isto vale
mesmo que φ não seja bijetor). Portanto, r(φ(a)) ≤ r(a), para todo a ∈ A.
Como já vimos anteriormente, para todo a ∈ A, temos que r(a∗ a) = ka∗ ak, pois
a∗ a é auto-adjunto em A. Logo,

kφ(a)k2 = kφ(a)∗ φ(a)k = r(φ(a)∗ φ(a)) = r(φ(a∗ a)) ≤ r(a∗ a) = ka∗ ak = kak2 ,

39
para todo a ∈ A. Isto mostra que kφ(a)k ≤ kak, para todo a ∈ A. Como φ−1
está bem definido e é um ∗-homomorfismo entre C∗ -álgebras unitais, concluı́mos
que kφ−1 (b)k ≤ kbk, para todo b ∈ B, estabelecendo o desejado.

Terminamos afirmando (sem demonstrações) que quocientes de C∗ -álgebras


A por ideais fechados J ⊆ A podem se tornar C∗ -álgebras quando munidas
das estruturas algébricas e topológicas adequadas; tais C∗ -álgebras quocientes
são utilizadas para estabelecer o resultado de que a imagem de qualquer ∗-
homomorfismo unital entre C∗ -álgebras unitais é fechado na topologia da C∗ -
álgebra que é o contradomı́nio. Logo, o resultado que acabamos de mostrar se
estende para ∗-homomorfismos unitais injetores, isto é, eles não precisam ser
necessariamente sobrejetores.

40
41
1 O Teorema Espectral

Antes de iniciar a demonstração do Teorema Espectral, vamos demonstrar


um teorema auxiliar que será utilizado com freqüência, posteriormente:

Lema 1.1 (B.L.T. - Bounded Linear Transformation): Sejam X e


Y espaços normados não-triviais, sendo Y completo. Se D ⊆ X é um subes-
paço de X e T : D −→ Y é uma transformação linear limitada com, digamos,
kT xk ≤ C kxk para um certo C > 0 e todo x ∈ D, então existe uma única
transformação linear limitada T̃ : D −→ Y tal que T̃ |D = T e T̃ x ≤ C kxk,

para todo x ∈ D. Em particular, se D for denso em X, então existe


uma única
transformação linear limitada T̃ : X −→ Y tal que T̃ |D = T e T̃ x ≤ C kxk,

para todo x ∈ X.

Demonstração: Sejam x ∈ D e {xn }n∈N uma seqüência de elementos de


D tal que xn −→ x (tal seqüência existe, pois x ∈ D e todo ponto de X possui
uma base local enumerável de abertos básicos, uma vez que X é um espaço
métrico). Vamos mostrar que a aplicação dada por T̃ x := limn T xn , está bem
definida, e é linear e contı́nua. Primeiramente, notemos que kT xn − T xm k =
kT (xn − xm )k ≤ C kxn − xm k ≤ C(kxn − xk+kxm − xk), para todos n, m ∈ N,
o que mostra que {T xn }n∈N é uma seqüência de Cauchy em Y e, da completude
de Y , segue a existência do limite limn T xn (além disso, este limite é único, pois
Y é Hausdorff). Agora, se {yn }n∈N é uma seqüência de elementos de D tal que
yn −→ x, então kT xn − T yn k = kT (xn − yn )k ≤ C kxn − yn k ≤ C(kxn − xk +
kyn − xk) −→ 0, o que mostra que limn (T xn −T yn ) = 0 e, portanto, limn T yn =
limn T yn +limn (T xn −T yn ) = limn (T yn +(T xn −T yn )) = limn T xn . Logo, pelos
argumentos anteriores em conjunto, temos que T̃ : D −→ Y está bem definida.
T̃ é linear, pois se z ∈ D, com {zn }n∈N sendo uma seqüência de elementos de D
tal que zn −→ z, e α ∈ C, então T̃ (αx + z) := limn T (αxn + zn ) = limn (αT xn +
T zn ) = α limn T xn + limn T zn = αT̃ x + T̃ z. Finalmente, T̃ é contı́nua, pois
kT xn k ≤ C kxn k, para todo n ∈ N e, pela continuidade das normas em X
e Y , obtemos, tomando limites em ambos os membros da desigualdade, que

T̃ x = klimn T xn k = limn kT xn k ≤ limn (C kxn k) = C kxk. Portanto, como x

é arbitrário, concluı́mos que T̃ é limitada em D ou, equivalentemente, contı́nua


em D (Obs.: para ver que T̃ |D = T , tome x ∈ D e a seqüência {xn }n∈N tal que
xn = x, para todo n ∈ N. Então, T̃ x = limn T xn = limn T x = T x, mostrando
o desejado).
Para verificar a unicidade de tal aplicação, suponha a existência de uma
aplicação linear contı́nua G : D −→ Y tal que G|D = T . Se x ∈ D e {xn }n∈N é
uma seqüência de elementos de D tal que xn −→ x, então da continuidade de G,
segue que Gx = G(limn xn ) = limn Gxn = limn T xn =: T̃ x e, da arbitrariedade
de x, segue a demonstração do resultado.

42
As linhas gerais da demonstração do teorema abaixo foram retiradas de [18].

Teorema Espectral: Se H é um espaço de Hilbert e A é um operador


linear densamente definido em H, então A é auto-adjunto se, e somente se,
existem um espaço de medida (N, µ) positiva e uma transformação linear uni-
tária U : H −→ L2 (N, µ) tal que U ◦ A ◦ U −1 : Dom(Mf ) 3 g 7−→ f · g ∈
L2 (N, µ), onde f é uma função a valores reais e Borel-mensurável em N (isto
é U ◦ A ◦ U −1 = Mf , para uma certa f real e Borel-mensurável em N ; note que
N está provido de uma certa topologia, pois senão não faria sentido falar em
funções Borel-mensuráveis definidas em N ).

Demonstração: Suponhamos, primeiramente, que A é um operador linear


auto-adjunto em B(H):

“O teorema espectral para operadores lineares auto-adjuntos


limitados”
Defina I := [− kAk , kAk] e tome p ∈ P (I), p 6= 0. Vamos mostrar que
kp(A)k ≤ sup {|p(x)| : x ∈ I}.17 Seja u ∈ H, u 6= 0. Se o grau de p for n,
então considere o subespaço vetorial W := span Ai u : 0 ≤ i ≤ n . Como W é
fechado (pois dim W < ∞)18 , podemos definir a respectiva projeção ortogonal
E : H −→ W sobre ele. Note que, como E|W = (IB(H) )|W e E 2 = E, tem-
se que p(EAE)u = p(A)u. Como W é um subespaço fechado de H, sabemos
que (EAE)|W é um operador auto-adjunto em W , pela Observação XVII das
Considerações Iniciais (aqui, usamos a completude do espaço W para definir o
adjunto de um operador em W ). Assim, (EAE)|W possui uma base ortonormal
de auto-vetores de W ,19 digamos,
P (ei )1≤i≤k , para um certo k =: dim W ≤
n + 1, de forma que u := 1≤i≤k ui ei . Denotemos para cada j ∈ N, 1 ≤
j ≤ k, por λj o auto-valor relativo aoPauto-vetor ej . Logo, k(EAE)|W k =
max {|λi | : 1 ≤ i ≤ k}, pois se 0 6= v := 1≤i≤k vi ei , então
P 2
2 λ v e 2
P
k((EAE)|W )vk 1≤i≤k i i i 1≤i≤k |λi vi |

2 = = ≤
2
P 2
1≤i≤k |vi |

kvk P
1≤i≤k vi ei
 P
max |λi |2 : 1 ≤ i ≤ k ( 1≤i≤k |vi |2 )
P 2
= (max {|λi | : 1 ≤ i ≤ k})2 ;
1≤i≤k |v i |
além disso,
k((EAE)|W )ei k
= |λi |,
kei k
17 Se
Pn i
I 3 t 7−→ p(t)
Pn := i=0 ai x for uma função polinomial com coeficientes complexos,
definimos p(A) := i=0 ai Ai
18 dim W denota a dimensão algébrica de W
19 Este resultado que acabamos de usar é conhecido como o teorema espectral para opera-

dores lineares sobre espaços vetoriais de dimensão finita

43
para todo 1 ≤ j ≤ k. Portanto, |λj | ≤ k(EAE)|W k ≤ kEAEk ≤ kEkkAkkEk =
kAk (a norma de uma projeção ortogonal é 1), para todo 1 ≤ j ≤ k, o que
implica λj ∈ I, para todo 1 ≤ j ≤ k, pois os auto-valores de (EAE)|W são
reais, uma vez que (EAE)|W é auto-adjunto. Concluı́mos, então, que

X

kp(A)uk = kp(EAE)uk = ui (p(EAE)e i =
)
1≤i≤k

s
X X X

ui (p(λ i )e i ) =

(p(λ i )ui e i ) =
|p(λi )|2 |ui |2
1≤i≤k 1≤i≤k 1≤i≤k

≤ max {|p(λi )| : 1 ≤ i ≤ k} kuk ≤ sup {|p(x)| : x ∈ I} kuk


e, da arbitrariedade de u, resulta kp(A)k ≤ sup {|p(x)| : x ∈ I}, como querı́amos.
Aliás, como p também é arbitrário, temos que kp(A)k ≤ sup {|p(x)| : x ∈ I},
para todo p ∈ P (I) (repare que, para p = 0, o resultado é trivial).
ϕ
Temos, então, que a aplicação P (I) 3 p 7−→ p(A) ∈ B(H) é contı́nua. Mas,
como ϕ também é linear, P (I) é denso em C(I) (pelo Teorema da Aproximação
de Weierstrass20 ) e B(H) é um espaço de Banach, sabemos que existe uma única
aplicação linear contı́nua ΦC : C(I) −→ B(H) tal que ΦC |P (I) = ϕ, pelo Lema
1.1 (começaremos, eventualmente, a usar a notação f (A) para designar o objeto
ΦC (f ), qualquer que seja f ∈ C(I)). Além disso, ΦC é um ∗-homomorfismo uni-
tal entre ∗-álgebras (tais definições estão explicitadas no texto sobre C∗ -álgebras
logo após as Considerações Iniciais):

I) se α ∈ C e f, g ∈ C(I), então ΦC (αf + g) = αΦC (f ) + ΦC (g), pois já


vimos que ΦC é linear;

II) sejam f, g ∈ C(I), sendo (pn )n∈N e (qn )n∈N seqüências de funções poli-
nomiais uniformemente limitadas tais que pn −→ f e qn −→ g em C(I) (tais
seqüências podem sempre ser tomadas de modo que sup{|pn | : n ∈ N} ≤ kf k∞
e sup{|qn | : n ∈ N} ≤ kgk∞ ). Então, ΦC (f · g) := limn ϕ(pn · qn ) = limn (pn ·
qn )(A) = limn [pn (A) ◦ qn (A)] = [limn pn (A)] ◦ [limn qn (A)] = [limn ϕ(pn )] ◦
[limn ϕ(qn )] = ΦC (f ) ◦ ΦC (g); a antepenúltima igualdade vem de

kpn (A) ◦ qn (A) − f (A) ◦ g(A)k ≤ kpn (A) ◦ qn (A) − pn (A) ◦ g(A)k +

kpn (A) ◦ g(A) − f (A) ◦ g(A)k ≤ kpn (A)k kqn (A) − g(A)k +
kpn (A) − f (A)k kqn (A)k ,
para todo n ∈ N (note a independência do resultado relativamente à escolha das
seqüências);

20 Se f ∈ C(I), onde I é um intervalo compacto da reta real, então para todo  > 0 dado

existe uma função polinomial p ∈ P (I) tal que kf − pk < 

44
III) sejam 1C(I) a função identicamente igual a 1 em I (veja as convenções
de notação na Observação III das Considerações Iniciais) e IB(H) a função iden-
tidade de B(H). Então, ΦC (1C(I) ) := 1C(I) (A) = IB(H) ;

IV) seja f ∈ C(I) e (pn )n∈N uma seqüência de funções polinomiais tal que
pn −→ f em C(I). Então, como pn −→ f e ∗ : B(H) −→ B(H) é um opera-
dor linear contı́nuo (de fato, a involução é uma isometria em B(H)), temos que
ΦC f := limn pn (A) = limn (pn (A))∗ = (limn pn (A))∗ = [f (A)]∗ = (ΦC f )∗ .

(Observamos que todos os resultados mostrados até então, e que serão mos-
trados mais adiante, continuariam válidos se trocássemos I por qualquer sub-
conjunto compacto de R contendo o espectro de A).

Antes de prosseguir, evidenciamos o seguinte teorema (cuja demonstração se


encontra em [21]), que será de vital importância para o progresso da demons-
tração:

Teorema da Representação de Riesz: Seja X um espaço localmente


compacto Hausdorff, e denotemos por Cc (X) como sendo o conjunto das funções
contı́nuas a valores complexos definidas em X que possuem suporte compacto
(isto é funções contı́nuas em X a valores complexos f tais que o fecho de
{x ∈ X : f (x) 6= 0} é um subconjunto compacto de X). Se λ : Cc (X) −→ C é
um funcional linear positivo,21 então existe uma única medida positiva
R µ definida
numa σ-álgebra Ω que contém a σ-álgebra de Borel tal que λf = X f dµ, para
todo f ∈ Cc (X). Além disso, tal medida satisfaz as seguintes propriedades:

1. todo K ⊆ X compacto é Ω-mensurável e satisfaz µ(K) < ∞;


2. para todo E que seja Ω-mensurável,

µ(E) = inf {µ(V ) : V ⊇ E é aberto em X } ;

3. para todo U aberto em X, ou U que seja Ω-mensurável e tenha medida


finita, tem-se que

µ(U ) = sup {µ(K) : K ⊆ U é um compacto de X } ;

4. se E é Ω-mensurável e µ(E) = 0, então todo subconjunto de E é Ω-


mensurável. (em outras palavras, µ é uma medida completa)

Seja u ∈ H, e defina o funcional λu : C(I) −→ C por λu (f ) =< f (A)u, u >.


Então, λu é claramente linear, pelo fato de a aplicação ΦC ser linear e da bi-
linearidade do produto interno. Além disso, λu é um funcional linear positivo,
pois se f ∈ C(I), f ≥ 0 ∈ C(I), então existe g ∈ C(I) tal que g = g e f = g 2 ,
21 Um funcional linear λ : C (X) −→ C é dito ser positivo se λ(f ) ≥ 0 sempre que f ≥ 0.
c
O Teorema de Riesz possui uma outra versão, que não exige a posividade do funcional, mas
sim a sua continuidade

45
e daı́, λu (f ) = h(g · g)(A)u, ui = h[g(A) ◦ g(A)]u, ui = h[g(A) ◦ g(A)]u, ui =
hg(A)(g(A)u), ui = hg(A)u, (g(A))∗ ui = hg(A)u, g(A)ui = hg(A)u, g(A)ui ≥ 0.
Logo, pelo Teorema Rda Representação de Riesz, existe uma medida µu em I tal
que < f (A)u, u >= I f (x)dµu (x), para toda f ∈ C(I); Cc (I) = C(I), no nosso
caso, pois I é compacto.

Apesar de não usarmos isto na demonstração, note que λu também é contı́-


nuo: de fato, seja f ∈ C(I), f 6= 0 ∈ C(I) e (pn )n∈N uma seqüência de funções
polinomiais tal que pn −→ f em C(I) e pn 6= 0 ∈ C(I) para todo n ∈ N. Então,
temos que
2 2
|hpn (A)u, ui| kpn (A)uk kuk kpn (A)k kuk kpn k kuk 2
≤ ≤ ≤ = kuk .
kpn k kpn k kpn k kpn k

Portanto,

|λu (f )| |h[limn pn (A)]u, ui| |hpn (A)u, ui| 2


= = lim ≤ kuk ,
kf k klimn pn k n kpn k

e como f era arbitrária, concluı́mos o desejado.

Defina, agora, o subespaço vetorial Hu := {Ai u : i ∈ N ∪ {0}}. Vamos mos-


trar, agora, que existe uma única transformação linear unitária Ω̃u : Hu −→
L2 (I, µu ) tal que Ω̃u u = 1Cµu (I) (veja as convenções sobre notações na Observa-
ção IV das Considerações Iniciais) e Ω̃u ◦ A ◦ Ω̃−1
u = MidCµu (I) . Para isso, vamos
proceder por partes. Primeiro, note que Gu := {f (A)u : f ∈ C(I)} ⊆ Hu e que
o conjunto Gu é denso em Hu (segundo a topologia de H), pois

span Ai u : i ∈ N ∪ {0} ⊆ {f (A)u : f ∈ C(I)} ,





e span Ai u : i ∈ N ∪ {0} é denso em Hu , por definição. Vamos, agora, definir
u Ω
uma aplicação Ωu : Gu −→ Cµu (I) por f (A)u 7−→ f . Mostremos que Ωu é uma
transformação linear unitária: Ωu está bem definida, pois se f, g ∈ C(I) (note a
diferença de espaços, aqui: f e g pertencem a C(I), e não a Cµu (I)!) e f (A)u =
g(A)u, então (f −g)(A)u = 0 e, portanto, |f −g|2 (A)u = [(fR − g)·(f −g)](A)u =
(f − g)(A)(f − g)(A)u = 0. Logo, 0 = h|f − g|2 (A)u, ui = I |f − g|2 (x)dµu (x),
e concluı́mos que f = g em quase todo ponto de I, o que implica que f = g
em Cµu (I), e Ωu está bem definida. Que Ωu é linear e sobrejetora é óbvio.
Verifiquemos que Ωu preserva produto interno. De fato,

hf (A)u, g(A)ui = hu, [f (A)]∗ (g(A)u)i = h[f (A)]∗ (g(A)u), ui = hf (A)(g(A)u), ui


Z Z
= h(f · g)(A)u), ui = (f · g)(x)dµu (x) = (f · g)(x)dµu (x) =
I I
Z
(f · g)(x)dµu (x) = hf, gi,
I

46
para quaisquer f, g ∈ Cµu (I). Isto também mostra a injetividade.

Para terminar a demonstração da existência de Ω̃u vamos precisar do:

Lema 1.2: Sejam H1 e H2 espaços de Hilbert não-triviais. Se existem


D ⊆ H1 um subespaço denso de H1 , E ⊆ H2 um subespaço denso de H2 e uma
transformação linear unitária U : D −→ E, então existe uma única aplicação
linear unitária Ũ tal que Ũ : H1 −→ H2 e Ũ |D = U .

Demonstração: Já sabemos pelo Lema 1.1 que, se definirmos Ũ por Ũ x :=


limn U xn , para cada x ∈ H1 , onde {xn }n∈N é uma seqüência de elementos de
D tal que xn −→ x, então Ũ será uma aplicação linear e contı́nua de H1 em
H2 que estende U . Basta, então, mostrar que Ũ preserva o produto interno,
é bijetora, e que só existe uma aplicação unitária que satisfaz tal propriedade.
Sejam x, y ∈ H1 e {xn }n∈N , {ym }m∈N seqüências de elementos de D tais que
xn −→ x e ym −→ x. Então,

< Ũ x, Ũ y >=< lim U xn , lim U ym >= lim < lim U xn , U ym >=


n m m n

lim(lim < U xn , U ym >) = lim(lim < xn , ym >) = lim < lim xn , ym >=
m n m n m n

< lim xn , lim ym >=< x, y >,


n m

e isso mostra que Ũ preserva o produto interno (em particular, está mostrado
que Ũ é injetora). Para mostrar a sobrejetividade de Ũ vamos usar que E é denso
em H2 e a completude de H1 como espaço métrico. Seja z ∈ H2 e {zn }n∈N uma
seqüência de elementos de E tal que zn −→ z. Da sobrejetividade de U , sabemos
que existe wn ∈ D tal que zn = U wn , para todo n ∈ N. Como kwn − wm k =
kU (wn − wm )k = kU wn − U wm k, para quaisquer m, n ∈ N, e {U wn }n∈N é uma
seqüência de Cauchy em H2 (pois é convergente em H2 ), concluı́mos que existe
w ∈ H1 tal que lim wn := w, pois H1 é completo. Então, da continuidade de Ũ
em H1 vem que Ũ w = Ũ (limn wn ) = limn Ũ wn = limn U wn = limn zn = z. A
unicidade segue do Lema 1.1, já que U é unitária e, portanto, contı́nua em D.

Voltemos à demonstração.

Notando que Gu é denso em Hu e que Cµu (I) é denso em L2 (I, µu ), ve-


mos que de fato existe uma única transformação linear unitária Ω̃u : Hu −→
L2 (I, µu ) tal que Ω̃u |Gu = Ωu , pelo Lema 1.2. Além disso, Ω̃u u = 1Cµu (I) , pela
definição de Ωu e Ω̃u ◦ A ◦ Ω̃−1 2
u = MidCµu (I) : de fato, sejam f ∈ L (I, µu ) e
{fn }n∈N uma seqüência de funções contı́nuas tais que fn −→ f em L2 (I, µu ).
Então,

(Ω̃u ◦ A ◦ Ω̃−1 −1
u )(f ) = Ω̃u (A(lim Ω̃u (fn ))) = Ω̃u (A(lim[fn (A)u])) =
n n

Ω̃u (lim[Afn (A)u]) = Ω̃u (lim[idC(I) · fn ](A)u) =


n n

47
lim Ω̃u ([idC(I) · fn ](A)u) = lim(idCµu (I) · fn ) = idCµu (I) · f =
n n

MidCµu (I) (f ),
onde a penúltima igualdade (∗) vem de
Z
idC (I) (fn ) − idC (I) (f ) 2 = |x(fn (x) − f (x))|2 dµuα ≤

µu µu
x∈I
Z
kAk |(fn (x) − f (x))|2 dµu −→ 0.
x∈I
Agora usaremos o Lema de Zorn para decompor H como uma soma di-
reta de subespaços fechados e dois-a-dois ortogonais. Tomemos uma indexa-
ção (bijetora)
 de H, θ : S 7−→ H, θ : α 7−→ uα , e consideremos o conjunto
Σ := B ∈ ℘(S) : (α, β ∈ B, α 6= β) =⇒ (Huα ⊥ Huβ ) (lembre-se da definição
de Hu dada acima), com uma ordem parcial definida pela inclusão S “⊆” (veja
que Σ é não-vazio). SejaS∆ ⊆ Σ uma cadeia em Σ. S Então, ∆ é uma cota
superior de ∆ (note que ∆ ∈ Σ, pois se α, β ∈ ∆, α 6= β, então existem
Bα , Bβ ∈ ∆ tais que α ∈ Bα e β ∈ Bβ ; mas, como ∆ é uma cadeia, deve-
mos ter Bα ⊆ Bβ ou Bβ ⊆ Bα . Suponhamos, sem perda de generalidade, que
Bα ⊆ Bβ . Assim, α, β ∈ Bβ , e Huα ⊥ Huβ pela definição de Bβ ). Concluı́mos,
então, pelo Lema de Zorn, que Σ possui um elemento maximal, M . Afirmamos
que H = ⊕α∈M Huα (note que aqui fizemos uma identificação entre o espaço das
somas finitas de elementos dos subespaços Huα e o espaço ⊕α∈M Huα , via uma
aplicação unitária canônica - observe a definição presente no Fato 7, a), das Con-
siderações Iniciais; adotaremos tal identificação para o resto da demonstração).
Suponhamos, por absurdo, que H 6= ⊕α∈M Huα . Então, existe w 6= 0 tal que
w ∈ (⊕α∈M Huα )⊥ . Mas ⊕α∈M Huα é A-invariante, pois se x ∈ ⊕α∈MP Huα então
existem subconjuntos finitos Fm ⊆ M, m ∈ N de modo que xm := α∈Fm vα ,
com vα ∈ Huα e (xm )m∈N é uma seqüência de elementos de ⊕α∈M Huα que
converge para x (note que todo ponto de ⊕α∈M Huα possui uma base local enu-
merável de abertos). Então,
X X
Ax = A(lim xm ) = lim A(xm ) = lim A( vα ) = lim Avα
m m m m
α∈Fm α∈Fm
P
e, como α∈Fm Avα ∈ ⊕α∈M Huα , para todo m ∈ N (pois cada Huα é A-
invariante), temos que ⊕α∈M Huα é A-invariante. Como A é auto-adjunto
em H, (⊕α∈M Huα )⊥ também é A-invariante. Logo, Ai w : i ∈ N ∪ {0} ⊆


(⊕α∈M Huα )⊥ e, conseqüentemente, {Ai w : i ∈ N ∪ {0}} ⊆ (⊕α∈M Huα )⊥ , pois


(⊕α∈M Huα )⊥ é fechado. Mas, então, concluı́mos que Hw ⊥ Huα , para todo
α ∈ M e, como w = uβ , para algum β ∈ S − M (uma vez que w ∈ / Huα , para
todo α ∈ M ), contradissemos a maximalidade de M . Assim, segue que temos
de fato a identificação H = ⊕α∈M Huα .

Definindo Ω : ⊕α∈M Huα −→ ⊕α∈M L2 (I, µuα ) por


Ω(vα )α∈M := (Ω̃uα vα )α∈M ,

48
obtemos uma aplicação linear unitária Ω. Novamente, devido ao Lema 1.2,
podemos estender Ω a uma única aplicação linear unitária

Ω̃ : ⊕α∈M Huα −→ ⊕α∈M L2 (I, µuα ),

sendo
⊕α∈M L2 (I, µuα )
o completamento de espaços de Hilbert de ⊕α∈M L2 (I, µuα ), e que coincide
com o espaço ˜l2 construı́do na Observação XXI das Considerações Iniciais.
2
P produto interno em ⊕α∈M L (I, µuα ) é definido por h(fα )α∈M ,2(gα )α∈M i :=
O
α∈M hfα , gα i, quaisquer que sejam (fα )α∈M , (gα )α∈M ∈ ⊕α∈M L (I, µuα ).

Para terminar a demonstração desta implicação no caso em que A é um ope-


rador linear contı́nuo, precisamos construir uma transformação linear unitária
de ⊕α∈M L2 (I, µuα ) num certo espaço 2
S L (N, µ), para algum conjunto N e al-
guma medida µ. Definamos N := α∈M {(α, x) : x ∈ I} = M × I (em qualquer
contexto futuro que necessite de uma estrutura topológica, M sempre possuirá
a topologia discreta), e considere a σ-álgebra em N como sendo o conjunto
dos E ⊆ M × I tais que πα (E ∩ ({α} × I)) é um subconjunto mensurável de
I, para todo α ∈ M , onde πα : {α} × I −→ I é a projeção em I, definida
por πα (α, x) = x, para todoP(α, x) ∈ {α} × I. Defina, também, a medida
nesta σ-álgebra por µ(E) = α∈M µuα (πα (E ∩ ({α} × I))). QPodemos definir
uma aplicação Ψ que transforma cada elemento (fα )α∈M de α∈M L2 (I, µuα )
em uma classe de equivalência fˆ de CM ×I segundo a medida µ, definida por
fˆ(α, x) := fα (x), para cada α ∈ M , para todo x ∈ I. Note que, devido à própria
definição de µ, tal aplicação está bem definida - logo abaixo vamos mostrar que,
em particular, Ψ transforma cada elemento (fα )α∈M de ⊕α∈M L2 (I, µuα ) em
uma função fˆ de L2 (N, µ), considerando-se que temos a descrição explı́cita de
⊕α∈M L2 (I, µuα ) dada por
( )
Y X 2
2 2
⊕α∈M L (I, µuα ) = (fα )α∈M ∈ L (I, µuα ) : kfα k < ∞
α∈M α∈M

(pelo Fato 7, a), com p = 2). Vamos mostrar que Ψ é tal que Im(Ψ) ⊆ L2 (N, µ),
e que esta aplicação preserva produto interno. De fato, vamos mostrar que Ψ
preserva normas. Se (fα )α∈M ∈ ⊕α∈M L2 (I, µuα ), então
XZ
2
k(fα )α∈M k := |fα (x)|2 dµuα =(∗)
α∈M I

XZ Z
|fˆ(α, x)|2 dµ =(∗∗) |fˆ(α, x)|2 dµ =:
α∈M {α}×I M ×I

kfˆk2 .
Vamos mostrar que (∗) e (∗∗) são verdadeiras:

49
1. se α é fixado e E ⊆ {α} × I, então

µ(E) = µuα ({x ∈ I : (α, x) ∈ E}) = µuα (πα (E));

se α é fixado e F ⊆ I, então

µuα (F ) = µuα ( x ∈ I : (α, x) ∈ πα−1 (F ) ) = µ({α} × F ).




Portanto, como também |fˆ(α, x)|2 = |fα (x)|2 , para cada α ∈ M , para todo
x ∈ I, temos {α}×I |fˆ(α, x)|2 dµ = I |fα (x)|2 dµuα , para todo α ∈ M , pela
R R

definição de integral. Como kfα k2 = I |fα (x)|2 dµuα α∈M é somável em
R

R, concluı́mos pelo Fato 2 das Considerações Iniciais que


XZ XZ
2
|fα (x)| dµuα = sup{ |fα (x)|2 dµuα , F ⊆ M finito}.
α∈M I α∈F {α}×I

Finalmente, como
XZ
∞ > sup{ |fα (x)|2 dµuα , F ⊆ M finito} =
α∈F I

XZ
sup{ |fˆ(α, x)|2 dµ, F ⊆ M finito},
α∈F {α}×I

concluı́mos pelo Fato 1 que


XZ XZ
sup{ |fˆ(α, x)|2 dµ, F ⊆ M finito} = |fˆ(α, x)|2 dµ
α∈F {α}×I α∈M {α}×I

nR o
e que a famı́lia {α}×I
|fˆ(α, x)|2 dµ é somável em R. Estes argu-
α∈M
mentos mostram (∗);
2. pelos Fatos 3 e 4, sabemos que só existe uma quantidade enumerável de
elementos desta famı́lia diferentes de 0. Como todos os seus elementos
são positivos e µ é uma medida positiva, podemos aplicar o teorema de
rearranjo de Riemann para séries numéricas e o Teorema da Convergência
Monótona para concluir que
XZ Z
ˆ 2
|f (α, x)| dµ = |fˆ(α, x)|2 dµ.
α∈M {α}×I M ×I

Isto conclui (∗∗).

