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Teologia da Liturgia

Os Teóricos da Teologia da Liturgia

A POSSIBILIDADE DE UMA TEOLOGIA LITÚRGICA

A Liturgia no terma e no seu significado imediato parece distinguir-se e até


dissociar-se nitidanmente da Teologia tomada no sentido etimológico da palavra como
discurso sobre Deus.

De facto o termo Liturgia está no plano da acção (grego –λειτ-οϋργια-obra,


função feita para o povo) ao passo que Teologia reside total e exclusivamente no
aspecto do pensar-falar com - de – Deus (grego : τεο-λογια).

Na antiguidade cristã a Liturgia é teologia. O termo Teologia sobretudo nos


Padres gregos vai adquirindo cada vez mais nitidamente o sentido especifico de
Discurso sobre Deus em nível de reflexão sobre o dado da revelação cristã, mas
continua conservando sempre consigo a nota cultual, já que é teologia também o falar
a Deus, como acontece no culto.

Infelizmente, depois da época dos Padres o rito foi perdendo grande parte da
sua transparência, impondo-se mais pela grande intensidade cerimonial que havia
assumido, passou a apresentar-se na pratica como realidade em si mesmo sagrada e
sacralizante , com valor salvífico objectivamente activo: como algo que contem a graça
que se achava simplesmente à espera de ser administrada, distribuída e aplicada para os
vivos e defuntos. A Liturgia não é mais momento nem razão da teologia e volta a ser –
como havia acontecido no Judaísmo – aquilo que ela traz inserido no seu nome:
operação sagrada. Em outras palavras a Liturgia terá sempre , no mistério de Deus em
Cristo, o seu conteúdo essencial(objectum formale quod). Agora, porem, ela so o
possuira para transmiti-lo operativamente, isto é, de tal modo que a accao liturgica não
mais será teologia ou seja, não será mais vista como revelação actual e experimental
(objectum formale quo) da fé.

O Primeiro a reivindicar Para a Liturgia um lugar entre as ciências teológicas


foi, na metade do sec. XVIII Ernesto de SAzevedo, o Jesuita português, colocado à
frente da Scuola di Liturgia, aberta no Liceu Gregoriano por Bento XIV em Novembro
Teologia da Liturgia

de 1748. Confrotando a Liturgia com a teologia mística , os sagrados cânones, a


teologia escolástica, a dogmática e a moral.

Ernesto de Azevedo acha que a Liturgia supera em grande escala essas


disciplinas, porque enquanto essas se referem apenas ao conhecimento das coisas
divinas, a Liturgia forma uma só coisa com elas (as coisas divinas), a ponto de ser delas
inseparável. Ernesto de Azevedo quer que se atribua à Liturgia o titulo de ciência
teológica.

Trata-se pois, do reconhecimento da natureza teológica da Liturgia com base no


facto de que o objecto de estudo ainda é objecto comum a toda a Teologia, e de que da
Liturgia podemos fazer uma ciência baseada na autoridade de Aristóteles e de Santo
Tomás.

É o Monge beneditino Lambert Beauduin (1873-1960) quem no séc. XX vai


retomar o discurso sobre o valor teológico da Liturgia. Beaudin afirma: “se a Teologia é
a ciência de Deus e das coisas divinas, é claro que a Liturgia se insere, com pleno
direito, no âmbito da ciência”.

Beauduin, ao mesmo tempo que reconhece a posição da Liturgia como “Locus


theologicus”, tenta supera-la demonstrando que os próprios termos da definição –“a
Liturgia é o culto da igreja, implicam um vasto conteúdo doutrinal que lhe serve de
base e que faz da Liturgia teologia em acção.

A voz de Beauduin é ouvida e acolhida por outras vias e com outra amplitude no
ambiente que se forma em torno do Movimento Litúrgico de que se torna centro a
Abadia de Marialaach na Alemanha. É aí que encontramos a primeira tentativa real de
dar à Liturgia o seu estatuto teológico próprio.

OS TEÓRICOS DA TEOLOGIA DA LITURGIA

Para falarmos da Teologia da Liturgia é preciso lembrar alguns antecedentes


entre os quais a crítica protestante face a uma Liturgia decadente. critica esta que
chegava a advogar a abolição da Liturgia. Na época Moderna nasce a chamada Devotio
moderna que se apresentava como uma reflexão crítica de toda a situação religiosa
espiritual. Diziam os defensores desta corrente, que a vida espiritual não encontra
alimento nem na Liturgia nem nas devoções porque são ambas atingidas pelo
Teologia da Liturgia

materialismo cultual. Assim para que que se produza uma vida espiritual nova é preciso
voltar–se para uma profunda vida interior , orientada para a imitação de Cristo, e que se
deve alcançar através da meditação e da oração pessoal. É o verdadeiro chamado
Individualismo religioso (a salvação não é tanto obra alcançada através dos mistérios de
Cristo (Sacramentos), que realizam o mistério de Cristo total, que é a Igreja, mas é
resultado de um esforço psicológico. A devotio moderna não pretendia abolir a Liturgia
mas transformar a Liiturgia em meditação para voltar a ser aquilo que devia ser.

