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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE ARQUITETURA E DESIGN


CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO

CAROLINE DEL VECCHIO DE LIMA

MUSEU DA IMIGRAÇÃO NO PARANÁ: O ESPAÇO COMO FORMA DE


PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA

CURITIBA
2018
CAROLINE DEL VECCHIO DE LIMA

MUSEU DA IMIGRAÇÃO NO PARANÁ: O ESPAÇO COMO FORMA DE


PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA

Relatório de Pesquisa apresentado ao


Curso de Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná como conclusão da
disciplina Trabalho de Conclusão de Curso
- Pesquisa.

Professor da disciplina: Prof. Dr. Andrei


Mikhail Zaiatz Crestani

CURITIBA
2018
Dados da Catalogação na Publicação
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR
Biblioteca Central

Esta ficha catalográfica pode ser substituida pelo formulário


de identificação ao final do relatório.
A ficha deve ser elaborada por um bibliotecário.
O SIBI (Sistema Integrado de Bibliotecas) da PUCPR
disponibiliza esse trabalho gratuitamente, basta enviar o
relatório para: biblioteca.processamento@pucpr.br

Elemento impresso no verso da folha de rosto.


AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, pois sendo grandes entusiastas do assunto (e de qualquer
assunto na verdade) adoraram opinar, nos momentos em que a opinião é bem-vinda
e também nos momentos que nem tanto.
Ao meu pai por me acordar sempre que eu perco o horário e a minha mãe, por corrigir
meus erros gramaticais, sem eles esse trabalho nunca teria sido feito.
RESUMO

Esta pesquisa, como parte integrante do Trabalho de Conclusão de Curso de


Arquitetura e Urbanismo da Pontitícia Universidade Católica do Paraná, visa
compreender o contexto histórico e contemporâneo do fenômeno da imigração no
estado do Paraná e, a partir disso, embasar a melhor forma de traduzir o valor sócio-
cultural acerca dessa questão em uma narrativa museológica. A formação multiétnica
do Paraná foi um importante acontecimento para a consolidação da atual identidade
parananense, e a escassa oferta de espaços que difundam o conhecimento da
memória imigratória serve como premissa para a proposta de criação de um local de
preservação desse patrimônio: o museu. Para tal, o tema relativo aos museus foi
extensamente trabalhado, visando através dele compreender a relação da arquitetura
museológica com o percurso museográfico e a influência dessa união para a boa
compreensão do conceito expográfico. As metodologias utilizadas para a
compreensão do tema foram desde estudos de caso, extensa pesquisa bibliográfica,
questionários qualitativos e entrevista realizada com profissional da área. A partir
disso, conclui-se que o espaço museal funciona como uma alavanca do conteúdo
expográfico e consequentemente de todo o conceito da temática proposta pela
instituição, e vai muito além de sua conotação cultural, podendo ser considerado uma
eficaz ferramenta sócio-política, que através de seu objetivo principal, atinge outras
formas de uso dentro do contexto da paisagem urbana e da memória coletiva de uma
sociedade.

Palavras-chave: Museu, imigração, Paraná, memória, étnico.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 – DADOS RELATIVOS À IMIGRAÇÃO ENTRE 1884-1933 .................... 24


FIGURA 2 - DADOS EM RELAÇÃO AOS ENTRANGEIROS NO PARANÁ de 2000 A
2015. ......................................................................................................................... 29
FIGURA 3 - MUSEU PARTICULAR DE FRANCESO CALCEOLARI, EM VERONA,
ITÁLIA (GRAVURA DE CERUT E CHIOCCO, 1622) ................................................ 36
FIGURA 4 - ESQUEMA DISTRIBUTIVO DO MODELO DE MUSEU DE DURAND .. 38
FIGURA 5 – MAQUETE DO MUSEU DO CRESCIMENTO ILIMITADO DE LE
CORBUSIER ............................................................................................................. 40
FIGURA 6 – CROQUI DO MUSEU GUGGENHEIM EM NOVA IORQUE FEITO POR
FRANK LLOYD WRIGHT .......................................................................................... 40
FIGURA 7 – PERSPECTIVA DO MUSEU DE ARTE MODERNA DO RIO DE
JANEIRO ................................................................................................................... 41
FIGURA 8 – IMPLANTAÇÃO KIMBELL ART MUSEUM ........................................... 52
FIGURA 9 – LOGGIA VOLTADA PARA O JARDIM E ESPELHO D’ÁGUA .............. 53
FIGURA 10 – DESENHO TÉCNICO ILUSTRANDO UMA GALERIA EM SEÇÃO .... 54
FIGURA 11 – ABÓBADA EM BERÇO DE GALERIA ................................................ 54
FIGURA 12 – PLANTA TÉRREA E DE COBERTURA .............................................. 56
FIGURA 13 – GALERIA DE EXPOSIÇÃO PERMANENTE ...................................... 57
FIGURA 14 – O MUSEU E SUA MANZANA ABERTA INTEGRADOS AO
CONTEXTO URBANÍSTICO DE SANTIAGO ............................................................ 58
FIGURA 15 – O MUSEU E SEU ESPAÇO CÍVICO: A PRAÇA DA ARQUIBANCADA
.................................................................................................................................. 59
FIGURA 16 – CROQUI DOS ARQUITETOS DEMONSTRANDO A RELAÇÃO DO
MUSEU E DO FUTURO CENTRO MATUCANA COM O ENTORNO ....................... 60
FIGURA 17 – CORTE LONGITUDINAL DA BARRA EM QUE SE PODE OBERVAR
A ESTRUTURA ABAIXO E ACIMA DO SOLO .......................................................... 61
FIGURA 18 – FUNDAÇÃO IBERÊ CAMARGO VISTA DA RUA ............................... 62
FIGURA 19 – MUSEU GUGGENHEIM DE NOVA IORQUE POR FRANK LLOYD
WRIGHT .................................................................................................................... 63
FIGURA 20 – INTERIOR FUNDAÇÃO IBERÊ CAMARGO....................................... 64
FIGURA 21 – SESC POMPÉIA POR LINA BO BARDI ............................................. 64
FIGURA 22 – FUNDAÇÃO IBERÊ CAMARGO DETALHE PARA A ABERTURA .... 65
FIGURA 23 – CORTE TRANSVERSAL .................................................................... 66
FIGURA 24 – MAPA SETORIZADO FORNECIDO PELO MUSEU ........................... 67
FIGURA 25 – IMAGEM EXTERNA (À DIREITA) E INTERNA (À ESQUERDA) DO
MUSEU ..................................................................................................................... 68
FIGURA 26 – IMAGEM EXTERNA DO NOVO PAVILHÃO (À ESQUERDA) E
PAINEL EXPOGRÁFICO (À DIREITA) ..................................................................... 69
FIGURA 27 – INTERIOR DO PAVILHÃO DA HISTÓRIA DO PARANÁ .................... 69
FIGURA 28 – MAPA DOS NÚCLEOS COLONIAIS DE IMIGRANTES ..................... 70
FIGURA 29 – RAMPA ONDE OCORRE EXPOSIÇÃO SOBRE IMIGRAÇÃO (À
ESQUERDA) E EXEMPLO DE NICHO ÉTNICO (À DIREITA) .................................. 70
FIGURA 30 – GRÁFICO REFERENTE AO QUESTIONÁRIO REALIZADO ............. 73
FIGURA 31 – GRÁFICO REFERENTE AO QUESTIONÁRIO REALIZADO ............. 73
FIGURA 32 – GRÁFICO REFERENTE AO QUESTIONÁRIO REALIZADO ............. 74
FIGURA 33 – MAQUETES DOS MEMORIAIS ÉTNICOS DE CURITIBA ................. 78
FIGURA 34 – EXEMPLO DE MANCHETES DE JORNAIS LOCAIS RETRATANDO
FATOS RELACIONADOS A IMIGRAÇÃO NO PARANÁ DE 1975 A 2000 ............... 79
FIGURA 35 – FLUXOGRAMA DO PERCURSO MUSEOGRÁFICO ........................ 81
FIGURA 36 – ORGANOGRAMA DO MUSEU........................................................... 85
FIGURA 37 - FLUXOGRAMA ACESSO PÚBLICO ................................................... 86
FIGURA 38 - FLUXOGRAMA ACESSO RESTRITO ................................................. 87
FIGURA 39 – EQUIPAMENTOS RELACIONADOS A CULTURA NA REGIONAL
MATRIZ ..................................................................................................................... 89
FIGURA 40 – FOTO AÉREA DO GOOGLE EARTH COM ÁREA DE INTERVENÇÃO
DEMARCADA EM VERMELHO ................................................................................ 90
41 - MAPA DE ENTORNO NUM RAIO DE 500M ..................................................... 91
FIGURA 42 – FOTO AÉREA DO GOOGLE EARTH COM ÁREA DE INTERVENÇÃO
DEMARCADA EM VERMELHO INDICAÇÃO DAS VISUAIS .................................... 91
FIGURA 43 – VISUAIS DO TERRENO ..................................................................... 92
FIGURA 44 – MAPA DE ZONEAMENTO E HIERARQUIA DE VIAS ........................ 93
FIGURA 45 – GUIA AMARELA DO LOTE ................................................................ 94
FIGURA 46 – MAPA COM O SENTIDO DAS VIAS E PONTOS DE ÔNIBUS NUMA
RAIO DE CERCA DE 250 METROS ......................................................................... 95
FIGURA 47 – MAPA COM CÁLCULO DA INCIDÊNCIA SOLAR E INCAÇÃO DOS
VENTOS PREDOMINANTES ................................................................................... 96
FIGURA 48 – MAPA ALTIMÉTRICO ......................................................................... 97
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Áreas públicas ........................................................................................ 83.


Tabela 2 – Áreas restritas ........................................................................................ 84.
Tabela 3 – População morando até 250m das linhas de ônibus ..... 89Erro! Indicador
não definido.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
Objetivo Geral .......................................................................................................... 12
Objetivos Específicos ............................................................................................. 13
Problematização ...................................................................................................... 13
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................. 18
1 IMIGRAÇÃO .......................................................................................... 21
1.1 HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO NO BRASIL ..................................................... 22
1.1.1 Imigração no Paraná .................................................................................. 25
1.2 A IMIGRAÇÃO ATUAL NO PARANÁ ........................................................... 27
1.3 MEMÓRIA COLETIVA .................................................................................. 30
2 MUSEU .................................................................................................. 33
2.1 A HISTÓRIA DOS MUSEUS ........................................................................ 34
2.1.1 Surgimento ..................................................................................................... 34
2.1.2 Modernismo .................................................................................................... 39
2.2 O MUSEU HOJE .......................................................................................... 42
2.3 MUSEOGRAFIA, MUSEOLOGIA E SUA INFLUÊNCIA NA CONCEPÇÃO
DO PROGRAMA DE NECESSIDADES MUSEAL .................................................... 44
2.4 ASPECTOS TÉCNICOS DAS ÁREAS NÃO EXPOSITIVAS ........................ 47
2.5 O MUSEU E O ESPAÇO URBANO.............................................................. 48
3 ESTUDOS DE CASO ............................................................................ 51
3.1 CASOS INTERNACIONAIS .......................................................................... 51
3.1.1 Kimbell Art Museum ....................................................................................... 51
3.1.2 Museu da Memória e dos Direitos Humanos ............................................... 57
3.2 CASOS NACIONAIS .................................................................................... 61
3.2.1 Fundação Iberê Camargo ........................................................................... 61
3.2.2 Museu Paranaense ..................................................................................... 66
4 RESULTADOS ...................................................................................... 72
4.1 CONCEITO DE IMIGRAÇÃO ADOTADO ..................................................... 72
4.2 PERCURSO MUSEOGRÁFICO SUGERIDO ............................................... 75
4.2.1 Fluxograma do percurso museográfico sugerido: .................................. 81
4.3 PROGRAMA DE NECESSIDADES E DIMENSIONAMENTO ...................... 82
4.4 ORGANOGRAMA ............................................................................................... 85
4.4 FLUXOGRAMAS .......................................................................................... 85
4.4.1 Fluxograma setor de acesso ao público .................................................. 86
4.4.2 Fluxograma setor de acesso restrito ........................................................ 87
4.5 ÁREA DE INTERVENÇÃO .................................................................................. 87
4.5.1 Terreno escolhido .......................................................................................... 90
4.5.1.1 Zoneamento e hierarquia de vias .................................................................. 92
4.5.1.2 Parâmetros da Guia Amarela ........................................................................ 93
4.5.1.3 Acessos ......................................................................................................... 94
4.5.1.4 Aspectos físicos ............................................................................................ 95
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 98
6 REFERÊNCIAS ................................................................................... 100
APÊNDICE A – ENTREVISTA COM ROSEMEIRE ODAHARA GRAÇA............... 104
FORMULÁRIO DE IDENTIFICAÇÃO ..................................................................... 109
11

INTRODUÇÃO

Com o incentivo governamental à ocupação estrangeira do Brasil na segunda


metade do século XIX, o Paraná se tornou refúgio de inúmeros imigrantes das mais
variadas procedências. A chegada de alemães, italianos, ucranianos, japoneses,
poloneses, entre tantos outros definiu de forma marcante o desenvolvimento da capital
do estado, Curitiba, assim como a formação de sua estrutura populacional,
econômica, social e cultural. Esses movimentos migratórios se mantêm até hoje,
mesmo que as razões e etnias sejam diferentes (como é o caso, no século XXI, dos
haitianos em Curitiba ou dos próprios brasileiros de outras regiões do país), e são
importantes fenômenos sociais que afetam à sociedade e a cultura local e regional e
que apresentam aspectos de interesse para estudos acadêmicos e científicos.
Ao caminhar pela cidade de Curitiba pode-se perceber a influência dos
imigrantes na paisagem urbana e nos costumes da população. Porém, quem não
conhece a formação da cidade e do estado do Paraná, pode não compreender a
origem de tamanha variedade étnica. Para o observador externo, que não cresceu
tendo esse verdadeiro “melting pot”1 dado como sua realidade, a óbvia diferença da
cultura paranaense e até mesmo de toda a região Sul do Brasil, quando comparada
ao resto do país, é motivo de interesse e curiosidade sobre sua origem e formação.
Esta curiosidade dificilmente é sanada por meio de informações disponíveis em
material físico ou local de exposição permanente na capital paranaense, pois não
existe uma instituição que tenha a infra-estrutura, autonomia e o objetivo de reunir
toda a memória e história específica da imigração local e oferecê-la a quem tiver
interesse de forma didática e envolvente, embora existam instituições onde parte
destes registros estejam preservados, como a Casa da Memória e o Museu da
Parananense.
Nesse contexto, a criação de um museu de imigração, que passa a ser
denominado neste Relatório de Pesquisa como Museu da Imigração do Paraná, tem
como objetivo, além de ser uma instituição pública com potencial para atuar como pólo
transformador da cidade devido ao seu impacto cultural e urbano, constituir parte da

_______________
1 Melting pot: Expressão na língua inglesa que representa um “local onde muitas pessoas e ideias
diferentes coexistem, com frequência misturando e criando algo novo” (CAMBRIDGE DICTIONARY.
Dicionário de Inglês. Disponível em: <https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/melting-
pot>. Acesso em: 3 abr. 2018, tradução nossa)
12

materialização da memória imigratória do mundo e do país, com destaque especial


para a do Paraná, de forma a manter a herança cultural multiétnica paranaense e
compreender os eventos que influenciaram e ainda influenciam a formação da nossa
sociedade.
É de suma importância que este museu vá além constituir um mero território
de memórias sem qualquer conexão com o presente. O fenômeno da migração
humana não é apenas histórico, ele ainda ocorre e ocorrerá enquanto o homem existir,
portanto o museu aqui proposto supera a tipologia de museu histórico e mesmo a de
um museu contemporâneo, podendo agregar uma ampla gama de materiais e
manifestações culturais.
Além disso, mais do que seu peso conceitual, uma instituição desse porte
carrega uma responsabilidade urbana, uma vez que os museus, enquanto edificações
públicas culturais, começaram a ser vistos como locais de impacto e renovação na
paisagem e na sociedade, sendo eficientes ferramentas de revitalização urbana. O
local onde um museu é implantado influencia diretamente o seu entorno, como ocorre
atualmente com o MON - Museu Oscar Niemeyer, que além de ser um marco
arquitetônico amplamente reconhecido no país e fora dele, se consolidou como
espaço afetivo permanente dos curitibanos, reunindo no seu entorno, nos finais de
semana, diversas tribos urbanas2. Com este exemplo, percebe-se a importância da
interferência da arquitetura por meio de um “projeto holístico” (WESTMANN, 1993)
que leve em conta a identidade cultural da cidade e de sua população.
É neste cenário urbano contemporâneo, onde se leva em conta a imigração
como memória e cultura, de forma a ocupar por meio de suas expressões materiais
um espaço expositivo museológico, que são delineados os objetivos deste trabalho.

Objetivo Geral

Entender quais aspectos devem ser levados em conta na transformação da


história da imigração de Curitiba e do Paraná em uma narrativa museológica de

_______________
2 A expressão tribos urbanas está aqui utilizada do conceito de “neotribalismo”, empregdo por Michel
Maffesoli (2014, p. 137), para se referir a grupos urbanos que se agregam e se caracterizam “pela
fluidez, pelos ajuntamentos pontuais e pela dispersão,” (p. 137).
13

participação pública, apelando assim para a memória coletiva urbana, de forma que
esse patrimônio seja estudado e discutido, em um local que através do espaço
proporcione conhecimento sobre os diferentes povos que aqui se estabeleceram, ou
ainda se estabelecem, e ajudam a formar a identidade cultural e socioeconômica do
Paraná, de forma a se registrar/celebrar as diferenças culturais de cada etnia e a
compreender a importância do imigrante como agente histórico e social.

Objetivos Específicos

Os objetivos específicos do trabalho são:


a) Identificar o que caracteriza um museu da imigração.
b) Resgatar patrimônio material e imaterial.
c) Entender como a concepção de um percurso museográfico afeta o
espaço arquitetônico e vice-versa.
d) Definir como um museu pode funcionar como pólo transformador da
cidade, utilizando a cultura como elemento diferenciador.
e) Projetar um edifício público que apresente dimensão simbólica.

Problematização

No Paraná, especialmente em Curitiba, os descendentes dos imigrantes


reconhecem a herança cultural que lhes foi deixada por meio da preservação de
costumes tradicionais e de homenagens e festividades; esta herança também está
representada pelos inúmeros memoriais, praças, e culturais públicos e privados
espalhados pela cidade. Porém essa memória é sempre categorizada de acordo com
seus diferentes núcleos étnicos, como se pode notar ao analisar como exemplo as
temáticas dos seis memoriais étnicos existentes na cidade: o Memorial dedicado à
imigração polonesa (inaugurado em1980 - Bosque João Paulo II), Memorial da Cultura
Japonesa (1993 - Praça do Japão), Memorial Ucraniano (1994 - Parque Tingui),
Memorial da Língua Portuguesa (1994 - Bosque de Portugal), Memorial de Imigração
Alemã (1996 - Bosque Alemão) Memorial da Imigração Árabe (1996 - Praça Gibran
14

Khalil Gibran) e o Memorial de Imigração italiana (1996 - Bosque São Cristóvão)3,


além de ter sua documentação histórica com acesso limitado por quem a detém.
A cidade de Curitiba não possui nenhum espaço dedicado à unificação e a
divulgação do conhecimento da história de todos esses povos, que afinal, aqui
chegaram para morar e reconstruir suas vidas, passando a produzir uma herança
cultural derivada da imigração, que hoje caracteriza a cidade no cenário nacional —
de tal diversidade étnico-cultural surge uma cultura curitibana específica.
Desde o final do século passado, com o crescente surgimento de movimentos
anti-imigrantes e da xenofobia pelo mundo, é importante incentivar-se a produção de
espaços físicos onde a importância dos movimentos migratórios para a formação da
nossa sociedade possa ser estudada, compartilhada e compreendida, e onde os mais
diversos materiais e documentação que testemunham esses eventos possam ser
preservados e acessados, gerando conhecimento sobre a questão e permitindo a
valorização da memória multicultural.
Então, chegamos, neste ponto, a identificar a necessidade de criação de um
espaço para instalar este conjunto histórico de materialidades étnico-culturais, mas
qual espaço? Como já observado, a grande maioria das edificações voltadas à cultura
étnica em Curitiba são memoriais. Seria então o memorial a melhor forma de
materializar essa instituição? Ou seria um museu? De acordo com Jorge Barcellos,
historiador e coordenador do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre, no
entendimento do senso comum, Museu e Memorial significam a mesma coisa, mas
no sentido etimológico/conceitual podem ser encontradas diferenciações:

_______________
3 GUEDES, Sandra Paschoal Leite de Camargo; ISSBERNER, Gina Esther. O Memorial de Imigração
Polonesa em Curitiba: dinâmicas culturais e interesses políticos no âmbito memoralista. Anais do
Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 427-455, Apr. 2017. Disponível
em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
47142017000100427&lng=en&nrm=iso>. Accesso em 03 Apr. 2018.
15

Memorial não é um museu, não é abrigado em sentido estrito pelo


conceito - no sentido de que é incorreto chamarmos indistintamente
Memorial de Museu, ou de que possamos concebê-los funcionando da
mesma maneira. É que não se tratam de “estabelecimentos
administrados no interesse geral” como o Conselho Internacional de
Museus propôs em Paris, em 1957, pois atende aos interesses
específicos de divulgação, conservação e valorização de uma
memória específica de uma determinada instituição. Suas
semelhanças dão-se apenas em sua forma, como aponta os Estatutos
do ICOM para os museus em geral, quando diz que “assimilam-se aos
museus as bibliotecas públicas e os centros de arquivos que mantem
em permanência salas de exposição” (BARCELLOS, 1999, n.p.)

