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memória e imagem
A
conexão entre imagem e interface já está colocada. O que se
pretende é o estudo de um elemento novo que é a memória.
Aby Warburg é a chave, já que para ele as imagens são memó-
rias sociais. O Atlas Mnemosyne se configura como um con-
junto de elementos (sintomas) criando um “dispositivo mnemônico” que
gera conhecimento. A ideia é estudar a arqueologia da interface através
dos vários dispositivos de memória, onde é possível perceber a interferên-
cia do homem na memória cultural que, culminaria nas ideias contempo-
râneas de arquivo e, a partir dessa arqueologia, contrapor com o que hoje
podemos chamar de interface tecnológica mediada pelos novos dispositi-
vos narrativos audiovisuais.
Palavras-Chave: Aby Warburg; interface; imagem; memória; videojogos.
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The connection between image and interface is already placed. What is intended is the
study of a new element: the memory. Aby Walburg is the key, because for him, the ima-
ges are social memories. The Mnemosyne Atlas configures itself like a group of elements
(symptoms), creating a “mneumonic dispositive” that generates knowledge. The idea is
to study the interface archeology through the many dispositives of memory, where it is
possible to realize the men’s interference in the culture memory that would culminate in
the contemporary ideas of Archive and, from this archeology, oppose what we call today
technology interface mediated by the new narrative and audiovisual dispositives.
Keywords: Aby Walburg; interface; image; memory; videogames.
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Isso se torna uma criação humana, inseparável do lugar e uma nova maneira
de expressar ideias por meio de imagens, que não é mais efêmera, mas cons-
titui uma ferramenta no exercício do pensamento.
O “vagar” coloca em movimento um dispositivo mnemônico e imagé-
tico que possibilita ao homem que entra no percurso reduzir o seu nível
de consciência, deixar livre a imaginação criativa e assim produzir conheci-
mento. O percurso é divido em sequências onde são armazenados, em uma
ordem específica cronológica ou lógica, os itens a serem lembrados. Cada
sequência cria uma imagem mental que será projetada em lugares quando
revisitado mentalmente pelo vagar. Esse vagar e a construção de imagens
mentais podem ser associados à interface.
A interface utilizaria, portanto, os registros correspondentes ao imagi-
nário para expressar tanto o imaginário como as outras formas de conheci-
mento. Nesse sentido, seu funcionamento se equipararia ao dos outros meios
que também gestionam o conhecimento geral através das linguagens especí-
ficas daquelas regiões mentais das que são diretos representantes. O teatro
gestiona o simbólico e o imaginário através do real; a literatura processa o
real e o imaginário através do simbólico; e, finalmente, a interface se ocuparia
do real e do simbólico através das formas do imaginário (Català, 2010, p.158).
A arte da memória prenuncia a chegada das imagens em movimen-
to. Nestes espaços f ísicos ou criados artificialmente, é possível encontrar,
numa proposta arqueológica, “acoplamentos dialéticos” de lugares-ima-
gens que se tornam uma inteligência emotiva a partir de narrativas mentais
criadas durante o percurso. Da mesma forma que revela um marcador (sin-
toma), um lugar (loci), individualizado e intimista dos antigos palácios da
memória que hoje se tornam porosos e coletivos com a chegada das novas
tecnologias, eles permitem a passagem para a construção de um grande
número de possibilidades e dispositivos com infinitas combinações que
renovam o conceito de “labirinto”. Um vagar significativo entre enigmas
simbólicos com um percurso ligado pela “realidade expandida” das novas
paisagens virtuais e formado por links e hiperlinks.
Esses “dispositivos”, atualmente, são elevados ao status de “enigmas
simbólicos narrativos”, como podemos perceber no videogame Dear Esther1
. Uma obra hipermídia que, sem apresentar uma estrutura de conflito como
na maioria dos videojogos, leva o usuário a realizar uma exploração espacial
que o remete a um universo de memórias visuais, emocionais e simbólicas
de um “jardim da memória”. No momento em que o usuário reconstrói uma
1. The Chinese
nova narrativa por meio de uma “experiência emocional virtualizada”, recon-
Room for Microsoft figura também o campo de percepção do imaginário surgido dos intercâm-
Windows, Mac OS X
and Linux, 2012. bios mentais. Assim, as metáforas visuais se inserem na criação de “mundos
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Acreditava-se que sua arte podia ser usada por aquelas três faculdades da
alma que Santo Agostinho definiu como reflexo da Trindade no homem.