Por seu lado Lutero defende a abolição da Liturgia a fim de restituir capital
importância a Palavra de Deus (meditação). Segundo Lutero a pregação ou o sermão é a
única cerimonia e o único exercício de culto que Cristo instituiu para que neles os
cristãos se recolham, se exercitem e se mantenham devotos.

Ora, enquanto os protestantes procuravam sepultar a Liturgia como facto que


pertence já à historia do passado, a “Contra reforma”- Concilio de Trento (1545-1563),
recorreu à história precisamente para melhor compreender a Liturgia que ainda
conservavam e que viam desfigurada. Assim os documentos litúrgicos da antiguidade se
tornavam fontes de pesquisa. É o chamado retorno às fontes.

Assim o Concilio desenvolveu a sua maior obra de reforma litúrgica através da


revisão e definição doutrinal dos sacramentos e publicando um decreto “de
observandis et vitandis in celebratione missarum” (coisas a observar e a evitar na
celebração da missa).

Mesmo com essas reformas as coisas não mudaram depois do Concilio. A


liturgia continuou um culto externo e um facto clerical, do qual o povo manter-se-á
distante. (Anamnesis 80 -86)

É diante destes factos que surge a grande questão. Começa-se a repetir


claramente aquilo que aliás sempre se havia pensado mas nem sempre por todos
sublinhado: que a Liturgia, e particularmente a missa, não é um facto apenas clerical – à
parte o problema da forma - mas pertence a todo o povo, enquanto a todos os homens
foi comunicado sacerdócio de Cristo, todos constituem um mesmo sacrifício com ele, e
toda a acção litúrgica da Igreja é comum ao sacerdote e aos presentes.

É esta questão que ficará como principio para uma compreensão finalmente
teológica da Liturgia.
Teologia da Liturgia

Na Itália surge a grande controvérsia chamada Controvérsia de Crema (nome da


cidade onde tal aconteceu) derivada do facto de os cristãos serem proibidos de
comungar na missa que assistiam e serem convidados a comungar no chamado altar do
Sacramento. Surge a discussão sobre o aspecto convivial próprio de cada missa, sobre a
relação comunhão e sacrifício, sobre o direito dos fiéis à oferta e à comunhão e sobre o
consequente carácter sacerdotal de todos os fiéis.

Ainda nesta perspectiva de redescoberta teológica da Liturgia, Muratori convida


os teólogos a trazerem a Eucaristia à unidade evitando a distinção Sacramento e
Sacrifício. Mais ainda distingue claramente o ouvir missa e o participar da Missa. A
firma que também o povo unido ao ministro sagrado realiza o sacrifício.

Não existe ainda uma Teologia da Liturgia mas começa-se a descobrir elementos
dela e sobretudo o estudo das fontes litúrgicas vai redescobrir uma riqueza de
pensamento que obriga a uma reflexão que será já não mais só histórica a mas também
teológica .

OS TEÓRICOS DA TEOLOGIA DA LITURGIA

Pretendemos estudar as diversas linhas directrizes que conduzirão a uma


abordagem da Teologia da Liturgia no horizonte do Concilio Vaticano II.

Prosper Guerànger - Linha histórica -filológica

Lambert Beauduin - Linha teológica- pastoral

Emmanuele Caronti - Linha teológica -pastoral

Maurice Festugière - Linha filosófica –antropológica

Romnao Guardini - Linha estética-espiritual


Teologia da Liturgia

Odo Casel - Linha teológico- sacramental

Cipriano Vaggagini - Linha litúrgico-teológica

Acchille Maria Triacca- Linha litúrgico –teológica

Salvatore Marsili - Linha Teológico-Litúrgica

Prosper Guerànger (1805-1877)

Em pleno Romantismo, em meados do século XIX, o abade Beneditino Prosper


Guerànger, depois da devastação da revolução francesa, funda novamente a vida
monástica na França. É também ele que no campo litúrgico puxa o fio do trabalho que
os predecessores no século XVIII tinham feito e corajosamente faz da Liturgia a grande
missão da sua vida. Para Ele a Liturgia é a oração da Igreja. Oração que nasce toda do
Espirito Santo, verdadeiro inspirador do canto do Salmista e dos profetas e dos cânticos
da nova Aliança, enfim do canto novo entoado pela igreja. Desta tríplice fonte aberta
pelo Espírito brota o elemento divino chamado Liturgia. Guerànger afirma a
incontestável superioridade da oração litúrgica sobre a individual, porque Jesus mesmo
é meio e objeto da Liturgia. Guerànger ao considerar a Liturgia coloca-a mais no plano
de espiritualidade que teológico. Portanto em Guerànger não há uma contribuição
positiva suficientemente valida para uma teologia da Liturgia.