Mostrou-se, então, que Im(Ψ) ⊆ L2 (N, µ), e que Ψ preserva produto interno,
pela identidade de polarização. Usando a definição de Ψ e o fato se ela ser uma
isometria vemos que ela é sobrejetora. Além disso, pelo fato de Ψ ser uma iso-
metria vemos que é, em particular, injetora.

50
Logo, a aplicação definida por Ψ ◦ Ω̃ =: U : H −→ L2 (N, µ) é unitária (pois
é a composição de duas aplicações unitárias). Vamos mostrar que U satisfaz
U ◦ A ◦ U −1 : Dom(Mw ) 3 g 7−→ w · g ∈ L2 (N, µ), onde w é uma função real
em µ-quase toda parte e Borel-mensurável em N (na verdade, vamos mostrar,
ainda, que w = ĥ, onde h := (idCµuα (I) )α∈M , isto é, w age como “cópias”
da identidade em cada “nı́vel” α). Tome L2 (N, µ) 3 Ψ((fα )α∈M ) := fˆ. Pelo
Fato 7, a), sabemos que existe uma seqüência {ln }n∈N em ⊕α∈M L2 (I, µuα ) tal
que ln −→ (fα )α∈M , de forma que existe para cada n ∈ N um conjunto finito
n n n
P
Fn ⊆ M tal que ln := α∈Fn fα com fα 6= 0, se α ∈ Fn e fα = 0, caso
contrário. Além disso, dado n ∈ N, para cada α ∈ Fn existe uma seqüência
{hn,m
α }m∈N em Cµuα (I) tal que hα
n,m
−→ fαn . Logo,

(A ◦ U −1 )(fˆ) = A(Ω̃−1 Ψ−1 (fˆ)) = A(Ω̃−1 (fα )α∈M ) = A(Ω̃−1 (lim ln )) =


n
X X
A(lim Ω̃−1 ln ) = A(lim Ω̃−1 ( fαn )) = A(lim Ω̃−1 (fαn )) =
n n n
α∈Fn α∈Fn
X X
A(lim Ω̃−1 (lim hn,m
α )) = A(lim lim Ω̃−1 (hn,m
α )) =
n m n m
α∈Fn α∈Fn
X X
lim A( lim hn,m
α (A)uα ) = lim lim (A ◦ hn,m
α (A))uα ) =
n m n m
α∈Fn α∈Fn
X
lim lim (idC(I) · hn,m
α )(A)uα .
n m
α∈Fn

Portanto,
X
(U ◦ A ◦ U −1 )(fˆ) = Ψ(lim lim Ω̃((idC(I) · hn,m
α )(A)uα )) =
n m
α∈Fn
X X
Ψ(lim lim idCµuα (I) · hn,m
α ) = Ψ(lim lim(idCµuα (I) · hn,m
α )) =
n m n m
α∈Fn α∈Fn
X
Ψ(lim (idCµuα (I) · fαn )) =(∗) Ψ((idCµuα (I) · fα )α∈M ) =
n
α∈Fn

w · fˆ.

A penúltima igualdade (∗) vem do fato que


2 X 2
(idCµuα (I) · fαn )α∈Fn − (idCµuα (I) · fα )α∈M = idCµuα (I) · (fαn − fα ) ≤

α∈M

2
X 2
kAk kfαn − fα k −→ 0,
α∈M

51
onde a desigualdade vem de
Z 1/2
n 2 n 2
idCµuα (I) · (fα − fα ) = |idCµuα (I) | |fα − fα | dµα ≤ kAk kfαn − fα k ,

I

para cada α ∈ M , e do fato que


( )
X
n
sup idCµuα (I) · (fα − fα ) : F ⊆ M é finito ≤

α∈F
( )
X
sup kAk kfαn − fα k : F ⊆ M é finito =
α∈F
( )
X
kAk sup kfαn − fα k : F ⊆ M é finito .
α∈F

Agora, os Fatos 1 e 2 se encarregam de dar a conclusão desejada.

Finalizamos, assim, o teorema espectral para operadores lineares limitados


auto-adjuntos. Antes de progredirmos para a demonstração no caso em que A
é um operador linear não necessariamente limitado, vamos tentar dar sentido
à expressão f (A), com f ∈ B(R) e A sendo um operador linear limitado auto-
adjunto, através do homomorfismo ΦB : f 7−→ f (A). Posteriormente, vamos
demonstrar o teorema espectral para operadores normais. Para tanto, vamos
utilizar a construção feita para demonstrar o teorema espectral para operadores
lineares limitados auto-adjuntos.

“O Cálculo Funcional Boreliano relativamente a operadores lineares


auto-adjuntos limitados”

Defina ΦB : B(R) 3 f 7−→ U −1 ◦ Mf˜ ◦ U ∈ B(H), onde f˜ é definida por


f˜(α, x) := f (x), para todo (α, x) ∈ N , isto é, f˜ := f ◦ w, w como antes (note
que f˜ é Borel-mensurável). Se u ∈ H, denote U (u) := û.

Definamos
SP := {f ∈ B(R) : f |I ∈ P (I)}
e
SC := {f ∈ B(R) : f |I ∈ C(I)} ,
notando que são subespaços vetoriais de B(R). Como A = U −1 Mw U , temos
que p(A) = U −1 Mp◦w U , para todo p ∈ P (I). Para cada p ∈ P (I), associe
um elemento pB ∈ SP tal que pB |I = p (note que tal elemento existe, fazendo
pB (x) = 0 em R\I, por exemplo). Então, pela definição de w, temos que pB ◦w =
p ◦ w, de modo que p(A) = Φ−1 MpB ◦w Φ. Associe, também, para cada f ∈ C(I)
um elemento f B ∈ SC tal que f B |I = f (note, novamente, que tal elemento

52
existe, fazendo f B (x) = 0 em R\I, por exemplo). Tomando uma seqüência
{pn }n∈N de funções polinomiais em I que aproximam uniformemente f , vemos
que pB n ◦ w n∈N
é uma seqüência de funções que aproxima uniformemente f B ◦
w, pois
sup |((pB B
n − f ) ◦ w)(y)| = sup |(pn − f )(x)|,
y∈N x∈I

para todo n ∈ N. Logo,


kU −1 MpB
n ◦w
U − U −1 Mf B ◦w U k = kMpB
n ◦w
− Mf B ◦w k ≤

k(pB B
n − f ) ◦ wk∞ ≤
(∗)
sup |((pB B
n − f ) ◦ w)(y)| = sup |(pn − f )(x)|.
y∈N x∈I

Em (∗) foi usado o seguinte fato: se g ∈ L (N, µ) e M > 0, então kgk∞ ≤ M
se, e somente se, g(x) ≤ M em µ-quase toda parte de N . Como pn (A) =
U −1 MpBn ◦w
U , para todo n ∈ N e pn (A) −→ f (A) em B(H), temos que

f (A) = U −1 Mf B ◦w U.
Tome f ∈ SC . Então,
f |I (A) = U −1 Mf ◦w U.
Isto mostra que ΦB (f ) só depende do comportamento de f sobre I, para toda
f ∈ SC .

Temos que ΦB é uma aplicação satisfazendo as seguintes propriedades:


1. ΦB (f ) = f |I (A) = ΦC (f |I ), qualquer que seja f ∈ SC , de modo que
que ΦB é uma espécie de extensão de ΦC (lembre-se da definição do ∗-
homomorfismo ΦC , definido no começo da demonstração do Teorema Es-
pectral).
2. ΦB é um ∗-homomorfismo unital entre álgebras com involução: sejam
f, g ∈ B(R) e z0 ∈ C. Então
• ΦB (f + z0 g) = U −1 Mf˜+z0 g̃ U = U −1 (Mf˜ + z0 Mg̃ )U =

U −1 Mf˜U + z0 (U −1 Mg̃ U ) = ΦB (f ) + z0 ΦB (g),

• ΦB (f )ΦB (g) = (U −1 Mf˜U )(U −1 Mg̃ U ) = U −1 Mf˜Mg̃ U =

U −1 Mf˜·g̃ U = ΦB (f · g) e

• ΦB (1B(R) ) = IB(H) . Além disso,

(ΦB (f ))∗ =(∗) U ∗ Mf∗˜(U −1 )∗ = U −1 Mf∗˜U =

U −1 Mf˜U = ΦB (f ),
já que U é unitário (a justificativa para (∗) está na Observação XVIII
das Considerações Iniciais).

53
3. se {hn }n∈N é uma seqüência de funções uniformemente limitada em B(R)
que converge pontualmente para h ∈ B(R), então ΦB (hn )u converge para
ΦB (h)u, para todo u ∈ H. De fato, se u ∈ H, então
Z
M U (u) − M U (u) 2 = |(h̃n − h̃)2 û2 |dµ −→ 0,

h̃n h̃
N

pelo Teorema da Convergência Dominada (note que a convergência


n o pon-
tual de {hn }n∈N para h acarreta a convergência pontual de h̃n para
n∈N
h̃). Assim, pela continuidade de U , vem o resultado.

Podemos melhorar a definição f (A) := U −1 ◦ Mf˜ ◦ U , para toda f ∈ B(R),


ao mostrar que tal definição não depende do operador unitário U . Suponhamos,
então, que Λ1 e Λ2 são aplicações de B(R) em B(H) satisfazendo:

1. Λ1 (f ) = Λ2 (f ), qualquer que seja f ∈ SC ;


2. Λ1 e Λ2 são ∗-homomorfismos unitais;
3. se {hn }n∈N é uma seqüência de funções uniformemente limitada em B(R)
que converge pontualmente para h ∈ B(R), então Λi (hn )u converge para
Λi (h)u, para todo u ∈ H, para i = 1, 2.

Mostraremos que Λ1 = Λ2 .

Sejam
B := {B ⊆ R : B pertence à σ − álgebra de Borel}
e
J := {B ∈ B : Λ1 (χB ) = Λ2 (χB )} ,
onde χB denota a função caracterı́stica relativa ao boreliano B.

Vamos mostrar que J ⊇ B (E, portanto, vamos mostrar que J é igual a


σ-álgebra de Borel).

J é uma σ-álgebra:

• R ∈ J , pois Λ1 e Λ2 são unitais;


• se B ∈ J , então R\B ∈ J , pois Λ1 (χR\B ) = Λ1 (1B(R) −χB ) = Λ1 (1B(R) )−
Λ1 (χB ) = Λ2 (1B(R) ) − Λ2 (χB ) = Λ2 (1B(R) − χB ) = Λ2 (χI\B );
• sejam
S u ∈ H e {En }n∈N uma seqüência em J . Queremos mostrar que
( n∈N En ) ∈ J . Pelo passo anterior, podemos sem perda de generalidade
supor que Ei ∩ Ej = ∅, se i 6= j. Se n ∈ N, então

Xi=n i=n
X i=n
X
Λ1 ( χEi )u = Λ1 (χEi )u = Λ2 (χEi )u =
i=1 i=1 i=1

54
Xi=n
Λ2 ( χEi )u.
i=1
Pi=n
Logo, como i=1 χEi converge pontualmente para χSn∈N En , concluı́mos
que

Xi=n i=n
X
Λ1 (χSn∈N En )u = lim Λ1 ( χEi )u = lim Λ2 ( (χEi ))u =
n n
i=1 i=1

Λ2 (χSn∈N En )u.
Da arbitrariedade de u, segue o resultado.

J contém todos os intervalos abertos da reta real: se L ⊆ R é um intervalo,


pode-se facilmente construir uma seqüência de funções {hn }n∈N em SC que
converge pontualmente para χL . Logo, se v ∈ H, teremos que

lim Λ1 (hn )v = Λ1 (χL )v


n

e
lim Λ2 (hn )v = Λ2 (χL )v.
n

Por outro lado,


Λ1 (hn ) = hn |I (A) = Λ2 (hn ),
para todo n ∈ N e, portanto, Λ1 (χL )v = Λ2 (χL )v. Concluı́mos, então, que
J ⊇ B, pela definição da σ-álgebra de Borel. Assim, Λ1 e Λ2 coincidem sobre as
funções caracterı́sticas de borelianos da reta real e, portanto, pela linearidade de
tais aplicações, elas coincidem também sobre as funções simples de borelianos de
R. Como toda função positiva de B(R) é limite pontual de funções simples de
borelianos de R, concluı́mos que Λ1 e Λ2 coincidem sobre as funções positivas
de B(R). Novamente devido à linearidade de Λ1 e Λ2 , concluı́mos que estas
aplicações coincidem sobre B(R).

Logo, a expressão f (A) está bem definida, qualquer que seja f ∈ B(R), in-
dependentemente de U . Em particular, χB (A) está bem definida, para todo
B ⊆ R boreliano. Chamaremos o ∗-homomorfismo ΦB de “Cálculo Funcional
Boreliano”.

χB (A) é auto-adjunto, para todo B ⊆ R boreliano, uma vez que (χB (A))∗ =
χB (A) = χB (A). Além disso, χB (A) também é uma projeção, pois χB (A) ◦
χB (A) = (χB · χB )(A) = χB (A). Portanto, pela Observação XVII das Conside-
rações Iniciais, χB (A) é a projeção ortogonal sobre sua imagem (χB (A) é deno-
minada a projeção espectral de A relativa ao boreliano B e, como a aplicação
B 7−→ χB (A) possui certas propriedades que lembram uma medida, ela é cha-
mada de medida espectral). Para ver que a comutatividade de dois operadores

55
lineares limitados e auto-adjuntos A1 e A2 implica a comutatividade dos opera-
dores χB 1 (A1 ) e χB 2 (A2 ), quaisquer que sejam B1 , B2 ⊆ R borelianos, precisa-
mos primeiro definir o conjunto J 0 := {B ⊆ R : A1 ◦ χB (A2 ) = χB (A2 ) ◦ A1 } e
mostrar que ele contém o conjunto B, definido acima. Para ver que J 0 é uma
σ-álgebra, basta argumentar de maneira análoga à feita acima. Para ver que
J 0 contém os intervalos abertos, procedemos da seguinte forma: primeiro, ob-
servamos que A1 comuta com operadores da forma p(A2 ), com p ∈ SP , pois já
observamos que p(A2 ) = p|I (A2 ), na página 53, e A1 claramente comuta com
p|I (A2 ). Como toda função de Cc (R) ⊆ SC é limite uniforme de elementos de
SP e
(pn − f )(A2 ) = (pn − f )|I (A2 ) = ΦC (pn |I − f |I ) −→ 0,
sempre que f ∈ Cc (R) e {pn }n∈N for uma sequência de funções em SP que
converge uniformemente a f (pelo item 1, na página 53), temos que A1 ◦f (A2 ) =
f (A2 ) ◦ A1 , para toda f ∈ Cc (R). Finalmente, como toda função caracterı́stica
relativa a um intervalo limitado é limite pontual de funções de Cc (R), temos
pelo item 3 (página 54) que

A1 ◦ χL (A2 ) = χL (A2 ) ◦ A1 ,

para todo intervalo aberto e limitado, L. Isto mostra que J 0 ⊇ B. Para fi-
nalmente mostrarmos o que queremos, basta fixar um operador limitado auto-
adjunto C que comuta com A1 e repetir os mesmos passos que acabamos de
fazer para ver que

{B ⊆ R : χB (A1 ) ◦ C = C ◦ χB (A1 )} ⊇ B.

Em particular, fixando um boreliano da reta, B2 , mostramos que

{B ⊆ R : χB (A1 ) ◦ χB2 (A2 ) = χB2 (A2 ) ◦ χB (A1 )} ⊇ B.

Um passo intermediário para mostrarmos o teorema espectral para operado-


res não-limitados é mostrarmos antes uma versão sua para operadores normais
e, para esse fim, precisaremos do:

“Teorema espectral para n-uplas de operadores lineares


auto-adjuntos que comutam dois a dois”

Sejam n ∈ N, n ≥ 1, e {Ai ∈ B(H) : 1 ≤ i ≤ n} um conjunto finito de ope-


radores lineares auto-adjuntos limitados que comutam dois a dois. Defina
Y
Ii := [− kAi k , kAi k], I := Ii
1≤i≤n
Q
e S como sendo a famı́lia dos conjuntos da forma 1≤i≤n Bi onde Bi é um
subconjunto boreliano de Ii , para todo 1 ≤ i ≤ n. Note que S é uma semi-
álgebra em I (veja a definição na Observação XXII das Considerações Iniciais).

56
Defina, agora, V := span{χB : B ∈ S} e A(S) como sendoPa álgebra gerada
por S. Defina também o subconjunto W das funções g := 1≤j≤m aj χB j de
V que possuem a propriedade de os B j ’s serem elementos de S dois a dois dis-
juntos. Vamos mostrar que, na verdade, tem-se W = V. Note que W contém
os geradores de V. Logo, a demonstração estará concluı́da se mostrarmos que
W é um espaço vetorial (para mostrar isto, será importante o fato de A(S) ser
uma álgebra). Com este fim, mostraremos que o conjunto F das funções sim-
ples A(S)-mensuráveis (isto é, as funções f que possuem um conjunto-imagem
finito e tais que f −1 [{c}] é um conjunto pertencente a A(S)), que é um es-
paço vetorial sobre C, coincide com W. A inclusão W ⊆ F é imediata. Para
ver a outra inclusão, tome f ∈ F. Então f é uma combinação linear finita
de funções caracterı́sticas de conjuntos de A(S), sendo estes conjuntos dois a
dois disjuntos. Tais conjuntos são, a saber, da forma f −1 [{c}], com c variando
no conjunto-imagem de f . Agora, pelo resultado demonstrado na Observação
XXII das Considerações Iniciais, sabemos que cada conjunto f −1 [{c}], com c
pertencente ao conjunto-imagem de f , é uma união disjunta de elementos de S.
Logo, f é uma combinação linear de funções caracterı́sticas relativas a conjuntos
dois a dois disjuntos de S. Isto estabelece a outra inclusão e mostra o resultado
desejado.
Q
Vamos definir agora, para cada função f := χB de W, com B := 1≤k≤n Bk ,
o operador (χB )(A1 , ..., An ) := 1≤k≤n χBk (Ak ),22 e estenda esta definição
Q
para todas as funções de W por P linearidade. Notemos Pque tal construção é bem
definida: suponha que f := 1≤i≤p bi χB i e g := 1≤j≤q cj χC j são elemen-
S de W i taisSque f = jg. Suponha também, sem perda de generalidade, que
tos
1≤i≤p B = 1≤j≤q C = I (aliás, sempre que escrevermos um elemento de
W por extenso, faremos esta convenção; faremos também a convenção de que,
sempre que for escrita por extenso uma função de W, nenhum dos elementos de
S relativos aos quais foi escrita tal função
P seja o conjunto vazio).
Note que para cada 1 ≤ j ≤ q fixado, 1≤i≤p bi χB i ∩C j = cj χC j : se x ∈ I não
pertence a C j , então
X
( bi χB i ∩C j )(x) = 0 = (cj χC j )(x).
1≤i≤p

Se x ∈ C j , então existe um, e somente S um, 1 ≤ i0 ≤ p tal que x ∈ B i0 ∩ C j ,


i
pois
P tais B ’s sãoP dois a dois disjuntos e 1≤i≤p B i = I. Mas como por hipótese
1≤i≤p bi χB i = 1≤j≤q cj χC j , temos que

bi 0 = c j .
P
Portanto, ( 1≤i≤p bi χB i ∩C j )(x) = bi0 χB i0 ∩C j (x) = bi0 = cj = (cj χC j )(x). Isto
estabelece a igualdade desejada.
22 Note que tais operadores estão bem-definidos, pois χ
Bi (Ai ) e χBj (Aj ) comutam entre si,
como já provamos

57
Concluı́mos, então, que
X X X
f (A1 , ..., An ) = (bi χB i )(A1 , ..., An ) = ( bi χB i ∩C j )(A1 , ..., An ) =
1≤i≤p 1≤i≤p 1≤j≤q

X X X X
bi χB i ∩C j (A1 , ..., An ) = bi χB i ∩C j (A1 , ..., An ) =
1≤i≤p 1≤j≤q 1≤j≤q 1≤i≤p
X X X
( bi χB i ∩C j )(A1 , ..., An ) = cj χC j (A1 , ..., An ) = g(A1 , ..., An ),
1≤j≤q 1≤i≤p 1≤j≤q

mostrando que a aplicação

ΛI : W 3 f 7−→ f (A1 , ..., An ) ∈ B(H)

está bem definida. Além disso, tal aplicação é claramente linear. Vamos mostrar
que ela é contı́nua. Como B(I) é um espaço normado (completo) e B(H) é um
espaço de Banach, vamos mostrar que a aplicação ΛI se estende linearmente e
continuamente paraPseu fecho em B(I), utilizando o Lema 1.1 (B.L.T.). Escolha
um elemento f := 1≤i≤p bi χB i de W, e vamos mostrar que kf (A1 , ..., An )k ≤
supx∈I |f (x)| = kf k∞ .23
Sejam Pi := χB i (A1 , ..., An ), para 1 ≤ i ≤ p. Então {Pi }1≤i≤p é uma coleção
de
P projeções auto-adjuntas duas a duas ortogonais e, portanto, o operador P :=
1≤i≤p Pi também é uma projeção auto-adjunta. Logo, P e IB(H) − P também
são ortogonais e

kuk2 = kP u + (u − P u)k2 = kP uk2 + ku − P uk2 ,

para todo u ∈ H. Assim, se u ∈ H, kP uk2 = 1≤i≤p kPi uk2 e


P

X
kf (A1 , ..., An )uk2 = k bi χB i (A1 , ..., An )uk2 =
1≤i≤p

X
|bi |2 kχB i (A1 , ..., An )uk2
1≤i≤p
X
≤ (max{|bi | : 1 ≤ i ≤ p})2 kχB i (A1 , ..., An )uk2 =
1≤i≤p

(max{|bi | : 1 ≤ i ≤ p}) kP uk ≤ (max{|bi | : 1 ≤ i ≤ p})2 (kP uk2 +ku−P uk2 ) =


2 2

(max{|bi | : 1 ≤ i ≤ p})2 kuk2 .


Para terminar a demonstração da desigualdade em questão, basta mostrar que
max{|bi | : 1 ≤ i ≤ p} = kf k∞ . Se x ∈ I, então existe um,Se somente um,
1 ≤ i0 ≤ p tal que x ∈ B i0 (lembre-se que convencionamos que 1≤i≤p B i = I).
Logo, |f (x)| = |bi0 | ≤ max{|bi | : 1 ≤ i ≤ p}, e a arbitrariedade de x ∈ I implica
kf k∞ ≤ max{|bi | : 1 ≤ i ≤ p}. Para cada 1 ≤ i ≤ p existe um xi ∈ B i tal que
23 É esta a estimativa que mencionamos na Introdução

58
|f (xi )| = |bi | (lembre-se que, pelo que convencionamos, B i 6= ∅, para todo 1 ≤
i ≤ p). Isto estabelece que existe x ∈ I tal que |f (x)| = max{|bi | : 1 ≤ i ≤ p}.
Concluı́mos, portanto, que
max{|bi | : 1 ≤ i ≤ p} = kf k∞ ,
como querı́amos. Isto conclui a demonstração de que
kf (A1 , ..., An )k ≤ kf k∞ ,
qualquer que seja f ∈ W.

Para podermos finalmente aplicar o Lema 1.1, precisamos mostrar que toda
função f := u+iv ∈ C(I) é limite uniforme de elementos de W. Para tanto, seja
 > 0. Como I é compacto, u e v são uniformemente contı́nuas em I e, portanto,
existe δ > 0 tal que x, y ∈ I, |x − y| < δ implica |u(x) − u(y)| < /2 e |v(x) −
v(y)| < /2. Vamos construir uma função s ∈ W que seja uma combinação linear
de funções caracterı́sticas de hiperparalelepı́pedos (não necessariamente con-
tendo suas respectivas fronteiras) e que satisfaça sup {|s(x) − f (x)|
√ : x ∈ I} < .
Para tanto, fixe k ∈ N tal que (max {2kAi k/k : 1 ≤ i ≤ n}) n < 2δ. Fa-
zendo isso, temos a pretensão de construir k n hiperparalelepı́pedos, de dimen-
sões 2kAi k/k, 1 ≤ i ≤ n, de modo que cada um deles esteja contido em uma
bola aberta de raio δ. Esta última
√ exigência é satisfeita devido à desigualdade
(max {2kAi k/k : 1 ≤ i ≤ n}) n < 2δ, que nada mais é do que impor que a “di-
agonal” do hipercubo de lado max {2kAi k/k : 1 ≤ i ≤ n} seja menor do que o
diâmetro da bola de raio δ. Isto de fato é suficiente, pois se x = (xj )1≤j≤n é um
ponto de um tal hiperparalelepı́pedo centrado num ponto p = (pj )1≤j≤n , então
s X s X
kx − pk = 2
|xj − pj | ≤ kAj k2 /k 2 ≤
1≤j≤n 1≤j≤n
q √
n(max {kAj k/k : 1 ≤ j ≤ n})2 = n(max {kAj k/k : 1 ≤ j ≤ n}) < δ.
Portanto, todos os hiperparalelepı́pedos em questão estão contidos em uma bola
aberta de raio δ. Estando estabelecidos quais são os comprimentos das dimen-
sões dos hiperparalelepı́pedos, vamos construir os lados destes, de modo que
recubram I. Cada intervalo Ij , 1 ≤ j ≤ n, está dividido em k segmentos com-
l
pactos de mesmo comprimento, Ijj , 1 ≤ lj ≤ k. Então definiremos cada hiperpa-
Q l
ralelepı́pedo como sendo da forma 1≤j≤n Ijj , onde cada lj é um inteiro entre 1
e k. Tome uma enumeração destes hiperparalelepı́pedos compactos {Pi }1≤i≤kn .
n o
Vamos agora, obter uma coleção de hiperparalelepı́pedos P̃i n
(não ne-
1≤i≤k
cessariamente compactos) de forma que continuem recobrindo I, mas sejam
dois a doisS disjuntos. Defina P̃1 := P1 e,S para cada 2 ≤ i ≤ k n , defina
P̃i := Pi \ 1≤j≤i−1 Pj . Então, vemos que 1≤i≤kn P̃i = I e P̃i ∩ P̃j = ∅, se
i 6= j. Definamos, finalmente,
X
s := [(min {u(x) : x ∈ Pi })χP̃i + i(min {v(x) : x ∈ Pi })χP̃i ],
1≤i≤kn

59
e seja x ∈ I. Então, x ∈ P̃j , para somente um 1 ≤ j ≤ k n e

|s(x)−f (x)| = |[(min {u(x) : x ∈ Pj })−u(x)]+i[(min {v(x) : x ∈ Pi })−v(x)]| ≤

|(min {u(x) : x ∈ Pj }) − u(x)| + |(min {v(x) : x ∈ Pi }) − v(x)| <


/2 + /2 = .
Como x ∈ I é arbitrário, resulta que sup {|s(x) − f (x)| : x ∈ I} < . Assim,
como para todo  > 0 dado é possı́vel achar um elemento de W uniformemente
próximo a f , concluı́mos que existe uma seqüência em W que converge unifor-
memente a f .

Para toda função f de W, temos então que kf (A1 , ..., An )k ≤ kf k∞ e,


como toda função contı́nua a valores complexos definida em I é limite uni-
forme de funções de W (ou, em outras palavras, C(I) ⊆ W ⊆ B(I)) e B(H) é
completo, concluı́mos pelo Lema 1.1 que, para toda g ∈ C(I), pode-se definir
g(A1 , ..., An ) := limn fn (A1 , ..., An ), onde {fn }n∈N é uma seqüência em W tal
que fn −→ g em C(I).

