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ey &/ VR NS / ie a a DERMEVAL SAVIANI escola e d6emocracia EDICGAO COMEMORATIVA AUTORES ASSOCIADOS vigitallzZago com vLams¢ Dados Internacionais de Catalogagao na Publicasso (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SB Brasil) Saviani, Dermeval Escola e democracia/ Dermes " ‘Associados, 2008, — (Colegio educagto contemporine Campinas, SP: Autores -a) I Saviani.— “Edligo comemorativa™ Bibliografia. ISBN 978-85-7496-219-1 1.Democracia 2, Edueagdo — Filosofia 3. Politica ¢ educagio 1. Titulo. IL Série DD - 379 08.0472, {ndices para catdlogo sistemético: 1. Politica e educagio 379 Impresso no Brasil - julho de 2008 Copyright © 2008 by Editora Autores Associados LTDA. Depésito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei n. 10.994, de 14 de dezembro de 2004, que revogou o Decreto-lei n. 1.825, de 20 de dezembro de 1907, Nenhuma parte da publicagéo poderé serreproduzida ou transmitida de qualquer ‘modo ou por qualquer meio, sejaeletrdnico, mecfnico, de fotocdpia, de ravacio, ‘ou outros, sem prévia autorizagio por escrito da Editora. © Cédigo Penal brasleito determina, no artigo 184: “Dos crimes contra a propriedade intelectual Violagio de direito autoral Att. 184. Violar direito autoral Pena —detengio de trés meses a um ano, ou multa, I8Se a violagio consistir na reproduglo, por qualquer meio, de obra intelectual, no todo ou em parte, Para fins de comércio, sem autorizagio expressa do autor ou de quem o Fepresente, ou consistit na reprodugao de fonograma e videograma, sem autorizagio do produtor ou de quem o represente: Pena — reclusio de um a quatro anos e mult”. See a ehh vigitaizaao com CamS« Capitulo) | As teorias da educagao_- eo problema da marginalidade 1. 0 PROBLEMA e acordo com estimativas relativas a 1970, “cerca de 50% dos alunos das escolas primérias desertavam em con- dices de semi-analfabetismo ou de analfabetismo potencial na maioria dos paises da América Latina” (TEDESCO, 1981, p.67). Isto sem levar em conta 0 contingente de criancas em idade escolar que sequer tém acesso a escola e que, portanto, jé se encontram a priori marginalizadas dela. Osimples dado acima indicado langa de imediatoem nossos rostos a realidade da marginalidade relativamente ao fendmeno da escolarizagao. Como interpretar esse dado? Como explic4-lo? Como as teorias da educagao se posicionam diante dessa situacao? Grosso modo, podemos dizer que, no que diz respeito & questo da marginalidade, as teorias educacionais po- dem ser classificadas em dois grupos. No primeiro, temos vigitallzZago com vamS¢ DERMEVAL SAVIANI aquelas teorias que entendem ser a educagio um instrumento de equalizagio social, portanto, de superagdo da marginalidade. No segundo, esto as teorias que entendem ser a educagio um instrumento de discriminagao social, logo, um fator de marginalizagao. Ora, percebe-se facilmente que ambos os grupos explicam a questo da marginalidade a partir de determinada maneira de entender as relagdes entre educacio e sociedade. Assim, para o primeiro grupo a sociedade é concebida como essencialmente harmoniosa, tendendo a integragio de seus membros. A marginalidade é, pois, um fendmeno acidental que afeta individualmente um nimero maior ou menor de seus membros, 0 que, no entanto, constitui um desvio, uma distorgdo que nao sé pode como deve ser corrigida. A educagio emerge af como um instrumento de corregiio dessas distorgdes. Constitui, pois, uma forca homogeneizadora que tem por fungao reforgar os lagos sociais, promover a coesio e garantir a integragao de todos os individuos no corpo social. Sua fungao coincide, no limite, com a superagao do fenémeno da marginalidade. Enquanto esta ainda existir, devem se intensificar os esforcos educativos; quando for superada, cumpre manter os servicos educativos num nivel pelo menos suficiente para impedir o reaparecimento do problema da marginalidade. Como se vé, no que respeita as relagdes entre educagao e sociedade, concebe-se a educagdo com uma ampla margem de autonomia em face da sociedade. Tanto que lhe cabe um papel decisivo na conformagao da sociedade evitando sua desagregacio e, mais do que isso, garantindo a construgdo de uma sociedade igualitaria. Jo segundo grupo de teorias