Lambert Beauduin (1873 -1960)

Em 1909 se engajou pela causa da Liturgia que tinha caído em desuso e pelo
seu renovamento. Pouco antes da sua profissão solene, ensinou dogmática que
aprofundou no âmbito da relação entre Teologia e Liturgia. Esta missão o acompanhará
durante toda a sua vida. De entre os vários projectos nos quais estava empenhado de
1910 a 1914, estavam as sessões de Liturgia para sacerdotes, sacristãos, cantores e
também para os leigos.
Teologia da Liturgia

Em 1914 publicou a obra a piedade da Igreja em Mont Cesar, Lovaina. Esta obra
publicada sucessivamente em várias línguas é na verdade uma grande carta que levou a
Liturgia às raízes mais profundas e a alavancou. É também por assim dizer uma
declaração pública do Movimento Litúrgico.

Visão Teológica

Pastoral litúrgica como ponto de partida.

Com o Congresso de Malines começou em Setembro de 1909, o Movimento


Litúrgico clássico. O iniciador e animador deste movimento foi Lambert Beuaduin, que
deu à Liturgia um forte impulso no plano teológico. A pastoral litúrgica foi fundamental
entre os anos 1909-1921, pela qual aparecem alguns pontos interessantes:

-a ideia do retorno consciente da massa dos fiéis, à Liturgia

-Fazer da Liturgia o meio mais comum e autentico da espiritualidade cristã.

Assim propõe:

-o estudo da crítica histórica

-estudo da ciência ascética

-Liturgia como fonte da vida espiritual. O Monge Beneditino deve alimentar a


sua vida cristã bebendo desta fonte espiritual.

-a difusão e formação litúrgica.

A 23 de Setembro de 1909 se celebrou o V Congresso das obras católicas de


Malines: nesta altura Beauduin apresentou uma reflexão intitulada “a verdadeira oração
da Igreja”. Esta Conferência se propunha:

-chamar a atenção para a necessidade da oração litúrgica

-propor meios práticos. {Basea-se sobre três pontos:

- necessidade de renovação da Liturgia. Esta Liturgia é oração da Igreja,


alimento principal da vida dos fiéis; Ela representa o grande meio através do qual a
Igreja exerce o seu Ministério doutrinal.

Na segunda parte desta reflexão apresentou alguns meios práticos para


possibilitar a renovação litúrgica:
Teologia da Liturgia

-Missal traduzido aos fiéis

-Recitação das vésperas e das completas

-Revalorização da grande Missa paroquial e das grandes tradições litúrgicas nas


famílias e fazer os fiéis compreenderem e amarem os sagrados mistérios que se
celebram sobre o altar.

Não há dúvida que o espírito do Motu proprio de Pio X Tra solecitudine é


latente no ponto de partida de toda a obra de Beauduin e que o aspecto da participação
se intui em todas as partes.

Em Maio de 1914 publicou “a piedade da Igreja, principios e feitos”, onde a


participação é considerada como elemento de capital importância na vida cristã.

Dada a Ignorância dos fiéis se tornava necessária uma reeducação destes sobre
aquilo que a Igreja ensina por meio de ritos sagrados. Não é uma questão de cerimónias,
é mais profundo. Consiste n facto de que, tendo perdido o sentido do sagrado, dos
dogmas da comunhão dos santos, etc. A constatação, sem dúvida, é suficientemente
sincera para compreender que não se trata de um trabalho fácil e tanto menos rápido.

Visão Eclesiológica

A nível eclesiológico Beauduin coloca a Igreja no contexto da história da


salvação: Deus desde a eternidade concebeu um plano salvifico para os homens, na sua
infinita providência, quis constituído a sua Igreja. Ef 1,5-9. O sentido de mistério de
Beauduin, é aquele que se encontra na noção paulina de salvação.

Na pessoa de Cristo, Deus constitui a Igreja, uma raça, um povo, para fazer-nos
partícipes da sua vida interior. Há uma relação entre Cristo e a Igreja: pelo seu mistério
de redenção Cristo forma a Igreja que é o seu Corpo místico. A leitura das cartas de
Paulo e o estudo dos trabalhos preparatórios do Concilio Vaticano II levam-no a pensar
na noção de Corpo místico de Cristo.