Tendo em vista, então, que a aplicação linear e contı́nua


Λ
I
C(I) 3 g 7−→ g(A1 , ..., An ) ∈ B(H)

está bem definida, pelos argumentos do parágrafo acima, podemos estender


o teorema espectral quando n ∈ N, n ≥ 1, e {Ai ∈ B(H) : 1 ≤ i ≤ n} é um
conjunto finito de operadores lineares auto-adjuntos limitados que comutam
dois a dois, fazendo as seguintes adaptações:

1. assim como a aplicação ΦC definida na página 44, ΛI é contı́nuo, e um


∗-homomorfismo unital entre ∗-álgebras (a demonstração é análoga, com
a exceção de que, agora, usamos a densidade de W em C(I), ao invés da
densidade de P (I) em C(I); inclusive, para mostrar a compatibilidade do
homomorfismo com a multiplicação em C(I), podemos tomar seqüências
em W uniformemente limitadas, exatamente como fizemos na página 44);
2. o “I” agora em questão permanece sendo um conjunto compacto e Haus-
dorff, e podemos aplicar o Teorema da Representação de Riesz, assim como
feito na página 45. “Hu ” será agora definido por

Hu := {f (A1 , . . . , An )u ∈ B(H) : f ∈ C(I)},

e “Gu ” será definido agora por

Gu := {f (A1 , . . . , An )u ∈ B(H) : f ∈ C(I)}

- note que se tem Gu denso em Hu , por definição. Garante-se, assim, a


existência da aplicação Ω̃u (adaptada, é claro);

60
3. agora, ao invés de provar que Ω̃u ◦A◦Ω̃−1
u = MidCµu (I) , como o exposto logo
após o que foi tratado no item acima, devemos provar que Ω̃u ◦ Ai ◦ Ω̃−1 u =
Mπi , para todo 1 ≤ i ≤ n, onde πi é a i-ésima projeção canônica. Para
tanto, basta substituir A por πi (A1 , . . . , An ), e a demonstração segue de
maneira análoga à feita anteriormente. Isso decorre de πi (A1 , . . . , An ) =
Ai e do fato de ΛI ser um homomorfismo de álgebras. Vamos mostrar
que πi (A1 , . . . , An ) = Ai . Para cada 1 ≤ 1 ≤ n, podemos construir uma
seqüência de funções simples relativas a segmentos disjuntos de Ii (este é
um detalhe importante), {sm }m∈N , que converge uniformemente à função
idC(Ii ) . Defina, para cada m ∈ N, a função de n variáveis dada por
gm (x1 , . . . , xn ) := sm (xi ), para todo (xj )1≤j≤n ∈ I - note
P que isto implica
gm (A1 , ..., An ) = sm (Ai ), para todo m ∈ N: se sm = 1≤j≤q aj χBji com
os Bji ’s dois a dois disjuntos, então basta tomar
X Y
gm := aj (χBji χIk ),
1≤j≤q 1≤k≤n,k6=i

pois χIk = 1C(Ik ) . Então, {gm }m∈N é uma seqüência de funções de W (veja
a definição acima) que converge uniformemente à função πi . Portanto,
pela definição de ΛI , temos que πi (A1 , ..., An ) = limm gm (A1 , ..., An ).
Por outro lado, pela definição de gm , temos que limm gm (A1 , ..., An ) =
limm sm (Ai ) = idC(Ii ) (Ai ) = Ai . Logo, pela unicidade do limite, segue
que πi (A1 , ..., An ) = Ai ;
4. em seguida, na aplicação do Lema de Zorn, basta substituir o A que ali
aparece por Ai = πi (A1 , ..., An ), para todos 1 ≤ i ≤ n, e concluiremos
que ⊕α∈M Huα é Ai -invariante, para todo 1 ≤ i ≤ n, pois cada Huα é
πi (A1 , ..., An )-invariante (ou Ai -invariante), para todo 1 ≤ i ≤ n. Logo,
(⊕α∈M Huα )⊥ será Ai -invariante, para todo 1 ≤ i ≤ n. Logo,

f (Ai )w ∈ (⊕α∈M Huα )⊥ ,

para toda f ∈ C(Ii ), 1 ≤ i ≤ n (w 6= 0 sendo um elemento que, por


hipótese, pertence a (⊕α∈M Huα )⊥ ), pois (⊕α∈M Huα )⊥ é um subespaço
vetorial fechado de H. Como toda função caracterı́stica relativa a um su-
bintervalo Ji de Ii pode ser aproximada pontualmente por uma seqüência
uniformemente limitada de funções contı́nuas, temos que

ΦB (χJi )w = χJi (Ai )w ∈ (⊕α∈M Huα )⊥ ,

para todo 1 ≤ i ≤ n, pela propriedade 3 do ∗-homomorfismo ΦB defi-


nido na página 52 (note que para cada 1 ≤ i ≤ n temos um ΦB corres-
pondente e que ΦB (χJi ) está bem definido para todo intervalo Ji ⊆ Ii ).
Portanto, como mostramos que toda função contı́nua definida em I é li-
mite uniforme de funções caracterı́sticas relativas a produtos de subin-
tervalos de Ii , temos pela última estimativa (desigualdade) obtida que
f (A1 , ..., An )w ∈ (⊕α∈M Huα )⊥ , para toda f ∈ C(I). Isto estabelece a

61
contradição necessária, analogamente à obtida na aplicação do lema de
Zorn da demonstração anterior.
5. uma última adaptação que vale a pena ser mencionada é que ao invés de
mostrar que U ◦ A ◦ U −1 : Dom(Mf ) 3 g 7−→ f · g ∈ L2 (N, µ), para uma f
real e Borel-mensurável, basta substituir A por πi (A1 , ..., An ), para cada
1 ≤ i ≤ n, e obteremos, finalmente, o:

Teorema espectral para n-uplas de operadores lineares auto-


adjuntos que comutam dois a dois: Se H é um espaço de Hilbert,
n ∈ N, n ≥ 1, e {Ai ∈ B(H) : 1 ≤ i ≤ n} é um conjunto finito de ope-
radores lineares auto-adjuntos limitados que comutam dois a dois, então
existem um espaço de medida (N, µ) (N := M × I, com I sendo um pro-
duto finito de intervalos) e uma transformação linear unitária U : H −→
L2 (N, µ) tais que U ◦ Ai ◦ U −1 = Mπ̃i , para todo 1 ≤ i ≤ n, com π̃i := p̂i ,
sendo pi := ((πi )Cµuα (I) )α∈M .

Agora vamos mostrar que se T ∈ B(H), então existem operadores lineares


auto-adjuntos A, B ∈ B(H) tais que T = A + iB, que são unicamente deter-
minados por T (isto é possı́vel de ser feito em qualquer C∗ -álgebra). De fato,
definindo
T + T∗
A :=
2
e
T − T∗
B := ,
2i
vemos que T = A + iB e que kAk ≤ kT k, kBk ≤ kT k. Temos, ainda,

T ∗ + T ∗∗ T∗ + T T + T∗
A∗ = = = =A
2 2 2
e
[i(T ∗ − T )]∗ −i(T ∗∗ − T ∗ ) i(T ∗ − T ) T − T∗
B∗ = = = = = B,
2 2 2 2i
mostrando que A e B são auto-adjuntos. Para verificar a unicidade basta no-
tar que, se também T = C + iD para certos operadores lineares auto-adjuntos
C, D ∈ B(H), então temos a equação 0B(H) = T −T = (A−C)+i(B −D). Logo,
vale também que (A−C)+i(B−D) = 0B(H) = 0∗B(H) = (A∗ −C ∗ )−i(B ∗ −D∗ ) =
(A − C) − i(B − D), o que implica B = D. Assim, devemos ter também
0B(H) = A − C, isto é, A = C, e está mostrada a unicidade.

O próximo passo agora é mostrar:

“O teorema espectral para operadores lineares normais”

62
Seja T um operador normal. Como todo operador linear normal é, em parti-
cular, limitado (por definição), podemos representar T como T = A + iB, sendo
∗ ∗
A = T +T 2 e B = T −T 2i . Como, ainda, T comuta com seu adjunto, temos que
A e B comutam, pois

T + T∗ T − T∗ T 2 − T T ∗ + T ∗ T − (T ∗ )2
  
AB = = =
2 2i 2 · 2i

T 2 − T ∗ T + T T ∗ − (T ∗ )2 T − T∗ T + T∗
  
= = BA.
2i · 2 2i 2
Assim, pelo teorema espectral para n-uplas finitas de operadores lineares auto-
adjuntos que comutam dois a dois, garantimos a existência de um espaço de
medida (N, µ) e uma transformação linear unitária U : H −→ L2 (N, µ) tais que
U AU −1 = Mπ̃1 e U BU −1 = Mπ̃2 , onde

I1 = [− kAk , kAk], I2 = [− kBk , kBk], N = M × (I1 × I2 )

e π̃i := p̂, com p := ((πi )Cµuα (I) )α∈M , i = 1, 2. Portanto,

T = A + iB = U −1 Mπ1 U + i(U −1 Mπ̃2 U ) =

U −1 (Mπ̃1 + Mi·π̃2 )U = U −1 (Mπ̃1 +i·π̃2 )U,


e mostramos que U T U −1 = Mf , sendo f uma função a valores complexos e
Borel-mensurável em N . Está demonstrado, assim, o teorema espectral para
operadores normais.

Antes de prosseguir, vamos relembrar algo que foi dito na Observação XIII
das Considerações Iniciais, momento em que foram definidos os operadores de
multiplicação. Dissemos lá que o espaço de medida construı́do no decorrer do
Teorema Espectral possui a propriedade de que todo subconjunto seu de medida
estritamente positiva, S, possui um subconjunto E ⊆ S de medida finita e
estritamente positiva. Vamos mostrar, então, que o espaço (N, µ) (sendo N e
µ como acima) possui esta propriedade, assumindo as hipóteses de que H 6=
{0} e A 6= 0. Como H 6= {0} e A é não-nulo, garantimos a existência de
0 6= uα ∈ H e, consequentemente, a existência de um funcional não-nulo λuα :
C(I) 7−→ hf (A)uα , uα i (I sendo um intervalo compacto ou um produto de
intervalos compactos). Note que µ 6= 0, pois se assim não fosse, pelo Fato 1 das
Considerações Iniciais terı́amos
X
0 = µ(N ) = µuα (πα ({α} × I)) ≥
α∈M

µuα (I),
o que implica µuα = 0. Logo, λuα = 0, o que é um absurdo, pois assim terı́amos
0 = λ(1C(I) ) = huα , uα i, e concluirı́amos que uα = 0. Esta argumentação
mostra que existe um elemento no domı́nio de µ que possui medida estritamente

63
positiva. Seja S ⊆ N um conjunto de medida µ(S) estritamente positiva. Se
µ(S) < ∞, não há nada a demonstrar. Suponhamos que µ(S) = +∞. Então
existe um conjunto finito {βi }1≤i≤no ∈ M tal que
X
µuβi (πβ i (S ∩ ({βi } × I))) > 0,
1≤i≤n0

pois caso contrário, terı́amos µ(S) = 0. Além disso, µuα possui a propriedade
de ser finita sobre compactos, o que mostra
X
0< µuβi (πβ i (S ∩ ({βi } × I))) := µ(S ∩ ({βi } × I)) < ∞.
1≤i≤n0

Logo, S ∩ ∪1≤i≤n0 ({βi } × I) é o conjunto com as propriedades desejadas.

“O teorema espectral para operadores lineares auto-adjuntos


não-limitados”

Seja, agora, (finalmente) A um operador linear auto-adjunto, não-limitado.


Pelo Teorema II (Observação XIX das Considerações Iniciais), sabemos que
(A − iIB(H) ) : Dom(A) −→ H é uma bijeção, isto é, garantimos a existência
de um operador (A − iIB(H) )−1 : H −→ Dom(A) tal que (A − iIB(H) )(A −
iIB(H) )−1 = IB(H) e (A − iIB(H) )−1 (A − iIB(H) ) = IB(Dom(A)) . Ainda, como
para todo u ∈ Dom(A − iIB(H) ) = Dom(A),

(A − iIB(H) )u 2 = kAuk2 + ihAu, ui − ihu, Aui + kuk2 ≥ kuk2


(note que hAu, ui = hu, Aui), temos que (A − iIB(H) )−1 ∈ B(H), com
(A − iIB(H) )−1 ≤ 1.

Pela Observação XVIII, obtemos

((A − iIB(H) )−1 )∗ (A − iIB(H) )∗ ⊂ IB(H)

e
(A − iIB(H) )∗ ((A − iIB(H) )−1 )∗ = (IB(Dom(A)) )∗ = IB(H) ,
mostrando que

((A − iIB(H) )−1 )∗ = ((A − iIB(H) )∗ )−1 = (A + iIB(H) )−1



(note que, como (A − iIB(H) )−1 = ((A − iIB(H) )−1 )∗ , segue que (A +
iIB(H) )−1 = ((A − iIB(H) )−1 )∗ também é limitado). Vamos mostrar que (A −
iIB(H) )−1 é normal. Pelo Teorema II, (A − iIB(H) ) e (A + iIB(H) ) são bijetores,
e portanto as compostas (A − iIB(H) )(A + iIB(H) ) e (A + iIB(H) )(A − iIB(H) )
também o são. Definindo, então,

D := {u ∈ Dom(A) : Au ∈ Dom(A)} = Dom((A + iIB(H) )(A − iIB(H) )) =

64
Dom((A − iIB(H) )(A + iIB(H) )),
sabemos que existe uma única aplicação L : H −→ D tal que

[(A − iIB(H) )(A + iIB(H) )]L = IB(H)

e
L[(A − iIB(H) )(A + iIB(H) )] = IB(D) .
Mas
(A − iIB(H) )(A + iIB(H) ) = (A + iIB(H) )(A − iIB(H) )
em D (lembre-se que D é o domı́nio da composição (A − iIB(H) )(A + iIB(H) ) =
(A + iIB(H) )(A − iIB(H) ) - veja a Observação VI). Portanto

(A + iIB(H) )−1 (A − iIB(H) )−1 = [(A − iIB(H) )(A + iIB(H) )]−1 =

[(A + iIB(H) )(A − iIB(H) )]−1 = (A − iIB(H) )−1 (A + iIB(H) )−1 ,


e vemos que

((A − iIB(H) )−1 )∗ (A − iIB(H) )−1 = (A + iIB(H) )−1 (A − iIB(H) )−1 = L =

(A − iIB(H) )−1 (A + iIB(H) )−1 = (A − iIB(H) )−1 ((A − iIB(H) )−1 )∗ ,


concluindo que (A − iIB(H) )−1 é normal. Logo, pelo teorema espectral para
operadores normais garantimos a existência de um espaço de medida (N, µ),
com N := M × ([−kBk, kBk] × [−kCk, kCk]), sendo (A − iIB(H) )−1 = B + iC, B
e C auto-adjuntos e limitados, e uma transformação linear unitária U : H −→
L2 (N, µ) tal que (A−iIB(H) )−1 = U −1 Mf U , sendo f uma função essencialmente
limitada (por 3 da Observação XIII das Considerações Iniciais) a valores com-
plexos e Borel-mensurável em N (na verdade, temos f (α, (x, y)) = x + iy, α ∈
M, x ∈ [−kBk, kBk], y ∈ [−kCk, kCk] em µ-quase toda parte de N ). f 6= 0 em
µ-quase toda parte de N , pois (A − iIB(H) )−1 é injetor. De fato, suponhamos
que f seja igual a zero num conjunto E de medida positiva. Então, como U
é uma bijeção, existe um único vetor (não-nulo) v em H tal que χE = U (v).
Além disso, χE ∈ Dom(Mf ) = L2 (N, µ) e (Mf U )(v) = 0 ∈ L2 (N, µ). Portanto,
(U −1 Mf U )(v) = 0, e (A − iIB(H) )−1 v = 0 para um vetor não-nulo de H, um
absurdo, pois (A − iIB(H) )−1 é injetor. Logo, f 6= 0 em µ-quase toda parte de
N e está bem definida a função f −1 ∈ L2 (N, µ). Definindo 1̃C(I) : N −→ C
por 1̃C(I) (α, (x, y)) := 1, para cada α ∈ M, (x, y) ∈ [−kBk, kBk] × [−kCk, kCk]
(como sempre, o “til” sobre a função indica que tal função age como várias
“cópias” de 1C(I) em cada “nı́vel” α), temos que f −1 + i · 1̃C(I) é uma função
Borel-mensurável em N . Definindo g := f −1 +i· 1̃C(I) , notamos que g(α, x, y) =
x2 +y 2 −y
x
x2 +y 2 + x2 +y 2 i em µ-quase toda parte de N . Temos A = U −1 Mg U , pois:

65
1. Dom(U −1 Mg U ) = Dom(A), uma vez que u ∈ Dom(A) se, e somente se,
U (u) ∈ Dom(Mg ): se u ∈ Dom(A), então u = (A − iIB(H) )−1 v, para
algum v ∈ H. Portanto, U (u) = U ((A − iIB(H) )−1 v), o que implica
g·(U (u)) = g·(Mf U (v)). Como g·f é uma função essencialmente limitada,
segue que
g · (U (u)) = g · (f · (U (v))) ∈ L2 (M, µ),
mostrando que U (u) ∈ Dom(Mg ). Por outro lado, se U (u) ∈ Dom(Mg ),
então g · (U (u)) ∈ L2 (M, µ), e portanto

f −1 · (U (u)) = [g − (i · 1̃C(I) )] · (U (u)) ∈ L2 (M, µ).

Da sobrejetividade de U , garantimos a existência de v ∈ H tal que U (v) =


f −1 · (U (u)), e daı́, decorre que

Dom(A) 3 (A − iIB(H) )−1 v = (U −1 Mf U )v = (U −1 Mf )(U (v)) =

(U −1 Mf )[f −1 · (U (u))] = u,
finalizando a demonstração;
2. se u ∈ Dom(A), então existe v ∈ H tal que u = (A − iIB(H) )−1 v. Logo,
(A − iIB(H) )u = ((A − iIB(H) )(A − iIB(H) )−1 )v = IB(H) v = v, e vem que
Au = v + iu. Portanto,

U (Au) = U (v + iu) = U (v) + iU (u) = Mf −1 U (u) + iU (u) =

(Mf −1 + iIL2 (N,µ) )(U (u)) = Mf −1 +i1̃C(I) (U (u)) = Mg (U (u)),

onde na 3a. igualdade foi usado que u = (A − iIB(H) )−1 v = (U −1 Mf U )v.


Da arbitrariedade de u, e do fato que Im(U |Dom(A) ) = Dom(Mg ), como
foi mostrado acima, podemos substituir u por U −1 ψ, onde ψ ∈ Dom(Mg ),
e concluir que U AU −1 = Mg , que é o resultado que querı́amos mostrar.

Como A é auto-adjunto, temos pelo item 2 da Observação XVIII que

U −1 Mg U = A = ((U −1 Mg )U )∗ ⊇ U ∗ (U −1 Mg )∗ ⊇ U ∗ (Mg∗ U ) = U −1 Mg∗ U,

de onde vem que Mg∗ ⊆ Mg . Como foi provado no item 2 da Observação XIII
que Mg ⊆ (Mg )∗ , devemos ter Mg = Mg , uma vez que Dom(Mg ) = Dom(Mg ).
Logo, g = f −1 + i · 1̃C(I) é uma função a valores reais e Borel-mensurável em
N , pelo Corolário do item 3 da Observação XIII, das Considerações Iniciais. Fi-
nalizamos, assim, a demonstração de uma das implicações do Teorema Espectral.
2 2
x x +y −y
Havı́amos notado que g(α, x, y) = x2 +y 2 + x2 +y 2 i em µ-quase toda parte
de N . Impondo-se, agora, a conclusão de que g é real em µ-quase toda parte
de N , concluı́mos que x2 + y 2 − y = 0 em µ-quase toda parte de N e, portanto,
g(α, x, y) = xy em µ-quase toda parte de N . Como a demonstração feita para
operadores não limitados poderia ser feita supondo-se A limitado, poderı́amos

66
ter a impressão de que existe uma contradição com o resultado obtido anteri-
ormente para operadores limitados auto-adjuntos. A razão para tal impressão
é a afirmação do teorema espectral para operadores auto-adjuntos limitados
˜
de que A é unitariamente equivalente à função id(α, x) := x, x ∈ [−kAk, kAk]
em µ̃-quase toda parte de M̃ × [−kAk, kAk] (note que a medida µ̃ em ques-
tão não é a mesma medida µ utilizada acima, proveniente do teorema espec-
tral para operadores normais), pois a função x/y com o domı́nio acima es-
˜ principalmente porque, para cada
pecificado não tem a “cara” da função id,
x ∈ [−kBk, kBk] fixado, limy−→0 |x|/|y| = +∞. Vamos mostrar que esta
aparente contradição não passa de uma ilusão. Seja, então, A um operador
auto-adjunto limitado. Como já observamos anteriormente, podemos escre-
ver (A − iIB(H) )−1 = B + iC, de forma que C = [(A − iIB(H) )−1 − (A −
iIB(H) )−1∗ ]/2i = [(A − iIB(H) )−1 − (A + iIB(H) )−1 ]/2i. Pelo teorema espec-
tral para operadores auto-adjuntos limitados, concluı́mos que A é unitaria-
˜
mente equivalente à função id(α, x) := x, x ∈ [−kAk, kAk] em µ̃-quase toda
parte de M̃ × [−kAk, kAk] e, portanto, pelo Cálculo Funcional desenvolvido, te-
mos que C é unitariamente equivalente ao operador de multiplicação Mf , onde
f (α, x) := 1/(x2 + 1), em µ̃-quase toda parte de M̃ × [−kAk, kAk]. Logo, como
tal operador é claramente inversı́vel em B(L2 (M̃ × [−kAk, kAk], µ̃)), segue que
0∈ / σ(Mf ) = σ(C) = σ(Mπ̃[−kCk,kCk] ), onde π̃[−kCk,kCk] (α, x, y) = y em µ-quase
toda parte de N . Assim, como o espectro do operador Mπ̃[−kCk,kCk] é a imagem
essencial de π̃[−kCk,kCk]
 (pelo item 4 da Observação XIII), concluı́mos
que existe
r > 0 tal que µ( (α, x, y) ∈ N : |y| = |π̃[−kCk,kCk] (α, x, y) − 0| < r ) = 0. Por-
tanto, |y| ≥ r > 0 em µ-quase toda parte de N . Isto mostra que |x|/|y| ≤ kBkr
em µ-quase toda parte de N , garantindo que kAk = kMg k = kgk∞ ≤ kBkr <
∞.

Reciprocamente, suponha que existem um espaço de medida (N, µ) positiva


e uma transformação linear unitária U : H −→ L2 (N, µ) tal que U AU −1 :
Dom(Mf ) 3 g 7−→ f · g ∈ L2 (N, µ), onde f é uma função a valores reais e
Borel-mensurável em N . Então, novamente pelo item 2 da observação XIII das
Considerações Iniciais, concluı́mos que Mf = U AU −1 é auto-adjunto. Portanto,
U AU −1 = (U AU −1 )∗ = ((U A)U −1 )∗ ⊇ (U −1 )∗ (U A)∗ ⊇ U (A∗ U ∗ ) = U A∗ U −1 ,
pelo item 2 da observação inicial XVIII, e vem que A ⊇ A∗ . Como A ⊆ A∗ por
hipótese, concluı́mos que A = A∗ , e A é auto-adjunto.

Concluı́mos, assim, o teorema espectral para operadores lineares auto-adjuntos


não-limitados.

“O Cálculo Funcional Boreliano relativamente a operadores lineares


auto-adjuntos não-limitados”
Antes de finalizar este capı́tulo, lembremos que logo após a demonstração
do teorema espectral para operadores lineares limitados auto-adjuntos, estabe-
lecemos a existência e unicidade do Cálculo Funcional sobre B(R) através do

67
∗-homomorfismo unital ΦB : B(R) −→ B(H). No caso em que A é um operador
linear não-limitado (i.e., kAk = +∞) podemos também estabelecer a existên-
cia e a unicidade de um ∗-homomorfismo unital Φ0B : B(R) −→ B(H), devido
ao Teorema Espectral que acabamos de provar. Para mostrar a existência,
basta reproduzir a mesma filosofia feita antes: se A = U Mf U −1 definimos

Φ0B (g) := U −1 Mg◦f U.

Basta repetir a argumentação feita no caso limitado para ver que:

2’. Φ0B é um ∗-homomorfismo unital entre álgebras com involução;

3’. se {hn }n∈N é uma seqüência de funções uniformemente limitada em


B(R) que converge pontualmente para h ∈ B(R), então Φ0B (hn )u converge para
Φ0B (h)u, para todo u ∈ H.

No entanto, como não temos um Cálculo Funcional para A estabelecido so-


bre C(I), não podemos proceder de maneira análoga à feita lá para obter a
propriedade

1’. ΦB (f ) = f |I (A) = ΦC (f |I ), qualquer que seja f ∈ C0 (R)24

Tal complicação se deve ao fato de expressões da forma 0≤i≤n ai Ai , n ∈


P
N, ai ∈ C, (i.e., polinômios avaliados em A) não estarem bem definidas em geral,
já que a operação de composição entre operadores não-limitados não é bem de-
finida, em geral (pois não temos, necessariamente, que Dom(A) = H). Em con-
trapartida, sabemos que o operador Mf +i é invertı́vel, com (Mf +i )−1 = M f +i 1

(note que M f +i
1 é limitado, com kM f +i
1 k ≤ 1, pois Im(f ) ⊆ R) e, portanto, como

A = U Mf U −1 , concluı́mos que (A + i)−1 = U M f +i


1 U
−1
= Φ0B ( f +i
1
) (veja que
isso é consistente com a Observação XIX das Considerações Iniciais!). Vamos
ver que se substituirmos a propriedade 1’ pela propriedade

1”. Φ0B ( f +i
1
) = (A+i)−1 (veja como o membro da direita não depende de U ),

e acrescentarmos a hipótese de que Φ0B |C0 (R) seja contı́nuo em 2’:

2”. Φ0B é um ∗-homomorfismo unital entre álgebras com involução tal que
Φ0B |C0 (R)
é contı́nuo,

24 Enfatizamos que a unicidade do Cálculo Funcional estabelecido anteriormente continuaria

válida se substituı́ssemos SC por C0 (R) - se X é um espaço topológico localmente compacto,


definimos o espaço C0 (X) como sendo o conjunto das funções contı́nuas definidas em R a
valores complexos tais que, para todo  > 0, existe um compacto K ⊆ R tal que |f | < , em
todo ponto de R\K ; este é um espaço de Banach com a norma do sup: f 7−→ kf k∞ .
Assim, existe um único ∗-homomorfismo unital de álgebras com involução de B(R) em B(H)
satisfazendo 1, substituindo-se SC por C0 (R), e 3. Convencionaremos que o Cálculo Funcional
Boreliano utilizado neste trabalho será o proveniente de tal substituição

68
(na verdade, Φ0B é contı́nuo sobre todo B(R), pois kΦ0B (f )k ≤ kf k∞ , pela
Observação XIII das Considerações Iniciais) é possı́vel estabelecer a unicidade
do Cálculo Funcional Boreliano para o operador não-limitado A, ou melhor:
se A é um operador linear auto-adjunto não-limitado e Λ01 e Λ02 são aplicações
definidas em B(R) a valores em B(H) satisfazendo as propriedades 1”, 2” e 3’
apontadas acima, então Λ01 = Λ02 . Vamos precisar do seguinte teorema:

Teorema da Aproximação de Stone-Weierstrass para espaços lo-


calmente compactos:25 Se X é um espaço topológico localmente compacto e
A ⊆ C0 (X) é uma ∗-subálgebra completamente separante26 de C0 (X), então A
é densa em C0 (X).

Vamos à demonstração.

Seja A a ∗-subálgebra gerada pela função


1
R 3 x 7−→
x+i
de C0 (X). Tal ∗-subálgebra satisfaz as hipóteses do teorema acima, pois o
1
conjunto {x 7−→ x+i } é completamente separante. Logo, A é densa em C0 (X).
0 0
Como Λ1 e Λ2 satisfazem
   
1 1
Λ01 = (A + i)−1 = Λ02 ,
x+i x+i

e são ∗-homomorfismos definidos em B(R), por hipótese, eles devem coinci-


dir sobre A. Assim, pela continuidade de Λ01 e Λ02 sobre C0 (R), temos que
Λ01 |C0 (R) = Λ02 |C0 (R) . Logo, pelo resultado de unicidade estabelecido no caso em
que A era um operador limitado - a saber, que se Λ1 e Λ2 são ∗-homomorfismos
unitais de B(R) em B(H) que coincidem sobre os elementos de C0 (R) e satisfa-
zem 3’, então Λ1 = Λ2 - temos que Λ01 = Λ02 .

Isto estabelece a unicidade do Cálculo Funcional para operadores lineares


auto-adjuntos não-limitados. Portanto, podemos escrever sem ambiguidades
g(A) para designar o objeto Φ0B (g), qualquer que seja g ∈ B(R).

No Apêndice A, daremos uma demonstração alternativa para o Teorema


Espectral.

25 Veja [14]
26 Uma famı́lia de funções A é separante se, dados x, y ∈ X, x 6= y, existe f ∈ A tal que
f (x) 6= f (y). Se tal famı́lia, além de separante, for tal que: para todo x ∈ X, existe f ∈ A
satisfazendo f (x) 6= 0, então esta famı́lia será denominada completamente separante

69
70
2 O Teorema de Kato-Rellich

Os espaços de medida neste capı́tulo serão sempre em relação à medida de


Lebesgue.

Definição 2.1: Seja A um operador densamente definido num espaço de


Hilbert H. Então, se A é fechado e D ⊆ Dom(A) é um subespaço vetorial de
H, então dizemos que D é um core (ou cerne) de A se A|D = A.

Definição 2.2: Se A e B são operadores densamente definidos simétricos


num espaço de Hilbert H, dizemos que B é A-limitado se Dom(B) ⊇ Dom(A)
e existem a, b ≥ 0 tais que

kBvk ≤ akAvk + bkvk,

para todo v ∈ Dom(A). O ı́nfimo de tais a ≥ 0 é denominada a cota de B


relativa a A, e será denotada por NA (B). Uma formulação equivalente desta
definição será utilizada (e devidamente justificada) ao final do capı́tulo 3.

Definição 2.3: Seja A um operador densamente definido e simétrico num


espaço de Hilbert H. Dizemos que A é limitado inferiormente se existe um nú-
mero real M tal que hAu, ui ≥ M kuk2 , para todo u ∈ Dom(A). Neste caso,
dizemos que A é limitado inferiormente por M .

Vamos começar este capı́tulo com os seguintes lemas:

Lema 2.1: Seja A um operador auto-adjunto num espaço de Hilbert H li-


mitado inferiormente por M . Se A é um operador auto-adjunto unitariamente
equivalente a um operador de multiplicação Mf (sendo (N, µ) o espaço de medida
subjacente construı́do na demonstração do Teorema Espectral), então f ≥ M em
µ-quase toda parte de N .

Demonstração: Pela hipótese, h(U −1 Mf U )u, ui ≥ M kuk2 , e isto implica


hMf (U u), U ui ≥ M kuk2 , para todo u ∈ Dom(A). Como U aplica Dom(A) em
Dom(Mf ) de maneira sobrejetora, tal afirmação é equivalente a
Z Z
f |φ|2 dµ ≥ M |φ|2 dµ,
N N

para toda φ ∈ Dom(Mf ). Suponha, por absurdo, que exista um conjunto P ⊆ N


de medida estritamente positiva tal que f < M em P . Então, garantimos a
existência de um conjunto de medida finita e estritamente positiva, Q ⊆ P ,
devido à natureza do espaço de medida em questão (veja a primeira Observação
Importante referente à Observação XIII). Temos, ainda, que

Q = (∪n∈N (Q ∩ f −1 [−n, 0])) ∪ (∪n∈N (Q ∩ f −1 [0, n])).

