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Nasci Para te Amar

(Don't Ask Me Now)


Emma Darcy
Amor e sexo: a mais perfeita combinação
de emoções.
Tom e Anthony. Dois homens que marcavam a
vida de Cathy de maneiras diferentes, um
com amor e ternura, o outro com
sensualidade e paixão. Oh, por que Anthony
voltara justo agora que ela vivia em
segurança, ao lado de Tom, esquecida dos
sofrimentos que ele lhe impingira?
Instintivamente Cathy pegou a mão de Tom,
numa cega necessidade de se defender das
lembranças do passado. Mas seria isso
mesmo que queria, cortar Anthony de sua
vida, antes que caísse de novo em seus
braços?

Copyright: Emma Darcy


Título original: Don't Ask Me Now
Publicado originalmente em 1986 pela
Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra
Tradução: Rosângela Monteiro Butler
Copyright para a língua portuguesa: 1988
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

Digitalização: Simoninha
Revisão: Cris Bailey
CAPÍTULO I

O homem, incrédulo, balançava a cabeça diante da mesa que procurava havia anos.
Parecia mentira que o móvel estivesse ali, bem à sua frente.
— Pode me dizer onde a conseguiu?
Cathy sorriu, triunfante. Lembrou-se de Tom. Também ele ficara espantadíssimo
com o tamanho da mesa e duvidara de que a aquisição fosse um bom negócio. Mas, diante de
tantos argumentos, se dera por vencido.
— Veio de uma antiga loja em Wauchope, uma cidadezinha madeireira da costa
norte. Como pode ver, é muito rara.
— Wauchope? Já estive lá. Fica perto do rio Hastings — respondeu o homem, sem
tirar os olhos do móvel.
— Nessa mesa as peças de tecido eram cortadas sem nenhuma dificuldade, por
causa do comprimento e da largura. Nas gavetas eram guardados carretéis de linha,
alfinetes, tesouras, botões, enfim, todo o material de costura. E numa das bordas ainda
existe uma enorme régua de bronze, que removi para manter a superfície nivelada e facilitar
o transporte. Caso haja interesse, podemos recolocá-la.
— É perfeita! Do tamanho ideal para meus mapas. Puxa! Cedro maciço!
— Exatamente! Veja, por exemplo, estas gavetas... — Cathy propôs, abrindo-as e
deixando exposto o bonito marrom-avermelhado da madeira.
— Nos dias de hoje, dificilmente encontramos coisas assim! Só usam compensados, e
os móveis logo estragam. Que acabamento! Um trabalho de mestre, sem dúvida!
Cathy simplesmente se deliciava ao ver o homem tão entusiasmado. Ele nem se
preocupava em saber o preço. Continuava a abrir e fechar as gavetas, e seus dedos corriam
pelos cantos do móvel, analisando os detalhes dos encaixes. Aproveitando a distração, Cathy
olhou discretamente para o relógio. Já devia estar fora da loja havia dez minutos. Nunca se
importava em dar atenção aos clientes após o expediente, mas naquele dia... a noite seria tão
especial! Tentava não pensar sobre isso. Impossível! Afinal, talvez conseguisse fazer
cicatrizar as mágoas de uma vez por todas e colocar uma pedra no passado... Estava tão
perdida em pensamentos que se assustou quando sua assistente bateu-lhe de leve no ombro.
Bárbara sorriu e cochichou:
— O sr. Crawford se encontra no escritório e deseja vê-la com urgência. Pode deixar
que cuidarei do cliente.
— Desculpe-me, senhor...
— Ralph Henleigh.
— Gostaria de lhe apresentar minha assistente, Bárbara Unwin. Meu sócio deseja
falar comigo um instante e, se o senhor não se incomoda, ela continuará a atendê-lo e o
ajudará no que precisar. — E, virando-se para Bárbara, acrescentou: — O sr. Henleigh está
interessado nessa mesa para seus mapas.
— Mapas? É geógrafo?
— Não, minha jovem. Sou historiador. Sabe...
Cathy saiu discretamente, enquanto o homem relatava, com orgulho, detalhes de
suas pesquisas. Ela confiava no trabalho da assistente, que vinha se saindo muito bem: era
interessada e assimilara tudo o que lhe fora ensinado. Até mesmo como decorar o nome dos
clientes pelo simples método de repeti-los mentalmente. O negócio estaria seguro em suas

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mãos.
O escritório ficava no andar acima do showroom. Antes mesmo de entrar na sala,
Cathy percebeu a fisionomia fechada de Tom, através da parede de vidro. Seus cabelos
estavam desalinhados, como se dedos impacientes tivessem passado por ali várias vezes.
Tom não era muito alto nem excessivamente bonito. Tinha cabelos negros e lisos e
um rosto de traços acentuados, principalmente o nariz, que não combinava com o queixo e o
pescoço finos. Mas Cathy sabia que um coração enorme batia naquele peito largo. Sua força
de caráter encontrava-se estampada no rosto e nas maneiras, e os olhos castanhos
denotavam tanta inteligência que o tornavam fascinante, na medida certa. Ela o achava
atraente demais para ter esperanças, já que o via muito além de seu alcance.
"Não haveria necessidade alguma de ele vir pessoalmente confirmar nosso encontro.
Como me conhece! Na certa quer tentar superar minha insegurança. Mal sabe ele! Nem
mesmo a riqueza e o status de Thomas Henry Crawford Terceiro me bastarão hoje", pensou
Cathy enquanto um sentimento de inferioridade abatia seu coração.
— Você está passando dos limites ao querer cuidar de todas as transações sozinha,
sabe? — Tom lhe dirigiu um sorriso, misto de nervosismo e prazer ao vê-la.
— Ei! Primeiro, boa noite! Já estou de saída!
Cathy apanhou sua bolsa, e Tom pegou a jaqueta nas costas de uma poltrona.
— Existem coisas melhores na vida do que fechar bons negócios. Um dia você
aprende...
— Ah, é? Se eu pensasse assim, até hoje não teria conseguido lhe devolver o
dinheiro!
Tom se aproximou dela e pôs as mãos em sua cintura. A doçura do olhar e o calor
emanado daquele corpo másculo enviaram imediatamente uma mensagem aos nervos de Cathy.
— E daí? Dinheiro nunca foi muito importante para mim!
Cathy cerrou os dentes. "Claro! Dinheiro jamais é valorizado por quem o possui!",
pensou.
— Tudo bem, Tom. Se não liga para isso, por favor, não me compare com você... E, se
quer saber, fico muito aliviada por não lhe dever mais nada!
— Santo Deus! Quando irá derrubar esta barreira desnecessária que levantou entre
nós ao longo destes anos? Nada é mais valioso para mim do que tê-la a meu lado,
principalmente hoje.
Cathy se comoveu, mas lutou para não demonstrar o que lhe ia na alma. Com que
facilidade Tom falava assim! Poderia até ser verdade! Mas ele nascera em berço de ouro. E
ela? Pertencia a um mundo bem diferente...
— É melhor eu ir para casa e me fazer bonita para você!
Tom puxou-a para si, envolvendo-a delicadamente.
— Não precisa mudar nada. É tão maravilhosa que...
Ele desejava beijá-la, mas Cathy não poderia permitir. Com a noite que tinha pela
frente, não conseguiria corresponder.
— Aqui não, Tom. Não leve a mal, mas sabe como me desagradam intimidades em
público!
— Como assim? Não estamos no meio da rua!
— Nem completamente a sós!
— Cathy...

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Por um momento pareceu que a tensão sentida por ela fora transmitida a Tom. Ele
suspirou, resolveu não insistir e saiu do escritório. Cathy sentiu-se grata. Duvidava que
existissem no mundo muitos homens que aceitassem as restrições que ela impunha aos
relacionamentos. Algumas vezes ela própria detestava essas barreiras, mas a autodefesa se
transformara em sua mais forte característica, e, apesar da profunda afeição sentida por
Tom, ele pertencia à alta classe. A mesma do homem que a destruíra, e disso jamais se
esqueceria. Quem sabe, após aquela noite?
Quando desciam a escada, Bárbara deu um sinal indicando que a venda da mesa fora
concretizada. O sr. Henleigh finalmente se decidira. Cathy olhou-o de relance. Devia ter uns
cinqüenta e poucos anos, e suas roupas não eram de boa qualidade.
"Nunca se deve julgar pelas aparências, já dizia o velho provérbio... exceto no que se
refere à alta sociedade", refletiu ela.
Tom estava coberto de razão. Ninguém iria à falência só por não fechar um ou outro
negócio. Porém, fora com sua dedicação ao trabalho que ela conseguira pagar, havia seis
meses, a última prestação do empréstimo. Tornaram-se então sócios do antiquário, e a
quitação da dívida diminuíra a barreira financeira entre eles. A barreira social, entretanto,
ainda era enorme. Pelo menos na cabeça de Cathy. Por isso estava tão preocupada naquele
dia. Tom a convidara para uma festa de pessoas ricas. A princípio ela recusara o convite
categoricamente. Uma coisa era sair com ele para almoços e jantares a sós; mas freqüentar
o ambiente da alta-roda fugia por completo de seus planos. Inventara uma série de descul-
pas, mas Tom não se dera por vencido e combatera cada uma delas. Cathy acabara
concordando, mesmo correndo o risco de perder um homem tão sensacional.
Ele acompanhou-a até o carro, esperou que o abrisse e se sentasse.
— Oito horas, então! Prometo que tudo dará certo, sua medrosa!
"Tomara que sim!", pensou Cathy, enquanto ele lhe acenava.
Após quatro anos vivendo em Sídnei, ela aprendera direitinho a lidar com pessoas
finas. Era impecável no falar, no vestir, e suas maneiras estavam além de qualquer crítica.
Ainda que não freqüentasse a alta sociedade, procurava estar sempre atualizada e conhecia
de cor todas as regras de etiqueta social. Mesmo assim, ainda temia o mundo de gente
importante, que a fizera sofrer tanto.
Enquanto se aprontava, pensou se não deveria ter escolhido uma roupa mais discreta.
Mas a vaidade falara mais alto e a levara a se decidir por um modelo ousado e chamativo, que
lhe caía como uma luva no corpo bem-feito, realçando-lhe as curvas e deixando-a
estonteante.
A maquilagem ficou ótima. Escolheu tons de sombra rosa com reflexos dourados,
esfumaçou o canto dos olhos com cinza-escuro, caprichou no rímel e completou com um
batom que realçou seus lábios de forma encantadora. Olhou-se no espelho. Os cabelos pretos
e brilhantes levavam um corte de Marc Eamens, o mais famoso cabeleireiro da cidade. Ela
havia recusado os penteados malucos ditados pela moda e optara por um que combinava mais
com seu estilo. Assim, seu rosto fino e ovalado fora valorizado por um corte reto nas laterais
e uma franja vasta, que caía para um lado em camadas, dando um efeito sonhador de
feminilidade absoluta.
Ao chegar, Tom elogiou efusivamente sua elegância e a conduziu satisfeito para o
seu Mercedes. No caminho, quase não conversaram. Os lindos joelhos bem torneados
tremiam tanto que Cathy se sentia como uma Cinderela sendo levada ao baile em que seria

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desmascarada.
Na entrada do clube, ao ver o vaivém de pessoas tão habituadas a festas daquele
tipo, ela se apoiou no braço de Tom, o único consolo para sua insegurança. A primeira pessoa
que encontraram foi Vera Pallister, cujos olhos a examinaram da cabeça aos pés. Era uma
prova de fogo! Se passasse pela avaliação de Vera, considerada a rainha da sociedade,
sentiria mais confiança, e as chances de se sair bem se elevariam consideravelmente. Cada
tostão gasto ao adquirir o vestido de seda pura e os complementos teriam valido a pena.
Mesmo que nunca mais aparecesse outra oportunidade para usá-los.
O coração de Cathy batia tanto que ela receou que os outros o ouvissem. Prendeu a
respiração e endireitou o corpo. Precisava se conter.
Vera Pallister se aproximou e percorreu a figura de Cathy com um olhar de
apreciação.
— Que prazer vê-lo, Tom! E também sua linda acompanhante! Quem é ela, querido?
— Cathy Lawrence. — Havia um tom de infinito orgulho na voz de Tom — Esta é a
sra. Vera Pallister.
— Lawrence?! — Vera estendeu a mão.
Cathy percebeu que Vera tentava ligar o sobrenome a alguém importante e teve
vontade de lhe dar uma resposta atravessada. Porém, optou por lhe dirigir um sorriso
encantador.
— Não conhece minha família, senhora. São do interior e nunca estiveram nesta
cidade.
— Cathy é minha sócia — explicou Tom, com altivez.
— Verdade? — Era evidente o interesse de Vera. — E que tipo de negócio vocês têm,
meu bem?
— Móveis antigos. Compra e venda — Cathy respondeu.
— Outro bom investimento, Tom? — A pergunta foi feita com um toque de duplo
sentido.
— O melhor de minha vida!
— Bem, dê lembranças a sua mãe. — E, sorrindo calorosamente para Cathy,
despediu-se. — Espero que se divirtam no baile.
Cathy não cabia em si de felicidade. Passara no teste! Fora aceita! Ali estava ela, no
mais prestigiado evento social da cidade, o "Todos por Todos", baile beneficente que reunia a
nata da sociedade local e de outros Estados. E Vera Pallister, ninguém menos do que Vera
Pallister, lhe dera as boas-vindas! Quem sabe finalmente seria possível derrubar a última
barreira entre ela e Tom.
— Um momento, por favor, sr. Thomas!
Um fotógrafo se colocou à frente deles, convidando-os a posar ao lado do pedestal
com um maravilhoso jarro de flores. Tom hesitou uns segundos e então sorriu para Cathy.
— Por que não? Gostaria muito de guardar uma foto sua usando esse vestido! Está
mais linda do que nunca.
Em seguida ouviu-se o clique da máquina fotográfica. Um colunista social apareceu
não se sabe de onde e, com um bloquinho na mão, perguntou:
— Qual o nome de sua acompanhante, senhor?
— Cathy Lawrence. É proprietária do Cedar Heritage. As melhores e mais raras
antigüidades de Sídnei se encontram disponíveis lá. — Tom parecia um agente publicitário.

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Cathy lhe deu o braço e continuaram a andar.
— Não lhe disse, menina? A noite já está começando a ficar interessante! Nunca
despreze um anúncio numa coluna social. As pessoas que a lêem transformam-se em clientes
em potencial.
— Ora, Tom. Imagine se colocariam meu nome junto ao das madames aqui presentes!
— Fique certa de que o farão, sua bobinha. E até antevejo o título: "A presença mais
marcante do baile!".
— Acompanhada de Thomas Henry Crawford Terceiro! — acrescentou ela, divertida.
Fora fotografada para as colunas sociais! Deus! Seu coração não agüentaria! Mesmo
que não usassem a foto, fora vista como alguém digna de nota. Uma mulher de classe! Cathy
instintivamente abraçou Tom, tomada de contentamento e gratidão. Nunca chegaria a isso
sem seu apoio e encorajamento.
Sem imaginar o que se passava pela cabeça de Cathy, Tom lhe dedicou um sorriso tão
envolvente que o deixou ainda mais charmoso. Aliás, também ele estava muito elegante nessa
noite. Os cabelos penteados com cuidado, a colônia francesa recendendo e o corte perfeito
de seu smoking deixavam-no impecável e muito atraente.
Quando o casal chegou ao salão, os músicos ainda preparavam seus instrumentos.
Cathy estava consciente de que todos os olhares acompanhavam seus passos até a mesa que
lhes fora reservada. Fingiu não perceber; caminhou sem pressa e graciosamente, adotando
uma atitude confiante. Na alma, uma sensação maravilhosa ao sentir-se observada.
A segurança não durou muito. Quando Tom começou a lhe apresentar alguns amigos,
o nervosismo voltou. Iria passar a noite com aquelas pessoas e precisaria dar muito de si
para tudo correr bem. Concentrou-se nos nomes, para se lembrar deles depois. A cada
apresentação repetia-os mentalmente, enquanto sorria e procurava gravar as fisionomias:
era uma fórmula infalível! As mulheres a fitavam com interesse e curiosidade, e os homens
com profunda admiração, levando-a a se sentir aceita com uma facilidade que a surpreendia e
excitava.
A orquestra tocou os primeiros acordes, e o salão logo ficou lotado. Cathy sorvia a
cena com olhos ávidos e extasiados. Nunca vira tanta ostentação! Os vestidos longos exibiam
tanto esplendor que arrancavam comentários até mesmo das mulheres sentadas a seu lado.
— Veja aquele vestido amarelo-ouro! Do Yves Saint-Laurent! — dizia uma delas.
— Prefiro o de Joscelyn. É um Chanel! — retrucava outra.
— Gosto mesmo é de Valentino ou Gianfranco Ferre. Seus modelos são muito mais
sutis. Veja a Felicity Fanshaw. Absolutamente maravilhosa!
— Pelo visto, Vera Pallister desprezou os costureiros europeus este ano, optando
pelos americanos. Reparem... Veio do atelier de Geoffrey Beene.
De repente, voltaram a atenção para Cathy.
— Notei que você prestigia os costureiros australianos, Cathy. É um Prue Acton,
não? Acho lindíssimo! — elogiou uma das amigas de Tom.
— Obrigada! — Cathy se limitou a sorrir, ignorando a pergunta. Aprendera a arte de
deixar as pessoas tirarem suas próprias conclusões. Em certas ocasiões, achava irrelevante
pecar por escassez de palavras. Afinal, ela não estava interessada em competir com aquela
gente importante. Só desejava sentir-se bem no ambiente e — por que não? — fingir que
fazia parte dele.
— Gostaria de dançar, querida? — Tom murmurou em seu ouvido.

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— Adoraria!
Tom dançava muito bem, e a música lenta a deixava nas nuvens.
— Seu vestido é um Prue Acton? — perguntou ele, divertido.
— Sei lá! — Cathy deu risada. — Simplesmente o achei bonito e resolvi comprá-lo.
— Não entendo como as mulheres conseguem perder tempo com roupas. Só Deus
sabe por que gastam tanto. Acho uma bobagem, pois existem valores mais importantes do
que a aparência.
— Fico contente que pense assim, Tom. Graças a isso confiou em mim e levantou meu
astral.
— Discordo. Você tinha garra, e eu, sorte bastante para reconhecer suas qualidades
pessoais. O mesmo poderia acontecer com qualquer outro empresário. Sempre há um começo!
— Não me refiro somente ao suporte financeiro. Sempre foi um amigo encorajador.
Mais do que isso, provara a ela não ser difícil obter o respeito de quem quer que
fosse, levando-a àquela festa.
Os olhos de Cathy brilhavam intensamente com a satisfação de um sonho impossível,
e ela acrescentou:
— Você me faz sentir como se pertencesse à sua classe social!
— Ninguém a consideraria inferior, querida. É inteligente, educada e fina. É uma
mulher de muita fibra: se propôs a fazer algo e obteve um sucesso incrível!
Morrendo de alegria com tantos elogios, ela abraçou Tom e lhe deu um beijo no
rosto.
— Obrigada por tudo que tem feito por mim.
— Ora, Cathy, que é isso? Só ganhei, conhecendo você. Tornar-me seu sócio foi a
melhor coisa que podia me acontecer na vida. Poucos homens têm a sorte de possuir a seu
lado uma mulher tão extraordinária.
Colou o rosto ao dela e continuaram dançando, embalados pela música suave. Um
cantor com voz melodiosa entoava canções francesas, proporcionando um convite ao
romantismo.
Cathy tentava manter os olhos fechados e se deixava levar pela sensação deliciosa
que tomava conta de seu corpo. Mas era tão difícil ficar alheia àquele ambiente elegante que,
sem querer, sua atenção se voltava a todo momento para as pessoas, e ela procurava captar
toda a descontração de um mundo particularmente exclusivo. De repente, deparou com uma
figura muito alta, de cabelos loiros e que se sobressaía dos demais, e sentiu uma reviravolta
no estômago.
"Não é ele! Não pode ser ele!", a mente de Cathy afirmava.
O homem caminhava em sua direção. De propósito? Ou estava imaginando coisas?
"Meu Deus! Tomara que eu esteja enganada!", ela rezava fervorosamente, desejando
que aquilo não passasse de uma peça pregada pelo destino. Seria coincidência demais!

CAPÍTULO II

O homem alto e loiro reconhecera Cathy. Sem dúvida. Notava-se a batalha que
travava consigo mesmo. Sua incredulidade era mais do que evidente. Recuperando-se do
impacto, convidou uma moça para dançar e, com passos largos, procurou chegar perto de
Cathy.

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O coração dela parecia prestes a explodir dentro do peito. Não gostaria de revê-lo.
Jamais. Principalmente agora que tudo corria tão bem em sua vida. Não desejava reviver o
passado, já que decidira nunca mais sofrer humilhações. Anthony! Uma fraqueza tomou conta
de Cathy: medo se transformando em pânico. Sentiu o pulso acelerar só de pensar naquele
nome. Só de perceber a presença dele, que se assemelhava a um pesadelo. Mas lá estava
Anthony, mais atraente do que conseguia se lembrar.
— "Cinco anos... cinco anos!", Cathy recitava em silêncio, procurando raciocinar. "Já
não deveria me afetar tanto assim. Não, após todo esse tempo!"
E Anthony se aproximava. Mais e mais. Como um imã, hipnotizando-a, os olhos verdes
fitando-a ansiosamente, reavivando lembranças que ela teimava em manter enterradas.
Cathy resolveu usar Tom como barreira. Continuou dançando e assumiu uma
expressão alegre que disfarçava seu tumulto interior. Precisava recuperar-se do choque
causado pelo encontro desagradável. Não permitiria que sua noite, tão bonita, se estragasse.
Talvez não houvesse outra.
Antes que Anthony chegasse mais perto, e aproveitando um casal que, sem saber,
dificultava-lhe a aproximação, Cathy pediu a Tom para voltarem à mesa, alegando sede. De
mãos dadas e conversando animadamente, retornaram aos seus lugares.
Sua esperança em despistar Anthony foi inútil. Olhou-o disfarçadamente e, para seu
martírio, ele também parara de dançar e parecia ir em sua direção. Cada moça do baile
acompanhava-lhe os passos. O charme, o bom humor e a elegância de Anthony o tornavam,
com certeza, um dos mais cobiçados bons partidos da festa. Para Cathy, entretanto, ele não
passava de uma lembrança terrível, que no passado lhe dera enorme desgosto. De maneira
contraditória, o desespero se transformou em satisfação repentina.
"Sim, deixe-o vir mais perto e me ver agora! Deixe-o conferir a mulher que foi uma
mocinha tímida e tola e que os pais dele julgaram inconveniente para entrar na família! Há de
se arrepender amargamente pelo que me fez!", ela pensava, experimentando uma sensação
quase de revanche.
Ele estava somente a alguns metros quando Cathy assumiu uma pose mais elegante,
empinou o nariz e ficou à espera. Apesar de nervosa, mascarou sua agitação e até conseguiu
um sorriso divertido. Passou a prestar atenção na conversa das outras mulheres sobre as
futilidades da alta sociedade. Tom lhe ofereceu uma taça de champanha, juntamente com um
olhar caloroso.
Um garçom acabara de colocar pratinhos com canapês diversos sobre a mesa, e
Cathy escolheu um de caviar. Achando delicioso, ofereceu um a Tom.
— Está divino. Experimente.
Tom mordeu o canapê e só então notou o homem loiro.
— Você o conhece, querida?
— Sim... — ela respondeu num fio de voz, sentindo a garganta secar. Apanhou a taça
de champanha e sorveu uns goles, numa forçada descontração.
Primeiro Anthony concentrou-se nos cabelos de Cathy. Antigamente iam até o meio
das costas, e ele costumava deslizar os dedos pelos fios longos. Em seguida, seus olhos
percorreram-lhe rapidamente o corpo e o rosto. Ela apresentava uma significativa perda de
peso e um pescoço mais fino, bem diferente do que ele beijara tantas vezes.
Percebendo que era examinada, Cathy sentiu-se ruborizar e tentou disfarçar. Uma
onda de vergonha avançou sobre ela e não havia como detê-la. Tom estava ali a seu lado e não

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deveria ser desprezado. Afinal, fora ele quem lhe devolvera a fé no mundo e cobrira, de
certa forma, a lacuna deixada por Anthony. Os braços de Tom lhe proporcionavam um
conforto e segurança jamais experimentados nos de Anthony. Com ele tudo não passara de
uma obsessão que a levara às alturas para depois jogá-la no mais profundo desespero. Um
amor tumultuado que lhe dera mais dissabores que alegrias. Atualmente se havia algo que
Cathy desejava de coração, era tocar a vida sem pensar nos contratempos de anos antes.
— Cathy! Quanto tempo!
A voz grossa soou falsa aos ouvidos dela, e a resposta saiu fria e irônica:
— Ora, eu jamais esperava vê-lo... aqui!
— Para mim foi uma adorável surpresa! Quando eu...
— Este é Thomaz Henry Crawford — Cathy o interrompeu.
— Muito prazer. Anthony Prior-Jones. Seu nome me parece familiar. Por acaso é
amigo de Vanessa, minha irmã?
— Isso mesmo. Ela também veio?
— Acha que perderia uma festa? Não, por nada neste mundo. Sabe como adora
badalações...
Tom deu risada e passou a apresentá-lo aos outros casais da mesa, mas Anthony já
conhecia a maioria.
Cathy ficou irritadíssima consigo mesma, enquanto o grupo iniciava um bate-papo
com Anthony. Em sua cega estupidez, esquecera que pessoas ricas sempre conviviam em
ambientes idênticos: freqüentavam as mesmas escolas e compareciam a todos os eventos.
Assim, claro que Anthony estaria numa festa tão importante. Como não pensara nisso antes?
Distância não significava empecilho algum para uma família que possuía seu próprio avião.
Principalmente para os Prior-Jones, que gostavam, de marcar presença nos mais famosos
acontecimentos da Austrália. Qualquer pessoa que conhecesse a propriedade deles, em
Mirrima, não duvidaria.
Mirrima! Aquele paraíso a fizera ter uma vontade louca de se casar com Anthony,
antes que os pais dele lhe abrissem fogo. Seu corpo contraiu-se ao lembrar de Stephanie e
Carlton Prior-Jones. Estariam ali também? Somente a presença de Vanessa fora mencionada.
"E daí, se eles vieram? Se fui aprovada pela sra. Pallister e pelos amigos de Tom,
logicamente o serei pela família Prior-Jones!", Cathy pensava, orgulhosa.
— Devo confessar que só vim até aqui por causa de Cathy — Anthony disse para
Tom. — Importa-se se eu conversar um pouco com ela? Não nos vemos há muito tempo, e
estou curioso para saber as novidades.
— Claro! Sente-se conosco. Só não garanto que a cadeira fique vaga por muito
tempo, pois Fiona voltará logo. Mas até lá...
— Obrigado.
Só para provocar, assim que se instalou, Anthony colocou o braço na parte de trás
do encosto da cadeira de Cathy, levando-a a se retrair um pouco. Os nervos dela ficaram à
flor da pele. Um simples e pequeno contato... mas o conhecera tão intimamente! Tentando se
proteger, Cathy buscou a mão de Tom, numa cega necessidade de se defender das
lembranças do passado. Precisava se preparar psicologicamente.
— Você está morando em Sídnei? — perguntou Anthony, com vivo interesse.
— Mudei-me para cá há alguns anos.
— Engraçado! Não sei por que, mas imaginei que ainda estivesse em Armidale,

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casada, com uns dois filhos...
— Então conheceu Cathy em Armidale? — Tom pareceu ansioso.
Cathy prendeu a respiração, desejando que Anthony fosse, no mínimo, discreto.
— Sim, eu fazia um curso de agronomia na universidade de lá, e Cathy foi muito boa
comigo. É ótimo revê-la, depois de tantos anos!
— Conte para ele que você se transformou na melhor mulher de negócios de Sídnei.
— Tom tem o hábito de me colocar nos céus. É uma forma de proteger sua
porcentagem.
— Como assim? Expliquem melhor...
— Somos proprietários de uma loja de antigüidades. — Cathy adorou ver o brilho de
incredulidade nos olhos de Anthony. — E foi sua mãe quem me ajudou. Graças a ela aprendi a
valorizar os objetos antigos. Aliás, apresente-lhe meus agradecimentos sinceros, pois lhe
devo não só isso, como também o fato de me abrir os olhos para o mundo.
— Você certamente percorreu um caminho árduo.
— Depende do ponto de vista... mas, e você? Casou-se e já tem filhos?
Os lábios dele pareciam cada vez mais secos.
— Ainda não. Para a insatisfação de meus pais. E sua família? Vão todos bem?
— Até aonde eu sei...
Um silêncio caiu entre eles. Cathy nunca falara com Tom a respeito de sua família ou
de sua vida em Armidale.
— Não se reconciliaram? — foi a pergunta indiscreta de Anthony.
Cathy rangeu os dentes. Como se ele se importasse! Nunca se preocupara com isso.
Devia até achar ótimo o fato de ela ser uma moça sozinha, sem o assédio da família. Nem se
abalara quando o pai dela a considerou uma libertina, colocando-a fora de casa, privando-a do
único lar que conhecera. E agora tocava no assunto com a maior displicência...
— Algumas coisas nunca mudam — ela respondeu e sentiu-se aliviada ao ver Fiona
retornando à mesa. Mais uns instantes, e tudo se acabaria. Anthony teria de sair dali.
A orquestra tocava animada, e Anthony não perdeu tempo.
— Posso convidar Cathy para dançar, Tom?
"Não", ela gritou em pensamento.
— Se ela aceitar...
— Eu... acho que...
— Vamos, Cathy! Costumávamos dançar tanto! Pelos velhos tempos! Anime-se!
Ela não encontrou alternativa. Uma recusa poderia significar grosseria após aquela
demonstração de familiaridade, tornando a situação pior.
"Cretino! Por que não me deixa em paz? Por que não me larga sozinha, como fez tão
friamente quando precisei de você? Como ousa vir aqui e transformar minha vida num inferno
de novo?"
Seu consolo era que, dançando, teria chance de lhe falar mais abertamente, sem a
presença de Tom. Considerava o passado algo muito particular, que nada tinha a ver com o
tipo de vida que levava em Sídnei.
Cathy sorriu para Tom e, ao se levantar fez-lhe um carinho nos ombros, enquanto
prometia não se demorar.
Quando Anthony puxou-a para si e começaram a dançar, seu corpo ardia de
ressentimento.