Na sua Encíclica Mystici Corporis Pio XII desenvolverá o conceito de Igreja


Corpo Místico. O corpo glorioso, cabeça do corpo místico, perpetua a sua obra
redentora na sua Igreja . Mais tarde a Lumen Gentium dará a Igreja uma eclesiologia
profundamente radicada na Escritura, nos Santos padres e na Tradição. Em Beauduin
aparece a noção de Igreja esposa de Cristo, Igreja Sacramento (a Igreja recebeu do seu
Teologia da Liturgia

fundador a missão de transmitir a vida divina. Esta missão responde à vontade de Deus
de conduzir os homens à redenção através do seu próprio Filho.

Jesus Cristo antes de subir aos céus, fundou a Igreja de modo que fosse sinal da
sua presença e dispensadora da sua graça.

Igreja sacramento de Cristo – A comunidade eclesial no seu aspecto visível,


contem o elemento invisível que comunica à Igreja a vida de Cristo e permite a essa
viver a dimensão sacramental.

A Igreja Mistério da presença de Cristo ressuscitado - A Igreja é vista como


corpo visível, que revela a presença invisível de Cristo. Através da sua ressureição e
glorificação, Cristo entrou no mundo invisível e para doar-se ao mundo, quis a Igreja
que é o seu grande sacramento.

Beauduin, mete portanto, Cristo ressuscitado no centro do mistério da igreja e


chama o seu corpo glorioso o Corpo místico de Cristo para significar que Cristo
triunfante é ao mesmo tempo uma pessoa viva que abraça o mundo visível e o mundo
invisível.

Visão Litúrgica

No tocante à visão litúrgica, Beauduin constata que a vida litúrgica não se


baseia o suficiente nos dogmas fundamentais que representam o coração da Liturgia.
Enfim a Liturgia não é para o povo cristão o centro e a fonte da vida.

A Ignorância destas fundamentais verdades de fé, conduz à diminuição da


prática religiosa. Falta alimento essencial do povo cristão que é a sua vida litúrgica,
vivida na comunidade e não isoladamente. Tudo o que a Liturgia perde , ganha o
individualismo. Chega-se ao individualismo religioso que se caracteriza por diversas
tendências anti-religiosas. Há correntes laicistas, modernistas e protestantes que
consideram a religião como qualquer coisa de interior, individual e intimista. Em
oposição a estas tendências, Beauduin apresenta a necessidade de renovar a Liturgia da
Igreja.

A Liturgia é vida da Igreja. O Povo cristão deve abeirar-se desta fonte que é a
Liturgia, rezar com ela, falar a sua língua. Insiste na dimensão celeste e terrestre da
oração litúrgica para mostrar a totalidade do culto da Igreja. A participação dos fiéis na
Teologia da Liturgia

grande oração da Igreja é necessária para que se tenha uma verdadeira piedade litúrgica.
A piedade dos fiéis se torna sólida e autentica quando se alimenta da oração litúrgica da
Igreja. Sem a Liturgia a oracao individual desemboca facilmente nas devoções que não
são essenciais à mesma experiência litúrgica, sacramental e espiritual.

Igreja traço de união - Baseando-se na oração sacerdotal de Cristo, Beauduin


fala sobre como a Igreja é chamada a realizar esta unidade que lhe é pedida pela
mesma Trindade, comunhão de amor entre as pessoas divinas. A Igreja através da
Liturgia, participa desta vida divina e se concebe como povo de Deus que se reúne
para celebrar e viver a Liturgia. Mas a vida Litúrgica reclama aquela celeste, que um
dia seremos chamados a celebrar na eternidade.

Liturgia como educadora da fé - A Igreja transmite a sua doutrina através do


culto. A Liturgia é o lugar onde a Igreja expõe o seu ensinamento e educa os fiéis à fé.
Através da Liturgia, portanto a Igreja forma e ensina. Um exemplo disso é a Festa de
Todos os Santos como festa da Igreja, porque exprime a comunhão não só com os
vivos mas também com aqueles que vivem já visão beatifica e a santidade da mesma
Igreja.

Participação activa à Liturgia -A fim de restaurar a Liturgia da Igreja é


necessária a participação activa e consciente dos fiéis (recordar 1903 Tra solleciudine
que faz referência principalmente à música sacra). Partindo do Motu próprio de Pio X,
insiste na participação activa. Mas para tal é necessário que os fiéis alcancem a
inteligência dos textos e dos cantos litúrgicos. Assim sendo o meio mais eficaz será
restituir o missal aos fiéis, divulgar os textos da Missa e das vésperas dominicais. A
missa dominical aparece como um facto importantíssimo que cria o espirito comunitário
pois na liturgia eucarística Cristo sai do seu estado invisível para entrar no vivo
contacto com os homens como era visível no tempo da sua vida terrena , mesmo que
esta presença de Jesus deva ser sacramental e místico.