71
Temos dois casos a considerar:

1. existe n0 ∈ N tal que ∞ > µ(Q ∩ f −1 [0, n]) > 0: a definição de Q implica
que Z Z
2
f |χQ∩f −1 [0,n0 ] | dµ = f dµ <
N Q∩f −1 [0,n0 ]
Z Z
M dµ = M |χQ∩f −1 [0,n0 ] |2 dµ,
Q∩f −1 [0,n0 ] N

o que contradiz a hipótese do enunciado, pois χQ∩f −1 [0,n0 ] pertence ao


domı́nio de Mf ;
2. f < 0 em µ-quase toda parte de Q: neste caso, deve existir um n1 ∈ N
satisfazendo ∞ > µ(Q ∩ f −1 [−n1 , 0]) > 0. Portanto, max{0, −M } <
−f < n1 sobre Q ∩ f −1 [−n1 , 0], e concluı́mos como no item anterior que
Z Z
2
(−f )|χQ∩f −1 [−n0 ,0] | dµ = (−f )dµ >
N Q∩f −1 [−n0 ,0]
Z Z
(−M )dµ = (−M )|χQ∩f −1 [−n0 ,0] |2 dµ,
Q∩f −1 [−n0 ,0] N

ou seja,
Z Z
2
f |χ Q∩f −1 [−n 0 ,0]
| dµ < M |χQ∩f −1 [−n0 ,0] |2 dµ,
N N

o que novamente é uma contradição.

Isto mostra que devemos ter f ≥ M em µ-quase toda parte de N , como


querı́amos.

Lema 2.2: Seja A um operador auto-adjunto num espaço de Hilbert H.


Então, A é limitado inferiormente por M se, e somente se, σ(A) ⊆ [M, +∞).27

Demonstração: Vamos mostrar primeiro a implicação (⇒). Fixe γ < M .


Por hipótese, sabemos que hAu, ui ≥ M kuk2 , para todo u ∈ Dom(A). Somando
−γhu, ui em ambos os membros, obtemos h(A − γ)u, ui ≥ (M − γ)kuk2 , para
todo u ∈ Dom(A). Uma aplicação da desigualdade de Cauchy-Schwartz nos dá

k(A − γ)uk ≥ (M − γ)kuk,

para todo u ∈ Dom(A), e vemos imediatamente que A − γ é injetor e que o


operador inverso (A − γ)−1 : Im(A − γ) −→ Dom(A) é limitado, com norma
menor ou igual a (M − γ)−1 . De Ker(A − γ) = {0} e da validade da identi-
dade Ker(T ∗ ) = (Im(T ))⊥ , para qualquer operador densamente definido em H,
27 A demonstração da implicação (⇐) foi adaptada de [12]; ao invés de usar o procedimento

lá feito - que utiliza integração em espaços de Banach -, aqui a demonstração é feita utilizando-
se o Teorema Espectral e o Cálculo Funcional Boreliano

72
temos que a imagem de M − γ é densa em H. Para ver que tal imagem é fe-
chada, basta utilizar novamente a desigualdade que obtivemos e proceder como
na demonstração da implicação (2 ⇒ 3) da Observação XIX das Considerações
Iniciais. Logo, γ ∈ ρ(A), estabelecendo o desejado.

Para mostrar (⇐) vamos supor, sem perda de generalidade, que σ(A) ⊆
[0, +∞). Vamos mostrar que A é positivo (i.e., hAu, ui ≥ 0, para todo u ∈
Dom(A)). Pelo Teorema Espectral, A é unitariamente equivalente (via uma
aplicação unitária Ũ : H −→ L2 (M̃ , µ̃)) a um operador de multiplicação Mf
agindo em L2 (M̃ , µ̃), para um certo espaço de medida positiva (M̃ , µ̃) e uma
certa função f , real em µ̃-quase toda parte de M̃ . Pelo item 4 da Observação
XIII, das Considerações Iniciais (veja a Observação Importante presente na de-
monstração, na página 22), temos que σ(A) = σ(Mf ) = Imess (f ). Como por
hipótese, Imess (f ) ⊆ [0, +∞), a definição de Imess (f ) implica que, para cada
x ∈ (−∞, 0), existe um x > 0 tal que µ(f −1 [(x − x , x + x )]) = µ({m ∈ M̃ :
|f (m) − x| < x })} = 0. Além disso, como (−∞, 0) possui uma base enumerável
de abertos B sabemos que, para cada x ∈ (−∞, 0), existe um conjunto Bx ∈ B
satisfazendo Bx ⊆ (x − x , x + x ). Portanto, como
 
[
f −1 [(−∞, 0)] ⊆ f −1  Bx  ,
x∈(−∞,0)

segue da subaditividade de µ̃ e da enumerabilidade de B que

µ̃({m ∈ M̃ : f (m) ∈ (−∞, 0)) = µ̃(f −1 [(−∞, 0)]) ≤


  
[
µ̃ f −1  Bx  = 0,
x∈(−∞,0)

pois a união enumerável de conjuntos de medida nula possui medida nula. Logo,
f ≥ 0 em µ̃-quase toda parte de M̃ . Esta conclusão implica que, se tomarmos
t > 0 e definirmos a função

1/(x + t), se x ∈ [0, +∞)
g(x) :=
0, se x ∈ (−∞, 0)

a composição g ◦ f é uma função satisfazendo


1
(g ◦ f )(m) = ,
f (m) + t

para µ̃-quase todo m de M̃ . Portanto, A + t = Ũ −1 Mf +t Ũ e (A + t)−1 =


Ũ −1 Mg◦f Ũ , pelo Cálculo Funcional estabelecido no capı́tulo anterior (note que
g ∈ B(R)). Ainda, pela notação que convencionamos lá, (A + t)−1 = g(A).
Como g ≥ 0, existe uma função h ∈ B(R) satisfazendo h2 = g, a saber

73
 √
1/ x + t, se x ∈ [0, +∞)
h(x) :=
0, se x ∈ (−∞, 0)

Portanto, como o Cálculo Funcional é um ∗-homomorfismo,

h(A + t)−1 u, ui = hg(A)u, ui = hh2 (A)u, ui = hh(A)(h(A)u), ui =

hh(A)u, (h(A))∗ ui = hh(A)u, h(A)ui = hh(A)u, h(A)ui ≥ 0,


para todo u ∈ Dom(A). Logo, (A + t)−1 é um operador positivo. Por hipótese,
−t ∈ ρ(A). Logo, para cada u ∈ Dom(A), existe v ∈ H tal que u = (A + t)−1 v,
de modo que

h(A + t)u, ui = hv, (A + t)−1 vi = h(A + t)−1 v, vi ≥ 0,

para todo u ∈ Dom(A) (usamos que (A + t)−1 é auto-adjunto, na última igual-


dade). Como t > 0 era arbitrário, podemos tomar o limite t → 0 e obter
hAu, ui ≥ 0, para todo u ∈ Dom(A), estabelecendo que A é positivo.

Isto encerra a demonstração.

Temos como um corolário imediato do Lema 2.2 que, se A é um operador


auto-adjunto positivo, então (A + t)−1 é um operador auto-adjunto positivo,
para todo t > 0. Conforme veremos no Capı́tulo 3, o operador H0 (que é o ope-
rador −∆ definido no seu domı́nio de “self-adjointness”, Dom(−∆) = H 2 (Rn ))
2 2
P
é positivo, pois σ(H0 ) = Imess (x 7−→ |x| := 1≤i≤n |xi | ) = [0, +∞), pela
−1
Observação XIII. Logo, o operador (H0 + t) é positivo, para todo t > 0.

Na Mecânica Clássica, se o potencial V em Rn é limitado inferiormente por


M (ou seja, V (x) ≥ M , para todo x ∈ Rn ), então a energia mecânica de uma
partı́cula dada por, digamos,

p2
E= + V (x),
2m
não pode ser menor do que M , pois caso contrário concluirı́amos que p2 < 0. A
situação análoga na Mecânica Quântica é descrita pelo seguinte:

Corolário:28 Sejam A um operador positivo auto-adjunto em L2 (Rn ) e V


uma função Lebesgue-mensurável. Se MV é limitado inferiormente por M ∈ R,
A + MV é auto-adjunto em Dom(A + MV ) e Dom(A) ⊆ Dom(MV ), então
σ(A + MV ) ⊆ [M, +∞) (veja que este corolário também se aplica para A = H0 ).

Demonstração: Como MV é limitado inferiormente por M e A é positivo,


temos que A + MV é limitado inferiormente por M . Pelo Lema 2.2, concluı́-
mos que σ(A + MV ) ⊆ [M, +∞), uma vez que A + MV é auto-adjunto em
28 Retirado de [6]

74
Dom(A + MV ).

Próximo ao contexto deste último corolário, está o:29

Teorema de Kato-Rellich: Sejam H um espaço de Hilbert, A um ope-


rador linear auto-adjunto em Dom(A) ⊆ H e B um operador linear simétrico
e fechado30 em Dom(B) ⊆ H que é A-limitado (em particular, Dom(A) ⊆
Dom(B)), de forma que a cota de B relativa a A é a < 1 (isto é, NA (B) := a <
1). Então, A + B é auto-adjunto em Dom(A) e é essencialmente auto-adjunto
em todo core de A (note que, como A é auto-adjunto, A é fechado). Além disso,
se A é limitado inferiormente por M , então A + B é limitado inferiormente por
M − max {b/(1 − a), a|M | + b}.

Demonstração: Vamos mostrar que existe µ > 0 tal que Im(A + B ±


µi) = H. Seja u ∈ Dom(A). Como A é, em particular, simétrico, temos que
hAu, vi = hu, Avi, para todo v ∈ Dom(A) e, portanto,
2 2 2 2 2
(i) k(A − µi)uk = kAuk +iµhAu, ui−iµhu, Aui+µ2 kuk = kAuk +µ2 kuk ,

para todo µ > 0 (lembremos que Dom(A − µi) := Dom(A) ∩ Dom(−µi) =


Dom(A) ∩ H = Dom(A) - veja a Observação VI das Considerações Iniciais).
Como A é auto-adjunto, pelo Teorema II das observações iniciais garantimos
a existência de um operador linear (A − µi)−1 : H −→ Dom(A) tal que (A −
µi)−1 (A − µi) = IB(Dom(A)) e (A − µi)(A − µi)−1 = IB(H) , para todo µ > 0.
Logo, da equação (i), concluı́mos que, para todo v ∈ Dom((A − µi)−1 ) = H,

µ−1 kvk ≥ (A − µi)−1 v


e
kvk ≥ A((A − µi)−1 v) ,

para todo µ > 0, e obtemos as relações


(A − µi)−1 ≤ µ−1

e
A(A − µi)−1 ≤ 1.

Pela hipótese do enunciado, existe b ≥ 0 tal que a equação

(ii) kBvk ≤ a kAvk + b kvk

é válida para todo v ∈ Dom(A). Logo, concluı́mos que, para todo v ∈ Dom((A−
µi)−1 ) = H, temos
B(A − µi)−1 v ≤ a A(A − µi)−1 v + b (A − µi)−1 v

29 Os três últimos teoremas deste capı́tulo são versões detalhadas da exposição feita em [20]
30 Em [20] não é colocada a hipótese de B ser fechado

75
(note que Dom(A(A − µi)−1 ) ⊆ Dom(B(A − µi)−1 ), pois H = Dom(A(A −
µi)−1 ) = Dom(B(A − µi)−1 ), de modo que a evaluação B((A − µi)−1 v) está
bem definida), e desta última equação decorre que
B(A − µi)−1 ≤ a A(A − µi)−1 + b (A − µi)−1 ≤ a + b(µ−1 ),

para
todo µ > 0. Escolha um µ > 0 suficientemente grande para que tenhamos
B(A − µi)−1 < 1. Então, como B(H) é uma C∗ -álgebra unital, garantimos
que IB(H) + B(A − µi)−1 é inversı́vel em B(H), isto é, −1 ∈ / σ(B(A − µi)−1 )

- veja o primeiro comentário feito a respeito de C -álgebras na introdução (no
entanto, enfatizamos que somente a sobrejetividade de IB(H) + B(A − µi)−1
será usada na demonstração). Devido ao Teorema II da observação XIX das
Considerações Iniciais, temos que o operador A − µi é sobrejetor. Portanto,
A + B − µi = (IB(H) + B(A − µi)−1 )(A − µi), sendo a composta de dois ope-
radores sobrejetores, é também sobrejetor. Argumentando de maneira análoga,
concluı́mos também que A+B +µi é sobrejetor. Logo, novamente pelo Teorema
II, temos que A + B é auto-adjunto em Dom(A + B) := Dom(A).

Vamos mostrar que A + B é essencialmente auto-adjunto em todo core de A.


Para tanto, basta mostrar que (A + B)|D = A + B, uma vez que já foi mostrado
que A + B é auto-adjunto em Dom(A + B) = Dom(A). Seja D ⊆ Dom(A)
um core de A, e seja u ∈ Dom(A). Então, A|D = A e, portanto, existem uma
seqüência {un }n∈N em D tal que un −→ u e uma seqüência {Aun }n∈N tal que
Aun −→ Au. Agora, como kBvk ≤ akAvk + bkvk, para todo v ∈ Dom(A),
os fatos de {un }n∈N e {Aun }n∈N serem seqüências de Cauchy em H implicam
que {Bun }n∈N seja, também, uma seqüência de Cauchy em H. Da comple-
tude de H, segue a existência de w ∈ H tal que Bun −→ w. Por outro
lado, como un ∈ Dom(B), para todo n ∈ N (pois Dom(B) ⊃ Dom(A), por
definição), e B é fechado, temos que u ∈ Dom(B) e w = Bu. Isto nos leva
à conclusão de que (u, (A + B)u) ∈ Gr((A + B)|D ). Em particular, mostra-
mos que Dom(A + B) = Dom(A) ⊆ Dom((A + B)|D ). Como já sabı́amos que
(A + B)|D ⊂ A + B (pois A + B é auto-adjunto e, portanto, é uma extensão
fechada de (A + B)|D ), concluı́mos que (A + B)|D = A + B.

Suponhamos que A é limitado inferiormente por M . Pelo Teorema Espectral,


sabemos que existem um espaço de medida (N, µ) positiva e uma transformação
linear unitária U : H −→ L2 (N, µ) tal que U ◦ A ◦ U −1 : Dom(Mf ) 3 g 7−→
f · g ∈ L2 (N, µ), onde f é uma função a valores reais e Borel-mensurável em N .
Então, temos pelo Lema 2.1 que f (x) ≥ M em µ-quase todo parte de N . Esta
informação será de vital importância para podermos utilizar o Cálculo Funcional
e obter as estimativas que queremos. Seja t < M . Então t ∈ ρ(A), pelo lema
que mostramos, e
B(A − t)−1 ≤ a A(A − t)−1 + b (A − t)−1 ,

por (ii). Ambas as funções

76

s/(s − t), se s ∈ [M, +∞)
f1 (s) :=
0, se s ∈
/ [M, +∞)
e

1/(s − t), se s ∈ [M, +∞)
f2 (s) :=
0, se s ∈
/ [M, +∞)

pertencem a B(R). Como |f1 | ≤ max {1, |M |/(M − t)} (pois f1 |[M,+∞) ou é
monótona, se t 6= 0, ou é igual a 1 em todos os pontos de [M, +∞). Além disso,
lims→+∞ f1 (s) = 1), pelo Cálculo Funcional desenvolvido, sabemos que

kA(A − t)−1 k = kf1 ◦ f k∞ ≤ sup {|f1 (s)| : s ∈ [M, +∞)} ≤

max {1, |M |/(M − t)}


(note que para concluir a segunda desigualdade usou-se que

|f1 ◦ f | ≤ sup {|f1 (s)| : s ∈ [M, +∞)}

em µ-quase toda parte de N . Para a primeira igualdade, veja o item 3 da Ob-


servação XIII, nas Considerações Iniciais). f2 |[M,+∞) é estritamente decrescente
e
lim f2 (s) = 0,
s→+∞

mostrando que |f2 | ≤ 1/(M − t). Novamente pelo Cálculo Funcional obtemos
de maneira análoga à feita acima que

k(A − t)−1 k ≤ kf2 ◦ f k∞ ≤ sup {|f2 (s)| : s ∈ [M, +∞)} ≤ 1/(M − t).

Portanto, temos que kB(A − t)−1 k ≤ a max {1, |M |/(M − t)} + b/(M − t). Se
tivermos
b
a max {1, |M |/(M − t)} + < 1,
M −t
concluiremos que A + B − t é inversı́vel, pois

A + B − t = (IB(H) + B(A − t)−1 )(A − t)

e A − t é inversı́vel, com inversa limitada, uma vez que t ∈ ρ(A). Mas se

M − t > max {a|M | + b, b/(1 − a)} ,

então temos que  


|M | b
a max 1, + < 1.
M −t M −t
De fato, se max {1, |M |/(M − t)} = 1, então
 
|M | b
a max 1, + b/(M − t) = a + <
M −t M −t

77
1−a
a+b· = a + (1 − a) = 1;
b
por outro lado, se max {1, |M |/(M − t)} = |M |/(M − t), então
 
|M | b |M | b 1
a max 1, + =a + < (a|M | + b) · = 1.
M −t M −t M −t M −t a|M | + b

Portanto, se
    
b b
t < min M, M − max a|M | + b, = M − max a|M | + b, ,
1−a 1−a

então t ∈ ρ(A + B). Logo,

σ(A + B) ⊆ [M − max {b/(1 − a), a|M | + b} , +∞).

Pelo Lema 2.2, temos que A + B é limitado inferiormente por


 
b
M − max a|M | + b, .
1−a

Existe o seguinte corolário, que é uma forma simétrica do Teorema de Kato-


Rellich:

Teorema: Sejam A e C operadores densamente definidos e simétricos em


um espaço de Hilbert H, e suponha que D ⊆ Dom(A) ∩ Dom(C) é um subespaço
vetorial de H tal que

(∗) k(A − C)vk ≤ a(kAvk + kCvk) + bkvk,

para todo v ∈ D, com a < 1. Então, A é essencialmente auto-adjunto em D se,


e somente se, C é essencialmente auto-adjunto em D.

Demonstração: Vamos mostrar, primeiramente, que se S e T são opera-


dores lineares simétricos (logo, fecháveis) com D = Dom(S) = Dom(T ), tais
que
(∗0 ) M kSvk ≤ N kT vk + P kvk,
para todo v ∈ D, com M, N > 0, P ≥ 0, então Dom(S) ⊇ Dom(T ). Em
particular, se T for densamente definido, S também será. Seja u ∈ Dom(T ).
Então existem seqüências {un }n∈N em D e {T un }n∈N em Im(T ) tais que un −→
u e T un −→ T u. (∗0 ) implica que {Sun }n∈N é uma seqüência de Cauchy em H,
uma vez que {un }n∈N em D e {T un }n∈N são seqüências de Cauchy em H. Como
H é um espaço métrico completo, existe limn Sun . Como S é um operador
fechado, u ∈ Dom(S) e limn Sun = Su. Isto mostra a inclusão Dom(S) ⊇
Dom(T ) (note que, em particular, mostramos que (∗0 ) implica

M k(S)vk ≤ N k(T )vk + P kvk,

78
para todo v ∈ Dom(T ), devido à continuidade da norma).
Vemos que (∗) implica (1 − a)kAvk ≤ (1 + a)kCvk + bkvk e (1 − a)kCvk ≤
(1 + a)kAvk + bkvk, para todo v ∈ D e, portanto, em particular, Dom(A|D ) =
Dom(C|D ), pelo que demonstramos acima.

Vamos à demonstração.

Suponha que C é essencialmente auto-adjunto em D. Defina B := A − C


e o caminho F (α) := C + αB, 0 ≤ α ≤ 1, de modo que C = F (α) − αB e
A = C + B = F (α) + (1 − α)B. Utilizando a desigualdade triangular, (∗) se
transforma em

kBvk ≤ a(kF (α)vk + k(1 − α)Bvk + kF (α)vk + kαBvk) + bkvk,

de modo que obtemos


2a b
(∗∗) kBvk ≤ kF (α)vk + kvk,
1−a 1−a
para todo v ∈ D e todo α ∈ [0, 1] (na verdade, para todo α ∈ R). Seja n ∈ N
2a
tal que n(1−a) < 1. Multiplicando os dois membros de (∗∗) por 1/n, obtemos

2a b
(∗∗0 ) k(1/n)Bvk ≤ kF (α)vk + kvk,
n(1 − a) n(1 − a)

para todo v ∈ D e todo α ∈ [0, 1]. Escolhendo α = 0 em (∗∗0 ), podemos utilizar


a argumentação feita no inı́cio da demonstração para concluir que possuı́mos
todas as hipóteses do Teorema de Kato-Rellich e inferir que C|D + (1/n)B|D é
auto-adjunto em Dom(C|D ) (lembre-se de que, pelo que foi mostrado no inı́cio
da demonstração,
2a b
k(1/n)B|D vk ≤ kC|D vk + kvk,
n(1 − a) n(1 − a)

para todo v ∈ Dom(C|D ), e Dom(B|D ) ⊇ Dom(C|D ). Usamos também que o


fecho de um operador simétrico é simétrico).
Vamos mostrar que C|D + (1/n)B|D = C|D + (1/n)B|D . Já sabemos que

C|D + (1/n)B|D ⊃ C|D + (1/n)B|D ,

pois C|D + (1/n)B|D é auto-adjunto em Dom(C|D ) e, portanto, é uma extensão


fechada de C|D + (1/n)B|D . Verifiquemos que

C|D + (1/n)B|D ⊂ C|D + (1/n)B|D :

tome (v, (C|D + (1/n)B|D )v) ∈ Gr(C|D + (1/n)B|D ). Como

v ∈ Dom(C|D ) = Dom(C|D + (1/n)B|D ),

79
(lembre-se de que Dom(B|D ) ⊇ Dom(C|D )), existem seqüências {vm }m∈N em D
e {Cvm }m∈N em Im(C|D ) tais que vm −→ v e Cvm −→ C|D v. Logo, por (∗∗0 ) e
um argumento análogo ao feito logo no inı́cio da demonstração, concluı́mos que

(1/n)B|D vm −→ (1/n)B|D v

e
(C|D + (1/n)B|D )vm −→ (C|D + (1/n)B|D )v.
Portanto, {vm }m∈N é uma seqüência em D convergente em H e

{(C|D + (1/n)B|D )vm }m∈N

é uma seqüência convergente em H. Pela unicidade do limite e a definição de


fecho de um operador, temos que

(C|D + (1/n)B|D )v ⊂ C|D + (1/n)B|D v.

Isto mostra a inclusão desejada e estabelece que

C|D + (1/n)B|D = C|D + (1/n)B|D ,

como querı́amos.
Em resumo, para α = 0, temos que

C|D + (1/n)B|D = C|D + (1/n)B|D

é um operador auto-adjunto em Dom(C|D ).


Podemos também utilizar (∗∗)0 com α = 1/n de modo que, pelas observações
no inı́cio da demonstração, possuı́mos as hipóteses necessárias para poder aplicar
o Teorema de Kato-Rellich e concluir que

C|D + (1/n)B|D + (1/n)B|D

é auto-adjunto em Dom(C|D + (1/n)B|D ) = Dom(C|D ).


De maneira análoga à feita para mostrar que

C|D + (1/n)B|D = C|D + (1/n)B|D ,

podemos provar que

C|D + (2/n)B|D = C|D + (1/n)B|D + (1/n)B|D .

Portanto,
C|D + (2/n)B|D = C|D + (1/n)B|D + (1/n)B|D =
C|D + (1/n)B|D + (1/n)B|D
é um operador auto-adjunto em Dom(C|D ).

80
Suponha, agora, que 2 ≤ j ≤ n − 1 é um natural que possui a seguinte
propriedade:
X
C|D + (j/n)B|D = C|D + ((j − 1)/n)B|D + (1/n)B|D = C|D + (1/n)B|D
1≤i≤j

e C|D + (j/n)B|D é auto-adjunto em Dom(C|D ). Vamos mostrar que tal pro-


priedade também é válida para j + 1. Aplicando
P Kato-Rellich para α = j/n
e o fato de que C|D + (j/n)B|D = C|D + 1≤i≤j (1/n)B|D , concluı́mos que o
operador
C|D + (j/n)B|D + (1/n)B|D
é auto-adjunto em Dom(C|D ). Fazendo um procedimento análogo ao feito para
demonstrar que C|D + (1/n)B|D = C|D + (1/n)B|D , concluı́mos que

C|D + ((j + 1)/n)B|D = C|D + (j/n)B|D + (1/n)B|D .

Logo, temos que


C|D + ((j + 1)/n)B|D
é um operador auto-adjunto em Dom(C|D ).

Fica mostrado, então, que

C|D + (j/n)B|D

é um operador auto-adjunto em Dom(C|D ), para todo j ∈ N. Em particular,


fazendo j = n, concluı́mos que C|D + B|D = C|D + (A|D − C|D ) = A|D é auto-
adjunto em Dom(C|D ) = Dom(A|D ), terminando a demonstração de uma das
implicações.
Como podemos escrever (∗) como

(∗) k(C − A)vk ≤ a(kCvk + kAvk) + bkvk,

para todo v ∈ D, a recı́proca é uma mera repetição da demonstração que aca-


bamos de terminar.

Quando a cota de B relativa a A é igual a 1, temos uma conclusão um pouco


mais fraca do que a do Teorema de Kato-Rellich:

Teorema (Wüst): Sejam H um espaço de Hilbert, A um operador linear


auto-adjunto em H e B um operador linear simétrico e fechado em H que é
A-limitado, de forma que a cota de B relativa a A é a = 1. Então, A + B é
essencialmente auto-adjunto em Dom(A) (e em todo core de A).

Demonstração: Seja w ∈ Ker((A + B + i)∗ ). Como

(I) kBvk ≤ kAvk + bkvk,

81
para todo v ∈ Dom(A), multiplicando-se os dois membros por 0 < t < 1,
sabemos pelo Teorema de Kato-Rellich que A + tB é auto-adjunto em Dom(A).
Logo, para cada 0 < t < 1, existe yt ∈ Dom(A) tal que (A + tB + i)yt = w.
Defina zt := w − tByt + Byt = (A + tB + i)yt − tByt + Byt = (A + B + i)yt .
Então,
hzt , wi = h(A + B + i)yt , wi = hyt , (A + B + i)∗ wi = 0,
qualquer que seja 0 < t < 1. Ainda, como A + tB é simétrico,

kwk2 = k(A + tB + i)yt k2 = k(A + tB)yt k2 + kyt k2 ,

mostrando que
(II) kyt k ≤ kwk
e
(III) k(A + tB)yt k ≤ kwk,
para todo 0 < t < 1. Pela desigualdade triangular e (I) multiplicado por t,
temos

kAyt k ≤ k(A + tB)yt k + tkByt k ≤ k(A + tB)yt k + t(kAyt k + bkyt k),

e concluı́mos por (III) que

(1 − t)kAyt k ≤ k(A + tB)yt k + tbkyt k ≤ kwk + tbkwk,

para todo 0 < t < 1, mostrando que sup {(1 − t)kAyt k : t ∈ (0, 1)} < ∞. Logo,
por (I) multiplicado por 1 − t e (II), concluı́mos que

sup {(1 − t)kByt k : t ∈ (0, 1)} < ∞

e, portanto, sup {kzt k : t ∈ (0, 1)} = sup {kw − (1 − t)Byt k : t ∈ (0, 1)} ≤ M ,
para algum M > 0 real.
Seja η ∈ Dom(A). Para todo 0 < t < 1,

hη, zt i − hη, wi = hη, (1 − t)Byt i = (1 − t)hBη, yt i,

e concluı́mos que

|hη, zt − wi| ≤ (1 − t)kBηkkyt k ≤ (1 − t)kBηkkwk.

Logo, o limite lateral limt→1− hη, zt i existe e é igual a hη, wi, para todo η ∈
Dom(A). Seja x ∈ H, e seja  > 0. Da densidade de Dom(A) em H, segue que
existe η ∈ Dom(A) tal que

kx − ηk < min {/3M, /3(kwk + 1)} .

Pelo que acabou de ser argumentado, garantimos a existência de um δ > 0 tal


que se t ∈ (0, 1) satisfaz |t − 1| < δ, então |hη, zt i − hη, wi| < /3. Logo,

|hx, zt i − hx, wi| ≤ |hx, zt i − hη, zt i| + |hη, zt i − hη, wi| + |hη, wi − hx, wi| ≤

82
M 
kx − ηkM + /3 + kη − xkkwk < + /3 + kwk < .
3M 3(kwk + 1)
Isto estabelece que limt→1− hx, zt i = hx, wi, qualquer que seja x ∈ H. Em
particular, tomando x = w, obtemos limt→1− hw, zt i = hw, wi. Como foi visto
anteriormente que hzt , wi = 0, para todo 0 < t < 1, temos que kwk = 0.
Logo, w = 0 e, da arbitrariedade de w, concluı́mos que Im((A + B + i))⊥ =
Ker((A + B + i)∗ ) = {0}. Analogamente, podemos repetir os passos feitos acima
e ver também que Im((A + B − i))⊥ = {0}. Portanto, Im((A + B ± i)) são
densos em H, e temos que A + B é essencialmente auto-adjunto em Dom(A),
pela Observação XIX.

Um exemplo simples para ver que a tese “A + B é essencialmente auto-


adjunto em Dom(A)” do último teorema não pode ser melhorada para “A + B
é auto-adjunto em Dom(A)” é tomar B := −A. Vemos que todas as hipóteses
do teorema se mantêm, mas

A + B = 0Dom(A) ,

mostrando que A + B não é auto-adjunto, pois (0Dom(A) )∗ = 0B(H) 6= 0Dom(A) .


