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28/05/2019 A Arte da Seita Política – 7 – Cativos – Ceticismo Político

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A Arte da Seita Política – 7 – Cativos Ceticismo Político

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Ceticismo Político
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Continuação de A Arte da Seita Política – 6 – Pílula Assinatura

Conseguimos isolar até o momento em que, com o “estalo”, a personalidade de Coloque seu e-mail para receber
alguém chegando à seita acontece. Rendido a um guru, manipulado em sua emoção, novidades e notificações do Blog.
tendo sucumbido à uma mitologia e vendo sua personalidade mudada, o novo Junte-se a 7.111 outros assinantes
discípulo está pronto para ser “trabalhado” dia após dia. Endereço de e-mail
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Agora é hora de falarmos do dia a dia dos cultos políticos online, o que exigirá uma
abordagem muito mais específica. Uma vez que já entendemos a dinâmica da
“entrada” nos cultos e se já vimos tanto exemplos de cultos online como dos cultos
tradicionais, também é importante esmiuçar o nível em que os cultos online chegam
no uso dos métodos dos cultos tradicionais. Deste texto em diante, necessariamente o
jogo tem que ser “mais bruto”.

Jogo bruto
A primeira coisa que precisamos esclarecer é o quão próximos os cultos online estão
dos cultos tradicionais, geralmente presenciais. Esta demanda é importante pois, em
uma era de absurda conexão com a Internet e em um verdadeiro caos informacional,
é preciso compreender até que ponto as características de ambos os tipos são
compartilhadas.

Uma primeira pista se encontra mais uma


vez no autor Steven Hassan, que irá lançar

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28/05/2019 A Arte da Seita Política – 7 – Cativos – Ceticismo Político

em 6 de agosto deste ano o livro The Cult of


Trump, em que argumenta que a campanha
do atual presidente americano utilizou
diversas táticas de doutrinação em sua
campanha presidencial. Como não li o
livro (óbvio), mas já foi possível observar algumas análises de Hassan sobre o tema, a
conexão é mais do que nítida.

Em complemento, Robert Jay Lifton irá lançar em outubro deste ano o livro Losing
Reality: Political Religious Zealotry, em que o argumento promete falar
especificamente do uso dos mecanismos de culto na ação política extremista.

Dado que ele já encontrou vários elementos de culto e extremismo nas ações de
Donald Trump, uma observação preliminar se faz necessária: não estamos aqui
dizendo que Donald Trump em si é um extremista, mas é um fato que Steve Bannon,
atuando como seu estrategista de campanha, sempre adotou mecanismos populistas
altamente extremistas e uma retórica bastante alheia à realidade. Por enquanto, o que
importa é que há uma boa pista para estudos por aí.

Um artigo do New Republic, menciona como os cultos à personalidade são uma


marca da política populista autocrática. Leia mais, no texto de Alexander Hurst:

Os nomes desses vários líderes são praticamente sinônimos de seus movimentos: Le Pen, Farage,
Duterte, Orbán , Erdogan, Chávez , Bolsonaro, Putin. Ou se fossemos mergulhar mais para trás na
história: Castro, Franco, Mussolini, Hitler, Stalin. Como líderes de culto religioso, os demagogos
entendem a importância de estabelecer uma dinâmica dentro do grupo / fora do grupo como um
meio de estabelecer a identidade de seus seguidores como membros de um coletivo sitiado.

Trump, como os autoritários populistas antes e ao redor dele, também entendeu (ou, pelo menos,
captou instintivamente) quão indispensável sua persona individual se conecta ao seu objetivo final
de agarrar e manter o poder.

A matéria também traz as declarações de Janja Lalich, uma socióloga especializada


em cultos, que identificou quatro características de um culto totalista e aplicou-as ao
trumpismo:

um sistema de crenças abrangente


extrema devoção ao líder
relutância em reconhecer críticas ao grupo. ou seu líder
desdém por não-membros

Gostemos ou não de Trump, me parece bem claro que esses elementos tem sido
claramente identificados no modus operandi de sua campanha (não que não tenha
sido utilizado por outros políticos de esquerda recentemente, como Barack Obama).

Mas isto basicamente fala questão de campanhas políticas. Mas e se, além de
campanhas políticas, falamos de cultos políticos online que tem uma vida muito além
das campanhas políticas? É o caso dos exemplos relacionados a Oliveira, que refletem
a estrutura dos cultos tradicionais, mas aplicados na Internet.

Seita de fanáticos

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Inicialmente, é importante avaliarmos como


mapeamos todas as diferenças entre um
culto tradicional e um culto online. Focando
no primeiro exemplo, podemos lembrar do
filme Seita de Fanáticos (Split Image, de
1982). Dirigido por Ted Kotcheff – que na
mesma época havia feito o primeiro filme da série Rambo – , o filme conta a história
de Danny Stetson (Michael O’Keefe), um estudante americano praticante de ginástica
olímpica com planos de conquistar a medalha de ouro nas Olimpíadas. Mesmo sendo
um atleta respeitado em sua universidade, tem sérios problemas de sociabilidade. Ao
conhecer Rebecca (Karen Allen), acaba sendo envolvido por um culto místico
liderado por Kirklander (Peter Fonda).

Split Image (1982) TV Spot

Naquela época, não havia Internet e nem se pensava na ideia de cultos online. Era
um culto tradicional, com técnicas de isolamento físico, mudança de moradia (em
que as pessoas vão para fazendas e casas ligadas ao culto) e daí por diante. Porém, o
mais interessante era o conceito de “imagem dividida” e da “desprogramação”.

No caso, isso seria praticado por Charles Pratt (James Woods), um desprogramador
radical contratado pelos pais de Danny, Diana (Elizabeth Ashley) e Kevin (Brian
Dennehy). Mesmo que não fosse um filme violento, os momentos relacionados à
“desprogramação” são psicologicamente brutais. Infelizmente, o filme é difícil de ser
encontrado. Uma das cenas mais lembradas do filme é aquela em que Danny é
sequestrado para ser posteriormente desprogramado:

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Split Image Kidnapping Scene

Na vida real, a história dos desprogramadores de cultos começou com Ted Patrick,
que, como vimos no texto anterior, quase viu seu filho sucumbir a um culto e ajudou
várias famílias a recuperarem seus filhos, pela via do sequestro e posterior
desprogramação.

Quando Patrick penetrou no culto Filhos de Deus, conheceu o guru, chamado David
Berg, mas também conhecido como Moisés. Seu material era sempre referenciado
por “mo”. Por exemplo, haviam cartas “mo” e áudios “mo”. Berg era um ex-ministro
batista expulso por má conduta. No primeiro dia em que estava no culto, Berg não
estava presente, mas sua palavra fora ouvida através de cartas “mo” e áudios “mo”. Em
turnos, os anciões mantinham as pessoas despertas e constantemente pregando.
Recrutas monitoravam os novos membros até mesmo quando estes iam urinar. Sobre
os pais dos discípulos, algumas cartas “mo” diziam:

Eles vivem como animais… Eles comem e bebem, dormem e fodem, cagam e mijam – eles sugam o
imbecil para o sistema. Fodam-se eles. Eles não são sua família. Há apenas uma família. Esta é a
sua família. E você não sai daqui. Deixar nosso lar e voltar para seu lar é agir como um cachorro
que come seu vômito. É como voltar e comer sua própria merda. Moisés é seu pai – não há salvação
exceto ele. Se você sair daqui, terá sangue em suas mãos. Se você sair daqui, será atingido por um
raio … e todos vocês serão mortos.

Em outra carta “mo”, lia-se:

Deus rompeu os casamentos de quase toda a nossa liderança no topo. Eu certamente observei
muitos bons frutos nestes casos desde que isso começou a acontecer. Isso também deu bons frutos
entre as crianças… Deus tem o objetivo de quebrar famílias, mas apenas as pequenas famílias
privadas. Se você não abandonou seu esposo e esposa para o Senhor em algum momento ou outro,
você não abandonou nada.