Liturgia culto da Igreja - Beauduin define a Liturgia como culto da Igreja.


Esta noção é fundamental pois o termo culto fala de uma dimensão eclesial, em
oposição àquela individual e privada.

A Igreja é vista como uma sociedade hierárquica na qual vive uma única
autoridade que regulamenta a liturgia e o culto. A natureza do culto se estabiliza sob
plano natural e se baseia na relação do homem com Deus.
Teologia da Liturgia

Beauduin faz da Teologia uma Liturgia. A sua originalidade se encontra


sobretudo no método assumido, isto é, o retorno às fontes para encontrar os
elementos essenciais do renovamento litúrgico que queria promover. Com estas fontes
infunde na liturgia a sua alma, que é o mistério salvífico de Cristo.

Em Beauduin encontram-se afirmações que evocam de maneira intuitiva e


definitiva, diversas perspectivas que serão desenvolvidas na obra de Odo Casel.

Enfim a Teologia da Liturgia apresentada por Beauduin influenciará a Teologia


da Liturgia do Concilio Vaticano II.

Romano Guardini (1885 -1968)

Nasceu em Verona (na Itália) a 17 de Fevereiro de 1885, mas a Alemanha se


tornou a sua Pátria de Adopção. Ordenado sacerdote em Magonza em 1910, aproximou-
se do Movimento Litúrgico, que tinha como animadores a Abadia de Marialaach e o seu
Abade Idelfonso Herwegen. Laureou-se em Teologia em Friburgo em 1915 e logo
começou a ensinar dogmática, em Bonn e depois, em Berlim, Tubinga e Mônaco.
Morreu a 1 de outubro de 1968.

Guardini é considerado teólogo - filósofo da Liturgia e mestre da vida espiritual.


Há quem defende que Guardini não foi teólogo no sentido estrito da palavra mas
filósofo e teórico da existência, da espiritualidade e da cultura.

Romano Guardini (1885 -1968) que pertence ao grupo Litúrgico de Marialaach


embora sem ser Monge e nele se comporta como elemento vivo e actuante, ve na
Liturgia integrada – ainda que se conservando no seu âmbito cultual – no valor de
revelação sobrenatural. Guardini afirma que o aspecto teológico da liturgia constitui
parte necessariamente integrante de qualquer estudo que se deseje ter a respeito da
Liturgia, uma visão e um conhecimento sistemático. Esse conhecimento se concretizará
primeiro no estudo de cada um dos elementos que compõem a Liturgia; em seguida , já
em nível mais elevado, emprenderá uma pesquisa sintética que ajude a identificar a
razão pela qual todos os elementos são Liturgia. Em ambos momentos a pesquisa
liturgica não poderá esquecer que se trata de Teologia ou seja da ciência de uma
revelação sobrenatural , que a proposito da Liturgia deve revelar, tanto o principio
Teologia da Liturgia

unitário e vital – já que ela é vida misticamente vivida-do homem –Deus que se faz
caminho para o Pai, quanto a forma , que se apresenta como acção unitária de palavra e
de rito numa celebração que inclui oração, sacrifício e transmissão de graça.

Isto leva Guardini a concluir que a Liturgia como teologia não só se diferencia
de todos os ramos de conhecimento cientifico natural ., mas ainda dentro da teologia
tem o seu método próprio de pesquisa. Deb facto ele a considera como ciência teológica
em sentido estrito que se ocupa da doutrina da fé tal como se acha conscientizada na
Igreja pela própria vida cultual. Para Guardinia a Liturgia é pois Teologia mas segundo
modalidade própria que consiste em ver e conhecer o conteúdo da fé na manifestação
que ele tem da vida cultual da Igreja.

A forte afirmação de Guardini, que faz da Liturgia uma teologia com sentido e
método próprios, foi melhor actualizada, no mesmo ambiente de Maria Laach em que
nascera sobretudo graças à accao de Odo casel (1886 -1948), para o qual a Liturgia, se
no seu exercício é realização do mistério de Cristo, como ciência nada mais é do que
Teologia do próprio mistério de Cristo

Com os seus escritos fez uma reflexão teológica fundamental acerca do sentido
da Liturgia cristã e as suas relações com a figura antropológica do culto.

Em 1918 publicou O espirito da Liturgia e em 1922 os Santos sinais. Em 1923


publicou a Reforma da Liturgia. Em 1940 falando do Movimento Litúrgico publicou a
Carta ao Bispo de Magonza, contra os exageros dos progressistas e dos conservadores
onde fez uma apaixonada defesa da oração pessoal ao lado do valor da Liturgia.

