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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS

RELATÓRIO DE CAMPO

Vivência Conceição das Salinas

Renilde Anneliese Rodrigues1

Recife, 2017

1
Poeta, artesã, cozinheira, produtora de articulações culturais públicas, colaboradora da Inaiê
Laboratória de Sensações livre, Graduanda do bacharelado em geografia da UFPE.
vivência agroecológica em conceição das salinas

mãe maré
que pari a fé
dos que fizeram
a cana algodão e café

a política de fora não engana


nem o não poder ir pronde quiser

mãe maré
é um risco assumir quem se é
existe uma carga, mãe maré
que vem sem navio
e a rebeldia encurta o pavio, mãe maré

do outro lado de cá
conceição, margaridas, anunciadas
todas ligadas nas águas
na guarda da paz que nos guarda

todos sentidos são poucos

são poucos
pra contemplar e degustar
mãe maré completar as nossas vidas
nos mantendo sãos e muitos

e de grão em grão
ter pra galinha, pra alma e pro chão
ter trabalho todo dia
sem ter que ser só por pão

causa que trabalho só vinga


se trabalhado com alegria
apoiado na nossa rebeldia
de não só querer o tostão

e sim matar ou morrer


por fertilidade nos jardins da razão
Licença

Tomar o poder da escrita sobre algo que pouco se sabe sempre é uma
dificuldade para mim, e creio que para muitos que estão acostumados a ter
uma referência consistente do que se fala, e referenciar tudo com sua fala, sua
história, sua vivência, saber de onde vem o dado, a informação, nunca
esquecer da memória. As vivências de campo vêm com o peso de serem um
espaço na educação formal para nos colocarmos frente a outras realidades,
onde afetamos e somos afetados, e lugares e limites aparecem, éticas e morais
igualmente, tudo organicamente é moldado, acreditar que entraremos num
espaço, num lugar e não o modificaremos, admito ser inocência primeira de
minha cabeça concordar com essa possibilidade de ocupar um “não lugar” de
intervenção, ou um lugar de “não intervenção”, enquanto minha luta como
mulher negra sem terra é de fato ocupar um lugar de intervenção. Ponderar
isso é o que prende minha escrita, pois me reconheço em meio a toda essas
divagações científicas sobre quem sabe talvez considerar as diversidades de
realidades presentes nesse mundo, enquanto essas realidades estão
presentes em sala de aula, porém esquecidas pelo método, técnica,
metodologia, da ciência branca eurocentrada. Até pensei não ser poeta um dia,
quando vi que tinha que ter métrica tudo que se escrevia, imagina cientista, se
tinha deixar de ser poeta para escrever ciência. Fundamento a forma da
escrita, ou a escrita sem forma do presente trabalho em Conceição Evaristo,
que evoca a escrevivência2, como uma escrita que cabe a todos e todas,
baseada nas experiências de vida, na prática poética, que é sempre presente
nas sociedades da memória3, através de diversas formas de representações e
linguagens. Parto de meu lugar de ação como poeta, artesã e cozinheira
colaboradora da Inaiê Laboratória de sensações onde tecemos uma rede de
estudos com o uso da oralidade, leitura coletiva, saúde coletiva, artes,
educação emocional como pontos de atenção das nossas demandas, a editora
autônoma para publicar e circular as produções artísticas e escritas das
pessoas que somam a Inaiê e as ações culturais como o “eu quero é botar meu
bloco na rua…” e principalmente sendo o marco da ação educativa maior,
como se todo evento cultural fosse uma grande aula que instaura novas
articulações e fortalecimentos de articulações já estabelecidas e assim um
maior território de atuação. Toda essa movimentação é na intenção de retomar
práticas e a nossa história que nos foi negada, duas coisas que acreditamos
poder nos auxiliar na nossa lida com a vida comum e com a sociedade e tempo
que cria-se a parte do tempo hegemônico. Penso que falar de auto identidade
negra é ter que adentrar nas africanidades, chegar a entender todo um
contexto maior que nos é negado pelos aparelhos institucionais que na

2
Escrevivênvia:
3
sociedades da memória
sociedade do esquecimento4 velam nossas memórias. Milton Santos fala dos
“homens lentos”, e desse conceito seria interessante partirmos pois engloba as
experiências pedagógicas que serão citadas neste escrito, em relação a lida
com o tempo e percepções. Os espaços entre os quais gostaria de tecer uma
rede são: capoeira angola, campo conceição das salinas, Inaiê Laboratória de
sensações, escola das águas, como experiências de instauração de espaços
de ações pedagógicas afirmativas.

4
sociedade do esquecimento

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