A certo momento, Patrick notou que os anciões deixaram uma mãe ver sua filha.
Mesmo assim, cinco deles cercaram a jovem garota, dizendo à mãe: “Rachel não quer
falar com você sozinha […] Somos a família dela agora”. A filha avisou à mãe que não
queria deixar a nova família. A mãe agarrou a filha pelos braços, mas tomou um soco
na boca. Ao assistir a mãe ser agredida e removida, sem nada fazer para impedi-los,
Rachel foi homenageada publicamente por ter resistido ao teste.

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28/05/2019 A Arte da Seita Política – 7 – Cativos – Ceticismo Político

Patrick ficou 48 horas acordado e só então teve permissão


para dormir três horas. Agora ele tinha que pensar em sair
para evitar sucumbir psicologicamente. Deu uma de
esperto e convenceu os anciões que ele precisava ir para
casa a fim de receber dinheiro para doar. No caminho de
volta, pediu para pararem em uma cabine telefônica, onde
faria uma ligação. Aproveitando-se do descuido dos
serviçais de Berg, ele mudou o caminho e pulou num táxi.

Já em casa, Patrick seguiu investigando. Ficou incomodado


David Berg
ao saber que, se não tivesse saído, teria se tornado um
deles. Aos poucos, foi obtendo mais informações. Descobriu que Berg havia montado
uma banda chamada Teens for Christ. O nome Filhos de Deus foi escolhido depois.
Foi quando Berg se juntou a Fred Jordan, que apresentava um programa religioso
matutino de domingo chamado A Igreja no Lar, onde levava cafetões, prostitutas,
bêbados e viciados reformados e pedia doações. Em poucos meses, o grupo Filhos de
Deus se expandiu em várias comunas pela Califórnia, tendo como sede uma fazenda
de 40 acres em Mingus, Texas, doada pela Jordânia.

Após o contato de outra mãe cuja filha abandonou a Universidade da Carolina do Sul
para se juntar aos Filhos de Deus, Patrick cometeu o primeiro sequestro com o
objetivo de desprogramar a garota. Teve sucesso em trazê-la de volta para a família e
logo criou a organização FreeCOG (Free Children of God).

Quando Jordan saiu do grupo, começaram as crises internas. Não demorou muito
para a ex-cunhada de Berg mostrar provas de que o guru tinha praticado coação
contra ela para que se casasse com seu filho aos 15 anos. Por várias vezes, Berg espiou
ela e o filho transando. Num certo dia, exigiu que ela fizesse sexo com ele também.
Quando se recusou, apanhou dos pés à cabeça, mesmo grávida.

Escândalos desse tipo eram parte de um relatório preparado pela Divisão de Fraude
de Caridade de Nova York do Ministério Público, após o qual a seita se mudou dos
Estados Unidos para a Europa no início de 1973. Segundo Berg, ele e seus seguidores
foram obrigados a sair dos Estados Unidos porque o cometa Kohoutek iria cair sobre
o país para puni-los de seus pecados.

A partir desse momento, outros pais passaram a procurar Patrick para sequestrar e
desprogramar vítimas de culto.

Patrick explica:

Quando você desprograma pessoas, você as força a pensar. A única coisa que faço é lançar perguntas
desafiadoras. Eu bati na identidade deles com perguntas que eles não foram programados para
responder. Aprendi o que e como os cultos fazem isso. É assim que eu posiciono as perguntas certas
para eles, que se frustram quando não conseguem responder. Eles acham que têm a resposta, pois
receberam respostas para tudo. O detalhe é que eu os mantenho desequilibrados e isso os força a
começar a questionar, a abrir suas mentes. Quando a mente chega a um certo ponto, eles podem ver
através de todas as mentiras que foram programados para aceitar. Eles notam que foram enganados
e saem disso. A partir daí, suas mentes começam a trabalhar novamente.

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Quando seus métodos ficaram famosos, ele se


tornou uma pequena lenda nos Estados Unidos.
Segundo Patrick, sequestrar pessoas era apenas
um último recurso. Em alguns casos, membros
que foram sequestrados fugiram no meio do
processo e buscaram a mídia para denunciar o
procedimento de desprogramação.

Conhecido especialmente por desprogramar que estiveram em cultos Hare Krishna e


na seita de Reverendo Moon, Patrick ganhou títulos como Diabo Negro e Black
Lightning (Relâmpago Negro). Nos relatos, uma jovem disse que ele tirou suas roupas
e a perseguiu nua pelos gramados da vizinhança. Outro conta ter sido brutalmente
espancado por Patrick, mas mas nenhum pai, ex-membro de seita ou outra
testemunha confiável chegou a confirmar acusações.

Na verdade, conforme Patrick contou a Conway e Siegelman, várias dessas lendas


disseminadas faziam parte de uma campanha coordenada de vários cultos para
desacreditar seus métodos. No final, ele disse, a propaganda só funcionou a seu favor.

“Os cultos dizem que eu estuprava e espancava as mulheres. Dizem que eu tranco-os
em armários e enfio ossos em suas gargantas”, contou Patrick, rindo.

O que eles não sabem é que estão facilitando meu trabalho. Eles entram aqui mortalmente
amedrontados. Esse medo resulta das coisas que lhes disseram: daí eu posso apenas sentar lá e olhar
para eles. Isso é útil para desprogramá-los. Eles estarão pensando: “O que diabos ele vai fazer
agora?”. Eles estão esperando que eu vá torturá-los fisicamente. Mas isso significa que suas mentes
já estão trabalhando.

Sobre o “estalo”, Patrick contou a Conway e Siegelman que tão logo a desprogramação
acontece, a aparência do agora ex-membro sofre uma mudança brusca e drástica,
com o indivíduo readquirindo a capacidade de pensar por si mesmo. “É como ver
uma pessoa mudar de um lobisomem para um homem”, disse Patrick. “Toda a
personalidade muda, os olhos, a voz. Onde eles tinham ódio e uma expressão vazia,
você pode ver a sensação novamente”.

Patrick foi julgado várias vezes pelos sequestros, mas geralmente era absolvido. Em
1977, quando foi entrevistado pelos autores de “Snapping”, estava preso. As coisas
começaram a melhorar para os desprogramadores em 1988, quando a Suprema Corte
da Califórnia tratou a lavagem cerebral como um delito. Isso dava o direito de
processar os cultos, tornando desnecessário o sequestro.

Os três estágios
Em qualquer tipo de culto, o “estalo” é o estágio inicial, que
deve ser seguido por sua manutenção, na completa
transformação da personalidade. Nisto, temos não apenas um,
mas três estágios. Em seu lendário livro Cults in our Midst, de
1996, Margaret Singer, uma das principais autoras sobre
desprogramação, descreve os três estágios para a conversão
em uma seita. Curiosamente, os três estágios são diretamente
adaptados da análise de Kurt Lewin, criador da dinâmica

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social. São estes os três estágios:

Descongelamento
Mudança
Recongelamento

Em relação ao primeiro, “descongelar”, esta é a desestabilização do “self ” de uma


pessoa. Segundo a autora, o processo inclui “manter a pessoa inconsciente do que
está acontecendo e das mudanças que estão ocorrendo. Controlando o tempo da
pessoa e, se possível, seu ambiente físico. Criando uma sensação de medo,
impotência e dependência e suprimindo boa parte do comportamento e das atitudes
antigas da pessoa”. Esta fase é aquela na qual ocorre o “estalo”, que, como vimos,
requer manutenção contínua.

O segundo estágio, “mudança”, é o que “faz a pessoa reinterpretar drasticamente a


história de sua vida e alterar radicalmente sua visão de mundo, aceitando uma nova
versão de realidade e causalidade”. Basicamente, aqui a pessoa deverá ter sua
mudança continuamente reafirmada. Nesse ponto, ela já se sentirá “iluminada” por
estar no processo de mudança.

Por fim, o terceiro estágio, “recongelamento”, visa “colocar um sistema fechado de


lógica [para] não permitir nenhuma brecha para crítica real”. Deste ponto em dia, as
pessoas do mundo exterior notam que as agendas da pessoa mudaram radicalmente.
Fechado a um novo sistema de lógica, que não admite questionamento, a pessoa tem
reações hostis aos que estão de fora. Segundo Singer, os membros do grupo são
deliberadamente e estrategicamente selados dentro deste sistema estático.