concebe a sociedade como sendo essen- cialmente marcada pela diviséo entre grupos ou classes antagOnicas que se relacionam a base da forga, a qual se manifesta fundaméntalmente nas condigées de producio da vida material. Nesse quadro, a marginalidade € entendida como um fenémeno inerente & propria estrutura da socieda- de. Isso porque o grupo ou classe que detém maior forga se converte em dominante se apropriando dos resultados da produgio social, tendendo, em conseqiiéncia, a telegar os demais & condigdo de marginalizados. Nesse contexto, a educagao é entendida como inteiramente dependente da estrutura social geradora de marginalidade, cumprindo af a fungéo de reforcar a dominagio e legitimar a marginalizagao. Nesse sentido, a educagao, longe de ser um instrumento de superagio da marginalidade, converte-se num fator de marginalizacao jé que sua forma especifica de vigitalizaao com Cams ESCOLA E DEMOCRACIA oo reproduzir a marginalidade social é a produgao da marginalidade cultural e, especificamente, escolar. ‘Tomando como critério de criticidade a percepgao dos condicionantes objetivos, denominarei as teorias do primeiro grupo de “teorias ndo-criticas” j4 que encaram a educagao como auténoma e buscam compreendé-la a partir dela mesma. Inversamente, aquelas do segundo grupo sfo criticas uma vez que se empenham em compreender a educagio remetendo-a sempre a seus condicionantes objetivos, isto é, & estrutura socioecondmica que determina a forma de manifestacao do fendmeno educativo. Como, porém, entendem que a fungao basica da educagao é a reprodugio da sociedade, sero por mim denominadas de “teorias critico-reprodutivistas”. 2. AS TEORIAS NAO-CRITICAS 2.1. A Pedagogia Tradicional ‘A constituigdo dos chamados “sistemas nacionais de ensino” data de meados do século XIX. Sua organizagao inspirou-se no princfpio de que a educagao € direito de todos e dever do Estado. O direito de todos a educagao decorria do tipo de sociedade correspondente aos interesses da nova classe que se consolidara no poder: a burguesia. Tratava-se, pois, de construir uma sociedade democratica, de consolidar a democracia burguesa. Para superar a situagao de opressao, propria do “Antigo Regime”, e ascender a um tipo de sociedade fundada no contrato social celebrado livremente” entre os indivfduos, era necess4rio vencer a barreira da ignorancia. S6 assim seria possfvel transformar os stiditos em cidadaos, isto é, em individuos livres por- que esclarecidos, ilustrados. Como realizar essa tarefa? Por meio do ensino. A escola é erigida no grande instrumento para converter os stiditos em cidadaos, “tedimindo os homens de seu duplo pecado hist6rico: a ignorancia, miséria moral, ¢ a opressio, miséria polftica” (Zanormi, 1972, pp. 22-23). Nesse quadro, a causa da marginalidade é identificada com a ignordncia. E marginalizado da nova sociedade quem nao é esclarecido. A escola surge como um antfdoto & ignorancia, logo, um instrumento para equacionar 0 problema da marginalidade. Seu papel é difundir a instrugdo, transmitir os conhecimentos acumulados pela hiumanidade e sistematizados logicamente. vigitallzZago com vamS¢ 6 eo DERMEVAL SAVIAN Omestre-escola seré o artifice dessa grande obra. A escola organiza-se como ‘uma agéncia centrada no professor, o qual transmite, segundo uma gradacio légica, 0 acervo cultural aos alunos. A estes cabe assimilar os conhecimentos que lhes so transmitidos. A teoria pedagégica acima indicada correspondii de organizar a escola. Como as iniciativas cabiam ao professor, © essencial era contar com um professor razoavelmente bem preparado. Assim, as escolas cada uma contando com um professor ia determinada maneira eram organizadas na forma de classes, que expunha as ligdes, que os alunos seguiam atentamente, € aplicava os exercfcios, que os alunos deveriam realizar disciplinadamente. ‘Ao entusiasmo dos primeiros tempos suscitado pelo tipo de escola anteriormente descrito de forma simplificada, sucedeu progressivamente uma crescente decepgdo. A referida escola, além de nao conseguir realizar seu desiderato de universalizacdo (nem todos nela ingressavam e mesmo os que ingressavam nem sempre eram bem-sucedidos) ainda teve de curvar- se ante 0 fato de que nem todos os bem-sucedidos se ajustavam ao tipo de sociedade que se queria consolidar. Comegaram, ento, a se avolumar as criticas a essa teoria da educagao e a essa escola que passa a ser chamada de Escola Tradicional. 