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Capitulo 5 O conceito de andlise funcional Stnia Beatriz Meyer Ht (Universidade Sao Judas Tadeu} Fater sobre Anéise Funcional no contexto terapéutico, requer (a) que se reveja 0 préprio conceit de andlise funcional, para em seguida (b) questionar sua utilidade na prética clinica, e (c) que se verifique de que forma ela tem sido conduzida pelos terapeutas comportamentais. (@)Aimportancia de se rever 0 conceito de andlise funcional esté na comunicacéo entre analistas de comportamento, para que possa haver consenso entre eles no uso desta expressao. Comegando a revisao pelo proprio Skinner, referencial mximo quanto a andlise experimental do comportamento ou & andlise funcional do comportamento, verificou-se que ele tem poucas formulagies expiicitas sobre a andlise funcional, especialmente em seus livros mais recentes. Em Ciéncia e Comportamento Humano (1974) ele escreveu o seguinte: As varidveis externas das quais os comportamento é fung&o déo margem ao que pode ser chamado de andlise causal ou funcional. Tentamos prever e controlar © comportamento de um organismo individual. Esta 6 a nossa ‘varidvel dependente”. 0 efeito para o qual procuramos a causa. Nossas “varidvels independentes”- as causas do comportamento - so as condigées externas das quals 0 comportamento 6 fungéo. Relagdes entre as duas - as relag6es de “causa @ efelto” no comportamento - sdo as leis de uma ciéncia No mesmo livro Skinner aborda a contingéncia de trés termos: Uma formulagao adequadia da interagao entre um organismo e seu ambiente deve sempre especificar trés coisas: (1) a ocasigo em que a resposta ocorre, (2) 2 prépria resposte, @ (3) as consequéncias reforgadoras. As interrelagdes entre elas so as contingéncias de reforgo. Em outras palavras, uma contingéncia comportamental é definida como uma Tegra que especifica uma relaggo condicional entre uma resposta e suas consequéncias (Millenson, 1987) ¢ 6 muitas vezes enunciada com afirmacdes do tipo se..., entdo ... Ou ainda, contingéncla se refere a relagdes de dependéncia entre eventos: entre a resposta © 0 reforgo no operante; entre antecedente, resposta e conseqilente, no operante discriminado; entre uma condig&o (ou estimulo modelo) e um antecedente e a resposta € a conseqiiéncia, em uma discriminag&o condicional; entre uma resposta, um interval de tempo e a conseqiéncia, em uma contingéncia de atraso de reforgo. Operantes complexos envolvem miiltiplas contingéncias operando em diferentes combinagées, simultanea e/ou sucessivamente (Souza, 1998). Contingéncia é diferente de contiguidade - a justaposigéo de eventos no tempo e/ou no espago; a diferenga esta na relacao de dependéncia que esta presente em um caso e ausente no outro. Relagdes de dependéncia até podem ser contiguas, mas nao 0 so necessarlamente (Souza, 1996). (b) Quanto a utilidade da andlise funcional, trata-se do instrumento basico de trabalho de qualquer analista de comportamento, inclusive daquele que atua na clinica. E sua tarefa identificar contingéncias que estéo operando e inferir quais as que Possivelmente operaram no passado, ao ouvir a respelto ou observar diretamente comportamentos. Ele pode também propor, criar au estabelecer relagdes de contingéncia para desenvolver ou instalar comportamentos, alterar padr6es, como taxa ou ritmo, ou espagamento, assim como reduzir, enfraquecer ou eliminar comportamentos dos fepertérios dos individuos (Souza, 1995). Vale ressaltar que na clinica estas tarefas geralmente sao feitas em conjunto com o cliente, especialmente no caso de adultos “normals. Mudangas no comportamento s6 se déo quando ocorrem mudangas nas Contingéncias. Por isso, a andlise funcional 6 fundamental sempre que 0 objetivo sejao de predigao ou controle do comportamento, 0 que certamente descreve a tarefa do psicélogo clinico. (6) Mesmo sabendo o que é andlise funcional e reconhecendo sua importancia, Pode-se dizer que no existe ainda modelos