Tanto como Patrick, Singer define que a desprogramação envolve “fornecer aos
membros informações sobre o culto e mostrar-lhes como seu próprio poder de
decisão foi tirado deles”. Parece que os exemplos de Patrick e Singer dão clareza
suficiente dos eventos relacionados a cultos tradicionais. Mas será que tudo isso se
aplica a cultos políticos online? É o que veremos.

Dos cultos tradicionais aos cultos online


Já se sabe que um culto tradicional requer isolamento físico, restrições
comportamentais e às vezes até mudança de localização. Se um culto pode ser
essencialmente místico, também pode ser político ou misturar as duas coisas. Pode
ser baseado essencialmente em ações físicas, tendo meios adicionais (como Internet)
como seu suporte. No caso de um culto online este será focado principalmente nas
ações via Internet, mesmo que existam interações relacionadas ao poder e realização
de eventos presenciais.

Como vimos, Steven Hassan, no caso de cultos políticos online, e Robert Jay Lifton,
no caso de cultos políticos em geral (mas também incluindo ações online),
levantaram pontos de prática de culto utilizados em campanhas políticas populistas,
mas também transcendem essas campanhas.

No exemplo de Oliveira (inspirado em casos


reais), sua ação é essencialmente virtual, com
base em aulas destinadas aos seus assinantes,
vídeos no YouTube, posts no Twitter e textos de
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blog. Além disso, ele escreve livros. Quase 90%


de sua ação acontece via redes sociais. Com isso,
não teríamos os mesmos mecanismos de
isolamento que os cultos tratados por Patrick e
Singer em sua fase inicial. Isso é um problema?
Pode parecer que sim, mas não é.

De acordo com o modelo BITE


(“comportamento-informação-pensamento-
emoção”, ou “behavior-information-thought-
emotional”), de Robert Lay Lifton, observamos
no primeiro aspecto, “controle do comportamento”, o maior número de itens
relacionados a restrições físicas, essencialmente observadas nos cultos mais
presenciais. Como exemplo:

regulação da realidade física do indivíduo


ditar onde, como e com quem o membro vive e se associa
manipulação, exploração e controle da sexualidade
controlar vestimenta, regular uso de roupas e demais aspectos
reter documentos da pessoa
restringir lazer, entretenimento, tempo de férias; restringir o acesso à educação
e empregos
regular sentimentos, pensamentos e atividades
usar recompensas e punições
usar regras e regulamentos rígidos
forçar a pessoa a cometer atos hostis

Comecemos com a “regulação da realidade física do indivíduo”. Evidentemente, é


muito fácil fazer isso em uma fazenda ou acampamento, com a observação física dos
outros. Porém, nos dias atuais, Internet o nível de monitoração de atividades dos
outros é bastante intenso pela Internet. Grupos de WhatsApp podem ser
monitorados, fotos de perfil de Facebook e diversos outros aspectos podem tornar a
vida de alguém tão fácil de ser regulada por outros como em cultos presenciais.

Quanto a “ditar onde, como e com quem o membro vive e se associa”, isso também é
plenamente possível pela Internet, haja vista que as redes sociais permitem o
compartilhamento de muita informação entre os membros. É claro que alguns irão
omitir informações e manter certa privacidade, o que aumenta a taxa de abandono.
Mas o detalhe é que, via Internet, isso também permite maior distribuição de
conteúdo doutrinário. Quer dizer: a limitação física reduz o potencial de distribuição
de conteúdo para muitas cabeças ao mesmo tempo. A Internet compensa esse fator.

No que tange à “manipulação, exploração e controle da sexualidade”, é possível saber,


pelas redes sociais, quem está se relacionando com quem. É claro que o controle não
é tão presente como no ambiente físico, mas é muito fácil monitorar o
comportamento de alguém a partir de contatos via Internet.

Controlar o tipo de roupas de alguém, regular


alimentos, monitorar comportamentos também são
elementos cada vez mais realizados a partir de
ações online. É evidente que não é possível levar
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passaportes e outros documentos da pessoa,


realizar abdução física e privar a pessoa do sono,
mas esses são elementos auxiliares, mas não
obrigatórios para um culto.

Quanto à exploração financeira, é muito mais


seguro fazê-lo online. Por exemplo, um guru pode
cobrar pelos cursos, elaborar cursos especiais,
cursos presenciais e ainda pedir doações de vez em
quando.

Em relação à “restrição de lazer, entretenimento, tempo de férias; restringir o acesso à


educação e empregos”, o guru e seus coordenadores podem, na seita online, encher a
cabeça do discípulo com tanto conteúdo que ele estará prejudicado em suas
atividades de lazer. Ademais, a pressão social pode motivá-lo a trabalhar para o culto
ou em atividades associadas ao culto.

O aumento do tempo gasto em preparação e doutrinação é feito tanto pela Internet


como presencialmente. Novamente, é só entubar o aluno de conteúdo. É possível
fazer isso mais pela Internet do que presencialmente.

Quanto ao relato de “pensamentos, sentimentos e atividades (de si e dos outros)”, a


coisa é ainda mais feia na Internet. Isso porque as pessoas não são monitoradas
apenas em seu dia a dia, mas em seu passado. Tudo que escreveram no passado pode
ser utilizado um dia contra elas.

Evidentemente, o modelo de “recompensas e punições” é feito de forma clara. No caso


de cultos online, as pessoas podem sofrer humilhação ainda pior. Por exemplo, uma
coisa é ser humilhado numa fazenda. Outra, bem pior, é sofrer linchamento virtual,
sendo exposto de uma forma muito mais pública.

A imposição de “regras e regulamentos rígidos” é menos controlada no ambiente


virtual, mas o uso de recompensas para os mais disciplinados ajuda bastante a
compensar esse caso. Em relação à “ameaças de dano à família/amigos”, pessoas que
não se adequarem poderão sofrer ameaças a partir de conexões via rede.

Por fim, a pessoa pode ser forçada a “cometer atos hostis”, o que ela pode fazer com
muito mais tranquilidade via Internet. A vida de discípulos de cultos online é repleta
de atos agressivos executados via Internet, como intimidação dos outros,
linchamento virtual e diversas outras formas de participação política.

A questão de alteração de identidade é compensada pelo uso de avatares nas redes


sociais. Se não ocorrem indução de estados hipnóticos ou de transe, a ação virtual é
repleta de muita emoção e tensão, compensando esse fato.

O que se nota, colocando tudo na balança, é que, entre atualizações e diferenças, a


Internet é um território fértil para o exercício das atividades de culto, e, em alguns
casos, potencializando a relação “guru > discípulo”.

Comunidades virtuais

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Assim como as seitas criam “fazendas”, é possível criar comunidades virtuais. Na


verdade, campanhas eleitorais já tem sido decididas pelo uso dessas comunidades
virtuais. Na política, geralmente adotam a plataforma populista. Em essência, essas
comunidades podem operar normalmente, como se fossem territórios físicos, mas na
Internet. Agora veremos como a Internet pode ampliar o potencial de doutrinação.

Caos informacional
O clima de confusão e submissão das pessoas às ações virtuais pode ser mais
facilmente entendido com o livro The Shallows: What the Internet is Doing to Our
Brains?”, de Nicholas Carr. Na tradução, seria: “Geração Superficial: O que a Internet
está fazendo com nossos cérebros?”.

Se muito hoje se fala da perda de qualidade no debate


público, isso também tem a ver com o fato de que a
discussão pública é feita por memes na Internet, além do
excesso de tempo que as pessoas passam online, criando
praticamente uma identidade com base no
reconhecimento virtual.