Ou seja, diante da já grande quantidade de memoriais étnicos em Curitiba, um


museu se diferenciaria por não atender, de acordo com Barcellos, apenas uma única
“memória específica”, no caso étnica, como no exemplo dos memoriais, mas sim o
conjunto de culturas das quais temos interesse no âmbito da história imigratória
paranaense, englobando também um programa de necessidades mais vasto para
atender a um público cada vez mais exigente, característica que tornou o museu
contemporâneo uma edificação de múltiplos usos culturais.
No decorrer deste trabalho observaremos como nas últimas décadas, o museu,
desde que se estabeleu como equipamento cultural público, tem travado uma luta
constante pela atenção do público, por que afinal “[...] Museus são territórios que
envelhecem. Passadas algumas décadas ou mesmo alguns anos de sua
fundação/formação, podem se tornar objetos de estranhamento por preservarem uma
memória-história não mais reconhecida no presente. ” (PAIVA, 2012, pg.1). Dessa luta
para tornar-se atraente e interativo, inúmeros estudos e até uma ciência, a
Museologia, surgiram, embasando assim não só a existência de um interesse, como
também uma necessidade de que os museus e os espaços museológicos se
complementem e se atualizem periodicamente em prol de uma experiência de maior
interesse ao público.
A partir destas reflexões, emerge o problema de pesquisa: Como melhor
reunir, do ponto de vista arquitetônico e patrimonial, levando-se em conta o
contexto urbano e social da cidade, a memória e a cultura da imigração no
Paraná e compartilhá-la de pedagógica com o público?
Tal questionamento conduz à seguinte premissa:

Justificativa
16

A relevância deste trabalho pode ser justificada a partir de duas questões


relativas ao tema: a primeira, trata do impacto da discussão sobre a imigração humana
na esfera pública e sua importância atemporal para a cultura e influência na
sociedade, levando-se em conta que este fenômeno afetou/afeta o cotidiano e os
modos de fazer e ser de quem convive em espaços marcados pela migração, como o
estado do Paraná, passando a caracterizar a formação da identidade paranaense. A
segunda questão trata de como, em termos arquitetônicos e urbanísticos, uma
edificação como o museu, tendo este tema sócio-cultural como conceito, pode
interferir de forma positiva e negativa na cidade, na rotina e na vivência de seus
usuários.
Percebe-se então, a necessidade de uma contextualização sociológica prévia
para depois, então, dar-se início ao estudo das características arquitetônicas mais
práticas, pois o objetivo do projeto é relacionado à importância e percepção do tema
da edificação para o usuário do complexo museológico.
Assim, neste memorial teórico que acompanha o projeto arquitetônico, o
primeiro capítulo é inteiramente dedicado ao fenômeno da imigração humana. Este
capítulo se organiza a partir de uma explicação dos múltiplos significados do conceito
de imigração até o significado de maior importância específica para o tema escolhido
para estudo. Depois, descreve-se, aspectos da contextualização histórica da
imigração desde eventos globais marcantes, como por exemplo as duas Guerras
Mundiais, que impactaram fortemente a história imigratória do Brasil. Do recorte
histórico brasileiro se passa ao contexto paranaense até os dias atuais. Este
subcapítulo é de extrema importância para o entendimento da relevância do tema,
pois toda a justificativa deste trabalho deriva das consequências desses eventos
históricos. Por fim, voltamos nosso olhar à memória coletiva dos personagens dessa
história, os imigrantes, e também a memória dos que foram influenciados por ela, ou
seja, qualquer indivíduo que entre em contato com a cultura paranaense. Conclui-se
se abordando alguns aspectos da bagagem cultural que esses eventos trouxeram,
buscando-se justificar a necessidade da preservação e difusão desse patrimônio.
Já no segundo capítulo aborda-se em termos mais práticos como esse
patrimônio deve ser preservado. A forma de edificação escolhida é o museu, mas este
possui inúmeras características específicas e exclusivas analisadas neste capítulo.
Novamente passamos por por uma gama de significados, história e contexto social,
17

agora referentes ao conceito de museu. A decisão de tratar a história do museu de


forma ampla e geral, em vez de subdividi-la em períodos e países foi tomada, levando
em consideração a forma como esta se desenvolveu: cada acontecimento, mesmo
sendo ele de um período histórico diverso ou ocorrido em países diferentes, foi
estreitamente ligado ao desenvolvimento do museu do histórico ao contemporâneo.
Desta forma, portanto, seja numa escala internacional ou nacional, segue-se uma
única linha do tempo. Os itens apresentados vão da esfera da museologia até o
urbanismo, já que como citado, os museus como edifícios públicos simbólicos têm
sido tema de pesquisas relacionadas ao seu impacto no meio urbano e sua utilização
como equipamentos urbanísticos. Além disso, o desenvolvimento de uma ciência
museológica e o impacto que ela causa no processo criativo da edificação é explicado
e analisado.
Encerra-se com esses dois capítulos o conteúdo teórico deste trabalho para
passarmos então à análise de estudos de caso sobre museus com funções e
características variadas e às diretrizes projetuais propostas para o Museu de
Imigração do Paraná melhor explicados dentro da metodologia.
18

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente trabalho abordou alguns métodos com o objetivo de validar os


resultados e conclusões aqui alcançados.
O referencial teórico aborda em dois capítulos os dois temas mais relevantes a
este trabalho: Imigração e Museu. Em ambos os capítulos a metodologia de
apresentação de cada um desses temas é a partir de uma conceituação de seu
significado, seguido do panorama histórico que determinado tema está ligado (sempre
selecionando o recorte de tempo por sua relevância para o trabalho) e uma
contextualização atual. Para tal, utilizou-se de extensa pesquisa teórica com base no
trabalho de especialistas de cada assunto.
O panorama histórico é de máxima importância tanto para o capítulo “Museu”
quando o de “Imigração”, mas no caso deste último ganha principal destaque, pois
seu conteúdo se tornou material direto para os resultados obtidos no final dessa
pesquisa, já que toda a conceituação do produto do trabalho aqui proposto gira em
torno do valor histórico do fenômeno imigração.
Após o panorama histórico, ambos os capítulos ainda seguem a mesma linha
metólogica uma última vez, com um subcapítulo de contextualização contemporânea.
Estes capítulos contaram com um material bibliográfico um pouco mais diferenciado
do que os anteriores, já que estes, giravam em torno de fatos já estabelecidos e claros,
tendo como fonte um material cujo conteúdo não possuía possibilidades de alteração.
Já os capítulos sobre a atualidade são diferentes, tratam de temas ainda a serem
discutidos ou em discussão e geram grande polêmica. Para a compreensão da
evolução desses temas que vieram de sua trajetória histórica para o contexto presente
e suas consequências, foi necessário o embasamento na pesquisa de especialistas
atuais, notícias e diferentes veículos de informações. Além do embasamento em
dados estatísticos oferecidos por órgãos do governo.
Finalmente o rumo de ambos os capítulos se diferencia. No caso da imigração
passa-se a analisar, sempre de acordo com referenciais bibliográficas de autores do
tema, a relação do conceito de “memória coletiva” com a imigração, e de quebra pode-
se traçar um link deste tema com o próximo, fazendo uma chamada para a introdução
do Museu no cenário deste trabalho.
Já no caso do capítualo sobre museus, após a contextualização no período atual,
chamada de “O Museu Hoje”, inicia uma análise sobre os pormenores das
19

características museais e sua relação com a arquitetura: a museografia e os aspectos


técnicos do projeto de um museu e suas relações com as obras e o público.
Aqui, abordamos uma nova metologia, a entrevista. Procurou-se encontrar
alguém que trabalhasse com curadoria e museografia para responder perguntas já
estruturadas. A entrevistada foi a Professora Rosemeire Odahara Graça, professora
da Faculdade de Artes do Paraná, membra consultiva de inúmeros museus, tendo
realizado a curadoria de várias exposições. As perguntadas foram focadas
principalmente no papel da museografia em conjunto com a arquitetura, sua
importância e sua concepção. A entrevista se encontra no anexo A.
Com o apoio das informações obtidas na entrevista e informações de especialistas
e guias técnicos, encerra-se o referencial teórico e se parte para o próximo método
adotado neste trabalho: o estudo de caso. Segundo Yin (2005, p. 32), “um estudo de
caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro
de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre os fenômenos e
o contexto não estão claramente definidos”.
Os estudos de caso foram escolhidos com base no conhecimento obtido pelo
referencial teórico e cada um traz uma característica de destaque para a contribuição
deste trabalho.
O Kimbell Art Museum, no Estados Unidos, é o primeiro estudo internacional por
conta de seu valor histórico e suas atribuições arquitetônicas, sendo uma peça chave
do modernismo. Foi escolhido por estas já explicadas razões e por ser um exemplo
de arquitura de muita ênfase em aspectos compositivos essênciais para a composição
de um museu, como iluminação e estrutura. O segundo caso internacional, o Museu
da Memória em Santiago foi escolhido como uma obra icônica contemporânea pela
sua temática compatível com o trabalho aqui elaborado, mas principalmente, pela
forma como sua implantação e sua relação com o entorno foi tratada e a disposição
do seu programa de necessidades.
Já, os estudos de caso nacionais foram a Fundação Iberê Camargo e na escala
local, o Museu Paranaense. A Fundação Iberê Camargo conta com interessantes
conceitos de partido e forma além do seu valor de “museu ícone”, cencedido por Juan
Carlos Rico (1999, pg.53), atribuindo assim, valor ao contexto urbano em que está
inserido.
O Museu Paranaense foi escolhido como estudo local por seu valor patrimonial e
temático, além de representar um museu etnográfico de grande valor museográfico
20

que não tem sido valorizado localmente em detrimento de museus maiores e de maior
infuência, como o Museu Oscar Niemeyer. Este estudo de caso foi realizado a partir
de informações coletadas pela autora presencialmente, ao visitar o museu e obter
dados, e é focado principalmente no valor do percurso expositivo proposto e na forma
como lida com a informação passada ao público e o seu acervo.
Por fim, um questionário online foi elaborado para saber a opinião do público sobre
museus, sua relação com a história do Paraná e a herança imigratória. Os resultados
obtidos estão representados em gráficos, mostrados dentro do capítulo de
Resultados.
Essas informações aliadas a todas as outras anteriormente coletadas através de
outras metodologias foram decisivas para a construção do conceito de imigração que
o museu proposto visa difundir, além de todas as informações e conclusões geradas
visando a melhor entendimento do valor deste tema e a melhor forma de difusão do
patrimônio, respondendo assim o problema de pesquisa.
21

1 IMIGRAÇÃO

i·mi·grar
[do latim immigrare]:
vti e vint 1. Estabelecer-se em país estrangeiro, em geral para nele viver.
(MICHAELIS. DICIONÁRIO BRASILEIRO DA LÍNGUA PORTUGUESA)
A palavra imigrante se difere de emigrante apenas por uma questão de ponto
de vista. O indivíduo é imigrante para quem observa sua chegada, vindo de outra
região, cidade, estado ou país e se estabelecendo em um novo local. Logo, do ponto
de vista de quem ficou para trás, o indivíduo é um emigrante, aquele que deixa o local.
Ambos provêm do verbo migrar, que representa um movimento.
Esse movimento de pessoas pelos diversos territórios do mundo é tema de
inúmeras pesquisas e trabalhos, pois é característico, dentre tantas outras espécies,
da raça humana, e a acompanha desde o princípio de sua história. Aliada a esse
movimento sempre existe uma causa que o impulsiona, o verdadeiro foco da
relevância deste fenômeno, pois sem nenhuma causa ou motivação o indivíduo
permaneceria onde está.
Essas causas são inúmeras, mas geralmente se reduzem a busca pelas
necessidades básicas do homem: se alimentar, viver em segurança e manter sua
espécie. Isso se traduz na busca por empregos, terras, paz, liberdade religiosa,
independência, liberdade racial, melhores condições ambientais, moradia etc. Uma
vida melhor. Ou seja, o lugar que é deixado para trás representa uma conjuntura
negativa e o lugar de destino, um atrativo. E quanto maior é o número de pessoas em
movimento, ou seja, quanto mais social for esse processo, maior é o impacto gerado,
principalmente no local de destino e na estrutura social desse conjunto de indivíduos.

“A migração é o resultado de decisões individuais ou familiares, mas


também faz parte de um processo social. Em termos económicos, a
migração é tanto um fenómeno mundial como o comércio de
mercadorias ou de bens manufacturados. Designa o movimento das
populações, mas faz parte de um modelo mais vasto e é um sinal de
relações económicas, sociais e culturais em transformação. ” (Fonds
des Nations Unies pour la Population, 1993)

Falar de imigração é um assunto inesgotável e atemporal, e sua história é


essencial para o entendimento de sua importância. “O ‘homo migrantes’ existe há
tanto tempo quanto o homo sapiens. A migração é uma parte da condição humana
22

tanto quanto o nascimento, a reprodução, a doença e a morte”, afirma o historiador


Klaus J. Bade (2003, n.p.). Inúmeros exemplos históricos existem, do homem pré
histórico que sai de sua caverna em busca de mais alimento em outras regiões,
passando pelo povo hebreu deixando o Egito em busca de uma terra própria
“prometida” , até as inúmeras incursões militares do Império Romano, que
acarretaram múltiplos movimentos populacionais por toda a Europa. Mas o que nos
interessa neste trabalho é a história imigratória e seus impactos sociais no contexto
paranaense, e numa visão mais ampla, do Brasil.

1.1 HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO NO BRASIL

Podemos considerar que o processo de imigração brasileiro se deu com a


colonização portuguesa a partir o descobrimento do país e do início da
comercialização de escravos africanos. Porém o fenômeno intensificou-se e ganhou
importância a partir da chegada de outras nacionalidades, e o mito brasileiro de uma
identidade nacional formada por intermédio de um processo imigratório que fomentou
a miscigenação e a tolerância étnica é quebrado quando se analisa o contexto dessa
imigração. Regido por políticas de imigração selecionada, a chegada do grande fluxo
de imigrantes estrangeiros no país, com destaque para os europeus, ocorreu
principalmente por motivos econômicos e pelo desejo dos governantes e das classes
mais abastadas da sociedade brasileira de produzir “branqueamento” da população
(SCHWARCZ, 2009).
O início desta imigração no Brasil ocorreu baseada na lei da oferta e procura,
pois tanto o contexto brasileiro quanto o europeu na época foram favoráveis para os
acontecimentos. Desta forma, no final do século XIX, a chegada de um grande volume
de imigrantes europeus à América se deu por um conjunto de fatores que vinham se
acumulando desde a transição do modelo de produção feudalista para o capitalista na
Europa. A Revolução Industrial, a partir do século XVIII e XIX, os abusos das classes
dominantes sobre os trabalhadores e o avanço tecnológico das máquinas ocorreu
simultaneamente à explosão demográfica ocorrida naquele continente devido ao fim
das pestes epidêmicas, novos hábitos higiênicos e a vacinação. Tudo isso motivou o
desemprego e a desigualdade entre classes, pois com o excedente populacional não
existiam tanta oferta de mão de obra quanto trabalhadores disponíveis, e com a
industrialização, ocorreu também emigração de camponeses dos países menos
23

desenvolvidos dentro da Europa no setor secundário para os grandes centros


urbanos. A população lutava diariamente pelo seu direito à propriedade, emprego e
comida. Os itens básicos eram escassos, em um cenário em que as duas grandes
guerras mundiais ainda nem tinham acontecido.
O historiador Emilio Franzina (1976, n.p.), escreveu sobre a população italiana,
afirmando que "podia-se morrer de inanição e que a única alimentação da classe rural
não passava de polenta, uma vez que a carne de vaca era um mito e o pão de farinha
de trigo inacessível pelo seu alto preço".
Enquanto isso no Brasil, a influência britânica capitalista pressionava o governo
brasileiro com relação a sua política baseada na escravidão de negros, pois esta não
vinha de encontro aos interesses do modelo capitalista da Inglaterra, a maior potência
econômica de então. Em um lento processo, que se iniciou em 1850 com a Lei
Eusébio de Queiroz, e que acabou definitivamente com a escravidão em 1888, com a
Lei Áurea, o Brasil finalmente se tornou uma país livre de escravos, mas agora
enfrentava um novo problema: Como substituir a mão de obra agrícola que até então
sempre fora escrava?
O Brasil possuía terras, trabalho, e o interesse do governo recém independente
do poder de Portugal de embranquecer sua população sem a intervenção de mais
portugueses, devido a uma crença em conceitos de superioridade racial expressos
por intelectuais como Nina Rodrigues e Silvio Romero, que relacionavam
diametralmente o desenvolvimento do país ao número de povos não brancos
(SCHWARCZ, 2009).

Em resumo, o objetivo aqui era de moldar a sociedade brasileira que


deveria se organizar graças à imigração (...). Ou ainda talvez se
assista aí a uma tentativa de miscigenação às avessas da população
brasileira, ou seja, de brasileiros (brancos, mulatos ou negros) com
europeus brancos. Mas, sobretudo, deve-se ver aí a organização de
uma política de integração forçada, a exemplo da “Campanha de
nacionalização” que seria posta em prática pelo governo Vargas ao
final dos anos 1930. (OLIVEIRA, 2011, p. 13).

Com base nisso, foi dada a largada na política de incentivo à imigração. Porém,
as primeiras tentativas foram falhas. O proprietário de terras brasileiro, até então
acostumado com a mão de obra escrava que não tinha opção a não ser viver e
trabalhar com o que lhe era oferecido, não oferecia condições de vida ideais para os
primeiros trabalhadores europeus que aqui chegaram: alemães e suiços. E estes,
24

devido à condições de trabalho tão extenuantes quanto aquelas que haviam deixado
para trás, com dificuldades de adaptação ao novo país por sua cultura ou clima, logo
decidiram ir em busca de terras próprias em outras regiões ou voltar para seus países
de origem.
As tentativas seguintes foram mais bem-sucedidas. O Estado passa a se
preocupar com políticas de estímulo à imigração mais bem elaboradas, como o
Decreto-Lei nº528 (1890) que previa a aquisição de terras, reembolso e custos de
viagem dos imigrantes, proibindo a entrada de imigrantes negros e asiáticos
(OLIVEIRA, 2011), e também leis restritivas, como a “Lei dos Indesejáveis”, que
proibia a imigração de portadores de deficiências, doentes e pessoas acima de 60
anos, visando uma população saudável e capacitada para o trabalho braçal.
Com isso, e alguns anos depois com o advento das guerras mundiais, ocorreu
o boom imigratório, que já estava em curso em outros locais da América, também no
Brasil, e com isso a consolidação da indústria cafeeira como o principal setor
econômico brasileiro movido pela mão de obra imigrante. Italianos, alemães,
espanhóis, entre outros, tornaram-se o elemento chave da economia, principalmente
na região Sudeste, onde o tipo de imigração focada no trabalho em grandes
propriedades cafeicultoras e na oferta de serviços nos grandes centros urbanos,
diferenciou-se do da imigração colonizadora que tomou o Sul do país, tendo esta como
intento a povoação de áreas não ocupadas (OLIVEIRA, 2007).