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— Com medo de mim? — ele murmurou perto de seu ouvido, separando-lhe uma
mecha de cabelo.
— Eu? Por que deveria?
— Que tal relaxar um pouco?
Cathy procurou mostrar-se mais descontraída. Foi um erro. A mão de Anthony
passou a acariciar-lhe as costas enquanto a puxava ainda para mais perto, trazendo à tona
lembranças que ela lutara tanto para sepultar.
— Por que fugiu de mim, querida?
"Mas foi ele que fugiu! A não ser que esteja se referindo a esta noite, quando voltei
para a mesa com Tom." Sua cabeça começava a doer.
— Qual é o problema, Anthony? Tudo terminou entre nós, e há muito tempo. O que
pretende, afinal?
— Nada terminou. Pelo menos para mim. Ainda me lembro da última noite em que nos
vimos. Você foi embora e pensei que me houvesse trocado por outro homem. Já estávamos
juntos há dois meses, e você, de repente, não quis mais fazer amor comigo, ficando distante
de tudo. Nem correspondia mais aos meus carinhos. Só poderia haver outro homem. Quem
era? Por que não se casaram? — A voz tornou-se ainda mais emocionada. — Você partiu meu
coração ao me dizer adeus naquela noite. Foi meu primeiro e único amor... Acho que morrerei,
se você for embora novamente.

CAPÍTULO III

Uma raiva surda e impotente começou a crescer dentro de Cathy. O passado se


materializava bem ali, à sua frente, fazendo-a lembrar-se de tudo... A inconstância dos
sentimentos de Anthony, a necessidade de se juntarem a outras pessoas em ocasiões em que
isso não devia acontecer e... os pais dele demonstrando, por meio de sutilezas, que ela nunca
se tornaria uma Prior-Jones. O filhinho de papai não levantara um dedo sequer para
defendê-la, o que a deixara mais deslocada ainda no ambiente suntuoso. Que arrependimento
ter ido a Mirrima! E o pior fora que tivera de dormir lá, pois não havia como voltar. No dia
seguinte, quando Anthony a deixara na porta de sua casa, ele nem mencionara um novo
encontro. Saíra tão apressado!
Cathy não precisava de outras razões para se afastar dele. As palavras que
trocaram na hora da despedida haviam causado mais sofrimento do que ela poderia agüentar.
E o orgulho falara mais alto, fazendo-a colocar um ponto final no namoro que jamais daria
certo.
A amargura foi externada:
— Que criancice a sua imaginar que eu tinha outro homem. É uma boa desculpa,
quando não se deseja assumir nada. Nunca fui tão tola como você pensava. Quando me deu um
beijo rápido naquela noite, ao se despedir, percebi seu plano de acabar com nosso
relacionamento. Eu não servia para ser sua esposa!
— Alguma vez eu lhe disse isso?
— Nem precisava. Suas atitudes demonstravam tudo. — Não finja que não percebeu
o que sua família me fez. Foi testemunha de como me rebaixaram. Não freqüentei escolas
finas, usava muita maquilagem, minhas roupas eram inadequadas, e eu desconhecia
totalmente as cerimônias das altas-rodas. Até minha religião foi criticada! Como vê, Anthony

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Prior-Jones, você sabia direitinho que eu representaria um peso, caso insistíssemos em
manter nosso namoro. Assim, resolvi sair de sua vida antes que aparecessem mais obstáculos.
— Ora, nenhuma crítica dessas tinha importância para mim. Nunca liguei para esse
tipo de coisa. E sabe por que ainda não me casei? Depois de você, mulher alguma conseguiu
despertar meu interesse.
— Seu interesse sempre se concentrou em sexo, Anthony. Por que não admite isso
de uma vez? Esta conversa não levará a nada. Além do mais, o que importa? Já faz parte do
passado...
— Não para mim. Ainda é presente e deve ser vivido com toda intensidade.
A veemência da paixão na voz dele a confundiu. Ficou mais temerosa ainda quando
Anthony apertou-a nos braços.
— É só uma amostra de como você desperta meu desejo. Abraçando-a assim, eu...
Nossa! Como eu a quero!
Suas pernas tocavam as dela, numa seqüência de movimentos que evocavam as mais
dolorosas lembranças.
— Você ainda corresponde aos meus sentimentos, meu amor. Eles nunca acabaram.
Nem parece que ficamos tanto tempo separados... — ele murmurou.
— Pare com isso! — Cathy lutava contra as palavras que a seduziam de forma
enlouquecedora. Todo o seu corpo começava a arder de vontade de retomar a paixão
avassaladora de outrora.
— Costumávamos dançar assim, lembra? Os corpos bem colados e nossos olhos
antecipando o prazer que sentiríamos mais tarde. Como agora, doçura...
Ela detestava a maneira como se deixava influenciar por um homem que lhe
provocara tanta decepção. Odiava sentir-se tão vulnerável a seu magnetismo.
— Ouça: se continuar agindo desse jeito, juro que bato em você. Juro que faço um
escândalo que irá parar na primeira página dos jornais!
— Calma! Não ficaria bem para você. Só estou provando que nosso amor ainda está
vivo.
Cathy respirou fundo, tentando se recompor. Apesar de ter perdido o controle, sua
mente travava uma enorme batalha para se manter alerta.
— Você talvez ainda me deseje, Anthony, mas não afirme que é amor. Nunca foi, ou
não teria permitido que seus pais o vencessem.
— Não atribua a culpa só a mim. Você também permitiu que eles a subjugassem. Além
disso, éramos muito jovens, e minha família tinha razão em alguns pontos. Eu não conhecia
outras garotas o bastante para sentir-me seguro da minha escolha. Mesmo incerto,
entretanto, após algumas semanas a procurei, não foi? E você me rejeitou... Não diga que não
a amei, porque não é verdade!
A paixão que saltava dos olhos verdes era tão forte, tão convincente que Cathy se
desestruturou por completo. O amor que dedicara a Anthony fora muito forte e deixara
marcas profundas em sua alma. Talvez ele tivesse mesmo sido manipulado pelos pais. Mas por
que não demonstrara interesse por ela e preferira um silêncio de morte, destrutivo? Cathy
não sabia mais no que acreditar. Balançou a cabeça, como se quisesse desanuviar a confusão,
pois começava a se perder no meio das lembranças que voltavam à tona. Anthony havia
tocado seu coração. De novo.
— Agora será diferente, querida. Quando a vi hoje... Nossa! Não sei como descrever

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as sensações que tomaram conta de mim. Gostaria que meus pais estivessem aqui para vê-la.
Teriam de engolir cada maldita palavra que disseram contra você. Podemos iniciar tudo de
novo. Basta querer.
De jeito nenhum!
A garganta de Cathy emitiu quase um grito, uma reação instintiva à ferida que o
tempo já cicatrizara. Gostava da vida que estava levando. Era cheia de desafios, fascinantes
e a preenchia como nunca ocorrera antes. Sentia-se tão satisfeita com Tom! O passado
deveria ficar onde estava, sem ser remexido.
— Gosto de minha relação com Tom — ela continuou. — A companhia dele é muito
agradável.
Os olhos verdes fitaram-na profundamente, procurando os sentimentos que ela
teimava em esconder.
— Estão vivendo juntos?
— Não. Vivo por minha própria conta. Como devia ter feito desde aquela época.
— Mas duvido que nutra por ele o que sentiu por mim. Você pode voltar atrás. Ir
embora... como fez comigo. Se agiu assim antes, por que não repetir? O que houve entre nós
foi muito especial, e não passa pela minha cabeça que você consiga amar algum homem da
mesma forma. Como eu. Jamais sentirei algo assim por outra pessoa.
Enquanto Anthony falava, ia acariciando a nuca de Cathy, e arrepios de prazer
percorriam o corpo dela.
— Vamos, meu amor, me dê uma chance...
— Não quero! Não posso! — ela afirmou mais para si mesma, imaginando o que
aconteceria se lhe desse outra oportunidade.
— No mundo inteiro não existiram pessoas que se amaram tanto como nós. Deixe-me
fazê-la feliz de novo. Não se arrependerá.
Anthony parou de dançar e a apertou fortemente, num abraço que parecia eterno. A
escolha estava nas mãos de Cathy. Se quisesse, poderia sair correndo dali. Mas desejava
isso? Ele dizia a verdade? Passado e presente se misturavam de tal forma que impediam seu
raciocínio.
— Você está apaixonada por Tom?
— Não sei. Realmente não sei. — O conflito em seu coração não lhe permitia uma
resposta concreta.
E Anthony continuava estreitando-a nos braços e lhe sussurrando coisas com tanta
ternura que ela se sentia trêmula. Subitamente percebeu-se ainda amarrada àquele amor
fulminante.
Tinha se dado integralmente a Anthony, desistindo até de sua família. Abandonara
tudo por ele. E agora? Se agisse assim novamente, o preço seria alto demais. O sofrimento,
ainda maior. Cathy não sabia de mais nada, exceto que ele ainda conseguia despertá-la para
emoções esmagadoras.
A música parou e houve um movimento geral de volta às mesas.
— Fique mais um pouco comigo, meu amor — Anthony murmurou, enquanto deixavam
o salão de dança.
Cathy estava tão transtornada que nem notou a direção tomada por ele. Quando
finalmente percebeu, parou e olhou para os lados.
— Não posso ir com você. Preciso retornar à minha mesa. Tom me espera e não

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merece esta desconsideração.
— Está bem, Cathy. Vamos fazer o seguinte: convidaremos Tom para a minha mesa, e
assim ele ficará conversando com Vanessa. Que tal?
Cathy nem respondeu. Novamente ele procurava tomar as rédeas da situação. Agora
tramava um envolvimento de Tom com Vanessa, para ficar mais à vontade! Que absurdo! Não
deveria manipular as pessoas assim! Mas Anthony sempre fizera isso.
Uma mulher ocupara a cadeira de Cathy e conversava com Tom. Uma mecha de
cabelos loiros escondiam-lhe as feições; mas, quando deu uma gargalhada e jogou a cabeça
para trás, foi fácil identificá-la: Vanessa. Certamente não era mais uma colegial. Sua beleza
transparecia de forma extraordinária. Ela se transformara numa mulher altamente sedutora.
O vestido de tafetá preto com certeza levava a etiqueta de um costureiro famoso. O colar
de águas-marinhas, cravejado de brilhantes, realçava muito seus olhos azuis, que fitavam
Tom com ávido interesse. De repente, ela percebeu a presença de Cathy.
— Olá! Como vai? Sabe que não acreditei quando a vi com Tom? Até Anthony duvidou!
Se eu soubesse que estava em Sídnei, a teria procurado antes.
— Teria sido ótimo, Vanessa. Tudo bem com você? — respondeu Cathy, fingindo não
perceber o cinismo. Os dois irmãos mais pareciam uma raposa e um coelho. Tinham algo em
comum: a esperteza.
— Van está morando com vovó, enquanto estuda ciências na Universidade de Sídnei.
Não sei por quê, mas repete cada ano. Ou seja, leva dois para passar para o seguinte —
Anthony brincou.
— Obrigada, mano! E eu que tentava impressionar Tom, dizendo que agora sou mais
ajuizada! Lá vem você estragar tudo!
— Nunca a considerei desajuizada, Vanessa.
Ela se virou para Tom e depositou-lhe um beijo no nariz, deixando Cathy enciumada e
surpresa por sentir-se tão possessiva em relação ao sócio.
Tom nem se abalou. Sorriu para Cathy, demonstrando o prazer em tê-la de volta, o
que negou qualquer fascínio que a beleza de Vanessa pudesse exercer sobre ele.
Astuto como sempre, Anthony percebeu o olhar apaixonado que Tom enviava a Cathy
e logo interveio:
— Não precisa interromper seu bate-papo com Vanessa. Vim até aqui justamente
para convidá-lo a se sentar conosco. Façamos uma reunião de amigos. Talvez jamais tenhamos
outra oportunidade e não devemos desperdiçar esta. Como amanhã voltaremos para Mirrima,
vamos aproveitar bem a noite.
— Venha, Tom! — insistiu Vanessa, puxando-o pelo braço. — Gostaria de continuar
nossa conversa. Quero lhe provar que está errado acerca das propriedades rurais. Em
termos de investimento não há nada melhor.
Tom ensaiou um sorriso meio sem graça.
— Meus planos eram ficar com Cathy.
— Não pretende monopolizá-la só porque a trouxe à festa, não é? Ou teme que
alguém a roube? — Anthony interferiu, dando uma gargalhada. — Não pode ser tão egoísta,
rapaz! Uma ou duas horas conosco não atrapalharão nada.
Tom olhou para Cathy, esperando uma desculpa. Ela simplesmente não sabia o que
dizer e deu de ombros.
Embora Cathy não se sentisse à vontade com a situação, considerou que em parte

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seria uma grande chance para avaliar sua própria disposição afetiva. Os dois homens
estariam juntos, ela analisaria cada um e somaria os pontos, após compará-los. Quem sabe o
resultado final ajudasse a colocar em ordem seus sentimentos.
O convite acabou sendo aceito por Tom. Assim que chegaram à mesa, Anthony
solicitou cadeiras extras e fez as apresentações. Eram todos grandes proprietários de
terras no noroeste do Estado.
— Cathy é uma das nossas. Nasceu em Armidale. Tom, por outro lado, ainda precisa
ser convertido às nossas maneiras. Ele considera a Bolsa de Valores um investimento muito
mais conveniente do que a criação de ovelhas e a cultura de trigo.
— Não é bem assim, Anthony — Tom retrucou. — Afinal, os bens da minha família
também foram adquiridos dessa forma. Eles decidiram vender as terras no momento
apropriado.
Seguiu-se uma controvérsia de opiniões, e Cathy ficou lisonjeada quando um dos
ricaços pediu seu parecer. Todos imaginavam que ela argumentaria contra Tom. Para não ser
indelicada, resolveu sair pela tangente, afirmando que cada pessoa tinha seus próprios
interesses, e disso dependia a melhor forma de investir.
A inteligência de Cathy na resposta gerou muitos elogios, fazendo-a pensar como era
irônica a situação. Ali estavam Anthony e Vanessa, tratando-a como a uma igual. Quem diria!
No passado... fora vista como uma qualquer, insignificante, um zero à esquerda. Caso Anthony
tivesse lutado contra Stephanie e Carlton Prior-Jones e se casado com ela, será que aquelas
pessoas a aceitariam tão prontamente como agora? Cathy duvidava... Sua posição agora era
muito diferente. Mudara muito. Por dentro e por fora.
— Bem, Tom, se não deseja investir em terras, por que não se casa com uma moça
que já as tenha? Assim, seu rendimento se duplicaria! — sugeriu Vanessa, maliciosamente.
— E os meus problemas também! Teria de me preocupar com as secas ou as
enchentes, sem mencionar os incêndios nas matas, as pragas nas plantações, as geadas... Não,
minha cara, prefiro ficar quietinho no meu canto e menos apreensivo. Seria muito
desgastante.
Cathy sorriu. Ele era terrível! Tinhas as respostas sempre na ponta da língua. Bem
feito. Acabara com a insinuação de Vanessa em dois tempos. Mas as palavras dela ainda
continuavam na mente de Cathy. Realmente riqueza casava com riqueza. Apesar de ter se
entrosado naquele ambiente refinado, não fazia parte dele. Faltava-lhe substância.
Jillian Barnsworth, a garota sentada ao lado de Anthony, sem dúvida pertencia ao
mesmo meio e com certeza era uma pretendente. Seus olhos simplesmente o devoravam.
Aparentava uns dezoito anos. Quase a idade de Cathy quando o namorara.
Uma dorzinha tomou-lhe o coração. Valeria a pena permitir o assédio de Anthony de
novo? Compensaria o risco? Seus olhos procuraram os dele para esclarecer a dúvida, sem
obter êxito.
— Vamos mostrar a Tom o que está perdendo, Van. Convide-o para ir a Mirrima
passar o fim de semana. Assim ele terá oportunidade para conferir pessoalmente as nossas
vantagens. Aliás, poderia até voar conosco amanhã.
Vanessa bateu palmas, entusiasmada.
— Puxa, mano! A isso eu chamo uma excelente idéia! — Virou-se para Tom. — Isso
mesmo, querido! Vamos raptá-lo! Agora, sim, a festa está ficando boa! Iremos testar a
diferença do vigor da cidade contra a tradicional e gostosa comida do campo!

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— Não, Vanessa. Mas obrigado da mesma forma. Toda a excitação de que preciso se
encontra aqui. Nem preciso sair da cidade — respondeu Tom, olhando de soslaio para Cathy.
Anthony tentou convencê-lo.
— Leve Cathy. Fugirão um pouco da cidade grande, respirarão ar puro, com toda a
natureza ao redor. E quanto a você, Cathy? Quando teve um momento de folga nestes
últimos anos?
"Oh, não! Mirrima não! Não desejo voltar lá!"
— Há muito tempo... — respondeu.
— Meu Deus! Enlouqueceu? Não sabe o quanto as férias são importantes? E aí, Tom?
Que espécie de amigo é você que a priva da chance de descansar um pouco? Façam a coisa
certa: venham com a gente!
— Não posso deixar meus negócios — Cathy tentou argumentar.
— Só sua maneira de falar é um indicador do quanto está esgotada. O que estão
esperando? Fale com ela, Tom.
— Ele tem razão, Cathy... Bárbara é perfeitamente capaz de tomar conta de tudo
enquanto estivermos fora. Você trabalha sem parar e merece um descanso.
Cathy não acreditou nos próprios ouvidos. De repente, Tom concordara e também
tentava convencê-la, numa atitude bem contraditória em relação à relutância anterior. Ele
não fazia a menor idéia do que estava lhe pedindo. Jogava-a ao encontro de um passado tão
difícil...
— Vamos, Cathy. Não seja desmancha-prazeres. Não há nada que a impeça.
Ela olhou distraidamente para Vanessa. Como era interesseira! Estava mesmo era de
olho em Tom e na sua riqueza. Nada como reunir fortunas!
— Esta é a melhor época do ano para ir a Mirrima. Tudo está florido — Vanessa
acrescentou.
Com uma estranha sensação de que uma roda enorme vinha esmagá-la, Cathy se
decidiu,
— Tudo bem, conseguiram me vencer. Acho que não é má idéia relaxar um pouco e
mudar de ares.
— Viva! Prometo que não se arrependerão. — A voz de Anthony soou triunfante.
Todos mostravam-se muito animados. Cathy, ao contrário, se escondia atrás de seus
medos, sem contudo demonstrá-los.
— Sairemos às duas e meia da tarde. Está bem para vocês?
— Perfeito — Tom respondeu. — E podem estar certos de que Cathy estará lá.
— Combinado, então. Teremos tempo de dormir um pouco mais e ainda chegaremos lá
antes do jantar. — Anthony não escondia o contentamento.
Tom quis saber se a família não se importaria com os convidados extras, e Vanessa
deu risada.
— Está brincando! Nem imagina como a casa fica lotada de amigos nos sábados e
domingos. Centenas de pessoas estarão lá. Costumamos ser muito hospitaleiros...
"Hospitaleiros!", Cathy pensou com ironia. Ela, melhor do que ninguém, conhecera de
perto a acolhida de Carlton e Stephanie. A diferença era que, agora, não acumulava mais os
ridículos complexos. Ficariam muito surpresos ao vê-la.
O pensamento lhe deu uma considerável satisfação. Caso não acontecesse nada de
errado naqueles dois dias, provaria algo para si mesma ao confrontar-se com os pais de

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Anthony novamente. Aí, sim, passaria no exame final..

CAPÍTULO IV

A cidade estava quieta quando voltaram para casa. Tom rodava pelas ruas quase
desertas e as tensões da noite gradualmente tomavam o corpo de Cathy, deixando-a exausta.
Não era muito tarde: apenas uma hora da manhã. O baile ainda ia a todo vapor, mas ela ficou
aliviada quando Tom sugeriu que se retirassem.
Cathy precisava se organizar para o fim de semana em Mirrima. Compraria algumas
roupas e se prepararia física e mentalmente. Não seria um carneirinho ingênuo indo para o
massacre.
— Quer uma ajuda na loja amanhã?
Cathy sorriu para Tom, numa demonstração de gratidão. Ele sempre estava pronto
para auxiliá-la.
— Não, obrigada. Pedirei a Bárbara para ficar lá.
— Será um passeio e tanto. Você precisa descansar, e além disso, adoro o fato de
viajarmos juntos. Mudando de assunto, por que nunca me contou sobre sua família? Gostaria
de saber... Quem sabe, até conhecê-los.
Ela hesitou uns segundos antes de falar.
— Saí de casa quando tinha dezessete anos. Para eles não existo mais.
— Não me diga! E como aconteceu?
— Minha vida era muito diferente naquela época, Tom... Desculpe-me, mas prefiro
não relembrar essas coisas nem falar sobre seus detalhes.
Tom tomou a mão de Cathy, como se quisesse confortá-la, deixando-a sensibilizada
com o pequeno gesto. Ele tinha força e invariavelmente a envolvia de forma aconchegante.
— E Anthony? Onde se encaixa nessa história?
Ela o olhou, agitada, o coração desgovernado. A pergunta fora casual. Tratava-se de
uma curiosidade natural, depois daquela noite e dos comentários de Anthony. Não lhe
ocorrera que mais cedo ou mais tarde isso aconteceria e, assim, não estava preparada. A
resposta era um dilema que a atormentava.
— Meu primeiro emprego foi como vendedora numa farmácia de Armidale. Anthony,
na ocasião, estudava na universidade e costumava comprar seus remédios e outros artigos
comigo. Acabamos ficando amigos e saindo de vez em quando. Não o vejo desde que se
formou.
Uma sensação de culpa ficou escondida nas palavras. Tom ouvia quieto, e Cathy
imaginou se ele detectara algo. Olhou-o, apreensiva, receando as conclusões a que pudesse
chegar.
— Então Anthony a conheceu quando os tempos ainda lhe eram difíceis... Mas não
compreendi por que você ficou tão relutante hoje à noite, já que foram tão amigos. Será que
a presença dele e trouxe lembranças que gostaria de esquecer?
— Sim — ela respondeu brevemente, aliviada por Tom não ter descoberto a verdade.
— Talvez este fim de semana não seja uma boa idéia.
Cathy esteve tentada a lhe dizer tudo e desistir da viagem. Mas não podia voltar
atrás. Uma força estranha a empurrava.
— Agora sou mais adulta, e as coisas não me afetam tanto como naquela época. Além

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do mais, estarei com você.
— Obrigado pela parte que me toca! Mas diga-me: como uma vendedora de farmácia
conseguiu se tornar uma expert em antigüidades?
Os olhos de Cathy denunciaram felicidade.
— Não imagina? Muito trabalho, esforço e determinação. Fui aprendendo tudo o que
pude por meio de observação, estudos e mil perguntas aos entendidos no assunto. Quando
achei que estava pronta, passei a freqüentar leilões e a investir todas as minhas economias
nos melhores artigos que encontrava. Daí imaginei que conseguiria um bom dinheiro se os
vendesse em Sídnei e assim cheguei a você. Na realidade, tive muita sorte. Pela lógica, se
seguisse as normas comuns num negócio, iria à falência num piscar de olhos.
— Para mim foi muita coragem! — Tom respondeu, admirado.
— Desespero, meu caro. Quando se está rodeada de pessoas querendo nos pisar e
nos tratando como se fôssemos ninguém, o desespero nos leva a tomar uma atitude; ou se
arrisca alto ou se enlouquece.
— Jamais poderão fazer algo contra você agora, querida!
As mãos de Tom apertaram as dela, transmitindo-lhe proteção e segurança. Aliás,
ele a amparara desde o começo. Suspendera os juros do empréstimo e lhe dera a chance de
pagar somente quando o negócio estivesse consolidado. "Estou protegendo meu próprio
investimento", dissera ele. Mas Cathy duvidava de que outro investidor tivesse sido tão
paciente e compreensivo. Devia-lhe mais do que qualquer quantia poderia pagar. A ajuda
daquele homem fora a mola propulsora de seu sucesso.
Tom dobrou a esquina e entrou na rua que levava ao apartamento de Cathy. Ao
chegar ao prédio, estacionou o Mercedes na vaga de visitantes, desceu do carro e foi ajudá-
la a sair. Cavalheiro, acompanhou-a até a porta do apartamento.
Cathy enfiou a chave na fechadura e virou-se para ele com um sorriso encantador.
— Muito obrigada. Obrigada mesmo. Eu...
— Não quer me convidar a entrar? Gostaria de lhe falar por uns minutos — ele
interrompeu gentilmente, com os olhos brilhando de ansiedade.
Ela hesitou e quase recusou. Ainda estava muito perturbada pelo reencontro com
Anthony e desejava ficar sozinha. Pensava em se despedir dele com um simples beijo de boa-
noite.
— Mas é tão tarde!
— Eu sei. Prometo não ficar muito tempo. Tenho algo muito importante para lhe
dizer. — A fisionomia dele tornara-se séria de repente, e havia um certo nervosismo na voz
sempre tão calma.
— Nesse caso...
Quando entraram na sala, Cathy desejou que o assunto não fosse grave. Sua cabeça
estava latejando. Já tivera o suficiente para uma só noite.
— Que tal um café? — perguntou, mais por educação do que por vontade de lhe
oferecer um. Seria fruto de sua imaginação ou Tom estava ansioso?
— Não, obrigado. Só quero mesmo é falar com você.
— Vamos nos sentar, então.
Tom se aproximou do sofá em que Cathy se acomodara e se agachou diante dela. Ela
o olhava, na expectativa de que começasse logo o assunto, pois sentia-se pouco à vontade. A
tensão crescia a cada segundo de silêncio. De repente Tom deu uma risadinha, quebrando o

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gelo que por um instante se estabelecera entre eles.
— Ei, não é algo tão terrível assim! Na verdade, é até bem simples: quero que seja
minha esposa. Eu a amo, Cathy. Acho que a amei desde o primeiro momento que a vi. Mas você
me pareceu tão independente... E eu sabia que não estava em busca de alguém para
preencher-lhe a vida. Com o passar dos anos, no entanto, suas atitudes em relação a mim
foram mudando, e ultimamente venho sentindo que me tornei muito mais do que um sócio e
um amigo para você. Espero não estar enganado.
Cathy simplesmente não conseguia falar. Ficou tão chocada que quase desmaiou. Sua
mente entrou num redemoinho, e suas idéias se emaranharam com a espantosa confissão.
Tom a amara todos aqueles anos e, entre todas as noites em que se encontraram, escolhera
justamente aquela em que Anthony ressurgira do passado para se declarar!
— Case-se comigo, meu anjo...
O peso do dilema a fez fitar impulsivamente o chão, incapaz de encarar o apelo
urgente dos olhos dele.
— Não me peça isso, Tom. Por favor... Não posso lhe responder. Hoje não, por
favor...
Subitamente os belos olhos maquilados ficaram marejados de lágrimas, que saltavam
sem controle como se transbordasssem de um peito amargurado e reprimido. Se Anthony não
tivesse aparecido, sua resposta, sem dúvida, seria sim. Tom era tão bom e carinhoso! Mas não
podia negar que Anthony tivera um papel fundamental em sua vida. Nem levar essa lembrança
para o futuro, com Tom. Não seria justo.
— Não chore, Cathy — ele murmurou, abraçando-a. — Não chore... Não será o fim do
mundo se sua resposta for não.
Podia-se perceber o desapontamento na voz profunda, o que levou Cathy a sentir
uma enorme pena dele.
— Eu lhe devo muito. Parece terrivelmente injusto que tenha esperado tanto tempo.
Uma paciência indescritível! Porém eu não conseguiria responder hoje. Você significa muito
para mim, mas... — As lágrimas voltaram a molhar os longos cílios negros.
— Calma. Não fique tão perturbada.
— Oh, Tom! Por que é tão bondoso comigo?
Ele levantou a cabeça de Cathy gentilmente e beijou-lhe as lágrimas, os olhos
fechados.
— Porque te amo muito! E não quero ver a mulher que adoro chorando por minha
causa.
— Sinto muito. Não esperava este pedido de casamento. Você nunca me disse nada..
— Não, nunca disse. Talvez devesse ter lhe contado... Saiba que não pretendo forçá-
la. Se quiser, continuaremos amigos.
— Tom, preciso deste fim de semana antes de tomar uma decisão. Você me pegou
tão de surpresa!
Como era difícil contar os motivos reais! Porém, se essas recordações provocadas
por Anthony fossem somente sensações involuntárias provocadas por um caso de amor da
juventude, revelá-las seria levar para Tom um problema desnecessário.
— Eu não estaria agindo honestamente se lhe desse uma resposta agora. Para minha
tranqüilidade, existe algo que preciso descobrir.
Ela o machucara mais uma vez, sendo tão evasiva. Buscava desesperadamente