No livro de Carr, existe um análise sinistra e realista a


respeito do que define hoje como “geração superficial”. Ele
explica que, com o fluxo incessante de informações – na
era da Internet, e principalmente depois da era dos smartphones -, as pessoas estão se
distraindo muito mais. Mas como o cérebro é plástico, então esse fluxo de
informações estaria deteriorando nossa habilidade mental em num nível físico,
destruindo as conexões e circuitos cerebrais responsáveis pela formação de
pensamentos profundos e capacidade analítica de processar informações, com
resultados perniciosos sobre a nossa memória de longo prazo, e também sobre nossa
criatividade. Ou seja, a Internet está deixando as pessoas menos inteligentes.

Com a fragmentação de nossa atenção, também é alterada a profundidade de nossas


emoções e nossos pensamentos. Se isso reduz a capacidade de aprendizado, também
aumenta as possibilidades de submissão às ideias inseridas por outros. Há algo de
curioso: com a Internet, as pessoas estão lendo muito mais do que antes. O problema
é que elas dão atenção ao conhecimento que é mais facilmente assimilável, pois,
diante de uma infinidade de outros meios de informação – e tudo ao mesmo tempo,
tais como sons, vídeos, imagens, hyperlinks etc, e tudo numa única tela -, surge a
fragmentação do conteúdo, atrapalhando a concentração.

Inconscientemente, a mente funciona por um cálculo de custo e benefício. Dado que


na Internet tudo é feito propositadamente para distrair, capturar e roubar sua
atenção, então as pessoas focam no que é mais fácil de ser assimilado. Não demora
para surgir um ciclo vicioso, em que as pessoas são encorajadas a ações físicas e
mentais destinadas a saciar a sede por informações, mas sempre no curto prazo:
quanto mais respostas e recompensa, mais temos informações precárias, temporárias
e picotadas.

Se nos habituamos a consumir cada vez mais informações picotadas, também perde-
se gradualmente a paciência, o foco, a disciplina e a concentração em ler e escrever

https://ceticismopolitico.com/2019/04/06/a-arte-da-seita-politica-7-cativos/ 10/26
28/05/2019 A Arte da Seita Política – 7 – Cativos – Ceticismo Político

textos longos, que requerem o uso das capacidades mais nobres do cérebro, que são
as de refletir de modo profundo, crítico e reflexivo sobre o conhecimento.

Logo, é de se esperar que cada vez mais existam potenciais para ideias absurdas
divulgadas a rodo, pois o potencial de aproveitamento do auto-engano do ser
humano é hoje muito maior do que antes.

Se você se lembra do texto 4 desta série, em que falamos de emoção, se lembrará que
essas emoções, ativadas via exploração de marcadores somáticos, são baseadas nas
informações que aceitamos ou descartamos. Isto é, quanto maior o caos
informacional, maior é a capacidade de inserir informações aproveitando-se da
rendição psicológica da pessoa.

Como resultado, os estágios de “flutuação”, relacionados ao “estalo”, estão disponíveis


para serem aproveitados por propagandistas políticos na Internet. Igualmente, existe
o risco de que alguém sucumba a alguma narrativa de um culto online, como aquele
de Oliveira.

Grupos de isolamento e aceitação


A entrada de pessoas em uma seita, seja física ou online, é uma participação em
grupos. Como se sabe, há um senso natural do ser humano de querer pertencer a
grupos. Como vimos logo no começo, este é o efeito manada. Pode até parecer que
militâncias virtuais são essencialmente realizadas por ação espontânea. Na verdade,
são bastante coordenadas.

Muitos que estão em cultos online


insistem em nos dizer que sua atuação é
espontânea. Vale lembrar que, além dos
cultos online, existem aqueles que
pertencem ao mundo exterior mas
também recebem influência. Falaremos
destes especialmente a partir do próximo texto. Por enquanto, sigamos focados nos
participantes dos cultos online.

O que ocorre nas comunidades virtuais é que algumas atitudes espontâneas vão se
alinhando com ações planejadas e centralizadas, em uma cadeia de influência. Resta
saber como fazer isso funcionar enquanto é dada ao discípulo a percepção de
espontaneidade? É aí que entram as cadeias de influência.

Não precisamos repetir que a natureza humana visualiza as coisas pela ótica da
relação “motivação versus recompensa”. Nas redes sociais, temos uma cadeia básica,
com vários níveis. Relembre a cadeia de influência das seitas, que vimos no primeiro
texto da série:

https://ceticismopolitico.com/2019/04/06/a-arte-da-seita-politica-7-cativos/ 11/26
28/05/2019 A Arte da Seita Política – 7 – Cativos – Ceticismo Político

Focaremos naqueles que estão dentro do culto, ou seja, aqueles que compartilham as
ideias do guru, seguindo-o fielmente. Como já vimos, é óbvio que o guru não vai
entregar seus interesses aos que estão embaixo na cadeia, a não ser seus poucos
escolhidos.

São esses escolhidos que terão meios de mídia impulsionados, que vão ganhar cargos
no governo e meter a mão na grana. Os demais receberão apenas sensações, mas
farão parte da cadeia.

Para que a coisa funcione, aqueles no menor nível hierárquico não podem suspeitar
que são parte de uma engrenagem e não podem saber a direção de suas ações, pois
sua atuação é espontânea e precisa continuar assim. Quanto mais subimos de nível,
menor a espontaneidade. Logo, não temos uma reunião a salas fechadas envolvendo
gente de todos os níveis da hierarquia para falar da “direção do discurso” ou coisa do
tipo. Quem quer que estivesse no topo da cadeia e fizesse isso perderia o aspecto de
espontaneidade. Não demoraria para alguém sair vazando informações.

Uma estrutura desse tipo só pode funcionar com camadas de controle. Já que a
Internet permite vários meios de controle, existem alguns recursos que podem ser
utilizados para controlar os que estão embaixo retirando destes últimos a percepção
do controle. Entre esses recursos temos:

(1) Cadeias de solidariedade


(2) Estrutura de validação mútua
(3) Exclusão de divergentes

As cadeias de solidariedade servem para dar apoio para os demais integrantes da


“rede”. Imagine que alguém é atacado pela Internet e recebe apoio de outros membros
da rede. Se esta solidariedade acontece, alguém se sente “parte da comunidade”.

Lembre-se que os membros de culto devem ser “aceitos” e se sentirem bem ao fazer
parte do grupo. Nesse sentido, as cadeias de solidariedade exercem um grande papel.

Já as estruturas de validação mútua se


refletem em indicação e aprovação de
conteúdo de um lado para outro. Por

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28/05/2019 A Arte da Seita Política – 7 – Cativos – Ceticismo Político

exemplo, um ministro, Elcias Adokwun, é


plenamente inspirado pelas obras de
Oliveira, dedicando longos e longos textos
em homenagem ao guru. Ao criar seu
perfil no Twitter, foi indicado por todos os
discípulos de Oliveira. Como resultado,
ganhou 20.000 seguidores em questão de
dias.

Da mesma maneira que alguém pode ser “aceito”, pode ser rejeitado, como ocorre em
qualquer agrupamento humano desde as eras tribais. Pessoas relevantes da cadeia de
escolhidos e aprendizes podem se juntar para a promoção de “desconvite” em massa
de pessoas que rejeitem as ideias do guru e até organizarem um assassinato de
reputação.

Hoje em dia, quando as pessoas temem “morrer” virtualmente, a submissão a maltas


das redes sociais é ainda maior.

Essas estruturas de validação dão uma imagem de “massa” – que exploraremos ainda
melhor no próximo texto, ao falar da “espiral do silêncio” – e de grande aceitação.

Esses elementos – (1) cadeias de solidariedade, (2) estrutura de indicação mútua, (3)
exclusão dos divergentes – não são todos. Mesmo assim, já nos são úteis para clarear
o funcionamento da exploração do mecanismo humano inerente de “busca de
aprovação social” (ou seja, prova social). Já no primeiro nível, as pessoas tem medo
de ficar fora das manadas. Elas precisam de aprovação social.

Subconscientemente, muitas vão aprendendo aos poucos qual é o conteúdo


“aprovado” pelos níveis superiores da cadeia. Eles vão entendendo, aos poucos, o que
vai gerar likes e retuítes e o que será excluído. Aos poucos, sua produção de conteúdo
depende de ter “entendido”as regras do jogo.