satisfatérios de como conduzi-la em situagdes ndo-experimentais como a da prética clinica. O trabalho desenvolvido em consultério difere do método de laboratério. Este ultimo é 2 manipulago deliberada de varidveis, onde determina-se a importancia de uma condicdo dada, alterando-a de maneira controlada e observando o resultado (Skinner, 1974). Na clinica, na maioria das vezes, no controlamos variaveis como ¢ feito no laboratério. | I Para conduzir uma analise funcional no contexto terapSutico, encontramos diversas dificuldades. A identificagdo destas dificuldades e as propostas de solucioné-las tem como propésito avangar no desenvolvimento da andlise do comportamento, Esta proposta parece estar de acordo com Skinner (1974) quando este argumenta com relagdo & objegao feita a uma andlise funcional completa, a de que ela no pode ser levada a efeito, que ela ainda no foi levada a efeito. Diz que o comportamento humano é talvez o mais dificil de ser estudado pelos métodos cientificos, mas que a complexidade ndo nos deveria desanimar. As dificuldades encontradas podem ser agrupadas da seguinte forma: 1. Dificuldade na identificagdo da unidade de andlise, ou na defini- Gao de classes de resposta: Millenson (1967) discorreu sobre esta questo dizendo que uma das razbes pelas quais a ciéncia do comportamento demorou a se desenvolver, baseia-se na propria natureza de seu objeto, 0 comportamento, que néo pode ser facilmente retido para observagdo. E diffcil identificar pontos na corrente comportamental continua, onde unidades naturais do comportamento possam ser fracionadas. E ainda, no ha duas agées de um organismo que sejam exatamente iguais, porque nenhum comportamento 6 repetido exatamente. Mas, para submeter 0 comportamento a uma andlise cientifica — isto 6, de modo a ser possivel predizé-lo e controlé-lo ~ 6 preciso dividir 0 objeto de estudo de tal modo que alguma coisa fixa e reproduzivel possa ser conceituada, Os métodos da cigncia so reservados para eventos reproduziveis. Millenson segue, afirmando que pode-se iniciar pela definig&éo de um conjunto algo arbitrario de comportamentos que preenchem certas restrigdes @ condigdes. Os critérios originais para agrupar certas amostras de comportamento podem esiar baseados em pouco mais do que a observagao superficial de que 0 conjunto de comportamentos poderia ser uma classe de algum interesse. A definig&o de um operante nao coloca qualquer restrigao sobre a amplitude de uma classe de resposta, em termos da quantidade de comportamento abrangida por ela. A tinica exigéncia formal para um operante 6 que ele seja uma classe de comportamento suscetivel, como classe, de reforcamento. Na prética clinica no existe instrumento pronto que seja suficiente para fornecer a unidade de andlise mais abrangente e relevante com que trabalhar. Os clinicos bem sabem que as queixas no indicam necessariamente que comportamentas devem ser alterados. Testes e inventarios podem ser titeis, mas eles ndo descrevem a fungao de um operante. © DSM e 0 CID fornecem dicas importantes sobre que aspectos podem ser investigados, mas nao s4o os instrumentos para predig&o e controle do ‘comportamento. Da mesma forma, as principals crengas disfuncionais e/ou estratégias tipicas de cada transtomno de personalidade, na terapia cognitiva dos transtornos de personalidade (Beck e Freeman, 1993), podem servir de guia aos terapeutas de que dados pesquisar, a0 mostrar que ha formas tipicas de pensamentos correlacionados a transtornos especificos de personalidade, mas também nao fornecem as necessarias unidades de andiise. A resposta, para 0 analista do comportamento, é que a defini¢ao da classe de comportamentos com a qual lidar durante a terapia é construfda durante o proprio processo. Isto requer tempo, pois o principal instrumento para isto ¢ a inferéncia e verificagao das regularidades que surgem nas relagGes entre respostas e o ambiente, 0 que é obtido tanto através de relatos dos clientes quanto pela