FIGURA 1 – DADOS RELATIVOS À IMIGRAÇÃO ENTRE 1884-1933

Fonte: IBGE, 2012


25

1.1.1 Imigração no Paraná

Os primeiros imgrantes a chegarem no Paraná, em 1829, foram os alemães,


assentando-se na Lapa e em Rio Negro. Em 1872, a população imigrante residente
em Curitiba já era de 1.339 indivíduos ou, 11% do total (WACHOWICZ, 1969). Durante
o período que abrange desde sua emancipação como província (1853) até o fim do
governo imperial (1889), o Paraná estabeleceu uma política de incentivo a vinda de
imigrantes baseada no tripé imposto pelo governo (OLIVEIRA, 2007).
O primeiro item do tripé foi o abastecimento da província de gêneros
alimentícios, ou seja, a produção agrícola em pequenas propriedades, pois o Paraná,
diferente dos padrões luso-brasileiros, não teria consolidado uma cultura econômica
baseada nas relações senhoriais, grandes latifúndios e na monocultura (BALHANA et
al., 1969; WACHOWICZ, 1969), portanto tirava sua subsistência da agricultura familiar
de pequeno porte.
Por segundo, havia o incentivo ao trabalho livre. De acordo com OLIVEIRA
(ANO), desde os tempos coloniais, a indústria paranaense sempre esteve assentada
sobre fortes bases capitalistas, o que se refletia na produção e exportação de, por
exemplo, a erva-mate e a madeira (consideradas para a época indústrias de estrutura
relativamente tecnológica e concorrencial), com todos os empregados livres que estes
mercados envolviam, inclusive alguns escravos assalariados.
E por fim, a terceira questão é a já mencionada intenção de povoamento dos
vazios demográficos, o que trouxe uma característica até então inédita na imigração
brasileira: a colonização não exploratória (ANDREAZZA e NADALIN, 1994), muito
próxima do estilo de colonização ocorrido no norte dos Estados Unidos por ingleses e
irlandeses.
O caráter diferenciado da imigração no Sul do país, foi a grande causa das
diferenças culturais e socioeconômicas contemporâneas da região para com o resto
do Brasil. De acordo com Magnus Pereira (1996: p.58/59), a venda de escravos para
as grandes propriedades cafeicultoras de São Paulo foi crucial nesse processo de
alteração demográfica. Ele afirma que antes mesmo da Lei Áurea (1888), a
porcentagem de escravos em curitiba era de 8%, consideravelmente baixa se
comparada com outros centros urbanos brasileiros. A defasagem de mão de obra
26

escrava do meio rural foi o que impulsionou a vinda de trabalhadores imigrantes que
até então se encontravam em colônias próximas como é o caso dos alemães da
colônia Dona Francisca, atual Joinville, SC, que vieram em direção a Curitiba.
A partir de então, começa-se a valorizar, no contexto paranaense, a existência
do imigrante, e este, passa a ser associado positivamente ao trabalho e à
modernização da sociedade. Os imigrantes passam antes mesmo do fim da
escravidão a serem preferidos aos escravos na contratação de empregados e isso
afeta até mesmo a ordem jurídica paranaense quando, em 1861, a Câmara proíbe o
trabalho escravo em lojas comerciais.
O Relatório apresentado pelo vice-presidente da Província em 1875 (Relatório
de Governo de 1875,p. 22) apresenta um trecho onde se reconhece que “hoje (...) a
salutar lei de emancipação dos escravos nos colocou na dependência do braço
europeu”. Este mesmo Relatório também apresenta dados de imigrantes que estariam
se instalando em regiões que viriam a se tornar no que hoje são muitos dos bairros
da capital paranaense, em um dos primeiros movimentos de migração proveniente
das colônias interioranas do estado. Alguns desses bairros são os atuais Bacacheri e
Abranches, tradicionalmente considerados bairros de origem européia da cidade.
É importante salientar que nem todas as iniciativas governamentais foram bem-
sucedidas. Um exemplo disso foi todo o investimento feito tanto no transporte quanto
no assentamento e moradia dos primeiros imigrantes russos (os chamados “Alemães
do Volga”) na região dos Campos Gerais do Paraná. A expectativa era de 20 mil
pessoas, contudo devido a uma série de dificuldades, apenas 3.809 chegaram e
desse número, e desses, apenas 50% se estabeleceu no local de destino (OLIVEIRA,
2007).
Apesar disso, as elites locais estavam obstinadas em se libertar através da
imigração europeia do que entendiam como “vícios de origem” herdados do modelo
escravocrata. Entre 1890 e 1900, o que seria a primeira década republicana e também
o período da chamada “febre imigratória”, estabeleceu-se uma nova política de
incentivo em que, até 1896. passagens a partir do país de origem, transporte dentro
do próprio Brasil, terras ou lotes e um auxílio para sobrevivência nos primeiros meses
foram custeadas pelo governo. Estas ações de apoio a um contexto de imigração de
europeus ja explicado surtiram efeito e de acordo com Andreazza e Nadalin (1994, p.
65), entre 1829 e 1911, um número final de 85.537 imigrantes teriam se instalado no
estado.
27

Por fim, o Paraná se consolidava como um estado de raízes estrangeiras e uma


nova identidade baseada na mistura de inúmeras culturas nascia. A imigração havia
salvado o estado da decadência econômica e do esquecimento dentro de um novo
Brasil pós colônia, e tornado sua sociedade moderna. Para Wachowicz (2001), o
Paraná, com uma população predominante branca e majoritária influência européia,
era “semelhante a que se encontrava no resto do Brasil, mas não era idêntica por ser
fruto de um laboratório étnico” (WACHOWICZ, 2001), o autor afirma que esse
processo lançou bases para o surgimento da classe média, desenvolveu um ciclo
rodoviário próprio, recuperou a dignidade do trabalho braçal ocasionada pela herança
escravista, deu início a indústrias pelo estado, criou uma arquitetura característica e,
consequentemente, tornou o Paraná majoritariamente branco.

1.2 A IMIGRAÇÃO ATUAL NO PARANÁ

Curitiba, conhecida como Capital Ecológica, graças ao efeitos das estratégias


de citymarketing colocadas em prática no início dos anos 1990, tem sua fama
associada à criação de um perfil de respeito ao meio ambiente que, entre outros
fatores, engloba projetos de criação de áreas verdes como parques e bosques. Entre
1993 e 1997, o número de parques e bosques na capital, que antes eram de 15,
subiram para 22. Dentre esses parques, três deles foram dedicados a comunidades
étnicas de imigrantes, sendo eles o Bosque Alemão, o Bosque de Portugal e o Parque
Tingui com seu memorial ucraniano, homenageando respectivamente as
comunidades alemãs, portuguesas e ucranianas (OLIVEIRA, 1996). Esses três
exemplos são apenas um fragmento da miríade de homenagens prestadas através de
memoriais, bosques e praças de Curitiba às diferentes nacionalidades que
construíram a sociedade paranaense.
Diante disso, o “Instituto de Pesquisa e Afrodescendência” (Ipad), observou
que, dentre todos os memoriais étnicos curitibanos, nenhum parque, bosque ou praça
havia sido dedicado a presença afrodescendente no Paraná. De acordo com o autor
Márcio Oliveira, a resposta não oficial da prefeitura de Curitiba para essa questão foi
simplesmente de que “a população negra não havia sido importante na história da
cidade”. Oliveira, em seu artigo “Imigração e diferença em um estado do sul do Brasil:
o caso do Paraná” (2007) narra toda a história da construção do estado paranaense
28

e demonstra que mais do que uma declaração de cunho discriminatório feita pela
prefeitura, ela se reveste de conteúdo histórico científico. A conclusão é: o
afrodescente realmente não teve impacto direto na história paranaense.
Porém, a imigração e miscigenação de povos não é um acontecimento isolado
e pontual. O fenômeno imigratório continua, e o que foi um fato para a história
paranaense pode não continuar a ser assim futuramente.
De acordo com uma matéria publicada pela Agência de Notícias da Prefeitura
de Curitiba, em 2015, haitianos e sírios estão no centro da atual onda migratória para
o Brasil. Este, apesar de suas inúmeras questões de desigualdade econômica e
social, de degradação urbana e violência, ainda se mantém como um país de relativa
estabilidade se comparado ao Haiti, devastado por catástrofes naturais e o
consequente caos governamental; ou a Síria, mergulhada na guerra civil; e portanto,
é para muitos uma opção de destino válida.
De acordo com a lógica dos grandes centros urbanos mundiais e nacionais, o
que já pode ser visto nos seus espaços públicos, Curitiba segue sendo um ponto de
destino para esses novos imigrantes, que chegam aqui por motivos muito
semelhantes aos dos primeiros colonizadores europeus, mas encontram um contexto
social e econômico bastante diverso daquele de outrora: uma cidade cuja a economia
e a cultura já estão consolidadas, e que a demanda por trabalhadores não é nem de
longe tão emergencial quanto antes.
De acordo com estimativas de 2015 da Casa Latino Americana (Casla),
organização civil que atua com migrantes e refugiados na capital, Curitiba abriga entre
15 e 19 mil imigrantes e refugiados e o Paraná 60 mil, em média. A capital se
consolidou como 4º principal destino brasileiro para refugiados, mas devido a estados
de ilegalidade e ausência de um controle mais eficiente, as estatísticas não são
certeiras.
Além disso, dados da Polícia Federal (Figura 2) – que não incluem os migrantes
laborais por razões humanitárias (como os haitianos), por refúgio e nem os turistas
estrangeiros – mostram que nos últimos 15 anos cerca de 39,3 mil estrangeiros
solicitaram visto de entrada na sede de Curitiba, sendo as nacionalidades que mais
fizeram os pedidos, por ordem: argentinos, portugueses, japoneses, alemães,
italianos e chilenos.
Esses novos fluxos sociais exigem do estado novos planos e políticas para
imigrantes, sendo um exemplo disso a concretização do Plano Estadual de Políticas
29

Públicas para Promoção e Defesa dos Direitos de Refugiados, Migrantes e Apátridas


do Paraná (2014-2016), vinculada à Secretaria de Estado de Justiça, Cidadania e
Direitos Humanos do Paraná. Este documento é inédito por ter uma visão voltada aos
direitos humanos, enquanto grande parte das políticas anteriores tinham como foco a
segurança nacional.

FIGURA 2 - DADOS EM RELAÇÃO AOS ENTRANGEIROS NO PARANÁ de 2000 A 2015.

Fonte: Polícia Federa, Brasília, DF.

Além disso, deve se pensar no impacto cultural e social desses novos fluxos
dentro do contexto tanto local quanto do atual recorte de tempo do mundo globalizado
e, as novas formas de sociabilidade que ele implica. De acordo com o autor Otávio
Cezarini Ávila (2016), em seu artigo “As práticas comunicativas e culturais que
30

reconstroem as formas identitárias haitianas em Curitiba a partir da abordagem socio-


histórica”, pode-se pensar na atual imigração como um fluxo que “confronta a uma
formação europeizada, ao mesmo tempo em que são marcados processos de
negociação identitárias na história contemporânea”.
A formação da identidade paranaense continua a ser moldada pelas diferentes
culturas que engloba e tanto a imigração passada, quanto a presente e a futura têm
impacto social de relevância suficiente para se tornar parte do que pretendemos
preservar como a memória coletiva de um povo.

1.3 MEMÓRIA COLETIVA

A memória coletiva é um conceito que ganhou importância ao ser abordado


pelo sociólogo francês Maurice Halbwachs em seu livro A Memória Coletiva, publicado
pela primeira vez em 1950. De acordo com Halbwachs, mesmo nossas memórias mais
íntimas e individuais estão fortemente relacionadas a um grupo, isso porque, ainda
que sozinhos fisicamente, jamais estamos realmente sós, pois estamos sempre
interagindo, influenciando e sendo influenciados pela sociedade, grupos, instituições
etc. Neste contexto surgem as lembranças, que são um emaranhado de memórias
influenciados por nossas experiências e percepções do mundo. Para uma lembrança
possuir o que o autor chama de “comunidade afetiva”, para possuir consistência,
precisa estar relacionada a uma comunidade, pois assim cada membro do grupo da
qual ela faz parte pode contribuir com suas próprias percepções e assim, reforçar ou
enfraquecer nossa própria noção dos acontecimentos.

Não basta reconstituir pedaço por pedaço a imagem de um


acontecimento passado para obter uma lembrança. É preciso que esta
reconstituição funcione a partir de dados ou de noções comuns que
estejam em nosso espírito e também no dos outros, porque elas estão
sempre passando destes para aqueles e vice-versa, o que será
possível se somente tiverem feito e continuarem fazendo parte de uma
mesma sociedade, de um mesmo grupo (HALBWACHS, 2013, p. 39).

Sendo assim, a memória individual e a coletiva estão fortemente entrelaçadas


e ambas funcionam de forma a oferecer ao indivíduo uma sensação de pertencimento
e a formação de uma identidade, seja individual, cultural ou social.
31

A especialista em museografia, Zilda Kessel (2008), em seu artigo denominado


“Memória e Memória Coletiva” destaca inúmeros aspectos da memória. Dentre eles
ganha importância a linguagem, como a forma primordial de preservação da memória,
e que hoje se materializa das mais diversas formas; e a relação da memória com o
espaço.
A linguagem se manifesta de diferentes formas. Durante muito tempo
historiadores se basearam na linguagem materializada através de documentos
escritos para constituir a história. A partir de meados do século XX, eles começaram
a questionar esse procedimento, pois privilegiava apenas o que na época era
considerado de importância suficiente para ser documentado. Então, os historiadores
se voltaram para a memória coletiva e as narrativas em grupos. É assim que hoje
muito da informação que temos sobre a história imigratória do Paraná foi
compreendida. Mais do que a documentação existente que também é de extrema
importância, prezou-se pelo conhecimento das tradições dos grupos e suas
percepções. A dissipação desse conhecimento através de narrativas, exposições e
documentações nada mais é do que a preservação da identidade daqueles
envolvidos.

“Memória individual e coletiva se alimentam e têm pontos de contato


com a memória histórica e, tal como ela, são socialmente negociadas.
Guardam informações relevantes para os sujeitos e têm, por função
primordial garantir a coesão do grupo e o sentimento de pertinência
entre seus membros.” (KESSEL, 2004, p.5)

Já a relação com o espaço é referência definitiva para a construção da


memória, ainda que segundo Kessel (2004), não seja um pré requisito pois se fosse
assim, povos nômades não teriam história. As memórias coletivas se referenciam nos
lugares e nas relações construídas com eles. Um marco arquitetônico em uma cidade
faz parte da memória coletiva de todos que ali habitam, e carregam importância por
“presenciarem” os acontecimentos da vida dessas pessoas.
Por fim, e de forma mais ampla, pode se dizer que o Paraná e mais
especificamente, Curitiba, são palcos da memória coletiva de gerações de indivíduos
e de inúmeras culturas e etnias que por aqui passaram no transcorrer dos anos. A
preservação desse patrimônio, e no caso deste trabalho, o patrimônio étnico
imigratório, reafirma a identidade paranaense e abre caminho para o entendimento de
futuras transformações nessa identidade; por meio da linguagem museográfica,
32

ocorreria a disseminação e o fortalecimento da memória coletiva relacionada ao tema,


e por fim, com a materialização de tudo isso em um espaço de valor simbólico para a
cidade, como o de um museu, é dado o embasamento sociológico para a necessidade
da criação do Museu de Imigração do Paraná.
33

2 MUSEU
De acordo com o Estatuto do ICOM (International Council of Museums),
adotado na 22ª Assembleia Geral em Viena, Áustria no dia 24 de agosto de 2017, um
museu pode ser definido como:

“Instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu


desenvolvimento, aberta ao público e que adquire, conserva, investiga,
difunde e expõe os testemunhos materiais do homem e de seu entorno, para
educação e deleite da sociedade”.

O museu é tema recorrente na arquitetura. Entretanto, muitos não entendem o


valor que ele possui na sociedade atual — se ele propaga a arte ou representa a arte
em si; outros o entendem apenas como um ponto turístico feito sob encomenda para
cidades que não possuem atrativos históricos ou naturais. Há ainda aqueles que
percebem o museu como a incorporação de tudo que a humanidade produziu e ainda
pode vir a produzir. Um local para a preservação do patrimônio histórico e cultural. Um
espaço-público destinado ao conhecimento e ao entendimento do homem e suas
ações culturais. O fato é que os museus do século XXI, em contextos globais e locais
marcados pela rapidez das conexões em rede, tiveram que se adaptar, evoluir, para
que não caíssem no esquecimento e que perdessem sua atual principal função: servir
a sociedade.
Tereza Scheiner em seu artigo da revista Nouvelle de l’ICOM, intitulado “Uma
Contribuição para um Mundo Melhor”, se refere aos museus como:

“[...] mediadores para uma compreensão entre as culturas, os museus


contribuem à harmonia social. Eles ajudam as sociedades a perceber o
patrimônio como um campo de possíveis, como um verdadeiro sustentador
para uma cultura global mais tolerante, mais atenta aos valores de todos os
seres humanos”. (SCHEINER, 2007)

Com o passar do tempo as mais variadas tipologias de museus surgiram,


abordando os mais variados temas. Eles são um reflexo da sociedade e da paisagem
em que estão inseridos, pois, de acordo com o arquiteto Antonio Aparecido Fabiano
Junior, eles surgiram com as cidades, e se tratam de instituições urbanas por
excelência.
34

2.1 A HISTÓRIA DOS MUSEUS

2.1.1 Surgimento

A palavra museu é derivada de Mouseion, templo das nove musas na Grécia


Antiga ligadas às artes e às ciências. Para Julião (2006), este tipo de templo tinha
como objetivo a pesquisa e a abordagem de questões filosóficas. Poderiam acabar
por aí quaisquer semelhanças da origem grega da palavra com o significado que
museu possui hoje, se não fosse o interessante detalhe de que essas musas eram
filhas de Zeus com Mnemosine, divindade da memória. Percebe-se daí o estreito laço
que as artes e o conhecimento possuem com a memória e sua preservação, laço que
se manteve presente até a civilização atual através da materialização de espaços de
preservação da memória. No mouseion, as musas, retratadas como donas da
memória absoluta, criatividade e das artes, ajudavam os homens a esquecerem os
problemas da vida cotidiana e se dedicar ao verdadeiro conhecimento, criando assim
um local para a livre prática do intelecto através da criatividade (JULIÃO, 2006).
Mas mesmo então, as obras que se encontravam no templo tinham como
objetivo agradar às divindades mais do que ao homem. Segundo Suano, foi durante
a dinastia dos Ptolomeus, no Egito, que o império Alexandrino se aproximou um pouco
mais da nossa concepção atual de museu. O mouseion de Alexandria tinha cunho
enciclopédico, com o objetivo de resguardar todo o conhecimento do mundo, e além
disso continha estátuas, obras de arte, peles de animais raros, instrumentos cirúrgicos
e astronômicos que eram trazidos de todas as partes do império. Entre os grandes
trabalhos realizados nesse local, havia a compilação de dicionários e catálogos sobre
temas relevantes, sumários filosóficos e detalhamento de informações levantadas.
Surge daí a noção de museu como a compilação quase completa sobre um certo
tema, dispensando a necessidade de instalações físicas. Exemplos disso surgirão nos
séculos seguintes, como o Museum Metallicum, publicado por Aldovrando de Bolonha,
que alegava ter catalogado todo o conhecimento relativo aos metais (SUANO, 1986).
Outro fenômeno marcante para o surgimento do museu seria o hábito humano
de colecionar objetos, histórias, experiências. De acordo com Suano (1986), a
formação de coleções de objetos é provavelmente tão antiga quanto o homem. A
autora cita: “Estudiosos do colecionismo crêem que recolher aqui e ali objetos e
35

“coisas” seja como recolher pedaços de um mundo que se quer compreender e do


qual se quer fazer parte ou então dominar. Por isso que a coleção retrata, ao mesmo
tempo, a realidade e a história de uma parte do mundo, onde foi formada, e, também,
a daquele homem ou sociedade que a coletou e transformou em ‘coleção’”. (SUANO,
1986)
Dentre os inúmeros colecionadores da Antiguidade, incluindo Alexandre, o
Grande, encontram-se os romanos como os maiores de todos. Tendo constituído um
dos maiores impérios do mundo, e sendo uma civilização primordialmente militar, era
natural que espólios de guerra provenientes de todos os cantos do Império chegassem
à capital, Roma. Autores clássicos como Plínio, fazem descrições detalhadas desses
tesouros, citando que até mesmo anexos eram construídos junto aos templos para
guardar esses objetos, estátuas eram colocadas para adornar edifícios públicos, e
coleções inteiras eram doadas por famílias ricas para templos ou então até mesmo
abertas ao público em seus espaços privados. Essa última prática, incentivada pelo
Imperador Agripa, tinha como objetivo demonstrar “fineza, educação e bom gosto” e
estabelecer a cultura romana como dominante. Com o tempo, cresceu a competição
entre colecionadores, elevando os preços dos objetos e incitando os compradores a
encomendar cópias perfeitas de certos itens à ateliês. Assim, surge a “ars” romana,
termo em latim que se refere à capacidade de cópia perfeita, onde técnicas
aperfeiçoadas eram uma forma de arte altamente valorizada.
Contudo, a prática caiu em desuso durante a Idade Média, já que o Cristianismo
pregava o desprendimento de bens materiais supérfluos e a principal forma de
expressão artística (mesmo que no período não fosse encarada dessa forma e sim
como objetos de reafirmação da fé) produzida era a sacra e, esta, já possuía lugar
cativo nas instituições religiosas.
Foi a partir do século XV, no Renascimento, quando ocorre a “revolução no
olhar do homem” (JULIÃO, 2006) graças a expansão marítima para novos continentes
e a revalorização das artes, que o museu retoma sua trajetória a caminho de se tornar
o que é hoje. Às coleções principescas, principalmente da nobreza italiana, francesa
e inglesa, somam-se às descobertas e objetos curiosos do novo mundo e aos os
artigos arqueológicos encontrados pela Europa da recém redescoberta antiguidade
clássica. Com todas essas influências, unem-se a esses itens as novas obras de arte
criadas e inspiradas no mundo antigo e no novo homem, a arte renascentista.
36

Nesta época o mecenato caracteriza a nova fase do colecionismo europeu.