2.2. A Pedagogia Nova As criticas & pedagogia tradicional formuladas a partir do final do século XIX foram, aos poucos, dando origem a uma outra teoria da edu- cago. Esta teoria mantinha a crenga no poder da escola e em sua fungao de equalizagdo social. Portanto, as esperangas de que se pudesse corrigir a distorgao expressa no fendmeno da marginalidade, por meio da escola, ficaram de pé. Se a escola nao vinha cumprindo essa fungao, tal fato se devia a que 0 tipo de escola implantado ~a Escola Tradicional—se revelara inadequado. Toma corpo, entao, um amplo movimento de reforma, cuja expresso mais tfpica ficou conhecida sob o nome de “escolanovismo”. Tal movimento tem como ponto de partida a Escola Tradicional j4 implantada segundo as diretrizes consubstanciadas na teoria da educagao que ficou conhecida como pedagogia tradicional. A pedagogia nova comega, pois, por efetuar a critica da pedagogia tradicional, esbogando uma nova maneira de interpretar a educagao e ensaiando implanté-la, primeiro, por intermédio vigitaizaao com CamS« ESCOLA E DEMOCRACIA oo 7 de experiéncias restritas; depois, advogando sua generalizagio no ambito dos sistemas escolares. Segundo essa nova teoria, a marginalidade deixa de ser vista predominan- temente sob 0 Angulo da ignorncia, isto 6, o no dominio de conhecimentos. i O marginalizado jé nao é, propriamente, o ignorante, mas 0 rejeitado. Alguém | esta integrado nao quando é ilustrado, mas quando se sente aceito pelo grupo e, por meio dele, pela sociedade em seu conjunto. E interessante notar que ] alguns dos principais representantes da pedagogia nova se converteram & pedagogia a partir da preocupagiio com os “anormais” (ver, por exemplo, De- croly e Montessori). A partir das experiéncias levadas a efeito com criangas “anormais” € que se pretendeu generalizar procedimentos pedagégicos para © conjunto do sistema escolar. Nota-se, entdo, uma espécie de biopsicologi- zagao da sociedade, da educagao e da escola. Ao conceito de “anormalidade bioldgica” construido a partir da constatagio de deficiéncias neurofisiolégicas se acrescenta o conceito de “anormalidade psfquica” detectada por testes de inteligéncia, de personalidade etc., que comegam a se multiplicar. Forja-se, eno, uma pedagogia que advoga um tratamento diferencial a partir da “des- coberta” das diferengas individuais. Eis a “grande descoberta”: os homens so essencialmente diferentes; nao se repetem; cada individuo € tnico. Portanto, ‘a marginalidade nao pode ser explicada pelas diferengas entre os homens, quaisquer que elas sejam: no apenas diferencas de cor, de raga, de credo ou de classe, o que jé era defendido pela pedagogia tradicional; mas também diferencas no dominio do conhecimento, na participagio do saber, no desem- penho cognitive. Marginalizados sao os “anormais”, isto €, os desajustados e inadaptados de todos os matizes. Mas a “anormalidade” néo é algo, em si negativo; ela é, simplesmente, uma diferenga. Portanto, podemos concluir, ainda que isto pareca paradoxal, que a anormalidade é um fendmeno normal. Nao 6, pois, suficiente para caracterizar a marginalidade, a qual est marcada pela inadaptacao ou desajustamento, fendmenos associados ao sentimento de Tejeicdio. A educagao, como fator de equalizacao social, ser4 um instrumento de correciio da marginalidade na medida em que cumprir a fungao de ajustar, de adaptar os individuos & sociedade, incutindo neles 0 sentimento de aceita- a0 dos demais e pelos demais. A educagiio seré um instrumento de corregéo da marginalidade na medida em que contribuit para a constituigo de uma sociedade cujos membros, no importam as diferengas de quaisquer tipos, aceitem-se mutuamente e respeitem-se na sua individualidade especifica. vigitallzZago com vamS¢ 8 mo DERMEVAL SAVIAN| Compreende-se, entdo, que essa maneira de entender a educacio, por referéncia & pedagogia tradicional, tenha deslocado o eixo da questio pedagégica do intelecto para o sentimento} do aspecto légico para o psico- légico; dos contetidos cognitivos para os métodos ou processos pedagégicos; do professor