Nesta carta afirmou que a essência da Liturgia é aquela de iniciar o homem a


uma autêntica experiência religiosa, mas tal essência vive na história e assume a forma
e linguagem condicionadas pela cultura e indivíduos diversos, pelo que as formas
expressivas dos sentimentos religiosos de uma época possam não ser tais para uma outra.

Daqui portanto se desenvolveu o chamado “problema litúrgico” “questão


litúrgica” , que foi um claro questionamento pela sua origem, mas que se mostrou
muito complexa pela sua evolução, sobretudo em vista de uma solução.

Neste seu escrito deteve-se na analise atenta das tendências muito exclusivas,
que ele identificou em três perigos presentes no Movimento litúrgico:
Teologia da Liturgia

-O Liturgismo (ou pan-liturgismo)

-O Practicismo

-O Delentatismo litúrgico

A estes perigos se junta a análise do comportamento contrario ao Movimento


Litúrgico: o conservadorismo.

Guardini preocupou-se com a dimensão da formação litúrgica. Como se pode


ver no prefácio da obra “Os Santos sinais” , onde afirma que: na Liturgia não se trata de
conceitos, mas de realidades presentes , realidades humanas - na figura e gesto.

Na sua obra “O Espírito da Liturgia”, de 1918, debruçou-se sobre a capacidade


simbólica, que com o avançar da história esteve gradualmente perdida. E nisto vê a
causa da decadência da vida litúrgica.

Por outro lado falou da relação simbólica que seria propriamente a relação alma
e corpo. O símbolo nasce quando qualquer coisa de interior, de espiritual, encontra a sua
expressão no exterior , no corpóreo; como quando como na alegoria, qualquer
realidade espiritual é arbitrariamente ligada ao exterior na correspondência de qualquer
coisa de material (ex. Justiça – balança). Aquilo que é interior deve traduzir-se
vitalmente no exterior , como necessidade que flui da sua essência. Assim, o corpo é
símbolo natural da alma.

O envolvimento do homem todo é possível mesmo porque a Liturgia tem em si


uma força simbólica que se exprime em gestos religiosos, em acções rituais e também
em objetos que intensificam e ampliam no espaço gestos e acções.

Sendo a Liturgia uma realidade de vida, não se pode aproximar dela como a um
objeto para explicar, como se fosse um elemento isolável e depois analisável. Não é
suficiente sequer uma investigação histórica privada da paixão hermenêutica .

O único método é aquele de reviver a experiência e revivendo-a, deixa-la falar.


Portanto para colher o sentido verdadeiro da liturgia o único método é cumprir com o
acto, isto é, reviver aquilo que se realiza na acção litúrgica e deixar falar aquilo que no
homem corresponde ao acto que realiza.

O método é um dever vital. A liturgia é mestra. Ela introduz plenamente à


verdade, através da oração. Aliás a Liturgia é nada mais que o dogma rezado, “a
verdade revivida rezando”.
Teologia da Liturgia

Falando concretamente do contributo de Guardini para uma teologia da Liturgia, É


preciso sublinhar que Ele não propôs diretamente uma reforma de ritos e das formas
litúrgicas.

Preocupou-se em formar o sujeito, mediante a capacidade simbólica , de modo a


desenvolver um método formativo que ajude a entrar na acção celebrativa.

Mas a coisa mais importante permanece a formação do sujeito ao sentido do


celebrar, junto à aquisição da capacidade simbólica da Liturgia na qual se vê acção
permanente da acção de Deus.

Guardini não se preocupou em reformar o como celebrar para envolver o sujeito,


mas se preocupou em formar o sujeito sobre o sentido do seu celebrar, de modo a
tornar-lhe capaz de um “como” sempre renovado e por renovar.

A atenção é virada para a formação que pode ser considerada o núcleo vital do
interesse de Guardini pela Liturgia.

Em Guardini encontramos ideiais e perspectivas não plenamente recebidas nem


na reforma nem da historiografia mais difusa sobre o Movimento Litúrgico. A
importância de Guardini consiste em ter individuado os três papéis do Movimento
litúrgico e ter postos as bases para a continuação do mesmo.

Foi mérito de Guardini ter aberto o caminho para o repensamento da relação


entre Liturgia e jogo, entre a Liturgia e experiência religiosa, entre Liturgia e corpo no
geral.

ODO CASEL (1886 -1948)

Monge beneditino da Abadia de Marialaach. Colaborou na tentativa de dar à


Liturgia um próprio estatuto litúrgico. Casel pretendia atingir as fontes da tradição à
autêntica doutrina cristã, a fim de interpreta-la fielmente.

Todos os seus escritos estão ligados mais ou menos directamente com o tema
central da doutrina do mistério.
Teologia da Liturgia

Casel começou um trabalho que podemos considerar como fundamento


teológico da Liturgia.