Financiada pela nobreza, a profissão de artista se oficializou, e grandes nomes como
Botticelli, Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafaello, Tintoretto e etc contribuíram com
os tesouros das famílias mais ricas de então. Dentre elas se destaca por exemplo a
coleção da família Médici, que de forma não muito diferente do que o Imperador
romano Agripa, impunha seus tesouros como símbolo de seu poderio e influência.
Com o tempo o ato de manter coleções deixou de ser uma exclusividade da
nobreza, e a prática atraiu estudiosos e cientistas, assim, as coleções também
ganharam cunho científico: surgem os Gabinetes de Curiosidade, sendo os gabinetes,
ambientes destinados à exposição e estudo dessas coleções, e que eram mantidos
em amplos salões dos palácios ou em galerias chamadas de loggias — longas salas
em que as peças eram expostas lado a lado e a luz penetrava pelas janelas
lateralmente. Porém, é importante salientar que com algumas exceções, apenas uma
elite tinha acesso à essas obras, e as coleções eram caracterizadas muito mais por
sua quantidade do que organização e clareza.

FIGURA 3 - MUSEU PARTICULAR DE FRANCESO CALCEOLARI, EM VERONA, ITÁLIA (GRAVURA


DE CERUT E CHIOCCO, 1622)

Fonte: https://medium.com/museus-e-museologia/os-gabinetes-de-curiosidade-e-o-renascimento-
d85eb3f34ff3
37

Foi o contexto da Revolução Francesa, que trouxe em cena pela primeira vez
a acepção do museu atual. Para a autora Françoise Choay (2001), a criação do
ambiente museu como espaço público que tem como função proteger o patrimônio
cultural de uma nação e não o de apenas entreter a burguesia vigente, surge de dois
fatores distintos da época: o primeiro, foi a transferência dos bens da Igreja à Nação,
sendo essa ampla coleção agora era um bem nacional e, portanto, irrestrita ao alcance
de todos os franceses, passando a necessitar de um espaço físico para o público
desfrutá-la. O segundo fator foi a necessidade de desenvolver aparatos que
protegessem esses bens da Igreja, entre tantos outros não necessariamente
relacionados à religião, e que estavam ameaçados de destruição por questões
ideológicas.
O objetivo do governo francês ao tornar todo esse patrimônio público era o
mesmo que de muitos governos anteriores na história da civilização ocidental: o de
educar a população, difundir o civismo e o conhecimento da história do país. Tal
pretensão teve sua materialização com a transformação do Palácio do Louvre em
museu nacional. Com ele, muitos outros países influenciados pelos movimentos
sociais da época também inauguraram o que hoje são alguns dos maiores e mais
importantes museus da Europa: o Belvedere de Viena, o Museu Real dos Países
Baixos de Amsterdã, o Museu do Prado de Madri, o Altes Museum de Berlim, o
Hermitage de São Petersburgo e o Museu Britânico em Londres. Já no Brasil, D. João
VI criou o Museu Real (1818), atual Museu Nacional no Rio de Janeiro, primeiro
exemplo nacional de um museu etnográfico que apesar de celebrar o patriotismo de
forma mais sutil do que os outros museus nacionais pelo mundo, o fazia indiretamente
através da propagação do conhecimento e da preservação das características
culturais, da fauna e da flora brasileira.
Conforme Choay (2001) assinala, foi neste período que a arquitetura da
edificação museal sofreu a influência do neoclassicismo amplamente difundido na
Europa (e consequentemente no mundo já que ainda e por muito tempo seria a Europa
quem ditaria as tendências mundiais) e da necessidade de grandiosidade. As
exposições tinham como objetivo mais do que a clareza, a de possuir uma
organização prioritariamente cenográfica. Visava-se trazer por meio desses museus
que se assemelhavam a palácios romanos e gregos a idéia simbólica da
grandiosidade da nação e de poder e, apesar de pela primeira vez as obras estarem
38

expostas em espaços construídos exclusivamente para elas, estas não se


caracterizavam como protagonistas (SARACCO, 2001). Assim, os primeiros grandes
museus encontram na tipologia de palácios sua primeira expressão arquitetônica.
Apesar de tudo, esse modelo recebeu questionamentos que seriam muito
pertinentes às críticas que viriam nas décadas seguintes junto ao modernismo. O
principal crítico da forma que os museus eram dispostos no neoclassicismo foi Jean
Nicolas Louis Durand. Durand não tinha problemas com o estilo vigente, suas formas,
suntuosidade e simetria. Muito pelo contrário, como estudante da Escola de Belas
Artes francesa ele era adepto do neoclassicismo. Porém ele entendia que a
arquitetura deveria ser criada através de um método mais racional. Assim, ele elabora
um modelo em que as salas expositivas são dispostas em torno de quatro pátios
divididos por eixos axiais e que no meio se encontram com uma cúpula (figura 4).
Esse modelo pode não parecer tão diferente do de outros arquitetos neoclássicos,
porém conta com uma diversidade no programa inédita: Durand previa em seu projeto
uma maior quantidade de usos, com direito a gabinetes para artistas, bibliotecas e
salas de tamanhos diferenciados que poderiam abrigar diferentes tipos de exposições.

FIGURA 4 - ESQUEMA DISTRIBUTIVO DO MODELO DE MUSEU DE DURAND

Fonte: Neiva, Perrone (2013)

O Altes Museum de Berlim, projetado pelo arquiteto Schinkel em 1823, é


considerado como o primeiro exemplo construído que representa o ideal dos conceitos
39

de Durand, com a diferença que possui um segundo pavimento exclusivo para obras
enquanto o térreo servia para esculturas, criando assim um uso alternativo para a luz.
Este museu marca a geração de museus de seu período por suas características
como um todo e, é um ponto referencial para muitos historiadores para entender o
desenvolvimento museológico que se deu a seguir.

2.1.2 Modernismo

Se o objetivo das instituições museais estava claro, o de propiciar acesso à


cultura para todas as classes sociais, o desafio agora era fazer isso funcionar. De
acordo com Pevsner, os grandes museus nacionais públicos não poderiam ser
considerados tão públicos assim, já que havia uma série de limitações e dificuldades
que restringiam o acesso aos museus de grande parte da população (PEVSNER,
1979).
Com o advento do modernismo no final do século XIX, as dificuldades do
Museus Nacionais começaram a ficar cada vez mais claras e a causar
questionamentos. Os movimentos de vanguarda viam essas instituições como
ambientes conservadores e elitistas, verdadeiras necrópoles da arte (KIEFER, 2000).
Filippo Marinetti, em seu Manifesto Futurista de 1909, declara que museus não
passam de “cemitérios” e que deveriam ser destruídos (MONTANER, 2003) e Lucio
Costa, em carta escrita para sua mãe em 1926, salienta o profundo tédio causado
pela visita ao Museu do Louvre. A crescente “museufobia” foi uns dos fatores que
exigia a mudança urgente da conformação dos museus, mas também foi um dos
fatores que explica a entrada tardia dos arquitetos da época nessa discussão.
Decisiva foi a contribuição de Le Corbusier e o seu projeto do Museu do
Crescimento Ilimitado (figura 5) em 1931. Apesar de nunca ter sido construído, o
projeto trazia uma conformação inédita, um museu que crescia organicamente de
acordo com as suas necessidades em uma espiral eterna. A partir disso, a influência
de Corbusier na criação do museu Guggenheim de Nova Iorque (figura 6) feito por
Wright é clara na grande rampa ascendente que constitui o percurso museal.
40

FIGURA 5 – MAQUETE DO MUSEU DO CRESCIMENTO ILIMITADO DE LE CORBUSIER

Fonte: foto de Lucien Hervé

FIGURA 6 – CROQUI DO MUSEU GUGGENHEIM EM NOVA IORQUE FEITO POR FRANK LLOYD
WRIGHT

Fonte: Site oficial da Fundação Guggenheim

“[...] um museu deve ser extenso, contínuo e bem proporcionado, desde o


nível inferior até o superior; que uma cadeira de rodas possa percorrê-lo,
subir, baixar e atravessá-lo em todas as direções. Sem interrupção alguma e
com suas seções gloriosamente iluminadas internamente desde cima, de
maneira apropriada a cada grupo de pinturas ou a cada quadro individual,
segundo se queira classificá-los.” (PFEIFFER, Bruce Brooks et al. El
Solomon R. Guggenheim Museum. Nova York: Guggenheim Museum
Publications, 1995. Tradução do autor.)
41

Apesar de tudo, o Guggenheim sofreu amplas críticas do ponto de vista


museográfico. A epígrafe “a forma segue a função” tão típica da arquitetura
modernista para muitos é uma questão de interpretação, e com o Guggenheim não foi
diferente. O percurso em espiral era funcional para apenas um certo tipo de exposição,
e não permitia a flexibilidade de trajetos ou obras de maior porte.
Alguns outros exemplos podem ser o Museu de Arte de São Paulo (1957),
projetado por Lina Bo Bardi e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1954) de
Affonso Eduardo Reidy (figura 7), ambos construídos fazendo bom uso do concreto
armado e dos grandes vãos, e considerados símbolos da arquitetura modernista
brasileira. Este último é considerado por Kiefer, o criador de um novo patamar
referencial para os museus brasileiros pela sua preocupação com iluminação natural
e artificial, diferentes possibilidades de percursos para exposições e reflexão acerca
do conforto climático.

FIGURA 7 – PERSPECTIVA DO MUSEU DE ARTE MODERNA DO RIO DE JANEIRO

Fonte: Centro de Documentação e Pesquisa do MAM

Esses e outros exemplos da época têm em comum as características


marcantes do museu modernista: a fluidez dos espaços, tanto externos quanto
internos, que criam percursos intuitivos e integrados amplamente iluminados pela luz
natural, e a preocupação em tornar esses locais espaços agradáveis de permanência
para o público com um conteúdo que fosse facilmente compreendido. Para isso surge
pela primeira vez a necessidade de adicionar ao programa arquitetônico do museu
áreas de apoio ao público e novas mídias didáticas: restaurantes, lojas, jardins,
bibliotecas, teatros; e junto a tudo isso, um inserimento ativo no tecido urbano, pois
uma edificação pública para se tornar verdadeiramente pública deve estar integrada
à cidade, aos meios de transporte, ao seu contexto (SARACCO, 2001).
42

De acordo com Kiefer (2001), pela primeira vez os arquitetos viam as


necessidades do museu e tentavam abordá-las, mas tudo isso era feito de forma muito
mais intuitiva do que científica. O desenvolvimento de um protótipo museal se
comparado aos séculos anteriores era claro, mas ainda não existia um estudo
científico no assunto pois a ciência da museologia ainda não havia sido estruturada.

2.2 O MUSEU HOJE

De meros corredores carregados de obras dispostas a esmo, passando por um


conjunto de salas e bibliotecas, hoje os museus podem ser caracterizados, nas
palavras de Simone Neiva e Rafael Perrone (2013) como “espaços que reproduzem
uma vida urbana sintetizada em seus interiores”.

Em seu edifício, elementos arquitetônicos históricos, como a escadaria, o


pórtico e a rotunda, foram consagrados. Contudo, a partir de meados do
século 20, o museu tornou-se o lugar de ousadias formais, assumindo a
transparência do vidro, a dinâmica da espiral, ou a movimentação da garrafa
de Boccioni. ” (NEIVA; PERRONE, 2013)

Apesar do grande salto revolucionário que o Modernismo trouxe à forma de se


expor a arte, a arquitetura contemporânea possui uma liberdade que este não tem. A
arquitetura contemporânea de qualidade pode fazer uso de tudo que já foi produzido
em épocas passadas, e da forma que quiser, desde que para isso possua uma boa
argumentação, vise o bem-estar social — sendo que questões como a
sustentabilidade socioambiental e relação do indivíduo e do coletivo estão incluídas
nisso —, e apresente um dinamismo, uma integração com a escala urbana e a
paisagem em que está inserido. Função, estrutura e estética não caminham mais
separadamente, e nem possuem papéis mais importantes em relação ao outro.
Com isso, as possibilidades para um museu são infinitas, mas este nunca deve
retroceder conceitualmente ou projetualmente. Montaner (1990), em seu livro “Novos
Museus”, diz que a característica predominante dos novos museus é a complexidade
do programa, cujas as áreas de apoio ao público continuaram ganhando cada vez
mais destaque desde que sua necessidade foi imposta; a substituição do espaço
flexível pelas tradicionais salas e galerias, o que é uma das principais mudanças em
relação ao modelo modernista; a excelência dos métodos de conservação, exibição e
iluminação dos objetos, cujo conhecimento para tal é proveniente de estudo e
43

embasamento científico, e o papel urbano que assumem, como monumento, lugar de


arte, espaço público e de revitalização da paisagem. Mas sua missão primordial
continua sendo expressar o conteúdo do museu como coleção e também como
edifício cultural e público.
Os novos museus são influenciados pela sua temática e já são projetados com
base no percurso museológico, na exposição e na curadoria que se tem em mente
para eles. Montaner (1990) em cada uma de suas obras cria inúmeras classificações
para esses museus, mas salienta que todos podem ser divididos formalmente e
conceitualmente em duas categorias tipológicas contrapostas:
A primeira é o museu orgânico, específico. Sua criação é influenciada pelo o
que vai abrigar, sua função é extremamente específica e ele não pode ser inserido em
nenhum outro lugar que não seja o próprio contexto para o qual foi projetado.
Já a segunda é o inverso. É o museu entendido como um contêiner, uma caixa
neutra que possui flexibilidade o suficiente para abrigar com qualidade expositiva e de
uso o que quer que seja proposto independente do contexto. Isso não significa que
esta tipologia está desconexa do ambiente em que for inserida, mas apenas que ela
é adaptável a outros locais.
Além disso destacam-se as reformas e modernizações que foram feitas nos
museus tradicionais. A revitalização de espaços tornou-se algo permanente, pois o
público que o frequenta está em constante mudança. É o caso do Museu do Louvre,
que após a reforma realizada pelo arquiteto Pei, teve suas áreas de recepção e apoio
expandidas monumentalmente a partir do princípio de que a cada m² de área de
exposição seria necessário 2m² de apoio.

“O raio do ‘espaço para arte’ para o ‘espaço para recepção e acesso’ era de
9:1 no século 19. Atualmente, esse raio aproxima-se a 1:2, isto é, somente
um terço do espaço disponível é utilizado para fins de exposição” (VENTURI,
1988, p. 91).

Pode-se dizer que hoje o museu possui grande importância aos olhos da
sociedade por seu valor simbólico, cultural, científico e urbano. A instituição adquiriu
tamanha importância econômica e social que a grande quantidade de edificações
desse uso em uma cidade representa status elevado e prosperidade. Com isso,
cidades começaram a “encomendar” museus de forma a mudar suas dinâmicas
44

urbanas e se inserirem na rota turística, como é o caso do Guggenheim de Bilbao feito


por Frank Gehry e o Instituto Iberê Camargo em Porto Alegre por Álvaro Siza.
Todos esses fatores tornaram os museus aos olhos de alguns como mais um
elemento que serve à sociedade de consumo. A idéia de que os museus sobreviveram
tanto tempo através dos séculos graças à pureza de seus propósitos, de manter,
salvaguardar o patrimônio cultural de uma sociedade, imune às disputas
governamentais, soa utópico e idealista, mas para muitos é a realidade:

Todo museu é uma coleção: um conjunto de objetos naturais ou artificiais,


desviados de suas finalidades originais, mantidos temporária ou
definitivamente fora do circuito de atividades econômicas, submetido a uma
proteção especial e exposto ao olhar dentro de um lugar fechado destinado a
este efeito. (POMIAN, 1984, p. 51)

O museu atual tem como principal desafio através das técnicas e pensamentos
contemporâneos o de manter esse título, o de guardião de uma cultura, de um
patrimônio. Contudo, esse título se torna obsoleto se a instituição não faz parte do
cotidiano de uma sociedade e, para isso ela deve se adaptar e se pôr em voga, mesmo
que para tal tenha que ceder às demandas de uma sociedade de consumo cuja forma
de pensar e o desenvolvimento estão em constante mudança.

2.3 MUSEOGRAFIA, MUSEOLOGIA E SUA INFLUÊNCIA NA CONCEPÇÃO DO


PROGRAMA DE NECESSIDADES MUSEAL

Museografia e museologia são coisas distintas. Uma representa a prática do


estudo da outra. Ou seja, o que a museologia estuda, a museografia põem em prática.
De acordo com o Livro de Conceitos Chaves da Museologia (DESVALLÉES;
MAIRESSE, 2013) “a palavra “museografia”, em português (assim como
muséographie, no francês), tende a ser usada, com frequência, para designar a arte
da exposição”, e antigamente seu uso também servia para designar o conteúdo de
um museu, da mesma forma que a bibliografia está para um trabalho científico.
Museógrafos são comumente vistos então como os mediadores entre arquitetos,
historiadores e restauradores e o público, e suas tarefas pretendem abordar todos
esses elementos de forma multidisciplinar, para assim oferecer um melhor percurso
expositivo de um determinado conjunto de obras.
45

Já a museologia representa todo o conhecimento referente à museus e é


reconhecidamente uma ciência:

“Museologia: uma ciência aplicada, a ciência do museu. Ela o estuda em sua


história e no seu papel na sociedade, nas suas formas específicas de
pesquisa e de conservação física, de apresentação, de animação e de
difusão, de organização e de funcionamento, de arquitetura nova ou
musealizada, nos sítios herdados ou escolhidos, na tipologia, na deontologia”
(Rivière, 1981).