No entanto, note que 0Dom(A) = 0B(H) , de modo que o operador 0B(H) é essen-
cialmente auto-adjunto.

83
84
3 Aplicações do Teorema de Kato-Rellich

(Observação: os espaços de medida neste capı́tulo serão sempre em relação


à medida de Lebesgue.)

Seja S(Rn ) o conjunto das φ ∈ C ∞ (Rn ) tais que


lim (1 + kxk)m |Dβ φ| = 0,
kxk→+∞

para todos m ∈ N, β ∈ Nn , isto é, o espaço de Schwartz das funções infinitamente


diferenciáveis de rápido decrescimento cujas derivadas também são de rápido
decrescimento. Mostra-se que a transformada de Fourier está bem definida por
Z
˜ : φ 7−→ =(φ)(ξ)
˜ 1
= := e−ix·ξ φ(x)dx
(2π)n/2 Rn
em S(Rn ), e assume valores em S(Rn ). Prova-se também que se munirmos
S(Rn ) da norma de L2 (Rn ) (uma vez que S(Rn ) é um subespaço vetorial de
˜ : S(Rn ) −→ S(Rn ) será uma isometria sobrejetora. Utilizando
L2 (Rn )), então =
a propriedade de comutação da transformada de Fourier com a operação de
˜
derivação parcial, é possı́vel ver que =(−∆)=˜ −1 = (M|ξ|2 )|S(Rn ) ,31 onde M|ξ|2 é
o operador de multiplicação
M|ξ|2 : Dom(M|ξ|2 ) 3 φ 7−→ |ξ|2 φ(ξ)
(note que S(Rn ) ⊆ Dom(M|ξ|2 )). Como S(Rn ), sob essas circunstâncias, é
denso em L2 (Rn ), temos pelo Lema 1.2 do capı́tulo 1 que existe uma única
˜ a L2 (Rn ), que denotaremos por =. Foi mostrado na Ob-
extensão unitária de =
servação XIII (no item 2) das Considerações Iniciais que M|ξ|2 é auto-adjunto
em Dom(M|ξ|2 ). Definindo, então, Dom(H0 ) := =−1 Dom(M|ξ|2 ) e H0 :=
=−1 M|ξ|2 =, então sua ação estenderá a ação usual de −∆ em S(Rn ), e tal
operador será auto-adjunto, uma vez que é unitariamente equivalente a um ope-
rador auto-adjunto. Mas quem é Dom(H0 )? Uma vez que a derivação fraca
é uma operação que estende a derivação usual em C ∞ (Rn ), uma boa sugestão
para tentar desmistificar tal domı́nio (e a subseqüente ação do operador H0 ) se-
ria (possivelmente) explorando esta ideia. É esta a tentativa que faremos agora.
Mas, antes, vamos deixar claro qual é a definição de derivada fraca, apresen-
tando os espaços de Sobolev:

“O domı́nio de ‘self-adjointness’ do operador −∆”


Definição: Seja Ω ⊆ Rn um aberto. Definimos o espaço de Sobolev W 1,p (Ω)
como sendo o conjunto das u ∈ Lp (Ω) satisfazendo a seguinte propriedade:
Z Z
p ∂φ
existem gi ∈ L (Ω), 1 ≤ i ≤ n, tais que u dx = − gi φdx,
Ω ∂xi Ω
31 |ξ|2 |ξi |2
P
:= 1≤i≤n

85
para toda φ ∈ Cc∞ (Ω), 1 ≤ i ≤ n. Denotaremos gi por Di u. Procedendo de
maneira recursiva, dado um natural m ≥ 1, podemos definir o espaço W m,p (Ω)
como sendo o conjunto das u ∈ Lp (Ω) satisfazendo a seguinte propriedade: para
todo multi-ı́ndice α ∈ Nm , com |α| ≤ m,
Z Z
existem gα ∈ Lp (Ω) tais que uDα φdx = (−1)|α| gα φdx,
Ω Ω

para toda φ ∈ Cc∞ (Ω) (pode-se mostrar que esta propriedade implica a validade
da mesma trocando-se Cc∞ (Ω) por S(Rn ) - usaremos este fato mais tarde, neste
capı́tulo). W m,p (Ω) se torna um espaço de Banach com a norma definida por
 
X
kukW m,p (Ω) :=  kDα ukp p  L (Ω)
|α|≤m

(se p = 2, W m,p (Ω) é um espaço de Hilbert). As gi ’s e gα ’s são chamadas de


derivadas fracas de u. É usual na literatura denotar-se W m,2 (Ω) por H m (Ω), e
faremos o mesmo, aqui. Neste texto, tais espaços W m,p (Ω) serão normalmente
considerados como subespaços normados de Lp (Rn ), de modo que ao invés de
espaços de Banach eles serão subespaços densos de Lp (Rn ) (pois eles contêm
Cc∞ (Rn ), que é denso em Lp (Rn ) - tal densidade será usada com frequência
neste capı́tulo). Caso eles sejam utilizados com a sua norma de Banach, haverá
um cuidado especial com a notação (como na demonstração do Teorema 3.2,
por exemplo).

Vamos dividir a demonstração em partes. Primeiramente, temos o seguinte


lema:

Dom(H0 ) ⊆ H 2 (Rn ) e −∆| ˜ H 2 (Rn ) = H0 (∆


˜ denota o Laplaciano correspon-
dente às derivações fracas):

Seja f ∈ Dom(H0 ), isto é, uma função f ∈ L2 (Rn ) tal que M|ξ|2 (=f ) ∈
L (Rn ). Vamos mostrar que f ∈ H 2 (Rn ). Para tanto, vamos mostrar que
2

(−=−1 Mξi ·ξj =)(f ) = (D̃i D̃j )(f ) (D̃i denota a derivada fraca com respeito à
i-ésima coordenada):
Z Z
(−=−1 Mξi ·ξj =)(f )(x)φ(x)dx = (−Mξi ·ξj =)(f )(x)(=−1 φ)(x)dx =
Rn Rn
Z Z
−xi xj =f (x)=−1 φ(x)dx = =f (x)[(−i)2 xi xj =−1 φ(x)]dx =
Rn Rn
Z Z
=f (x)=−1 (D̃i D̃j φ)(x)dx = (=−1 (=f ))(x)(D̃i D̃j φ)(x)dx =
Rn Rn
Z
f (x)(D̃i D̃j φ)(x)dx,
Rn

86
para toda φ ∈ Cc∞ (Rn ). Isto estabelece
P a inclusão Dom(H0 ) ⊆ H 2 (Rn ) e, em
−1 2 ˜ ), qualquer que seja
particular, que (= M|ξ|2 =)(f ) = − 1≤i≤n D̃i (f ) = −∆(f
f ∈ Dom(H0 ).

Para mostrar a inclusão H 2 (Rn ) ⊆ Dom(H0 ), faremos (levemente) o uso do


conceito de distribuições (poderı́amos fazê-lo sem utilizar tal conceito, mas os
cálculos se tornam mais “limpos” com esta abordagem).

Representaremos o conjunto das distribuições u : S(Rn ) −→ C por S 0 (Rn ).


Tais objetos são funcionais lineares contı́nuos sobre S(Rn ), de modo que o con-
ceito de continuidade pode ser traduzido da seguinte forma: u é contı́nuo se,
e somente se, toda seqüência {φj }j∈N em S(Rn ) tal que φj −→ 0 em S(Rn )
implica u(φj ) −→ 0 em C, de modo que φj −→ 0 significa supx∈Rn (1 +
kxk)m |Dβ φ(x)| −→ 0 em C para todos m ∈ N, β ∈ Nn .

O conjunto das distribuições u : Cc∞ (Rn ) −→ C será denotado por D0 (Rn )


(não utilizaremos estas distribuições neste capı́tulo, somente as distribuições
provenientes de S 0 (Rn ); as distribuições de D0 (Rn ) serão utilizadas fortemente
no Capı́tulo 4). Esta notação vem do fato de que denota-se por D(Rn ) o espaço
Cc∞ (Rn ), na literatura tradicional.32

Quando se trata de Cc∞ (Rn ), existem certos elementos que sãoR particular-
mente importantes. Tome u ∈ L1loc (Rn ) := {f : Rn −→R C : K |f | dx <
∞, para qualquer K ⊆ Rn } e m ∈ Cc∞ (Rn ) tal que m ≥ 0 e Rn m dx = 1 - por
exemplo, tomando m tal que
( 1

m(x) := ce |x|2 −1 , se |x| < 1


0, se |x| ≥ 1

R
e c é uma constante real escolhida de modo que se tenha Rn m dx = 1.
Para cada r > 0, definimos
1 x
mr (x) := n m e u(r) := u ∗ mr ,
r r
sendo u ∗ mr o denominado produto de convolução entre u e mr , definido por
Z
(u ∗ mr )(x) := u(y)mr (x − y)dy,
Rn
n
para todo x ∈ R . Dois fatos importantes a respeito destas funções são que
u(r) ∈ C ∞ (Rn ) e que u(r) −→ u em Lp (Rn ), para todo u ∈ Lp (Rn ), se
32 Em D 0 (Rn ), a continuidade pode ser traduzida da seguinte forma: u é contı́nuo se, e

somente se, para toda seqüência {φj }j∈N em Cc∞ (Rn ) tal que φj −→ 0 em Cc∞ (Rn ), tem-se
que u(φj ) −→ 0 em C, sendo que φj −→ 0 em Cc∞ (Rn ) significa que existem n0 ∈ N e
um compacto K ⊆ Rn tal que supp (φj ) ⊆ K, para j ≥ n0 e kDα φj k∞ −→ 0, para todo
multi-ı́ndice α ∈ Nn

87
1 ≤ p < +∞.

Um resultado básico e essencial para motivar certas definições na teoria de


distribuições é a seguinte:

Proposição: Se f ∈ L1loc (Rn ) é tal que Rn f (x)φ(x)dx = 0, qualquer


R

que seja φ ∈ Cc∞ (Rn ), então f = 0 em quase toda parte de Rn (note que
tal proposição continua válida se trocarmos Cc∞ (Rn ) por S(Rn ), uma vez que
Cc∞ (Rn ) ⊆ S(Rn )).33

Demonstração: É um fato bastante conhecido que, dado um compacto


K ⊆ Rn existe uma função φ ∈ Cc∞ (Rn ) tal que 0 ≤ φ ≤ 1 e φ|K = 1. Então,
para cada n ∈ N, podemos fixar uma ψn ∈ Cc∞ (Rn ) satisfazendo 0 ≤ ψn ≤ 1
e ψn (x) = 1, para todo x ∈ B(0, n) = {x ∈ Rn : |x| ≤ n}.34 Dessa forma,
f ψn ∈ L1 (Rn ) e
Z
((f ψn ) ∗ mr )(x) = f (y)ψn (y)mr (x − y)dy,
Rn

para todo x ∈ Rn . Como para cada x ∈ Rn fixado, a aplicação y 7−→ ψn (y)mr (x−
y) pertence a Cc∞ (Rn ), temos por hipótese que ((f ψn ) ∗ mr )(x) = 0, para todo
x ∈ Rn . Ainda, como havı́amos observado que ((f ψn ) ∗ mr )(x) −→ f ψn quando
r −→ 0, concluı́mos que f ψn = 0 em quase toda parte de Rn , para cada n ∈ N.
Em particular, f = 0 em quase toda parte de B(0, n), para cada n ∈ N. Logo,
f = 0 em quase toda parte de Rn .

Esta Proposição é muito importante, pois se definirmos W como sendo o


espaço vetorial das f ∈ L1loc (Rn ) tais que existem C > 0, N ∈ N satisfazendo
|f (x)| ≤ C(1 + |x|2 )N em quase toda parte de Rn (note que W contém Lp (Rn ),
para todo 1 ≤ p ≤ +∞), garantimos a existência de uma aplicação injetora
jS : W −→ S 0 (Rn ) dada por
Z
jS (u)(φ) := uφ dx,
Rn

para toda φ ∈ S(Rn ), uma vez que Cc∞ (Rn ) ⊆ S(Rn ).35

Vamos ver como isto pode ser usado em nossa demonstração.

33 Retirada de [4], Teorema 1.7


34 B(0, n):= {x ∈ Rn : |x| < n}
35 Também tem-se a existência de uma aplicação injetora j 1 n 0 n
D : Lloc (R ) −→ D (R ) dada
por Z
jD (u)(φ) := uφ dx,
Rn
para toda φ ∈ Cc∞ (Rn ) - ao contrário do observado na aplicação jD , não é toda função de
L1loc (Rn ) que define uma distribuição de S 0 (Rn )

88
Sejam A : S(Rn ) −→ S(Rn ) uma aplicação linear contı́nua e B : S(Rn ) −→
S(Rn ) uma aplicação linear contı́nua que satisfazem
Z Z
Aφψdx = φBψdx,
Rn Rn

para todos φ, ψ ∈ S(Rn ).36 Então, a aplicação

ΛA : S 0 (Rn ) 3 u 7−→ u ◦ B ∈ S 0 (Rn )

está bem definida, e ela estende a aplicação A a S 0 (Rn ), no sentido em que

jS ◦ A = ΛA ◦ (jS )|S(Rn ) ,

já que (jS )|S(Rn ) é uma aplicação injetora (observamos aqui que, se B for um
isomorfismo - ou seja, um isomorfismo algébrico que é um homeomorfismo -
então ΛA será um isomorfismo algébrico; usaremos isto mais tarde). Logo,
como as operações M α : φ 7−→ xα φ, Dα : φ 7−→ Dα φ e = são operadores
lineares contı́nuos em S(Rn ) e satisfazem
Z Z
α
(M φ)ψdx = φ(M α ψ)dx,
Rn Rn
Z Z
(Dα φ)ψdx = φ[(−1)|α| Dα ψ]dx
Rn Rn
e Z Z
(=φ)ψdx = φ(=ψ)dx,
Rn Rn
para todos φ, ψ ∈ S(Rn ), podemos definir as respectivas extensões ΛMα , ΛDα
e Λ= em S 0 (Rn ) (toda a discussão feita neste parágrafo pode ser repetida
substituindo-se S(Rn ) por Cc∞ (Rn ), S 0 (Rn ) por D0 (Rn ) e jS por jD , com exce-
ção da transformada de Fourier).

Observamos para um uso posterior que se A := ∆ ˜ e B := ∆ : S(Rn ) −→


n 2 n 2 n
S(R ), então A : H (R ) −→ L (R ) não se encaixa nas hipóteses acima (não é
um operador em S(Rn )), mas conseguimos definir apropriadamente a aplicação
0 n 0 n
˜ : S (R ) 3 u 7−→ u ◦ ∆ ∈ S (R )
Λ∆

de modo que esta estenda a aplicação A para S 0 (Rn ), ou seja,

(∗) jS ◦ A = Λ∆
˜ ◦ (jS )|H 2 (Rn ) ,

pela definição de derivação fraca e pela observação (presente na definição da


página 86) de que podemos trocar Cc∞ (Rn ) por S(Rn ).

36 Na verdade, não precisamos exigir nem a linearidade nem a continuidade da aplicação A:

a linearidade de B implica a linearidade de A, e uma versão do Teorema do Gráfico Fechado


para espaços de Frechét implica a continuidade de A

89
˜ podemos
De maneira similar, se A := = : L2 (Rn ) −→ L2 (Rn ) e B := =,
definir também a aplicação
˜ ∈ S 0 (Rn ),
Λ= : S 0 (Rn ) 3 u 7−→ u ◦ =

de modo que temos a igualdade


Z Z
(=f )ψdx = f (=ψ)dx,
Rn Rn

para todos f ∈ L2 (Rn ) e ψ ∈ S(Rn ). De fato, como S(Rn ) é denso em L2 (Rn )


(pois Cc∞ (Rn ) é denso em L2 (Rn )), seja {φj }j∈N uma seqüência em S(Rn ) que
converge a f ∈ L2 (Rn ), em L2 (Rn ). Então,
Z
h=φj , ψi = =φj ψdx =
Rn
Z
φj =ψdx = hφj , =ψi = hφj , =ψi,
Rn
para todo j ∈ N, pelo que já sabemos. Assim, pela continuidade do produto
interno e da transformada de Fourier, obtemos
Z Z
=f ψdx = h=f, ψi = hf, =ψi = f =ψdx,
Rn Rn

provando a asserção. Portanto,

(∗∗) (jS ◦ =)(f ) = (Λ= ◦ (jS )|L2 (Rn ) )(f ),

qualquer que seja f ∈ L2 (Rn ).

Assim, mostramos que Λ= estende a aplicação = : L2 (Rn ) −→ L2 (Rn ) para


0
S (Rn ).

Vamos mostrar agora que

H 2 (Rn ) ⊆ Dom(H0 ):

Seja f ∈ H 2 (Rn ).

Como M|ξ|2 é auto-adjunto em Dom(|ξ|2 ) (que contém S(Rn )), temos que
˜
=(−∆)=˜ −1 = =
˜ −1 (−∆)=,
˜ e da definição da aplicação Λ ˜ vemos que
=

(∗ ∗ ∗) Λ=˜ −1 (−∆)=˜ = Λ(M|ξ|2 )|S(Rn ) .

Ainda, como por definição

Λ=˜ −1 (−∆)=˜ = Λ=˜ ◦ Λ−∆ ◦ Λ=˜ −1 ,

90
˜ −1 é um isomorfismo sobre S(Rn ))
(note que Λ=˜ −1 está bem definida, pois =
compondo os dois membros de (∗ ∗ ∗) com Λ=˜ , obtemos

Λ=˜ ◦ Λ−∆ = Λ(M|ξ|2 )|S(Rn ) ◦ Λ=˜ .

Aplicando esta igualdade na distribuição jS (f ) obtemos

(Λ=˜ ◦ Λ−∆ )(jS (f )) = (Λ(M|ξ|2 )|S(Rn ) ◦ Λ=˜ )(jS (f )),

que em notação integral significa que


Z Z
˜
f (x)[−∆(=ψ)(x)] dx = ˜
f (x)[(=(|ξ|2
ψ))(x)] dx,
Rn Rn

qualquer que seja ψ ∈ S(Rn ). Por (∗) e (∗∗), o membro da esquerda torna-se
Z Z
˜
f (x)[−∆(=ψ)(x)] dx = [=(−∆f )](x)ψ(x) dx,
Rn Rn

qualquer que seja ψ ∈ S(Rn ). Por outro lado, aplicando (∗∗) no membro da
direita obtemos
Z Z
˜ 2
f (x)[(=(|ξ| ψ))(x)] dx = [|x|2 (=f )(x)]ψ(x) dx,
Rn Rn

para toda ψ ∈ S(Rn ). Combinando as três últimas igualdades, concluı́mos que


Z Z
˜
[=(−∆f )](x)ψ(x) dx = [|x|2 (=f )(x)]ψ(x) dx,
Rn Rn

para toda ψ ∈ S(Rn ). Como =(−∆f ˜ ) ∈ L2 (Rn ) ⊆ L2 (Rn ) ⊆ L1 (Rn ) e


loc loc
|x| (=f )(x) ∈ Lloc (R ) (pois é o produto de duas funções de L2loc (Rn )), concluı́-
2 1 n

mos pela Proposição da página 88 que


˜ ) ∈ L2 (Rn ).
|x|2 (=f )(x) = =(−∆f

Logo, =f ∈ Dom(M|x|2 ) e, portanto, f ∈ Dom(−∆), ˜ uma vez que f ∈ Dom(−∆)˜


se, e somente se, =f ∈ Dom(M|x|2 ). Isso finaliza a demonstração de que

Dom(H0 ) = H 2 (Rn ).

Na literatura tradicional, o operador “menos” Laplaciano (fraco) −∆,˜ con-


2 n
siderado sobre seu domı́nio de “self-adjointness” H (R ), é denotado por H0 .
Seguiremos tal convenção, a partir de agora. Além disso, vamos começar a de-
notar o operador ∆ ˜ simplesmente por ∆, por uma questão de simplicidade.

Vamos agora demonstrar dois lemas37 que serão necessários para fornecer
uma aplicação do Teorema de Kato-Rellich:

37 Suas demonstrações foram inspiradas na exposição feita em [20]

91
Lema 3.1: Seja n um natural tal que 0 < n ≤ 3. Dado a > 0 existe b > 0
tal que kψk∞ ≤ akH0 ψk2 + bkψk2 , para toda ψ ∈ Dom(H0 ).

Demonstração: Devido às definições da transformada de Fourier e da


norma k · k∞ , sabemos que k=−1 ψk∞ ≤ kψk1 , qualquer que seja ψ ∈ L1 (Rn ) ∩
L2 (Rn ). Tome uma ψ ∈ Dom(H0 ). Devido ao que acabou de ser dito, se
mostrarmos que =ψ ∈ L1 (Rn ) e que para cada a > 0 existe b ∈ R satisfazendo
k=ψk1 ≤ akM|λ|2 =ψk2 + bk=ψk2 ,
obteremos o resultado desejado, uma vez que a transformada de Fourier é uma
isometria sobrejetora em L2 (Rn ) (e a sua inversa também). Seja a > 0. Como
ψ ∈ Dom(H0 ) se, e somente se, =ψ ∈ Dom(M|λ|2 ), temos que |λ|2 (=ψ)(λ) ∈
1
L2 (Rn ). Assim, como também 1+|λ| 2 n
2 ∈ L (R ) (foi aqui que usamos n ≤ 3),
1
pela desigualdade de Hölder garantimos que [(1 + |λ|2 )(=ψ)] · (1+|λ| 2 ) = =ψ ∈
1 n
L (R ) e
Z sZ sZ
1
(∗) |(=ψ)(λ)|dλ ≤ (1 + |λ|2 )2 |=ψ|2 (λ)dλ · dλ
R n R n R n (1 + |λ|2 )2
sZ
1
≤ 2 2
dλ (k|λ|2 (=ψ)(λ)k2 + k(=ψ)k2 ).
Rn (1 + |λ| )

Defina, para cada r > 0 a função (=ψ)r por (=ψ)r (λ) := rn (=ψ)(rλ), para
todo λ ∈ Rn . Então valem as relações k(=ψ)r k1 = k(=ψ)k1 , k(=ψ)r k2 =
n−4
rn/2 k(=ψ)k2 e k|λ|2 (=ψ)r (λ)k2 = r 2 k|λ|2 (=ψ)(λ)k2 pois
Z Z Z
n n 1
|r (=ψ)(rλ)|dλ = r |(=ψ)(y)| n dy = |(=ψ)(y)|dy,
Rn Rn r Rn
sZ sZ sZ
1
|rn (=ψ)(rλ)|2 dλ = rn |(=ψ)(y)|2 n dy = rn/2 |(=ψ)(y)|2 dy
Rn Rn r Rn
e sZ s
Z 2 2
y
|rn |λ|2 (=ψ)(rλ)|2 dλ = rn (=ψ)(y) 1 dy =

r rn
Rn Rn
sZ
n+4
r(n− 2 ) ||y|2 (=ψ)(y)|2 dy =
Rn
sZ
n−4
r 2 ||y|2 (=ψ)(y)|2 dy.
Rn

Assim, (=ψ)r ∈ L1 (Rn ) e podemos substituir (=ψ) por (=ψ)r em (∗), de onde
obtemos
sZ
1 n−4
k(=ψ)k1 = k(=ψ)r k1 ≤ 2
dλ (r 2 k|λ|2 (=ψ)(λ)k2 +rn/2 k(=ψ)k2 ).
Rn (1 + |λ| )

92
Como n ≤ 3, e a última desigualdade obtida é válida para
qRtodo r > 0, podemos
n−4
1
escolher um r > 0 grande o suficiente para que tenhamos Rn (1+|λ|2 )
dλ r 2 <
a. Assim, concluı́mos a validade da desigualdade

k=ψk1 ≤ akM|λ|2 =ψk2 + bk=ψk2

para algum b > 0 e, conseqüentemente, o resultado que querı́amos provar.

Teorema 3.2 (Kato): Seja V uma função Lebesgue-mensurável definida


em Rn , 0 < n ≤ 3, que assume somente valores reais. Assuma que V ∈
L2 (Rn ) + L∞ (Rn ), isto é, que existem V1 ∈ L2 (Rn ) e V2 ∈ L∞ (Rn ) tais que
V = V1 + V2 . Então, o operador H0 + MV é essencialmente auto-adjunto em
Cc∞ (Rn ) e auto-adjunto em Dom(H0 ) := H 2 (Rn ) (seguindo a literatura usual,
representaremos o operador MV simplesmente por V ).

Demonstração: Pelo resultado mostrado no item 2 da Observação XIII


das Considerações Iniciais, sabemos que o operador de multiplicação V é auto-
adjunto (e, portanto, em particular, é fechado e simétrico). Para toda φ ∈
Cc∞ (Rn ), temos a desigualdade
Z
kV φk22 = |V1 φ + V2 φ|2 dx ≤
Rn
Z Z Z
|V1 φ|2 dx + 2 |V1 φ||V2 φ|dx + |V2 φ|2 dx
Rn Rn Rn

≤ kV1 k22 kφk2∞ + 2kV1 φk1 kV2 k∞ kφk∞ + kV2 k22 kφk2∞ ≤(∗)
kV1 k22 kφk2∞ + 2kV1 k2 kφk2 kV2 k∞ kφk∞ + kV2 k22 kφk2∞ =
(kV1 k2 kφk∞ + kφk2 kV2 k∞ )2 ,
o que mostra Cc∞ (Rn ) ⊆ Dom(V ) (em (∗) usamos a desigualdade de Hölder).
Aplicando o resultado do Lema 3.1 na desigualdade acima obtida, concluı́mos
1
que, tomando a := 1+kV 1 k2
> 0, existe b > 0 tal que

kV φk2 ≤ akV1 k2 kH0 φk2 + (bkV1 k2 + kV2 k∞ )kφk2 ,

qualquer que seja φ ∈ Cc∞ (Rn ). Para podermos aplicar o Teorema de Kato-
Rellich à última desigualdade, precisamos, antes de mais nada, garantir que
Dom(V ) ⊇ H 2 (Rn ). Tome, então, ψ ∈ Dom(H0 ). Como Cc∞ (Rn ) é denso
em H 2 (Rn ) (este é um fato não-trivial que vamos usar, e que cuja demonstra-
ção pode ser encontrada extraindo-se informações de [15] e [23]), garantimos
a existência de uma seqüência {φn }n∈N em Cc∞ (Rn ) tal que φn −→ ψ em
H 2 (Rn ). Assim, ela é também uma seqüência de Cauchy em H 2 (Rn ). Mas,
então, {V φn }n∈N é uma seqüência de Cauchy em L2 (Rn ), pois

kV φn − V φm k2 ≤ (max{akV1 k2 , (bkV1 k2 + kV2 k∞ )})kφn − φm kH 2 (Rn ) ,

93
para todos m, n ∈ N. Da completude de L2 (Rn ), segue a existência de limn V φn .
Como V é um operador fechado, concluı́mos que ψ ∈ Dom(V ) e limn V φn = V ψ.
Isto mostra que Dom(V ) ⊇ H 2 (Rn ). Além disso, o argumento acima nos mostra
que
kV ψk2 ≤ vkH0 ψk2 + (bkV1 k2 + kV2 k∞ )kψk2 ,
para um certo 0 ≤ v < 1 e um certo b > 0, qualquer que seja ψ ∈ H 2 (Rn ), de
modo que, pelo Teorema de Kato-Rellich, temos que H0 + V é auto-adjunto em
Dom(H0 ) = H 2 (Rn ) e essenciamente auto-adjunto em Cc∞ (Rn ), uma vez que
Cc∞ (Rn ) é um core de H0 .

Finalmente, vamos dar as aplicações prometidas.38

“O átomo de hidrogênio e um átomo qualquer”


O Hamiltoniano quântico não-relativı́stico correspondente ao sistema com-
posto por uma uma partı́cula de massa m sujeita a ação do potencial V é dado
pelo operador de Schrödinger
~2
H=− ∆ + V (x)
2m
agindo em L2 (R3 ).

κ
A função V : Rn 3 x 7−→ V (x) := − kxk , onde κ ∈ R, é denominada po-
tencial de Coulomb, e representa a interação eletrostática entre duas partı́culas
carregadas, em que é feita a aproximação de que uma das partı́culas possui uma
massa muito grande em relação à da outra, de modo que a partı́cula com “massa
grande” permanece em repouso na origem. Se κ = −e2 , onde −e é a carga de
um elétron (e > 0), então V representa o potencial Coulombiano correspondente
ao átomo de hidrogênio.
Como para um r > 0 fixado,
V = V χB(0,r) + V χR3 \B(0,r) ,
V χB(0,r) ∈ L2 (R3 ) e V χR3 \B(0,r) ∈ L∞ (Rn ), vemos pelo Teorema 3.2 que H =
H0 + V (x) é auto-adjunto em H 2 (R3 ), e representa o observável de energia total
do sistema em questão. Além disso, de acordo com a Mecânica Clássica, o átomo
de hidrogênio é instável: conforme o elétron orbita o núcleo ele irradia energia
e colapsa no núcleo. Em Mecânica Quântica, a propriedade de estabilidade do
átomo de hidrogênio é expressa matematicamente pelo fato de o Hamiltoniano
ser um operador auto-adjunto limitado inferiormente. Como σ(H0 ) = [0, +∞)
39
(e, portanto, H0 é limitado inferiormente por 0, pelo Lema 2.2), vemos pelas
estimativas obtidas no Teorema de Kato-Rellich que
σ(H) ⊆ [− max {b/(1 − a), b} , +∞)
38 Tais aplicações foram retiradas de [20], [6], [8] e [12]
39 Pelo que provamos neste capı́tulo e pelo item 4 da Observação XIII

94
e, portanto, H é limitado inferiormente, pelo Lema 2.2. Assim, a Mecânica
Quântica dá a predição (correta) de que o átomo de hidrogênio é estável, que
foi um dos primeiros grandes triunfos desta teoria.

