A família tem, historicamente, um papel de destaque na sociedade. Sua importância vai
muito além de garantir a unidade patrimonial de seus membros, passando também pelo desenvolvimento humano, psicológico e social daqueles que a compõem. A família é a primeira experiência social do indivíduo, o primeiro grupo a exercer uma força coativa, o que fortalece seus laços com as comunidades e com as regras que preexistem. Mas nem só de aspectos positivos é formado esse histórico. O núcleo familiar já foi instrumentalizado, principalmente pelas religiões, para práticas conservadoras e opressoras, das quais são espécie a submissão feminina e a heteronormatividade. No que concerne à civilização ocidental, na qual está incluído o Brasil, foi do cristianismo o protagonismo na sacramentalização do instituto e na propagação de um modelo único de família. Apenas recentemente as famílias que fogem à regra (pai provedor, mãe doméstica e filhos naturais) tem tido maior respaudo social e legal. A família nos dias de hoje não é mais representada apenas pela consolidada por meio do matrimônio e com fins procriativos. A maior independência financeira feminina, a legalização do divórcio, o fim da discriminação aos filhos extraconjugais e aos adotivos, a luta dos movimentos LGBT pelo casamento igualitário, todos esse são alguns dos fatores que impulsionaram as mudanças recentes no Direito de Família não só no Brasil como no mundo. Entre as formas de família surgidas com o desenvolvimento dos direitos civis ou simplesmente reconhecidos e definidos pela doutrina especializada, podemos citar como exemplo a família monoparental, formada somente por um dos genitores e a prole, a eudemonista, em que o vínculo entre os membros é decorrente do afeto em detrimento da relação genética, e a homoafetiva, constituída por ao menos um casal de mesmo sexo e sua eventual prole. Dá-se especial destaque ao último modelo citado no rol de exemplos por ser esse o eixo central dessa monografia, assim como seus efeitos sucessórios. Assim, em conformidade com os pontos acima introduzidos, fez-se um estudo sobre a historicidade das homoafetividades, visto que tais relacionamentos são uma realidade crescentemente mais comum na sociedade brasileira atual e, em vista de seu muito recente reconhecimento jurídico, ainda geram dúvidas aos juristas. Demais disso, atenção especial é dada aos efeitos sucessórios na união homoafetiva. Desta forma, no decorrer deste trabalho monográfico, responde-se a determinados questionamentos: como são tratados os relacionamentos entre pessoas de mesmo sexo no Direito brasileiro? O companheiro homoafetivo supérstite é parte legítima na sucessão do de cujus? A legislação brasileira foi alterada para reconhecer as uniões homoafetivas? A justificativa para esse trabalho está em ser a sucessão no casamento homoafetivo um tema recente e polêmico, não sendo um fenômeno meramente jurídico, visto que o Direito de Família está muito ligado com o cotidiano e com as relações sociais. Além disso, o casamento homoafetivo e todos os seus aspectos legais têm sido temas muitas vezes tratados com preconceito não só por leigos, mas também pelos próprios operadores do Direito. Muito disso deve-se ao fato da inércia do Poder Legislativo em regulamentar uma situação já muito presente na realidade brasileira; a invisibilidade legal da comunidade LGBT assim como sucessivas provocações ao Judiciário tornou plausível o exercício da função atípica de tal poder a fim de garantir alguma segurança jurídica a essa parcela da população. Mais que isso, esse trabalho também se apresenta como mais um marco de representatividade, visto que produções e acadêmicas LGBT são muito importantes como instrumentos de luta conta o preconceito. Quanto mais discussão for gerada sobre o preconceito sofrido por um determinado grupo minoritário – negros, mulheres e LGBTs, por exemplo –, mais humanizadas serão suas vítimas. Espera-se, portanto, que uma maior representatividade ajude a diminuir as barreiras sociais a partir do momento que um LGBT passa a ser visto como mais um membro da sociedade; em contrapartida, um LGBT em situação de vulnerabilidade se sentirá empoderado e livre para desenvolver plenamente sua personalidade ao se identificar com exemplos presentes nas produções artísticas e acadêmicas. Tem-se, então, como objetivo geral analisar historicamente o desenvolvimento das relações homoafetivas e a forma como se deu seu reconhecimento jurídico no cenário brasileiro, assim como desmistificar os reflexos desse recente tratamento jurídico junto ao Direitos das Sucessões. Objetiva-se também, através da comparação e da correlação de certas nomenclaturas, situar a realidade jurídica brasileira no panorama internacional. Em relação aos aspectos metodológicos, as hipóteses foram investigadas por meio de pesquisa bibliográfica. No que tange à tipologia da pesquisa, isto é, segundo a utilização dos resultados, é pura, visto ser realizada com a finalidade de aumentar o conhecimento do pesquisador para uma nova tomada de posição. A abordagem é qualitativa, procurando aprofundar e abranger as ações e relações humanas, observando os fenômenos sociais de maneira intensiva. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva, buscando descrever fenômenos, descobrir a frequência que um fato acontece, sua natureza e suas características, e exploratória, procurando aprimorar, buscando maiores informações sobre o tema em questão. Para facilitar o desenvolvimento do assunto e o alcance dos objetivos gerais e específicos propostos, o presente trabalho monográfico foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, será abordado o Direito Homoafetivo de forma geral, dando-se mais destaque ao seus aspectos históricos. Tratar-se-á da mudança de visão das sociedades e do ordenamento jurídico para com a homossexualidade, passando pela influência da religião e pelo laicismo do Estado até a descriminalização e despatologização da homossexualidade. Esse capítulo será composto por seis subdivisões. Aproximando o assunto do Direito brasileiro, mas ainda trazendo algumas informações do Direito estrangeiro, o segundo capítulo foca exatamente na situação atual em que se encontram os homossexuais em questão de Direito de Família. Em seus cinco subitens, o capítulo versará basicamente sobre as diversas formas de união homoafetiva reconhecidas legalmente no Brasil e no mundo. Seguindo nesta linha de raciocínio e esgotada a discussão sobre a abrangência do Direito de Família às relações homoafetivas, tratará o terceiro capítulo do Direito das Sucessões nessas mesmas relações. Explanar-se-á, de início, os aspectos gerais e específicos da sucessão para que, só então, tal tema seja colocado em justaposição com os casais formados por pessoas do mesmo sexo. Por fim, finalizar-se-á o presente trabalho monográfico com alguns posicionamentos jurisprudenciais sobre o assunto.