Com a criação, em 1950, do Instituto Internacional para a Conservação de


Trabalhos Históricos e Artísticos (IIC), este passou a considerar a museologia como
ciência. Mas, foi só a partir da década de 1980 que seus princípios foram postos em
prática, e os arquitetos envolvidos na criação de museus passaram a lidar com
demandas muito mais rigorosas e de embasamento científico, além da necessidade
de lidar com profissionais de outras disciplinas, especialistas no assunto.
Então surge o novo museu. E com ele, a Nova Museologia. Esta se desenvolve
a partir do momento que o museu como instituição ganhou força política e social, e
passou a usar o patrimônio em benefício do desenvolvimento social local. O homem
e sua relação com o museu têm prioridade e a nova museologia enfatiza a vocação
social do museu e seu caráter multidisciplinar.
O percurso museal entra como uma prática museográfica definitiva na
elaboração do museu ainda em fase de projeto. Toda a arquitetura de um museu
depende da forma como o curador pensa que suas obras serão expostas, em como
ele imagina que o público capture a mensagem que ele quer passar, no processo de
imersão que se planeja atingir com um determinado conjunto artístico.
Esse percurso muda de acordo com o foco da exposição seja ela artística,
histórica, científica e etc. Ela interfere na metragem quadrada, no programa de
necessidades, no fluxograma e no organograma do projeto. Por isso a importância da
compreensão dessa disciplina pelo arquiteto. Se em uma habitação coletiva a tipologia
dos apartamentos é definida pelo tipo de família que se tem como foco ou o contexto
da região em se vai construir, num museu a forma da arquitetura é definida, entre
tantas outras questões, pela proposição museográfica.
Um exemplo disso é o que acontece no Museu Judaico de Berlim, projetado
pelo arquiteto Daniel Libeskind (1989). Neste caso a forma interage de tal maneira
com a exposição que a própria arquitetura vira objeto artístico. Um objeto artístico
cujos objetivos não são meramente visuais, mas que vão de encontro com a premissa
46

do museu: comunicar determinados fatos e valores históricos culturais através de uma


experiência sensorial que engloba todo a identidade do espaço: “O espaço convida a
ação, e antes da ação a imaginação trabalha. ” (BACHELARD, 2008, p. 31).
Em entrevista concedida em maio de 2018 especificamente para este relatório
de pesquisa, a curadora e professora da Faculdade de Artes do Paraná, Rosemeire
Odahara Graça, que enxerga os museus como espaços educativos, salienta a
necessidade de um começo, meio e fim das áreas expositivas. Um exemplo negativo
disso seria o MON, em Curitiba, em função de não ter sido projetado para que fosse
um museu. As opiniões de Odahara tem forte influência do modernismo. Assim, ela
explica como um museu deve ser arquitetonicamente indutivo, fazendo com o que o
público se comporte da forma esperada. Exemplos como o dos museus alemães e a
Pinacoteca de São Paulo são citados como modelos de espaço arquitetônico que não
sobrepõem o percurso museográfico, e sim o complementam nas áreas entre
exposições, como em uma passarela de uma sala a outra, uma janela num corredor
que dá para um jardim, um café, uma livraria.
Já a escolha do que esse percurso irá inspirar faz parte de uma “filosofia
institucional”. Se deve escolher o que se quer enaltecer, como a entrevistada aponta:

Museus de imigração podem focar a viagem, os objetos emocionais


carregados, a alegria com a nova terra, a saudade da velha terra, as
contribuições dadas à cultura local, etc. Cronologia ajuda, ela pode ser direta
ou estar presente em núcleos temáticos, mas ela deve auxiliar nessa relação
entre presente e passado. Precisa se pensar se quer a jornada do ontem para
o hoje ou do hoje para o ontem. Isso irá definir a entrada e saída no museu.
Pode-se pensar em picos de emoção, onde com certeza o público irá se
emocionar mais (ex. porque tem animações cênicas, fotografias, mudança de
luz, cheiro, brinquedos, objetos de saúde, etc.) (GRAÇA, Entrevista, 2018).

Os diferentes tipos de exposição são: temporárias, de longa duração, ou


permanentes. E é a partir dessas categorias que os espaços, infraestrutura e
equipamentos como expositores, vitrines e plotagens de cada exposição serão
pensados. Por exemplo, se uma exposição é permanente, convém elaborar
equipamentos de maior resistência e durabilidade, enquanto em uma mostra
temporária eles podem ser de caráter mais descartável.
47

2.4 ASPECTOS TÉCNICOS DAS ÁREAS NÃO EXPOSITIVAS

Além da preocupação do espaço expositivo público, a curadora entrevistada


salienta que é necessário refletir sobre o funcionamento do museu fora das vistas do
público. Uma infraestrutura como oficinas para trabalho pesado onde equipamentos
possam ser montados, portas de entrada de serviço que comportem as mais variadas
dimensões de objetos e malhas elétricas, hidráulicas e de logísticas que possam
atender as necessidades visuais e de conforto que a exposição necessita (GRAÇA,
2018).

Não são questões diretamente vinculadas à uma exposição, mas um espaço


capaz de receber tipos diferentes de exposição. Museu deve ser dinâmico,
mesmo que ele contenha um bom núcleo de exposições permanentes. Os
visitantes não podem ver a mesma coisa sempre, museus envelhecem em
equipamentos expositivos, iluminação e informação, não em objetos
históricos. (GRAÇA, 2018)

O percurso museográfico também define a dimensão desses espaços que não


são visíveis ao público. Reservas técnicas por exemplo são importantes áreas onde
as obras que não estão em exposição ficam guardadas de forma a serem bem
conservadas, ou então é o local onde se encontram os laboratórios que irão restaurar
uma obra danificada. De acordo com Os Princípios Básicos da Museologia, um
compêndio elaborado pela Secretaria do Estado da Cultura que define normas para
os ambientes museais, nessas reservas, a temperatura deve ser constantemente
controlada e o acesso restrito.
Bacchettini, Primon e Gastaud, em seu relatório Reservas Técnicas dos
Museus e os Objetos (2015), a necessidade desse espaço surgiu junto com a nova
museologia, o conceito da conservação preventiva e o interesse dos curadores de
adequar o percurso expositivo sem necessariamente fazer uso de todo o o acervo
disponível (DESVALLÉES e MAIRESSE, 2013, p. 30).

Nas reservas técnicas estão a maior parte das coleções dos museus, nelas
os “objetos” são catalogados, classificados e armazenados de acordo com as
normas internacionais estabelecidas para conservação dos acervos.
Geralmente, nesse processo de catalogação os objetos são reunidos por
tipologias de materiais deixando de lado a relação com seus antigos
proprietários, o que pode ocasionar a dissociação dos objetos com relação
aos seus proprietários anteriores, acarretando em perda de informação e
consequentemente no empobrecendo de possíveis leituras. (BACHETTINI,
PRIMON, GASTAUD, 2015, pg. 1807)
48

Portanto a adição de laboratórios de conservação e restauro, depósitos de


materiais, oficinas de manutenção, a forma como essas obras podem ser
transportadas através de docas bem estruturadas e balcões de recebimento são
alguns dos itens programáticos que compõem o apoio técnico necessário para a a
conservação das obras do museu e, uma consequência da preocupação com o
acervo, gerando assim o programa museal não expositivo.
Outra questão de vital importância é a segurança. Medidas de segurança para
o acervo e o público como prevenção contra incidentes climáticos, incêndios, roubo e
depredação estão normatizadas pelos Princípios Básicos da Museologia

2.5 O MUSEU E O ESPAÇO URBANO

Como já citado anteriormente, a nova museologia e o novo museu são


resultados diretos do crescente papel do museu contemporâneo como agente de
desenvolvimento urbano. O museu usa de suas vantagens patrimoniais em benefício
da sociedade e a forma como ele se manifesta tanto simbolicamente quanto
arquitetonicamente tem impacto direto no contexto urbano e paisagístico em que está
inserido, na memória coletiva da cidade. Com base nisso muitas cidades estão
“encomendando” seus museus para construir junto a ele uma identidade local e um
novo atrativo.
Em vista disso invoca-se a importância do monumento e do marco
arquitetônico. De acordo com Maria Joana Gil Ribeiro (2009), em sua tese de
mestrado “O museu como lugar urbano: ruptura ou continuidade”, a preocupação
renascentista de criar na cidade “lugares singulares” através de praças, monumentos
e fontes, desaparece com as novas prioridades do urbanismo do pós-guerra: as
questões sociais. E é justamente nesse o período que o museu da forma como chegou
ao modernismo começa a ser questionado (RIBEIRO, 2009).
Ribeiro explica que a cidade atual como se configurou após todos esses
eventos é uma cidade planejada socialmente, mas que que se encontra localmente
descaracterizada e carente de novos pontos de referência. É então que o novo museu,
como instituição de função social e cultural entra nesse papel e tanto a cidade quanto
ele mesmo se beneficiam disso. Aldo Rossi (1971) explica em seus conceitos
urbanísticos como a cidade não é apenas um aglomerado de edifícios, e sim, a
49

consequência do tempo e da história e, ao levar em consideração as já anteriormente


explicadas teorias da memória coletiva de Maurice Halbawachs, afirma que o Museu
é, por excelência, o lugar da memória coletiva da cidade (ROSSI, 1971).
Mas o papel do museu vai além de ser um marco ou referência. Ele tem poder
de revitalização urbana, é um veículo de reestruturação da cidade e de suas
dinâmicas. Além de suas qualidades já elencadas, o museu faz algo mais: com o fluxo
que uma instalação do seu porte gera, novas necessidades se criam e um novo
público precisa ser atendido, surgem novos estabelecimentos comerciais em regiões
onde antes poderiam não existir e, assim, uma nova dinâmica urbana. Segundo Vaz,
quando utilizados como âncoras do processo de revitalização urbana, “os
equipamentos culturais tendem a definir uma espacialidade que lhes assegura uma
irradiação sobre seu entorno” (2004, p. 232). Com base nisso, assim é iniciado o
processo de criação do que é chamado de “distritos culturais”, que ainda segundo
Vaz, seria uma “área espacialmente distinta e limitada que contém alta concentração
de ofertas culturais” (2004, p.233) e cujo impacto em uma cidade tende a ser
altamente positivo ou negativo.
Surge nesse contexto o que Juan Carlos Rico (1999) chama de uma 3ª
Revolução Museológica, onde o museu vem expresso através de uma série de
“projetos ícone”, o marco arquitetônico e sua comunicação através da forma; e
“projetos-chave”, aqueles que servem como agentes reestruturadores da cidade, em
que seu papel é essencial para uma nova dinâmica urbana.
Contudo, alguns autores citam um temor que esse efeito pode ocasionar, caso
a implantação desses distritos não seja realizada visando uma integração da vida da
comunidade local ao projeto: a gentrificação, ou seja, a perda de um espaço antes
urbano, que vinha de forma a contribuir com o cidadão local, e se transforma em um
ponto turístico completamente desconexo de seu contexto, onde as pessoas que
antes faziam uso dele, tenham que deixá-lo. Portanto, o museu pode tanto ter uma
força positiva quanto negativa. É essencial que o habitante não seja marginalizado no
processo em detrimento do turista: “supõe-se que o que é bom para o turista tem
necessariamente que ser bom, antes, para o habitante” (MENESES, 2004a, p. 259).
Portanto, o Museu em sua implantação tem uma capacidade de agregamento
e de transformação que poucas outras instituições possuem. Porém, essa capacidade
deve ser implantada com base em diagnósticos e análises da cultura local, sempre
alinhada com os principais impactos que podem surgir pela sua construção e de seus
50

possíveis benefícios, evitando uma “dominação simbólica” do espaço e mantendo a


identidade local.
51

3 ESTUDOS DE CASO

3.1 CASOS INTERNACIONAIS

3.1.1 Kimbell Art Museum

O Kimbell Art Museum, inaugurado em 1972 em Forth Worth, Texas, nos


Estados Unidos, é um interessante ponto de partida no estudo geral do museu como
espaço arquitetônico por se caracterizar como um exemplo clássico da arquitetura
modernista e, por ser um projeto simbólico ao ser pensado dentro das diretrizes do
novo modelo de museu do pós-guerra.
Ao seguir o exemplo de muitas instituições do tipo, o Kimbell Art Museum surgiu
com o objetivo de acomodar uma pré-existente coleção de obras de arte da Kimbell
Art Foundation, composta em sua maioria por pinturas do século XVIII, após a morte
do fundador da instituição. Já existia então, como premissa básica, a criação de uma
edificação que seguisse as tendências vanguardistas da época e tivesse forte valor
simbólico: um documento intitulado “Policy Statement” da fundação descrevia o
museu ideal como “(...) uma obra de arte em si mesma (...) uma criativa contribuição
para a envolvente história da arte e da arquitetura. ” (WISEMAN, p.210, 2007)
O primeiro nome pensado para realizar o projeto foi o de ninguém menos
que o de Mies Van der Rohe, arquiteto chave do modernismo. E é justamente por
essa razão que ele acabou por ser negado: os idealizadores do projeto não queriam
um caso como o exemplo da Residência Farnsworth, em que a fidelidade ao Estilo
Internacional falou mais alto do que a funcionalidade e o uso residencial da edificação.
Para eles o museu precisava funcionar prioritariamente como um espaço ideal para a
admiração e preservação da arte e englobar no seu projeto todas as suas
necessidades de uso. Surge aí o nome do arquiteto Louis Kahn.
Louis Kahn, tem suas obras fortemente influenciadas por sua admiração pelo
trabalho de Le Corbusier e pela arquitetura de Roma, e no museu em questão
apresenta claras referências e ao mesmo tempo grandes contrapontos a essas
inclinações.
Cada arquiteto tem uma diferente abordagem na hora de estabelecer o partido
inicial de um novo projeto. No caso do Kimbell Art Museum existem divergências:
52

alguns dizem ser a luz o ponto de partida para tudo, outros a estrutura, e ainda alguns
salientam a relação com o entorno. De fato, todas essas questões e muitas outras
foram trazidas para o projeto, mas o que Kahn queria no fundo era criar uma edificação
que não pudesse ser “desvirtuada” dos valores do projeto inicial, assim, a versatilidade
dos espaços internos, muitas vezes requerida no uso museal, é possível até um certo
ponto, aquele em que o arquiteto ainda mantivesse controle.
Alocado em uma zona então periférica de Forth Worth, que hoje se consolidou
como Distrito de Museus, a implantação levou em consideração o vasto entorno da
região cuja edificação de maior relevância era o Amon Carter Museum logo em frente.
Este museu foi ponto de referência para Kahn, pois Phillip Johnson em sua
concepção, teve como partido a valorização do vasto horizonte de Forth Worth, e Kahn
com sua obra não poderia tirar isso dele. Assim, compreende-se o caráter horizontal
de baixo gabarito do trabalho de Kahn.

FIGURA 8 – IMPLANTAÇÃO KIMBELL ART MUSEUM

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-117677/classicos-da-arquitetura-museu-de-arte-kimbell-
slash-louis-kahn?ad_medium=gallery

Pode-se observar aqui o primeiro contraponto de Kahn às ideologias


corbusianas: os acessos. Existem dois acessos, no oeste e leste. O primeiro dá para
o parque constituído por árvores da região e ladeado por espelhos d'água (figura 9)
por questões climáticas, e o segundo para as principais vias de acesso. De acordo
53

com Ribeiro (2009) “[...] Kahn nunca aceitou que os texanos iriam utilizar este meio
como prioritário para chegar ao museu — acreditava que se deveria distinguir a
arquitetura para o automóvel e a arquitetura para as atividades humanas. ” Um claro
contraponto ao Estilo Internacional que colocava o automóvel como peça central na
organização dos fluxos. A última questão a ser levada em consideração em relação
ao contexto em que se encontra a obra era o clima árido e quente do Texas e sua
potencialidade solar.

FIGURA 9 – LOGGIA VOLTADA PARA O JARDIM E ESPELHO D’ÁGUA

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-117677/classicos-da-arquitetura-museu-de-arte-kimbell-
slash-louis-kahn?ad_medium=gallery

Percebe-se o trabalho realizado pelo arquiteto em conjunto com os curadores


e diretor do museu. O diretor Richard Brown providenciou uma lista inicial de
importantes considerações na hora de gerar ideias para a estrutura, neste chamado
“programa pré-arquitetônico”, Brown salienta: “A luz natural deve ter papel vital na
iluminação”. (IN: https://www.kimbellart.org/architecture/kahn-building)
Pode-se dizer que a luz e estrutura foram trabalhadas juntas nessa obra para
oferecer ao público um lugar de conforto térmico, boa iluminação e qualidade
arquitetônica. Para tal, Kahn elaborou um meticuloso elemento arquitetônico
estrutural: arcos de concreto em berço com claraboias (figura 10 e 11).
54

FIGURA 10 – DESENHO TÉCNICO ILUSTRANDO UMA GALERIA EM SEÇÃO

Fonte: Cortesia dos arquivos da Universidade da Pensilvânia

FIGURA 11 – ABÓBADA EM BERÇO DE GALERIA

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-117677/classicos-da-arquitetura-museu-de-arte-kimbell-
slash-louis-kahn?ad_medium=gallery

Em colaboração com o engenheiro August E. Komendant, Kahn estabeleceu a


forma ideal de arco “ciclóide” de concreto armado, uma forma que aguentaria o seu
próprio peso. A partir de galerias formadas por essa estrutura de arco ciclóide em
55

berço, que se apoia em colunas em suas extremidades, um módulo que se repete


surge, dando assim uma característica modular de repetição de arcos para toda a
edificação, numa clara referência aos exemplos arquitetônicos romanos clássicos.
Neste caso as colunas surgem como itens de sustentação do principal elemento
compositivo da obra, a abóbada, e as paredes não significam nada mais do que
elementos de compartimentação dos espaços. As loggias criadas nos pontos onde
não existem vedação entre os pilares criam interessantes espaços de integração com
o jardim, salientando a relação com o entorno, além da existência de pátios internos
de luz, criados a partir da interrupção do módulo do arco.
Já o mecanismo de luz funciona a partir de um rasgo no topo do arco, a
clarabóia. Contudo, a luz natural direta do forte sol do Texas poderia danificar as obras
de arte, então Kahn desenvolve uma “viga de luz”, um refletor de alumínio posicionado
a abaixo do rasgo que reflete a luz incidente na superfície de concreto do arco, criando
assim uma luz difusa e etérea, que combinada com a luz artificial em alguns casos,
cria uma iluminação museal ideal. Nas extremidades de cada berço, as paredes não
chegam a encontrar a cobertura, sendo que a estreita faixa entre um e outro é vedada
com vidro, criando a sensação de que o telhado flutua dentro da edificação.
O museu pode ser dividido em três alas, sendo que as duas laterais são
compostas por seis módulos de abóbadas e a central retrocede no alinhamento predial
por dois módulos, criando assim pátios de entrada.
A ala central concentra o hall de entrada, a recepção e as circulações verticais
que levam a um piso inferior onde se encontram os serviços de apoio como a
administração e a livraria. Do hall de entrada se parte para a esquerda onde está a
galeria de exposições temporárias, o café e o auditório. Na ala da direita encontram-
se as galerias de exposição permanente com suas divisórias removíveis e estúdios
para o trabalho de conservação de obras.
56

FIGURA 12 – PLANTA TÉRREA E DE COBERTURA

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-117677/classicos-da-arquitetura-museu-de-arte-kimbell-
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Os materiais utilizados são tratados de forma honesta e simbólica. Como


protagonista impera o concreto, que ganha especial destaque ao ter a luz da clarabóia
refletida em sua superfície. Kahn salienta que o concreto pode se tornar um material
nobre, desde que usado de maneira nobre. Já as vedações e revestimentos se
alternam entre um trabalho com o vidro, quando se tem como intenção criar dinâmica
e permeabilidade de espaços; e a madeira, um tom quente que contrasta tanto com o
concreto quanto com o travertino, importado diretamente da região de Roma, uma
referência à arquitetura da antiguidade clássica que traz uma sensação de
atemporalidade e unidade muito apreciada pelo arquiteto nas edificações antigas.
57

FIGURA 13 – GALERIA DE EXPOSIÇÃO PERMANENTE

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-117677/classicos-da-arquitetura-museu-de-arte-kimbell-
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3.1.2 Museu da Memória e dos Direitos Humanos

Projetado pelo Estúdio América e concluído em 2009 em Santiago, Chile, o


Museu da Memória e dos Direitos Humanos conta com uma área construída de 10.900
m² e foi elaborado visando dar visibilidade às violações dos direitos humanos
cometidas pelo Estado do Chile no período entre 1973 e 1990, assim como em outras
partes do mundo, tudo isso, levando em consideração o caráter não linear do tempo
e de suas imagens.
Este museu é um estudo de caso de grande interesse para este trabalho por
ter como foco muitas questões relevantes para o museu aqui proposto, sendo a
principal delas a abordagem da memória e a relação do protejo com a paisagem e a
cidade de Santiago. Analisaremos aqui a forma como os arquitetos souberam
materializar essa visão através de uma arquitetura simbólica e marcante, onde visou-
se homenagear a memória e a cultura do povo chileno transmitindo seu conhecimento
58

patrimonial de forma ampla e imparcial e agindo como pólo transformador do ambiente


urbano em que foi inserido.
O Museu da Memória foi concebido como espaço público e democrático. O
projeto propôs uma nova dinâmica na paisagem urbana, o conceito da manzana
aberta. Manzana é o termo utilizado na América Latina para se referir a blocos de
construções, quarteirões; a abertura de uma destas manzanas representaria a
desconstrução da forma de organização elementar da cidade. Assim, essa
intervenção visava a criação de novos fluxos através de novos percursos e da reflexão
do usuário perante as possibilidades do espaço.