Estruturas desse tipo – utilizadas inicialmente na campanha de Barack Obama, e


depois aprimoradas pela direita no Brexit e na campanha de Trump – não podem, de
jeito algum, perder a espontaneidade, mas necessariamente tomarão alguma direção
em um dado momento. Seria impossível que esse direcionamento deixasse de existir,
até pela própria natureza humana.

Sem esse tipo de controle, apenas no nível mais alto, não existiria o conceito de
“sabedoria das multidões”, obviamente.

A cultura da convergência
Para entender esse fenômeno, vamos falar um pouco daquilo que se chama de
“cultura da convergência”, tema abordado pelo autor Henry Jenkins em obras como
“A Cultura da Convergência” e “A Cultura da Conexão”. Outro autor que pode nos
ajudar é Clay Shirky, que escreveu “Lá vem Todo Mundo” e “A Cultura da
Participação”. Por fim, outro autor recomendável é James Surowiecki, que escreveu “A
Sabedoria da Multidões”.

Vamos a um breve apanhado do que pode ser entendido de uma sumarização das
ideias desses autores.

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Hoje em dia, as redes sociais deram mais


voz às pessoas, mais do que no passado. O
conceito de “prova social”, antes aplicado
nas relações cotidianas, se moveu para
explicar como alguém se sente “aprovado”
nas redes sociais. O ser humano
automaticamente quer pertencer a
grupos, pois isso está codificado em Henry Jenkins

seu hardware como um mecanismo de


sobrevivência. Como teorizada por Jenkins, a cultura fã (dos “fandoms”) trouxe
muita gente produzindo conteúdo de graça, meramente pela sensação de
pertencimento.

A cultura Star Trek e os fãs de Matrix, produzindo vídeos com as temáticas que
gostam pela Internet, são as principalmente manifestações desse fenômeno estudadas
pelo autor. São como pequenos “cultos” online. Obviamente serve para empresas
cada vez mais conectadas, empresas de mídia e, é claro, seria utilizado por políticos.
A campanha de Barack Obama foi o primeiro grande “case” de sucesso do uso da
cultura fã.

Mas como isso funciona? Bem, não é


possível que isso funcione de maneira
planejada, pois, tal como mostra Clay
Shirky, toda a espontaneidade natural se
perderia. As pessoas que lutam por
pertencimento (agindo
Clay Shirky
espontaneamente) não lutariam da
mesma maneira se tudo fosse baseado
em incentivos financeiros, até porque não iria ter grana suficiente para todo mundo.
Alguém que tem um canal com milhões de pessoas ganharia dinheiro, mas aquele
que tem apenas 100 seguidores ficaria sem nada. Qual o incentivo para produzir
assim? Logo, a espontaneidade é uma ferramenta fundamental desse processo.

Surowiecki demonstra que a agregação de informação em grupos resulta em decisões


quase sempre melhores do que as que poderiam ser feitas individualmente, isso
porque, em grupos fechados, existe o “pensamento de grupo”, viés da mente humana
que limita as melhores decisões. Nesses grupos fechados e hierárquicos, muitas
pessoas têm medo de dar suas ideias, por medo daqueles que possuem mais poder.
Por isso, a criatividade vai pro buraco. Já os grupos mais “abertos” dão vazão à
criatividade plena, além de muita motivação para produzir. No caso dos cultos
online, é preciso misturar o clima de falsa espontaneidade com a simulação de
“criação livre”.

Assim é possível explorar a


espontaneidade das pessoas e planejar
a direção do fluxo dessas informações
atendendo a interesses bem sólidos,
principalmente a partir do
entendimento da busca humana pela
“prova social”. Alguém pode ser
James Surowiecki

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bastante “criativo” e criar um


conteúdo que vai agradar ao guru. Isso ganhará replicação. Se a pessoa sentir que isso
é puramente espontâneo de sua parte, estará motivada a produzir mais.

A capacidade de alguém formar uma comunidade, pertencer a ela, poder ser aceito
ou recusado dessas comunidades e de que essa comunidades estejam a serviço da
seita é mais um fator que vai além de mostrar que não há restrição alguma para o
estabelecimento de cultos online. Com ligeiras adaptações, até os métodos
relacionados a controle de comportamento podem ser exercidos em sua maior parte.
Quanto a métodos de controle de informação, controle de pensamento e controle
emocional, as restrições já praticamente inexistem.

Com o poder da Internet, a coisa é outra: os métodos de doutrinação podem ser até
amplificados.

Cabresto social
Se existem as comunidades que podem ser mobilizadas em torno de um guru, os
exemplos práticos se tornam mais nítidos. Considere que Oliveira costuma retuitar
conteúdo de seus melhores formadores de opinião. Esses formadores de opinião
retuítam conteúdo de formadores menores. Cria-se uma comunidades em que as
pessoas “vivem melhor” em termos virtuais. Numa época em que cada vez mais
pessoas depositam suas expectativas nas identidades online, o uso de mecanismos
sutis de controle é útil para potencializar resultados.

O que é importante quanto a Internet é que cada pessoa sabe que está sendo
observada de várias formas, não tanto quanto ao seu presente como ao seu passado.
Membros do grupo podem monitorar alguém em relação a comportamentos como
até as curtidas que dá em uma postagem.

Certa vez, Oliveira requisitou que as


curtidas de alguns membros fossem
observadas: ele queria saber se haviam sido
feitas em posts de seus adversários ou ex-
membros da seita. Essas pessoas eram
humilhadas em público ao fazê-lo. Com
isso, aos poucos, as pessoas vão
“aprendendo” o que podem curtir ou não. Se as possibilidades de monitoração são
quase infinitas e se cada dia mais as pessoas dependem da imagem nas redes sociais,
essa forma de “cabresto” nas redes sociais é poderosa.

Enquanto isso, toda uma linha de comando deve ser monitorada pelo guru. Muitas
dessas pessoas próximas irão explorar a proximidade com ele. Muitos desses
subordinados se tornam praticamente clones do guru, como já vimos.

Aos poucos o guru vai testando a ambição desses clones se forem retirados de
projetos e se se provarem que são pacientes e subordinados às ordens do chefe. Nessa
situação, vão ganhando mais poder.

Com boa organização, um guru pode contar com seus escolhidos para ter uma plena
gestão das ações online. Para alguns aspirantes a se tornarem escolhidos, pode ser

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dado um objetivo sem alguma instrução, para que o guru avalie como eles agem. Se
eles voltarem pedindo por mais instruções, em vez de chegarem eles próprios à
conclusão (que deve atender aos interesses do guru, é claro), então não estão
preparados.

Entre os mais ambiciosos, a manutenção do clima contínuo de que sempre serão


testados é bom. É com isso que ficarão sempre tensos e motivados a mostrar
resultados. Quem fica estressado demais pode ficar encarregado de tarefas simples e
repetitivas. Ter pessoas com algo a fazer é sempre bom.

No ambiente das comunidades online, guru e seus escolhidos encontram uma


vastidão de recursos para controle do comportamento e de outros aspectos do
direcionamento das ações humanas.

Persuasão Coercitiva e Mudança de Atitude


Para facilitar o entendimento, podemos usar um modelo ainda mais simples para dar
sequência ao “estalo” nas ações de Internet. O encontramos no artigo “Coercive
Persuasion and Attitude Change”, onde o psicólogo Richard Jay Ofshe sugeriu um
esquema de quatro fatores que distinguem a persuasão coercitiva de outros esquemas
de treinamento e socialização”. A vantagem deste modelo é sua simplicidade, além de
permitir monitorar as ações de cultos online, por parte de um guru.

São estes os itens:

1. Dependência de ataques interpessoais e psicológicos intensos


2. Uso de grupos de pares organizados
3. Aplicação de pressão pessoal para promover a conformidade
4. A manipulação da totalidade do ambiente social da pessoa para estabilizar o
comportamento modificado uma vez

Vejamos como Oliveira consegue que as pessoas de sua seita (e até aqueles
influenciados ao redor) se comportem conforme sua diretriz.

