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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA
PROJETO DE PESQUISA

ENSINO DE ELIS PARA A CRIANÇA SURDA: UMA POSSIBILIDADE DE ALFABETIZAÇÃO EM


LÍNGUA DE SINAIS

Thiago Cardoso Aguiar

Maria Sueli Aguiar (Orientador 1)


Christiane Cunha de Oliveira (Orientador 2)

Área de Concentração: Estudos Linguísticos


Linha de Pesquisa: Ensino e Aprendizagem de Línguas

Língua estrangeira: inglês

GOIÂNIA
2010
1. JUSTIFICATIVA / FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Desde tempos remotos, a educação dos surdos é motivo de embate entre diferentes
correntes metodológicas. Com o passar do tempo as metodologias de ensino foram evoluindo,
as Línguas de Sinais (LS) tiveram seu reconhecimento como línguas naturais e a comunidade
surda foi se fortalecendo. Porém uma questão perdura desde os primeiros registros de
tentativa de educação dos surdos: o insucesso na língua escrita.
Podemos levantar alguns fatores que contribuem para este insucesso:

a) O fato de muitas crianças chegarem à escola sem uma língua para


mediação de conhecimentos, pois cerca de noventa por cento das crianças
surdas são filhas de pais ouvintes Quadros (1997, p. 70), o que faz com que
estas, na maioria das vezes, cresçam sem ter contato com a LS desde os
primeiros meses de vida;
b) O fato comprovado de que as possibilidades de fracasso na tentativa de
oralização são grandes devido a fator natural que é a própria surdez.
(Svatholm, 1994, p. 64 apud Quadros, 1997, p. 88);
c) A língua natural desenvolvida por estes pequenos aprendizes é de
modalidade visuo-espacial (produzida no espaço e percebida visualmente,
em contraposição ao Português que é oral-auditivo) quando estes são
expostos a esta língua desde suas mais tenras idades, situação mais comum
a filhos de surdos e a escrita a que são submetidos na escola, remete a uma
língua oral, sendo ensinada através da língua majoritária nos moldes de
ensino de primeira língua (L1), e este será o foco do nosso trabalho.
Porém para a comunidade surda brasileira, a L1 é a Língua Brasileira de Sinais
(Libras) e o Português tem status de segunda língua (L2). O sucesso em se aprender a escrita
de uma L2 por meio desta L2, porém usando metodologias de L1, ou seja, ensina-se a L2
como se ela fosse a L1, é mínimo. O que o sistema educacional tenta fazer é submeter o surdo
a uma proposta de escrita concebida através do uso do aparelho biológico auditivo, veja o que
Stumpf (2005, p. 35) afirma:
A escrita alfabética é um sistema funcional complexo que tem sua origem
na análise dos sons da linguagem, da separação de certos sons do fluxo da
linguagem e de sua transformação em fonemas-constantes e generalizados. Esse
primeiro passo que implica a função integrada do sistema áudio-articulatório cria a
potencialidade para a escrita. O passo seguinte é a identificação desses sons, nos
diversos contextos sonoros em que aparecem, e a análise de suas dependências das
posições que ocupam nas diferentes palavras.

Se a língua escrita que aprendemos é baseada na fonética de nossa língua majoritária,