observagao direta. Isto cria uma situagao peculiar, Para identificar a classe de respostas mais abrangente e significativa, as vezes é necessario prestar atengo as caracteristicas fisicas (topogréficas) do comportamento, as vezes é necessério identificar fungdes comuns que comportamentos aparentemente diferentes possuem, outras vezes a indicagéio mais forte aparece pela regularidade das condigSes antecedentes, e na maioria das vezes percorre-se as varias formas de tentar definir 0 comportamento com o qual j4 se esta lidando. As regras que a andlise do comportamento oferece ao terapeuta para a descrico ddas contingncias em vigor so insuficientes. A experiéncia clinica tem sido fundamental, indicando que em parte este um comportamento modelado por contingéncias. A questo da identificagdo e do tamanho da unidade de analise tem sido lidada de maneira explicita ou tem sido ignorada pela literatura. Um exemplo do primeiro caso 6 proporcionado por Goncalves (1993), que afirma que a anélise funcional compreende dois processos que, embora distintos, so complementares: microandlise e macroanélise. A microandlise consistiria no estudo das diversas relagées contingenciais responsdveis pela miafiutengao de unr determinado problema. Nesta, séo analisados os estimulos antecedentes as respostas e seus consequéntes. Ao citar a macruanalise ele afirma que “a andlise da drvore no nos deve fazer perder de vista a floresta. Muito raramente a problematica do oliente nos aparece circunscrita a um sinfoma especifico. Pelo contrério, na maior parte dos casos, assiste-se a uma coeréncia histérica e funcional na organizacao do repert6rio comportamental e cognitivo do cliente. O objetivo da macroandlise funcional 6 0 de proceder a um levantemento geral dos varios problemas e da historia das aprendizagens do cliente, de modo a possibilitar o esclarecimento da refagaio funcional entre as varias éreas do seu funcionamento.” A proposta de macroandlise de Gongalves (1993) 6 mais um indicativo do tipo de problemas que temos enfrentado no atendimento clinico, do que uma sugestéo operacional de como lidar com estes, 2. Dificuldade.na definigao de classes de eventos antecedentes e de eventos consequentes, Sao dificuldades semelhantes as da definigao de classes de resposta, isto 6, também podem ser classes cujas caracteristicas definidoras sejam funcionais e no topogréficas. Além disto, varias consequéncias podem estar seguindo o comportamento analisado, tornando necessério verificar seus efeitos relativos. Por exemplo, se uma classe de respostas é por vezes reforgada e por vezes punida, que efeitos isto estara produzindo? Em momentos como este, dados vindos do laboratério, tais como efeitos de esquemas miiltiplos e concorrentes, podem ajudar bastante. 3. Aidentificagao da classe de estimulos antecedentes, da classe de respostas e da classe de estimulos consequentes nao abar- ca todas as informagées que necessitamos para entender o caso (para predig¢do e controle do comportamento A histéria de vida de um individuo é essencial para a compreens&o de seu comportamento atual. Um estimulo s6 é discriminative porque houve uma histéria relevante de condicionamento, Da mesma forma, apenas alguns estimulos reforcadores. so universais, a maioria adquirlu sua fungao por aprendizagem. Apesar dos analistas de comportamento fazerem este tipo de afirmacao, e levé-las realmente em considerago, a especificagao dos trés termos da contingéncia (antecedentes, resposta e consequéncia) no inolui espago explicito para o papel desempenhado pela histéria de vida, Igualmente, o repertério comportamental do individuo, as candigdes sociais econdmicas em que este vive certamente também sdo relevantes, sAo levadas em consideracao pela andlise do comportamento, mas nao tem espago de representacao no modelo da triplice contingéncia. A mesma anélise cabe as condigdes médicas e fisiolégicas. Varios autores de renome tém tentado prover modelos para especificar e representar