A escola de Marialaach de que Casel fazia parte, estudou as fontes antigas e


deu-se conta que o aspecto característico do culto cristão, desenvolveu-se no conceito
muito tradicional que se encontra em forma latente, nos antigos textos litúrgicos
católicos.

O culto cristão foi acima de tudo a actualização real da mesma obra de redenção
sob o véu dos ritos e dos símbolos da Liturgia. Os Monges de Maria Laach baptizaram
esta presença da obra redentora nos actos de culto com o nome de mistériorio, uma
expressão de rico conteúdo e de gloriosa história na tradição da Igreja. De facto
mistério quer dizer acção concreta que torna presente uma acção passada.

Casel contrariava assim as posições daqueles que tendiam a apresentar a


Liturgia sob o ponto de vista exterior, anulando o conceito de mistério.

Portanto estudou o cristianismo sob o prisma de mistério chegando a uma


concepção unitária e global de toda a vida cristã, que é comumente chamado “doutrina
do Mistério (Mysterienlehre).

Porem não foi usado somente o tema misterio mas também outros termos como
memorial, celebração, presença de Cristo, que exprime aspectos fundamentais do
mistério, tornando possível uma leitura teológico-litúrgica do evento salvífico
celebrativo.

Odo Johanes Casel nasceu a 27 de setembro de 1886 em Koblenz –Luizal, na


Alemanha. Em 1905 comecou a frequentar aulas de Filologia clássica na Universidade
Frederich Wilhem de Bonn.

Conheceu Idelfonso Herwegen e entrou na Abadia Beneditina de Marialaach e a


24 de Fevereiro de 1907, se celebrou a sua profissão Monástica e recebeu o nome de
Odo.

A 7 de Setembro de 1911 foi ordenado sacerdote e em 1913 termina os seus


estudos teológicos com a tese de doutorado.

Em 1914 a tese de Teologia foi publicada pela revista Católica. Em 1918


concluiu os seus estudos filosóficos em Bonn com o titulo “os filósofos gregos e o
silencio místico”.
Teologia da Liturgia

Casel foi convidado a ser diretor espiritual no Mosteiro feminino Beneditino de


Santa Cruz. Viveu durante 26 anos neste mosteiro, como um Padre e um mistagogo. Em
cada semana tinha 3 conferências, duas para a comunidade e uma outra para as noviças.

A sua lição teológica original, Mysterienlehre, ou doutrina dos mistérios, funda-


se na analogia cultual existente entre o Cristianismo das origens e o culto dos mistérios
grego-romano. Esta teoria provocou no seu aparecimento uma verdadeira e propria
controvérsia no âmbito católico e exigiu de Casel uma continua e dolorosa obra de
esclarecimento a se dedicou até a morte.

Depois da publicação da encíclica Mediator Dei a 20 de Novembro de 1947,


Casel escreveu uma carta a 17 de Novembro de 1947 com os seguintes dizeres:
Provavelmente não estaríamos a ter a alegria de ler esta encíclica se o Movimento
litúrgico e o retorno ao mistério de culto não tivessem criado premissas.

Casel morreu a 28 de Março de 1948 atingido por um enfarte, enquanto entoava


Lumen Christi, na Vigilia Pascal e morreu na manhã de Páscoa. No seu túmulo
escreveram: Nosso mistagogo e nosso Pai.

Os três significados de Mistério:

-Acção concreta que torna presente uma acção passada

-Realidade divina, uma acção salvífica de Deus que se manifesta no tempo e no


espaço

-Epifania da acção salvífica de Deus. É o plano redentor oculto em Deus desde a


eternidade e revelado e realizado por Cristo para a sua Igreja.

A obra de Casel pode ser dividida em três principais períodos que indicam três
diversas e distintas fases da sua pesquisa e da sua posição diante dos críticos.

1º período -1912 -1926 - é a fase tranquila de estudo e da pesquisa

2º período -1926 -1932 – é o momento em que Casel se viu em confronto e


debate aceso com os adversários.
Teologia da Liturgia

3º período – 1932 -1948 – Retorno ao estudo, ao ensino da redescoberta das


fontes patrísticas , da ciência e da fenomenologia das religiões e de um largo horizonte
sobre o sentido mistério sacramental e do seu símbolo.

Para Odo Casel Liturgia não é apenas culto ritual com função comunitária, que
ao lado da profissão de fé e da lei moral cristã se coloca como terceiro elemento dentro
do contexto da Igreja. O seu objectivo especifico e primordial é na verdade, o de ser
acção que torna objectivamente presente toda a obra salvifica de Cristo. Isso quer dizer
que a obra salvifica de Cristo quando se torna presente na celebração litúrgica, não é
simplesmente artigo de fé que os fiéis creêm mas também e sobretudo realização da fé
segundo uma determinada forma simbólica –ssacramental(litúrgica); consequentemente,
faz-se teologia verdadeira e autentica quando se procura ter conhecimento dessa obra
salvífica no e pelo símbolo ritual que a contem e a revela em nível de realidade capaz de
produzir efeito.