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palavras mais amenas, que diminuíssem pelo menos um pouco a tristeza nos olhos de Tom. Em
vão. Nada lhe vinha, a não ser o nervosismo crescente.
Tom deu um suspiro e passou a acariciar o rosto de Cathy. O tremor dos dedos
denunciava a turbulência que lhe ia na alma.
— Um casamento significa algo sério e profundo entre duas pessoas, Cathy. Se elas
se amam o bastante, não há considerações a serem feitas. Nem dinheiro, nem status social
ou qualquer outra coisa. Nós nos conhecemos há quatro anos e apreciei cada momento que
estivemos juntos. Para mim, seu passado não faz diferença. Sabe, você é a mulher mais
incrível que conheci. Tentei lhe dizer isso várias vezes, mas não tive chance. Então achei que
esta noite seria especial, que o momento certo chegara. Suas reservas em relação a mim
terminariam, se ainda as tivesse.
Outro suspiro e uma pausa. A mão interrompera o afago.
— Não entendo como um fim de semana, um simples compromisso social, possa
influenciar sua decisão. Não se questiona o amor, Cathy. Refletir sobre ele somente lhe trará
infelicidade. Não quero que seja minha esposa se não sou correspondido. Portanto, esqueça o
que aconteceu... — E riu, meio desajeitado. — Ligo para você amanhã, depois do almoço.
Iremos juntos para o aeroporto. Como eu disse, poderemos continuar amigos.
Cathy o perdera. Passariam juntos o fim de semana, e, depois, só Deus sabia qual
seria o comportamento dele. Ela própria cavara sua solidão. Com quem compartilharia suas
coisas agora? Céus, o que fizera?
— Espero seu telefonema — respondeu automaticamente.
— Então até mais. A gente se vê amanhã.
Tom já alcançava a porta, e Cathy não conseguia sair do lugar. Estava completamente
sem ação.
— Boa noite e mais uma vez obrigada pela festa. Vejo-o amanhã.
Ele nem esperou o elevador. Dirigiu-se apressadamente para a escada, sem olhar
para trás. Cathy o viu desaparecer de vista, e os passos ecoavam nos degraus na mesma
proporção em que uma sensação de perda dominava sua alma.
Fechando a porta, ela ficou parada por algum tempo, relembrando tudo o que lhe
acontecera. Que destino! Uma noite esperada com tanta ansiedade se transformara num mar
de angústias, acabando com todos os seus sonhos. Anthony... Seria seu amor verdadeiro ou
apenas uma miragem perdida no passado? Ele se fora, e Tom entrara em sua vida. Agora
retornava, e Tom se retirava. Cathy sacudiu a cabeça numa tentativa inútil de ordenar os
pensamentos. Passado e presente se misturavam num vaivém de emoções que a deixava
zonza. De alguma forma precisaria dar-se um pouco de paz. E faria isso durante o fim de
semana.
Mirrima. Um lugar tão belo, mas que lhe trouxera tanta decepção! Será que agora
lhe traria alguma felicidade?
Cathy nem retirou a maquilagem. Despiu-se, colocou a camisola e se deitou. Apagou a
luz do abajur e afundou a cabeça no travesseiro.
"Não há como antever o que acontecerá. O jeito é aguardar. Amanhã. Tom. Anthony.
Mirrima. E eu? Que será de mim?"

CAPÍTULO V

20
— Já voou num bimotor alguma vez, Tom? — Anthony perguntou, enquanto
acomodava a bagagem no Cessna.
— Ainda não, mas sempre há uma primeira vez.
— Não sabe como é fantástico! Venha, sente-se no lugar do co-piloto e me ajude a
tirar o pássaro de aço do chão.
— Está brincando! Nunca pilotei um avião na vida!
— Então eis a sua chance!
Tom relutou um pouco, porém acabou se decidindo.
— Seja o que Deus quiser. Vamos lá! Porém não me passe os controles até estarmos
no ar. Só por curiosidade... você tem seguro de vida? — brincou ele.
Anthony lhe deu tapinha amigável nas costas e riu.
— Não se preocupe, meu velho. Não há perigo. É facílimo manejar este aparelho. Foi
a melhor compra que já fiz!
— Ei, mano, deixe-me pilotar e ensinar Tom! — Vanessa sugeriu e rapidamente tomou
o lugar do piloto.
— Nada disso. Você ainda não possui tanta prática — Anthony declarou, tirando-a de
lá. — Vá verificar se Cathy colocou direito o cinto de segurança. Faça algo melhor do que
tentar esnobar.
— Vejam só como fala o machão!
Anthony não lhe deu confiança e iniciou uma conversa com Tom, deixando-a sem
graça. Para compensar, ela indicou a Cathy o assento atrás de Tom e se acomodou do outro
lado, de onde podia vê-lo melhor.
— Tudo pronto. Vamos embora. O tempo está ótimo para viajar. — Anthony estava
todo animado.
Enquanto o avião decolava, Cathy imaginou como transcorreriam aqueles dias em
Mirrima. Sentia-se uma criança assustada.
No caminho para o aeroporto de Bankstown, Tom se esforçara ao máximo para
tornar o ambiente cordial com Cathy. Nenhum olhar, nenhum comentário de mau gosto
denunciou o que houvera na noite anterior.
"Esqueça o que aconteceu", pedira ele. Entretanto, Cathy não conseguia apagar essas
palavras da memória. Embora aborrecido, Tom se retirara com muita dignidade, fazendo-a
odiar cada minuto de sua estupidez por não ter sabido conduzir a conversa sem magoá-lo.
Assim que haviam chegado ao aeroporto, Vanessa começou a entreter Tom e lhe
falar sobre a festa. Cathy ficaria até aliviada com isso se Anthony não tivesse aproveitado a
chance para se aproximar dela. Cumprimentou-a afetuosamente e elogiou-lhe a elegância.
Apesar de se sentir lisonjeada, pois gastara um bom dinheiro para se mostrar mais
sofisticada, preferia que Anthony não prestasse atenção às suas roupas novas. Não desejava
que ele a julgasse pela aparência, algo tão superficial. Se a amasse de verdade, não se
importaria com o que vestia. Como antigamente. Como Tom fazia.
"Sabe, você é a mulher mais incrível que conheci." As palavras de Tom ecoaram na
mente de Cathy, deixando-a envergonhada. Isso não correspondia à realidade. Ela aceitara o
convite para ir a Mirrima por egoísmo. Se não desejasse, nem precisaria viajar até lá. Se
Anthony ainda a quisesse, acharia um meio de vê-la novamente, agora que descobrira onde
morava. Não era necessário envolver Tom nessa história. O melhor a fazer agora era ficar
longe de Anthony. Ou magoaria Tom ainda mais.

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Cathy olhou para Anthony, observando a sua elegância e beleza. Como ficar longe de
um homem tão charmoso e agradável, se uma simples olhadela a deixava estonteada? Ele
manejava o avião com a mesma confiança com que manipulava as pessoas. Até Tom, seis anos
mais velho e inteligente, se deixara conduzir.
O barulho do motor era tão alto que impedia qualquer conversa. Vanessa aquietou-se
em seu canto, e Cathy achou ótimo. Já bastava o tempo que ficariam juntas! Mas Vanessa não
estava interessada nela. Só tinha olhos para Tom. Como fora rejeitado na noite anterior, as
portas estavam mais do que abertas às investidas. E não havia homem que resistisse ao
assédio de uma mulher bonita, principalmente numa circunstância daquela.
Como o avião se mantinha estável, Vanessa se levantou e foi para junto dos dois
homens, rodeando-lhes os assentos com os braços. Passou a conversar animadamente, toda
cheia de sorrisos para Tom, o qual correspondia com seu usual bom humor. Já que Anthony
passara os comandos para ele e precisava lhe dar instruções ocasionais, formaram um
semicirculo, e Cathy acabou ficando de fora. Para fugir da monotonia, ela resolveu olhar para
a janela. A viagem seguia seu curso.
— Cathy! — A voz calma de Anthony a tirou de seus pensamentos. Ele afastara
Vanessa e lhe sorria, convidativo. — Venha ter uma lição de vôo. Tom lhe cederá o lugar.
Antes que ela respondesse, Vanessa interveio, sarcástica:
— Acha que está agindo certo, Anthony? Na última vez que voaram juntos para
Mirrima, Cathy ficou parecendo uma pêra verde quando aterrissaram!
Tom já deixara sua poltrona e instantaneamente disparou um olhar penetrante para
Cathy. Sua reserva idiota a impedira de lhe falar sobre o passado. E ele afirmara que isso
não tinha a menor importância. Agora era tarde, porém. Qual seria a próxima indiscrição de
Vanessa?
— Naquela vez o avião era menor, sem estabilidade, e o tempo horrível fez com que
o vôo fosse muito tumultuado — explicou Anthony.
Cathy se levantou e tentou se controlar.
— Realmente fiquei morrendo de medo. Também, minha experiência com vôos não
era lá essas coisas... Hoje não tenho mais problemas com aviões, Vanessa.
"Pare de se sentir culpada!", Cathy ordenou a si mesma. "Ou acabará fazendo
bobagens!"
Percebeu que os olhos de Tom acompanhavam seus movimentos e se esquivou daquela
acusação silenciosa. Devia muito àquele homem, mas não sua vida. Se se preocupasse demais
com o que ele fosse pensar, seus sentimentos ficariam confusos e aquela viagem não
adiantaria nada. Precisava manter a calma, custasse o que custasse.
Quanto a Vanessa, depois de jogar sua primeira bomba sobre Cathy satisfez-se em
se acomodar nas poltronas traseiras com Tom. A distância entre eles não era muito grande, e
ela ainda poderia monopolizar-lhe a atenção.
— Aposto como achará ótimo, Cathy — Anthony a tranqüilizou ao ver-lhe os olhos
assustados. Ela não sabia por onde começar. — Há somente uma coisa melhor do que voar que
lhe proporciona o mesmo sentido de estar ligado a algo infinitamente maravilhoso. E se torna
inesquecível, pois passa a fazer parte de nós...
Ela não entendera onde Anthony queria chegar. Será que se referia a seus corpos,
suas peles, que um dia estiveram tão unidos?
— Agora pegue a alavanca de controle e a sentirá como uma extensão de si mesma,

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respondendo a cada toque. A partir deste momento, o comando fará tudo o que você quiser e
a levará céus afora. Como eu, se me for permitido...
A mão de Anthony cobriu a de Cathy deliberadamente, pressionando-a de leve, num
carinho que não deixava dúvidas sobre o que lhe passava pela cabeça. Em seus olhos havia um
fogo tão forte que ela tremeu por dentro, apesar do esforço que fazia para manter uma
fachada de tranqüilidade. Também ele revivia o passado.
— Acione o pedal esquerdo com suavidade e em seguida tire o pé. Veja o que
acontece.
Cathy obedeceu cegamente as instruções e entrou em pânico quando o bimotor saiu
do curso. Amedrontada soltou o pedal e foi com alívio que viu o avião voltar ao normal. Mas
seu coração batia como louco. Para piorar a situação, Anthony não parava de falar.
— Às vezes as pressões tiram a gente do rumo. Mas, se agirmos direito, tudo volta a
ser como antes. De minha parte, volto para você à hora que quiser.
Havia uma ênfase apaixonada nas últimas palavras. Cathy olhou-o profundamente,
esquecendo todos aqueles anos de separação. Sentia-o tão próximo, tão junto... como nos
velhos tempos, antes que os pais dele interferissem.
— Compartilhe dos meus sentimentos, querida — ele pediu enquanto lhe ensinava a
pilotar com muito mais detalhes do que dera a Tom, Cathy achava delicioso sentir o aparelho
obedecer a seu comando. Parecia voar com ele, planando completamente livre. O céu límpido e
azul a envolvia como um manto encobrindo o que lhe passava na alma, e Anthony estava a seu
lado! Cada gesto, cada palavra, cada sorriso dele a deixava tão excitada que Tom e Vanessa
foram esquecidos por completo.
— Você tem um dom natural para lidar com aviões, Cathy. Aliás, tem um dom
extraordinário para tudo. Espero que possamos voar juntos muitas vezes.
Ela teve a sensação de que seria beijada. Entretanto, Anthony simplesmente alisou-
lhe o ombro e pediu para retomar os controles.
— Estaremos em Mirrima em poucos minutos.
Mirrima. Um simples nome devolveu Cathy à realidade. Realmente, ninguém podia
viver nas nuvens. Aquele lugar era a realidade de Anthony, sua herança e os limites
assustadores do passado. Pensar nisso a deixava deprimida. Era com tristeza que vislumbrava
as estâncias de criação de cavalos, o amontoado de carneiro e as plantações de trigo.
— Estamos sobrevoando Mirrima, Tom! — Vanessa falou, excitada. — Aquela é a
nossa casa! Sobrevoe a região, Anthony, para ele ter uma idéia melhor de onde moramos!
Até Cathy, que já conhecia a propriedade, ficou extasiada diante de tanta beleza.
Uma visão que provocava admiração e medo da grandiosidade que representava a incalculável
fortuna, da família Prior- Jones.
De cima podia-se avaliar o excelente trabalho do arquiteto. A casa principal fora
construída no centro de um círculo. Uma construção de dois andares, toda de pedra e com
colunas enormes, comandava a vista. Ao sul havia um semicírculo que constituía o acesso
principal à casa, todo gramado e decorado com estátuas vindas da Grécia, que se
sobressaíam no meio das folhagens de diversos tons. Ao norte, via-se outro semicírculo, onde
pátios e jardins floridos rodeavam as piscinas em formato ovalado, cujas águas azuis
brilhavam ao reflexo do sol. Alamedas perfeitas levavam a um caramanchão enorme, aos
estábulos, celeiros, estufas e às casas dos empregados. A uma grande distância estavam os
tosquiadores, o local para se colocar a lã dos carneiros e o hangar. Esses lugares seguiam o

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mesmo padrão de arquitetura.
— E então, o que acha, Tom? — Vanessa perguntou, enquanto Anthony soltava o trem
de aterrissagem do Cessna e se preparava para descer.
— É inacreditável ver um lugar desses — ele respondeu vagarosamente, para em
seguida ironizar: — Imagino que as pessoas envolvidas emocionalmente com uma propriedade
assim devem se sentir tentadas a nunca deixar essas terras.
Cathy ficou gelada. Será que Tom captara a intimidade que ela tivera com Anthony
ou simplesmente fazia piadas com Vanessa?
— Não tanto pelas terras, Tom, mas pela própria maneira de viver — Vanessa falou
com orgulho. — Não existe lugar como Mirrima. E ninguém poderia comprá-la, se quisesse.
Tem sido da família há várias gerações, e dinheiro nenhum do mundo substituiria o amor que
temos por ela.
— Fora as gerações que ainda virão — acrescentou Anthony antes de realizar um
pouso perfeito.
Um carro conversível estava estacionado no hangar, para conduzi-los até o casarão.
Enquanto os homens descarregavam a bagagem, Vanessa se adiantou e foi abrir o porta-
malas, ignorando Cathy completamente.
Sem saber o que fazer, ela caminhou devagar até o carro e passou a imaginar que
tipo de tratamento receberia dos pais de Anthony. Vanessa dissera que haveria muitos
convidados, mas teriam sido informados de sua ida?
"Por que não perguntei a Anthony durante a viagem?", pensou, agoniada.
Quando Tom se aproximou, carregando alguns pacotes, dirigiu a Cathy um olhar
breve e gelado que teve o poder de magoá-la. Já não bastava a gigantesca e maravilhosa
propriedade, que ainda possuía o poder de esmagá-la, fazendo-a sentir-se insignificante e
quase anulando a segurança a muito custo conseguida? A frieza de Tom a fez retrair-se
ainda mais.
Ele retornou ao avião para ajudar Anthony a retirar o restante da bagagem e
voltaram juntos ao encontro das duas moças. Cathy observou como formavam um curioso
contraste: Anthony era bem mais alto, os cabelos loiros emoldurando o rosto bonito, cuja
expressão era sempre altiva e esnobe. Tom, por outro lado, possuía os cabelos incrivelmente
negros e brilhantes, e sua simpatia, a vigorosa musculatura e o porte elegante o
transformavam num belo tipo. Ambos eram de chamar a atenção do público feminino.
Vanessa abriu a porta do conversível e, como as mãos de Tom já estivessem livres,
mais do que depressa ela arrebatou-lhe uma.
— Venha, Tom. Sente-se a meu lado e lhe mostrarei tudo por aqui.
Anthony também não perdeu tempo. Conduziu Cathy para o banco da frente, e seus
olhos verdes a convidaram a partilhar de sua alegria. Mas ela estava muito tensa para isso.
— Seus pais já sabem que passarei o fim de semana com vocês? Eles podem...
— Nada de receios, menina! Eu dirijo Mirrima agora. Eles ficarão sem dúvida
surpresos ao revê-la. Afinal, você mudou tanto! Além do mais, só o fato de ser "minha
convidada" já basta. Fique tranqüila, não haverá problema algum.
Cathy resolveu não insistir no assunto, preferindo voltar às suas reflexões.
Como os anos passavam! Agora, como mulher de negócios, sabia avaliar quanta fibra
era necessária para assumir a direção de qualquer coisa. Cuidar de uma propriedade com
atividades tão diversificadas requeria muito poder de decisão e iniciativa. Os cinco anos

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haviam mudado a ambos. Já não existiam mais o rapazinho e a mocinha de outrora. Tinham
adquirido experiência de vida, e só restara da época a forte e mútua atração. Que mesmo
assim precisaria ser testada, pois ela não tinha certeza se amava o homem em que Anthony
se transformara.
Ele guiava devagar, proporcionando a Vanessa tempo suficiente para explicar todos
os detalhes das redondezas. Cada pedaço do caminho tinha uma história própria. Até mesmo
os velhos carvalhos e a estrada de paralelepípedos.
A casa possuía onze quartos. Havia oito salas e saletas, mas a sra. Prior-Jones
resolvera modernizá-las e algumas viraram banheiros. A sala maior era utilizada para bailes
mais formais. A de música era a predileta da matriarca. Já o sr. Prior-Jones tinha o maior
orgulho dos três celeiros que ficavam próximos à casa.
Stephanie Prior-Jones descia a escada quando o carro chegou, buzinando. Ainda se
mantinha esbelta e bonita. Um vestido de jérsei verde emoldurava-lhe o corpo, e o colar de
pérolas era apenas uma jóia do dia-a-dia.
A segurança daquela mulher ainda conseguia levar um terrível complexo de
inferioridade ao coração de Cathy. Porém o orgulho se fez presente para aquecê-la. Nada
havia para ser criticado agora. O conjunto cor de caramelo e a blusa bege lhe davam um
aspecto sóbrio e elegante, e suas sandálias seguiam a última tendência da moda. Quanto à
aparência geral, se até Vera Pallister aprovara, que diria Stephanie. Ela não acharia defeitos,
com certeza!
O educado sorriso de boas-vindas não combinava com a frieza do olhar dirigido a
Cathy. Um olhar de surpresa e falsidade bem disfarçada. Cathy fingiu não perceber e adotou
um ar de absoluta desenvoltura, determinada a não se deixar intimidar.
— Como você está mudada, querida! Acho que não a reconheceria nunca!
As palavras soaram simpáticas, mas Cathy não se deixou enganar. Sabia que não era
bem-vinda naquela casa, mas esboçou um sorriso bonito e escondeu o mal-estar.
— Em compensação, a senhora não mudou nada. Continua tão bonita quanto na época
em que a conheci. Obrigada por vir nos receber. Foi muita gentileza.
— Tom! — A sra. Prior-Jones estendeu calorosamente os braços. — Que bom tê-lo
em Mirrima. Sabe, encontrei alguns parentes seus no ano passado em Melbourne, quando
participei de um chá beneficente. Passei uma tarde tão agradável com eles! Bem... espero
que se divirta conosco.
— Mas claro! Como resistir a tanta beleza?
Stephanie deu uma gargalhada ante o elogio indireto.
— Pelo visto o charme dos Crawford não se restringe somente à velha guarda.
Venham... vamos tomar uma xícara de chá, antes de irem para seus aposentos.
Enquanto atravessavam o suntuoso vestíbulo, o experiente olho de Cathy avaliou
automaticamente todo o ambiente. Havia um lindíssimo móvel de cedro trabalhado, uma arca
com detalhes do século XVII e outras peças virtualmente sem preço. Os vitrais nas paredes
constituíam itens raros. Ela se sentira oprimida diante de tanta ostentação, quando de sua
última visita. Agora, entretanto, apreciava muito os componentes da decoração e não se
intimidava mais com eles.
Stephanie os levou a uma varanda enorme, da qual se descortinava o gramado em
volta das duas piscinas interligadas, cuja diferença de nível permitia a formação de uma
cascata. Todos se acomodaram em poltronas confortáveis enquanto a copeira, Doris Elton,

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aparecia com o carrinho de chá, servido em xícaras de porcelana chinesa. A hospitalidade
estava estampada em seu rosto, realçada pelos cabelos grisalhos cuidadosamente penteados.
Foi apresentada a Tom, e em seguida virou-se para Cathy com um sorriso de visível
satisfação.
— Prazer em vê-la novamente, srta. Cathy. Está tão bonita...
— Obrigada, sra. Elton — ela respondeu sinceramente, lembrando-se da amabilidade
da velha mulher naquele dia tão conturbado. Fora o único acontecimento agradável e por isso
era impossível esquecê-lo.
— Doris, verifique se Jacko já levou as malas para os quartos! — a anfitriã ordenou.
Jacko! Cathy se lembrava dele também. O rapazinho mestiço que fazia pequenos
serviços na casa. Tinha sempre um sorriso no rosto moreno e era muito prestativo. Deveria
ser um homem, agora. Talvez sem muitas alegrias. Ela detestou a sra. Prior-Jones por um
instante, pelo ar de superioridade com que costumava dar as ordens.
Assim que a copeira saiu, Stephanie tratou logo de extrair informações sobre o
relacionamento de Tom e Cathy. Ele respondeu às perguntas de modo educado e voltou à
conversa sobre Mirrima. Cathy o acompanhou no bate-papo, contente ao ver a frustração de
Stephanie. Há cinco anos lhe contara detalhes de sua vida, e ela usara isso para humilhá-la e
proibir o casamento com Anthony. Mas valera a lição: Cathy aprendera a nunca revelar muito
sobre si.
— Você já se casou, Cathy?
A pergunta inesperada a pegou de surpresa.
— Não, mamãe, ainda não — Anthony respondeu por ela. — Continua solteira... como
eu.
— Mas você prefere cuidar de suas terras, querido. Quanto a Cathy, está tão
diferente, tão charmosa, que não entendo como não surgiu um pretendente. Conte-me tudo,
meu bem, inclusive sobre seus negócios. Deve ter precisado de muito capital para montar o
antiquário...
Cathy sentiu-se ruborizar um pouco, mas sua voz saiu calma:
— Existem outros meios de se obter capital sem ser por meio do casamento, sra.
Prior-Jones. Veja meu caso, por exemplo: a empresa de Tom me cedeu o financiamento
necessário para a entrada no mercado de Sídnei. O fato é que as firmas de investimento
estão preparadas para dar chances às pessoas, hoje em dia. Não é mesmo, Tom?
Os olhos de Cathy procuraram os dele e encontraram compreensão. Aquela era a
primeira vez que ele a fitava diretamente desde que chegaram ali.
— Realmente é assim. Costumamos acreditar nas pessoas, principalmente quando
sentimos que têm talento. O antiquário está comemorando quatro anos de sucesso.
— Quer dizer que se conhecem há tanto tempo? — Stephanie arriscou.
— Sim, Desde o primeiro dia de Cathy em Sídnei.
— Assim que terminar seu chá, Tom, vou-lhe mostrar seu quarto e ajudá-lo a
desfazer a sua bagagem — Vanessa falou, ansiosa, interrompendo o rumo que a conversa
tomava. — Qual será o dele, mamãe?
— A última suíte do corredor. E Cathy ocupará o mesmo quarto em que ficou quando
esteve aqui.
— De jeito nenhum, mamãe. Ela se instalará na suíte vitoriana — Anthony exigiu.
— Meu amor, os Lachlan chegarão esta noite e sempre ficam nela.

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— Só que dessa vez já estará ocupada. Espero que não comece a causar problemas...
Providencie outras acomodações para os Lachlan.
Cathy morreu de vergonha com a cena e tentou diminuir a tensão causada.
— Por favor... não quero atrapalhar os planos da senhora. Eu...
— Não está atrapalhando ninguém. E ninguém fará nada para deixá-la aborrecida.
Não é mesmo, mamãe? Acho que estamos todos de acordo.
— Como quiser, meu filho. — Stephanie deu de ombros, ligeiramente corada.
Vanessa logo iniciou uma conversa com Tom, tentando superar o mal-estar causado
por Anthony. Cathy nada disse, para não piorar as coisas. Sabia que qualquer argumento só
agravaria a situação.
Anthony chamou Cathy, e juntos caminharam para os aposentos.
A suíte vitoriana era um cenário de sonho, a mobília em cerejeira, torneada, viera da
Inglaterra. A cama, com dois metros de largura, estava coberta com uma colcha amarelo-
claro de cetim, e almofadas do mesmo tecido, mas de diversas cores, espalhavam-se sobre
ela. Uma parede envidraçada possibilitava uma vista excelente para os jardins, e cortinas em
estilo romântico esvoaçavam ao sabor da brisa. Lustres e abajures de bronze, vasos
raríssimos e um carpete alto e macio compunham a magnífica e harmoniosa decoração.
— Antigüidades... — Anthony riu. — Achei que você adoraria dormir aqui. Comigo, é
claro. Não pode dizer que não sou uma peça rara!
— Anthony, você está indo depressa demais. Não pense que...
Os lábios dele roçaram os dela, sem lhe dar tempo de terminar a frase.
— Venha me amar, minha princesa. Vou lhe mostrar o quanto ainda sou importante
para você.
Cathy tentou falar algo, mas as palavras ficaram paradas em sua garganta. Quando
Anthony a beijou com possessividade ela se deixou ficar naqueles braços fortes por um
momento e depois, instintivamente, retesou o corpo. A noite anterior fora muito agitada;
precisava saber exatamente qual o papel que ele representava em sua vida. Ou evitava um
contato maior ou perderia a cabeça. Já se sentia à beira do abismo de sensações alucinantes
e difíceis de resistir.
Uma batida à porta interrompeu-lhes a intimidade, e ela empurrou Anthony.
— Quem é? — perguntou ele.
— Jacko, patrão. Vim trazer as malas da srta. Cathy.
— Traga-as aqui — respondeu Anthony, relaxando o abraço, sem contudo soltá-la.
A porta foi aberta e Cathy viu a expressão risonha de Jacko. Quando ia
cumprimentá-lo, notou um outro rosto atrás dele. Os olhos de Tom a fitavam de um jeito tão
estranho que o sorriso morreu em seu lábios.