Começando pelo item 1, “dependência de


ataques interpessoais e psicológicos
intensos”, a ideia é partir para cima
daqueles que discordam do guru.
Basicamente, a ideia é deixar claro que a
discordância em pontos fundamentais é
indesejável. Evidentemente, o melhor é
não afirmar que a opinião não pode ser Richard Jay Ofshe

dita, mas pressionar a pessoa que o fizer.

Para identificar esse processo, Ofshe sugere observar se há pressão para concordância
diante de conflitos de ideias. Uma baixa aceitação de feedback crítico é indício de
grupo de alto controle. Se pessoas são atacadas por forte divergência, temos mais um
indício bastante forte.

Em relação ao segundo ponto – “uso de um grupo de pares organizados” – é preciso


compreender se existem pessoas monitorando de forma organizada os
comportamentos dos outros. Novamente, isso é uma festa nas redes sociais. Reza a

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lenda que Oliveira conseguiu até que seus coordenadores adquirissem formas de
monitorar hierarquicamente as ações praticadas via redes sociais por seus discípulos,
sabendo até que assuntos eles mais postam, que elogios fazem, a estrutura de frases
em que mencionam o guru (para identificar se é elogiosa ou não), que amigos
possuem, que posts curtem, etc. Nesse processo de monitoração contínua, as pessoas
vão se adaptando.

Quanto ao item 3, “aplicação de pressão interpessoal para promover a conformidade”,


os membros do grupo podem forçar a aceitação de ideias.

Por exemplo, num certo dia um de seus alunos requisitou fontes para o Pacto de
Kansas, que unificaria todos os esquerdistas e os direitistas que não estivessem no
culto como parte de uma grande conspiração. Alguns de seus melhores alunos
sabiam que essa pergunta era “indesejada”. Assim, foi dito ao questionador que ele
fosse pesquisar direito. Ao responder que já havia feito a pesquisa, ouviu: “Não, você
não fez a pesquisa”. Ele insistiu que havia feito sim. Começara então um
levantamento de dados de sua vida pessoal, para infernizá-lo.

Por fim, o item 4, “manipulação da totalidade do ambiente social da pessoa para


estabilizar o comportamento modificado uma vez”, a seita pode estabelecer muito
tempo para as atividades relacionadas ao grupo, de modo que ele crie uma “nova
vida” no ambiente online. Com a criação de grupos de WhatsApp e o agendamento
de encontros físicos, em nível da cidade e do Estado, é possível isolá-los de “antigas
amizades, associações e interesses fora do grupo”. Quanto mais tempo próximo ao
grupo, melhor.

Oliveira é conhecido por estimular toda e qualquer forma de integração das pessoa
ao ambiente do grupo, valorizando a criação de congressos, encontros, grupos de
WhatsApp, fóruns de discussão, onde as pessoas gastem a maior parte do tempo em
torno das ideias da seita.

Todos esses quatro pontos são potencializados no ambiente da Internet. A


monitoração das comunidades virtuais, conforme vistas agora há pouco, é facilitada
pelo uso destes aspectos.

Em todo esse processo, deve existir o reforço contínuo, em que as pessoas são
lembradas de sua importância a culto. Essa mensagem é propagada diariamente.
Oliveira sempre deixa claro como eles são a elite cultural da Nibéria. Esse ambiente
deve ser protegido de “intrusos”.

Como é uma “elite”, é evidente que ocorrerão algumas remoções, geralmente


traumáticas, com pessoas sofrendo agressões e perseguições, o que vai instilando nos
que seguem participando um senso ainda mais forte de pertencimento e elitismo. É
com processos assim que, com pouco custo, um guru e seus coordenadores podem
gerenciar enormes redes sociais com milhões de pessoas, numa cadeia de obediência
quase toda ela implícita, mas capaz de perceber seus resultados em termos de
melhoria de prova social e aumento de seguidores ou experimentar isolamento e
remoção em caso de desalinhamento.

Vamos observar até agora tudo que pode ser feito em relação a membros do grupo
que estão alinhados e os que não estão alinhados.

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Em relação aos membros alinhados:

Receber elogios
Ser bem recebido em eventos da seita
Conquistar novos amigos
Aumentar o número de followers
Participar como agressor em tropas de linchamentos virtuais
Ter conteúdo compartilhado
Se sentir acolhido
Ter seu currículo observado e até receber indicações
Ficar com a sensação de ser parte de uma elite

Já para os que não estão alinhados temos:

Ser ofendido
Ser banido de eventos
Perder vários amigos
Perder vários followers (em campanhas de “dislikes”, por exemplo)
Sofrer linchamento virtual
Se sentir estigmatizado
Ter seu passado vasculhado para campanhas de assassinato de reputação
Ser tratado como um pária

É evidente que as pessoas mais experientes e que já possuem certo “calo moral” não
se incomodam com isso. Mas imagine a situação de um jovem com problema de
autoestima, sugestionável, dependente de aceitação nas redes sociais, tendo que
escolher entre um e outro. É assim que, aos poucos, alguém vai sendo controlado a ir
se adequando aos padrões aceitáveis para a seita.

O dia a dia na fazenda


Todo esse processo é praticamente como cuidar de gado de criação em fazenda. Para
o guru e seus coordenadores, isso dá trabalho, mas gera resultados em termos de
poder e diversos outros benefícios. Vejamos alguns aspectos que devem ser levadas
em conta pela coordenação em seitas especialmente nas redes sociais e que se juntam
aos demais aspectos vistos em textos anteriores.

Isolamento
Assim como os cultos tradicionais
promovem isolamento físico, os cultos online
dependem de um certo grau de isolamento.
Conforme R. Ross, em “Cults: Inside Out”,
“Muitos grupos de culto parecem ganhar
influência e controle sobre seus membros
através de um processo de crescente
isolamento e estranhamento da sociedade dominante”.

No livro “The Birth and Death of New Religious Movements”, Benjamin Zablocki
escreve:

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28/05/2019 A Arte da Seita Política – 7 – Cativos – Ceticismo Político

Os movimentos de culto raramente retêm seus membros pelo uso de força ou restrição física. Mas do
que depende uma verdadeira lavagem cerebral: do uso da força ou meramente da demonstração de
força? Esta crença generalizada é baseada em uma leitura errada de Lifton e Schein. Essa leitura
errada ocorreu porque, de fato, muitos (embora nem todos) dos casos que eles estudaram foram
levados a um estado de agência por força real ou ameaçada.

O que Zablocki explica é que a demonstração de força, por parte da liderança, é


suficiente para a submissão. Em termos de atuação online, o isolamento se vê quando
o discípulo vira as costas para todos os seus amigos e entes queridos, passando mais
tempo com o guru/grupo. Em especial, Oliveira gosta de monitorar a relação dos
discípulos com aqueles que discordam do grupo.

Inconsciência sobre a agenda


Conforme Robert Lifton é preciso “manter
a pessoa inconsciente de que existe uma
agenda para controlar ou mudar a pessoa”.
Por mais óbvio que isso seja, é preciso
sempre esconder os interesses, as agendas
da liderança.

Como diz Singer, “eles podem ocultar certos ensinamentos de novos membros e, em
geral, se esforçam para racionalizar qualquer coisa que possa parecer negativa.
Ninguém se une intencionalmente a um culto destrutivo”.

Pela Internet, isso é muito fácil de ser feito, com alguma organização. Lembre-se que,
como visto no texto anterior, é preciso de muito esforço por parte do guru e seus
escolhidos para esconderem qualquer nível de interesse do guru, que transmitirá a
imagem de que apenas dá orientações para “o bem” de seus discípulos, mas jamais
para ganho pessoal.

Submissão à doutrina
Novamente é bom recobrar o texto anterior, onde vimos vários aspectos para “o
estalo”. Mas aqui vamos além e falamos até mesmo da coação contra quem faça
questionamentos, já que estamos na fase de contínua doutrinação. Steven Hassan
escreve, em “Combatting Cult Mind Control”:

Não há espaço em um ambiente de controle mental para considerar as crenças do grupo como mera
teoria ou como mais uma forma de interpretar ou buscar a realidade. A doutrina é realidade.
Alguns grupos chegam ao ponto de ensinar que todo o mundo material é ilusão. Portanto, todos os
pensamentos, desejos e ações – exceto, é claro, aqueles prescritos pelo culto – não existem realmente.