FIGURA 14 – O MUSEU E SUA MANZANA ABERTA INTEGRADOS AO CONTEXTO URBANÍSTICO


DE SANTIAGO

Fonte: PALMA, Cristobal (2011)

Para tal foram utilizados elementos típicos do urbanismo em espaços cívicos,


como arquibancadas e escadarias, a grande rampa do museu, o Pátio da Memória e
o pátio jardim, organizados em uma sequência espacial que não teria obtido êxito
arquitetônico ou o atual impacto se não fosse o térreo elevado da edificação, que
permite uma permeabilidade projetual e a conexão de um lado ao outro da manzana.
59

Essa conexão, mais do que um novo percurso para os usuários que por ali transitam,
é uma conexão da cidade, entre seu centro histórico e o futuro Centro Matucana (2ª
etapa do projeto que será um edifício de uso comercial e que contemplará também
áreas de entretenimento como bares e restaurantes), e que permitirá novos visuais.
Segundo Vinuesa (2011), cria-se assim um espaço “micro-urbano”.

FIGURA 15 – O MUSEU E SEU ESPAÇO CÍVICO: A PRAÇA DA ARQUIBANCADA

Fonte: PALMA, Cristobal (2011)

“Um espaço dedicado à memória pode não só transmitir informações, mas


também provocar a reflexão sobre as recordações e os desejos. ” (Estúdio América,
2009)
60

FIGURA 16 – CROQUI DOS ARQUITETOS DEMONSTRANDO A RELAÇÃO DO MUSEU E DO


FUTURO CENTRO MATUCANA COM O ENTORNO

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/795304/museu-da-memoria-e-dos-direitos-humanos-mario-
figueroa-lucas-fehr-e-carlos-dias?ad_medium=gallery

Arquitetonicamente falando, o programa do museu é dividido em duas seções,


chamadas de Base e Barra. A estrutura principal é a Barra, e é composta por um
prisma íntegro retangular acima do chão que remete à uma arca de memórias ou pode
também representar a elevação da memória perante as questões terrenas. Através
de uma composição de treliças metálicas e um grande túnel o vão é vencido e
descarregado em 4 pontos de apoio nos limites da edificação. Os materiais utilizados
tanto no interior quanto no exterior remetem à cultura local e à idéia de algo etéreo,
sendo alguns deles o cobre, o carvão e o vidro.
A iluminação natural, elemento chave para a museografia, é realizada através
de rasgos na cobertura e pelas vidraças laterais. Além disso, placas fotovoltaicas
instaladas na parte superior da edificação capturam a energia do sol e utilizam-na para
iluminação das instalações.
De forma que o programa museal fosse coberto, foi necessária a divisão em
três setores. A Barra, como o prisma principal já explicado anteriormente, é um local
mais conceitual que concentra os espaços museológicos, as exposições e
informações relacionadas ao tema. Já a Base, localizada no subsolo, cobre o restante
61

do programa usual de um museu: com áreas para seminários e workshops, ambientes


de estudo e os locais de apoio e administração. Correndo adjacentemente à Barra,
localizam-se as estruturas de apoio ao público como sanitários e guarda-volumes.
Assim, todos os setores da edificação são permeados pela área pública da manzana
de forma organizada e fiel ao conceito original do projeto.

FIGURA 17 – CORTE LONGITUDINAL DA BARRA EM QUE SE PODE OBERVAR A ESTRUTURA


ABAIXO E ACIMA DO SOLO

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/795304/museu-da-memoria-e-dos-direitos-humanos-mario-
figueroa-lucas-fehr-e-carlos-dias?ad_medium=gallery

3.2 CASOS NACIONAIS

3.2.1 Fundação Iberê Camargo

A Fundação Iberê Camargo é o primeiro projeto do arquiteto português Álvaro


Siza no Brasil. A produção do arquiteto é fortemente marcada por influências
modernistas e na forte tradição construtiva portuguesa e, como não poderia deixar de
ser, essas características são visíveis na edificação em questão, adaptadas ao novo
contexto da paisagem gaúcha em que está inserido.
A edificação começou a ser construída em 2003 para abrigar o acervo artístico
deixado por Iberê Camargo à sua viúva, Maria Camargo, e foi finalizada em 2008.
Conta com uma área construída de 1350 m² e está localizada em uma escarpa com
vista para o Lago Guaíba, na Av. Padre Cacique, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
62

A Fundação, além de sua função cultural, leva a responsabilidade de colocar Porto


Alegre no mapa das cidades que possuem marcos arquitetônicos de fama mundial e
impõem uma nova fase na cultural local, ou seja, de acordo com a classificação de
Juan Carlos Rico, um “projeto de museu ícone”: “Um museu pode revelar uma cidade
para mundo” (SIZA, Álvaro. 2011, n.p.)
O projeto teve que se adaptar a um estreito terreno que costumava ser uma
pedreira. Localiza-se entre um paredão de rocha arborizado e a via rápida que conduz
ao centro da cidade e margeia o rio Guaíba, cuja a extensão visual traz a sensação
de se estar a beira-mar. Com base nisso, o programa foi distribuído em três setores
disposto linearmente no terreno: o prisma principal (em vermelho, Figura 18) onde se
encontra o espaço museológico, e dois secundários, de proporções bem menores
(amarelo e verde), onde se encontram o café e a administração.

FIGURA 18 – FUNDAÇÃO IBERÊ CAMARGO VISTA DA RUA

Fonte: Foto de Grazielle Bruscato com edições da autora (2018)

A edificação pode ser comparada a uma escultura cravada na pedra, pois além
de possuir a mesma altura da encosta (aproximadamente 25 metros), se ergue como
um elemento monolítico, pois este, feito de concreto branco pelo seu impacto visual,
63

não possui vigas ou pilares, sendo sua estrutura tudo o que se vê por fora sem a
existência de juntas de dilatação. Além disso, o concreto é mais uma demonstração
do valor agregado a obra dos elementos locais, pois a cor branca provém da mistura
das pedras brancas do Rio Guaíba com o concreto na hora de sua confecção.
A intenção do arquiteto foi de criar um elemento que desse continuidade ao
visual da encosta através do uso de elementos curvos e retilíneas, da simetria e
assimetria, sendo que o elemento mais marcante, as rampas, são o que caracterizam
a fachada principal. As janelas aqui, não tem o objetivo de prover luz (função delegada
a outra solução construtiva), e sim de “emoldurar” através de recortes orgânicos
pedaços da paisagem, sem que com isso se perdesse o foco das obras ou espaço útil
para exposição.
Tanto as rampas quanto as janelas são elementos chave da obra que podem
ser facilmente comparados com obras ja realizadas em museus icônicos da
arquitetura modernista. O mais óbvio deles é a relação das rampas com o percurso
helicoidal do Museu do Guggenheim de Nova Iorque (Figuras 19 e 20). Apesar de que
as rampas no caso de Siza não constituem o percurso museológico em si e sim o
caminho percorrido pelo usuário até as galerias de exposição, a semelhança é clara
na centralidade do grande átrio principal iluminado zenitalmente do qual as rampas
giram em torno, e da idéia de um “caminho de descoberta”, do usuário como
explorador do museu.

FIGURA 19 – MUSEU GUGGENHEIM DE NOVA IORQUE POR FRANK LLOYD WRIGHT

Fonte: Livro Fundação Iberê Camargo, 2008.


64

FIGURA 20 – INTERIOR FUNDAÇÃO IBERÊ CAMARGO

Fonte: Livro Fundação Iberê Camargo, 2008.

Já as rampas externas, e a forma como interagem com a paisagem, criando


uma personalidade própria para a obra, são comparáveis com o Sesc Pompéia de
Lina Bo Bardi em São Paulo. Aqui, as rampas carregam um valor escultural e o usuário
é convidado a entrar e sair da realidade do museu, permeando as exposições com o
mundo externo. Outro elemento marcante em comum são as já citadas janelas, com
suas formas inusitadas, como se pode observar nas Figuras 21 e 22.

FIGURA 21 – SESC POMPÉIA POR LINA BO BARDI

Fonte: Instituto Lina Bo Bardi, 2012


65

FIGURA 22 – FUNDAÇÃO IBERÊ CAMARGO DETALHE PARA A ABERTURA

Fonte: https://www.tonsdaarquitetura.com.br/single-post/2015/08/04/Estudo-de-Caso-em-Projeto-
Arquitet%C3%B4nico

O edifício é composto por 3 pavimentos além dos anexos e um subsolo (Figura


23). Este subsolo concentra o restante das necessidades do museu que não
couberam na parte superior do estreito terreno: ateliês de gravura e educacionais, um
auditório para aproximadamente 100 pessoas e um estacionamento que pode receber
mesma quantidade de veículos. É previsto também um centro de documentação e
pesquisa com biblioteca e banco de dados. No subterrâneo também foram alocadas
as áreas de infra-estrutura técnica como ar condicionado e esgoto. O acesso a esse
subsolo se dá por uma passarela subterrânea cuja a entrada se encontra do outro
lado da via rápida.
Por fim, o percurso museológico se dá com o visitante que acessa o grande
átrio onde está a recepção, a chapelaria e a loja. Se dirigindo para o elevador, este
deve subir até o último pavimento para então descer os três andares do museu através
das rampas, visitando em cada andar as salas de exposição que se totalizam nove. A
iluminação natural se dá por “elementos escondidos” rasgos nas paredes e
coberturas, ou então desencontros na estrutura, criando uma luz ideal e difusa.
66

FIGURA 23 – CORTE TRANSVERSAL

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-2498/fundacao-ibere-camargo-alvaro-
siza?ad_medium=gallery

3.2.2 Museu Paranaense

O Museu Paranaense, localizado na Rua Kellers, no Alto São Francisco, região


central e histórica de Curitiba, ocupou seis sedes desde sua inauguração, em 25 de
setembro de 1876, até se instalar na sede atual, o Palácio São Francisco.
Caracteriza-se como museu histórico etnográfico e sua importância se traduz
no seu acervo de aproximadamente 400 mil itens e em suas iniciativas de pesquisa
científica através da Biblioteca Romário Martins. O acervo foi dividido em 3 setores
visando a melhor organização museográfica: Setor de Antropologia, de Arqueologia e
de História. Esses acervos são dispostos nos dois volumes que compõem o complexo:
o edifício principal, datado de 1929 e executado pelo engenheiro Eduardo Fernando
Chaves, e o anexo do Pavilhão de Ocupação do Território Paranaense, datado de
2002, de características contemporâneas.4

_______________
4 AN: http://www.museuparanaense.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=48 Acesso
em 15 mai. 2018.
67

FIGURA 24 – MAPA SETORIZADO FORNECIDO PELO MUSEU

Fonte: http://www.museuparanaense.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=48

É interessante observar nesse estudo de caso como os diferentes percursos


museográficos tiveram que se adaptar aos diferentes espaços impostos. O edifício
principal, o Palácio, foi originalmente construído como residência para a família do
empresário Júlio Garmatter, este, em viagem à Alemanha, se encantou por uma
mansão na cidade de Wiesbaden e adquiriu a o projeto para que pudesse construir
uma cópia idêntica em Curitiba. Anos mais tarde, o novo uso de museu teve que se
adaptar a um espaço preexistente de um projeto que nem sequer havia sido elaborado
para a cidade em que fora construído. De acordo com o diretor do Museu, Renato
Carneiro, foi mantido em todos os cômodos pelo menos um pedaço da cor e da
primeira pintura que a construção recebeu. A edificação guarda memórias dos donos
originais e de todos os usos que teve com o decorrer dos anos, como por exemplo,
sede do governo estadual.
Isso obviamente significa dificuldades museográficas. As configurações de
residência da edificação, com inúmeras salas amplas interligadas, com revestimentos
de materiais bem característicos da época e iluminação condizente, possibilitam
inúmeros trajetos, e o percurso a ser realizado fica um tanto confuso. Portanto, o
68

edifício principal abriga em sua maioria objetos e informações sobre personalidades


marcantes da história paranaense e algumas coleções para exposições “avulsas”,
além das áreas para exposições temporárias que não precisam estar conectadas a
nenhum percurso expositivo preexistente.

FIGURA 25 – IMAGEM EXTERNA (À DIREITA) E INTERNA (À ESQUERDA) DO MUSEU

Fonte: A autora, 2018

Já a partir da passarela que leva ao anexo construído nos anos mais recentes,
a intenção museográfica se faz clara por um enorme painel (Figura 26 a direita) que
ilustra as fases da ocupação humana no estado do Paraná por planalto. Esse painel
define como será a organização expográfica a partir desse ponto: numa sequência
cronológica que vai desde os vestígios do homem pré-histórico no Paraná até a
criação das grandes indústrias paranaenses, esse percurso é ilustrado pelos objetos
do acervo do museu, resultado de inúmeras doações através dos anos, no amplo
espaço iluminado artificialmente que é o novo pavilhão, chamado de Pavilhão da
História do Paraná. Este, se configura por dois andares conectados por rampas que
também são tratadas como áreas de exposição.
69

FIGURA 26 – IMAGEM EXTERNA DO NOVO PAVILHÃO (À ESQUERDA) E PAINEL


EXPOGRÁFICO (À DIREITA)

Fonte: A autora, 2018

FIGURA 27 – INTERIOR DO PAVILHÃO DA HISTÓRIA DO PARANÁ

Fonte: A autora, 2018


70

Exposição sobre a imigração no Paraná:


Na ampla rampa que interliga o pavimento superior ao inferior se dá o trecho
de tempo em que a imigração no Paraná tem destaque histórico. De forma bastante
didática um painel com o mapa do Paraná (Figura 28) explica o contexto de como se
deram esses movimentos, e as localizações dos principais grupos étnicos através do
do mapa. De acordo com Odahara, essa exposição tende a um estudo do espaço,
tempo e contribuição (indústria) de cada um desses grupos.

FIGURA 28 – MAPA DOS NÚCLEOS COLONIAIS DE IMIGRANTES

Fonte: A autora, 2018

FIGURA 29 – RAMPA ONDE OCORRE EXPOSIÇÃO SOBRE IMIGRAÇÃO (À ESQUERDA) E


EXEMPLO DE NICHO ÉTNICO (À DIREITA)

Fonte: A autora, 2018


71

Os painéis após a breve contextualização do todo são substituídos por nichos


(Figura 29), cada qual dedicado a uma etnia de destaque na história. Esses nichos
possuem um texto informativo, além de fotos da época da nacionalidade especifica e
objetos de apelo sentimental típicos da cultura de cada uma dessas etnias: roupas
folclóricas, itens da cozinha típica, instrumentos musicais. Pode-se se dizer que esses
itens foram colocados de forma a comover o público e invocar nele a memória coletiva
e uma empatia para com esses povos. Conforme descemos a rampa, esses nichos
são apresentados, até a chegada ao pavimento inferior, onde o percurso cronológico
avança novamente já incluindo os imigrantes como participantes da história do
Paraná.
É um trecho reduzido para um tema tão vasto, mas dentro do recorte de tempo
proposto pelo museu é suficiente. O museu, sendo histórico, ainda carece de
elementos audiovisuais mais modernos, mas sua disposição e iluminação é focada e
leva o público de forma bastante intuitiva a finalizar o percurso, no ponto mais baixo
da edificação, onde então deve sair pelo jardim e subir as escadas em direção ao
prédio principal para recuperar seus pertences no guarda-volumes.
72

4 RESULTADOS

4.1 CONCEITO DE IMIGRAÇÃO ADOTADO

Um museu com tema tão específico e ao mesmo tempo tão amplo como é a
imigração pode apresentar diferentes abordagens e visões a serem compartilhadas
com o público. De acordo com a professora da Faculdade de Artes do Paraná,
curadora de inúmeras exposições pelo Brasil e especialista no assunto, Rosemeire
Odahara Graça, em entrevista concedida (ver anexo a), num caso como esse, o ponto
inicial para se decidir sobre o perfil do percurso expositivo e, consequentemente, todo
o conceito do projeto do museu, é a conotação sobre o tema: deve se ter muito claro
o que se entende por imigração, e a abordagem com que esse fenômeno será tratado,
enfatizando-a através da museografia.
A história da imigração está relacionada com diversos fatos, bons e ruins: as
dificuldades passadas por um conjunto de pessoas que as levaram a ir em busca de
um novo local para viver, dificuldades de adaptação culturais, sociais, financeiras; a
saudade. Para a especialista, essas questões podem muitas vezes vir acompanhadas
de um “coitadismo” que, quando traduzido de forma expositiva, traria uma conotação
pesada, triste, para o museu. Porém, a instituição como um local de educação,
proliferação da cultura e mantenimento do patrimônio pode abordar tudo isso de uma
forma mais positiva: a chance de uma nova vida, o Paraná como o início de um novo
capítulo para um povo. Nas palavras de Graça “um clarão após a tempestade”.

Existe uma tendência em se ocupar antigas edificações e localidades que se


vinculam aos movimentos migratórios para se preservar esses espaços e
facilitar nessa entrada no mundo do passado. Museus da imigração tendem
a ser museus da família, do reencontro, do entendimento das origens.
Museus de visita coletiva, mas de impacto individual. Tendem à ser lugares
de reflexão, introspecção. Seus aspectos formais obedecem aos das funções
primeiras ou tendem à ser "caixas" que lembram malas e túmulos (a morte
física e simbólica são elementos constantes na história dos imigrantes). Eles
não precisam ser assim, eles podem ser positivos, serem de muitas entradas
de luz natural, de valorização da terra/natureza receptora, serem locais de
encontro agradáveis do passado. (GRAÇA, Anexo A, 2018)
73

No contexto presente, o Museu da Imigração do Paraná vem com um


propósito de educação e celebração da história paranaense, das diferenças e riquezas
culturais que a pluralidade de povos trouxe e ainda traz para o estado.

Um questionário realizado por 160 pessoas, sendo que dessas 160, 122 são
paranaenses ou já moraram/moram no estado, demonstra que dentre os
entrevistados, 85.6% (137 pessoas) são descendentes de imigrantes de outros
países. Isso comprova como a questão da imigração é pertinente no contexto em que
se planeja colocar o museu, tanto socialmente quanto individualmente: não é apenas
relevante pelo seu papel na formação do Estado do Paraná, mas também em relação
à história individual da maioria dos habitantes que aqui vivem.

FIGURA 30 – GRÁFICO REFERENTE AO QUESTIONÁRIO REALIZADO

Fonte: a autora, 2018.

FIGURA 31 – GRÁFICO REFERENTE AO QUESTIONÁRIO REALIZADO

Fonte: a autora, 2018.


74

Contudo, dos 122 entrevistados que são paranaenses ou moram/já moraram


no estado, 45.1% (55 pessoas) declaram não conhecer a história da formação do
estado, contra 54.9% (57 pessoas) que declaram conhecer. Apesar de que a minoria
é quem declara não conhecer a história do estado em vive/viveu, o fato de que a
proporção dessas pessoas ser quase a metade (duas pessoas a menos que as que
declaram conhecer) é ainda alarmante e demonstra uma real necessidade de investir
em ferramentas de divulgação desse patrimônio e repensar nos motivos pelo qual
essas pessoas não demonstram ou não têm a oportunidade de travar esse
conhecimento. Portanto nesse caso, o Museu da Imigração no Paraná surgiria
como um elemento pedagógico com a função de educar e difundir
conhecimento, fazendo uso de uma conotação positiva de celebração da cultura
como forma de atrair o público, em vez de uma conotação pesada e voltada
apenas à memória, colocando o Paraná como o início de um novo capítulo na
vida de inúmeros povos migrantes.

FIGURA 32 – GRÁFICO REFERENTE AO QUESTIONÁRIO REALIZADO

Fonte: a autora, 2018.

Com base no questionário feito conclui-se que diante das respostas das
pessoas o Museu da Imigração do Paraná viria com urgência, sanando uma
necessidade de criar um local para se ter ciência do próprio passado, de forma
positiva, criando um legado para futuras gerações, celebrando o passado e o
presente. Um ambiente pesado, de resgate de memória, com uma conotação
negativa, não cumpriria aqui o papel ideal, pois nem todo o público alvo, os habitantes
75

do estado, apesar de que mesmo sendo em sua grande maioria descendentes dos
protagonistas da exposição, conhecem essa história.
Essa proporção de pessoas que partilham de um mesmo contexto e origem
histórica, mas não a conhecem prova que a forma como isso tem sido divulgado no
Paraná precisa ser repensada, como veremos a seguir ao introduzir o percurso
museológico como principal eixo conceitual de partido do museu.

4.2 PERCURSO MUSEOGRÁFICO SUGERIDO

Desde de que a Museografia foi qualificada como ciência que cada vez mais
percebe-se a influência do percurso museológico proposto no museu como um todo e
na sua relação com o público. Para Graça, o espaço arquitetônico existe quase como
um personagem secundário que assegura o bom desempenho do protagonista, o
acervo e as exposições, em sua função.