CAPÍTULO VI

— Então voltou, srta. Cathy! — disse Jacko, demonstrando toda a sua alegria em vê-
la.
Tom notou as mãos de Cathy nos ombros de Anthony e em seguida olhou para os
corpos ainda muito próximos. Sua fisionomia endureceu e tornou-se pálida. Somente os olhos
pareciam ter vida e mostravam a ansiedade de uma cobra pronta para o bote.
— Talvez deseje apostar uma corrida comigo na piscina, srta. Cathy! Agora sei nadar

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muito bem!
— Pare com isso, Jacko — Anthony ordenou. — Ponha tudo aí e pode sair.
— Sim, patrão. Desculpe. Tentava somente ser gentil. Lembrei que ela nadava tão
bem... — respondeu ele, abaixando a cabeça humildemente. Depositou as malas num canto e
fechou a porta, deixando os três a sós.
Cathy mal registrara as palavras de Jacko. Ela, Anthony e Tom pareciam
petrificados em seus lugares. Cada um esperando que o outro tomasse a iniciativa de falar
qualquer coisa. Ela sabia que era muito tarde para se afastar de Anthony e dificilmente
poderia se retratar. O silêncio continuou até que Anthony puxou-a para si firmemente, e tal
movimento levou Tom a reagir.
— Você poderia ter me contado, Cathy. — Sua voz soou estranha, fria e cortante.
“Realmente eu devia ter falado sobre meu namoro com Anthony. Por que não me abri
com ele? Por quê?”, ela pensou, desorientada.
— Vocês dois me pegaram direitinho, hein?
— Não é o que está pensando, Tom! — Cathy tentou se defender, percebendo que ele
considerara suas reticências como uma espécie de conspiração.
— E você, Anthony, me pareceu uma pessoa tão agradável ontem à noite... Tudo
falsidade! A desculpa de que Cathy estava precisando de um descanso foi colocada de modo
brilhante! E ela ainda fingiu estar em dúvida para aceitar o convite! Como fui idiota! — Tom
balançou a cabeça, desgostoso. — Sabe, nunca encontrei alguém tão sem escrúpulos em toda
a minha vida. Deve estar realizado, não?
Voltou a atenção para Cathy.
— Sempre achei que a conhecia bem. Punha minha mão no fogo por você. Como estive
enganado a seu respeito! Sua atitude foi vulgar e...
— Vamos parar por aí, rapaz! — Anthony o interrompeu, furioso. — Diga alguma coisa
contra Cathy e o farei engolir todas as palavras, além de lhe estourar os miolos.
Tom se armou em defesa, pronto para a briga. Cathy colocou-se entre eles antes que
se pegassem em socos e a coisa fosse ainda mais longe.
— Eu não queria que isso acontecesse. Foi uma... — Ela desistiu de falar quando viu a
expressão de rejeição de Tom.
— Por que diabos você teve de me usar? Por que me meteu nesta situação?
— Ela não o usou, Tom. Eu sim — Anthony afirmou sem um traço de vergonha
enquanto rodeava os ombros de Cathy. — Eu usaria todos e faria tudo o que pudesse para
trazê-la de novo para mim. E não lhe darei a chance. Pode desistir. Onde quer que ela esteja,
repetirei meu modo de agir. Você chegou atrasado, meu caro. Cathy era minha antes de
conhecê-lo e ainda me pertence.
— Isso é mentira! Não sou propriedade sua. Aliás, de ninguém. Nunca fui nem
pretendo ser. Preciso contar a Tom que...
— Ora, não tome conhecimento dele, meu bem! — Anthony puxou-a para mais perto,
exibindo seu domínio. — Eu a amo e você me ama. Nosso amor está acima de qualquer
julgamento ou crítica, acima de sua amizade por ele e até acima de minha família. Juntos
podemos lutar contra tudo que se colocar em nosso caminho.
— E onde se encontrava este grande amor nesse tempo todo? O que foi feito dele
nesses últimos anos?
— Saia daqui! Vá para o inferno! Ou para os braços de Vanessa. Ela deseja você por

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perto. Nós não. Nunca entenderá!
— Ah, não? Você é um grande contador de prosa, seu velhaco! Nenhum homem que
ama abandona uma mulher como você fez. Quando conheci Cathy, ela era uma pessoa
marcada por decepções e amarguras.
— E acha que comigo foi diferente? Você não sabe o que diz!
Tom pareceu abalar-se. Olhou friamente para Cathy e respondeu:
— Talvez não, porém há algo de que tenho certeza. Você só me fez de idiota uma
vez, Anthony. Não acontecerá de novo. É um egoísta e não se preocupa com ninguém, a não
ser consigo mesmo. Agora, deixe-me avisá-lo: se magoar Cathy de novo, eu o crucificarei.
Pode escrever isto, se quiser. É uma pena eu estar em sua casa, senão iria lhe fazer uma
pequenina demonstração.
A veemência da paixão na voz de Tom fez o coração de Cathy disparar. Ele nunca
falara com tanta emoção. Nem mesmo na noite anterior. Sempre fora cuidadoso, gentil.
Nunca o imaginaria tão bravo!
Enquanto Tom se dirigia à porta, Cathy sentiu que não poderia deixá-lo sair assim.
Necessitava de um entendimento, de um perdão...
— Eu esperava o impossível, não é? Você já tinha um plano bem traçadinho na sua
cabeça! De qualquer forma, obrigado, Cathy. Sempre é tempo de saber como realmente são
as coisas — ele disse amargamente, enquanto girava a maçaneta.
— Tom! Tom! — Cathy gritou desesperada, soltando-se de Anthony. Seu peito ficara
subitamente pesado, dificultando-lhe a respiração. — Não vá, por favor! Quero falar com
você a sós!
Ninguém se mexeu. Ninguém falou nada. A tensão caiu sobre eles como uma cortina
pesada, embaraçando as emoções. Finalmente, Anthony deu um passo à frente e simulou uma
voz muito calma.
— Mas claro que você deve conversar com Tom! Afinal, são tão amigos! Aposto como
deseja lhe contar como nosso amor é enorme e descrever os momentos felizes que passamos
juntos.
Sorrindo com sarcasmo, ele passou por Tom e fez um gesto de fingida camaradagem.
— Fiquem à vontade — declarou antes de sair.
Cathy respirou fundo. Tom não relaxou. Suas feições permaneciam duras e frias. E, o
pior, mostrava-se pouco receptivo.
— E então, o que quer me dizer?
— Desejo me explicar, Tom.
— Não me deve explicações.
— Não planejei nada! Juro que é verdade!
— Você poderia ter me contado, já disse.
O pecado da omissão, Não havia justificativa para ele. Cathy não poderia negá-lo. Por
um momento sentiu-se paralisada, mas a necessidade de esclarecer os fatos, apesar da
resistência de Tom, foi mais forte.
— Tentei me manter afastada de Anthony. Não queria ser abraçada por ele. Aí
pensei...
— Em Mirrima e em quanto ela valia — Tom completou, enquanto se dirigia à janela e
abria as cortinas com raiva. — Veja quanta grandiosidade! Seria estúpido desperdiçar uma
chance dessas. Agora que é aceita pela sociedade, toda esta riqueza significa muito para

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você!
— Não é assim, Tom. Se me deixar falar...
— Ora, vamos! Foi aqui que tudo começou. Tentei enganar a mim mesmo, mas agora
não aceito mais mentiras. Anthony a trouxe a Mirrima há cinco anos, e desde então a
possibilidade de desfrutar as vantagens oferecidas por ela não saíram de sua cabeça. Era
tudo o que queria! Nem a riqueza dos Crawford lhe traria tanto status e motivação para uma
vida assim.
— Não diga isso! Está enganado! Enganado! — Cathy repetia, tentando ignorar o
sarcasmo de Tom. Sentia-se tão impotente para lhe explicar tudo!
— Por que não me ajuda a descobrir qual foi o meu erro? Vamos lá!
— Nada tem a ver com posição, riqueza ou algo assim. Você não pode imaginar como
foi difícil voltar aqui. Porém era um desafio. Anthony representou um dia meus sonhos,
minhas esperanças de amor e depois minhas decepções. Quando me trouxe a Mirrima, há
cinco anos, seus pais me destruíram e rebaixaram tanto que detesto este lugar. Detesto! só
me traz péssimas recordações.
Lágrimas jorravam copiosas, enquanto Cathy lutava contra a lembrança e
ressentimentos ligados ao passado.
— Nunca alguém se preocupou comigo. Meus pais me expulsaram de casa por eu ter
me envolvido com Anthony. Os pais dele simplesmente me rejeitaram, pois eu não era
adequada para a família. Todas as portas se fecharam, e resolvi não continuar com Anthony.
Nunca daria certo! Talvez meu destino fosse ficar sozinha, e eu nada podia fazer para mudá-
lo. Pensei até em morrer. Quem sabe seria a solução. Entretanto, após noites de insônia,
desespero e lágrimas, fui tomada por uma força sobre-humana que me induziu a sair um
pouco de casa. Em apenas algumas horas, andando sem rumo, passei a reparar nos
passarinhos cantando felizes nas árvores, nas crianças brincando alegremente nas calçadas e
nas rosas desabrochando tão belas nos canteiros. De repente descobri que dependia de mim,
apenas de mim, dar um sentido à vida.
Cathy tremia dos pés à cabeça. Sua estabilidade emocional chegara ao limite.
— Você entende agora por que tive de me modificar? Precisei me esforçar ao
máximo para superar tudo e ser aceita como uma pessoa de valor!
Tom continuava silencioso e cabisbaixo. Parado ali, no meio do quarto, mais parecia
um juiz num tribunal, a condená-la sem piedade.
Cathy mordia os lábios para conter a parte final da história, que formaria de vez
uma barreira entre eles. Não conseguia encará-lo. Tentando disfarçar a ansiedade que
crescia e lhe tirava as forças, decidiu sentar-se na cama. A cabeça pendia para um lado,
desanimada, e sua mente procurava palavras que a ajudassem a atenuar a situação. O que
quer que dissesse magoaria muito Tom, e isso ela não queria que acontecesse. Jamais.
— Escute, Tom, não preparei armadilha alguma para você. A princípio eu realmente
estava disposta a voltar aqui. Depois tive uma vontade enorme de rever a mãe de Anthony.
Desejava enfrentá-la depois de tudo e verificar se Mirrima ainda me intimidava. Uma prova
de fogo, compreende? Um teste em que fui reprovada um dia. Queria desafiá-lo novamente.
Era algo que eu precisava provar para mim mesma.
Vergonha, orgulho ferido, aflição. Ela não soube definir, mas optou por olhar para
Tom e lhe contar o pior:
— Além do mais, queria descobrir se... ainda amava Anthony.

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Parecia que uma faca fora atirada no peito de Tom. Seu rosto contraiu-se em agonia,
e sua voz soou com uma profunda desolação.
— Mas por que não me revelou isso ontem à noite? Por que me trouxe até aqui? Não
tem sentimentos? Achou que essas coisas não me afetariam?
— Eu queria... quero dizer, precisava que você... estivesse comigo — ela respondeu
com a voz trêmula. Como era difícil justificar atitudes egoístas!
Uma risada cínica saiu da garganta de Tom. Nos olhos, uma expressão de
incredulidade.
— O que é que há, Cathy? Queria que a visse nos braços de outro homem ou gostaria
que segurasse sua mão enquanto fazia amor com ele?
— Pare! Por favor, pare! — ela implorou, tapando os ouvidos. — Você não entendeu
nada!
— Por que acha que não sou capaz de entender algo tão óbvio? Pensa que sou cego e
surdo? — O sarcasmo era acompanhado de gestos nervosos. — Bem, eu lhe direi o que
concluí, minha querida sócia: ontem você dançou com Anthony. Tudo bem. Uma vez, uma
vezinha só, mas foi suficiente para despertar a paixão antiga. Enfim, o sentimento que havia
entre nós evaporou-se como uma bolha de sabão. Vê como é simples?
A mão cerrada desceu num soco na penteadeira, fazendo-a balançar. E ele continuou:
— Quatro anos de convivência e tudo que compartilhamos sumiu no ar. Assim... como
se fosse nada. Então era isso o que eu significava para você? Nada? E ainda não teve a
decência de me contar. Percebe como entendo direitinho? Você me dá tanta importância que
até faria amor com Anthony na minha presença!
— Você está maluco, Tom. Pelo amor de Deus, me escute!
Cathy se atirou para ele, mas foi brutalmente afastada. Tom passou a caminhar pelo
quarto, sem encará-la.
— Eu não queria que Anthony me tomasse nos braços outra vez. Já havia sofrido
muito naquela época. Por isso achei que, estando com você, resistiria à velha atração. Porém
eu não tinha certeza e não podia lhe dar nenhuma resposta ontem.
Cathy tentava decifrar o que se passava no coração e na mente de Tom, sem obter
qualquer resultado. Não havia um traço sequer de compreensão em seu rosto. "Onde foi
parar a sua generosidade?", pensava ela.
— Reconheço que não me contive, que me deixei levar por palavras bonitas... Todavia,
eu pertenci a ele, Tom. De forma tão completa e profunda! Quando o vi, meu coração bateu
desgovernado e fiquei sem rumo. Não sei o que acontece, mas ele ainda me impressiona. Um
simples toque e, quando dou por mim, estou correspondendo. É algo selvagem, inexplicável,
que tira o senso de tudo e acabo cedendo. Eu...
De repente, os dedos grossos de Tom apossaram-se dos ombros de Cathy e a
sacudiram fortemente.
— Anthony é um dominador! Não enxerga? Eu a venho desejando anos a fio,
esperando calmamente que se decida, cuidando de você com todo o carinho e, agora, a ouço
dizer que talvez ainda ame um homem sem integridade?
As feições de Tom estavam totalmente transformadas. A máscara de pedra havia
caído. Seus olhos faiscavam de ciúme e de desejo, atraindo Cathy com uma força intensa,
jamais vista.
— E então? Quer um homem dominador em sua vida? É o que a excita? Anthony

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consegue fazê-la extravasar suas inibições, e isso o torna tão irresistível?
Antes que Cathy negasse, Tom diminuiu ainda mais a distância entre os dois corpos.
Uma das mãos deslizou em suas costas, puxando-a desesperadamente para o peito másculo e
vigoroso. A outra segurou-lhe a nuca e ergueu-lhe o rosto ao encontro da boca exigente e
faminta, obrigando-a a um beijo que mais parecia uma punição. Não havia nenhum sinal de
ternura nem preocupação de dar ou ter prazer. Ele a apertava cada vez mais, demonstrando
uma raiva e uma paixão tão selvagens e uma imagem tão diferente do homem dócil e gentil
que o medo passou a dominá-la. Tentou se livrar daquele abraço, pois sentia-o como uma teia
de aranha fechando-se sobre ela e prestes a esmagá-la. Subitamente, após várias tentativas,
conseguiu se soltar. Ficaram parados por um momento, olhando um para o outro, os peitos
arfantes e os rostos desfigurados.
— Agora... nós dois sabemos, não é? — Tom gaguejou. — Basta Anthony abraçá-la, e
você se derrete toda! Comigo isso não acontece. Não consigo excitá-la. Pois bem, fique com
ele, que a merece pelo que acabou de me fazer. Jamais perdi o controle assim. Jamais. E
ainda fui rejeitado. Escute aqui, moça, se tiver pelo menos um pingo de vergonha, nunca
ostente sua paixão por ele na minha frente! Ouviu bem?
Tom tentou reassumir uma postura de superioridade. O orgulho espelhou-se em sua
expressão. Orgulho que pertencia a gerações e gerações e lhe dignificava a personalidade.
Caminhou até a porta e a abriu, acompanhado pelo olhar vazio de Cathy, que não fez um
movimento sequer para chamá-lo ou segui-lo. Não havia mais razão alguma para serem nem
mesmo amigos.
— Espero que sua escolha tenha sido acertada, srta. Cathy — ele falou, antes de
fechar a porta atrás de si.
"Escolha acertada? Mas não fiz nenhuma! Foi você, Tom, que chegou a uma conclusão
que nem me passou pela cabeça! Não ainda!", pensava Cathy, sem entender. "Oh, Deus, isto
não pode estar acontecendo comigo!"

CAPÍTULO VII

Cathy levou as mãos trêmulas à cabeça, ajeitando os cabelos num gesto inconsciente.
Seus pensamentos corriam de um lado para outro, sem saber que direção tomar. Não havia
por que temer mais uma porta fechada raciocinou vagamente. O melhor era procurar se
acalmar.
Tentou ensaiar alguns passos pelo quarto e não conseguiu: as pernas estavam
bambas. Contudo, resistiu à tentação de se deitar e desafogar as mágoas no travesseiro. Não
fraquejaria, mesmo que se sentisse abatida. O ambiente de Mirrima já a dominara uma vez.
Não aconteceria novamente. Precisava erguer a cabeça, nem que fosse somente por um fim
de semana. Nem que tivesse de dar tudo de si!
"Como seria bom se Tom pudesse entender o real sentido das coisas!", pensou Cathy,
enquanto seu coração começava a bater mais compassado. Mas ele não a ouviria mais. Nada
poderia ser feito ou dito, dadas as circunstâncias em que tudo ocorrera. Ela não quisera
parecer uma mulher indiferente e fria. Só não desejava feri-lo e não soubera como lhe
explicar o caso de maneira adequada. No final, só conseguira deixá-lo mais machucado e
julgando-a mal.
Cathy fechou os olhos, procurando evitar as idéias de como deveria ter agido ou

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reagido. Mas como esquecer a expressão de Tom? Nem parecia o mesmo homem com quem
convivera ao longo de tantos anos!
"Preciso enfrentar a realidade, sem depender eternamente de Tom! Vou demonstrar
decência pelo menos para mim mesma e me manter afastada de Anthony. Afinal de contas,
nem sei se estou apaixonada por ele", raciocinou passando a refletir se uma mulher
realmente se esquecia do primeiro amante, principalmente quanto ele estava ligado ao
período mais traumático de sua vida. Talvez Anthony só lhe provocasse reações emocionais.
Não significava, porém, que ainda o amava. De qualquer forma, ele representara algo muito
forte em sua adolescência. A batida na porta quebrou suas reflexões.
— Cathy! — Ouviu-se a voz de Anthony.
— Entre!
Cathy esperava que ele não notasse seu estado de espírito. Sentia-se grata por tê-la
deixado sozinha com Tom, apesar da cena que se seguira, mas preferia não demonstrar
nervosismo, evitando falar no assunto.
Ele entrou no quarto e começou a desfazer as malas, que ainda permaneciam onde
Jacko as colocara.
— Eu estava morrendo de ciúme. Se a conversa com Tom demorasse mais um pouco,
eu colocaria essa porta abaixo! — ele declarou, abrindo-se num sorriso largo e tomando-lhe
as mãos. — Há determinados momentos na vida que só trazem sofrimento. Sei bem o que
sente. Mas chega a hora em que se precisa encarar os fatos, e Tom já é bastante crescidinho
para reconhecer isso. Tenho pena dele. Mas o que posso fazer se te amo?
Anthony abraçou-a, e uma excitação enorme transpareceu em seus olhos.
— Minha querida! Como é delicioso tocar em você. Sua pele é tão suave, seus cabelos
tão macios e a curva de suas costas tão sensual que fico louco! Seu corpo se molda tão
perfeitamente ao meu... Sabe, nunca esqueci cada centímetro dele. Por isso não vejo a hora
de senti-la por completo de novo. Não faz sentido ficar só sonhando, não é?
Era gostoso experimentar a sensação que os carinhos de Anthony lhe provocavam.
Cathy se aninhou nos braços dele, como se fosse um animalzinho ferido. Não estava excitada.
Simplesmente isso a ajudava a preencher o vazio que Tom lhe deixara e confortava um pouco
sua alma.
— Mais calma? — ele murmurou no seu ouvido.
— Creio que sim... — respondeu ela com resignação. Não desejava contestar mais
nada naquele dia.
— Então deixe-me continuar com as malas. Você nem ao menos as tocou. Quero vê-la
especialmente bonita para mim, esta noite.
— Acha que faria alguma diferença, na opinião de seus pais?
Ele riu e depositou um beijo leve no nariz arrebitado.
— Não importa o que eles pensem. Você tem de agradar somente a mim.
Anthony abriu os fechos das malas e as colocou sobre uma arca, de forma a facilitar
a retirada do conteúdo. Um barulho de avião sobrevoando a área o distraiu.
— Diabos! É o jatinho dos Partridge. São velhos amigos da família. Prometi ir
apanhá-los no hangar! Você cuida de tudo? Quer que peça a Lucy para subir e lhe dar uma
ajuda?
— Lucy?
— A irmã de Jacko. Agora é uma das empregadas da casa.

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— Não se incomode. Eu me arranjo bem.
— Qualquer coisa que precisar, basta pedir — ele falou sério, querendo agradá-la ao
máximo. — Deixe-me correr, senão chego lá atrasado. Ah! O jantar será às oito, e as bebidas
serão servidas a partir das sete horas. Desça quando estiver pronta. Haverá catorze pessoas
e será bem informal. Uma noite comum. E não deverá ir até muito tarde, pois amanhã
daremos uma festa. Então, até mais. Beije-me, meu bem. Beije-me com todo o seu coração.
Cathy o beijou, porém não com o sentimento que ele pedira. A tentação de se deixar
possuir invadiu-a ligeiramente, mas conseguiu sufocá-la com uma barreira de autoproteção.
"Não ainda!", pensou ela.
— Continuaremos tudo mais tarde. Não se demore muito, pois as horas sem você não
terão sentido — ele acrescentou, antes de sair.
Cathy sentiu-se aliviada quando Anthony se retirou. Começou a guardar as roupas
mecanicamente, e seus pensamentos voltaram a incomodá-la. Imaginava se fora tola ao beijá-
lo. Em quem deveria se apoiar se Tom já estava perdido? Fora até ali para satisfazer uma
curiosidade e talvez conseguisse tirar suas dúvidas fazendo amor com Anthony.
Olhou instintivamente para a cama enorme e assustou-se. Parecia dominá-la. Assim
como o tamanho do quarto. A sua tão procurada resposta estaria ali? Anthony dissera que
voltaria mais tarde. Os velhos momentos vieram à tona: o corpo nu de Anthony debruçando-
se sobre o seu e possuindo-a calmamente. No rosto másculo e bronzeado a paixão
contagiando-a e deixando-a trêmula. Os corpos enlaçados, suados, e a satisfação que
alcançavam juntos, como se fossem uma só pessoa.
"O amor não deve existir somente numa cama!" Cathy declarou para si própria,
enquanto apanhava suas peças íntimas e se dirigia ao banheiro.
O tamanho extravagante sugeria um aposento da Roma Antiga. Provavelmente fora
uma sala de estar, e Stephanie a reformara. A decoração era muito bonita.
Cathy abriu as torneiras douradas da banheira, colocou algumas gotas de sabonete
líquido e foi separar seus produtos de beleza. Depois deitou-se na espuma gostosa e se
deixou ficar por alguns minutos. Quase adormeceu na água quentinha, que lhe aliviava as
tensões. Antes de sair do banho, ligou o botão da hidromassagem e os jatos a deixaram nova
em folha. Apanhou então um roupão e sentou-se em frente à penteadeira. Um secador
encontrado sobre ela restaurou o penteado, e umas poucas escovadelas deixaram seus
cabelos brilhantes e sedosos novamente. Maquilou-se com cuidado e voltou ao quarto.
A roupa que escolhera pedia um capricho maior nos detalhes, e, após imaginar o que
combinaria com ela, verificou o relógio. Já se haviam passado cinco minutos das sete horas.
Mas dentro em pouco estaria pronta. Apanhou um par de meias finas, calçou-as e colocou um
vestido.
"Uma estrela de cinema!", pensou com ironia. "Ou uma prostituta, como diria meu pai
se me visse assim. Como foi injusto!"
O vestido era até discreto no estilo, apesar do tom de vermelho. Era um modelo
italiano, gracioso, e valorizava seu corpo bem-feito. Cathy fechou o zíper e colocou um lindo
colar de ouro, antigo, que arrematara por um valor irrisório num leilão. Fora muita sorte
pagar um preço tão pequeno por uma peça que fazia tanta vista. Um bonito trabalho de
artesão. E nessa noite era o complemento perfeito. Finalmente, calçou belíssimas sandálias
pretas, deu uma última olhada no espelho e se encaminhou para o andar de baixo.
Não encontrou ninguém enquanto descia e, antes que alcançasse o último degrau, já

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pôde ouvir a alegre conversa do pessoal. A tensão a dominou por um instante. Sem dúvida,
iria encontrar vários milionários da região. Quais eram mesmo seus nomes? Partridge, Riley,
Lachlan... Cathy se lembrou dos elogios que Vera Pallister lhe fizera e, apoiando-se neles, foi
ao encontro dos anfitriões e seus convidados.
A sala tinha dimensões de um salão de baile, cujo piso polido e brilhante era
ricamente decorado por tapetes persas de vários tamanhos. Mas ela não tinha tempo para
admirar os quadros e a mobília agora. Precisava analisar cada um dos presentes, em especial
as mulheres, para se certificar se estava adequadamente vestida.
— Cathy! — Anthony chamou do outro lado da sala, voltando a atenção de todos para
ela. Exceto de Tom, que não desejava vê-la e propositadamente se manteve de costas para a
entrada.
Anthony caminhou até Cathy, com o rosto iluminado.
— Como está maravilhosa! Mais do que nunca! — A voz soou rouca, cada sílaba
pronunciada lentamente. E, ainda que as palavras fossem para ela, tornaram-se audíveis por
todos.
Cathy ficou petrificada. Não esperava uma recepção tão calorosa, ainda mais em
público. Sua confiança foi abalada, e ela tentou disfarçar.
— Sinto-me tão honrado com sua presença! Venha... gostaria de apresentá-la a
alguns velhos amigos da família.
Para Cathy era fácil sorrir, enquanto as pessoas lhe estendiam a mão e a olhavam
com interesse e aprovação. Que gratificante ouvir Mary Lachlan cochichar no ouvido do
marido que a achava muito atraente e notar que ele concordava!
Curran. O quarto nome do qual deveria se lembrar. Anne e Bill Curran. Todos se
mostravam muito simpáticos, e qual não foi a surpresa de Cathy quanto percebeu que
Stephanie e Carlton Prior-Jones a acolheram com calor.
Carlton tomou-lhe as mãos, demonstrando claramente sua admiração. A fisionomia
carrancuda de anos antes fora substituída por um ar alegre e cordial, enquanto dizia:
— Minha menina! Após o cumprimento do meu filho, só posso fazer eco e endossar as
palavras dele. É um prazer enorme tê-la conosco.
— Obrigada — murmurou Cathy, imaginando se ele a tratava assim devido à sua
aparência ou se Anthony o pressionara para aceitá-la, pelo menos na frente das visitas.
Carlton pareceu ler seus pensamentos e acrescentou:
— Antes que volte a Sídnei, gostaria de conhecê-la melhor. Suponho que não terei
muita chance com Anthony por perto, não é?
— Ora, papai. Posso deixá-lo dançar com ela amanhã. Uma vezinha só, pois não é para
abusar.
— Que colar maravilhoso, Cathy! — Stephanie manifestou-se. — Deve ser muito
antigo e valioso!
E, virando-se para Mary Lachlan, contou-lhe que Cathy dirigia uma loja de
antigüidades e sugeriu que na próxima vez que fossem a Sídnei deviam conhecê-la.
Cathy não acreditava nos próprios ouvidos. Como o mundo dava voltas! Era difícil
compreender a mudança de comportamento de Stephanie. E mesmo de Carlton. Eles a
estavam aceitando!
— Sra. Prior-Jones, as maravilhas e raridades que existem aqui não são encontradas
em nenhum outro lugar. Duvido que haja algo em minha loja que pudesse interessá-la.