para 0 aluno; do esforgo para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para 0 nao-diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspirago filosdfica centrada na ciéncia da légica para uma pedagogia de inspiragio experimental baseada princi- palmente nas contribuigées da biologia e da psicologia. Em suma, trata-se de uma teoria pedagdgica que considera que 0 importante ndo € aprender, mas aprender a aprender. Para funcionar de acordo com a coi obviamente a organizagao escolar teria que lacdo. Assim, em lugar de classes confiadas a professores que dominavam as grandes Areas do conhecimento, revelando-se capazes de colocar os alunos em contato com os grandes textos que eram tomados como modelos a se- rem imitados e progressivamente assimilados pelos alunos, a escola deveria agrupar os alunos segundo reas de interesses decorrentes de sua atividade ncepgao anteriormente exposta, passar por uma sensfvel reformu- livre. O professor agiria como um estimulador e orientador da aprendizagem cuja iniciativa principal caberia aos préprios alunos. Tal aprendizagem seria uma decorréncia espontanea do ambiente estimulante e da relago viva que se estabeleceria entre os alunos ¢ entre estes e o professor. Para tanto, cada professor teria de trabalhar com pequenos grupos de alunos, sem o que a relagdo interpessoal, esséncia da atividade educativa, ficaria dificultada; e num ambiente estimulante, portanto, dotado de materiais didaticos ricos, biblioteca de classe etc. Em suma, a feigdo das escolas mudaria seu aspecto sombrio, disciplinado, silencioso e de paredes opacas, assumindo um ar alegre, movimentado, barulhento e multicolorido. O tipo de escola acima descrito ndo conseguiu, entretanto, alterar significativamente 0 panorama organizacional dos sistemas escolares. Isso porque, além de outras raz6es, implicava custos bem mais elevados do que aqueles da Escola Tradicional. Com isso, a “Escola Nova” organizou-se ba- sicamente na forma de escolas experimentais ou como nticleos raros, muito bem equipados e circunscritos a pequenos grupos de elite. No entanto, 0 idedrio escolanovista, tendo sido amplamente difundido, penetrou nas cabecas dos educadores acabando por gerar conseqiiéncias também nas vigitaiizaao com CamS« ESCOLA E DEMOCRACIA ~ 9 amplas redes escolares oficiais organizadas na forma tradicional. Cumpre assinalar que tais conseqiiéncias foram mais negativas que positivas uma vez que, provocando o afrouxamento da disciplina e a despreocupaciio com a | transmissao de conhecimentos, acabou a absorgio do escolanovismo pelos professores por rebaixar o nivel do ensino destinado as camadas populares, | as quais muito freqiientemente tém na escola o tinico meio de acesso ao conhecimento elaborado. Em contrapartida, a “Escola Nova” aprimorou a | qualidade do ensino destinado as elites. Vé-se, assim, que paradoxalmente, em lugar de resolver o problema da marginalidade, a “Escola Nova” o agravou. Com efeito, ao enfatizar a “qua- | lidade do ensino” ela deslocou o eixo de preocupagio do ambito politico (relativo & sociedade em seu conjunto) para o Ambito técnico-pedagégico (relativo ao interior da escola), cumprindo ao mesmo tempo uma dupla fungiio: manter a expansao da escola em limites suportdveis pelos interesses dominantes e desenvolver um tipo de ensino adequado a esses interesses. E a.esse fendmeno que denominei de “mecanismo de recomposi¢ao da hege- monia da classe dominante” (SAVIANI, 1980). Cabe assinalar que o papel da “Escola Nova” previamente descrito manifestou-se mais nitidamente no caso da América Latina. Em verdade, na maioria dos pafses dessa regio os sistemas de ensino comegaram a as- sumir feigéo mais nitida jé no século XX, quando o escolanovismo estava largamente disseminado na Europa e principalmente nos Estados Unidos, nao deixando, em conseqiiéncia, de influenciar o pensamento pedagégico atino-americano. Portanto, a disseminaco das escolas efetuada segundo os moldes tradicionais nao deixou de ser de alguma forma perturbada pela propagacio do idedrio da pedagogia nova, jé que esse idedrio a0 mesmo tempo que procurava evidenciar as “deficiéncias” da escola tradicional, dava forga A idéia segundo a qual é melhor uma boa escola para poucos do que uma escola deficiente para muitos. 