Também para Casel, como já acontecera com Guardini, não se trata mais de uma
teologia daLiturgia, que consiste em descobrir na teologia as verdades de fé com que,
em nível de ciência, a teologia se ocupa, e que a esta deveriam ser encaminhadas para o
seu enriquecimento. Em Casel se delineia e se afirma com energia verdadeira a Teologia
Liturgica ou seja um modo novo de fazer Teologia, isto é, modo não só iluminado e
esclarecido pela liturgia, porém fundamentado nela.

Segundo Casel a Teologia nasce da Liturgia como experiência de fé. Esse modo
de encarar as coisas era fruto da concepção mistérica que ele tinha da Liturgia.

Casel rejeita a Teologia dogmática do seu tempo porque segundo ele é incapaz
de entender a Liturgia. Daí a sua intenção em imprimir mudanças na Teologia de modo
que a Teologia só é tal quando é Teologia Litúrgica.

Portanto, enquanto em Guardini a a teologia se torna litúrgica quando o dado de


fé é visto na sua formalidade de dimensão cultual, que é também dimensão ritual da
Igreja, em Casel a formalidade cultual, ao se revelar como momento em que o dado da
fé assume a dimensão de comunicação concreta do mistério salvífico divino de Cristo à
Igreja, é a única que abre caminho para uma Teologia desse mistério, para a Teologia
que por si só, faz o discurso sobre o “Deus de Deus “, isto é, sobre o Deus que se revela
por Cristo no espírito Santo à igreja na actualidade da celebração litúrgica, que é a accao
mais elevada da Igreja, o gesto ritual se funde com a visão mais profunda, e é aí que a
Teologia da Liturgia

Teologia volta a ser o que era na origem: τεολογια,ou seja, um falar concreto e factivo
de Deus de Deus.

Para Casel em suma, somente a Teologia litúrgica é Teologia no sentido pleno,


ao passo que a Dogmática e a Teolgia Biblica são formas sectorias da Teologia.

A Tentativa da Teologia Litúrgica empreendida por Casel embora tenha


encontrada aceitação em vários também enfrentou fortíssimas oposições oficialmente
concentradas nas dificuldades que muitos tinham em concordar com a visão mistérica
da liturgia.

Casel afirma que o mistério é o próprio Deus, Jesus Cristo e a Igreja, a qual o
homem não pode aproximar-se sem morrer. Trata-se do homem na sua condição
limitada que reconhece diante de Deus a sua miséria, a sua impureza e o seu pecado,
como refere o profeta Isaías: “sou um homem de lábios impuros”(Is 6,5). Trata-se de
Deus segundo o Antigo Testamento. No mistério da revelação, Ele não se manifesta
ainda plenamente ao mundo profano, mas se esconde, manifestando-se somente aos
eleitos, aos crentes e justo. A essência de Deus, superior ao criado e ao próprio tempo,
transcendente e imanente, sustém as suas criaturas na virtude da sua presença universal.

Já o mundo antigo possuía esta intuição do mistério considerando cada realidade


terrena como consequência de uma potência superior. Basta pensar nos templos antigos
circundados de um particular mistério e ligados à eternidade e os cultos dos templos
helenísticos.

Todos estes elementos tem um denominador comum: o proposito de aproximar o


homem a Deus. Tal propósito se confirmará na história do povo de Israel na qual Deus
próprio dá um testemunho preciso na sua revelação.

O cume será alcançado no momento em que este propósito será completado com
a vinda na forma humana, do seu amantíssimo filho, ao contrário da lei hebraica que
mostrava com rigidez os confins (limites) entre Deus e o homem.

Em Paulo vemos que o mistério é a revelação de Deus em Cristo, isto é, aquele


que habita na luz inacessível, aquele que nenhum homem jamais viu, nem pode ver
noutras palavras, o mistério é aquela que morre em forma humana na cruz, mostrando
o amor do Pai. Tal como diz João: Ninguém mais viu a Deus. O Filho unigênito é que
nos deu a conhecer. Portanto Cristo é o mistério em forma pessoal de Deus que se
manifesta na sua existência terrena humilhada.
Teologia da Liturgia

Este mistério anunciado aos apóstolos é transmitido à Igreja a todas as gerações,


conduzindo essa mesma humanidade à salvação, não só pela palavra, mas também
através de acções sagradas, no modo que Cristo viva na Igreja mediante a fé e mediante
o mistério celebrado e vivido.

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