o Português, e os surdos crescem em contato com uma língua de estrutura fonética
diferenciada, ou estrutura visética como propõe Barros (2008, p. 140), o insucesso na
aprendizagem funcional desta escrita é quase uma certeza pelo simples fato de que eles não
têm acesso ao input que dá origem às divisões fonéticas desta escrita. A dependência do som
que temos para o pensamento metalingüístico acerca de nossa língua escrita fica bem
evidenciada quando um ouvinte quer descobrir em que posição do alfabeto fica uma letra
qualquer. Como exemplo cita-se um fato demonstrado pela observação empírica, em que
usuários nativos do Português citam o alfabeto desde o inicio em voz alta, contando até
chegar a posição da letra desejada. Esse pensamento metalingüístico só foi possível, através
dos sons que as letras representam, e é assim que a maioria das pessoas decora o alfabeto,
através da cadeia sonora que é produzida.
Muitas vezes o estudante surdo até consegue reescrever as palavras, mas não consegue
atribuir-lhes um significado quando estão em um contexto. O elemento simbólico escrita fica
com suas funcionalidades reduzidas, as trocas simbólicas com o meio, limitadas, e o
desenvolvimento cognitivo tende a se atrasar fazendo com que o sujeito deixe de evoluir
significativamente.
Segundo Piaget (Acesso em: 13. Set. 2010), um dos problemas enfrentados pelas
crianças para desvendar a escrita, é compreender o que representam aquelas marcas sobre o
papel. Um obstáculo importante é compreender que os traços feitos no papel simbolizam os
sons da fala. No caso da criança surda, o que está impresso no papel representa fonemas de
uma língua que não é sua L1 e, mais grave, não lhe é acessível espontaneamente,
potencializando assim essa dificuldade.
A aquisição e apropriação da leitura e escrita implicam, fundamentalmente, processos
e representações da fonologia natural segundo Kapitaniuk (2010, p. 32). Sendo a fonologia
natural dos surdos de base visual, ou visologia como propõe Barros (2008, p. 140), e a
fonologia da língua escrita ensinada nas escolas de base oral, entende-se a falha do letramento
da pessoa com surdez no atual contexto educacional.
Uma proposta que surge já há algum tempo, na tentativa de mudar esse quadro, é o
ensino da Escrita de Língua de Sinais (ELS) para os usuários nativos da LS. Várias propostas
de ELS existem atualmente, talvez o mais difundido no Brasil seja o sistema Sign Writing,
criado em 1974 (mil novecentos e noventa e quatro) pela americana Valerie Sutton, com a
intenção de notação para danças. Em nosso país a maior estudiosa e difusora deste sistema é a
professora da Universidade Federal de Santa Catarina Marianne Rossi Stumpf. Esta já fez
várias pesquisas envolvendo esta escrita, inclusive testando-a com crianças em terras
brasileiras e francesas, chegando à conclusão de que a ELS pode ser viável sim para o
desenvolvimento sócio cognitivo dos surdos.
Porém como ela mesma cita em sua pesquisa de dois mil e cinco, o sistema deve ser
mais usado para que seja simplificado. Hoje o sistema conta com cerca de mil e novecentos
símbolos, o que potencializa a dificuldade de se ensinar/aprender.
Em nossa pesquisa optaremos por usar outra proposta de ELS, criada pela professora
da Universidade Federal de Goiás Mariângela Estelita Barros, de nome ELiS. Apresentado
formalmente à comunidade lingüistica brasileira através de sua tese de doutorado em 2008
(dois mil e oito). O sistema que conta com 92 (noventa e dois) símbolos, já foi testado várias
vezes com ouvintes e surdos adultas usuários de Libras, sendo considerado produtivo, legível,
relevante e eficaz. A Elis é um sistema de escrita das LS, de base alfabética, pois representa
os fonemas (ou visemas como propõe a autora) da LS; é linear; e organizada a partir dos
parâmetros de sinais propostos por William Stokoe em 1965 (Barros, 2008, p. 25). Porém ele
ainda não foi testado com crianças, e este será o foco de nossa pesquisa, ensinar esta proposta
de ELS para crianças e verificar se é viável, se trará benefícios sócio-cognitivos-culturais,
bem como desenvolver metodologias e materiais didáticos para o ensino da escrita em questão
voltado para crianças surdas.
Esclarecemos que a proposta de nossa pesquisa não é comparar os dois sistemas nem
as pesquisas feitas com eles. As proponentes dos dois sistemas têm um objetivo em comum:
melhorar a atual situação cognitiva educacional dos aprendizes surdos, bem com valorizar sua
língua e cultura. Apenas propomos o uso de outra ferramenta para alcançarmos tal objetivo,
haja visto que o SignWriting já foi pesquisado com crianças surdas.
2 OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

Verificar a eficácia da EliS com crianças surdas através de recursos metodológicos


adaptados a essa ELS, atestando a contribuição da mesma para o desenvolvimento cognitivo e
sócio cultural da comunidade surda, tendo como resultado a produção de histórias infantis em
Libras/ELiS.

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Experimentar a EliS de forma a tentar solucionar questões que a observação empírica


e as experiências acadêmicas fizeram surgir no período de 2009 e 2010, tais como a
representação do direcionamento de olhar e das intensificações na LS;
- Verificar a produtividade, legibilidade, relevância e eficácia da escrita em questão
com crianças surdas;
- Desenvolver metodologias e materiais didáticos específicos para o ensino da ELiS
para crianças surdas;
- Atestar os benefícios que a escrita da sua língua natural, pode trazer aos surdos;
- Produção material de vinte histórias infantis em Libras/ ELiS.
3 METODOLOGIA

Será realizada uma pesquisa qualitativa, seguindo a metodologia da Pesquisa-ação que