2.3. A Pedagogia Tecnicista Ao findar a primeira metade do século XX, 0 escolanovismo apresentava sinais vistveis de exausto. As esperancas depositadas na reforma da escola resultaram frustadas. Um sentimento de desiluséio comegava a se alastrar nos meios educacionais. A pedagogia nova, ao mesmo tempo que se tornava vigitallzZago com vamS¢ 10 eo DERMEVAL SAVIANI dominante como concepcao tedrica a tal ponto que se tornou senso comum, o entendimento segundo o qual a pedagogia nov: virtudes e de nenhum vicio, ao passo que a pedagogi de todos os vicios e de nenhuma virtude -, na prdtic: em face da questo da marginalidade. Assim, de um lado surgiam tentati- vas de desenvolver uma espécie de “Escola Nova Popular”, cujos exemplos as pedagogias de Freinet de Paulo Freire; de outro preocupagéio com os métodos pedagégicos presentes caba por desembocar na eficiéncia instrumental. ‘a teoria educacional: a pedagogia tecnicista. da neutralidade cientifica e inspirada nos prin- cipios de racionalidade, eficiéncia e produtividade, essa pedagogia advoga a reordenagao do processo educativo de maneira a torné-lo objetivo e opera- cional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pretende- se a objetivagao do trabalho pedagégico. Com efeito, se no artesanato 0 isto é, os instrumentos de trabalho eram dispostos a € portadora de todas as ia tradicional é portadora ‘a revelou-se ineficaz mais significativos si0 lado, radicalizava-se a no escolanovismo que a Articula-se aqui uma nov: A partir do pressuposto trabalho era subjetivo, em fungi do trabalhador e este dispunha deles segundo seus desfgnios, na producao fabril essa relacdo ¢ invertida. Aqui, é 0 trabalhador que deve se adaptar ao processo de trabalho, ja que este foi objetivado e organizado na forma parcelada. Nessas condigées, o trabalhador ocupa seu posto na linha de montagem e executa determinada parcela do trabalho necessério para produzir determinados objetos. O produto é, pois, uma decorréncia da forma como € organizado o processo. O concurso das agées de diferentes sujeitos produz assim um resultado com o qual nenhum dos sujeitos se identifica e que, ao contrario, lhes é estranho. O fenémeno acima mencionado ajuda-nos a entender a tendncia que se esbogou como advento daquilo que estou chamando de “pedagogia tecni- cista”. Buscou-se planejar a educagéio de modo a doté-la de uma organizagao racional capaz de minimizar as interferéncias subjetivas que pudessem por em risco sua eficiéncia, Para tanto, era mister operacionalizar os objetivos e, pelo menos em certos aspectos, mecanizar o processo. Daf a proliferagio de propostas pedagégicas tais como o enfoque sistémico, o microensino, 0 telensino, a instrugo programada, as m4quinas de ensinar etc. Daf também © parcelamento do trabalho pedagégico com a especializagio de funcoes, postulando-se a introdugdo no sistema de ensino de técnicos dos mais di- ferentes matizes. Daf, enfim, a padronizagao do sistema de ensino a partir vigitaizaao con CamS« ESCOLA E DEMOCRACIA o~ ou de esquemas de planejamento previamente formulados aos quais devem se ajustar as diferentes modalidades de disciplinas e praticas pedagdgicas. Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor que era, 20 mesmo tempo, 0 sujeito do processo, o elemento decisivo e decisério - e se | | | i | na pedagogia nova a iniciativa desloca-se para o aluno — situando-se o nervo daagiio educativa na relagdo professor-aluno, portanto, relagdo interpessoal, intersubjetiva —, na pedagogia tecnicista, o elemento principal passa a ser a organizacdo racional dos meios, ocupando o professor ¢ 0 aluno posigio secundaria, relegados que sio A condigdo de executores de um processo cuja concepgao, planejamento, coordenacio e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. A organizagao do processo converte-se na garantia da eficiéncia, compensando e corrigindo as deficiéncias do professor e maximizando os efeitos de sua intervengao. Cumpre notar que, embora a pedagogia nova também dé grande im- portincia aos meios, hé, porém, uma diferenga fundamental: enquanto na pedagogia nova os meios so dispostos em fungao da relagao professor-aluno, estando, pois, a servigo dessa relagao, na pedagogia tecnicista a