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— Mas gostaria de visitá-la de qualquer forma. Se eu não comprar nada, pelo menos
nos veremos e tomaremos um chá juntas. E, por favor, me chame de Stephanie.
A mente de Cathy entrou em erupção. Sorrindo, ela concordou automaticamente com
a cabeça, pois as palavras haviam fugido por completo de sua boca.
— "Só pode ser coisa de Anthony! Não é possível!", pensou ela. A diferença da
maneira como fora tratada ao chegar pela primeira vez àquela casa era gritante. Com
certeza, Stephanie se arrependera, e a opinião do filho pesara bastante.
A mão de Anthony roçou-lhe no braço, trazendo-a de volta à realidade.
— Você vai encontrar muitas novidades em Mirrima. Não tanto nos arredores, que só
mudam com as estações do ano. Verá a que me refiro. Espero que aprove e goste de estar
comigo, querida. — Disse ele, acomodando-a perto de Mary Lachlan e lhe oferecendo um
drinque e um salgadinho.
Cathy sentia-se no paraíso. Nem mesmo nos velhos tempos Anthony fora tão
atencioso, exceto quando se tratava de sexo. Talvez o tivesse julgado mal, atribuindo a culpa
da separação somente a ele, esquecendo-se de que ela própria poderia ter contribuído com
sua falta de segurança para os mal-entendidos com os Prior-Jones. Agora, porém, era outra
pessoa. Graças a Tom, conseguira se transformar numa mulher de classe, invejável.
Tom! lembrou ela, procurando-o imediatamente pela sala. Estava sentado num dos
luxuosos sofás, conversando entusiasmado com dois casais. Cathy suspirou, mais
descontraída. Não pensara nele desde que Anthony a cumprimentara com tanto alarde. Havia
sido tomada por sentimentos tão diversos... triunfo, felicidade, excitação! Não houvera
espaço para mais nada...
Os pais de Anthony chamaram os convidados para a sala de jantar, indicando os
lugares de cada um. Os mais jovens foram colocados nas cadeiras centrais da mesa, ficando
Vanessa em frente a Cathy e Tom em frente a Anthony.
Assim que se acomodaram, Cathy analisou Tom rapidamente, tentando captar alguma
reação de sua parte. Nada. Comportava-se como se ela não estivesse ali, quase à sua frente,
e tal indiferença a deixou inquieta. Para não demonstrar nenhuma preocupação, ela resolveu
iniciar uma conversa com o vizinho. Precisava fingir a maior desenvoltura possível, e isso a
ajudaria.
De repente, foi surpreendida por Anthony, que, ao vê-la fazer um gesto para pegar o
guardanapo, antecipou-se, retirando-o do aro de prata e desdobrando-o em seu colo. Era
apenas uma pequena cortesia, mas Cathy corou um pouco. Esperava que Tom não tivesse
percebido, pois só Deus sabia qual seria seu julgamento. Olhou-o mais uma vez. A atenção
dele voltara-se para os movimentos de Carlton, que enchia os copos de vinho ao longo da
mesa.
Quando o anfitrião foi em sua direção, Cathy desejou fervorosamente que Tom
aproveitasse a chance e a fitasse. Ainda que por um segundo. O desejo foi realizado: como se
compelidos por uma força estranha e sem controle, os olhos castanhos encontram os dela,
sem manifestar nenhum sinal. Nem de ódio nem de ressentimento. Na realidade, pareciam
completamente sem vida. A face era como uma máscara de gesso, escondendo as emoções.
Mas Cathy sabia a luta que ele travava consigo mesmo. Predominava o orgulho inato de
homem determinado a não deixar transparecer que o rompimento o abalara.
Como se uma outra decisão tivesse sido tomada, subitamente os olhos de Tom
brilharam e então percorreram cada detalhe do rosto de Cathy, como se o estivesse

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gravando na memória. Era uma expressão tão intensa que a deixou em êxtase e com o
coração desgovernado.
— Vamos fazer um brinde a nós dois! — propôs Anthony, tirando-a do enlevo e
encostando seu copo no dela. — Ao nosso futuro que, tenho certeza, será muito feliz!
Reagindo automaticamente, Cathy levantou o copo, enquanto as pálpebras de Tom se
fecharam. Era como se ele já tivesse assistido a tudo que queria. Então voltou-se para
Vanessa e ensaiou um sorriso, com o cálice na mão.
— Saúde!
Cathy sorveu um gole e experimentou uma incrível sensação de melancolia. Lembrou-
se do olhar penetrante de Tom, que talvez já a considerasse somente uma lembrança. De
alguma forma previu que a partir de agora já não significava mais nada para ele. Esperou que
a fitasse de novo. Só mais uma vez. Quem sabe conseguiria apagar a impressão de vazio em
sua alma. Porém Tom não o fez. E todas as emoções felizes que as atenções de Anthony
poderiam lhe despertar se perderam dentro de seu peito aflito.

CAPÍTULO VIII

O toque na coxa de Cathy deixou-a tão atônita que todos os pensamentos em relação
a Tom sumiram. Olhou para Anthony com ar de interrogação. Com um jeito inocente, ele
deslizou mais a mão e a escondeu sob o guardanapo dela. Agora, dedos atrevidos insistiam em
levantar seu vestido e pressionavam-lhe sensualmente a perna.
"Cretino! Não deveria fazer isto. Não aqui, na frente dos seus pais e amigos íntimos.
Ele não mudou nada!", pensou Cathy, morrendo de ódio. Carlton acabara de servir-lhes vinho
e, neste momento, enchia os copos dos Riley. Seria um vexame se ele, ou alguém, percebesse!
No passado, Anthony já lhe causara embaraço com suas manobras sexuais na
presença de outras pessoas. Quando ela protestava, o sem-vergonha costumava dizer que
era impossível conter o desejo e que nada ou ninguém importava.
A mão quente de Anthony tornava-se cada vez mais insinuante, num vaivém pela coxa
de Cathy.
"Calma", ela tentava raciocinar. "Manter a calma será a melhor arma neste momento.
Não devo denunciar o que está acontecendo debaixo da mesa!" Num gesto de desespero,
apanhou o copo e bebeu todo o vinho. Ao mesmo tempo, juntou as pernas e manteve-as
firmes, o que provocou uma risada divertida de Anthony.
— Cinco anos, meu bem. E meu desejo por você ainda não acabou — ele sussurrou.
Cathy o encarou. A sua memória vieram lembranças que, por pudor, ela se recusava a
admitir. Nunca toleraria tais liberdades em público novamente. Seria assim o futuro de amor
a que ele brindara havia pouco?
— Naquela época falei que não gostava dessas atitudes e ainda não as permito. Se
não respeita meu ponto de vista, não pode me amar de verdade.
Após um momento de incredulidade e silêncio, finalmente ele retirou a mão, mas
ainda insistiu:
— É tão gostoso, Cathy. Sabe, tocá-la quando está indefesa.... Fico nas nuvens! Não
tenho culpa se é tão bonita e desperta meus impulsos.
Cathy procurou ler no fundo dos olhos de Anthony, para avaliar-lhe a sinceridade.
— Não sei por que continua agindo assim — ela desabafou. — Parece um tarado.

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— E você não gosta?
— De jeito nenhum! E já lhe disse um milhão de vezes. Por que ainda insiste?
— Porque você me força a isso.
— Eu? Ficou louco? É verdade que muitas vezes cedi aos seus caprichos, porém não
havia outra escolha. Se o desagradasse, o perdia. E o preço que havia pagado para ficar com
você teria sido em vão.
— Preço? Do que está falando? — ele perguntou, franzindo a testa.
— Do rompimento com a minha família. Esqueceu que os deixei por sua causa? Até
conhecê-lo, minha vida pertencia somente a mim. Mesmo com a mentalidade quadrada dos
meus pais.
— Chama aquilo de vida? Acho até que fez muito bem em se afastar deles!
— E o que sabe a esse respeito? Preocupou-se um minuto sequer com o que
aconteceria se nosso namoro fosse por água abaixo? Você ainda possuía uma família à sua
espera. Poderia voltar para o conforto de Mirrima a hora que bem entendesse. Eu não tinha
para onde ir. Se não fosse uma colega da farmácia ter ganhado uma bolsa de estudos fora e
me emprestado seu apartamento, não sei onde iria morar.
— Mas eu pensei...
— Ah, sim. Que valia qualquer sacrifício. E ainda achou que eu conhecesse outro
homem na intimidade. Como estava enganado!
A negativa da existência de alguém na vida de Cathy pareceu afetar Anthony um
pouco, e ele se mostrou nervoso.
— Você havia mudado tanto! Aliás, sua maneira de agir se modificara.
— E foi por isso que seus pais me trataram daquela maneira? Você lhes contou tudo,
e eles temiam que o filhinho entrasse em depressão por causa de uma moça pobre. Achavam
absurdo.
— Hoje eles são outras pessoas, querida. Por que não esquecemos tudo e iniciamos
uma vida nova? Faço qualquer coisa para consertar meus erros. Eu te amo e não quero perdê-
la de novo.
A amargura e o ressentimento fizeram Cathy se retrair. A mão de Anthony em sua
perna, um gesto tão odioso, tinha aberto de vez os portões do passado. Sem querer, ele
evocara recordações que a levaram a imaginar se realmente o amara um dia. Será que não se
ligara àquele homem somente para se ver livre das implicâncias dos pais e mantivera a
relação com tantos prós e contras impulsionada pela ambição de se tornar rica?
Quando a sra. Elton entrou na sala para servir o primeiro prato do jantar, Cathy
decidiu que não adiantava se martirizar. O amor não era algo fácil. Olhou de relance para
Tom e no íntimo desejou que sua vida fosse exatamente como uma semana antes, quando Tom
ainda não se declarara e Anthony não havia reaparecido. Tudo se complicara a partir de
então.
A conversa transcorria animada na mesa. Pelo jeito, ninguém havia notado o
atrevimento de Anthony. Aliás, foram até excluídos da conversa. Também, pudera! Com as
atitudes possessivas dele, ficaram totalmente alheios.
Lucy foi retirar os pratos. As pessoas comentavam a deliciosa sopa de pêra com
presunto. Cathy nem havia sentido seu sabor, mas também teceu elogios e passou a observar
a ajudante da copeira. Ela estava uma graça com o uniforme preto e o avental de renda
branca! O cabelo fora puxado para trás, e um lacinho discreto arrematava o penteado. A

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fisionomia demonstrava tranqüilidade absoluta.
"Lucy só podia mesmo ser irmã de Jacko. O jeito de sorrir é igualzinho", pensava
Cathy. "Será que a vida deles em Mirrima é tão descomplicada como aparenta?"
— Cathy...
A desconfiança tomou conta dela ante o olhar apaixonado de Anthony. Sem saber
como explicar, achou prematuro acreditar nele. Precisaria reunir provas concretas, não
palavras bonitas.
— Se a magoei no passado, foi por pura infantilidade. Fomos feitos um para o outro.
Se existe qualquer dúvida sobre isso, eu a esclarecerei esta noite.
— E como vai demonstrar a veracidade do que diz?
— Mais tarde lhe mostrarei o que é o amor verdadeiro. A razão pela qual meu corpo
arde de paixão por você. Diga que me quer a seu lado tanto quanto eu!
Nervosismo e revolta mesclaram-se no coração de Cathy. Após todos aqueles anos,
Anthony ainda insistia em torná-la uma escrava da sensualidade que tão habilmente sabia
usar. Lembrou-se das noites em que a beijava no rosto, nos olhos, no corpo inteiro. E, quando
a via morrer de excitação, a possuía, levando-a quase à loucura. Assim, ela fora se sentindo, a
cada dia, mais vulnerável ao seu domínio.
"Que estupidez ter sido tão submissa, ainda que fosse gratificante com o prazer e
as emoções. Ele deveria adorar ser o dono do meu corpo e da minha mente. O amor consistia
nisto?"
— Por que você me ama, Anthony?
— Eu lhe direi mais tarde, meu amor.
— Não. Quero saber agora.
— Impaciente como sempre. Antecipação significa metade do prazer. Pense... dê
asas à sua imaginação.
— Diga-me o porquê agora.
Os olhos dele estreitaram-se ligeiramente, avaliando a determinação de Cathy. A
resposta saiu devagar, como se quisesse demonstrar uma convicção maior:
— Existem determinadas pessoas com um poder de atração tão irresistível que
dificilmente nos esquecemos delas. Sabem como tocar a gente nos pontos mais frágeis e
provocam um turbilhão de emoções quando se entregam. Você é assim, Cathy. Jamais outra
mulher se deu tão inteiramente para mim. Você foi a única que conseguiu saciar todas as
minhas necessidades. Por isso eu te amo.
"Então significo apenas uma satisfação sexual para ele", pensou, indignada.
O segundo prato foi servido. Lagostas com molho Mornay. Cathy ouviu Stephanie
dizer que Anthony as levara bem frescas, naquele dia, ao voltar de Sídnei. Seguiram-se
várias opiniões sobre frutos do mar, mas Cathy as ignorou. Remoía as palavras de Anthony,
mastigando-as sem contudo engoli-las. Fora a Mirrima para testar seus sentimentos, os quais
no passado haviam envolvido muito mais do que uma simples atração física. Não buscava só
uma aventura para recordar os tempos de outrora.
Quanto mais refletia, mais chegava à conclusão de que somente a atração física
dominara o relacionamento deles. Mesmo se esforçando, não lembrava um assunto sequer que
algum dia tivessem conversado a fundo. A não ser sexo, claro. E ainda continuavam na mesma
tecla. Simplesmente não existia o diálogo gostoso que sempre apreciava com Tom. Falavam de
tanta coisa! Trocavam tantas idéias!

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Os pratos foram recolhidos e nova rodada de vinhos foi servida. Cathy olhou para
Tom e o viu ingerir uma considerável dose, esvaziando todo o copo, antes que Carlton o
enchesse novamente. Ele não costumava beber; pelo menos nunca fora visto embriagado.
Gostava de vinho, era verdade, mas jamais o sorvia como água. E era o que fazia agora.
Vanessa lhe falou alguma coisa, e ele sorriu concordando. Começou então a contar
uma anedota que Cathy já conhecia. Era um ótimo contador de piadas. Mary Lachlan passou a
prestar atenção nele, o mesmo acontecendo com seu marido. Quando terminou, acharam
muita graça, deixando os demais muito curiosos.
— Esta foi boa! — exclamou Ted Lachlan. — No seu repertório deve haver uma
porção delas.
— Conte outra — propôs Vanessa.
Tom foi persuadido. Todo mundo virou espectador e quase chorava, de tanto rir.
Cathy sentiu uma pontinha de orgulho da habilidade de Tom ao conseguir entreter toda a
audiência e ficou feliz por vê-lo mais relaxado. Mas perturbou-se quando notou que ele
novamente esvaziava o copo de uma só vez.
— Como é, Tom? Não o deixaremos parar agora! — encorajou Carlton.
Antes mesmo que ele reiniciasse as piadas, todos já riam. Anthony começou a dizer
algo para Cathy, mas ela lhe pediu silêncio e o ignorou. Desejava ouvir também.
Havia uma expressão de deboche no rosto de Tom, como se estivesse caçoando de si
próprio. Ele não era pessoa extrovertida por natureza. Nunca puxava uma conversa, a menos
que necessário. Porém estava dando um verdadeiro espetáculo: fazia imitações das vozes dos
personagens e adotava gestos e caretas que o deixavam muito engraçado.
Cathy começou a reparar melhor nele e concluiu: estava bêbado. Ninguém havia
notado. Só ela o conhecia o bastante para perceber a mudança de comportamento. Tom
começava a perder o controle, deixando-a apreensiva. Era culpada de tudo! Nunca alguém
beberia tanto, a não ser para aplacar a dor que lhe ia no peito.
Após várias gargalhadas pela última piada, Tom pediu que lhe servissem mais vinho.
Foi rapidamente atendido.
A porta da cozinha se abriu, e a sra. Elton apareceu com um carrinho, levando o
prato principal. Tom gesticulou um pouco, fez algumas brincadeiras com a copeira e alegou,
em seguida, que não se lembrava de mais nenhuma anedota. Nem se importou com a decepção
do pessoal. Cathy notou-lhe um certo alívio no rosto quando se recostou na cadeira.
— La commedia è finital — murmurou ele, como para si mesmo.
— O que disse, Tom? — perguntou Vanessa.
— Nada importante... Estou só treinando meu italiano.
— Por quê? Planeja viajar?
— Sim. Irei à Itália na próxima semana.
Itália. Próxima semana. Cathy não acreditou. Tom não somente rompera com ela
como também decidira sumir de Sídnei. Sentiu-se apavorada. Nem a presença de Anthony
diminuía-lhe a tensão. Aliás, deixava-a ainda mais confusa, pois, sem ao menos imaginar o que
se passava, continuava a pressioná-la ao querer uma decisão sobre o encontro de mais tarde
no quarto. A mente dela ardia em dúvidas. Se realmente estivesse apaixonada por Anthony, a
partida de Tom não deveria afetá-la tanto. O amor pelo outro deveria compensar qualquer
perda. Por que então aqueles sentimentos tão contraditórios no seu coração? Por que dava a
ele desculpas esfarrapadas, adiando uma resposta?

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O novo prato era um delicioso filé grelhado, servido pela sra. Elton enquanto Lucy o
completava com legumes. O assunto girava em torno da festa no dia seguinte. Jim Partridge
perguntou a Carlton sobre as pessoas que iriam, enquanto Stephanie explicava às amigas os
detalhes dos preparativos.
— Apesar de amanhã termos mais ou menos umas duzentas pessoas aqui, você será a
única importante para mim, Cathy — Anthony declarou. — E farei tudo para lhe proporcionar
o melhor dia de sua vida.
Estas palavras a fizeram sorrir. Talvez nem fossem sinceras, mas a faziam sentir-se
especial.
— Você não estará atarefado com tanta gente?
— Ora! Irei cumprimentá-los, claro, mas não pretendo lhes fazer sala. Meus pais
cuidarão disto, e o trabalho ficará por conta dos empregados. Amanhã nós vamos nos
divertir. Nadar, andar a cavalo, dançar...
— Não andarei a cavalo, Anthony. Não trouxe roupas adequadas.
— Se quiser, peço a Van para emprestá-las a você. Sabe, gostaria de voltar àquele
lugar onde fizemos um piquenique, lembra?
Claro que ela se lembrava! Haviam enchido uma cesta com queijos, vinhos, pães e
frutas e saíram sem rumo pelos campos verdejantes. Escolheram um local perto de um rio e
estenderam a toalha na relva salpicada de flores. Decididos a um contato maior com a
natureza, se despiram, jogando as roupas um no outro e, morrendo de rir, mergulharam nas
águas cristalinas que deixavam ver as pedrinhas do fundo. Depois, haviam voltado correndo
para a grama e, enlouquecidos pelo desejo, se atiraram na toalha e fizeram amor. Sentiam-se
como donos do céu, da terra e dos rios. Como Adão e Eva no paraíso. O sol a lhes banhar os
corpos nus. Os passarinhos a comemorar sua liberdade. Fora algo selvagem, desesperado,
pois Cathy sabia que era o fim e tentava evitá-lo a todo o custo. Agora, entretanto, não
encontrava nenhum vestígio de saudade nesta recordação.
O barulho dos pratos sendo retirados devolveu-a à realidade. Bandejas lindamente
decoradas com frutas e queijos foram dispostas ao longo da mesa. Um vinho doce substituiu
o seco, e Tom imediatamente encheu o próprio copo.
— Você ainda rema, querido?
A pergunta de Stephanie surpreendeu Cathy, deixando-a ansiosa pela resposta. Tom
nunca lhe falara sobre isso, e só agora compreendia de onde vinha a musculatura maciça e
seus ombros e braços.
— Não. Desisti há vários anos.
— Mas não é possível! Você adorava canoagem! Seus pais uma vez me mostraram
todos os troféus e fotografias de suas vitórias.
— Que vitórias, mamãe? — Vanessa indagou.
Cathy sentiu a irritação de Anthony ao vê-la prestando atenção na conversa, mas não
quis perder uma só palavra.
Tom sorriu. Um sorriso distante, secreto e introspectivo que ninguém podia
entender a não ser Cathy. Ela recordou como ficara quando Anthony a trocara por Mirrima.
Perdera o interesse por tudo. Nenhuma realização tinha sentido. Uma decepção de amor
também afetara Tom?
Stephanie então explicou que ele conseguira o segundo lugar para a Universidade de
Monash no Campeonato Vitoriano que era muito conhecido, e tinha um fã-clube vastíssimo.

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— Duvido que fosse melhor do que Cathy — começou Anthony. — Aos quinze anos ela
já era campeã de natação pelo New South Wales. Quatrocentos metros medley. Deveriam
vê-la se apresentando! Dava tanto gosto!
Cathy ruborizou-se diante do elogio. Sempre ficava embaraçada sendo o foco de
atenção.
— E você já a conhecia, Anthony? — perguntou Mary Lachlan curiosa.
— Ainda não. Ela estava com dezessete anos quando a vi pela primeira vez e me
enfeitiçou de imediato. Na época treinava duas horas antes de ir trabalhar e duas horas após
o expediente. E ainda cinco horas nos sábados e domingos, com seu pai atormentando-a todo
o tempo. Um homem sem coração, que exigia dela o máximo e recusava-se a reconhecer que o
muito já era o bastante. Ansiava pela glória, sem jamais se preocupar com o que a filha
desejava. Não foi, Cathy?
Ela queria morrer de vergonha. Seu pai simplesmente a incentivava, pois considerava
seu talento uma dádiva de Deus, e como tal deveria ser aproveitado plenamente.
— Acho que há um engano, Anthony. Nunca fui subjugada por papai. Pelo contrário,
ele somente fez o melhor por mim — respondeu, esperando que o assunto terminasse ali.
— Às vezes nós, pais, exigimos muito das nossas crianças, sem perceber — comentou
Myra Partridge. — De qualquer forma, aprovo sua atitude em defendê-lo, Cathy.
— Tanta dedicação deve ter sido difícil — disse Bill Curran.
— Monstruosa! — declarou Anthony. — Cathy não levava uma vida normal para uma
moça de sua idade. Sem namorados, sem divertimentos, só saía para ir à igreja aos domingos.
A melhor coisa que fiz foi resgatá-la de tudo aquilo e vê-la experimentar o outro lado do
mundo. E vejam agora! Ela está indo de sucesso a sucesso, não é, meu bem? Fico muito
orgulhoso!
Cathy queria esganá-lo. Anthony falava olhando diretamente para Tom e lhe roubava
os créditos de seu êxito. Fora Tom que a ajudara a se levantar. Anthony dera apenas um
empurrão pequeno. Sim, porque tinha sido sua força destrutiva que a impelira à ambição. De
fato, nenhuma situação era totalmente negativa. Sempre se podia tirar algum proveito.
— Para falar a verdade, o último ano que estive em Armidale com Cathy foi o melhor
da minha vida. Ela é uma mulher incrível, e aposto como tem ajudado muito Tom nesses
poucos anos que mora em Sídnei. Eles se tornaram excelentes amigos. O que me diz, Tom?
O sangue deixou o rosto de Cathy. Se pudesse mataria Anthony ali mesmo, na frente
de todo mundo. Optou por ir em defesa de Tom, para evitar que fosse magoado mais ainda.
— De minha parte, meus anos em Sídnei só me têm trazido satisfação. Não posso,
realmente, me queixar de nada.
Ela lançou um apelo mudo para Tom. Encontrou nos olhos dele um brilho perigoso que
a deixou mais tensa. Voltou-se para Anthony, em cujo olhar havia um quê de maldade. A boca
trazia um risinho divertido. Por quê? Por que ele insistia em afrontar Tom? Uma necessidade
de derrotá-lo para mostrar-se superior? Ciúme? Que competição mais idiota!
— Fico surpreso Cathy, que se contente com qualquer outra coisa, após conhecer
Mirrima. — Tom media bem as palavras, sem se referir ao relacionamento entre ela e
Anthony. Dirigiu-se então para Carlton. — Você detém o privilégio de possuir a mais bela
propriedade que já tive oportunidade de visitar, meu caro. Agradeço-lhe sinceramente e
também a Stephanie por me receberem aqui.
Tom se levantou e reverenciou Stephanie, enquanto continuava:

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— É uma anfitriã maravilhosa. Sinto-me realmente gratificado com o jantar
delicioso, os excelentes vinhos servidos, bem como a agradável companhia de seus amigos.
Acho que, se me deitar agora, reunirei melhores condições para desfrutar da festa de
amanhã. Assim, se me dão licença...
— Oh, Tom! Já vai? — Vanessa não gostou da idéia.
— Sinto muito, mas chegou a hora.
— Que pena que se retire tão cedo! — disse Stephanie. — Esperamos que descanse
bem e agradecemos a noite divertida que nos proporcionou.
— Sonhe com os anjos! — brincou Ted Lachlan, e um coro de boa-noite foi ouvido.
Cathy seguiu-o com o olhar. Sempre lhe havia admirado o caráter, mas não tanto
como nesse momento. No decorrer do jantar Tom fora soberbo, apesar das circunstâncias
difíceis. Até quando Anthony provocara uma situação intolerável ele se saíra bem e ainda
com charme e dignidade. Era o tipo de homem que todo mundo se orgulharia de possuir como
amigo. Pena que o perdera.
Aproveitando a oportunidade, Cathy resolveu se despedir também. Levantou-se e
com um sorriso largo nos lábios sensuais dirigiu-se a Stephanie.
— Se não se importa, seguirei o exemplo de Tom. Foi um dia e tanto, e estou com um
pouco de sono. Muitíssimo obrigada pelo jantar. Seus amigos são realmente fantásticos. Boa
noite para todos.
— Eu a acompanharei até seu quarto — Anthony se apressou a sugerir.
Cathy estava aborrecida com ele, mas segundas intenções convenceram-na a aceitar
o oferecimento sem nenhum comentário. Desejava ter uma conversa com Anthony a sós.
Havia umas coisinhas para acertar... e nenhuma delas tinha a ver com sexo. Se ele alimentava
essa esperança, ia se dar mal.

CAPÍTULO IX

O coração de Cathy batia como louco enquanto ela subia a escada com Anthony. Não
precisava olhá-lo para saber o que lhe passava pela cabeça. Aborrecida com a ousadia dele,
com o tratamento dispensando a Tom, apressou mais o passo. Deixaria que ele fosse ao seu
quarto, mas não permitiria que a levasse para a cama.
Assim que Anthony trancou a porta, Cathy manteve uma considerável distância e o
encarou. Seus olhos brilhavam, de raiva.
— Como pôde fazer aquilo com Tom? Tinha de agredi-lo tanto? Já não basta o fato...
— Espere um minuto! Afinal, o que foi que eu fiz?
— Não me venha com esse arzinho de inocência! Primeiro procurou depreciá-lo,
quando veio à tona o assunto de canoagem. Aliás, você nem participava da conversa. Depois,
quis dar a entender que seu relacionamento comigo foi muito melhor e mais envolvente,
rotulando o dele como uma simples amizade. Ou seja, se ele sente algo por mim ou não, não
vem ao caso. Só seu amor vale a pena, a oitava maravilha do mundo! Ninguém mais é capaz de
um sentimento assim! Tom já estava sofrendo bastante sem o seu...
— Sofrendo? — Anthony interrompeu-a de novo. — Ora, bolas, Cathy! ele aparentou
isso durante o jantar? Não reparou que foi o centro das atenções e nem sequer se preocupou
com você? Só tinha olhos para Vanessa!
— Escute aqui, seu anjinho de meia-tigela, sabe bem a que me refiro. Você não

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percebeu a expressão dele quando nos viu juntos hoje à tarde?
— Sim. A de um homem cujo orgulho foi abalado. Nada mais. Agora, se tudo o que
deseja fazer é discutir sobre Tom, vá procurá-lo e curar sua dor-de-cotovelo. Esse assunto
não me interessa. Só me importa o que estiver ligado a nós dois, querida. — Deu um suspiro
de exasperação, gesticulou, nervoso, e então amaciou a voz. — Está bem, sei que sente pena
dele. Só que tenho muito ciúme de todos esses anos que passou a seu lado. Dá vontade de
enforcá-lo. Mas vamos colocar os pingos nos "is": você veio a Mirrima por mim e não para
acompanhá-lo.
Cathy arregalou os olhos, impressionada com tanta petulância e egoísmo.
— Está redondamente enganado, meu caro. Se conseguisse ler em meu coração, veria
que vim em busca da minha verdade. Como uma viagem ao passado, para responder às
questões obscuras!
— Do que está falando? Ficou saudosista depois que começou a mexer com
antigüidades?
— Chame do que quiser, Anthony. Já sepultei o que tivemos há cinco anos, pois foram
poucos os momentos que valeram a pena em relação ao sofrimento que eles geraram. E não
compensa ficar relembrando coisas dolorosas. Pensei que Mirrima fosse o centro do
problema... seus pais, o estilo de vida que levavam, a diferença de nível social entre nós. Mas
agora começo a entender que nada disso constituía a parte mais importante.
— Quanta filosofia! Estamos perdendo muito tempo, falando tanta bobagem...
— Oh, desculpe! Esqueci que você jamais gostou de muita conversa! — ela ironizou.
— Tem razão. Prefiro a linguagem dos sentidos. Sabe, você fica tão bonita quando
está nervosa... Seus olhos faiscando um fogo azul... cada linha desse corpo adorável se
enrijecendo com a emoção... Fico louco, acredite.
Cathy dirigiu-se à janela, odiando sentir-se perturbada daquele jeito. A simples
proximidade de Anthony mexia tanto suas emoções que ela tentou concentrar sua atenção na
lua. Os raios prateados banhavam Mirrima como se quisessem se juntar à beleza da região.
Noite de lua cheia que, segundo alguns, tornava as pessoas mais vulneráveis. Seria esse o
motivo, ou algo mais imediato, instintivo, o que a levava a experimentar a mesma sensação de
antigamente? O fato foi que, quando Anthony a alcançou e puxou-a para si, ela sentiu-se
muito cansada para oferecer resistência. E enquanto os lábios dele percorriam seus cabelos
e a respiração se tornava cada vez mais acelerada, Cathy sentia que as lembranças da
intimidade que tiveram um dia tomavam forma assustadora.
— Existem coisas melhores para fazer, meu amor. Muito mais gostosas e
interessantes do que ficar conversando.
— Não me peça isso agora, Anthony. E, por favor, vá embora. Quero ficar sozinha.
— Por quê? Não conseguirá dormir no estado de excitação em que está. Vamos,
deite-se comigo e vamos nos amar. Ficará tranqüila e feliz.
— Pare com isso! Não quero que me toque! — Uma onda de calor a invadia.
Anthony não lhe dava ouvidos. Uma mão firme passou a acariciar seu seio e a outra
tentava despi-la.
— Vê? Seu corpo me dá outra resposta. Não corresponde às suas palavras, e eu
acredito muito mais nele... Fui seu primeiro amor, e em toda a sua vida você jamais se
esquecerá da maneira como vibra comigo. Depois do que tivemos, o resto é só o resto. Por
isso voltou aqui...