Podemos estender este resultado para um Hamiltoniano (aproximado) de um


átomo qualquer, dado por
X X ne2 X e2
− ∆i − + ,
kxi k kxi − xj k
1≤i≤n 1≤i≤n 1≤i,j≤n,i<j
P
(note que 1≤i≤n ∆i = ∆, onde ∆ é o Laplaciano em 3n dimensões) agindo
em L2 (R3n ), e mostrar que ele é auto-adjunto em Dom(H0 ) = H 2 (R3n ), e
essencialmente auto-adjunto em Cc∞ (R3n ). Seja V uma função real e mensurável
definida em R3 , e que pertence a L2 (R3 ) + L∞ (R3 ) (na verdade, V é uma
função real e mensurável definida em R3n , mas que possui dependência efetiva
de somente três dessas variáveis; em relação a estas três variáveis, pedimos que
as funções pertençam a L2 (R3 ) + L∞ (R3 )). Suponha que y = (~yj )1≤j≤n e V (~yk )
é um operador de multiplicação em L2 (R3n ), onde ~yk é um vetor que possui três
das coordenadas de R3n , relativamente às quais V possui dependência. Usando
o fato de o operador −∆ ser invariante por rotações de coordenadas, podemos
assumir sem perda de generalidade que as variáveis das quais V depende são
y1 , y2 e y3 . Denotemos por ∆1 o Laplaciano correspondente a estas três variáveis.
Como as normas k · k2 e k · k∞ são invariantes por rotações de coordenadas e por
um passo intermediário presente na demonstração do Teorema 3.2 concluı́mos
que, para toda φ ∈ R3n temos, fixando todas as variáveis ~yj , 2 ≤ j ≤ n que,
dado a > 0, existe b > 0 satisfazendo

kV φk2L2 (R3 ) ≤ (akV1 kL2 (R3 ) k−∆1 φkL2 (R3 ) +(bkV1 kL2 (R3 ) +kV2 k∞ )kφkL2 (R3 ) )2 =

a2 kV1 k2L2 (R3 ) k − ∆1 φk2L2 (R3 ) + (bkV1 kL2 (R3 ) + kV2 k∞ )2 kφk2L2 (R3 ) +
2akV1 kL2 (R3 ) k − ∆1 φkL2 (R3 ) (bkV1 kL2 (R3 ) + kV2 k∞ )kφkL2 (R3 ) .
Mas, desenvolvendo a identidade
 2
1
rs − t ≥ 0,
r
onde r, s, t ∈ R, obtemos a desigualdade
1 2
2st ≤ r2 s2 + t .
r2
Fazendo s := akV1 kL2 (R3 ) k − ∆1 φkL2 (R3 ) e t := (bkV1 kL2 (R3 ) + kV2 k∞ )kφkL2 (R3 ) ,
podemos utilizar esta última desigualdade para obtermos

kV φk2L2 (R3 ) ≤ 1 + r2 a2 kV1 k2L2 (R3 ) k − ∆1 φk2L2 (R3 ) +



(D)
 
1
1 + 2 (bkV1 kL2 (R3 ) + kV2 k∞ )2 kφk2L2 (R3 ) .
r

95
Agora, como
˜ −1 MP3
−∆1 = = ˜
2=
i=1 |yi |

e=˜ é uma aplicação unitária em S(R3 ) (considerando-se S(R3 ) como um subes-


paço normado de L2 (R3 )), temos que
  2
2 ˜ −1 P ˜ φ(~y1 , ..., ~yn )
k−∆1 φkL2 (R3 ) = = M 3i=1 |yi |2 = 2 3 =
L (R )
  2
˜ y1 , ..., ~yn )
MP3i=1 |yi |2 (=φ)(~ 2 =
L (R3 )

Z 3
!2
X
|yi |2 ˜ y1 , ..., ~yn )|2 dy1 dy2 dy3 ≤(∗)
|(=φ)(~
R3 i=1
Z 3n
!2
X
|yi | 2 ˜ y1 , ..., ~yn )|2 dy1 dy2 dy3
|(=φ)(~
R3 i=1

((∗) lembre-se de que as variáveis ~yj , 2 ≤ j ≤ n estão fixas). Assim, da desigual-


dade (D) vem que
Z
kV φk2L2 (R3 ) = |V (~y1 ) φ(~y1 , ..., ~yn )|2 dy1 dy2 dy3 ≤
R3

Z 3n
!2
X
2 2
kV1 k2L2 (R3 ) 2 ˜ y1 , ..., ~yn )|2 dy1 dy2 dy3 +

1+r a |yi | |(=φ)(~
R3 i=1
  Z
1 2
1+ 2 (bkV1 kL2 (R3 ) + kV2 k∞ ) |φ(~y1 , ..., ~yn )|2 dy1 dy2 dy3 .
r R3
Finalmente, integrando-se as outras dimensões, obtemos
Z Z 
2
|V (~y1 ) φ(~y1 , ..., ~yn )| dy1 dy2 dy3 . . . dy3n ≤
R3n−3 R3
 !2 
Z Z 3n
X
2
a2 kV1 k2L2 (R3 ) |yi |2 ˜ y1 , ..., ~yn )|2 dy1 dy2 dy3  . . . dy3n

1+r  |(=φ)(~
R3n−3 R3 i=1

+
  Z Z 
1
1+ 2 (bkV1 kL2 (R3 ) +kV2 k∞ )2 |φ(~y1 , ..., ~yn )|2 dy1 dy2 dy3 . . . dy3n
r R3n−3 R3
e, pelo Teorema de Fubini, vemos que
Z
kV φk2L2 (R3n ) = |V (~y1 ) φ(~y1 , ..., ~yn )|2 dy1 dy2 dy3 . . . dy3n =
R3n
Z Z 
2
|V (~y1 ) φ(~y1 , ..., ~yn )| dy1 dy2 dy3 . . . dy3n ≤
R3n−3 R3

96
Z 3n
!2
X
2
a2 kV1 k2L2 (R3 ) |yi |2 ˜ y1 , ..., ~yn )|2 dy1 . . . dy3n +

1+r |(=φ)(~
R3n i=1
  Z
1
1+ (bkV1 kL2 (R3 ) + kV2 k∞ )2 |φ(~y1 , ..., ~yn )|2 dy1 . . . dy3n =
r2 R3n
3n ! 2
X
2 2
kV1 k2L2 (R3 ) 2 ˜ y1 , ..., ~yn )

1+r a |yi | (=φ)(~ +


2
i=1 L (R3n )
 
1
1 + 2 (bkV1 kL2 (R3 ) + kV2 k∞ )2 kφ(~y1 , ..., ~yn )k2L2 (R3n ) =
r
2
1 + r2 a2 kV1 k2L2 (R3 ) kH0 φ(~y1 , ..., ~yn )kL2 (R3n ) +


 
1
1 + 2 (bkV1 kL2 (R3 ) + kV2 k∞ )2 kφ(~y1 , ..., ~yn )k2L2 (R3n ) .
r
Assim, concluı́mos que, para todo a > 0 existe b > 0 satisfazendo a desigualdade

(E) kV φk2L2 (R3n ) ≤


2
1 + r2 a2 kV1 k2L2 (R3 ) kH0 φ(~y1 , ..., ~yn )kL2 (R3n ) +


 
1
1 + 2 (bkV1 kL2 (R3 ) + kV2 k∞ )2 kφ(~y1 , ..., ~yn )k2L2 (R3n ) ,
r
para toda φ ∈ Cc∞ (R3n ) e todo 0 6= r ∈ R. Na realidade, argumentando como
na demonstração do Teorema 3.2, garantimos a validade da desigualdade (E)
para toda φ ∈ H 2 (R3n ).

Veja que tal argumento continuaria válido se V , ao invés de pertencer a


L2 (R3 ) + L∞ (R3 ) (no sentido explicitado acima), fosse uma função que de-
pendesse efetivamente de algumas (ou todas) as coordenadas ~yj , 1 ≤ j ≤ n
e tal que exista uma coordenada ~yj0 com a propriedade de que, fixadas to-
das as outras coordenadas, a função ~yj0 7−→ V (~y1 , . . . , ~yj0 , . . . , ~yn ) pertença
a L2 (R3 ) + L∞ (R3 ). Em particular, se j 6= k, então fixando ~yj , a função
~yk 7−→ V (~yk − ~yj ) (que será de nosso interesse, em breve) satisfaz essa proprie-
dade: de maneira análoga, podemos assumir sem perda de generalidade que V
depende de ~y1 (isto é, ~y1 7−→ V (~y1 − ~yj )) com j 6= 1 e, fixando todas as outras
coordenadas ~yi , 2 ≤ i ≤ n, obter uma desigualdade

kV (~y1 − ~yj )φ(~y1 , ..., ~yn )k2L2 (R3 ) ≤

1 + r2 a2 kV1 (~y1 − ~yj )k2L2 (R3 ) k − ∆1 φ(~y1 , ..., ~yn )k2L2 (R3 ) +

 
1
1 + 2 (bkV1 (~y1 − ~yj )kL2 (R3 ) + kV2 (~y1 − ~yj )k∞ )2 kφ(~y1 , ..., ~yn )k2L2 (R3 ) ;
r

97
procedendo de maneira análoga, também concluı́mos que, para todo a > 0 existe
b > 0 satisfazendo a desigualdade

(E’) kV (~y1 − ~yj )φk2L2 (R3n ) ≤


2
1 + r2 a2 kV1 k2L2 (R3 ) kH0 φ(~y1 , ..., ~yn )kL2 (R3n ) +


 
1
1 + 2 (bkV1 kL2 (R3 ) + kV2 k∞ )2 kφ(~y1 , ..., ~yn )k2L2 (R3n ) ,
r
para toda φ ∈ H 2 (R3n ) e todo 0 6= r ∈ R.

Vamos agora utilizar estes resultados para mostrar o resultado que prome-
temos.

Sejam n, m ∈ N maiores do que 0 e V uma função real e mensurável definida


em R3 , e que pertence a L2 (R3 )+L∞ (R3 ) (novamente, cada Vk é uma função real
e mensurável definida em R3n , mas que possui dependência efetiva de somente
três dessas variáveis). Então, o operador

H = H0 + Ṽ (~y1 , ..., ~yn ),

agindo em L2 (R3n ), onde


X X
Ṽ (~y1 , ..., ~yn ) := −κ1 V (yk ) + κ2 V (~yi − ~yj ),
1≤k≤n 1≤i,j≤n,i<j

κ1 , κ2 > 0, é auto-adjunto em Dom(H0 ) = H 2 (R3n ), e essencialmente auto-


adjunto em Cc∞ (R3n ): tomando r = 1 em (E) e (E 0 ),
 
n(n − 1)
δ := max {κ1 , κ2 } n + ,
2

usando que
  2
X X
≤(∗∗)

−κ1 V (y k ) + κ2 V (~
y i − ~
y j ) φ

1≤k≤n 1≤i,j≤n,i<j 2
L (R3n )
 
X X
δ kV (yk )φk2L2 (R3n ) + kV (~yi − ~yj )φk2L2 (R3n ) 
1≤k≤n 1≤i,j≤n,i<j

((∗∗) basta usar a desigualdade triangular e a desigualdade


 2
X X 1 X
 rk  = rk rl ≤ (rk2 + rl2 ) =
2
1≤k≤m 1≤k,l≤m 1≤k,l≤m

98
   
1 1 X
X X X X
rk2  +  rl2  = m ri2 ,
2 2
1≤k≤m 1≤l≤m 1≤k≤m 1≤l≤m 1≤i≤m

2 3n
com rk ≥ 0, para todo 1 ≤ k ≤ m), para toda φ ∈ H (R ), e escolhendo-se a
suficientemente pequeno, mostra-se que existem 0 ≤ a0 < 1 e b0 > 0 satisfazendo
2
Ṽ (~y1 , ..., ~yn )φ ≤ (a0 )2 kH0 φk2L2 (R3n ) + (b0 )2 kφk2L2 (R3n ) ,

L2 (R3n )

para toda φ ∈ H 2 (R3n ). Para podermos aplicar o Teorema de Kato-Rellich,


precisamos verificar que a Definição 2.2 é equivalente à seguinte definição: se A
e B são operadores densamente definidos simétricos num espaço de Hilbert H,
dizemos que B é A-limitado se Dom(B) ⊇ Dom(A) e existem a, b ≥ 0 tais que

kBvk2 ≤ a2 kAvk2 + b2 kvk2 ,

para todo v ∈ Dom(A). O ı́nfimo de tais a ≥ 0 é denominada a cota de B


relativa a A, e será denotado por NA0 (B). Sejam a, b ≥ 0 satisfazendo a desi-
gualdade presente na Definição 2.2. Elevando os dois membros da desigualdade
ao quadrado obtemos

kBvk2 ≤ a2 kAvk2 + b2 kvk2 + 2abkAvkkvk,

para todo v ∈ Dom(A). Utilizando a desigualdade


1 2
2st ≤ r2 s2 + t
r2
da página 95, temos que para qualquer r ∈ R\{0},
 
1
kBvk ≤ 1 + r a kAvk + 1 + 2 b2 kvk2 ,
2 2
 2 2
r

para todo v ∈ Dom(A). Assim, como tal desigualdade é válida para r0 s arbitra-
riamente pequenos, vemos que a Definição 2.2 implica a outra, mencionada logo
acima, e que NA0 (B) ≤ NA (B). Para ver a outra implicação basta ver que, se

kBvk2 ≤ a2 kAvk2 + b2 kvk2 ,

para todo v ∈ Dom(A), então

kBvk2 ≤ a2 kAvk2 + b2 kvk2 + 2abkAvkkvk = (akAvk + bkvk)2 ,

para todo v ∈ Dom(A), mostrando que

kBvk ≤ akAvk + bkvk,

para todo v ∈ Dom(A). Isto estabelece NA (B) ≤ NA0 (B), e mostra a equivalên-
cia das duas definições.

99
Assim, podemos aplicar o Teorema de Kato-Rellich e concluir, finalmente,
que o operador
H = H0 + Ṽ (~y1 , ..., ~yn )
acima é auto-adjunto em Dom(H0 ) = H 2 (R3n ), e essencialmente auto-adjunto
em Cc∞ (R3n ). Concluı́mos, em particular, que o operador de Schrödinger
X X ne2 X e2
− ∆i − + ,
kxi k kxi − xj k
1≤i≤n 1≤i≤n 1≤i,j≤n,i<j
P
(note que 1≤i≤n ∆i = ∆, onde ∆ é o Laplaciano em 3n dimensões) agindo
em L2 (R3n ) é auto-adjunto em Dom(H0 ) = H 2 (R3n ), e essencialmente auto-
adjunto em Cc∞ (R3n ), uma vez que Cc∞ (R3n ) é um core de H0 .

Terminamos este capı́tulo observando que, na verdade, o Teorema 3.2 nos


κ
permite concluir que o Hamiltoniano dado por H = H0 − kxk α , com 0 < α < 3/2
2 3
e κ ∈ R, é auto-adjunto em Dom(H0 ) = H (R ), e essencialmente auto-adjunto
em Cc∞ (R3 ).

O Hamiltoniano com o potencial de Yukawa dado por


κ −µkxk
H = H0 − e ,
kxk

κ, µ > 0, também é auto-adjunto em Dom(H0 ) e essencialmente auto-adjunto


em Cc∞ (R3 ), pelo Teorema 3.2, pois V (x) = − kxk
κ −µkxk
e ∈ L2 (R3 ). O potencial
de Yukawa representa um modelo aproximado de forças nucleares transmitidas
por uma partı́cula de massa µ > 0.

100
101
4 A desigualdade de Kato40

Neste capı́tulo, introduzimos o conceito de positividade para distribuições.


Dizemos que u ∈ D0 (Rn ) é positiva (e denotamos por u ≥d 0) se u(φ) ≥ 0,
para toda φ ∈ Cc∞ (Ω) tal que φ ≥ 0. Isto induz uma ordem parcial em D0 (Rn ):
dadas duas distribuições u, v ∈ D0 (Rn ), diremos que u ≥d v se u − v ≥d 0.
p
Para todo u ∈ L1loc (Rn ) e  > 0, defina u := |u|2 + 2 ,


0, se u(x) = 0
sgn u(x) :=
u/|u|, 6 0
se u(x) =

e
sgn u := u/u .
Estas notações serão utilizadas ao longo do capı́tulo e, como nos dois capı́tulos
anteriores, a medida em questão neste capı́tulo será sempre a medida de Lebes-
gue:

Lema 4.1: Se ρ ∈ C ∞ (Rn ), então vale a desigualdade

∆(ρ )(x) ≥ Re ((sgn ρ)∆ρ)(x),

para todo x ∈ Rn .

Demonstração: Por definição,

ρ2 = |ρ|2 + 2

e, tomando a diferencial nos dois membros da equação - ou melhor, o gradiente


nos dois membros da equação -, obtemos no membro da direita

((∂i ρ)ρ + ρ (∂i ρ))1≤i≤n = (ρ(∂i ρ) + ρ(∂i ρ))1≤i≤n =

(2Re ρ(∂i ρ))1≤i≤n


e (lembre-se que ρ é uma função a valores reais)

(2ρ (∂i ρ ))1≤i≤n = 2ρ ∇ρ

na esquerda, isto é,

Re (ρ(∇ρ)) := (Re (ρ(∂i ρ)))1≤i≤n = ρ ∇ρ .


40 A demonstração da desigualdade de Kato e de seu corolário foram inspiradas na exposição

feita em [6]

102
Desta última equação derivam duas outras: a primeira é obtida tomando o
divergente desta:
k∇ρk2 + Re (ρ∆ρ) =
∇ · (Re (ρ(∂i ρ)))1≤i≤n = ∇ · (ρ ∇ρ ) =
k∇ρ k2 + ρ ∆ρ .
A segunda é (lembre-se que ρ não se anula em Rn , e que ρ ≥ |ρ|)

kRe (ρ(∇ρ))k kρ(∇ρ)k


k∇ρ k = ≤ ≤ k∇ρk.
ρ |ρ|

Combinando estas duas relações, obtemos a relação

ρ ∆ρ − Re (ρ∆ρ) ≥ 0

e, dividindo os dois membros por ρ , concluı́mos que

Re (ρ∆ρ)
∆ρ ≥ = Re ((sgn ρ)∆ρ).
ρ
Isto mostra o que desejamos. Note que, em particular, também vale a desigual-
dade distribucional
∆ρ ≥d Re ((sgn ρ)∆ρ),
isto é,
Z Z Z
ρ ∆φ dx ≥ Re ((sgn ρ)∆ρ)φ dx = Re (sgn ρ)∆ρφ dx,
Rn Rn Rn

qualquer que seja φ ∈ Cc∞ (Rn ) com φ ≥ 0.

Definição: Seja u ∈ L1loc (Rn ). Dizemos que uma sequência de funções


{un }n∈N de L1loc (Rn ) converge a u em L1loc (Rn ) se para todo compacto K ⊆ Rn
tem-se que Z
|un − u|dx −→ 0,
K
quando n → +∞.

Lema 4.2: (Muitas notações utilizadas aqui foram definidas no capı́tulo


anterior) Se u ∈ L1loc (Rn ), então
Z
|u(r) − u|dx −→ 0,
K

n
para todo K ⊆ R compacto, quando r → 0. Além disso, se {xm }m∈N é uma
seqüência real de elementos não-nulos tal que xm −→ 0, então podemos extrair
uma subsequência {ymj }j∈N de {xm }m∈N tal que u(ymj ) −→ u pontualmente em

103
quase toda parte de Rn e tal que u(ymj ) converge a u em L1loc (Rn ).

Demonstração: Seja K ⊆ Rn um compacto. Vamos mostrar que


Z
lim |u(r) − u|dx = 0.
r→0 K

Tome  > 0. Para cada real r > 0 fixado, temos que


Z Z Z  Z  y 
1 y 1
|u(r) −u|dx =

u(x − y) m dy − u(x) m dy dx ≤
K K

Rn rn r Rn rn r
Z Z 
1 y
|u(x − y) − u(x)| n m dy dx =
K Rn r r
Z Z 
|u(x − ry) − u(x)| m(y) dy dx =
K Rn
Z Z 
|u(x − ry) − u(x)|dx m(y)dy.
supp(m) K

Vamos analisar a integral


Z
|u(x − ry) − u(x)|dx,
K

segundo os parâmetros r e y. Tome uma bola aberta B(0, a), a > 0 tal que
supp(m) ⊆ B(0, a) e Ω uma bola aberta com raio suficientemente grande para
que se tenha
r1 K + r2 B(0, a) ⊆ Ω,
para todos r1 , r2 ∈ [−1, 1]\{0} (note que, em particular, K ⊂ Ω) e dist(K, ∂Ω) :=
inf{|k − x| : x ∈ ∂Ω, k ∈ K} > 0. Fixe y ∈ supp(m). A função uχΩ pertence a
L1 (Ω), de modo que existe φ ∈ Cc∞ (Ω) tal que
Z Z

|u(x) − φ(x)|dx ≤ |u(x) − φ(x)|dx < .
K Ω 3

Fixe, agora, r ∈ [−1, 1]\{0}. É também verdade que (agora vamos usar a
exigência de que r1 K + r2 B(0, a) ⊆ Ω, para todos r1 , r2 ∈ [−1, 1]\{0})
Z Z
1  x  x 
|u(x − ry) − φ(x − ry)|dx = − ry − φ − ry dx =

r n u
r r
K rK
Z Z
1 x
   x

n u r
−φ dx = |u(x) − φ(x)|dx ≤
r 2 y+rK r r ry+K
Z

|u(x) − φ(x)|dx < .
Ω 3

104
Temos então que, para cada y ∈ supp(m) e todo r ∈ [−1, 1]\{0},
Z
|u(x − ry) − u(x)|dx ≤
K
Z Z Z
|u(x − ry) − φ(x − ry)|dx + |φ(x − ry) − φ(x)|dx + |φ(x) − u(x)|dx <
K K K
Z
 
+ |φ(x − ry) − φ(x)|dx + .
3 K 3
Vamos mostrar que existe r0 > 0 possuindo a propriedade de que, para todo
r ∈ (−r0 , r0 )\{0}, Z

|φ(x − ry) − φ(x)|dx < ,
K 3
qualquer que seja y ∈ supp(m). Fixe y ∈ supp(m). Estendendo φ continu-
amente ao bordo ∂Ω (fazendo φ = 0 em ∂Ω), temos que φ é uniformemente
contı́nua em Ω (uma vez que este conjunto é compacto), e garantimos a exis-
tência de dist(K, ∂Ω) > δ > 0 de modo que, se x1 , x2 ∈ Ω e |x1 − x2 | < δ,
então

|φ(x1 ) − φ(x2 )| < ,
3(µL (K) + 1)
µL (K) sendo a medida de Lebesgue de K, que é finita. Da compacidade de K,
sabemos que existe um conjunto finito de pontos {ki }1≤i≤p de K satisfazendo
K ⊆ ∪1≤i≤p B(ki , δ/2) (note que ∪1≤i≤p B(ki , δ/2) ⊆ Ω, pois 0 < dist(K, ∂Ω) <
δ
δ). Faça r0 := 2a . Para cada x ∈ K, o vetor x + ry satisfaz, para todo
r ∈ (−r0 , r0 )\{0}, a propriedade de que |ry| = |r||y| < r0 a = δ/2. Além disso,
se x ∈ K, então |x − ki | < δ/2 para algum 1 ≤ i ≤ p e

δ δ
|(x + ry) − ki | ≤ |(x + ry) − x| + |x − ki | < + = δ,
2 2
mostrando que x+ry ∈ B(ki , δ) ⊆ Ω, para todo r ∈ (−r0 , r0 )\{0}. Estes últimos
argumentos nos dizem que se r ∈ (−r0 , r0 )\{0}, a diferença |φ(x − ry) − φ(x)| é

menor do que 3(µL (K)+1) , quaisquer que sejam x ∈ K, y ∈ supp(m) e, portanto,
que Z

|φ(x − ry) − φ(x)|dx < .
K 3
Juntando todos os argumentos acima vemos que, se 0 6= |r| ≤ 1 e |r| < r0 , então
Z
  
|u(x − ry) − u(x)|dx < + + = .
K 3 3 3

Isto estabelece que


Z Z  Z
|u(x − ry) − u(x)|dx m(y)dy ≤  m(y)dy = ,
supp(m) K supp(m)

105
e termina a demonstração de que
Z
lim |u(r) − u|dx = 0.
r→0 K

Seja {xm }m∈N uma seqüência como no enunciado. Pelo que acabou de ser
provado é claro que Z
|u(xm ) − u|dx −→ 0,
K
qualquer que seja o compacto K ⊆ Rn . Vamos extrair desta seqüência uma
subseqüência como no enunciado. Rn é σ-compacto com, por exemplo, Rn =
∪l∈N Kl , sendo Kl := B(0, l) = {x ∈ Rn : kxk ≤ l}. Temos que
Z
|u(xm ) − u|dx −→ 0,
K1

pelo que provamos há pouco. Portanto, existe uma subseqüência {xm1k }k∈N de
{xm }m∈N tal que  
xm1
u k −→ u
pontualmente em todo ponto de um certo subconjunto A1 ⊆ K1 tal que

µL (K1 \A1 ) = 0.

Tal subseqüência também satisfaz xm1k −→ 0 e, portanto,


 
Z
xm1
|u k − u|dx −→ 0.
K2

Logo, existe uma subseqüência de {xm1k }k∈N , digamos, {xm2k }k∈N , tal que
 
xm2
u k −→ u

pontualmente em todo ponto de um certo subconjunto A2 ⊆ K2 tal que

µL (K2 \A2 ) = 0.

Aplicando este argumento recursivamente, dada a subseqüência {xmj }k∈N que


k
satisfaz  
x j
m
u k −→ u
em todo ponto de um certo subconjunto Aj ⊆ Kj satisfazendo µL (Kj \Aj ) = 0,
podemos sempre extrair uma subseqüência {xmj+1 }k∈N de {xmj }k∈N tal que
k k

 
x j+1
m
u k −→ u

106
pontualmente em todo ponto de um certo subconjunto Aj+1 ⊆ Kj+1 satisfa-
zendo µL (Kj+1 \Aj+1 ) = 0. Tome a seqüência {xmj }j∈N . Então {xmj }j∈N é
j j

uma subseqüência de {xm }m∈N (note que mj+1 j+1


j+1 > mj ≥ mjj ) e
 
x j
m
u j −→ u
pontualmente em quase toda parte de Rn . De fato, se x ∈ ∪Aj , então existe
j ∈ N tal que x ∈ Aj e, como {xmkk }k≥j é uma subseqüência de {xmj }k∈N ,
k
temos que  
xmk
u k (x) −→ u(x).
Além disso, ! !
[ [ [
n
R = An Kn \An
n∈N n∈N
S 
e µL n∈N Kn \An = 0. Como xmj −→ 0, vale também que
j
 
Z
x j
m
|u j − u|dx −→ 0,
K

qualquer que seja o compacto K ⊆ Rn .

Antes de ir para o teorema principal da seção, façamos uma breve pausa para
discutir algumas notações. De acordo com o que foi discutido no capı́tulo ante-
rior à respeito da aplicação jD ,41 podemos identificar as funções u ∈ L1loc (Rn )
com as distribuições jD (u), de acordo com a literatura usual, e é isso o que
faremos agora.
Assim, diremos que uma distribuição u ∈ D0 (Rn ) está em L1loc (Rn ) se existir
alguma f ∈ L1loc (Rn ) tal que u = jD (f ), e representaremos, por um abuso de
notação, u = f . Também estenderemos a filosofia discutida lá para definirmos
a diferenciação em distribuições de D0 (Rn ) por
Dα (u)(φ) := (−1)|α| u(Dα φ),
para todo multi-ı́ndice α ∈ N n e toda φ ∈ Cc∞ (Rn ) (note que também simplifi-
camos a notação aqui, e estamos escrevendo Dα ao invés de ΛDα ).

Desigualdade de Kato: Se ψ ∈ L1loc (Rn ) e ∆ψ é uma distribuição em


L1loc (Rn ),
então vale a desigualdade distribucional
∆|ψ| =d ∆((sgn ψ)ψ) ≥d Re ((sgn ψ)∆ψ),
isto é,
Z Z Z
|ψ|∆φ dx = (sgn ψ)ψ∆φ dx ≥ Re (sgn ψ)[∆ψ]φ dx,
Rn Rn Rn
41 Veja a nota de rodapé na página 88

107
para toda φ ∈ Cc∞ (Rn ) com φ ≥ 0.

Demonstração: Como ψ (r) ∈ C ∞ (Rn ) ⊆ L1loc (Rn ), sabemos pelo Lema 4.1
que Z Z
(∗) (ψ (r) ) ∆φ dx ≥ Re sgn (ψ (r) )∆(ψ (r) )φ dx,
Rn Rn

quaisquer que sejam r > 0,  > 0 e φ ∈ Cc∞ (Rn ), φ ≥ 0. A estratégia da


demonstração consiste em, primeiramente, fazer r −→ 0 e, depois, fazer  −→ 0.
Vamos, então, mostrar que
Z Z
ψ ∆φ dx ≥ Re (sgn  ψ)[∆ψ]φ dx.
Rn Rn

Fixe φ ∈ Cc∞ (Rn ), φ ≥ 0 e  > 0. É válida a desigualdade


1 1
|(ψ (r) ) − ψ | = |(|ψ (r) |2 + 2 ) 2 − (|ψ|2 + 2 ) 2 | =

|(|ψ (r) |2 + 2 ) − (|ψ|2 + 2 )|


1 1 =
(|ψ (r) |2 + 2 ) 2 + (|ψ|2 + 2 ) 2
|ψ (r) + ψ|
|ψ (r) − ψ| 1 1 ≤
|(|ψ (r) |2 + 2 ) 2 + (|ψ|2 + 2 ) 2 |
1 1
(|(ψ (r) |2 ) 2 + (|ψ)|2 ) 2
|ψ (r) − ψ| 1 1 <
|(|ψ (r) |2 + 2 ) 2 + (|ψ|2 + 2 ) 2 |
|ψ (r) − ψ|.
Pelo Lema 4.2 sabemos que para todo compacto K ⊆ Rn temos
Z
|ψ (r) − ψ|dx −→ 0,
K

de modo que podemos extrair uma subseqüência {ψ (1/mk ) }k∈N de {ψ (1/m) }m∈N
tal que ψ (1/mk ) −→ ψ pontualmente em quase toda parte de Rn (extraı́mos tal
subseqüência para aplicar o Teorema da Convergência Dominada, em breve).
Pela desigualdade acima,
Z
|(ψ (1/mk ) ) − ψ |dx −→ 0,
K

quando k → +∞, qualquer que seja o compacto K ⊆ Rn , pelo Lema 4.2. Pelo
que acabamos de argumentar, vemos no membro esquerdo de (∗) que
Z Z
(1/mk )
|(ψ (1/mk ) ) − ψ |dx −→ 0.