Eu creio que o espaço interno do museu deve ser indutivo, para que ele leve
o visitante a saber se comportar em termos de direcionamento (algo beeeem
modernista nesse pensamento), já que ele não é o atrativo principal (que é o
acervo), ele é a sedução, o acolhimento. O espaço "arquitetônico" que deve
ser percebido, admirado é o entre as exposições (ex. corredores de ligação
que permitem ver os jardins, o café, a livraria, etc.) que convidam a estar
neles. (GRAÇA, anexo A, 2018)

Essa visão modernista de como um museu deve auxiliar de forma educativa a


indução do público pela exposição é um reflexo da necessidade que o período pós-
guerra viu de trazer pessoas e criar nelas interesse no museu. Com exposições ditas
“chatas” e pouco lógicas, essas instituições apostam na nova metodologia
museográfica para recuperar sua influência na sociedade.
Graças a essa reviravolta na visão museológica, o museu hoje é além de um
espaço de arte, um local marcante na cidade, um espaço público de lazer. Isso pode
ser percebido em questionário realizado, em que 142 pessoas responderam se elas
frequentam museus, e se não, por quê.
O resultado foi que de 142 pessoas, 91 alegaram visitar museus, seja
raramente ou com frequência. Porém, dentre as 51 pessoas que declaram não
frequentar museus nunca, além de justificativas como “falta de tempo” ou que onde
moram não existem instituições desse tipo, destacaram respostas como:
76

“Não costumo frequentar. Não sei explicar o por quê. Gostaria de vivenciar mais
esse “mundo”, mas não saberia por onde “começar”. ” (Respondente 1, 2018)

“Raramente. Porque geralmente eles não tratam de temas atuais que


provocam uma reflexão crítica e construtivas para a minha vida. Muitas vezes
são sobre história e se tornam tediosos por mais que sejam interessantes.
Outras vezes sao abstratos demais e eu não entro na pira. O único Museu
que gostei na vida foi o Museu do Amanhã do Rio. Porque tem um formato
interativo, conteúdo super relevante para o momento atual da humanidade e
constrói o conhecimento com o participante (não só observador).”
(Respondente 2, 2018)

“Não. Simplesmente por falta de hábito, porém em outros países costumo


conhecê-los como parte do turismo. ” (Respondente 3, 2018)

Se por um lado o Respondente 1 demonstra uma necessidade de que o museu,


como instituição, auxilie o visitante na compreensão e indução nele na experiência
museológica, também o faz o respondente 2 e 3 de forma um pouco diferenciada:
tornando clara a falta de uma compreensão do patrimônio histórico como tema de
relevância atual a como atrativo turístico. E muito provavelmente isso se dá por uma
didática errada do espaço e da museografia em sua relação com o público.
Exposições interativas, com elementos multimídia e temáticas que toquem a
história individual de cada um, quando aliadas a um espaço voltado para o
conhecimento e envolvimento do público costumam ter grande sucesso. Com base no
referencial teórico feito, nos estudos de caso e na entrevista com uma curadora,
estabeleceu-se a seguinte ordem museográfica, não muito diferentes das etapas aqui
percorridas para a compreensão da necessidade e forma ideal do museu discutido:

1.Panorama geral: Aqui, não muito diferente do capítulo de contextualização do


conceito de imigrar, o público entra em contato pela primeira vez com a temática do
museu. Esse primeiro momento do percurso é interessante para que o público ja
adentre a exposição com uma noção clara da importância do que está para contemplar
e um pré entendimento da forma de abordagem dos conceitos básico referentes ao
tema que o museu planeja trazer. O museu não tem como objetivo debater a imigração
no Brasil como todo, portanto também é neste momento que ela recebe uma breve
introdução para que se possa, em um próximo momento, focar na imigração no
Paraná.
77

2. Recortes cronológicos ou Linha do Tempo: Talvez o tipo de expografia mais clássico


de qualquer museu histórico. A Linha do Tempo é peça chave para a compreensão
de qualquer sequência de eventos e também a mais criticada por muitos visitantes por
sua falta de interatividade. Os museus contemporâneos, como por exemplo o próprio
Museu Paranaense, serviram-se da arquitetura para aplacar essa monotonia, ao
alocar esses recortes em espaços que deveriam ser obrigatoriamente percorridos,
como rampas de ligação de um pavimento ao outro ou passarelas.
O espaço que for destinado para esse trecho da exposição precisa ter um
percurso objetivo e limpo de distrações. Muitas Linhas do Tempo nos museus de hoje
encontram-se em ambientes escuros cuja única iluminação é voltada para os painéis
ou elementos expositivos multimídia. É interessante também, como sugeriu Graça,
propor esse ambiente como uma materialização da idéia de “luz no fim do túnel”, onde
o público percorreria toda a jornada dos imigrantes de várias etnias que estiveram
envolvidos na história do Paraná, até a “luz”, ou o momento em que essas culturas se
consolidaram como o Povo Paranaense e o fim da linha do tempo.
Essa linha do tempo contaria a história de todas as etnias que participaram na
formação do Paraná. A sequência seria uma linha demarcando anos dos principais
acontecimentos citados na pesquisa histórica desse trabalho, a explicação desses
fatos e sua importância. Baseando-se no trabalho de Andreazza e Nadalin (1994: 65),
o recorte de tempo estabelecido para esta linha, do primeiro fato imigratório no Paraná
marcante até a consolidação desses povos, será de 1829 a 1911.
Esses 82 anos serão divididos em três grandes seções marcadas por
acontecimentos chave, em que os outros inúmeros fatos ocorridos - como por exemplo
a chegada dos grandes grupos de colonizadores cada etnia ou a criação das colônias
de maior destaque - serão dispostos: de 1829 (chegada dos primeiros imigrantes, os
alemães) à 1853 (emancipação de Curitiba como província); de 1853 à 1889 (fim do
governo imperial e o ano seguinte à promulgação da Lei Áurea); e de 1890 (início da
“febre imigratória” que vai até 1900) até 1911 (último ano de acontecimentos
marcantes da história imigratória paranaense, como o estabelecimento das colônias
holandesas nos Campos Gerais e a epidemia de febre tifóide entre os poloneses de
Cruz Machado).

3. Povo Paranaense: Após a “luz no fim do túnel”, nossa linha do tempo finaliza no
que seria o Paraná dos últimos 100 anos. Este ponto do percurso é um trecho de
78

reflexão de como todos os povos se adaptaram à nova realidade paranaense e tiveram


suas culturas influenciadas umas pelas outras.
Começa a partir de um mapa do Paraná semelhante ao do Museu Paranaense
em que as principais colônias das diferentes etnias estão alocadas. O Museu
Paranaense também conta com várias maquetes dos memoriais étnicos de Curitiba
(figuras 33) como por exemplo o Memorial da Ucrânia. Esses modelos se encontram
em ótimo estado, mas sem uma posição de destaque no museu e esse trecho da
exposição seria um bom local para expô-los, explicando suas histórias junto a recortes
de notícias recolhidos da Casa da Memória (figura 34) e relatos de pessoas em vídeo.

FIGURA 33 – MAQUETES DOS MEMORIAIS ÉTNICOS DE CURITIBA

Fonte: a autora, 2018.


79

FIGURA 34 – EXEMPLO DE MANCHETES DE JORNAIS LOCAIS RETRATANDO FATOS


RELACIONADOS A IMIGRAÇÃO NO PARANÁ DE 1975 A 2000

Fonte: Arquivo da Casa da Memória de Curitiba, fotos da autora, 2018.


80

Este momento do percurso não tem como objetivo ainda separar a exposição
por etnias e sim apresentá-las todas juntas, num mesmo contexto, imitando a
realidade. O espaço em que este trecho da exposição for alocado não precisa oferecer
um percurso óbvio, e sim a liberdade do visitante escolher o que quer observar. A
partir dessa sala se ramificarão inúmeras outras onde o visitante pode ou não entrar
antes de prosseguir com a segunda parte da exposição como veremos a seguir.

4- Salas étnicas: Serão inúmeras ramificações a partir do trecho de etnias geral


apresentado acima. É parte optativa do percurso da exposição. Apesar de que o
museu se propõem a abordar as diferentes nacionalidades colonizadoras do Paraná
como um todo, muitos visitantes têm um interesse pessoal na cultura e herança dos
seus próprios ascendentes, além da existencia de inúmeras coleções históricas
etnográficas através do Paraná que atualmente não tem um espaço de preservação,
acabam em antiquários com a morte dos proprietários, não recebem cuidados e não
podem ser acessadas.
Este acervo será composto por roupas típicas, objetos e qualquer resquício da
cultura de todas as etnias estrangeiras colonizadoras do Paraná. Divididos em 8
espaços, as etnias foram escolhidas com base na própria separação de arquivos da
Casa da Memória, que dentro do tema imigração possui notícias separadas em
arquivos referentes às seguintes etnias julgadas principais pela proporção de material
histórico obtido: Italianos, ucranianos, poloneses, alemães, japoneses, sírios e árabes,
franceses e judeus. É importante salientar que as pré-definições das etnias escolhidas
para esses espaços podem facilmente mudar se, por exemplo, o museu recebesse a
doação de um grande acervo de objetos da cultura holandesa, uma etnia de
importância não incluída aqui, ou algo nessa linha.

5- Imigração atualmente: O percurso histórico da exposição se encerra aqui, e a partir


do ponto de “Etnias” o visitante segue para um espaço que demonstra como a
imigração não é um fenômeno passageiro, como ela ainda permeia nossas vidas e
pode afetar nosso futuro. Aqui pretende-se botar em destaque notícias da imigração
atual não só no Paraná mas no mundo, exemplos são as notícias sobre os haitianos
que vêm para cá em busca de novas oportunidades ou do sírios que chegam aqui
escapando da guerra. Questões como xenofobia e preconceito são abordadas. Esse
espaço é novamente um ambiente sem percurso definido e funciona como um espaço
81

de transição para as exposições temporárias e é de suma importância para a


compreensão do usuário de que o Museu da Imigração do Paraná não se trata de um
museu histórico, e sim um museu que aborda uma questão muito contemporânea.

6 - Salas de exposição temporária: As salas de exposição temporária preveem


exposições contemporâneas artísticas ou descritivas que podem ser relacionadas ao
tema ou realizadas por artistas que tenham relação com a imigração. Podem hospedar
também exposições itinerantes e é o local de uso mais artístico do museu, sendo que
o espaço a ser dedicado para essa parte deve ter prioridade em relação à luz natural,
e uma versatilidade de espaço.

4.2.1 Fluxograma do percurso museográfico sugerido:

FIGURA 35 – FLUXOGRAMA DO PERCURSO MUSEOGRÁFICO

Elaboração: a autora, 2018


82

4.3 PROGRAMA DE NECESSIDADES E DIMENSIONAMENTO

Com base na observação dos estudos de caso, das questões técnicas


encontradas em guias como o “Princípios Básicos da Museologia” (SECRETARIA DA
CULTURA, 2005), no desenvolvimento histórico do museu e sua função,
principalmente no quesito programa de necessidades, e na opinião de especialistas
como Rosemeire Graça, o programa sugerido para o Museu da Imigração do Paraná
e sua metragem foi dividido em dois macro setores: área pública e restrita, e é o
seguinte:
TABELA 1 – ÁREAS PÚBLICAS

ÁREA PÚBLICA EXPOSITIVA

Qtd Função Área por un (m²) Área (m²)


1 Sala "Panorama Geral" 100 100
1 Sala "Linha do Tempo 160 160
1 Sala "Povo Paranaense" 130 130
8 Salas étnicas 50 400
1 Sala "Imigração Atualmente" 100 100
4 Salas de exposições temporárias 150 600
Descansos e circulações 60 60 TOTAL
2 Sanitários feminino e masculino 60 120 1670

ÁREA PÚBLICA NÃO EXPOSITIVA


Apoio ao visitante

Qtd Função Área por un (m²) Área (m²)


1 Entrada/átrio 200 200
1 Bilheteria 30 30
1 Informações 15 15
1 Balcão de grupos 15 15
1 Guarda-volumes 30 30
1 Livraria/loja 80 80
1 Café/bar 120 120
Jardim - -
Estares - - TOTAL
1 Sanitários feminino e masculino 30 30 520
83

Setor Educacional

Qtd Função Área por un (m²) Área (m²)


1 Biblioteca com acervo e sala de estudos 200 200

1 Inclusão de deficientes auditivos e visuais 50 50


2 Salas de workshop 100 200
1 Auditório 300 300
1 Sala de eventos com copa 200 200 TOTAL
1 Sanitários feminino e masculino 40 40 990

TABELA 2 – ÁREAS RESTRITAS

ÁREAS DE ACESSO RESTRITO AO PÚBLICO


Administração

Qtd Função Área por un (m²) Área (m²)


1 Direção 15 15
1 Reunião 30 30
1 Administração 20 20
1 Central de segurança 20 20 TOTAL
1 Sanitários feminino e masculino 20 20 105
Apoio aos funcionários

Qtd Função Área por un (m²) Área (m²)


1 Estar com ponto 60 60
1 Cozinha 20 20
1 Refeitório 40 40 TOTAL
1 Vestiários feminino e masculino 60 60 180
Reserva técnica

Qtd Função Área por un (m²) Área (m²)


1 Acervo permente 600 600
1 Acervo temporário 300 300
2 Laboratórios de restauro e conservação 100 200
1 Arquivos 100 100
1 Administração reserva técnica 30 30
84

1 Recebimentos de obras 15 15 TOTAL


1 Docas 100 100 1345
Depósitos e apoio

Qtd Função Área por un (m²) Área (m²)

1 Mobiliário e equipamento para exposições 200 200


1 Materias de manutenção 60 60
1 Almoxarifado 30 30 TOTAL
1 DML 30 30 320
Áreas técnicas

Qtd Função Área por un (m²) Área (m²)


1 Oficina de manutenção e construção 80 80
- Central de ar condicionado - -
- Caixa d'água - -
- Cisterna - -
- Casa de máquinas - -
- Central elétrica - -
- Central de gás - - TOTAL

- Lógica - - 80

TOTAL (m²) 5210


Fonte: Elaboração da autora, 2018

É interessante salientar como as metragens da área expositiva acabaram por,


ao serem calculadas através da pesquisa realizada, correspondendo a proporção de
Venturi já citada anteriormente no referencial teórico:

“O raio do ‘espaço para arte’ para o ‘espaço para recepção e acesso’ era de
9:1 no século 19. Atualmente, esse raio aproxima-se a 1:2, isto é, somente
um terço do espaço disponível é utilizado para fins de exposição” (VENTURI,
1988, p. 91).
85

4.4 ORGANOGRAMA

O organograma gerado organiza esses conjuntos de elementos, dispondo-os


de forma lógica entre si:

FIGURA 36 – ORGANOGRAMA DO MUSEU

Elaboração: a autora, 2018

4.4 FLUXOGRAMAS

Nos fluxogramas a seguir a setorização por usos proposta no organograma


acima (Figura 40) foi detalhada e separada em fluxos públicos e restritos.
86

4.4.1 Fluxograma setor de acesso ao público

FIGURA 37 - FLUXOGRAMA ACESSO PÚBLICO

Elaboração: a autora, 2018


87

4.4.2 Fluxograma setor de acesso restrito

FIGURA 38 - FLUXOGRAMA ACESSO RESTRITO

Elaboração: a autora, 2018

4.5 ÁREA DE INTERVENÇÃO

Com base nos estudos feitos, chegou-se a conclusão que o terreno ideal para
o projeto deste tipo de museu seria um terreno amplo, cujos parâmetros construtivos
impostos pela legislação permitam que ele comporte todo programa necessário para
88

o museu, seu apoio e uma área externa de lazer. Além disso, é de interesse para o
usuário que este museu não seja em locais afastados do centro da cidade e de difícil
acessibilidade, seja através do transporte público, por meio de automóveis ou a pé,
pois é um equipamento que visa atender o público de toda a cidade além dos turistas.
O bairro Mercês surge como uma possibilidade interessante por estar de
acordo com essas características apesar de um zoneamento prevalentemente
residencial. É extremamente bem provido de infraestrutura e transporte público de
qualidade, como demonstra a tabela 3, sendo que a maioria dos bairros da regional
Matriz, incluindo as Mercês, possuem linhas de ônibus até 250 metros de distância da
população. Além disso, se encontra ao lado do Centro e de outros bairros adensados
como o Bigorrilho e o Batel.

TABELA 3 – POPULAÇÃO MORANDO ATÉ 250M DAS LINHAS DE ÔNIBUS

Fonte: IPPUC – Geoprocessamento, 2013

Os museus e equipamentos culturais históricos de Curitiba estão em sua


maioria concentrados no próprio Setor Histórico da cidade. Essa concentração é
interessante até certo ponto, porém questiona-se a falta de expansão desse tipo de
89

equipamento para outros bairros com todos os benefícios que estes trazem, além das
limitações que que os parâmetros do Setor Histórico impõem. Ainda por cima, de
acordo com o mapa realizado pelo IPPUC em 2017 (figura 39), apesar de todas as
suas vantagens, o bairro Mercês não conta com nenhum equipamento cultural, e um
museu poderia mudar esse cenário.

FIGURA 39 – EQUIPAMENTOS RELACIONADOS A CULTURA NA REGIONAL MATRIZ

Fonte: IPPUC, 2017

Por fim, o bairro escolhido também conversa com a temática de imigração do


projeto por ser um bairro de valor histórico para a cidade, cujos os primeiros habitantes
foram alemães e poloneses, e que a partir do século XX, contou também com a
presença dos italianos para o seu desenvolvimento econômico.
90

4.5.1 Terreno escolhido

O terreno escolhido se encontra próximo à Praça Ucrânia, na Rua Marcelino


Champagnat, onde antes de um incêndio funcionava o antigo campus da Universidade
Tuiuti. Por ser um lote de cerca de 35.000 m² optou-se por dividi-lo em dois, traçando
uma linha a partir do antigo acesso da universidade, aproveitando assim parte do
terreno já modificado pela antiga fundação da universidade incendiada. A parte norte
da divisão, de 18.900 m², foi então escolhida como área de intervenção pela insolação,
logística viária e uma interessante integração em potencial com o Largo Antonio
Sbalqueiro e o Largo Antonio Manzochi logo em frente: nesse ponto da Rua Marcelino
Champagnat, o cruzamento de ruas e a presença de jardinetes torna a paisagem mais
dinâmica e interessante para a visibilidade do museu.

FIGURA 40 – FOTO AÉREA DO GOOGLE EARTH COM ÁREA DE INTERVENÇÃO DEMARCADA


EM VERMELHO

Fonte: Google Earth com modificações da autora, 2018

A maior parte do uso do solo da região é de uso residencial de até 2


pavimentos: áreas sem indicação de cores dentro do raio no mapa abaixo (Figura 41).
O entorno não conta com muita variedade além de algum uso comercial na Rua
Jacarezinho, o atrativo turístico da Torre Panorâmico que faria uma interessante
91

ligação com um possível museu no sentido de rota turística, o Colégio Positivo e a


Praça Ucrânia, além dos vários jardinetes da região.

41 - MAPA DE ENTORNO NUM RAIO DE 500M

Fonte: Google Earth com modificações da autora, 2018

FIGURA 42 – FOTO AÉREA DO GOOGLE EARTH COM ÁREA DE INTERVENÇÃO DEMARCADA


EM VERMELHO INDICAÇÃO DAS VISUAIS
92

Fonte: Google Earth com modificações da autora, 2018

FIGURA 43 – VISUAIS DO TERRENO

Fonte: Google Street View, 2018

4.5.1.1 Zoneamento e hierarquia de vias

A zona em que o terreno se localiza é a ZR-3.