de acordo com Severino (2007, p. 120) é uma modalidade de pesquisa social onde existe um
intenso diálogo entre o pesquisador e os pesquisados levando a um aprimoramento das
práticas propostas analisadas. Serão escolhidos cinco participantes para a pesquisa. Estes
participantes devem ser surdos, regularmente inscritos em escola, esta necessidade vem do
fato de que por limitação de tempo, as crianças já devem estar acostumadas com um ambiente
educacional e terem iniciado seu processo de estimulação motora e sensorial, filhos de surdos,
conhecedores da Libras (daí a exigência para que sejam filhos de surdos, garantindo assim o
aprendizado de Libras desde as mais tenras idade como L1) e ter até 10 anos de idade.
A pesquisa será dividida em quatro partes. Na primeira, serão elaborados os materiais
a serem usados para o ensino de ELiS às crianças, jogos visuais para estimulação, cartões
com palavras para usos diversos, folhas tarefas/atividades e a escolha das vinte histórias
conhecidas da literatura infantil, que serão traduzidas e posteriormente organizadas
visualmente para trabalho com os participantes. Esta parte da pesquisa será executada no
primeiro ano do programa de pós - graduação, paralelamente ao curso das disciplinas
obrigatórias.
Logo então, constituindo a segunda parte da pesquisa, ministraremos um curso de
ELiS, com duração de trinta horas, para os pais das crianças participantes. O objetivo deste
curso é a fidelização dos participantes através da conquista do interesse de seus genitores, pois
a partir do momento que estes conhecerem a escrita em questão, vislumbram todos os ganhos
cognitivos, culturais e sociais que a comunidade surda pode ter por meio desta aprendizagem,
então eles poderão servir de incentivadores dos filhos e de si mesmos para uma contribuição
assídua e de qualidade durante todo o período da pesquisa. Esta fidelização é importante, pois
dependeremos em muito da colaboração dos pais, pois são eles que se deslocarão com seus
filhos até o local das aulas, valendo-se de seu tempo, boa vontade e até recursos financeiros
para tal.
Apesar de os pais já terem conhecimento da ELiS antes do inicio do curso, não
faremos/solicitaremos nenhum controle sobre a possibilidade de os pais comentarem sobre a
escrita, tentarem ensinar ou emitir qualquer opinião sobre a proposta de escrita em questão.
Cabe ressaltar aqui que o local onde o curso será ministrado não será no ambiente
escolar, pois diante da dificuldade de se encontrar sujeitos com as características acima
citadas em uma mesma escola, possibilidade legal da execução desta pesquisa em ambiente
escolar e o fato de o grupo estar reunido apenas para fins científicos. Optamos por desvincular
todo o procedimento do contexto escolar.
Na terceira etapa, levantaremos o perfil sócio educacional da criança através de
entrevista com os pais, obtendo assim conhecimento do comportamento da criança em casa,
na escola e o nível escolar em que esta se encontra. Esta conversa será registrada por meio de
gravações visuais digitais, que posteriormente serão armazenadas em DVD. Todas as
filmagens deverão ter autorização dos personagens ou responsáveis documentadas. Após isso,
teremos uma conversa com as crianças que serão os sujeitos da pesquisa. O objetivo desta é,
além de uma percepção própria do comportamento da criança, principalmente, criar um laço
com este, tentando-se assim, facilitar os procedimentos que serão realizados durante a
pesquisa.
Enfim a quarta parte será o objeto de estudo propriamente dito. Aplicaremos o ensino
da ELiS a estas crianças três vezes por semana, em aulas de duração de noventa minutos,
entre os meses de março e outubro. Durante o curso estaremos aferindo a produtividade,
legibilidade, relevância e eficácia da escrita em questão, além de uma análise diária de toda a
produção dos alunos. As histórias que terão sido produzidas na primeira etapa serão
apresentadas aos pequenos aprendizes, ao fim do período citado, com o intuito de captar a
reação deles ao ver uma narrativa ilustrada e traduzida para uma escrita de sua língua natural.
Será, também ao fim desta fase, que colheremos as opiniões das crianças sobre o que foi
aprendido. E a partir de todos os dados colhidos, iniciaremos a redação da dissertação.
4 CRONOGRAMA

Período Atividade

Março a - Conclusão das disciplinas obrigatórias


Dezembro/2011 - Elaboração do material pedagógico usado com as crianças
- Produção das histórias infantis em Libras/ELiS
- Escolha dos participantes
Novembro/2011 - Curso de ELiS para os pais
- Formulação do questionário para se avaliar o perfil dos alunos
- Levantamento do perfil sócio educacional das crianças
Fevereiro a - Aulas de ELiS para as crianças em questão
Agosto/2012
Agosto - Inicio Análise dos dados
- Inicio da elaboração da dissertação
Novembro - Término da elaboração da Dissertação
Dezembro - Divulgação dos dados para as instituições envolvidas e comunidade
científica
5 REFERÊNCIAS

1 BARROS, Mariângela Estelita. ELiS – Escrita das Línguas de Sinais: proposta teórica e
verificação prática. 2008. 199 f. Tese (Doutorado) - Curso de Linguística, Centro de
Documentação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2008.

2 KAPITANIUK Rosemeri Bernieri de Souza. Psicolinguística. Santa Catarina: UFSC.


2010. 60 f. (Apostila do curso de Bacharelado em Letras/Libras na Modalidade a Distância –
Centro de Comunicação e Expressão - UFSC).

3 PIAGET, Jean. Tendência Cognitiva. Postado por Avaunitis. Disponível em:


<http://www.youtube.com/watch>. Acesso em: 13 set. 2010

4 QUADROS, Ronice Müller de. Educação de Surdos: A aquisição de linguagem.


Reimpressão 2008. Porto Alegre: Artmed, 1997.

5 SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 23. ed. rev. e atual.
São Paulo: Cortez, 2007.

6 STUMPF, Marianne Rossi. Aprendizagem de Escrita de Lingua de Sinais pelo Sistema


SignWriting: Linguas de sinais no papel e no computador. 2005. 330 f. Tese (Doutorado) –
Curso de Informática na Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Santa
Catarina, Santa Catarina, 2008.

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