[(ψ ) − ψ ]∆φ dx
≤ k∆φk ∞
Rn supp(∆φ)

108
Isto mostra a convergência desejada do membro da esquerda. Novamente, devido
ao Lema 4.2, temos que (usando que ∆ψ (1/mk ) = (∆ψ)(1/mk ) )
Z
(1/mk )


[∆ψ − ∆ψ]φ dx ≤
Rn
Z
kφk∞ |∆ψ (1/mk ) − ∆ψ|dx −→ 0,
supp(φ)
e, portanto,
Z
(1/mk ) (1/mk )


sgn (ψ) [∆ψ − ∆ψ]φ dx −→ 0,
Rn

pois sgn (ψ)(1/mk ) ≤ 1. A convergência ψ (1/mk ) −→ ψ pontual em quase toda


parte de Rn acarreta
sgn (ψ)(1/mk ) [∆ψ]φ χsupp(φ) −→ (sgn ψ)[∆ψ]φ χsupp(φ)
pontualmente em quase toda parte de Rn . Como também
sgn (ψ)(1/mk ) [∆ψ]φ χsupp(φ) ≤ [∆ψ]φ χsupp(φ) ,
e
[∆ψ]φ χsupp(φ) ∈ L1 (Rn ),
temos pelo Teorema da Convergência Dominada que
Z Z
sgn (ψ)(1/mk ) [∆ψ]φ dx −→ (sgn ψ)[∆ψ]φ dx.
Rn Rn

Combinando as duas últimas convergências de integrais, concluı́mos que


Z
sgn (ψ)(1/mk ) [∆ψ (1/mk ) ]φ dx =
Rn
Z Z 
(1/mk ) (1/mk ) (1/mk )
sgn (ψ) [∆ψ ]φ dx − sgn (ψ) [∆ψ]φ dx +
Rn Rn
Z
sgn (ψ)(1/mk ) [∆ψ]φ dx −→
Rn
Z
0+ (sgn ψ)[∆ψ]φ dx.
Rn
Isto mostra a convergência desejada no membro direito, de forma que obtemos
Z Z
ψ ∆φ dx ≥ Re (sgn  ψ)[∆ψ]φ dx,
Rn Rn

qualquer que seja  > 0. A ideia agora é fazer  → 0, para obtermos a desigual-
dade final desejada. Sabemos que é válida a desigualdade
Z Z
ψ1/m ∆φ dx ≥ Re (sgn1/m ψ)[∆ψ]φ dx,
Rn Rn

109
para todo m ∈ N. Temos
Z Z


n ψ 1/m ∆φ dx − |ψ|∆φ dx ≤
R Rn
Z
|ψ1/m − |ψ|||∆φ| dx =
Rn

(1/m)2
Z
|∆φ| dx ≤
supp(∆φ) (|ψ|2
+ (1/m)2 )1/2 + |ψ|
Z
1
k∆φk∞ dx −→ 0,
m supp(∆φ)
R
quando m → +∞, de modo que o membro da esquerda tende a Rn
|ψ|∆φ dx.
Como
sgn1/m ψ −→ sgn ψ
pontualmente, uma aplicação do TeoremaR da Convergência Dominada nos mos-
tra que o membro da direita tende a Re Rn (sgn ψ)[∆ψ]φ dx, quando m → +∞.
Isto encerra a demonstração da desigualdade de Kato.

Lema 4.3 Se ψ ∈ H 2 (Rn ) e hψ, H0 ψiL2 (Rn ) =


R
Rn
ψ H0 ψ dx = 0, então
ψ = 0 ∈ L2 (Rn ).

Demonstração: Sabemos do Capı́tulo 3 que

H0 = =−1 M|λ|2 =, com Dom(H0 ) = H 2 (Rn ).

Logo,
hψ, H0 ψiL2 (Rn ) = hψ(λ), =−1 M|λ|2 =ψ(λ)iL2 (Rn ) =
h(=ψ)(λ), Mλ [Mλ (=ψ)(λ)]iL2 (Rn ) = hMλ (=ψ)(λ), Mλ (=ψ)(λ)iL2 (Rn ) =
kMλ (=ψ)(λ)k2L2 (Rn ) .
Portanto, a função λ(=ψ(λ)) é zero em quase toda parte de Rn , segundo a me-
dida de Lebesgue. Como a função λ 7−→ λ é zero se, e somente se, λ = 0,
temos que (=ψ(λ)) é zero em quase toda parte, segundo a medida de Lebesgue.
Logo, (=ψ(λ)) = 0 ∈ L2 (Rn ) e, como = é um operador unitário em L2 (Rn ) (e,
em particular, é uma aplicação linear injetora), concluı́mos que ψ = 0 ∈ L2 (Rn ).

“Um corolário da desigualdade de Kato”

Corolário da desigualdade de Kato: Seja V ∈ L2loc (Rn ) tal que existe


α ∈ R satisfazendo V (x) ≥ α, para todo x ∈ Rn . Então, o operador

H = H0 + V,

110
com Dom(V ) = Cc∞ (Rn ) ⊆ L2 (Rn ) é essencialmente auto-adjunto.

Observação: antes de demonstrarmos o corolário, observamos que V ∈


L2loc (Rn ) é a condição minimal para que o operador de multiplicação MV esteja
bem definido sobre Cc∞ (Rn ): se V ∈ L2loc (Rn ), então é claro que V φ ∈ L2 (Rn ),
qualquer que seja φ ∈ Cc∞ (Rn ). Suponhamos que Im((MV )|Cc∞ (Rn ) ) ⊆ L2 (Rn ),
e vamos mostrar que V ∈ L2loc (Rn ). Seja K ⊆ Rn um compacto. Como existe
uma φ ∈ Cc∞ (Rn ) satisfazendo φ|K = 1, vemos que
Z Z Z
2 2
|V | dx = |V φ| dx ≤ |V φ|2 dx < +∞,
K K Rn

mostrando que V ∈ L2loc (Rn ). Vamos à demonstração.

Demonstração: Tome β ∈ R satisfazendo α + β > 0, e seja ψ ∈ Ker((H +


β)∗ ). Vamos mostrar que ψ = 0 ∈ L2 (Rn ). Usando a definição de adjunto,
temos que
h(H + β)φ, ψi = hφ, (H + β)∗ ψi = 0,
para toda φ ∈ Cc∞ (Rn ). Logo,
Z
0= ψ [(H0 + V + β)φ] dx,
Rn

para toda φ ∈ Cc∞ (Rn ). Como o Laplaciano comuta com a conjugação com-
plexa, V é uma função a valores reais e β é real, obtemos
Z
0= ψ [(−∆ + V + β)φ] dx,
Rn

para toda φ ∈ Cc∞ (Rn ), o que implica

(V + β)ψ =d ∆ψ.

Logo, ∆ψ ∈ L1loc (Rn ), e pela desigualdade de Kato vem que

∆|ψ| =d ∆(sgn ψ)ψ ≥d Re (sgn ψ(∆ψ)) =d Re (sgn ψ((V + β)ψ)) =d

Re ((V + β)|ψ|) =d (V + β)|ψ| ≥d 0.


Fixe x ∈ Rn . Pelo que acabou de ser argumentado, temos que
Z
∆(|ψ|(1/j) )(x) = |ψ|(y)∆m(1/j) (x − y)dy ≥ 0,
Rn

para todo j ∈ N, pois

(y 7−→ m(1/j) (x − y)) ∈ Cc∞ (Rn )

111
e m(1/j) (x − y) ≥ 0, qualquer que seja y ∈ Rn , para todo j ∈ N. Notemos
que |ψ|(1/j) ∈ H 2 (Rn ), para todo j ∈ N, pela desigualdade de Young42 , pois
|ψ| ∈ L2 (Rn ) e Dα (m1/j ) ∈ L1 (Rn ), para todo multi-ı́ndice α ∈ Nn . Assim,
concluı́mos que
Z
h|ψ|(1/j) , ∆(|ψ|(1/j) )i = |ψ|(1/j) ∆(|ψ|(1/j) ) dx ≥ 0,
Rn

ou ainda
h|ψ|(1/j) , H0 (|ψ|(1/j) )i ≤ 0.
Argumentando de maneira análoga à feita na desigualdade acima (na qual foi
usada a desigualdade de Kato), vem que

h|ψ|(1/j) , H0 (|ψ|(1/j) )i ≥ 0,

para todo j ∈ N, de forma que temos |ψ|(1/j) = 0 ∈ L2 (Rn ), qualquer que seja
j ∈ N, pelo Lema 4.3. Para cada j ∈ N, existe um subconjunto Aj ⊆ Rn tal que
|ψ|(1/j) = 0 em Aj e a medida de Rn \Aj é 0. Pelo Lema 4.2,
Z
||ψ|(1/j) − |ψ||dx −→ 0
K

sobre todos os compactos de Rn e existe uma subseqüência {1/jk }k∈N de {1/j}j∈N


tal que |ψ|(1/jk ) −→ |ψ| em todos os pontos de um certo conjunto A ⊆ Rn , de
forma que a medida de Rn \A é 0. Assim, escolhendo um ponto x de

A ∩ (∩j∈N Aj ),

vemos que |ψ|(1/jk ) (x) = 0, qualquer que seja k ∈ N e, tomando o limite


quando k −→ +∞, vemos que |ψ|(x) = 0. Como

Rn \(A ∩ (∩j∈N Aj )) = (Rn \A) ∪ (∪j∈N (Rn \Aj )

possui medida zero, concluı́mos que ψ = 0 ∈ L2 (Rn ). Assim, pelo lema da Ob-
servação XIX, vemos que Im(H + β)⊥ = Ker(H ∗ + β) = {0}, e que Im(H + β)
é densa em L2 (Rn ). Mas, como h(H + β)φ, φi ≥ h(α + β)φ, φi, para toda
φ ∈ Cc∞ (Rn ) (lembre-se de que h−∆φ, φi ≥ 0, para toda φ ∈ H 2 (Rn )), temos
que k(H + β)φk ≥ (α + β)kφk, para toda φ ∈ Cc∞ (Rn ), por Cauchy-Schwartz.
Logo, k(H + β)φk ≥ (α + β)kφk, para toda φ ∈ Dom(H) (pois H + β = H + β),
mostrando que a imagem de H+β é fechada em L2 (Rn ), já que H+β é um opera-
dor fechado (a soma de um operador fechado com um operador limitado é sempre
um operador fechado). Logo, Im(H + β) = L2 (Rn ), e concluı́mos pelo lema da
Observação XIX que H é essencialmente auto-adjunto em Dom(H) = Cc∞ (Rn ).

42 Se u ∈ Lp (Rn ), 1 ≤ p ≤ +∞, e v ∈ L1 (Rn ), então (u ∗ v)(x) está bem definido para quase

todo x e ku ∗ vkLp (Rn ) ≤ kukLp (Rn ) kvkL1 (Rn )

112
“Aplicações do corolário da desigualdade de Kato”

A propriedade de um operador densamente definido e simétrico ser essencial-


mente auto-adjunto é importante pois, como demonstramos na seção “Teorema
de Von Neumann”, do Apêndice A, ela é equivalente ao fato de haver somente
uma extensão auto-adjunta deste operador. Algumas aplicações do corolário da
desigualdade de Kato são as seguintes:43

1. o Hamiltoniano relativo à interação Coulombiana entre duas par-


tı́culas carregadas em dimensão 1, dado por H = H0 + κkxk,
κ > 0, é essencialmente auto-adjunto em Cc∞ (R): basta ver que
V1 (x) = κkxk ∈ L2loc (R) e MV1 é um operador positivo. O caso de intera-
ções Coulombianas em três dimensões foi tratada no Capı́tulo 3. O caso
bidimensional com V2 (x) = κ ln|x|, κ > 0, precisa de outras técnicas para
ser tratado, e pode ser encontrado em [10]. Às vezes, considera-se o poten-
κ
cial V (x) = − kxk para os Hamiltonianos em 1 e 2 dimensões, e inspeciona-
se a existência de extensões auto-adjuntas (nestes casos, precisa-se retirar
a origem do espaço para que o operador Hamiltoniano fique bem-definido,
isto é, define-se H sobre Cc∞ (R\{0}) e Cc∞ (R2 \{0}), respectivamente). Ao
contrário do que acontece quando se coloca os potenciais V1 e V2 menci-
onados acima (que são as soluções fundamentais da equação de Laplace),
tais operadores terão infinitas extensões auto-adjuntas. Isto pode ser visto
em [7];44
2. o Hamiltoniano do oscilador harmônico, H = H0 + k2 kxk2 , k > 0:
é a versão da Mecânica Quântica para o Hamiltoniano de uma partı́cula
oscilante em torno de um ponto de equilı́brio sujeito a uma força restau-
radora F (x) = −kx. Como o potencial V (x) = k2 kxk2 , k > 0, pertence a
L2loc (Rn ) e o operador MV é positivo, o corolário da desigualdade de Kato
nos diz que o operador de Schrödinger H = H0 + k2 kxk2 , com k > 0, é
∞ n
essencialmente auto-adjunto em Dom(H) P := Cc (R ). Na verdade, qual-
2k
quer operador da forma H = H0 + 1≤k≤m kxk , m ∈ N, m ≥ 2 (que
são Hamiltonianos quânticos relativos a potenciais não-harmônicos) são
essencialmente auto-adjuntos, pelo corolário;
1
(∂k − iak )2 + V , onde ak é uma
P
3. o Hamiltoniano H = − 1≤k≤n 2m k
função a valores reais que pertence a C 1 (Rn ), V = V1 + V2 , com
V1 ≥ 0, V1 ∈ L2loc (Rn ) e V2 sendo ∆-limitado com cota 0 ≤ a < 1, é
essencialmente auto-adjunto em Cc (Rn ): este teorema é provado em
[20], utilizando-se uma versão mais sofisticada da desigualdade de Kato:
considere os operadores
1 ∂u
u 3 D0 (Rn ) 7−→ Dk (u) := − ak u ∈ D0 (Rn ),
i ∂xk
43 Tais aplicações foram retiradas principalmente de [20]
44 Agradeço ao professor Frank M. Forger pela conversa elucidativa sobre este artigo

113
ak como acima. Se D2 := 1≤k≤n Dk2 , então para toda u ∈ L2loc (Rn ) que
P

satisfaça D2 u ∈ L1loc (Rn ), tem-se a desigualdade distribucional

∆|u| ≥d −Re ((sgn u)D2 u).

Uma vez demonstrada esta desigualdade aprimorada (cuja demonstração


segue uma ideia parecida com a da demonstração da desigualdade de Kato)
mostra-se, seguindo uma linha semelhante à do corolário da desigualdade
de Kato, o resultado mencionado. Em particular, mostra-se que o Ha-
miltoniano de um átomo com N elétrons de massa m (cujo núcleo possui
massa M ) sujeito à ação externa de um campo magnético constante B0
dado por
1 1 X
H=− (∇0 − iN ea(x0 )/c)2 − (∇k + iea(xk )/c)2
2M 2m
1≤k≤N

X N e2 1 X e2
− + ,
kxk − x0 k 2 kxk − xl k
1≤k≤N 1≤k,l≤N,k6=l
1
onde a(x) = 2 x × B0(os xk ’s, os xl ’s e o x0 são variáveis tridimensionais),
é essencialmente auto-adjunto em Cc∞ (R3N +3 ), pois V = V1 + V2 , com

1 X e2
V1 = ∈ L2loc (R3N +3 )
2 kxk − xl k
1≤k,l≤N,k6=l

sendo positivo e
X N e2
V2 = − ∈ L2 (R3N +3 ) + L∞ (R3N +3 ).
kxk − x0 k
1≤k≤N

Em [22], considera-se div(a) = 0 e tenta-se enfraquecer as hipóteses de


regularidade sobre a, de modo a obter-se as mesmas conclusões de que
H é essencialmente auto-adjunto sobre as funções C ∞ de suporte com-
pacto. A desigualdade de Kato refinada, acima, é deduzida novamente
neste contexto do a “menos regular”.

114
115
5 Apêndice A45

Conforme visto no Capı́tulo 1, a maior dificuldade da demonstração do Teo-


rema Espectral foi demonstrar sua validade para operadores normais. Uma vez
mostrada esta versão do Teorema, o resultado mais geral é concluı́do sem gran-
des dificuldades. Existe uma maneira mais abstrata de demonstrar o teorema
espectral para operadores normais e, para contemplá-la, precisaremos utilizar
um pouco da teoria das C∗ -álgebras: (perceba a grande semelhança desta de-
monstração com a que fizemos anteriormente)

Vamos agora ao

“Teorema espectral para operadores normais via C∗ -álgebras”

Definição: Se H é um espaço de Hilbert e

= ⊆ B(H) := {T : H −→ H : T é linear e limitado }

é uma sub C∗ -álgebra de B(H) que contém IB(H) , dizemos que v ∈ H é um vetor
=-cı́clico se o conjunto =v := {T v : T ∈ =} é denso em H.

Teorema 1: Se H é um espaço de Hilbert e = ⊆ B(H) é uma sub C∗ -álgebra


comutativa de B(H) que contém IB(H) tal que v ∈ H é um vetor =-cı́clico,
então existem um espaço de medida finita (X, µ) e uma transformação linear
unitária U : L2 (X, µ) −→ H de forma que, para cada A ∈ =, existe um ope-
rador de multiplicação MfA : L2 (X, µ) 3 g 7−→ fA g ∈ L2 (X, µ) que satisfaz
U −1 AU = MfA , onde fA ∈ Cµ (X), sendo Cµ (X) a ∗-álgebra C(X) das fun-
ções contı́nuas definidas em X a valores complexos munida da norma do espaço
L2 (X, µ), isto é, Cµ (X) ⊆ L2 (X, µ) é um subespaço normado de L2 (X, µ) (e
uma ∗-álgebra também).

Demonstração: Sabemos que = é ∗-isomorfa a C(X), para algum espaço


Hausdorff compacto X, com C(X) munida da norma do sup. Para cada f ∈
C(X), seja Tf ∈ = o correspondente por tal ∗-isomorfismo. Considere o funcio-
nal linear C(X) 3 f 7−→ hTf v, vi. Tal funcional é positivo, pois se f ≥ 0, então
f = g 2 , para alguma g ∈ C(X) não-negativa, e temos que hTf v, vi = hTg2 v, vi =
h[Tg (Tg )]v, vi = hTg v, (Tg )∗ vi = hTg v, (Tg )vi = hTg v, Tg vi = kTg k2 ≥ 0. Pelo
Teorema da Representação de Riesz (note que, no nosso caso, Cc (X) = C(X),
pois X é compacto) garantimos a existência
R de uma medida µ (que depende, é
claro, de v) que satisfaz hTf v, vi = X f dµ, para toda f ∈ C(X). Vamos definir,
45 O desenvolvimento deste apêndice foi inspirado na leitura das exposições feitas em [5],

[16], e [6]

116
agora, uma transformação linear unitária U : L2 (X, µ) −→ Hn definindo, primei-
o
ramente, uma aplicação unitária Ũ : Cµ (X) −→ Im(U ) := Ũ g : g ∈ Cµ (X) .
Definamos a aplicação

V : =v 3 Tf v 7−→ f ∈ Cµ (X).

Ela está bem definida, pois se Tf v = Tg v, com f, g ∈ C(X), então Tf −g v = 0,


pois f 7−→ Tf é um homomorfismo R de álgebras e portanto é, em particular,
linear. Assim, 0 = hTf −g v, vi = X (f − g)dµ, mostrando que f = g em µ-quase
toda parte de X, e que V está bem definida. Além disso, V é sobrejetora e é
uma isometria, pois

kTf vk2 = hTf v, Tf vi = h(Tf )∗ Tf v, vi = hTf Tf v, vi =


Z
hTf f v, vi = |f |2 dµ = kf k2 .
X

Portanto, pela identidade de polarização, vemos que V : =v −→ Cµ (X) é uma


aplicação unitária, sendo portanto Ũ := V −1 : Cµ (X) −→ =v também uma
aplicação unitária. Utilizando o Lema 1.2, obtemos uma extensão unitária
U : L2 (X, µ) −→ H de Ũ , devido à ciclicidade de v com respeito a = e ao
fato de µ satisfazer as propriedades do Teorema da Representação de Riesz,
pois este fato implica a densidade de Cµ (X) em L2 (X, µ).
Tome Tf ∈ =. Então, para toda g ∈ Cµ (X), Tf U (g) = Tf (Ũ g) = Tf Tg v =
Tf g v = U (f g) = U Mf g (note que Dom(Mf ) = L2 (X, µ), pois f ∈ Cµ (X)).
Assim, como Tf U = U Mf num subconjunto denso de L2 (X, µ), e Tf U e U Mf
são ambas transformações lineares e contı́nuas definidas em L2 (x, µ), segue que
Tf U = U Mf , pelo Lema 1.1.

Definição: Se F é um subespaço fechado de um espaço de Hilbert H e = é


uma sub C∗ -álgebra de B(H) que contém IB(H) , de forma que F é =-invariante,
isto é, =F := {T v : T ∈ B(H), v ∈ F } ⊆ F , dizemos que v ∈ F é um vetor
=-F -cı́clico se o conjunto =v é denso em F (neste caso, F será dito ser um
subespaço =-cı́clico).

Teorema 2: Se H é um espaço de Hilbert e = ⊆ B(H) é uma sub C∗ -álgebra


de B(H) que contém IB(H) , então existe uma famı́lia de subespaços fechados
Ω := {Hα : α ∈ M }, dois a dois ortogonais, =-invariantes e =-cı́clicos de H,
tal que ( )
Y X
2
H = ⊕Hα = (hα )α∈M ∈ Hα : khα k < ∞
α∈M α∈M

(na literatura usual costuma-se omitir o fecho na segunda igualdade).

Demonstração: Basta aplicar o Lema de Zorn no conjunto das famı́lias


de subespaços fechados, dois a dois ortogonais =-invariantes e =-cı́clicos de H,

117
parcialmente ordenado pela relação de inclusão.

O Teorema 1 fornecerá os “átomos” do teorema espectral, e o Teorema 2


tratará de reuni-los:

Teorema espectral para operadores normais: Se A ∈ B(H) é um ope-


rador linear normal sobre o espaço de Hilbert H, então existem um espaço de
medida finita (X, µ) e uma transformação unitária U : L2 (X, µ) −→ H que sa-
tisfaz U −1 AU = Mf , onde f é uma função mensurável (na verdade, contı́nua).

Demonstração: Seja = a C∗ -álgebra gerada por A e IB(H) , isto é, = =



C (A). Pelo Teorema 2, sabemos que existe uma famı́lia de subespaços fecha-
dos, dois a dois ortogonais, =-invariantes e =-cı́clicos de H, Ω := {Hα : α ∈ M },
tal que H = ⊕Hα . Defina Aα := A|Hα . Pelo Teorema 1, sabemos que
existem espaços de medida finita (Xα , µα ) e transformações lineares unitárias
Uα : L2 (Xα , µα ) −→ Hα de forma que, para cada α, existe um operador
de multiplicação Mfα : L2 (Xα , µα ) 3 g 7−→ fα g ∈ L2 (Xα , µα ) que satisfaz
Uα−1 Aα Uα = Mfα , onde fα ∈ Cµα (Xα ) (basta substituir = por C ∗ (Aα ) no
Teorema 1, onde C ∗ (Aα ) é a C∗ -álgebra gerada por Aα e Iα := IB(H) |Hα ;
assim, pelo que mostramos na página 37, a respeito do Cálculo Funcional Con-
tı́nuo, sabemos que podemos tomar S Xα = σ(Aα )). Para cada α ∈ M , seja
X̃α := {α} × Xα , e defina X := α∈M X˜α , ou seja, X é a união disjunta dos
X̃α . O operador U := ⊕Uα : ⊕α∈M L2 (Xα , µα ) −→ ⊕Hα = H definido por
U (gα )α∈M = (Uα gα )α∈M é uma isometria, pois
X X
k(U gα )α∈M k2 := kUα gα k2 = kgα k2 =: k(gα )α∈M k2 .
α∈M α∈M

O fato de U ser linear e sobrejetor decorre diretamente de cada Uα ser linear e


sobrejetor. Vamos definir agora uma medida em X, para depois sermos capazes
de definir um operador Λ : L2 (X, µ) −→ ⊕α∈M L2 (Xα , µα ) unitário. Defina,
primeiramente, uma σ-álgebra em X como sendo a famı́lia dos conjuntos E
tais que πα (E ∩ X̃α ) é um conjunto mensurável de Xα , para todo α ∈ M ,
onde πα : {α} × Xα 3 (α, x) 7−→ x ∈ Xα é uma projeção em Xα . Então,
definimos uma medida µ nesta σ-álgebra impondo que, para cada α ∈ M ,
µ({α} × FP ) = µα (F ), para todo F que seja µα -mensurável, e depois, definimos
µ(E) := α∈M µα (E ∩ X̃α ), para todo E ⊆ X que seja mensurável em X.
Considere a aplicação Λ : L2 (X, µ) 3 g 7−→ (gα )α∈M ∈ ⊕α∈M L2 (Xα , µα ), com
gα := g|{α}×Xα = g|X̃α . Então, Λ é uma sobrejeção linear. Agora, notemos que,
se α é fixado e E ⊆ {α} × I é mensurável em X, então

µ(E) = µα (πα (E))

e, se α é fixado e F ⊆ I é mensurável em Xα , então

µα (F ) = µ({α} × F ).

118
Portanto,
R como também g(α, R x) = gα (x), para cadaRα ∈ M , para todo x ∈ Xα ,
temos X̃α |g(α, x)|2 dµ = {α}×Xα |g(α, x)|2 dµ = Xα |gα (x)|2 dµα , para todo
α ∈ M , pela definição de integral. Logo,
Z XZ
kgk2 := S |g(α, x)|2 dµ = |g(α, x)|2 dµ =
α∈M X̃α α∈M X̃α

XZ
|gα (x)|2 dµα =: k(gα )α∈M k2 ,
α∈M Xα

2
para todo g ∈ L (X, µ), mostrando que Λ é uma isometria. Concluı́mos, então,
que Λ é uma transformação unitária.
Assim, W := U ◦ Λ é uma transformação unitária. Tomando (gα )α∈M ∈
⊕α∈M L2 (Xα , µα ) e definindo g := Λ−1 (gα )α∈M , f := Λ−1 (fα )α∈M ,

W Mf g = U Λ(f g) = U (fα gα )α∈M = (Uα Mfα gα )α∈M = (Aα Uα gα )α∈M =

⊕α∈M Aα U (gα )α∈M = ⊕α∈M Aα U Λg = ⊕α∈M Aα W g.


Identificando A com ⊕α∈M Aα (ao se identificar H com ⊕Hα ), finalizamos a
demonstração.

“Teorema de Von Neumann”

Seja T um operador linear densamente definido e simétrico num espaço de


Hilbert H. Podemos associar a este um operador linear (denominado transfor-
mação de Cayley)

WT : Im(T + iIB(H) ) 3 (T + iIB(H) )ξ 7−→ (T − iIB(H) )ξ ∈ Im(T − iIB(H) ),

via uma aplicação W : T 7−→ WT . Pelo fato de T ser simétrico, tal operador
está bem definido: se ξ1 , ξ2 ∈ Dom(T ) e (T + iIB(H) )ξ1 = (T + iIB(H) )ξ2 , então
(T + iIB(H) )(ξ1 − ξ2 ) = 0. Como um auto-valor de T deve ser necessariamente
real (de fato, se 0 6= u ∈ Dom(T ) satisfaz T u = λu, para algum λ ∈ C, então
λhu, ui = hT u, ui = hu, T ui = λhu, ui), devemos ter ξ1 − ξ2 = 0, mostrando que
tal aplicação está, de fato, bem definida (note que este argumento é equivalente
ao fato de T + iIB(H) ser injetor e, portanto, WT := (T − iIB(H) )(T + iIB(H) )−1 ).
Além de ser claramente linear notamos, também, que por T ser simétrico, WT
é uma isometria e, portanto, é uma aplicação injetora. Devido a sua definição
vemos que, dado η =: (T + iIB(H) )ξ ∈ Im(T + iIB(H) ) := Dom(WT ), temos que
(IB(H) − WT )η = (T + iIB(H) )ξ − (T − iIB(H) )ξ = 2iξ ∈ Dom(T ). Como tal
argumento é reversı́vel, nota-se que Im(IB(H) − WT ) = Dom(T ). Além disso, se
η ∈ Dom(WT ) e ξ ∈ Ker(IB(H) − WT ), então WT ξ = ξ e

hξ, (IB(H) − WT )ηi = hξ, IB(H) ηi − hξ, WT ηi =

hξ, ηi − hWT ξ, WT ηi = hξ, ηi − hξ, ηi = 0.