ZR-3 (Zona Residencial 3): são caracterizadas como zonas de média


densidade habitacional. Aqui ocorre uma verticalização: a altura máxima é de
três pavimentos e são permitidas habitações coletivas (prédios de
apartamentos). São permitidos usos comerciais, serviços e indústria de
pequeno porte e também tolerados usos comunitários. (IPPUC, 2017)

Este zoneamento permite o uso comunitário (museus são caracterizados como


uso Comunitário 2), apesar de que limita seu número de pavimentos de forma a não
impactar a vizinhança residencial de no máximo 3 pavimentos. Contudo, a menos de
3 quadras de distância na direção sul se encontram o Setor Estrutural da Rua Padre
Anchieta. Assim, ao mesmo tempo em que a área de intervenção escolhida se
encontra numa região tranquila, está próxima de um grande fluxo de pessoas e meios
de transporte, fazendo bom uso dessas potencialidades.
93

FIGURA 44 – MAPA DE ZONEAMENTO E HIERARQUIA DE VIAS

Fonte: IPPUC, 2017

4.5.1.2 Parâmetros da Guia Amarela

Os parâmetros construtivos para museu (uso comunitário 2) são de recuo de


10 metros a partir do início do lote com uma edificação de no máximo 2 pavimentos
de altura. O coeficiente de aproveitamento é 1, ou seja, cerca de 18.900 m² que podem
ocupar 50% (9.450 m²) do terreno cuja a taxa mínima de permeabilidade requerida é
de 25% (4.725 m²). Para qualquer uso que não seja residencial, não existe a
possibilidade de compra de potencial construtivo.
Com uma área construída aproximada de 5210 m² no programa de
necessidades elaborado, percebe-se que mesmo dentro das restrições o terreno
então poderia comportar com folga a construção do museu, além do espaço externo
de lazer e paisagismo, estacionamento, e fluxos de acessibilidade, e outros
pormenores de infraestrutura. De acordo com o DECRETO Nº 1.021/2013, para
edificações de uso Comunitário 2 (cultural), o número de vagas de estacionamento é
94

1 a cada 12,50m² de área destinada ao público (3180m²), totalizando aqui então uma
necessidade de 255 vagas de carro.

FIGURA 45 – GUIA AMARELA DO LOTE

Fonte: Prefeitura de Curitiba, 2018

4.5.1.3 Acessos

A via do terreno, a Rua Marcelino Champagnat é um único sentido,


caracterizada como via Coletora 1.

[...] Vias Coletoras 1 - caracterizam-se por vias com média extensão e


integradas ao sistema viário principal, que já concentram o tráfego local e o
comércio e serviço de médio porte de atendimento à região; (LEI Nº 9800,
2000)

No mapa abaixo é possível ver o sentido das ruas, em que a Rua


Marcelino Champagnat ramifica-se na Rua Júlia Wanderley e na Av. Manoel Ribas,
esta última considerada via setorial comercial. Portanto o acesso dos veículos que
viriam do Centro ou então da parte sul da cidade se daria ou pela Rua Padre Agostinho
(via de grande volume de tráfego, Prioritária 2) ou pela Av. Cândido Hartmann
(Coletora 1), sinalizados em verde. Já o acesso da parte oeste da cidade (como
95

Bigorrilho e Ecoville, por exemplo) são facilmente feitos através da Rua Martins Afonso
e do norte, como Santa Felicidade e Mercês, através das inúmeras vias locais de duplo
sentido que caracterizam o zoneamento residencial que essa área possui:

FIGURA 46 – MAPA COM O SENTIDO DAS VIAS E PONTOS DE ÔNIBUS NUMA RAIO DE CERCA
DE 250 METROS

Fonte: Google Maps com modificações da autora, 2018

Contudo uma deficiência é a falta de pontos de ônibus em frente ao terreno,


sendo que os mais próximos, sempre dentro do raio máximo de 250 metros de
distância, estão concentrados no trecho seguinte da Rua Júlia Wanderley e na via
local perpendicular, a Rua Fernando Simas.

4.5.1.4 Aspectos físicos

A testada do lote tem uma orientação privilegiada para o norte/noroeste. Na


figura 50 pode-se observar o trajeto do sol (faixa em amarelo claro), com a linha
amarela indicando o ponto em que este se encontra ao nascer do sol e a laranja
escuro o ponto em que está quando se põem. Já os ventos predominantes,
representados em azul, incidem de leste a oeste.
É interessante destacar que que o zoneamento de Curitiba potencializa
a insolação do norte pois as zonas de maior adensamento vertical, como o Setor
96

Estrutural e a Zona Residencial 4, estão localizados ao sul do terreno, e os de gabarito


mais baixo como a Zona Residencial 2 e 1, ao norte.

FIGURA 47 – MAPA COM CÁLCULO DA INCIDÊNCIA SOLAR E INCAÇÃO DOS VENTOS


PREDOMINANTES

Fonte: Google Maps e Suncalc com modificações da autora, 2018

O terreno possui declive de 10 metros, sendo que a parte mais alta é a testada
e a mais baixo os fundos. A cota do nível da rua é a de +945 metros.
97

FIGURA 48 – MAPA ALTIMÉTRICO

Fonte: IPPUC, 2013 com modificações da autora, 2018


98

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Pensar o passado para compreender o presente e para idealizar o futuro”. A


epígrafe do historiador grego, Heródoto, pode soar para muitos como um “chavão”,
mas através dessa pesquisa e do tema proposto por ela surge como uma premissa
fundamental. O hábito proveniente desde a Antiguidade de colecionar artefatos
exóticos e registros diversos demonstra como sempre o ser humano atribui aos
objetos a tarefa de preservar sua memória para as futuras gerações. A partir deste
entendimento, o museu da forma como conhecemos hoje nada mais é do que uma
evolução conceitual da necessidade prática de construir um espaço para abrigar
esses objetos e, ao mesmo tempo, transmitir às pessoas o seu valor.
Através do tempo, esses verdadeiros armazéns de obras, agregaram a si uma
importância equivalente ao de um templo, pois usufruíam do valor que possuía o seu
conteúdo e do status daqueles que defendiam sua existência (sempre as classes mais
abastadas). Pode se dizer que os museus, ao lado das edificações religiosas e das
habitações, são a tipologia arquitetônica que melhor pode definir, através de suas
caraterísticas, a história de um determinado período e de uma determinada sociedade.
Portanto, podem perfeitamente compreendidos como ferramentas político-sociais,
embora erroneamente, muitos classifiquem o museu apenas como um equipamento
cultural quando tem tanto valor cívico. Ele deve ser visto como espaço de discussão
da sociedade e de difusão do conhecimento.
Inicialmente, ao propor um Museu da Imigração do Paraná em um contexto
como é o da cidade de Curitiba, havia uma compreensão de parcial do quão profundas
foram as consequências do processo migratório em nossa história. A imigração de
inúmeras etnias no Paraná e suas formas de colonização definiram a identidade do
estado como ele é hoje, constituindo um fenômeno chave para o desenvolvimento de
um olhar crítico social e um entendimento dos prospectos futuros.
Alguns dos entrevistados no questionário realizado junto ao público no âmbito
desta pesquisa, quando questionados sobre as razões de não se interessarem por
museus e memoriais, mesmo que tratassem da história do próprio estado, alegaram
que a falta de interesse se devia ao fato de que os temas propostos não eram atuais
e não desencadeavam uma reflexão crítica para suas vidas. Se o visitante não
consegue perceber como o conhecimento de sua própria história, além da discussão
99

contemporânea acerca de um fenômeno atemporal como o da imigração, tem


relevância para a sua vida, não é sua culpa, e sim dos profissionais envolvidos na
difusão desse conhecimento.
Se os museus surgiram a partir dos objetos que resguardavam, com o tempo
distanciaram-se disso. A museografia como ciência e técnica surgiu nos anos 1980
como prova de que a preocupação para com o objeto, sua visualização e integração
ao espaço inserido são a chave para criar um percurso museológico interativo e
pedagógico o suficiente para que capture o olhar do visitante mais desinteressado.
Logo, em questão de importância, o acervo está para o percurso museográfico, assim
como o percurso museográfico está para a arquitetura museal.
O erro do arquiteto que projeta um museu é não pensar no seu conteúdo de
forma holística e interdisciplinar e nem conversar com os outros profissionais
envolvidos no processo. A boa arquitetura museal é uma coadjuvante do conteúdo
museogáfico e serve para impulsiona-lo aos olhos do espectador. Todas as outras
questões abordadas nessa pesquisa, como a transformação do museu em um marco
urbano, ou espaço educacional de apoio, derivam do sucesso dessa premissa inicial.
Se o museu não conquista seu objetivo primordial, ele perde sua importância social e
conceitual, não se diferenciando de qualquer outro espaço comunitário.
100

6 REFERÊNCIAS

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA PREFEITURA DE CURITIBA. Curitiba abriga


estrangeiros das mais diversas nacionalidades. Disponível em:
<http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/curitiba-abriga-estrangeiros-das-mais-
diversas-nacionalidades/38093> Acesso em: 24 abr. 2018.
ARCHDAILY. Clássicos da Arquitetura: Museu de Arte Kimbell/Louis Kahn.
Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/01-117677/classicos-da-arquitetura-
museu-de-arte-kimbell-slash-louis-kahn?ad_medium=gallery> Acesso em 16 mai.
2018.
ARCHDAILY. Fundação Iberê Camargo/Álvaro Siza. Disponível em:
<https://www.archdaily.com.br/br/01-2498/fundacao-ibere-camargo-alvaro-
siza?ad_medium=gallery> Acesso em 10 mai. 2018.
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104

APÊNDICE A – ENTREVISTA COM ROSEMEIRE ODAHARA GRAÇA

Perguntas elaboradas pela autora:


1- Qual a diferença entre os diversos tipos de exposição na hora da montagem
e como eles interferem no projeto?
2- Como o museu como espaço influencia no entendimento da exposição
proposta?
3- Como é escolhida a forma que o percurso museológico será organizado?
4- Com base em que parâmetros determinadas obras ou, como no meu caso,
acontecimentos marcantes históricos, são escolhidos para participar ou
serem deixados de fora de uma exposição?
5- De que forma o arquiteto e o curador de um museu, ou museógrafo devem
trabalhar em conjunto?

Resposta da entrevistada:
Algumas ponderações antes para você definir seu trabalho um pouco mais e
lhe ajudar em seu projeto.
Creio que antes de tudo você precisa ter muito claro para você mesma o que
entende por "imigração" e o quer busca enfatizar na apresentação desse fenômeno.
Veja, imigração está relacionada à uma série de questões como: desejo de uma nova
vida (uma postura muitas vezes individual) e necessidade de uma nova vida (uma
questão muitas vezes grupais); problemas sociais (ex. fome, superpopulação,
antagonismos religiosos e ideológicos, impossibilidade de "emprego" na sociedade de
origem e carência de profissionais na receptora, etc.); expulsão e exílio e
consequentemente desejo ou não de permanência, etc. Muitos deles vêm
acompanhados de uma conotação negativa, de "coitadismo". Um museu é um lugar
para educação, celebração e rememoração, mas essas podem ser questões muito
pesadas e tristes num "museu de imigração". Muitas pessoas que migram não
desejam sair de onde estão, elas precisam. Muitas passam por longos períodos de
dificuldade de adaptação (ex. linguística, alimentar, comportamental, etc.) e saudade
(ex. de pessoas, de lugares e de si mesmos). Como um museu de guerra, o museu
de imigração precisa de algum modo acomodar várias dessas questões, mas pode
dar à elas conotações muito positivas, como um clarão após a tempestade. Existe
uma tendência em se ocupar antigas edificações e localidades que se vinculam aos
105

movimentos migratórios para se preservar esses espaços e facilitar nessa entrada no


mundo do passado. Museus da imigração tendem a ser museus da família, do
reencontro, do entendimento das origens. Museus de visita coletiva, mas de impacto
individual. Tendem à ser lugares de reflexão, introspecção. Seus aspectos formais
obedecem aos das funções primeiras ou tendem à ser "caixas" que lembram malas e
túmulos (a morte física e simbólica são elementos constantes na história dos
imigrantes). Eles não precisam ser assim, eles podem ser positivos, serem de muitas
entradas de luz natural, de valorização da terra/natureza receptora, serem locais de
encontro agradáveis do passado. Então, uma primeira escolha: um espaço para se
sentir o peso (físico e emocional) do passado, desenvolvimento do respeito (perfil
geralmente para as antigas gerações) ou um espaço para se ter ciência do passado,
entender o presente e criar um futuro (perfil para as novas gerações). Um museu
(lugar de preservação de objetos e documentos de importância histórica e de
educação) e pode ser um museu-memorial (lugar para preservação, mas também
para a celebração dos tempos).
Imigração ao e no Paraná: isso quer dizer regiões diferentes, tempos diferentes,
funções diferentes, "etnias" diferentes, condições sociais diferentes. O Paraná tem um
histórico tanto de imigrantes como de migrantes. Se o foco são os grupos sociais
vindos diretamente de outros países, com destino de origem o Paraná você terá um
número relativamente pequeno de grupos e épocas. Se abordar a ideia de migrantes
você terá ainda os vindos de outros países e os que se deslocam dentro do território
(sudoeste do estado). A imigração na história do Paraná está relacionada à
necessidade de ocupação territorial, de fazer esse espaço produtivo principalmente
pela agricultura e pecuária, a chegada aqui muitas vezes se deu por terra, e o destino
primeiro era o campo, não a cidade, sendo que nossa história tem foco maior nos
séculos XIX, XX e XXI. Seu trabalho precisa ser realmente sobre um "museu da
imigração" ou um lugar para a celebração dos deslocamentos dos grupos?
"Imigração" é um termo pesado, com muito vínculo histórico tanto em conteúdo como
em seu uso. Seu foco são os grupos que se deslocam (suas particularidades) ou a
contribuição deles para a construção do perfil da localidade receptora? Onde iria se
localizar esse museu (cidade)?
Seu projeto de "museu da imigração" seria uma proposta para uma instituição
de administração pública ou privada? Isso define questões diferentes. O Estado visa
a celebração de seu passado, mas acima de tudo a construção do presente. Portanto,
106

ele busca a adaptação, a miscigenação, a contribuição para o presente, para o sentido


do grupo social atual. Uma instituição privada tende também uma celebração do
passado, mas ela planeja para o futuro (o presente é transitório). Não estou falando
de recursos, mas de ideias e conceitos, ok? Isso irá definir crescimentos institucionais
em espaços e funções.
Respondendo às suas questões:
Como o mundo dos projetos e sonhos é delicioso! Podemos pensar sem muitas
limitações (principalmente de recursos!). A parte histórica pode ser cronológica e/ou
temática, por grupos e contribuições. Você viu a exposição no Museu Paranaense
sobre a imigração? Não sei se é permanente ou temporária, mas ela tende a um
estudo de tempo, espaço e contribuição (indústria). Envio algumas fotos em anexo
para você. Essas são fotos de registro de estudo que fiz, não fotos de caráter
profissional, ok? É rascunho visual de pesquisador. Se você for à Casa da Memória
(um lugar que está cada vez mais difícil e chato de se pesquisar, tem de marcar hora,
dia, etc.) vai se restringir ao universo de Curitiba, se for ao Museu Paranaense
consegue entender melhor o Paraná.
Qual a diferença entre os diversos tipos de exposição na hora da montagem e
como eles interferem no projeto? Existem exposições temporárias, de longa duração
e permanentes. Fixas ou viajantes (o que eu creio que não é o seu caso). Isso irá
definir os equipamentos de exposição à se projetar (ex. expositores, vitrines,
plotagens, etc.), suas dimensões e modos de montagem, os materiais à serem
utilizados na confecção deles (ex. MDF ou aglomerado, acrílico ou vidro, etc.) em
virtude do tempo que precisarão mostrar e preservar os objetos, e os objetos em
exposição (ex. de acervo próprio da instituição, emprestados). Em um museu você
precisa sempre pensar em alguns equipamentos e espaços necessários: uma oficina
ou um espaço para trabalho pesado para confecção e montagem das vitrines e
expositores; portas e entradas de serviço, que comportem a passagem de materiais
brutos, delicados e de grandes proporções, que permitam tempo de carga e descarga
de caminhões de grande proporção (ex. esse é um problema em muitas das
instituições culturais de Curitiba, observe). Precisa considerar a malha elétrica, lógica
e hidráulica do museu em virtude das novas tecnologias e fluxo de pessoas passando
e trabalhando no espaço. Não são questões diretamente vinculadas à uma exposição,
mas um espaço capaz de receber tipos diferentes de exposição. Museu deve ser
dinâmico, mesmo que ele contenha um bom núcleo de exposições permanentes. Os
107

visitantes não podem ver a mesma coisa sempre, museus envelhecem em


equipamentos expositivos, iluminação e informação, não em objetos históricos.
Como o museu como espaço influencia no entendimento da exposição
proposta? Creio que respondi um pouco isso quando apresentei uns questionamentos
para você acima. Como acredito em museus como espaços educativos, creio que
existe um começo e um fim nos espaços e exposições (o MON não é bom nisso, ele
não foi projetado para isso). Eu creio que o espaço interno do museu deve ser indutivo,
para que ele leve o visitante a saber se comportar em termos de direcionamento (algo
beeeem modernista nesse pensamento), já que ele não é o atrativo principal (que é o
acervo), ele é a sedução, o acolhimento. O espaço "arquitetônico" que deve ser
percebido, admirado é o entre as exposições (ex. corredores de ligação que permitem
ver os jardins, o café, a livraria, etc.) que convidam a estar neles. Pinacoteca de São
Paulo e muitos museus alemães são ótimos nisso. Alguns museus japoneses e
britânicos brincam com recortes visuais que permitem se ver peças de lugares
inusitados e as entender de modo diferente. Se lhe interessar posso lhe enviar mais
tarde algumas imagens que ilustrem esses meus entendimentos.
Como é escolhida a forma que o percurso museológico será organizado? Isso
depende da filosofia institucional. O que se quer enaltecer. Museus de imigração
podem focar a viagem, os objetos emocionais carregados, a alegria com a nova terra,
a saudade da velha terra, as contribuições dadas à cultura local, etc. Cronologia ajuda,
ela pode ser direta ou estar presente em núcleos temáticos, mas ela deve auxiliar
nessa relação entre presente e passado. Precisa se pensar se quer a jornada do
ontem para o hoje ou do hoje para o ontem. Isso irá definir a entrada e saída no museu.
Pode-se pensar em picos de emoção, onde com certeza o público irá se emocionar
mais (ex. porque tem animações cênicas, fotografias, mudança de luz, cheiro,
brinquedos, objetos de saúde, etc.) - museus de guerra e da terra são ótimos nisso.
Cuide que o uso da cronologia está relacionada aos entendimentos da própria História
e de seus usos.
Com base em que parâmetros determinadas obras ou, como no meu caso,
acontecimentos marcantes históricos, são escolhidos para participar ou serem
deixados de fora de uma exposição? - Qualidade como exemplar temático, técnico e
emotivo (ex. pertenceu à quem?). Suas condições para exposição temporária, longa
duração ou permanente, em termos de luminosidade, umidade, etc. A presença do
objeto real, sua réplica ou fotografia, animação 3D. O objeto real sempre tem impacto,
108

mas suas condições nem sempre permitem que ele seja apresentado. Menos é mais
na museografia contemporânea. Hoje se busca apresentar materiais de grande
impacto emocional e mnemônico, isso quer dizer objetos de importância para a
"contação" da história, mas que tenham impacto emotivo no visitante, o que
normalmente se dá por aquilo que tange o uso e a aproximação/lembrança ao corpo
do visitante (ex. um colar mais que um casaco; um banquinho desgastado mais que
uma cadeira de sala de visitas, etc.). Chilenos e portugueses tem um trabalho
admirável de museologia e museografia.
De que forma o arquiteto e o curador de um museu, ou museógrafo devem
trabalhar em conjunto? Cada um corresponde a um tempo de trabalho diferente. O
arquiteto deve trabalhar em proximidade durante o projeto do espaço do museu e
depois só ser consultado de tempos em tempos. Ele deve dar feedback também de
tempos em tempos, mas isso raramente acontece. Geralmente o arquiteto só trabalha
no projeto e como muitos não gostam de visitar o trabalho feito anos depois isso faz
com que só se integrem à equipe quando forem requeridos. É uma questão de postura
profissional, questões econômicas e ideológicas. O curador de um museu deve ser
um indivíduo de trabalho constante com o acervo e os estudos sobre esse, já o
museógrafo deve estar atento à recepção das informações pelo público e como isso
muda de tempos em tempos. Esses dois trabalham juntos.
109

FORMULÁRIO DE IDENTIFICAÇÃO

(É obrigatório se não utilizada ficha catalográfica no verso da folha de rosto - todos


os dados devem constar em folha única)

Dados do relatório técnico e/ou científico


Título e subtítulo: Classificação de segurança:
N.
Tipo de relatório: Data:

Título do projeto/programa/plano: N.

Autor (es): (Titulação e qualificação)

Instituição executora e endereço completo:

Instituição patrocinadora e endereço completo:

Resumo:
Palavras-chave/descritores:

Edição: n. de páginas: Volume e/ou parte: N. de classificação:

ISSN Tiragem: Preço:


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Observações/notas:

Fonte: ABNT/NBR 10719, 2011, p. 11.

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