Como intellectus, era uma arte que permitia conhecer ou encontrar a
verdade; como voluntas, era uma arte para treinar a vontade pelo amor da
verdade; como memoria, era uma arte da memória para a rememoração da
verdade (Yates, 2007, p. 220).
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L’idea del Teatro pode ser considerado uma “tessitura” por entre textos,
imagens, ideias que remetem à imagem de um “grande teatro da memória e
da sapiência, no qual textos e imagens se cruzam a todo instante, enquanto
revelam sentidos e partem novamente (...) numa cintilação momentânea,
momento em que a imagem tornar-se-ia signo do divino, ligar-se-ia à
essência celeste que ela encarna e tornar-se-ia intercambiável com essa
essência (Almeida, 2005, pp. 27-46).
A Ars Magna, pensada por Llulle, foi elevada por Giordano Bruno ao
status de link, onde “aprender pensamentos” se transforma em “aprender
2. Alain Montess, a pensar” para nutrir, hoje, a cultura digital. Segundo François Boutonnet
A arte da memória (2013), Bruno tenta uma síntese corajosa da arte clássica da memória de
online (2002), dispo-
nível em <http://re- Llulle, ao animar imagens combinatórias e ao passar a utilizar os dispo-
cherche.univ-lyon2. sitivos de engrenagens em cenas marcantes e seres estranhos do antigo
fr/grimh/>. Acesso
em 6/5/2015. Palácio da Memória 2.
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Em 1903, Warburg envia uma carta a sua esposa após assistir a uma
apresentação da bailarina americana Isadora Duncan 4, que durante a sua
estadia em Florença ficou impressionada com a Primavera de Botticelli
[figura 6] e criou a coreografia Tanzidyllen em que utilizou várias figuras
da pintura na tentativa de repetir e reelaborar os gestos da famosa tela.
Warburg se interessou pela apresentação, porque a dança era uma dis-
ciplina artística diretamente envolvida nas suas elaborações teóricas do
Pathosformel (forma do patético) que vinha amadurecendo naqueles anos.
Conceito que, como concebido pelo pesquisador, não é apenas um gesto 4. Linda Selmin.
ou uma posição, mas um movimento que envolve todo o corpo e investe L’americana scalza.
Un inedito di Aby
em um Pathos intensamente expressivo e de “sobrevivência” das formas
Warburg su Isadora
antigas e de gestos expressivos, desde o Renascimento até os tempos con- Duncan. Disponível
temporâneos. A atenção à dança de Isadora Duncan mostra que as suas em <http://www.en-
gramma.it/engram-
pesquisas também estavam em constante movimento e que não eram limi- ma_v4/warburg/
tadas apenas aos estudos das formas do Renascimento, mas a um método fittizia1/34/duncan.
html>. Acesso em
que poderia ser expandido sempre. 21/5/20015.
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5. Claudia Wede-
A montagem – pelo menos no sentido que aqui nos interessa – não pohl. Disponível em
é a criação artificial de uma continuidade temporal a partir de “planos” <http://warburg.
library.cornell.edu>.
descontínuos agenciados em sequências. É, pelo contrário, um modo de Acesso em 5/6/2015.
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“É certo que o bom Deus está presente em todas as partes?”, perguntou uma
menina à sua mãe: “Acho que isto não está bem”. Uma advertência para os
filósofos! Deveriam honrar o pudor com que a natureza se oculta nos enigmas
e nas incertezas heterogêneas. “O bom Deus se esconde nos detalhes” será
a resposta de Warburg à criança, e o seu modo velado de honrar ao mesmo
tempo a advertência e a memória de Nietzsche (Stimilli, 2005, p. 22).
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Distopia x realidade
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