Segundo Eric Hoffer, as doutrinas de culto mais eficazes são aquelas “que são
inverificáveis e inestimáveis”. Conforme o recurso do mumbo jumbo, elas são tão
complexas que demoram anos para serem desvendadas. O ideal é que o discípulo
“aceite, em vez de compreendê-la”.

Em caso de dúvida, a pessoa deve


desconfiar do “seu eu autêntico”. Com
isso, a doutrina se torna o “programa

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mestre” para todos os seus pensamentos,


sentimentos e ações, uma vez que é a
“verdade”, perfeita e absoluta, qualquer
falha nela é vista como um reflexo da
própria imperfeição do crente. Eles são
ensinados que devem seguir a fórmula
prescrita, mesmo que não a
compreendam realmente. Ao mesmo tempo, é dito ao membro do culto que eles
devem trabalhar mais e ter mais determinação, para que eles entendam a verdade
com mais clareza.

Oliveira utiliza isso muito bem ao ter inserido na mente do adepto que ele é parte de
uma guerra cultural. Sempre diz que “enquanto a batalha pela cultura não for
vencida, nada adianta”. Ao passo que alguns de seus escolhidos recebem cargos, ele
acha tudo ótimo. Mas de repente aparecem problemas. Não demora para ele começar
a afirmar que “é porque a batalha cultural não foi vencida”. Ao mesmo tempo, diz que
falta pelo menos uma década para isso acontecer, no mínimo. É a palavra passe para
o pessoal seguir no curso.

À medida que as pessoas vão pedindo evidências a respeito dos eventos, ele vai se
adaptando. Certo dia, questionaram uma época em que os militares, respeitados,
governaram o país. Segundo Oliveira, o governo foi apenas mediano porque “eles não
venceram a batalha cultural”. É claro que ele omitia as contingências e as
impossibilidades daquela época. Como sempre, ele não foca nos fatos, mas na
narrativa, na qual os discípulos devem seguir acreditando. Isto é o que significa
tomar como critério de validação a submissão à doutrina.

Manipulação mística
Conforme Robert Jay Lifton, é preciso realizar uma extensa manipulação dos eventos
relacionados à vida da pessoa. Assim, todos os aspectos de controle comportamental
são justificados por “algo maior”:

Iniciada a partir de cima, [uma extensa manipulação emocional] procura provocar padrões
específicos de comportamento e emoção de tal forma que estes devem ser percebido como se tivessem
surgido espontaneamente de dentro do ambiente. Esse elemento de espontaneidade planejada,
dirigido como é por um grupo supostamente onisciente, deve assumir, para a qualidade
manipulada, quase mística.

Vale lembrar também que, escritas em 1961, essas palavras se confirmam com as
análises de redes sociais dos dias de hoje. Em suma, muitos devem perceber que
“espontaneamente” chegaram ao aceite da revelação.

Lifton lembra que isso não é feito apenas


para a manutenção de um senso de poder
sobre os outros. Os discípulos realmente
devem acreditar que são impelidos por um
“valor maior”. Se não for assim, as
manipulações não serão justificadas. Se
eles são a vanguarda deste movimento, se

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tornam “os instrumentos de sua própria mística, criam uma aura mística em torno
das instituições manipuladoras – o Partido, o Governo, a Organização”.

Oliveira utiliza isso muito bem ao dizer que “é óbvio” o comportamento que se
adequa à doutrina. Já comportamentos inadequados são tratados como doentios. A
mera necessidade de não apresentar maiores explicações ajuda a manter a aura de
“elemento natural”.

Obediência estrita
Conforme Steven Hassan em “Combatting Cult Mind
Control”, há uma forte cobrança pela obediência
estrita. Isso pode ser feito pela contínua comparação
dos discípulos mais novos com um membro mais
antigo do culto, que serve como modelo para o novo
membro imitar:

Nos grupos bíblicos, isso é algumas vezes chamado de pastorear. O recém-chegado é instado a ser
como essa outra pessoa. Líderes de nível médio são eles mesmos instados a agir como seus superiores.
O líder do culto no topo é, naturalmente, o modelo final. Uma razão pela qual um grupo de cultistas
pode atacar até mesmo um estranho ingênuo como se fosse um alienígena é que todos têm
maneirismos, estilos de roupas e modos de fala parecidos. O que o estranho está vendo é a
personalidade do líder transmitida através de várias camadas de modelagem.

É aqui que os “escolhidos” e os “melhores alunos” são importantes para o guru, que
deverá citá-los continuamente. Pelas redes sociais, isso é ainda mais fácil: Oliveira
continuamente compartilha o conteúdo dessas pessoas “aprovadas”, que,
evidentemente, repercutirão as ideias dele.

Seleção e filtragem de informações


Já vimos anteriormente que existe uma clara
seleção de informações – aquilo que é
aprovado – ou não é. Oliveira, ciente disso,
gasta muito tempo selecionando material
adequado para que seus discípulos possam
receber a nutrição diária, semanal e mensal de
conteúdo “escolhido”.

Acostumados a ler aquilo que o guru indica,


seu próprio filtro é uma forma de orientar as próximas leituras. Isso também significa
que eles não irão acessar muitos dos materiais que não são indicados.

Outros materiais podem ser apontados como “lixo” e “coisas criadas por
interesseiros”. Nisto, temos o procedimento básico de omissão da informação
indesejável.

Doutrina sobre a pessoa


A colocação da doutrina sobre a pessoa, segundo Lifton, é outra características do
totalismo ideológico: a subordinação da experiência humana às reivindicações da
doutrina.

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Esse primado da doutrina sobre a pessoa é evidente na contínua mudança entre a experiência em si
e a interpretação altamente abstrata de tal experiência – entre sentimentos genuínos e os
sentimentos catalogados como espúrios. Tem muito a ver com a aura peculiar da meia-realidade,
que um ambiente totalista exprime sobre os que estão de fora. A primazia doutrinária prevalece na
abordagem totalista de mudar as pessoas: a exigência de que o caráter e a identidade sejam
remodelados, não de acordo com a natureza ou potencialidades especiais de alguém, mas sim para
ajustar-se aos contornos rígidos do molde doutrinário.

Neste estágio, a tendência é a negação


absoluta dos fatos que contradigam a
doutrina. Oliveira costumeiramente divulga
informações falsas, que seus discípulos
devem aceitar bovinamente.

Certa vez, ele avisou que sangue de vampiro


estava sendo utilizado na receita do refrigerante Niber Cola, que havia chegado na
Nigeria. Como um dos acionistas da empresa era amigo de George Soros, ele afirmou
que isso era parte de um projeto globalista e marxista.

Futuramente, se descobriu que a notícia era falsa. Na verdade, a empresa Niger Cola
fazia apenas criação de morcegos como parte de estudos para outro produto que
nada tinha a ver com refrigerantes. Evidentemente, Oliveira não retificou a
informação.

Manipulação da informação do culto


Em relação a este método, o objetivo é seguir no
isolamento da pessoa em relação ao mundo
exterior, mas pela recomendação excessiva de
conteúdo relacionado ao culto. Assim, Oliveira
pede que as pessoas comprem livros de autores
ligados a ele. Geralmente são materiais que repetem
o que ele diz (embora existam raras exceções), mas
quanto mais a informação for repetida, melhor.

Esse ciclo sempre se retroalimenta. É o caso da empresa Nibéria sem Máscara, que é
sempre indicada por ele e o indica de volta. Vale o mesmo para o Conexão Niberiana,
que o cita várias vezes e é citado de volta. Aos poucos vai criando um ambiente que
só aceita informação já validada, que aceita as mesmas teorias e fala sob as mesmas
categorias.

Se o material não pertence à seita, ele pode ser citado de forma distorcida ou fora de
contexto. Nos cultos em geral, apenas o guru decide quem precisa saber o que e
quando.