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Cathy moveu a cabeça para trás, deixando os lábios quentes beijarem seu pescoço. A
razão não existia mais; só instinto.
— Lembra da primeira vez que fizemos amor? Descobrimos um ao outro, sem pressa,
compartilhamos sensações maravilhosas. Nunca senti tamanha ternura por uma mulher como
naquele dia! E é o que estou sentindo agora. Ah, minha querida, precisamos urgentemente
recuperar o tempo perdido. Vamos traçar um caminho só para nós, sem interferências, e dar
vazão a nossos anseios. Como antes...
Cathy se deixou levar um instante por aquela recordação, desejando sucumbir à
sedução de Anthony. A primeira vez fora realmente fascinante. Ele se comportara de modo
tão gentil e romântico que quebrara todos os seus receios e a fizera ceder sem nenhum
arrependimento. Mas ela era inocente e acreditava nele. Agora, entretanto, já não existiam a
confiança e a ingenuidade; Tudo fora substituído por um mar de dúvidas que inundava sua
mente e derrotava as lembranças.
— Não me pressione, Anthony! — Ela respirou fundo, libertou-se das mãos que a
prendiam e o encarou. — Eu lhe direi, quando estiver pronta para fazer amor com você. Se é
que estarei. Com certeza não será esta noite!
Os olhos de Anthony brilhavam de desejo, e Cathy nem quis imaginar a reação
violenta que sobreviria. Para sua surpresa, contudo, os lábios dele se abriram num sorriso, e
suas feições demonstraram admiração.
— Não esta noite! Você é, sem dúvida, uma mulher e tanto. A melhor do mundo.
Sempre foi meu último desafio... provocante, linda, uma eterna sedutora quase a meu alcance.
Faz bem, agindo assim. Torna a consumação muito mais excitante, sabia? Amanhã provarei
tudo em você. Virá para mim como sempre quis. Não resistirá — ele declarou, confiante,
antes de fechar a porta e deixar o quarto.
Um conflito enorme se travava entre corpo e mente. Os pensamentos de Cathy
perdiam-se no passado, e ela tentava arrumá-los. Algo diferente acontecia. Tão diferente
que tinha medo de encarar. Mas era vital descobrir seus reais sentimentos. Ou a viagem
teria sido inútil.
"Último desafio. A melhor mulher do mundo..." Cathy nunca quis ser nada disso para
Anthony. Aliás, um homem com sua riqueza e posição não encontraria nenhum problema para
obter o que quisesse. Ela, por outro lado, tivera de quebrar mil barreiras, crenças, religião.
Tudo por um jovem rico e bonito que lhe dera algo nunca experimentado antes: a excitação
de ser desejada e amada. Levara vários meses para aceitar os convites de Anthony, até que
não resistira, apesar da odiosa necessidade de enganar seus pais, que não permitiam nenhum
relacionamento com rapazes e moças fora do grupo da igreja.
Mesmo tendo se lançado a um amor embriagante, sentia-se tão culpada que se
negara a fazer amor por muito tempo. Muito mais do que, provavelmente, Anthony levava
para conquistar outras moças. Talvez por isso ele a considerasse um desafio.
Tudo correra bem até Cathy concordar em apresentar seus pais a Anthony,
esperando convencê-los de que seus sentimentos eram sinceros. Mas, longe de agir com
habilidade, ele lhes contara sobre o relacionamento íntimo, contrariando os princípios da
família. Seu pai reagira de forma brutal, mandando-os embora dali com tantas injúrias que
ela pegara uma muda de roupa, alguns objetos pessoais e nunca mais pisara naquela casa. Só o
amor de Anthony importava, então. Se não acreditasse nele, a vida não valeria mais a pena.
A cabeça de Cathy parecia prestes a estourar de dor com aquelas lembranças. Será

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que Anthony realmente se preocupara alguma vez com o que lhe passava na alma? Exigia
submissão em tudo e, quando ela se recusava, o relacionamento ficava tão abalado que era
preciso voltar atrás, ver-se obrigada a fazer coisas ou a aceitá-las, como por exemplo as
estimulações em público. Iguais às que ele repetira essa noite, durante o jantar.
Anthony era um dominador, e Tom reconhecera isso rapidamente, por ser um
doador. Doador de coisas boas. Desde o primeiro encontro dera a Cathy tudo de que ela
necessitava: compreensão, apoio, amizade e paciência, agora devolvidos em forma de
sofrimento. Sentiu-se envergonhada por sua atitude. Era igual a Anthony.
Com o coração apertado, Cathy vestiu a camisola e foi ao banheiro tirar a
maquilagem. Quando se olhou no espelho, não encontrou mais o rosto bonito e provocante de
sempre. No lugar havia uma mulher cega e tola. Voltou decepcionada para o quarto e deitou
na cama larga que Anthony escolhera, na esperança de compartilhá-la com ela. Graças a Deus
conseguira resistir à tentação daquele homem!
Apagou as luzes e puxou as cobertas até a cabeça, procurando sufocar seus
pensamentos. Mas de novo perguntou-se se algum dia amara ou fora amada por Anthony.
Cinco anos antes isso jamais lhe ocorreria, apesar de, já na época, seu íntimo lhe prevenir
que havia algo errado entre eles. Não era normal a insegurança que o relacionamento gerava
nem a maneira absurda como era dominada. Que diferença de Tom! Nunca a pressionara e
muito menos desrespeitara, principalmente perto de outras pessoas. Como fora idiota,
magoando-o tanto! Precisava reparar o que fizera e da melhor forma possível.
Escondeu o rosto no travesseiro, não suportando a idéia de perder Tom, perder seu
respeito, seu apoio... seu amor. Não estava certa do porquê, mas descobriu que ele era muito
importante. Se a deixasse e fosse para a Itália, um vazio imenso ficaria em sua vida. Um
vazio que já lhe era insuportável.
Agora, só um pensamento a perseguia e martelava em seu cérebro: era
terrivelmente necessário manter Tom a seu lado!

CAPÍTULO X

Cathy não dormiu sossegada. Um sonho horroroso a perseguiu a noite inteira.


Anthony lhe aparecia em forma de demônio e se jogava sobre ela, cobrindo-a de fogo. Ao vê-
la desesperada, ria, sádico, e ficava excitado com sua agonia. Tom assistia a tudo indiferente
e quando ouvia seus gritos de socorro lhe dizia que o castigo era merecido e que nunca lhe
perdoaria o desprezo. Em meio a uma angústia que parecia interminável, ela conseguiu abrir
os olhos. Sentiu-se aliviada ao perceber a luz do sol entrando de mansinho pela janela. A
noite havia acabado, e com ela o terrível pesadelo.
Deu uma rápida olhada no relógio e verificou que eram quase sete horas. Permaneceu
deitada mais um pouco, tentando acalmar sua agitação. Tinha um dia e tanto para enfrentar
e, se o começasse nervosa, já podia considerá-lo perdido. Resolveria seu problema com
Anthony, e nem a noite maldormida a demoveria da decisão tomada.
Com determinação, Cathy atirou os lençóis para os pés da cama e se levantou. Vinte
minutos depois descia a escada, procurando disfarçar o sono.
A sra. Elton levava uma bandeja com alguns bules para a varanda e parou para
cumprimentá-la, toda sorridente.
— Bom dia, srta. Cathy. Dormiu bem?

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— Maravilhosamente! — mentiu ela.
— O café será servido na... Que bobagem a minha! Certamente já sabe... Se me
permite dizer, está muito bonita com essa roupa rosa! Aliás, independentemente dela, meus
velhos olhos sempre a acharam encantadora. Bem, até logo mais! Desejo que tenha um ótimo
dia!
Cathy retribuiu o sorriso e agradeceu o elogio, que levantou bastante seu ânimo.
Quanto ao "ótimo dia", provavelmente seria impossível. Caminhou então para a porta e a
abriu, dando passagem para a velha e querida senhora.
Na varanda sentia-se o cheirinho gostoso do orvalho nas folhagens, e o ar puro da
região batia em cheio nos pulmões. Os passarinhos pipilavam e saltitavam felizes nos galhos
das árvores e no gramado. O céu muito azul formava um bonito contraste com o verde dos
campos e, ao longe, a neblina ainda encobria a vegetação perto do rio, aguardando que raios
mais quentes fossem apagá-la. Vozes animadas tiraram Cathy do enlevo, e ela se dirigiu à
mesa do café, enquanto admirava a fartura. Biscoitinhos e geléias caseiras, bolos, pães,
queijos, frutas e sucos diversos davam água na boca.
Anthony, Tom e Vanessa ainda não estavam presentes, e Stephanie fazia sala para
seus convidados. Quando viram Cathy, cumprimentaram-na com satisfação, trocando
beijinhos. Ela se sentiu à vontade e concluiu que era fácil se adaptar à alta sociedade quando
aceita "como uma deles". Não eram más pessoas. Nem mesmo Stephanie. Simplesmente
pertenciam a uma classe que cultivava hábitos diferentes e estranhava quem não os tinha.
— Eu não esperava vê-la aqui embaixo tão cedo, querida! — Stephanie falou
calorosamente. — Nem Anthony. Acho que ele foi cavalgar um pouco.
Cathy sentiu-se aliviada ao saber disso. Assim teria mais tempo para superar sua
apreensão. Não havia necessidade de ficar tão nervosa. Tinha todo o direito de esperar que
Anthony respeitasse seus sentimentos, pois não era um objeto com o qual ele podia fazer o
que bem entendesse.
— Gosto de me levantar cedo, Stephanie. Mesmo nos fins de semana. É mais
saudável.
— Concordo plenamente. Todos os jovens deveriam seguir seu exemplo. Agora, por
favor, sirva-se e escolha seu lugar. Nada de formalidades. Carlton foi dar uma volta por aí.
Vanessa e Tom ainda não desceram.
Cathy apanhou um pratinho, colocou algumas torradas e serviu-se de uma xícara de
café. Acomodou-se então perto de Mary Lachlan e ficou observando a ajudante da sra. Elton
preparar os ovos mexidos com bacon. Enquanto beliscava a torrada, desejou que Tom não
aparecesse por enquanto. Sabia que a qualquer momento teria de enfrentá-lo, mas preferia
que fosse mais tarde. Felizmente a conversa na mesa girava em torno de pessoas que ela não
conhecia, e assim não precisou participar muito do bate-papo.
Quando terminava o café, Anthony apareceu na varanda. Estava muito charmoso com
sua roupa de montaria, e a camisa entreaberta, com alguns pêlos à mostra, dava-lhe um
aspecto de virilidade absoluta. Só faltava um chicote para complementar a imagem agressiva,
máscula e dominadora. Parecia irresistível para qualquer mulher, mas talvez poucas tivessem
tido a chance de conhecer sua verdadeira personalidade.
— Nossa! Já desceu? — ele perguntou a Cathy. Depois, com visível frustração e não
se importando com a interpretação que as pessoas ao redor pudessem dar às suas palavras,
acrescentou: — Se soubesse que viria logo, teria tido prazer em acordá-la.

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— Bom dia.
Sem se intimidar com a frieza de Cathy, Anthony sorriu e convidou-a para um
passeio, assim que trocasse de roupa e tomasse o café. Como estava uma manhã belíssima,
alegou que gostaria de aproveitá-la com ela. Enquanto falava, acariciava-a na nuca, querendo
demonstrar intimidade e posse. Cathy, quase sem perceber, o rejeitou.
— Dormiu bem, doçura?
— Claro. A cama é muito confortável — ela declarou com firmeza, esperando que ele
não percebesse nenhum sinal da noite mal-dormida, pois poderia pensar que o motivo era
frustração sexual. E isso se distanciava muito da verdade.
— Fique me esperando aqui. Vou tomar um banho rápido e volto em poucos minutos.
Vanessa desceu em seguida. Tom não a acompanhava, para a felicidade de Cathy.
Sabia que a irmã de Anthony estava interessada em Tom, mas com certeza ele não a
encorajava. Caso contrário Vanessa o teria tirado cedo da cama, para não perder um segundo
sequer de sua companhia.
— Acho que nunca vi Mirrima tão esplendorosa como nesta manhã — disse Anthony,
reaparecendo. Vestia uma calça jeans e uma camisa verde-esmeralda que lhe realçava ainda
mais os olhos. — Quero lhe mostrar toda esta beleza, Cathy.
— Isso levaria o dia todo, meu filho. E nossos convidados começarão a chegar daqui a
uma hora.
— Minha presença não será necessária. Você, papai e Vanessa poderão fazer as
honras da casa.
— Mas virão pessoas que gostariam de vê-lo — declarou Stephanie, irritada.
— Elas que esperem meu regresso!
De novo Anthony feria os sentimentos dos outros, em benefício próprio. Na tarde
anterior já havia respondido à sua mãe de maneira rude, quando ela sugerira que Cathy
ocupasse um outro quarto. Como era malcriado!
— Não pretendo discutir, Anthony. Bom passeio para vocês. Espero que se divirtam
bastante.
— Vamos só dar uma olhada nos arredores. Dentro de uma hora estaremos de volta e
a postos para ajudá-la com os seus convidados, Stephanie — garantiu Cathy.
— O amor sempre descobre uma forma para escapulir das nossas vistas! — brincou
Ted Lachlan, e todos acharam graça, inclusive Cathy, que, apesar de um pouco embaraçada,
deixou transparecer que era uma boa piada, sem se comprometer.
— O meio-termo nunca leva a lugar algum, Cathy. Você deveria saber disso. Se
ficarmos tão pouco tempo, não dará para nada.
Era exatamente o que ela queria. Permanecer fora por alguns minutos, suficientes
para certificar-se melhor dos seus sentimentos, antes de se encontrar com Tom.
Os jovens foram esquecidos, e os comentários voltaram-se para a festa que
aconteceria mais tarde. Anthony ignorou a conversa e fez para si um belo prato, enquanto
pedia a Lucy que lhe preparasse dois ovos com bacon. Assim que se acomodou, não tirou os
olhos de Cathy, e sua expressão demonstrava claramente que sua fome era bem outra. Mal
sabia que ela não estava disposta a satisfazer-lhe o apetite sexual.
Tão logo terminou o café da manhã, Anthony pediu licença e se retirou da mesa com
Cathy.
Enquanto caminhavam em direção ao celeiro, ele respirou profundamente e declarou

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com satisfação:
— Nada como uma cavalgada de manhã bem cedo para clarear o cérebro e revigorar
o corpo! No futuro faremos isso muitas vezes, meu amor.
— Até onde irá o seu futuro desta vez? Há cinco anos você fez tantos planos, e até
hoje não vi nenhum realizado.
Ele respondeu com um largo sorriso e a conduziu para um jipe, ajudando-a a subir na
cabine alta. Em seguida sentou-se e ligou o motor.
— Se temos somente uma hora, é melhor nos apressarmos. Há muita coisa para ver e
para fazer. Talvez possamos esticar um pouco mais o tempo, pois ninguém vai perceber ou se
importar. — E saiu, acelerando o máximo, todo cheio de si.
— Não comece... Prometi à sua mãe que não demoraríamos e costumo cumprir o que
combino. Portanto, não venha com gracinhas, está bem?
— Você fica irresistível quando assume esse ar determinado. Vamos, me dê um beijo!
— De jeito nenhum! Você está guiando, e é perigoso. — A verdade era que não tinha
vontade alguma de beijá-lo.
— Não seja boba! Não há nenhum problema, e além do mais posso parar o carro.
Quero que me beije! — exigiu e puxou-a para si.
Cathy quase morria de medo com a imprudência de Anthony, que, além de guiar com
uma só mão, ainda ficava contemplando-a, embevecido. De novo tentava pressioná-la.
— Não seja irresponsável! Você disse que iria me mostrar Mirrima, não foi? Então
mostre-me.
— Certo. Cada coisa no seu lugar, não é? — Ele endireitou o corpo e sorriu. — Não
imagina como amo estas terras. Duvido que no mundo inteiro exista uma propriedade assim.
A súbita mudança de comportamento surpreendeu Cathy, enquanto Anthony falava
com tanto orgulho de Mirrima, ela compreendeu que, sem dúvida, aquelas terras eram a única
paixão na vida dele.
Passavam agora perto do velho rio, onde quilômetros e quilômetros de plantações
perdiam-se de vista.
— Há três anos implantamos um sistema de irrigação permanente aqui. Com isso
duplicamos a área e triplicamos a produção. Mostrarei a você os campos experimentais.
Conseguimos um tipo de trigo viçoso, resistente às pragas e de crescimento rápido. Foi a
colheita mais impressionante que tivemos. É uma visão e tanto!
Realmente, era uma beleza. Anthony até parou o veículo, para se deixar embriagar
pela paisagem. Parecia que a via pela primeira vez!
— Olhe para este lugar. É muito valioso. O futuro do mundo depende da qualidade do
primeiro meio metro de solo. E nós somos donos do melhor!
Anthony estava demasiadamente envolvido na exuberância de Mirrima para mudar
de assunto. Cathy não sabia como abordá-lo, para lhe dizer o que tinha em mente. Mesmo
quando ele colocou o jipe em movimento, guiando-o devagar ao longo do rio Brokenback,
falava o tempo todo. A cada momento surgia uma nova explicação. Agora apontava os
carneiros nas pastagens ao norte.
— Uma grande estação. Jamais possuímos uma quantidade tão grande. E ainda não
foram tosqueados.
Ele já nem prestava atenção. O tempo corria, e ainda não tivera chance de
interrompê-lo. Quando chegaram ao ponto mais alto da propriedade, de onde se descortinava

49
uma vista de tirar o fôlego, Anthony parou o carro novamente. No seu rosto havia uma
expressão tão extasiada que Cathy não se conteve e desabafou:
— Se você tivesse me amado tanto quanto adora Mirrima, muito sofrimento teria
sido evitado!
Um profundo silêncio caiu sobre eles, que não conseguiam olhar um para o outro.
Anthony esfregava as mãos no volante, aumentando ainda mais o nervosismo de Cathy, que de
repente sentiu-se muito triste, sem saber a causa do mau pressentimento.
— Você está certa — ele admitiu com voz tensa. — Amo Mirrima desde que nasci.
Esta região me domina na mesma proporção que a domino. Não poderia viver sem ela...
Seu olhar tornou-se distante, como se buscasse nos vales da propriedade os
sentimentos que ali se perderam um dia. Não os encontrando mais, suspirou angustiado e
tentou lutar contra as lembranças do passado.
— Não pretendo magoá-la. Sempre soube que quando nos separamos, não havia outro
homem na sua vida. Posso lhe contar isso agora, pois aquele tempo já se foi. Achava que você
era tudo que eu desejava numa mulher, até que a trouxe aqui. Sabe, não combinava com os
nossos hábitos... Destoava completamente de nós. Não por sua culpa, mas... Bem, não importa
mais. O fato é que hoje você se adapta de maneira perfeita em qualquer lugar. E Mirrima é o
melhor que existe, uma das duas coisas mais preciosas do mundo para mim. A outra é você,
Cathy! Não pode ser criticada em nada. Até minha família reconhece!
Ela sentiu como se uma faca afiada retalhasse seu coração. Enfim descobrira a
verdade. Anthony jamais a amara! O que planejava mesmo era torná-la um bibelô que se
adequasse à família e aos amigos ou, quem sabe, à invejável coleção de Stephanie. Como uma
simples mudança de aparência influenciava os conceitos daquela gente! Lágrimas de dor
vieram-lhe aos olhos, trazendo uma sensação de luto por um sonho impossível.
— Mirrima agora é sua, querida — ele continuou, com fervor. — Eu a coloco a seus
pés. Já se imaginou dona de tudo e comigo a seu lado? Nós dois comandaremos todas essas
maravilhas, sem precisarmos discutir as nossas antigas divergências. Eu te amo muito e não
vejo a hora de ficarmos juntos para sempre. Não precisa chorar. Prometo fazê-la muito
feliz.
Antes que Cathy se desse conta, Anthony inclinou-se e colou seus lábios nos dela.
Não era um beijo ardente, como o que costumava dar. Havia um toque de respeito nele, igual
ao da primeira vez, havia tantos anos. E o redemoinho de emoções, provocou os mesmos
arrepios, deixando-a mais melancólica. O primeiro beijo e o último. Seriam as únicas
lembranças que valeriam a pena guardar, pois delimitavam o começo e o fim de tudo.
— Você me leva a agir de uma maneira que até eu mesmo me surpreendo. Sabe o que
me deu vontade de repente? De sair do carro e fazer amor na grama, com toda a natureza a
nossa volta!
— Não! — ela falou num fio de voz, sufocada pelas recordações. Seu olhar percorreu
aqueles domínios, os quais constituía, o orgulho de Anthony. Mirrima o havia corrompido. E
também à sua família. Provavelmente enfeitiçaria qualquer um, com tanta riqueza. O
bastante para que ficassem cegos aos valores verdadeiros das pessoas.
Anthony puxou-a para si. Toda ternura havia fugido de sua expressão para dar lugar
a um excitamento crescente. Quando percebeu que ela o rejeitava, um brilho cruel apareceu
em seus olhos.
— Quero você, Cathy! E quero agora! Será que precisarei obrigá-la?

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Ela se esforçou para não deixar transparecer o medo e procurou dar o tom mais
calmo do mundo à voz quando respondeu:
— Não, você não irá me obrigar. Seria estupro, porque não desejo fazer amor com
você. Nunca mais. Tudo acabou entre nós e, por favor, não insista.
— Está me provocando, menina! Não pode fazer isso comigo!
— Claro que posso!
— Então foi o que ganhei contando-lhe a verdade? Quer me castigar pelo que
aconteceu há cinco anos? — De repente, ele a empurrou contra a porta do carro e, com o
rosto desfigurado, bateu a palma da mão no painel. — Droga! Um homem sempre faz papel de
bobo quando diz a verdade a uma mulher! Você pagará por isso, Cathy! Não pense que estarei
por perto, à sua disposição, no dia em que mudar de idéia! — Anthony a ameaçava, como
sempre. Só que agora ela não o temia mais. Cortava-o definitivamente de sua vida, e não
seriam seus gritos ou frustrações que a intimidariam.
A pequena viagem de volta foi um tormento. Ele pisava no acelerador com fúria, e o
jipe sacolejava tanto que às vezes Cathy tinha a impressão de que iriam capotar. Nem se
importou. Estava louca para chegar, pois não havia mais nada para dizer. Suas suspeitas
foram confirmadas. Também ela nunca o amara. Finalmente o passado poderia ser enterrado.
Assim que o jipe foi estacionado, Cathy saltou rapidamente e saiu caminhando, sem
esperar por Anthony. Mas foi seguida e agarrada com brutalidade.
— Você está indo longe demais!
— Deixe-me ir, Anthony. Não quero saber de mais nada.
Ele não a largou. Seus dedos pressionaram mais ainda o braço de Cathy, que
lamentava ter aceitado o convite para o passeio. Ainda bem que aprendera a lição.
— Anthony! Anthony!
O grito o distraiu. Uma perua se aproximava, e na janela se via uma moça acenando
para ele, com a metade da cabeça para fora. Imediatamente Cathy a reconheceu: Jillian
Barnsworth, a acompanhante de Anthony no baile beneficente.
— Jillian até imploraria o que você está recusando, Cathy!
— Claro. Você a dominaria, não é? — ela respondeu com rancor. — Ela é a pessoa
ideal para seus caprichos e não me atinge nem um pouco, meu caro.
— Ah, não? Espere para ver! Até o final do dia você mudará de idéia. Quer apostar?
— Levantou um dedo ameaçador enquanto se retirava. Assim que se aproximou de Jillian deu-
lhe uma calorosa recepção.
— Quanto prazer em vê-la, minha querida! Por que demorou a chegar? Já estava
ansioso... — E dirigiu um olhar vingativo para Cathy.
— Nunca uma viagem me pareceu tão longa. Papai veio dirigindo devagar, igual a uma
tartaruga arrastando-se na areia. — Jillian continuou abraçada a Anthony e voltou a atenção
para Cathy. — Oi! Como vai! Divertiu-se no baile?
— Muito! Tudo bem com você? — Cathy sentiu uma ponta de simpatia pela moça. Sem
as sofisticadas roupas de festa e vestindo uma calça jeans apertada e uma camiseta
moderna, aparentava muito menos idade.
— Tudo ótimo!
— Bem, então vamos para casa. Gostaria de cumprimentar seus pais — Anthony
sugeriu e olhou de novo para Cathy. Depois, sem lhe dizer uma palavra, saiu de mãos dadas
com Jillian.

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Parada ali, reparando no casal que se retirava, Cathy sentiu pena de Jillian. A moça
demonstrava uma alegria enorme com as atenções recebidas de Anthony e, na sua inocência,
jamais imaginaria que era somente uma peça a mais do jogo dele.
"Eu poderia alertá-la, para saber com quem está lidando!", pensou Cathy. "Mas entre
ouvir e acreditar há uma grande diferença. Principalmente levando em conta que, na sua
cabeça, represento uma rival."
Com um suspiro profundo ela relembrou as atitudes de Anthony no decorrer do
relacionamento e as de até poucos minutos antes. Inacreditável! Fora tudo uma mentira. Um
grande engano. Deixara se abater tanto por nada!
Ao invés de voltar logo para a casa, Cathy resolveu ficar por ali mais um pouco e
tentar se restabelecer da decepção. Colheu florezinhas do campo e sentou-se na grama.
Instintivamente começou a despetalar as flores, como costumava brincar na adolescência:
mal-me-quer... bem-me-quer... mal-me-quer... bem-me-quer. Seus pensamentos se voltaram
para aquela época tão cheia de ingenuidades e sonhos, que lhe davam tantas esperanças.
De repente uma chama abrasadora aqueceu a sua alma, fazendo-a enxergar na
escuridão de sua cegueira uma figura bem conhecida. Ficou quieta, como se qualquer
movimento pudesse apagar aquela luzinha que se tornava cada vez mais resplandecente, ofus-
cando todas as suas mágoas. E então percebeu claramente que o amor, tanto tempo
escondido dentro dela, tomava uma forma gigantesca e parecia rasgar-lhe o peito. Seu
coração batia como louco enquanto ela se conscientizava: "Tom! Meu Deus, eu amo esse
homem! Quatro anos a meu lado, diariamente, e não descobri algo tão importante! Sempre
pensei que ele significasse muito para mim por ser um bom amigo. Agora entendo o porquê da
sensação de vazio quando ele disse que iria para a Itália. É porque não quero perdê-lo. Ah,
meu Deus, me perdoe pela falta de sensibilidade. Por favor, ajude-me a tê-lo de volta!"
Levantou-se rapidamente e caminhou com passos largos ao encontro de Tom. Ele
precisava saber disso. Precisava ouvi-la. Arranjaria um jeito, nem que fosse necessário
persegui-lo a pé por Mirrima inteira.

CAPÍTULO XI

A barreira com que Tom havia se cercado era fantástica. Muito maior do que Cathy
previa. Durante horas ela o vigiou, buscando uma oportunidade de falar-lhe a sós, mas em
vão. Vanessa não largava dele e, além disso, sempre estavam em companhia de outras
pessoas, falando, sorrindo e gargalhando. E, como fizera na noite anterior, Tom
simplesmente a ignorou. Sempre que tentava se colocar num lugar onde pudesse ser vista, ele
a olhava como se não a conhecesse ou não estivesse ali.
Havia convidados por toda parte, circulando de um grupo a outro. Um bonito toldo
foi colocado na varanda, e a quantidade de homens sob ele deixava claro que era onde
ficavam as bebidas. O churrasco exalava um cheiro delicioso, e o local perto dos espetos
virou um ponto de encontro. A uns duzentos metros da casa estava parada uma quantidade
enorme de carros. E outro tanto continuava chegando. As crianças pulavam na piscina e
faziam brincadeiras, jogando água para todos os lados. Jacko as vigiava, para que nenhuma se
machucasse.
Cathy sentiu saudades de sua infância. Como adorava nadar! Fora um período tão
livre, alegre, e agora tão perdido no tempo... Seria possível ser tão espontânea novamente?