situagdo inverte-se, Enquanto na pedagogia nova so os professores e alunos que decidem se utilizam ou nao determinados meios, bem como quando e como 0 fardo, na pedagogia tecnicista dit-se-ia que € 0 processo que define o que pro- fessores e alunos devem fazer e, assim também, quando e como 0 fardo. Compreende-se, entdo, que para a pedagogia tecnicista a marginalidade nao seré identificada com a ignorancia nem seré detectada a partir do senti- mento de rejeigdo. Marginalizado serd o incompetente (no sentido técnico da palavra), isto 6, 0 ineficiente e improdutivo. A educagio estard contri- buindo para superar o problema da marginalidade na medida em que formar individuos eficientes, isto é, aptos a dar sua parcela de contribuigdo para o aumento da produtividade da sociedade. Assim, estard ela cumprindo sua fungio de equalizacio social. Nesse contexto tedrico, a equalizacao social € identificada com 0 equilfbrio do sistema (no sentido do enfoque sistémico). A marginalidade, isto 6, a ineficiéncia e improdutividade, constitui-se numa ameaga a estabilidade do sistema. Como este comporta miiltiplas fungées, as quais correspondem determinadas ocupagGes, e como essas diferentes fungées so interdependentes, de tal modo que a ineficiéncia no desem- Penho de uma delas afeta as demais e, em conseqtiéncia, todo o sistema, vigitallzago com vams¢ F 2 oe DERMEVAL Saag cabe & educago proporcionar um eficiente treinamento para a execues, das méltiplas tarefas demandadas continuamente pelo sistema social educagdo seré concebida, pois, como um subsistema, cujo funcionamenty eficaz é essencial ao equiltbrio do sistema social de que faz parte. Sua base de sustentagio tedrica desloca-se para a psicologia behaviorista, a engenhariy comportamental, a ergonomia, informatica, cibernética, que tém em comum a inspiragiio filoséfica neopositivista e 0 método funcionalista. Do ponto de vista pedagégico, conclui-se que, se para a pedagogia tradicional a questig central & aprender e para a pedagogia nova, aprender a aprender, para q pedagogia tecnicista o que importa é aprender a fazer. A teoria pedagégica acima exposta corresponde uma reorganizacio das escolas que passam por um crescente processo de burocratizagao. Com efeito, acreditava-se que 0 processo se racionalizava na medida em que se agisse planificadamente. Para tanto, era mister baixar instrugdes minuciosas sobre como proceder com vistas a que os diferentes agentes cumprissem cada qual as tarefas especificas acometidas a cada um no amplo espectro em que se fragmentou o ato pedagégico. O controle seria feito basicamente pelo preenchimento de formulérios. O magistério passou, entio, a ser submetido a.um pesado e sufocante ritual, com resultados visivelmente negativos. Na verdade, a pedagogia tecnicista, ao ensaiar transpor para a escola a forma de funcionamento do sistema fabril, perdeu de vista a especificidade da educagio, ignorando que a articulagao entre escola e processo produtivo se dé de modo indireto e por meio de complexas mediagGes. Além do mais, na pratica educativa, a orientagao tecnicista cruzou com as condigées tradicio- nais predominantes nas escolas bem como com a influéncia da pedagogia nova que exerceu poderoso atrativo sobre os educadores. Nessas condicoes, a pedagogia tecnicista acabou por contribuir para aumentar 0 caos no campo educativo, gerando tal nivel de descontinuidade, de heterogeneidade e de fragmentagio, que praticamente inviabiliza o trabalho pedag6gico. Com isso, © problema da marginalidade s6 tendeu a se agravar: 0 contetido do ensino tornou-se ainda mais rarefeito ¢ a relativa ampliacao das vagas tornou-se irrelevante em face dos altos indices de evasio e repeténcia. A situagao descrita afetou particularmente a América Latina j4 que desviou das atividades-fim para as atividades-meio parcela considerdvel dos recursos sabidamente escassos destinados & educacéo. Sabe-se, ainda, que boa parte dos programas intemacionais de implantacao de tecnologias d¢ vigitallzago com LAs ESCOLA E DEMOCRACIA ensino nesses pafses tinham por detrds outros interesses como, por exemplo, avenda de artefatos tecnolégicos obsoletos aos pafses subdesenvolvidos (cf. MarTELart, 1976 e s.d.).

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