Enganação (sem consentimento informado)


Evidentemente o guru, que se tornou especialista na fabricação da realidade,
geralmente mente que nem sente. Por exemplo, ele inventou que existem as 15 leis de
Trotski que se aplicam à Nibéria. Diz que as leis incluem até “promoção do
vampirismo”.

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Algumas pessoas acham absurdo, mas não há


fonte alguma que mostre que Trotski tenha
escrito isso, mas ele repete assim mesmo.
Tecnicamente, ele possui a teoria de que o
vampirismo e o marxismo estão associados.
Então vai “acomodando” os fatos à teoria. Se
alguém questiona o guru a respeito disso, as pessoas intimidam o questionador,
dizendo que ele é “puxa saco de esquerdista”.

Oliveira também criou a tese de que havia um plano cubano para converter
niberianos em lobisomens. Era um acordo entre cubanos e George Soros. Nunca se
encontrou essa informação. Oliveira diz que está em uma edição do jornal Granma.
Quando alguém pede a fonte, ele diz: “é claro que já sumiram com a informação e
não há mais edições disponíveis do jornal”. Sem peias, a narrativa vai seguindo.

Enquanto isso, ele desestimula o o acesso a fontes de informações concorrentes


(mídia, jornais, TV). A ideia é manter os seus discípulos tão ocupados que não
tenham tempo para pensar e investigar.

Comprometimento e consistência
Uma forma de aumentar o
comprometimento dos discípulos é pedir
doações a eles. Algumas vezes pode ser
requisitada a doação de dinheiro. Em outras
vezes, pode-se requisitar apenas o tempo.

Isso acontece por causa do viés do investimento emocional, que se complementa com
um viés chamado de falácia do custo irrecuperável. Basicamente, quando mais
investimos em algo, mais difícil é de abandoná-lo.

Segundo Daniel Kahneman em “Rápido e Devagar, lemos:

A perspectiva de perdas torna-se um motivador mais poderoso em seu comportamento do que a


promessa de ganhos. Sempre que possível, você tenta evitar perdas de qualquer tipo e, ao comparar
perdas a ganhos, você não as trata de forma igual. Os resultados de seus experimentos e os
resultados de muitos outros que se replicaram e expandiram sobre eles provocaram uma taxa de
aversão a perda inata. Quando é oferecida uma chance de aceitar ou rejeitar uma aposta, a maioria
das pessoas se recusa a fazer uma aposta, a menos que o possível resultado seja o dobro da perda
potencial.

Na mesma linha, David McRaney escreve:

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Quando você perde algo permanentemente, dói. O impulso para mitigar essa emoção negativa leva
a comportamentos estranhos. Você já foi ver um filme apenas para perceber em 15 minutos ou então
você está assistindo a um dos piores filmes já feitos, mas você se sentou mesmo assim? Você não
queria desperdiçar o dinheiro, então você deslizou de volta em sua cadeira e sofreu. Talvez uma vez
você tenha comprado ingressos não reembolsáveis para um concerto, e quando a noite chegou, você
se sentiu enjoado, cansado ou de ressaca. Talvez algo mais atraente estivesse acontecendo ao mesmo
tempo. Você ainda foi, mesmo que não quisesse, a fim de justificar gastar dinheiro sabia que nunca
poderia voltar. E naquela vez que você chegou em casa com um saco de tacos, e depois da primeira
mordida você suspeitou que eles poderiam estar cheios de comida de cachorro com infusão de
salsa, mas você os comeu de qualquer maneira não querendo desperdiçar dinheiro e comida? Se
você já experimentou uma versão de qualquer um desses, parabéns, você foi vítima da falácia do
custo irrecuperável.

Ou seja, pedir doações e comprometimento de seus discípulos, muita vezes de forma


desnecessária, é também uma forma de força-los a se submeterem à falácia do custo
irrecuperável.

Nenhum outro autor de conteúdos da Nibéria – seja de esquerda ou da direita – exige


tantos sacrifícios (incluindo doações) de seus leitores como Oliveira o faz.
Evidentemente, alguns discípulos até se organizam em grupo para fazer essas
doações. Ele faz isso principalmente pelo uso do viés do investimento emocional e da
falácia do custo irrecuperável.

Resumo
O que vimos aqui é que os cultos online – sejam de orientação política ou não –
possuem potencial similar de dar ao guru a dominação de seus discípulos do que
cultos tradicionais. Se existem algumas perdas e outros ganhos, não há considerável
alteração do resultado final. O que importa é que os cultos online estão por aí.

Neste texto, vimos como os grupos de isolamento e as comunidades online criam


ambientes muito próximos dos ambientes físicos. Hoje em dia, é esperado que as
pessoas tenham tanto medo de serem rejeitadas socialmente na Internet como no
mundo físico. Numa era de caos informacional, essa vulnerabilidade aumenta.

Ao final, vimos vários elementos utilizados diariamente para garantir a doutrinação


contínua – ou seja, o processo pós-“estalo” – dos discípulos a partir de ações que são
executadas via Internet.

No próximo texto, falaremos de um mecanismo poderosíssimo especialmente útil


para cultos políticos online: a espiral do silêncio. O detalhe é que ela é utilizada –
conforme análises de ocorridos em campanhas promovidas por Steve Bannon e seus
adeptos no Brasil – de forma excessiva e ampliada, nos permitindo entender de
maneira bem diferente boa parte da comunicação oriunda de seitas políticas no
Brasil.

Continua em A Arte da Seita Política – 8 – Espiral

Twitter: https://twitter.com/lucianoayan

Facebook: https://www.facebook.com/ceticismopoliticosc/

https://ceticismopolitico.com/2019/04/06/a-arte-da-seita-politica-7-cativos/ 24/26
28/05/2019 A Arte da Seita Política – 7 – Cativos – Ceticismo Político
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5 comentários em A Arte da Seita Política – 7 – Cativos

J A // 7 de abril de 2019 às 10:08 am // Responder

Agora descobri de que lado estás és mais um na seita do sistema demo (krazia) és um
666 a tua marac futura todos “nós” estamos metidos numa “seita” e a tua é a mais
perigosa os “luciferianos” nestes dias o “gato” sempre fica com o rabo de fora.

Fefa // 8 de abril de 2019 às 12:08 pm // Responder

Estou gostando muito da série! Já passei por algumas situações descritas como:
quando houve um encontro de alunos de um curso virtal aqui na minha cidade,
algumas pessoas só disseram que eu poderia interagir com elas se eu lesse uns 15
artigos e uns 4 livros do tal professor do curso. Isso porque eu não teria a capacidade
intelectual de entender uma frase sequer que falavam. Insistiram ainda que eu fizesse
inscrição no tal curso e quando falei que não tinha condições financeiras e tampouco
tempo (e também não tinha interesse), “mandaram” que eu abandonasse meus
estudos e deixasse de pagar meu médico e remédios (eu estava passando por um
momento delicado de saúde).

https://ceticismopolitico.com/2019/04/06/a-arte-da-seita-politica-7-cativos/ 25/26
28/05/2019 A Arte da Seita Política – 7 – Cativos – Ceticismo Político

mrk // 8 de abril de 2019 às 2:19 pm // Responder

Obrigado pelo feedback, Fefa. Temos que ficar de olho mesmo, pois o
sectarismo tem aparecido por vários cantos. Até amanhã publico o texto 8,
sobre a espiral do silêncio.

Beto // 8 de abril de 2019 às 3:53 pm // Responder

Li os primeiros textos da série, ainda não li os demais pois quero fazê-lo com calma e
tempo, e pelo que vejo esse texto 7 está sensacional. Espero que isso em breve seja
publicado impresso pois é um trabalho necessário o de desmascarar a arte da seita
política que no momento dominou o poder e levará um tempo para serem revertidos
os estragos já feitos.

Piada pronta. // 27 de abril de 2019 às 3:07 am // Responder

Também não li. PONTO. Mas “mesmo não lendo” sei que está sensacional. PIADA
PRONTA. Se a cozinha (do trípRRex e do sitio) é igual, porque tantos processos ? Ele
só cometeu um único assalto.

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