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Sem se deter na resposta, desviou o pensamento. No momento, só lhe importava falar com
Tom. Era preciso encontrar uma maneira, e bem depressa.
Tom e Vanessa se juntaram a um grupo sentado a uma mesa próxima à piscina. Assim
que chegaram, fizeram um brinde a alguma coisa engraçada, pois todos riram. De propósito
ou não, Anthony e Jillian formaram um outro grupo, na parte oposta da piscina.
Anthony exibia em público seu interesse por Jillian. A atitude não afetou Cathy, que
só desejava não ser notada quando se aproximasse de Tom. Não queria mais complicações e
muito menos interferências maliciosas.
Vanessa fazia de tudo para chamar a atenção de Tom. Ao vê-la sorrir para ele de
forma tentadora e descaradamente acariciar-lhe a nuca, Cathy não se agüentou de ciúme.
Precisava deter aquela mulher. Aliás, qualquer outra que chegasse perto do seu amor. Ainda
sem analisar o porquê da sensação de posse tão repentina, foi diretamente ao encontro
deles, com passos resolutos, tentando controlar a tensão para não aparentar desespero.
Estava quase a um metro da mesa e Tom ainda não a tinha visto. Parecia um rei,
rodeado de servos a lhe dispensarem a maior das atenções. Exatamente como na noite
anterior! Vanessa, como por instinto, logo percebeu a presença da rival. Seus olhos azuis
demonstraram tanta hostilidade que Cathy se intimidou por um momento. Afinal, o que iria
fazer ou dizer? Devia ter preparado uma abordagem qualquer.
— Srta. Cathy!
O grito de Jacko pegou-a tão desprevenida que ela se assustou. Lá estava ele, do
outro lado da piscina, pertinho de Anthony. No rosto, o sorriso largo e habitual.
— Que tal se trocar e vir nadar um pouco?
— Não trouxe meu maio, Jacko! — ela se desculpou.
— Não seja por isso! Temos uma porção nos vestiários! Gostaria muito de vê-la
competindo com Jacko! — Foi a vez de Anthony sugerir.
— Grande idéia! Ora, vamos, Cathy. Seja esportista e mostre-nos suas braçadas —
Vanessa insistiu. — Ela já foi campeã de natação, gente!
Cathy desejou que o chão se abrisse e a engolisse rapidamente. Todos a olhavam com
expectativa e interesse. Exceto Tom, que se mantinha alheio a tudo, concentrado apenas no
copo em sua mão. A última coisa que ela desejava naquele instante era ser o foco da atenção
geral. E, com certeza, não iria demonstrar suas habilidades nas águas azuis da piscina.
Principalmente na presença de Anthony, que deveria estar armando algum plano diabólico.
— Não tenho nadado há muito tempo, Jacko. Portanto, meu preparo físico não anda
tão bom assim. — Forçou um belo sorriso. — Já não posso competir com você, pois eu
perderia na primeira braçada. De qualquer forma, obrigada pelo convite.
Houve um coro de protestos e desapontamento, iniciado por Vanessa e seu irmão,
mas Cathy balançou a cabeça em negativa e caminhou direto para Tom, ignorando todas as
pessoas da mesa. Ele continuou fingindo indiferença, mesmo quando ela tocou-o de leve, num
apelo mudo.
— Tom, gostaria de falar-lhe um instante. É possível?
— Pois não, fique à vontade. Todos aqui gostam muito de uma prosa.
— A sós...
— Agora? Eu diria que a ocasião não é apropriada — Tom respondeu, com uma
expressão de neutralidade. — Faça parte do nosso grupo, se estiver se sentindo deslocada.
Não tenho segredo com ninguém; pode abordar qualquer assunto.

53
— Este é muito pessoal, e por isso prefiro tratá-lo somente com você. Posso adiar
para mais tarde, se preferir.
— Se eu tiver um tempinho...
O sangue pareceu subir ao rosto de Cathy, deixando-a tão atrapalhada que não lhe
veio mais nenhum argumento.
"Cheguei ao fim da linha", pensou ela. "Tom jamais voltará para mim."
— Você não pode chegar assim de repente e tirá-lo de nós, queridinha. Ele faz tanta
falta que não permitimos que se afaste um minuto sequer — Vanessa declarou, rindo
deliciada com a situação e com o tratamento frio que Tom dispensava à sua sócia. — Quem
pensa que é?
Rejeitada e humilhada em público, Cathy estava prestes a se retirar quando ele se
levantou e a encarou.
— Pensando melhor, acho que podemos conversar. Se não for demorar, claro. — E,
sorrindo para as pessoas da mesa, pediu licença e prometeu voltar em seguida.
Cathy não acreditou. Tom havia ficado do seu lado só por que Vanessa a provocara!
Apesar de tudo, continuava a defendê-la quando alguém tentava rebaixá-la. Um alívio enorme
e um fio de esperança envolveram sua alma. Talvez ele ainda a amasse o bastante para
perdoar tudo. O fato de ter concordado em ouvi-la já representava um bom sinal. Até a
conduzia pelo cotovelo!
Um toque tão simples, mas suficiente para acordar um mundo de sensações em
Cathy. Imaginou-se estreitada naqueles braços fortes, trocando beijos apaixonados e juras
de amor. Precisava urgentemente convencê-lo a resgatar os momentos felizes que haviam
passado juntos. Precisava achar as palavras certas e as reações adequadas para que Tom lhe
desse outra chance.
Depois de andarem em silêncio um bom pedaço, Tom decidiu parar e questionou-a,
nervoso:
— Acha que já estamos a sós?
Antes de responder, Cathy olhou disfarçadamente à sua volta, para se certificar de
que ninguém ouviria ou interromperia a conversa. Era óbvio que ele não desejava se afastar
mais. Tirá-lo de lá já fora um êxito, e a chance não poderia ser desperdiçada por nada nesse
mundo.
— Vamos nos sentar ali? — disse ela, apontando para o gramado sob uma bonita
árvore florida, cujos galhos proporcionavam uma deliciosa sombra.
Reiniciaram então a caminhada, até à velha árvore, juntos mas distintamente
separados. Cada metro percorrido deixava Cathy mais consciente da distância entre eles.
Necessitava de algumas palavras para construir uma ponte. Mas que palavras? Tom não
facilitava em nada.
— Que assunto grave é esse que nos obriga a vir tão longe?
A atitude indiferente de Tom deixou Cathy tão constrangida que ela se limitou a
olhá-lo fixamente. Nenhum som saía de sua garganta. Antes que pudesse encontrar uma
resposta, ele mudou a expressão para o sarcasmo.
— Quer me contar as novidades? Irá se casar com Anthony que finalmente resolveu
assumir um compromisso? — E, sem se importar com o choque de Cathy, continuou: — Ou
seriam más notícias? Ele não está mais disponível porque resolveu trocá-la por alguém mais
jovem... Jillian, quem sabe?

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— Não fale assim! Devemos ter pena do que ele está fazendo com a pobre moça.
Como é fácil julgar e ridicularizar as pessoas, não? — As palavras tocaram o coração de Tom.
— E também fazê-las de bobas!
Cathy suspirou e balançou a cabeça. A conversa tomava um rumo que só poderia ser
destrutivo. Havia um apelo intenso nos olhos dela ao falar:
— Esqueça as outras pessoas. Quero lhe falar sobre nós dois.
Um músculo do queixo de Tom se retesou. Seu olhar permaneceu fixo num ponto
qualquer do chão e só após uns segundos foi transferido para Cathy. Continuou quieto, como
se estivesse pesando algo, para então chegar a uma conclusão.
— Tudo já foi dito entre nós. Qualquer outra coisa seria supérfluo e só nos magoaria
mais.
Cathy se sentiu mais forte. O julgamento terminara. Precisava ir à luta antes que
surgisse algum comentário maldoso.
— Ainda há um detalhe. — Ela engoliu com dificuldade, numa tentativa de molhar a
garganta ressecada, que deixava rouca sua voz. — O que devo fazer para ganhar de novo sua
confiança?
Tom não respondeu. Parecia tão distante que Cathy duvidou ter sido ouvida. Como a
coragem insistia em lhe faltar, rezou fervorosamente para que isso não tivesse acontecido.
— Não há nada que você possa fazer.
— Sei que não agi corretamente, Tom. Devo lhe parecer inconstante, sem firmeza de
sentimentos, leviana. Mas só Deus sabe como tenho sido tola nestes anos. Tão idiota que
sinto até vergonha de implorar seu perdão. — O pânico tomou-lhe o coração, e lágrimas
vieram a seus olhos, sem que pudesse contê-las. — Dê-me uma chance de provar que não sou
como imagina. Está tudo terminado com Anthony. E Jillian nada tem a ver com a história. Se
quiser saber o que realmente aconteceu, posso lhe contar tudo. Provavelmente irá me
desprezar, mas gostaria que soubesse que ele pertence ao passado. Já paguei duramente por
isso, porém sofrerei mais ainda se tiver perdido você. Não faz a mínima idéia do quanto é
importante para mim!
— Se é assim, Cathy, por que estamos em Mirrima?
Ela sentiu-se gelar. A pergunta a condenava. O julgamento havia se reiniciado. Mas
nem por isso, desistiria. Seria sua própria advogada de defesa, apresentando todos os
argumentos possíveis.
— Por estupidez de minha parte! Sabe, quando somos mais novos, fazemos tanta
loucura que, talvez por castigo, a vida nos deixa cegos e ignorantes. Depois de tudo que
passei aqui, procurei esquecer o sofrimento e partir para algo novo, que me desse alguma
realização. As cicatrizes, entretanto, somente descoloriram. Nunca desapareceram, apesar
de eu me sentir feliz a seu lado. Eu imaginava que o passado estivesse enterrado, até
Anthony aparecer e reabrir as feridas convidando-nos para este fim de semana. E não me
arrependo de ter vindo, pois só agora percebo como me enganei por tanto tempo. Nunca amei
Anthony, e por pouco ele não me destruiu completamente para satisfazer suas necessidades
egoístas. — Parou de falar para se recompor. A imagem de Tom estava embaçada por causa
das lágrimas. — Para ser sincera, não o impedi de vir comigo porque precisava da sua
presença para enfrentar Anthony, sua família, Mirrima e tudo o que isso representa.
Egoísmo, eu sei, e sinto muitíssimo.
O desespero ditava as palavras de Cathy. Apesar de toda tristeza que tomou conta

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de seu coração, ela resolveu ir até o fim. Passando as costas da mão nos olhos, tentou secar
as lágrimas que insistiam em correr pelo rosto. Bem devagar, acrescentou, desconsolada:
— Não posso viver sem você, Tom. Por favor, me perdoe.
— Não há o que perdoar. Nada mesmo — ele respondeu, perturbado. — Fico
satisfeito por você não amar Anthony. Esse homem nunca a faria feliz.
Quando Cathy o viu levantando-se e fazendo menção de ir embora, estendeu-lhe as
mãos.
— Podemos continuar pelo menos amigos?
— Com o tempo, sim. Mas, no momento, pretendo viajar e ficar um bom período fora.
— Por quê? — a pergunta escapou dos lábios.
— Porque te amo profundamente. — A voz tremia de emoção. — Porque estar a seu
lado, encontrá-la todos os dias, ainda que só na loja, será algo angustiante. Já imaginou o que
é a frustração de uma pessoa que tem uma afeição profunda por outra e não pode tocá-la
nem senti-la? Eu ficaria louco. Sinceramente. Agora, por favor, me desculpe, mas não
agüento permanecer em Mirrima até amanhã. Vou verificar quem pode me dar uma carona e
voltarei para Sídnei ainda hoje.
Cathy não conseguiu se controlar mais. Vendo-o afastar-se de maneira tão decidida,
gritou com todas as forças de seu ser:
— Eu também te amo, Tom! Não entendeu ainda? Eu te amo!
Ele continuou andando e nem sequer olhou para trás. O medo se apossou de Cathy,
impedindo-a de se mover. Queria correr até ele, atirar-se em seus braços e declarar-lhe o
seu amor outra vez. Entretanto parecia grudada ao chão, ainda estonteada com a forma como
Tom agira. Num esforço imenso, obrigou-se a reagir e disparou em sua direção, alcançando-o
rapidamente.
— Eu não consigo viver sem você, Tom! Simplesmente não consigo!
— Não é o bastante! — ele falou, num tom mais alto do que o que costumava usar.
— Que quer dizer? Sei como se sente em relação à minha idiotice em não enxergar
este sentimento que estava comigo todo o tempo. Que posso fazer, se só agora descobri? —
Cathy estava apavorada. De repente sentiu que ele não acreditava em suas palavras.
— Você me amaria também na cama? Responda!
As palavras sibilaram como chicotadas. Durante todos aqueles anos nunca houvera
qualquer insinuação sexual, pois o respeito sempre predominara. Jamais ele falara em termos
tão diretos.
Sem perceber Tom voltou ao lugar onde haviam se sentado e ficou andando de um
lado para outro. Parou então perto da árvore e começou a dar seguidos socos no tronco, numa
inútil tentativa de aliviar a frustração. Toda a sua ansiedade explodia de maneira
desgovernada.
— Quer que eu responda por você? Estou cansado de saber que não a atraio
fisicamente. Não sou o homem que a faria vibrar de paixão e a quem você se daria por
inteiro.
Cathy chegou bem perto dele e segurou-lhe o braço antes que outro soco atingisse a
velha árvore. Precisava impedir também os pensamentos negativos que o rodeavam.
— Pelo amor de Deus, Tom! Pare com isso! Acabará se machucando e não ajudará em
nada. Fique certo de que eu o desejo, e muito. Se lhe dei a impressão contrária, foi porque
estava ainda muito ligada ao passado.

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— Você não fala sério! Nunca serei correspondido como Anthony. Talvez até
aprendesse a conviver com isso, se não a tivesse visto tão junto a ele. Mas ontem, no seu
quarto... percebi a paixão no seu olhar. Quase podia tocar a sua excitação. Não, Cathy, jamais
despertarei aquelas sensações em você. É melhor cada um de nós seguir seu próprio caminho.
Assim evitaremos mais sofrimento.
— Como pode ter tanta certeza? Não sabe o que se passa dentro de mim! Quem me
dera poder entrar na sua cabeça e lhe mostrar o quanto está errado! Vamos! Por que não me
abraça e conclui por si mesmo o que consegue despertar em mim?
Num gesto incontrolável, Tom puxou-a selvagemente e quase a esmagou num abraço.
Seu rosto pressionava o dela, e peito arfava como se travasse uma luta interna para
interromper a agonia do coração. E então começou a beijá-la com ardor, deixando-a louca de
desejo.
— Ah, Cathy! Quanto mais a amo mais sinto que não devo ir em frente. Não posso ser
o segundo homem de sua vida. Isso nos destruiria a ambos, pois o fantasma de Anthony
sempre permaneceria entre nós.
— Só se eu tivesse amado Anthony realmente e a cada momento o comparasse a
você. Mas a realidade é bem outra. Será que não percebe? Nós nos amamos e não podemos
deixar que ele se transforme numa sombra a interferir neste sentimento maravilhoso. De
minha parte, eu faria qualquer coisa para torná-lo feliz, Tom.
Diante do argumento inesperado, ele afrouxou o abraço, sem contudo soltá-la, e
deixou escapar um profundo suspiro. O conflito atrapalhava seu raciocínio.
— Sei que se empenharia ao máximo para me dedicar algo bem maior do que eu
pediria... Assim, prefiro não exigir tanto esforço.
— Escute, eu te amo mais do que tudo no mundo. Por favor, tem de acreditar! Não
seja tão cabeça-dura.
Cathy implorava, sem conseguir convencê-lo. Resolveu então se calar. Temia que o
fato de não conseguir se expressar adequadamente fizesse crescer ainda mais a monstruosa
dúvida que Tom semeara em sua mente. E, quando ele a largou de súbito e lhe deu as costas,
Cathy compreendeu o porquê daquela inflexibilidade: ninguém suportaria a idéia de não ser
suficiente para a pessoa amada. Era o que o torturava. Depois de vê-la com Anthony, ele fora
dominado por um complexo de inferioridade e receava que algum dia ela sentisse saudade dos
momentos passados com outro homem.
— Acho desnecessário fingir tanto, Cathy. Não tente forçar algo que não condiz com
a verdade. Não vamos insistir no assunto. Se eu não conseguir um meio de voltar hoje para
Sídnei, irei amanhã cedo com os Lachlan.
A voz soara impiedosa. Era óbvio que ele tentava juntar os retalhos da dignidade tão
fragmentada. Sem ao menos encará-la, Tom se retirou com passos largos, como se quisesse
se distanciar do conflito que o consumia.
Cathy ficou com o olhar fixo nele até vê-lo desaparecer no meio dos convidados. A
dor em seu coração tornou-se intensa, e a primeira coisa que lhe ocorreu foi segui-lo. No
meio do caminho, entretanto, sentiu-se desfalecer. Sentou-se num dos bancos do jardim e
procurou conter a turbulência provocada pelas emoções. E, para abafar a angústia que
crescia dentro do peito, debruçou no próprio colo e chorou bastante.
Ela o amava muito. Nunca haviam ido para a cama por causa de seu medo. O único
homem que conhecera sexualmente fora Anthony e, após tantas decepções, não repetira

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mais a experiência. Com o passar dos anos, aprendera a se reprimir e acabara por se
envergonhar de despir-se na frente de alguém. Mas, a partir de agora, mudaria seu
comportamento. Passou a desejar tanto uma intimidade com Tom que imaginou seus corpos se
unindo como se fossem um só. Fechou os olhos e, ao saborear com antecipação aquele
momento de absoluta entrega, arrepiou-se por inteiro. O amor e o sexo formavam a mais
perfeita combinação. A melhor harmonia. Não haveria domínio ou submissão. Sentir-se-ia
completa, realizada e... jamais usada.
"Preciso correr contra o tempo. Preciso convencer Tom do meu amor. Mas não aqui.
Este lugar, ainda mais com Anthony por perto, dificultará tudo. E, se eu o deixar partir para
a Itália, posso perder de vez as esperanças."
O pensamento lhe transmitiu uma força extraordinária. Tentou se lembrar dos
convidados dos Prior-Jones que tinham ido de Sídnei. Eram bem poucos e, como tivessem
levado bagagem e se instalado na casa, naturalmente só voltariam no dia seguinte. Com
certeza haveria um quarto lugar no avião dos Lachlan. Iria falar com Mary e pedir-lhe ajuda.
Sim, falaria com ela. Afinal, estariam deixando Mirrima para trás e retornando para vida
normal de Sídnei. Era uma oportunidade e tanto. Valeria a pena tentar. E tinha pouco tempo.
Cathy se levantou rapidamente e correu à procura de Mary Lachlan. A vida sem Tom
não significaria nada. E, no momento, o que mais ansiava era viver intensamente.... ao lado
dele, sem dúvida!

CAPÍTULO XII

Mary Lachlan mostrou-se pouco receptiva ao pedido de Cathy. Temia abalar a


amizade com os Prior-Jones, ainda que tivesse notado a brusca transferência das atenções
de Anthony para Jillian Barnsworth. Percebendo que ela imaginava tratar-se de uma simples
briguinha de namorados e por isso não quisesse interferir ou se tornar cúmplice, Cathy
decidiu lhe contar os reais motivos de sua saída precipitada de Mirrima. Mary a ouviu com
interesse e, após alguns conselhos, acabou por concordar. Se até o dia seguinte os planos de
Cathy não mudassem, haveria um lugar para ela no avião.
— Muito obrigada, Mary! Nem imagina o bem que está me fazendo! — ela agradeceu,
contentíssima, e pela primeira vez desde que chegara conseguiu relaxar um pouco. Tudo
ficara acertado. Seu olhar vasculhou os arredores automaticamente, procurando por Tom.
Não o viu em lugar nenhum. Mas não se preocupou. Mary lhe dissera que ele garantira seu
lugar no vôo para Sídnei.
O estômago de Cathy deu sinais de que estava vazio, lembrando-a de que não comera
nada desde o café da manhã. E já era quase noite. Assim, ela se dirigiu para perto da
churrasqueira, decidida a não se deixar vencer. O passado jamais a atingiria de novo.
Um jovem muito alto e simpático lhe preparou um prato, colocando algumas fatias de
carne de cordeiro e um par de batatas assadas. Sugeriu então que ela o acompanhasse até
uma pequena barraca, onde havia uma seleção de saladas, pães e refrigerantes. Após servir-
se, Cathy acomodou-se numa das mesas e comeu com vontade. Quando satisfez a fome,
sentiu-se ótima para encarar o resto da festa.
O sol começava a ser encoberto pelas sombras da noite. Uma banda de música
regional composta por cinco instrumentistas e duas cantoras havia chegado. Todos vestiam-
se de acordo com o estilo do oeste. Logo começaram a tocar uma balada tão bonita que

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chamou a atenção dos convidados. A música ecoava através de amplificadores, instalados
para levá-la a todos os cantos da casa. Um palco e uma pista de dança foram improvisadas ao
ar livre, para que as pessoas tivessem bastante espaço para as danças típicas.
Cathy ficou aliviada quando olhou para o céu e o viu todo estrelado. Enfim a noite
chegara! Mais algumas horas e poderia voltar a seu quarto, para apenas aguardar a hora em
que sairia de Mirrima. Para sempre!
Apesar dos holofotes, que iluminavam quase toda a área, ainda havia alguns pontos
de penumbra, de onde ela poderia observar tudo sem ser notada. Escolheu um cantinho da
varanda e ali se abrigou. Não desejava ser convidada para dançar, porém, assistir às pessoas
dando aqueles passos engraçados era uma boa forma de se distrair e passar o tempo.
De repente avistou Tom junto a um grupo de homens. Seria formidável se ela
soubesse praticar telepatia e conseguisse ler os pensamentos dele! Quem sabe estaria
reconsiderando sua declaração de amor?
Quando a banda parou para um descanso, muitas pessoas procuraram bebidas.
Vanessa se aproximou de Tom e parecia insistir em tirá-lo dali.
"Que mulher pegajosa! Coitada. Se soubesse que seria somente uma questão de
tempo...", Cathy assegurou a si mesma, surpreendendo-se com a própria indiferença. O ciúme
sentido pela manhã não existia mais. A irmã de Anthony já não constituía nenhum perigo.
Após alguns minutos a banda recomeçou a tocar, e vários pares voltaram à pista.
Estavam tão animados que até acompanhavam as cantoras, apesar das vozes desafinadas.
Faziam gestos, seguindo as letras das músicas, e cada momento surgiam brincadeiras entre
os casais.
— Vamos dançar, moça bonita? Como pode ficar tão quietinha aí no canto, com todo
esse entusiasmo à sua volta?
Sem conseguir arranjar uma desculpa para recusar o convite, Cathy não teve
alternativa senão aceitá-lo.
— Sou Gregory Stewart e moro em Forbes. E você?
Depois de se apresentar, o rapaz iniciou uma conversa agradável e em seguida
convenceu-a a se juntar aos demais. Dançaram várias vezes. Quando se cansaram, Gregory
insistiu em que ela conhecesse seus amigos. Cathy concordou de imediato. Ele era muito
simpático e ajudaria a fazer o tempo passar mais depressa. Além do mais, não iriam ficar
sozinhos, e, portanto, ela não corria o risco de ter sua atitude mal interpretada.
A turma de Gregory era muito divertida. Contava, piadas, relembravam fatos
engraçados e se mostravam tão amáveis que Cathy se entrosou logo e esqueceu
momentaneamente seus problemas. Até voltou à pista de dança, seguindo os novos amigos, e
se deixou levar pela deliciosa descontração deles. Trocavam de pares, inventavam passos
esquisitos e, quando alguém errava, caíam na gargalhada.
A alegria durou pouco. Cathy percebeu que Anthony não apreciava sua popularidade
junto àquelas pessoas. Deliberadamente ele passou a pisar no seu pé várias vezes e a lhe dar
ligeiros empurrões, enquanto rodopiava com Jillian. Então, com um charme incrível, pedia
desculpas e de novo repetia os encontrões. Nos olhos verdes havia uma estranha mensagem.
Repreensão ou ameaça, Cathy não sabia definir, mas de qualquer forma a desconcertava.
Aproveitando que Jullian saiu para tomar um refresco, Anthony parou atrás do rapaz
que dançava com Cathy e lhe deu um amigável tapinha nos ombros.
— Posso roubá-la por um instante? — ele perguntou com arrogância.

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— É toda sua!
Quando Anthony a enlaçou, ela se contraiu inteira e, procurando demonstrar uma
calma que não sentia, falou com decisão:
— Gostaria de descansar um pouco. Estou com sede e, se me der licença...
— Não irá a lugar algum, Cathy. Não se livrará assim de mim. Vamos resolver isto
aqui, e já.
— Não há mais nada para ser resolvido entre nós.
— Se deseja uma cena na frente de todo mundo, pode ter certeza de que a farei.
Comece a dançar e não complique as coisas.
Ele faria mesmo um escândalo. Assim, ela decidiu concordar e pensar numa maneira
de se livrar da situação embaraçosa.
— Esqueça o que aconteceu hoje, querida. Preciso de você. É a única mulher na minha
vida. Não suporto mais aquela menininha vulgar correndo atrás de mim o tempo todo. Ambos
sabemos que não é possível negar tudo o que aconteceu conosco. Não há como apagar o
passado.
As palavras inflamadas de paixão bateram na mente de Cathy como uma onda
violenta, mas seu coração permaneceu sólido como um rochedo. Nem mesmo a súbita mudança
no tom de Anthony conseguiu despertar-lhe qualquer sensação.
— Acabou. Por que não aceita o fato?
— Você sabe como realmente me atingir, não? Está fugindo de mim, não satisfaz
meus desejos, mas insinua seu corpo para cada homem aqui presente. Só para me provocar.
— Pare de dizer tolices. Não ficamos juntos o dia inteiro e, nas poucas vezes que o
vi, você só tinha olhos para Jillian.
— Ah! Então isso a tocou?
— Sim. E rezo para que você não a use como fez comigo. Porém, acho que nem Deus
poderá ajudá-la.
Anthony nem respondeu. Colou seu corpo ao dela de tal forma que Cathy pôde
sentir-lhe a reação.
— Vê o que faz comigo, meu amor?
Cathy começou a entrar em pânico. De novo Anthony se comportava de modo
atrevido na frente de outras pessoas, sem se importar com o que pensassem a respeito. E,
quando forçou suas pernas entre as dela, fingindo acompanhar o ritmo da música, um tremor
de raiva a percorreu inteira.
— Mas como você é descarado! — ela disparou furiosa, enquanto tentava se livrar do
abraço apertado.
— Ora, Cathy. Você me adora assim. Sei que fica muito excitada quando faço essas
coisas...
Vendo-o gabar-se tanto, ela concluiu que não adiantaria falar de maneira razoável.
Anthony não a via sob outro ponto de vista a não ser o dele.
— Não quero dançar mais.
— Nem eu. Vamos procurar um lugar sossegado, onde não precisaremos nos torturar
dessa forma — Anthony sussurrou no seu ouvido, acreditando que ainda a deixava vulnerável
a seus caprichos.
— Você não desiste, hein? Não pretendo ir aonde quer que seja. Até quando vai me
atormentar assim?