119
Como Im(IB(H) − WT ) é densa em H, concluı́mos que ξ = 0, e que IB(H) − WT
é injetor. Note que para chegar a tal conclusão não usamos a definição de WT ,
mas somente os fatos de que Im(IB(H) − WT ) é densa em H e WT é uma iso-
metria. Chegamos, assim, à conclusão de que, se U : Dom(U ) −→ H é uma
isometria linear tal que Im(IB(H) − U ) é densa em H, então IB(H) − U é injetor.

Usando o fato de que Im(IB(H) − WT ) = Dom(T ) é denso em H pode-


mos, baseados num argumento de dualidade, definir um operador linear densa-
mente definido ÃWT : Im(IB(H) − WT ) 3 (IB(H) − WT )η 7−→ (IB(H) + WT )η ∈
Im(IB(H) + WT ) (pois ao invés de construir uma isometria a partir de um ope-
rador densamente definido, queremos realizar o processo inverso), seguindo uma
filosofia análoga à utilizada para definir WT via uma aplicação à : WT 7−→ ÃWT
(note que ÃWT está bem definida, pois IB(H) − WT é injetora). Seja ξ ∈
Dom(T ). Então, escrevendo η := (T + iIB(H) )ξ, temos ÃWT ((IB(H) − WT )η) =
(IB(H) + WT )η = (IB(H) + WT )((T + iIB(H) )ξ) = (T ξ + iξ) + (T ξ − iξ) = 2T ξ.
Por outro lado, ÃWT ((IB(H) − WT )η) = ÃWT ((IB(H) − WT )(T + iIB(H) )ξ) =
ÃWT ((T + iIB(H) )ξ − (T − iIB(H) )ξ) = 2iÃWT ξ. Portanto, definindo a aplicação
A := iÃ, temos que AWT = T , para todo T linear, densamente definido em H
e simétrico. Esta argumentação nos indica que se U : Dom(U ) −→ H for uma
isometria linear tal que Im(IB(H) − U ) é densa em H, então

AU : Im(IB(H) − U ) 3 (IB(H) − U )η 7−→ i(IB(H) + U )η ∈ Im(IB(H) + U )

é um operador linear densamente definido e simétrico (a densidade foi verificada


no parágrafo anterior). Vamos verificar a simetria: dados u, v ∈ Dom(AU ) :=
Im(IB(H) − U ), temos u := (IB(H) − U )ξ1 e v := (IB(H) − U )ξ2 para certos
ξ1 , ξ2 ∈ Dom(U ),
hAU u, vi = ihξ1 + U ξ1 , ξ2 − U ξ2 i =
ihξ1 , ξ2 i − ihξ1 , U ξ2 i + ihU ξ1 , ξ2 i − ihU ξ1 , U ξ2 i =
ihξ1 , ξ2 i − ihξ1 , U ξ2 i + ihU ξ1 , ξ2 i − ihξ1 , ξ2 i
e
hu, AU vi = −ihξ1 − U ξ1 , ξ2 + U ξ2 i =
−ihξ1 , ξ2 i − ihξ1 , U ξ2 i + ihU ξ1 , ξ2 i + ihU ξ1 , U ξ2 i =
−ihξ1 , ξ2 i − ihξ1 , U ξ2 i + ihU ξ1 , ξ2 i + ihξ1 , ξ2 i.
Isto mostra a simetria de AU . Está bem definida então, a isometria WAU :
Im(AU + iIB(H) ) 3 (AU + iIB(H) )η 7−→ (AU − iIB(H) )η ∈ Im(AU − iIB(H) ), se
U : Dom(U ) −→ H for uma isometria linear tal que Im(IB(H) − U ) é densa em
H. Mas
Im(AU + iIB(H) ) =

(AU + iIB(H) )η : η ∈ Dom(AU ) := Im(IB(H) − U ) =

(AU + iIB(H) )(IB(H) − U )ξ : ξ ∈ Dom(U ) =

120

i(IB(H) + U )ξ + i(IB(H) − U )ξ : ξ ∈ Dom(U ) =
{2iξ : ξ ∈ Dom(U )} = Dom(U )
e, se η := (IB(H) − U )ξ, ξ ∈ Dom(U ), então WAU (AU + iIB(H) )η = (AU −
iIB(H) )η = (AU − iIB(H) )(IB(H) − U )ξ = i(IB(H) + U )ξ − i(IB(H) − U )ξ = 2iU ξ.
Logo, devido aos primeiro e último conjuntos que figuram na seqüência de igual-
dades acima, concluı́mos que WAU = U .

Concluı́mos, então, nestes dois últimos parágrafos, que existe uma bijeção
entre os operadores lineares densamente definidos e simétricos

T : Dom(T ) −→ H,

de H, e as isometrias lineares

U : Dom(U ) −→ H

tais que Im(IB(H) − U ) é densa em H, sendo W e A as aplicações que ilustram


esta verdade pois, como foi visto acima, uma é a inversa da outra. Além disso,
ao pensarmos em operadores como gráficos, vemos facilmente que tais aplica-
ções preservam inclusões, isto é, se T e S são operadores lineares densamente
definidos e simétricos, então

T ⊂ S se, e somente se, WT ⊂ WS .

(e, dessa forma, temos que

T = S se, e somente se, WT = WS ).

Concluı́mos também que, se T é um operador linear densamente definido e si-


métrico, existe uma correspondência biunı́voca entre suas extensões simétricas
e as isometrias que estendem WT (para ver a sobrejetividade da aplicação que
leva tais extensões simétricas, tome U uma isometria linear tal que WT ⊂ U .
Como IB(H) − WT tem imagem densa em H e IB(H) − WT ⊂ IB(H) − U con-
cluı́mos que IB(H) − U também possui imagem densa em H. Logo, pelo que
foi argumentado logo acima, neste mesmo parágrafo, garantimos a existência de
um operador linear densamente definido simétrico, S, tal que T ⊂ S e U = WS ).

Definamos n+ := dim(Im(T + iIB(H) )⊥ ) e n− := dim(Im(T − iIB(H) )⊥ ) (a


dimensão aqui deve ser interpretada como a dimensão de espaço de Hilbert).
Dado T um operador linear densamente definido num espaço de Hilbert H e
simétrico, podemos nos perguntar se é possı́vel aumentar seu domı́nio e definir
nele um operador que o estenda e seja auto-adjunto. Em outras palavras, que-
remos saber se T possui extensões auto-adjuntas:

Teorema: T possui extensões auto-adjuntas se, e somente se, n+ = n− .

121
Demonstração: Notamos primeiramente que, dado um operador linear
U : H −→ G, onde H e G são espaços de Hilbert, U será uma isometria se,
e somente se, U manda bases (hilbertianas) de H em bases (hilbertianas) em
G. Suponhamos, então, que T possua uma extensão auto-adjunta, S. Então,
Dom(WS ) = Im(S + iIB(H) ) = H e Im(WS ) = Im(S − iIB(H) ) = H, pela
observação XIX). Portanto, como H = Im(T + iIB(H) ) ⊕ Im(T + iIB(H) )⊥ e
W T ⊂ WS ,

WS |Im(T +iIB(H) )⊥ : Im(T + iIB(H) )⊥ −→ Im(T − iIB(H) )⊥

é uma isometria sobrejetora, pois é a restrição de um operador unitário, e WS


preserva ângulos (note que o contradomı́nio de WS |Im(T +iIB(H) )⊥ é, de fato,
Im(T − iIB(H) )⊥ : seja φ ∈ Im(T + iIB(H) )⊥ . Dado η ∈ Im(T − iIB(H) ), temos
que η = WT ξ, para algum ξ ∈ Dom(WT ) := Im(T + iIB(H) ), e

hWS φ, ηi = hWS φ, WT ξi = hWS φ, WS ξi = hφ, ξi = 0.

Da arbitrariedade de η segue que

Im(WS |Im(T +iIB(H) )⊥ ) ⊆ Im(T − iIB(H) )⊥ .

Para ver a sobrejetividade, tome φ ∈ Im(T + iIB(H) )⊥ . Da sobrejetividade


de WS segue que existem ξ1 ∈ Im(T + iIB(H) ) e ξ2 ∈ Im(T + iIB(H) )⊥ tais
que WS (ξ1 + ξ2 ) = W˜T (ξ1 ) + WS (ξ2 ) = φ, onde W˜T : Im(T + iIB(H) ) −→
Im(T − iIB(H) ) denota a única extensão linear isométrica de WT ao fecho de
seu domı́nio, cuja existência é garantida pelo Lema 1.2 (página 47). A última
igualdade, combinada com o que acabou de ser mostrado, termina a demons-
tração). Assim, a equivalência mencionada no inı́cio da demonstração conclui
o resultado. Suponhamos, agora, que n+ = n− . Sejam =1 := {ei }i∈I e =2
bases hilbertianas de Im(T + iIB(H) )⊥ e Im(T − iIB(H) )⊥ , respectivamente. Va-
mos construir uma isometria linear entre Im(T + iIB(H) )⊥ e Im(T − iIB(H) )⊥ ,
digamos W , a partir da definição de uma aplicação W̃ . Por hipótese, existe
uma bijeção φ : =1 −→ =2 . Defina W̃ (ei ) := φ(ei ), para todo i ∈ I. Es-
tendendo W̃ por linearidade, vemos que W̃ é uma aplicação (isométrica) defi-
nida no conjunto de todas as combinações lineares de elementos de =1 a valo-
res no conjunto de todas as combinações lineares de elementos de =2 . Como
tais conjuntos são densos em Im(T + iIB(H) )⊥ e Im(T − iIB(H) )⊥ (pois =1
e =2 são bases hilbertianas de Im(T + iIB(H) )⊥ e Im(T − iIB(H) )⊥ , respec-
tivamente), concluı́mos pelo Lema 1.2 que existe uma única isometria linear
W : Im(T +iIB(H) )⊥ −→ Im(T −iIB(H) )⊥ que estende W̃ . Assim, U := W˜T ⊕W
(W˜T como antes) é uma aplicação unitária de H que estende WT e, portanto,
é tal que Im(IB(H) − U ) é densa em H, pois como WT ⊂ U , temos que
IB(H) −WT ⊂ IB(H) −U , o que implica Im(IB(H) −WT ) ⊆ Im(IB(H) −U ) (lembre-
se que Im(IB(H) − WT ) = Dom(T )). Logo, AU é uma extensão auto-adjunta de
T : de fato, WAU = U e, como H = Dom(U ) = Dom(WAU ) := Im(AU + iIB(H) )
e H = Im(U ) = Im(WAU ) := Im(AU − iIB(H) ), concluı́mos pela Observação

122
XIX que AU é auto-adjunto.

Notamos que a demonstração também mostra que, se n+ = n− ≥ 1, então


existe uma infinidade de extensões auto-adjuntas de T (para cada base hil-
bertiana =2 e cada bijeção φ escolhida, teremos uma isometria W diferente e,
conseqüentemente, uma U e uma extensão AU diferentes). Além disso, vemos
que T é essencialmente auto-adjunto se, e somente se, n+ = n− = 0, pela Ob-
servação XIX.

Notamos também que se T e S são operadores lineares densamente definidos


e simétricos tais que T ⊂ S, então S ∗ ⊂ T ∗ , pela própria definição de adjunto.
Logo, T ⊂ S ⊂ S ∗ ⊂ T ∗ . Isto implica que, dado um operador linear densamente
definido e simétrico, T , suas extensões auto-adjuntas são extensões maximais.
De fato, se S é uma extensão auto-adjunta de T e R é uma extensão simétrica
de S, então S ⊂ R ⊂ R∗ ⊂ S ∗ . Como S = S ∗ , vem que R = S (e R = R∗ ).
Assim, T é essencialmente auto-adjunto se, e somente se, possui uma única
extensão auto-adjunta: se T é essencialmente auto-adjunto, então tome uma

extensão auto-adjunta S de T . Como T = T ∗ e S é, em particular, simétrica,

temos pela análise feita acima que T ⊂ S = S ∗ ⊂ T ∗ = T = T . Como S ∗ é
uma extensão fechada de T , da definição de fecho de um operador, temos que

T ⊂ S = S ∗ ⊂ T ∗ = T , mostrando que S = T = T ∗ = T , e que a única ex-
tensão auto-adjunta é o seu fecho. Reciprocamente, suponha que exista apenas
uma extensão auto-adjunta de T . Se T não fosse essencialmente auto-adjunto,
então pelo que observamos acima, ou n+ = n− ≥ 1 ou n+ 6= n− . No primeiro
caso, obterı́amos uma infinidade de extensões auto-adjuntas, o que é absurdo.
No segundo caso, não poderı́amos ter nenhuma extensão auto-adjunta, o que
contradiz a hipótese. Logo, T deve ser essencialmente auto-adjunto.

Para terminar este capı́tulo, vamos demonstrar a implicação (=⇒) do teo-


rema espectral para operadores lineares auto-adjuntos não-limitados, utilizando
a demonstração para operadores normais, via C∗ -álgebras, e utilizando o Teo-
rema de Von Neumann, acima.

“O Teorema Espectral - uma outra demonstração”


Precisaremos de dois lemas:

Lema 3: Se f é uma função real e mensurável relativamente a um espaço


de medida positiva (M, µ), então WMf = Mφ , sendo φ : M −→ C definida por
φ := (f − i)(f + i)−1 .

Demonstração: Im(Mf + iIB(H) ) =: Dom(WMf ) = L2 (M, µ), pois se


ψ ∈ L2 (M, µ), então ψ = (f + i)(f + i)−1 ψ e, como (f + i)−1 ψ ∈ Dom(Mf ) =
Dom(Mf +iIB(H) ) (pois |(f +i)−1 ψ| ≤ |ψ| - o que implica (f +i)−1 ψ ∈ L2 (M, µ)
- e |f (f + i)−1 ψ| ≤ |ψ| - o que implica f (f + i)−1 ψ ∈ L2 (M, µ)), mostra-
mos que L2 (M, µ) ⊆ Im(Mf + iIB(H) ). Seja ψ ∈ L2 (M, µ). Temos WMf ψ =

123
WMf (f +i)(f +i)−1 ψ = (f −i)(f +i)−1 ψ = φψ, mostrando que WMf ⊃ Mφ . Mas
Dom(Mφ ) = L2 (M, µ), pois |(f − i)(f + i)−1 | = 1. Isto mostra que WMf = Mφ .

Lema 4: Sejam T, S operadores lineares densamente definidos num espaço


de Hilbert. Então, T e S são unitariamente equivalentes se, e somente se, WT
e WS são unitariamente equivalentes.

Teorema Espectral: Se H é um espaço de Hilbert e A é um operador li-


near densamente definido em H e auto-adjunto, existem um espaço de medida
(X, µ) positiva e uma transformação linear unitária Φ : H −→ L2 (X, µ) tal que
Φ ◦ A ◦ Φ−1 : Dom(Mf ) 3 g 7−→ f · g ∈ L2 (X, µ), onde f é uma função a valores
reais e Borel-mensurável em X. (isto é Φ ◦ A ◦ Φ−1 = Mf , para uma certa f real
e Borel-mensurável em X. Note que X está provido de uma certa topologia, pois
caso contrário não faria sentido falar em funções Borel-mensuráveis definidas
em X).

Demonstração: Suponhamos H 6= {0} e A 6= 0 pois, caso contrário, o


teorema é trivial. Seja WA a transformação de Cayley associada a A. Pelo
teorema espectral para operadores normais, sabemos que existem um espaço de
medida positiva (X, µ) e uma transformação linear unitária Φ : H −→ L2 (X, µ)
tal que Φ ◦ WA ◦ Φ−1 : Dom(Mf ) 3 g 7−→ f · g ∈ L2 (X, µ), onde f é uma função
a valores complexos e Borel-mensurável em
[
X := {α} × Xα ,
α∈M

sendo Xα = σ(WA |Hα ), usando a notação do teorema espectral para operadores


normais, na página 116 (na verdade, f (α, x+iy) = x+iy, para todo (α, x+iy) ∈
{α} × Xα ). Vamos procurar uma função mensurável em X e a valores reais,
φ, tal que WMφ = Mf . O Lema 3 nos sugere que procuremos uma φ que
satisfaça (φ − i)(φ + i)−1 = f , ou melhor, φ = i(1 + f )(1 − f )−1 . Precisamos
verificar duas coisas: que f é diferente de 1 em µ-quase toda parte de X e que
φ é real. Se f fosse igual a 1 num conjunto de medida positiva e finita, E (note
que tal conjunto existe, pois pode-se mostrar de maneira análoga à feita no
Capı́tulo 1, páginas 63 e 64, que todo conjunto de medida estritamente positiva
de X possui um subconjunto de medida finita e estritamente positiva), então
(IL2 (X,µ) − Mf )χE = 0, e concluirı́amos que Mf não é injetor. Mas isto é um
absurdo, pois Mf é unitariamente equivalente a WA , que é injetor. Logo, f 6= 1
em µ-quase toda parte de X. Vamos mostrar que φ é real em µ-quase toda parte
de X. Primeiramente, vamos mostrar que x2 + y 2 = 1 em µ-quase toda parte
de X. σ(Mf ) = σ(WA ) ⊆ {v ∈ C : |v| = 1}, pois WA é unitário (veja a página
39). Como σ(Mf ) é a imagem essencial de f (veja o item 4 da Observação
XIII, das Considerações Iniciais) sabemos que, para todo z ∈/ {v ∈ C : |v| = 1},
existe z > 0 tal que µ({w ∈ X : |z − f (w)| < z }) = µ(f −1 [B(z, z )]) = 0.46
Como C é segundo-contável (isto é, possui uma base enumerável Λ de abertos),
46 B(z,  := {v ∈ C : |v − z| < z }
z)

124
garantimos que para cada z ∈ / {v ∈ C : |v| = 1} existe um elemento Bz ∈ Λ
satisfazendo Bz ⊆ B(z, z ). Logo, como
 
[
f −1 [{v ∈ C : |v| =
6 1}] ⊆ f −1  Bz  ,
z∈{v∈C:|v|6=1}

vem da subaditividade de µ e da enumerabilidade de Λ que

6 1}) = µ(f −1 [{v ∈ C : |v| =


µ({w ∈ X : |f (w)| = 6 1}]) ≤
  
[
µ f −1  Bz  = 0,
z∈{v∈C:|v|6=1}

mostrando que x2 + y 2 = 1 em µ-quase toda parte de X. Agora, para µ-quase


todo (α, x + iy) ∈ X obtemos, fazendo alguns cálculos, que

φ(α, x + iy) = i(1 + f (α, x + iy))(1 − f (α, x + iy))−1 =

(1 − x2 − y 2 )i − 2y −y
i(1 + x + iy)(1 − x − iy)−1 = 2 2
= ,
1 − 2x + x + y 1−x
provando que φ é real em µ-quase toda parte de X (note que φ está bem defi-
nida, pois como já vimos antes, x 6= 1 em µ-quase toda parte de X). Aplicando,
então, o Lema 3, concluı́mos que WMφ = Mf . Assim, WMφ é unitariamente
equivalente a WA e, pelo Lema 4, obtemos que A é unitariamente equivalente a
Mφ , como querı́amos demonstrar.

125
126
6 Apêndice B

Agora, vamos demonstrar o teorema espectral para coleções arbitrariamente


grandes de operadores lineares auto-adjuntos que comutam dois a dois, com o
auxı́lio da teoria de C∗ -álgebras.

“O teorema espectral para coleções de operadores limitados


auto-adjuntos que comutam dois a dois”

Seja {Al }l∈L uma coleção não-vazia de operadores lineares limitados auto-
adjuntos que comutam dois a dois, definidos em H. Definamos Al como sendo a
C∗ -álgebra gerada por Al e IB(H) (que é C ∗ (Al ), seguindo a notação estabelecida
anteriormente), para todo l ∈ L, e A como sendo a C∗ -álgebra gerada por
todos os operadores Al juntamente com o operador identidade IB(H) (note que
Al ⊆ A, para todo l ∈ L). O objetivo, no momento, é mostrar que existe
um ∗-homomorfismo unital de C∗Q -álgebras Γ : C(K) −→ A, onde K é um
subespaço topológico fechado de l∈L σ(Al ). Pode-se mostrar que todos os
elementos φ de ΩC(X) (veja a definição de ΩC(X) no resumo sobre C∗ -álgebras
feito anteriormente) são da forma φ : f 7−→ φ(f ), com φ(f ) = f (xφ ), para
algum xφ ∈ X, quando X é um espaço topológico compacto Hausdorff. E se
X = σ(Al ), por exemplo, tal xφ é único, pois se x ∈ σ(Al ) também satisfizesse
tal propriedade, aplicando-se φ à função idC(σ(Al )) concluı́mos que x = xφ . Isto
nos permite definir uma função

il : ΩC(σ(Al )) 3 φ 7−→ il (φ) := xφ ∈ σ(Al ),

para todo l ∈ L. Seja


ψl : C(σ(Al )) −→ Al
o Cálculo Funcional estabelecido antes, ou seja, ψl é o único ∗-isomomorfismo
de C(σ(Al )) em Al tal que ψl (idC(σ(Al )) ) = Al e ψl (1C(σ(Al )) ) = IB(H) , para
cada l ∈ L. Então, para qualquer w ∈ ΩA , temos que (w ◦ ψl )(f ) = f (xw◦ψl ),
para toda f ∈ C(σ(Al )), uma vez que w ◦ ψl ∈ ΩC(σ(Al )) (e il (w ◦ ψl ) = xw◦ψl ).
Vamos definir agora uma aplicação
Y
i : ΩA −→ σ(Al )
l∈L

por
i : w 7−→ (il (w ◦ ψl ))l∈L
e mostrar que ela é um homeomorfismo. Que ela está bem definida é decorrência
do fato de todas os il ’s estarem bem definidos. Para ver a continuidade de i
tome {wα }α∈M uma rede de elementos de ΩA tal que wα −→ w em ΩA . Então
para todo l ∈ L

xwα ◦ψl = idC(σ(Al )) (xwα ◦ψl ) = (wα ◦ ψl )(idC(σ(Al )) ) =

127
wα (Al ) −→ w(Al ) =
(w ◦ ψl )(idC(σAl ) ) = idC(σ(Al )) (xw◦ψl ) = xw◦ψl .
Isto mostra que πl ◦i é contı́nua, para todo l ∈ L e, por um teorema de topologia
geral,47 concluı́mos que i é contı́nua.
Vamos mostrar a injetividade. Se i(w1 ) = i(w2 ), para w1 , w2 ∈ ΩA , então
para todo l ∈ L tem-se que xw1 ◦ψl = xw2 ◦ψl . Logo, para cada l ∈ L, as
aplicações w1 ◦ ψl e w2 ◦ ψl coincidem sobre as funções polinomiais definidas
em σ(Al ). Pelo Teorema da Aproximação de Stone-Weierstrass, concluı́mos que
w1 ◦ ψl = w2 ◦ ψl (em C(σ(Al ))). Da sobrejetividade de ψl , vem que w1 = w2 em
Al . Pela definição de A, concluı́mos que
Q w1 = w2 . Isto estabelece a injetividade
de i. Agora, como ΩA é compacto e l∈L σ(Al ) é Hausdorff, segue que i é um
homeomorfismo sobre sua imagem. Logo, a aplicação

γ : C(i[ΩA ]) −→ C(ΩA )

dada por
γ : f 7−→ f ◦ i
é um ∗-isomorfismo entre C∗ -álgebras. Sejam F um ∗-isomorfismo entre C(ΩA )
e A (faça F := (ˆ·)−1 , por exemplo, i.e, defina F como sendo a inversa da aplica-
ção de Gelfand, estabelecida anteriormente nas informações sobre C∗ -álgebras).
Então, definindo K := i[ΩA ] e

Γ := F ◦ γ,

temos que Γ é um ∗-isomorfismo entre C(K) e A e, portanto, é uma isometria,


como já observamos nas observações feitas acerca de C∗ -álgebras. Defina
Y
R : C( σ(Al )) 3 f 7−→ f |K ∈ C(K)
l∈L
Q
como sendo a aplicação de restrição. Então, para toda f ∈ C( l∈L σ(Al )) temos
a estimativa
k(Γ ◦ R)(f )k = kR(f )k ≤ kf k.
Considere a ∗-subálgebra P gerada pelas projeções canônicas πl e a aplica-
ção constante igual a 1, 1C(Ql∈L [−kAl k,kAl k]) . Tal ∗-subálgebra separa pontos e
Q
contém as aplicações constantes e, como l∈L [−kAl k, kAl k] é compacto (pelo
Teorema de Tychonoff 48 ) e Hausdorff,
Q temos pelo Teorema da Aproximação de
Weierstrass que P é denso em C( l∈L σ(Al )).
Está definida, portanto, uma aplicação linear
Y
Λ : C( σ(Al )) −→ A ⊆ B(H),
l∈L
47 Seja X um espaço topológico e {X }
Q i i∈I , I 6= ∅ uma coleção de espaços topológicos. Então,
f : X −→ i∈I Xi é contı́nua se, e somente se, πi ◦ f é contı́nua para todo i ∈ I
48
Q Se I 6= ∅ e Xi é um espaço topológico compacto e não-vazio, para todo i ∈ I, então
i∈I Xi é compacto

128
dada por Λ := Γ ◦ R, que é contı́nua, devido à estimativa
kΛ(f )k = k(Γ ◦ R)(f )k = kR(f )k ≤ kf k,
Q Q
para toda f ∈ C( l∈L [−kAl k, kAl k]) (P ⊆ C( l∈L [−kAl k, kAl k])). Pode-
mos mostrar o teorema espectral para uma coleção de operadores lineares auto-
adjuntos que comutam dois a dois, assim como foi feito para o caso em tı́nhamos
apenas um operador linear limitado auto-adjunto, mas fazendo algumas modi-
ficações:
1. assim como a aplicação ΦC definida na página 44, Λ é contı́nuo, e um
∗-homomorfismo unital entre ∗-álgebras, pois é a composta de dois ∗-
homomorfismos contı́nuos unitais;
2. o “K”, agora em questão, permanece sendo um conjunto compacto e Haus-
dorff, e podemos aplicar o Teorema da Representação de Riesz, assim como
feito na página 45. “Hu ” será agora definido por
Hu := {f ((Al )l∈L )u ∈ B(H) : f ∈ C(K)},
e “Gu ” será definido agora por
Gu := {f ((Al )l∈L )u ∈ B(H) : f ∈ C(K)} ,
- de modo que temos Gu denso em Hu . Garante-se, assim, a existência da
aplicação Ω̃u (adaptada, é claro);
3. agora, ao invés de provar que Ω̃u ◦ A ◦ Ω̃−1
u = MidCµu (I) , devemos provar
que Ω̃u ◦ Aj ◦ Ω̃−1
u = Mπj , para todo j ∈ L, onde πj é a j-ésima projeção
canônica. Para tanto, basta substituir A por πj ((Al )l∈L ), e a demons-
tração segue de maneira análoga à feita anteriormente. Isso decorre dos
fatos que πj ((Al )l∈L ) = Aj e Λ é um homomorfismo de álgebras. Vamos
mostrar que πj ((Al )l∈L ) = Aj . Para cada j ∈ L, vemos que
Λ(πj ) = (F ◦ γ ◦ R)(πj ) = F (πj |K ◦ i),
onde
πj |K ◦ i : ΩA −→ R.
Vejamos quem é πj |K ◦ i. Para cada φ ∈ ΩA , vemos que
(πj |K ◦ i)(φ) = πj |K (il (φ ◦ ψl ))l∈L = πj |K (xφ◦ψl )l∈L =
xφ◦ψj = idC(σ(Aj )) (xφ◦ψj ) = (φ ◦ ψj )(idC(σ(Aj )) ) =
φ(Aj ) = (Aˆj )(φ) = (F −1 (Aj ))(φ).
Portanto,
F (πj |K ◦ i) = F (F −1 (Aj )) = Aj
e
πj ((Al )l∈L ) := Λ(πj ) = Aj ,
qualquer que seja j ∈ L;

129
4. em seguida, na aplicação do Lema de Zorn, basta substituir o A que
ali aparece por Aj = πj ((Al )l∈L ), para todo j ∈ L, e concluiremos que
⊕α∈M Huα é Aj -invariante, para todo j ∈ L, pois cada Huα éQ πj ((Al )l∈L )-
invariante, para todo j ∈ L. Assim, da densidade de P em C( l∈L σ(Al )),
temos que
f ((Al )l∈L )w ∈ (⊕α∈M Huα )⊥ ,
Q
para toda f ∈ C( l∈L σ(Al )) (w 6= 0 sendo um elemento que, por hipó-
tese, pertence a (⊕α∈M Huα )⊥ ).
Isto estabelece a contradição necessária, analogamente à obtida na aplica-
ção do lema de Zorn da demonstração anterior;
5. a última adaptação que vale a pena ser mencionada é na página 51. Ao
invés de mostrar que U ◦A◦U −1 : Dom(Mf ) 3 g 7−→ f ·g ∈ L2 (N, µ), para
uma f real e Borel-mensurável, basta substituir A por πj ((Al )l∈L ) = Aj ,
para cada j ∈ L, e obteremos, finalmente, o

Teorema espectral para uma coleção arbitrária {Al }l∈L de opera-


dores limitados auto-adjuntos que comutam dois a dois: Se H é
um espaço de Hilbert e {Al }l∈L é um conjunto de operadores lineares auto-
adjuntos limitados que comutam dois a dois, então existem um espaço de
medida (N, µ) e uma transformação linear unitária U : H −→ L2 (N, µ)
−1

tal que Φ ◦ Aj ◦ Φ : g ∈ L (N, µ) : π̃j · g ∈ L2 (N, µ) 3 g 7−→ π̃j · g ∈
2

L2 (N, µ), com π̃j := p̂j , com

pj := ((πj )Cµuα (Ql∈L σ(Al )) )α∈M

(em outras palavras, Φ ◦ Aj ◦ Φ−1 = Mπ̃j , para todo j ∈ L).

130
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