dados considerados relevantes. Ja em 1961, Bijou falava em ‘setting events", Jack Michael publicou em 1982 um texto onde introduziu 0 termo técnico “operagéo estabelecedora’, diferenciando-o da fungao discriminativa de estimulos. Em poucas palavras, operago estabelecedora é qualquer mudanga no ambiente que altera a eficdcia de algum objeto ou evento como reforgador e que simultaneamente altera a frequéncia momentanea do comportamento que foi seguido por tal reforgamento. Exemplos tipicos so a privagdo € a saciagéo, mas existem outras operagdes estabelecedoras. A expansiio do modelo de contingéncias de trés termos para o de quatro termos, e mesmo para ode cinco termos que vern sendo estudado extensivamente em laboratério com seres humanos, também parece indicar que ha necessidade de se incluir mais elementos para se efetuar andlises de comportamentos mais complexos, como os envolvidos em linguagem e pensamento. Segura, Sanchez e Barbado publicaram em 1991 o livro “Andlisis Funcional de la Conducta: un modelo explicativo” no qual, através de ampla fundamentagao, combinaram os conceitos de Skinner e de Kantor, propondo um modelo bastante complexo e completo de andlise a ser conduzido na pratica clinica. Explicitaram um segmento anterior a andlise funcional que deveria englobar variaveis disposicionais do ambiente e do individuo, que sem serem funcionais, afetam a interagao. Seriam condicées do organismo e do ambiente que “afetam”, “tormam mais provavel” ou “dispéem a favor ou contra” a ocorréncia da interago. As varidveis disposicionais do ambiente segundo elas, incluem 0 meio de contato, 0 contexto préximo, o contexto amplo e os valores sociais. AS variéveis disposicionais do individuo incluem a histéria de condicionamente, a privacao © saciagao, condigoes do organismo (sistemas de contato, momento evolutivofinvolutivo, alteracées funcionais ou estruturais) e a Histéria Intercondutual que abarca as habilidades basicas, a taxa de estimulagao reforgadora, as fung6es de reforgo prioritarias, e a aparéncia fisica. Cada um destes termos esta explicado e exemplificado no livro, mas nao ha espago suficiente para reproduzi-los aqui. A grande vantagem deste trabalho foi o de evidenciar a importéncia de uma maior quantidade de informacées, que ultrapassa a descrigdo dos trés termos da contingéncia para a previsdo e controle do comportamento. Mas é um modelo dificil de ser aplicado e que utiliza alguns conceitos controversos. E, entretanto, um bom ponto de partida para estudar a maneira de enfrentar o desafio de lidar com a dificil tarefa de conduzir Andlises Funcionais dos casos atendidos em consuitério. E importante ressaltar que as dificuldades apontadas se referem somente & organizagao da multiplicidade de dados que fazem parte das relagdes funcionais. Nao so dificuldades com a base te6rica do behaviorismo, fornecida por Skinner. Bibliografia BECK, A. e Freeman, A. (1993) Terapia cognitiva dos transtornos de personalidade. Porto Alegre: Artes Médicas. BIJOU, S. W., 6 Baer, D. M. (1961) Child development |. A systematic and empirical theory. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall, Inc. GONGALVES, ©. (1993) Terapias cognitivas: Teorias e prdticas. Porto: Ed. Afrontamen- to.Michael, J. (1982) Distinguishing between discriminative and motivational functions of stimuli. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 37, 149- 155. MILLENSON, J. R. (1967) Princfpios de andlise do comportamento. Brasilia: Coordenada. SEGURA G., M., Sanchez Prieto, P.,;e Barbado Nieto, P. (1991) Andlisis funcional de la conducta: Un modelo explicativo. Granada, Espanha: Universidad de Granada. SKINNER, B. F. (1974) Ciéncia e comportamento humano, Sao Paulo: Edart, SOUZA, D. G. (1995) O que € contingéncia? Trabalho apresentado na Mesa Redonda Primeiros Passos: Aprenda o Basico, durante o IV Encontro Brasileiro de Terapia e Medicina Comportamental, Campinas.

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