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— Quem sabe um pedido de casamento resolvesse o problema. É isso que deseja?
Uma comunicação em público? Muito bem! — Ele nem lhe deu chance de responder. — Vou
pedir a meu pai que vá ao alto-falante e anuncie nosso noivado. Aposto como ficará
satisfeita!
— Pare com isso! Não te amo e muito menos tenho intenção de me casar com você. —
Ela se assustou com a própria agressividade. — Por que não me deixa em paz de uma vez por
todas? Se quer realmente saber o que me deixaria muito feliz, eu lhe digo: suma da minha
frente, suma da minha vida e pare de me perseguir! Minha paciência já se esgotou!
Pela expressão de Anthony, notava-se que ele não acreditava no que ouvia.
— Você enlouqueceu? Não é só a mim que está recusando, mas a Mirrima! Não fala
sério!
— Dane-se você, Mirrima e tudo o mais! Não significam absolutamente nada para
mim!
— Sua tola. Fala assim para me machucar. Não pode ser verdade. Não existe nada
mais valioso do que Mirrima. O que mais haveria para lhe oferecer? O que mais uma pessoa
iria querer?
— Amor, Anthony. Algo que você jamais será capaz de sentir ou de dar.
— Mas eu te amo! Quantas vezes preciso repetir?
— Não, meu caro. Todos os seus sentimentos estão voltados única e exclusivamente
para si mesmo e para esta propriedade. E sempre será assim. Agora, por favor, me largue.
Anthony fez um muxoxo, demonstrando desprezo. Empurrou-a com força e saiu
pisando duro, sem ao menos disfarçar o ódio e a frustração.
Cathy sentiu-se aliviada. Mas ao mesmo tempo ficou tão nervosa que seu coração
batia descontrolado. Quando saiu da pista de dança à procura de uma bebida forte para
relaxar, o pai de Anthony apareceu subitamente.
— Nossa vez de dançar, não é? — Carlton sorriu e a tomou nos braços, deixando-a
tão surpresa que ela não teve outra saída a não ser seguir-lhe os passos.
Cathy sentia-se totalmente embaraçada. A situação diferia completamente da noite
anterior; ela não sabia se Carlton vira ou ouvira a briga com Anthony, poucos minutos antes.
Para quebrar o seu constrangimento, resolveu iniciar uma conversa.
— Que festa maravilhosa, a sua. Você e Stephanie estão de parabéns. A organização
foi perfeita.
— Isso é rotina para nós, Cathy. Há quase trinta anos fazemos coisas do gênero...
Mas não é sobre reuniões com amigos que eu gostaria de falar com você.
Ela ficou ainda mais tensa. Depois de todos os choques que a abalaram desde que
chegara a Mirrima, podia esperar qualquer coisa de Carlton. Porém, ao fitar os olhos dele,
descobriu uma humildade tão grande que se acalmou um pouco.
— Eu estava errado a seu respeito, menina. Naquela época julguei-a mal e hoje me
arrependo muitíssimo. Vamos esquecer aquilo tudo. Não entendo ò que está acontecendo
entre você e Anthony, e também não é da minha conta. Já são bastante grandinhos para
resolver seus próprios problemas. De minha parte, fiquei muito contente quando soube que
hoje é uma mulher bem-sucedida, Cathy. A lição de vida que nos deu é inesquecível, e por isso
Stephanie e eu sentimos muito orgulho de você. Será sempre um prazer tê-la conosco em
Mirrima.
As palavras carinhosas de Carlton a comoveram por um instante. Um gesto... um

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simples gesto de boas-vindas, anos antes, fora tudo que esperara. Agora, entretanto, já não
lhe significava mais nada.
— Muito obrigada, Carlton. Sua amabilidade me deixa até sem graça. Mas, sabe... não
pretendo mais voltar a Mirrima.
— Não se precipite, querida. Todos os namorados brigam de vez em quando. São
coisas passageiras...
— Namorados? Quem falou nisso? Não amo seu filho nem ele me ama. Aliás, jamais
nos amamos de verdade. E não vejo nenhuma possibilidade de isso vir a acontecer.
— Entendo. Pensei que Anthony estivesse tão atencioso com a moça da família
Barnsworth apenas para deixar você com ciúme. Mais uma vez me enganei. Quem diria! Um
homem com a minha idade... — Carlton ficou visivelmente embaraçado e, não sabendo mais o
que acrescentar, pediu licença e se retirou.
Cathy já não tolerava mais aquela festa. Não via a hora de sair dali e deixar Mirrima
para trás. Seus olhos procuraram Tom. Ainda continuava no mesmo grupo de homens.
Conversava animadamente, e ela imaginou como conseguia manter-se tão bem-humorado
depois de tudo o que acontecera entre eles. Resolveu então falar-lhe, ainda que apenas por
um segundo.
— Tom, volto para Sídnei com os Lachlan amanhã cedo. Sinto que tenha de aturar
minha companhia no avião, mas não posso ficar aqui sem você.
Sem esperar qualquer resposta, saiu apressada, com lágrimas abundantes correndo
pelo rosto. Só desejava chegar logo a seu quarto e procurar esquecer toda sua tristeza.
Quando passava pela fila de automóveis, tentando cortar caminho para a casa, uma
desagradável surpresa a aguardava: Anthony estava sentado no banco traseiro de um dos
carros, bem perto dela. A cabeça loira de Jillian movia-se de um lado para o outro, e ela era
beijada com sofreguidão.
Cathy rangeu os dentes. Como um homem podia usar tão cruelmente os sentimentos
de uma moça tão ingênua só para alimentar seu ego? Indignada, ela seguiu seu caminho, com o
intuito de se distanciar o mais rapidamente possível tanto do presente quanto do passado.
— Cathy!
Anthony a vira! Uma porta de carro foi batida com força, e ele caminhava em sua
direção. Ela começou a correr. Sua garganta ficava cada vez mais seca, e suas pernas
insistiam em não obedece-la. Não teria forças para enfrentar outra cena.
Quando ele a alcançou e segurou-lhe com força o braço, seu rosto estava
completamente transtornado.
— Me largue! — ela gritou.
— Não é isso o que você quer! Veio atrás de mim porque ficou arrependida. Sabe
perfeitamente que meu relacionamento com Jillian não quer dizer nada. Ela só me interessa
sexualmente.
— O que está acontecendo, querido? — perguntou Jillian de longe, sem entender
direito o que se passava.
— Fique aí e não me amole, Jillian. Não tem nada a ver com você.
— Não a trate assim! Como pode ser tão grosseiro, quando ela faria qualquer coisa
por você? — Cathy gritou, revoltada. — Já não chega o sofrimento que me trouxe, no
passado?
— Jillian não tem a menor importância para mim. Porque te amo mais do que tudo no

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mundo.
— Seu grande mentiroso! Nunca amou ninguém. Só a si mesmo. Não é nem ao menos
capaz de respeitar os sentimentos de uma pessoa. Eu te odeio! E odeio o que está fazendo
com a pobre da Jillian. Não quero vê-lo nunca mais!
Cathy liberava de vez todo aquele lado obscuro e horrível que sabia existir dentro
de si e que antes estava sufocado, preso.
— Pode me odiar, meu bem. Você vai ser minha de qualquer maneira. Nenhum outro
homem vai querê-la depois que eu lhe der algo que fará lembrar-se de mim para sempre.
O pavor fez com que ela se debatesse tanto que, finalmente, conseguiu se soltar.
Quando saiu correndo, completamente às cegas, esbarrou no peito largo de alguém que logo a
envolveu com braços fortes.
— Dê mais um passo e arrebentarei todos os seus ossos, Anthony! Nada me traria
mais satisfação! — ouviu-se a voz de Tom, fria, impessoal e implacável.
A gargalhada de Anthony ecoou pelos ares e atingiu em cheio a alma de Cathy. Ela
tremia tanto que abraçou Tom com força, entregando-se à sua proteção.
— Leve-a com você, Tom. Não vou brigar por uma sujeitinha qualquer. Já tirei dela
tudo o que queria e, portanto, perdi o interesse. Fique com o que restou.
Cathy quase desmaiou quando tais palavras foram proferidas. A malevolência
diabólica de Anthony parecia um punhal a despedaçá-la impiedosamente. Jamais imaginou que
ele fosse tão mau-caráter.
— Tudo bem, querida! Não se preocupe. Esse cretino não lhe fará nada. Conte comigo
para defendê-la. Amanhã cedo tudo estará terminado — Tom murmurou, enquanto acariciava
seus cabelos.
— Case-se com ela, Tom. E, quando estiver dormindo, Cathy ficará acordada,
ansiando por minhas mãos e meu corpo. Nunca esquecerá o que fizemos nem conseguirá amá-
lo de verdade. Como vê, eu o venci. Você não é adversário para mim.
— Não! não! — Cathy gritou angustiada, não sabendo como conter o veneno que
Anthony tentava colocar na mente de Tom, logo agora que voltava para ela.
— Por que não diz "sim", como ontem à noite no seu quarto, quando a tomei nos
braços e lhe perguntei se desejava fazer amor comigo? Lembra? Chegou até a me implorar
que a levasse para a cama.
— Mentiroso! Você não vale um tostão! Deve estar perdendo a masculinidade para se
sentir tão desesperado! — Cathy se descontrolou de tal forma que procurou se desvencilhar
de Tom e partir para cima de Anthony. Tinha vontade de matá-lo.
— Sei que está mentindo, Anthony. — Tom a segurou e falou calma e friamente: —
Cathy me trouxe a Mirrima para protegê-la e foi o que fiz ontem. Passei a noite inteira em
seu quarto e, assim, nem eu nem você dormimos com ela. Portanto, arranje outra desculpa
para sua frustração, porque nessa foi infeliz.
Cathy o olhou, incrédula. Tom confiava nela! Deus! Em meio a tanto sofrimento,
finalmente algo maravilhoso acontecia!
— E lhe digo mais, seu bandido — continuou ele. — Se repetir uma só palavra do que
acabou de inventar, será processado por difamação, e seu prejuízo será altíssimo. Veremos
quem sairá vitorioso, então.
Seguiu-se um silêncio estranho, como se tudo tivesse parado ao redor. A guerra
estava declarada. Será que Anthony recuaria? Ou se armaria melhor para outro golpe? Cathy

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prendeu a respiração e desejou que Anthony desistisse. Uma coisa era certa: qualquer que
fosse o instrumento de ataque, Tom mantinha-se a postos para defendê-la.
Bem próximo dali ouviu-se alguém chorando. Jillian soluçava de dar pena. Calada,
presenciara tudo e, agora, parecia um animalzinho ferido de morte. Somente Cathy conseguia
entender como ela se sentia. Nada pior no mundo do que uma decepção de amor.
Principalmente quando se está cega de paixão.
Foi Tom quem pôs um final na história. Tranqüila e sucintamente.
— Bem, Anthony. finalmente todos ficaram sabendo que você é um mentiroso. Caso
esteja pensando em pôr em prática mais uma de suas brilhantes idéias, saiba que passarei
também esta noite no quarto de Cathy. Ficarei com ela até o momento de deixarmos Mirrima,
amanhã... — E, virando-se para Cathy, perguntou se ela já podia andar.
"Eu até me arrastaria para me ver longe de Anthony", ela pensou. "E para segui-lo,
meu amor, eu reuniria todas as forças do Universo!".
— Sim — respondeu Cathy. — Vamos embora.
Aninhada nos braços de Tom, seguiu em direção à casa. Na sua alma, uma
indescritível sensação de conforto.
— Ela não merece isso, Tom!
Anthony resolveu reagir. Mas seu grito se perdeu no meio das matas de Mirrima.

CAPÍTULO XIII

Cathy rendeu-se à imensa tristeza que se apossava do seu coração. De repente


sentiu-se arrasada e sem esperanças. Pensando bem, o fato de Tom tê-la socorrido não
significava necessariamente que a aceitaria de volta. O destino havia conspirado contra ela.
Nenhum homem ficaria indiferente à malícia venenosa como a que Anthony lançara em sua
vida. As dúvidas sempre nublariam o relacionamento.
Uma noite, apenas algumas horas aliás. Era tudo que lhe restava. Tom prometera
passar a noite com ela e protegê-la de Anthony. Haveria alguma possibilidade de
reconciliação? Quando olhou para o rosto dele, procurando algum sinal promissor, encontrou
uma fisionomia tão impassível que seu último fio de esperança foi arrebentado de maneira
insuportável.
— "Não me deixe! Por favor, não me deixe!"
Quando subiam os degraus da frente da casa, Cathy tropeçou em um deles e, na
tentativa de se equilibrar, jogou o corpo contra o de Tom. Por pouco não saíram rolando
escada abaixo. Mas ele a amparou firmemente e, passou-lhe um braço pela cintura, outro
atrás dos joelhos e a carregou.
Cathy sentiu-se gratificada com a chance de ficar junto dele. Instintivamente,
recostou a cabeça no peito másculo e fechou os olhos, saboreando aquele momento
maravilhoso. Talvez o último. Precisava guardá-lo na memória.
Os passos de Tom vibravam no assoalho da sala e ecoavam na mente de Cathy. Ela
sabia que ouviria o mesmo som marcando sua tristeza se ele não voltasse para sua vida. Então
abraçou-o mais fortemente.
Quando Tom começou a subir a escadaria para o andar superior, ela foi envolvida por
uma dor de consciência. Seu pé ainda doía muito; contudo, se fizesse um esforço, conseguiria
caminhar sem precisar de que ele a carregasse. Afinal, não era tão leve assim.

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— Acho que pode me colocar no chão, Tom. Estou bem melhor.
— De jeito nenhum. Prefiro levá-la dessa forma — ele respondeu, fitando-a com
olhos inquietos.
Seria impressão ou Tom a apertara mais um pouco? Por que insistia em carregá-la?
Um vislumbre de esperança surgiu no coração de Cathy. Talvez ele ainda estivesse se
decidindo e, se a soltasse, dificilmente se aproximaria de novo.
Ao chegarem ao quarto, ele fechou a porta com o pé e ainda assim não a colocou no
chão. Respirava com dificuldade, mas nem se importava com o esforço que fazia. As luzes
estavam apagadas, e o clarão da lua iluminava o ambiente, proporcionando um cenário
extremamente romântico.
Quando Tom a colocou com cuidado na cama, Cathy não o largou, temendo que o
encanto acabasse. Como se Deus ouvisse suas preces e a contemplasse com um milagre, ele
continuou a seu lado. E, para maior surpresa, acariciou-lhe os cabelos, depositando ali um
beijo infinitamente terno.
— Está tudo bem, menina linda. Tente relaxar.
Cathy custava a acreditar no que acontecia. Ficou tonta de emoção ao perceber que
Tom não a rejeitava. E desejou mais. Muito mais do que um simples afago na cabeça.
— Tom, você disse que não me deixaria sozinha esta noite...
— Ficarei aqui. Prometo.
— Gostaria que não levasse em conta as palavras maldosas de Anthony. Sabe, eu...
Ele fechou levemente a mão nos lábios de Cathy, impedindo-a de continuar falando.
Seus olhos demonstravam uma outra dúvida, muito mais intensa do que a dela.
— Esta tarde você disse que me amava. É verdade mesmo?
— Sim. Eu te amo muito. Muitíssimo — ela jurou, baixinho.
— Então tudo o que Anthony falou não tem a menor importância. Procure esquecer o
que aconteceu.
— Ah, Tom, me abrace forte. Eu tinha tanto medo de que você acreditasse nele...
Tinha tanto medo de perdê-lo...
O peso de Tom caiu sobre a cama, e seu braço enlaçou Cathy com ansiedade,
puxando-a para mais perto. Ela se aconchegou naquele peito reconfortante, experimentando
a sensação maravilhosa de quem volta para o lar. Que gostoso sentir-lhe o calor do corpo e o
ritmo da respiração!
— Pensei muito depois que me separei de você hoje — ele disse suavemente. —
Avaliei cada momento que passamos juntos desde que nos conhecemos e concluí que seria um
desperdício muito grande jogar tudo fora. Eu não estava sendo justo ao exigir que se en-
tregasse de corpo e alma para mim, se ainda não se sentia preparada para isso. E quando você
gritou desesperada que me amava, seu desespero ecoou em meu ser. Confesso que ainda
tinha dúvidas. Talvez por ciúme de Anthony. Mas algo me atraía para você, de forma tão
irresistível que resolvi lhe contar tudo quando voltássemos para Sídnei e deixássemos
Mirrima para trás. Entretanto, quando me disse que também viajaria no avião dos Lachlan,
descobri que não havia por que esperar até amanhã cedo. Assim, eu a segui. O resto nós dois
sabemos.
Cathy ergueu um pouco o corpo e pressionou o queixo contra o dele, enquanto o
abraçava e suspirava de prazer por tê-lo tão perto.
— Não imagina como estou grata pelo que fez. Não suportaria viver sem você, Tom.

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Acho que o seguiria até a Itália se não conseguisse convencê-lo de meu amor.
A respiração de Tom tornou-se mais rápida, e sua mão cobriu a dela, apertando-a
contra o peito. Como se não agüentasse mais a paixão irrefreável que o deixava quase louco,
ele a beijou com fúria. A razão deixou de existir, ficando somente as vibrações que
emanavam dos corpos tão unidos.
— Venha comigo para a Itália, minha querida. Ou para qualquer lugar deste mundo.
Também eu não posso ficar sem você.
— Eu iria até o inferno, desde que você estivesse ao meu lado, Tom.
De novo se abraçaram, e suas bocas se uniram, famintas, num beijo que parecia
interminável. O desejo os consumia como se o fogo percorresse seus corpos e lhes anulasse o
raciocínio.
— Cathy, minha adorada Cathy... Nunca imaginei que fosse amar alguém tanto assim!
— Nem eu, querido — ela respondeu enquanto sua mão escorregava pela camisa
entreaberta e tateava a sólida musculatura dos ombros dele. Seus dedos acariciaram a pele
morena com tanta ternura e lentidão que arrancaram um longo e profundo suspiro de Tom.
Inexplicadamente, ele se afastou, deixando-a atônita e perdida nos lençóis macios
da cama. Cathy levou alguns segundos para compreender o porquê da súbita mudança de
comportamento. Tom procurava se controlar. Seus olhos estavam brilhantes, a respiração
ofegante, mas não queria pressioná-la. Talvez as palavras de Anthony tivessem voltado à sua
mente, ele se sentisse incapaz de prosseguir com a magia daquele momento.
Cathy não podia deixá-lo duvidar dela ou dele próprio. Seu corpo inteiro ardia em
chamas e clamava por satisfação. Precisava provar-lhe, de alguma forma, que o desejava com
uma intensidade jamais experimentada. Nem Anthony conseguira excitá-la tanto.
Dominada por uma desinibição que não conhecia, ajoelhou-se na cama, desabotoou a
blusa e jogou-a para um lado. Com gestos insinuantes, retirou também o sutiã e apossou-se
da mão de Tom, levando-a ao peito.
— Sinta meu coração — ela pediu com a voz rouca. — Só palpita por você. Por mais
ninguém. E repare como bate descontrolado pela minha ansiedade de estar com você.
Tom balançou a cabeça, incrédulo. Seus olhos absorviam a nudez dos seios bem-
feitos, claramente delineados pelos raios de prata do luar. Sem resistir, os dedos alcançaram
o mamilo intumescido, para acarinhá-lo suavemente.
— Cathy... você me deixa louco...
Ela decidiu encorajá-lo mais. Puxou-o para perto e procurou seus lábios avidamente
enquanto lhe tirava a camisa. Deslizou então as mãos pelas costas musculosas, num convite
mudo porém irrecusável.
Quando Tom percebeu que Cathy tentava despi-lo por inteiro, estremeceu de
excitação e implorou, desesperado:
— Por favor, querida, pare... Não responderei por mim, se continuar fazendo isso
comigo... Eu não resisto mais!
— Não quero parar, Tom. Venha...
Ele abraçou Cathy com tanta volúpia que ela quase perdeu o fôlego. Ajeitou-a nos
travesseiros e desfez-se rapidamente do restante das roupas.
— Não estou sonhando? Você realmente me quer, Cathy? — ele falou com
dificuldade.
— Completamente... Como nunca desejei ninguém em minha vida!

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Seus ventres nus se juntaram numa urgência alucinante, que os levava a buscar
prazeres maiores. Todos os sentidos estavam despertos e famintos e pela paixão que ardia
dentro deles.
Ao sentir a língua de Tom traçar um caminho imaginário por seu corpo, Cathy quase
morreu de excitação. Os dedos fortes acariciaram os mamilos e, insatisfeitos, desceram até
os pêlos fartos e encaracolados, como se quisessem constatar a realidade daquele momento.
— Você é tão bonita! Exatamente como eu imaginava...
— E eu devo confessar que você é melhor do que eu esperava... — Cathy lhe dirigiu
um sorriso maroto, enquanto olhava embevecida para aquelas pernas vigorosas e o peito
coberto de pêlos negros.
Com muita sensualidade, ela se colou a ele e cobriu-o de beijos, exatamente como
desejara fazer naquela tarde. Uma vozinha em sua mente lhe aconselhava a fazer coisas que
nunca se permitira antes. E assim suas mãos concretizaram todas as suas fantasias.
Entreabrindo as pernas, ela o guiou para dentro de si. Tom penetrou-a com
delicadeza, meio hesitante a princípio. Porém, ao vê-la reagir apaixonadamente, iniciou
movimentos frenéticos para alcançar depressa o paraíso. Os gemidos misturavam-se às
palavras do amor que se perdiam na onda de prazer que os envolvia.
Quando chegaram juntos ao clímax, mantiveram-se ainda abraçados, temendo
quebrar o encanto da sublime fusão dos corpos. Estavam tão emocionados que apenas se
entreolhavam com ternura, assegurando um ao outro a felicidade que sentiam.
Eles fizeram amor várias vezes nessa noite, numa necessidade latente de recuperar
os anos perdidos. Às vezes adormeciam ainda abraçados, exaustos demais para se
separarem. Nem se davam conta do tempo que passava rapidamente, como um cúmplice para
tirá-los de Mirrima e deixá-los desfrutar livremente todas as emoções daquele sentimento
mútuo e verdadeiro.
— Não existem palavras para descrever estes momentos... — Tom disse baixinho no
ouvido de Cathy, mordiscando-lhe a orelha.
Os raios do sol entraram de mansinho pela janela, prometendo uma manhã incrível.
Tom e Cathy beijaram-se repetidas vezes, selando o amor embriagante que tomara posse de
seus corações. Ambos desejavam intensamente que ninguém mais penetrasse naquele mundo
tão particular, construído em tão poucas horas.
— Precisamos nos levantar, meu bem. Daqui a pouco os Lachlan acabarão vindo bater
em nossa porta...
— Ah, Tom, que sensação maravilhosa! — disse ela, sonolenta, fazendo de conta que
não o ouvia.
— Eu sei... É como se a gente tivesse conquistado todo o Universo!
— Queria ficar deitada mais um pouquinho. Só mais um pouquinho...
— Ah, é dorminhoca? Pois fique aí com seu sono, que volto para Sídnei sozinho e
nunca mais me verá... — Tom brincou. — Ou melhor, se não me convidar para tomar um
gostoso banho de espuma nos próximos dois segundos, vou pensar que já cansou de fazer
amor comigo.
Cathy deu uma gargalhada e passou a contemplá-lo. Ele estava irresistível com
aquele sorriso enfeitando os lábios e os cabelos desalinhados caindo pela testa. Seu físico
parecia ainda mais magnífico.
Com um salto semelhante a uma acrobacia, ela o alcançou, e de mãos dadas seguiram

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para o banheiro. Que delícia andar descalço pelo carpete macio!
— Meu amor, não me deixe esquecer de quebrar a cama antes de irmos embora —
ele fingiu falar sério enquanto abria as torneiras da banheira.
— Como assim?
— Só para Anthony lembrar de nós o resto da vida.
Cathy sorriu por dois motivos: achou engraçada a idéia e ficou contente com o fato
de, na cabeça de Tom, o passado nada mais significar.
— Não pode fazer isso, querido. Não se danifica uma antigüidade. Além do mais, se
mal lhe pergunto, quem é esse tal de Anthony?
— Acho que estou ficando maluco. Não sei de onde tirei esse nome... — ele cocou a
cabeça e, num gesto divertido, revirou os olhos.
E de novo se entregaram às carícias, envoltos na espuma abundante que se formara
na água quentinha da banheira.

CAPÍTULO XIV

— Não vejo a hora de chegarmos à Itália, Tom. Conte-me sobre Florença. Acha que
não notei seu entusiasmo, quando fez nossas reservas?
— É uma cidade encantadora, meu amor. Todo o seu esplendor vem da personalidade
dos homens que a fizeram e se imortalizaram... Leonardo da Vinci, Dante, Michelangelo,
Galileu... Sabia que Michelangelo projetou as defesas da cidade? E os oito portões ainda
permanecem lá, desde o século XIII! Aposto como vai delirar quando visitarmos o Palácio
Pitti. É o mais importante museu do mundo, e os trabalhos dos artistas são magníficos. E, em
volta dele, existem fontes e jardins sofisticadíssimos.
— Não me diga! Estou até antevendo tanta beleza! — Cathy exclamou, ansiosa. —
Conte mais. Fale-me sobre as igrejas.
— São indescritíveis. Gosto muito da de Santa Croce. Aliás, a influência da religião
católica se encontra por toda parte. Você verá como as imagens dos santos, as pias batismais
e outros objetos refletem o mistério da fé cristã dos tempos passados. Há quem diga que o
rosto da Virgem Maria na Igreja de Santa Anunciata foi pintado pelos anjos, enquanto os
artistas do século XIII dormiam. Por mais que nos esforcemos, jamais conseguiremos avaliar
adequadamente os sentimentos de delicadeza da época da Renascença. Leonardo da Vinci,
por exemplo, pintou de maneira tão perfeita o anjo no Batismo de Cristo que seu mestre até
renunciou à pintura e se devotou à escultura!
— Meu Deus! Como sabe todas estas coisas?
— Esqueceu que sou curioso? Passei quase um mês em Florença e procurei me
informar sobre tudo.
— Ah, querido... sinto-me como se você estivesse me levando para uma enorme caixa
de surpresas. Do jeito como sou apaixonada por antigüidades, corro o risco de um enfarte!
— E eu? Como fico nesta história? Acho que não vou levá-la mais. Até me arrependo
de ter escolhido a Itália para a lua-de-mel. De repente posso ficar viúvo...
— Iremos para lá, sim, senhor. Juro que conterei meu coração. Afinal, não pretendo
me tornar um anjo florentino! — ela afirmou, jogando-lhe uma almofada de cetim.

Dois anos se passaram. Voltaram a Florença pela segunda vez, para comemorar o

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aniversário de casamento.
Cathy adorou passear de mãos dadas com Tom pelas ruas estreitas da cidade. Não
cansava de admirar o estilo das construções, as estátuas de bronze e de mármore e os
demais trabalhos de arte do local. Retornou várias vezes às igrejas e museus, apesar de
conhecê-los de cor e salteado. E, quando as pessoas realizavam festas no meio da rua,
sempre dava um jeitinho de fazer amizade para participar mais animadamente. No final,
conhecia tanta gente que choviam convites para almoços e jantares. Até já dominava a língua
italiana!
— Sempre amarei Florença — Tom murmurou.
Ela sabia perfeitamente a que ele se referia e experimentou a mesma sensação.
Quando algo de muito especial ocorria na vida de alguém, os detalhes eram sempre
lembrados de modo especial.
E aquela cidade trazia tantas recordações boas!
Naquela tarde, nus e saciados, permaneciam estendidos na cama do hotelzinho
acolhedor. Já eram duas horas da tarde, e o calor os deixava meio sonolentos. Sentiam-se
relaxados e repletos de felicidade.
Cathy sorriu com benevolência quando Tom deslizou a mão sobre sua barriga já
proeminente.
— Thomas Henry Crawford Quarto! — ele exclamou, suspirando com orgulho.
— E se for uma menina, meu bem?
— Nesse caso, acho que amaria a Catherine Anne Crawford Segunda ainda mais... se
ela fosse como a mãe! — O olhar de Tom percorreu o corpo de Cathy e se deteve nos seios
roliços. — Sabe, é uma pena que ainda não tenham inventado a máquina do tempo.
— O que faria, se já existisse? Venderia feriados?
— Não. Eu me transportaria para quinhentos anos atrás e com um bom dinheiro
pediria a Michelangelo para esculpi-la em mármore. Assim, exatamente como está agora. A
mais perfeita personificação da condição de mulher. E não me importaria sé ele levasse anos
para terminar o trabalho.
— Mas será que realmente gostaria de me ver toda em mármore? Não acha muito
frio e impessoal?
— Mas é imortal. Porém, se não estiver de acordo, poderia perpetuá-la em uma
pintura de Leonardo da Vinci... Era só chegar à casa dele e...
— Você e sua máquina do tempo! Que tal a gente inventar uma forma de imortalizar
o nosso amor? Poderíamos começar a partir de agora, evitando toda essa trabalheira de
viajar quinhentos anos!
— Considero uma idéia magnífica e aprovo inteiramente — ele respondeu, e a beijou
com imensa paixão. Em seguida, ajeitou as cobertas e sugeriu a Cathy que descansasse.
— Mas eu estou bem, Tom!
— Uma futura mamãe precisa sempre estar em forma. Procure dormir um pouco...
Quero que nosso filho seja um homem bem sadio, muito melhor do que eu.
— Ah, não! Vamos começar tudo de novo. Se for uma menina... — Ela afagou-lhe os
cabelos despenteados. — Querido, jamais haverá um homem melhor do que você.
Na mente e no coração de Cathy essa era uma verdade absoluta. Desde que voltaram
de Mirrima, a vida lhe sorria de uma forma nunca imaginada. Sentia-se no paraíso.
Os momentos felizes que Tom lhe proporcionava ao longo dos anos eram incontáveis.

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Um dos mais marcantes tinha acontecido quando ele viajara para o interior e convencera os
pais de Cathy a se reconciliarem com a filha. A lembrança do reencontro ainda a emocionava.
Quando os vira na igreja, no dia do casamento, quase desmaiara de alegria. Haviam se
abraçado, beijado e chorado tanto que não houvera mais espaço para ressentimentos. E Tom
fizera tudo escondidinho!
— Preciso lhe contar uma coisa séria — disse ela, simulando preocupação e franzindo
a testa.
— O que aconteceu? Está se sentindo mal, doçura?
— Não é nada disso. Já lhe contei que te amo perdidamente?
— Ah, sua danadinha! Fiquei assustado. Mas ficaria muito mais se me dissesse que
seu amor por mim terminou. — Tom a envolveu com ternura.
— Isso jamais aconteceria. Saiba que pretendo manter nossa sociedade para o resto
da vida. Afinal, nem mesmo Florença, com tantas antigüidades, é tão preciosa quanto você.
— Também tenho loucura por esta mulher linda que um belo dia Deus pôs no meu
caminho. Ainda bem que você decidiu ir para Sídnei e não para outro lugar!
Mais uma vez comemoraram o sentimento maravilhoso que os unia. Agora, tinham
mais um motivo, muito especial: um outro coração, ainda tão pequenininho, já vibrava de
felicidade!

FIM

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