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GESTÃO DE

PROCESSOS
EDUCACIONAIS NÃO
ESCOLARES

Pablo Rodrigo Bes


O campo e as demandas
da educação não formal
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever historicamente a organização dos espaços não formais


de educação.
 Analisar as práticas educativas dos espaços não formais de educação.
 Avaliar espaços educativos não formais.

Introdução
Desde o início da sua história, a humanidade aprende nos mais variados
espaços e nas relações sociais que estabelece na família, na comunidade,
no trabalho e nas horas de lazer. Assim, com o passar do tempo — mais
precisamente, do século XVIII em diante —, surgiram as primeiras ini-
ciativas de escolarização, hoje denominadas como a educação formal.
A partir da década de 1990, com as reconfigurações sociais advin-
das da globalização e os seus efeitos econômicos, políticos e culturais,
reforçou-se a importância da participação de outros espaços, além da
escola, na formação do ser humano, emergindo daí o conceito da edu-
cação não formal. Hoje, essa modalidade de educação complementa
e reforça a atuação do Estado junto aos problemas sociais, bem como
promove ações provenientes de órgãos públicos, empresas privadas e
organizações da sociedade civil para permitir a adaptação dos indivíduos
às regras de mercado que se impõem.
Neste capítulo, você vai conhecer o histórico de surgimento e como
foram se organizando os espaços não formais de educação. Além disso,
vai conhecer e aprender a avaliar as práticas que são desenvolvidas
nesses locais.
2 O campo e as demandas da educação não formal

Histórico da educação não formal


O homem é um ser curioso, que começa a aprender formas de se comunicar,
relacionar-se socialmente e experienciar o mundo desde o seu nascimento
— ainda que de forma totalmente dependente e protegido pelos seus pais e
familiares. Dessa forma, desde os primórdios da nossa existência, o que nos
definiu como seres humanos, diferenciando-nos dos demais seres vivos, foi
a nossa capacidade de pensar, procurando um resultado a partir das nossas
ações e, sobretudo, aprendendo e ensinando coisas com a nossa cultura.
No período medieval, as ações educativas eram direcionadas para uma elite
social, ou seja, para os monarcas e os seus filhos e filhas, assim como para o
alto clero da Igreja e para alguns líderes de exércitos que iriam defender os
territórios habitados pela grande massa popular como recompensa pelo seu
trabalho. Com o início da burguesia, ainda durante o regime feudal, surgiram
os primeiros movimentos que buscavam ampliar essa estratificação social
existente e permitir que mais pessoas tivessem acesso à educação. A educação
escolar, porém, institucionalizou-se somente na Modernidade, no século XVIII,
consolidando-se ao longo dos séculos XIX e XX.
Montesquieu (2000, p. 45), em sua obra intitulada O Espírito das Leis,
publicada originalmente em 1748, faz a seguinte declaração: “[...] hoje rece-
bemos três educações diferentes ou contrárias: a de nossos pais, a de nossos
professores e a do mundo. O que nos contam na última delas vira de cabeça
para baixo todas as ideias das duas primeiras”. Essa frase é interessante porque
apresenta o significado da época ao que hoje consideramos a educação informal
(dos pais) e a educação formal (dos professores e da escola), em oposição à
educação que seria capaz de acabar com o que as anteriores construíram (a
educação do mundo). Muito dessa afirmação se associa com a ideia de uma
educação moralizante e disciplinadora, que era percebida com força ao longo
dos séculos XIX e XX, e que entendia que a sociedade poderia corromper a
essência bondosa que o homem teria ao nascer.
Assim, num esforço de escolarizar o mundo, a escola se expandiu. Num
primeiro momento, o seu objetivo era dar suporte ao processo civilizador
moderno das massas populares; já no século XX, passou a ser aliada ao
desenvolvimento e ao progresso que as nações poderiam obter por meio
desse tipo de educação formal. É importante compreender que essa forma
de pensar sobre a escola e o seu fenômeno de expansão ao redor do mundo
que ocorreu no século XX se alia com a afirmação de algumas teorias que
associaram diretamente o valor da educação ao desenvolvimento econômico.
O campo e as demandas da educação não formal 3

Foi isso que tornou a escola tão importante e imprescindível até os dias
de hoje. Conforme comenta Trilla i Bernet (2013, documento on-line), ao
referir-se à escola:

Essa instituição tornou-se assim o paradigma de ação educacional, que o objeto


de reflexão pedagógica (tanto teórica quanto metodológica e instrumental)
foi circunscrita quase exclusivamente a ela, a ponto de produzir um tipo de
identificação entre "educação" e "escolarização". Entendeu-se que desenvol-
vimento educacional e satisfação das necessidades sociais de treinamento e
aprendizado passariam quase exclusivamente pela extensão da escola. Que
a escola chegasse a todos e por quantos mais anos melhor, bem como para
aumentar sua qualidade, têm sido os objetivos centrais de quase todas as
políticas educacionais progressistas dos séculos XIX e XX.

Esse fato, sabemos, não chegou a se consumar, uma vez que ainda hoje
discute-se e busca-se, por meio de políticas públicas educacionais, a inclusão
de todos no meio escolar. Nesse sentido, cabe questionar: todos aqueles que
ficaram fora da escola ao longo desses dois séculos, seja pelo gênero, pela idade,
por sua etnia, ou ainda por terem nascido com alguma deficiência (motora ou
intelectual), onde aprendiam os conceitos e adquiriam as habilidades neces-
sárias para a sua vida? A resposta está nos demais espaços de aprendizado,
organizados fora da escola para que esses grupos pudessem aprender, ou seja,
na educação que definimos como não formal.
A partir da década de 1990, com a chamada globalização da economia —
fenômeno que alterou os aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais
—, reforçada ainda pelas tecnologias digitais de informação e comunicação,
surgiram novas necessidades para a formação do homem, além daquelas ad-
quiridas na escola. Para marcar os aspectos que deram impulso ao surgimento,
à afirmação e expansão da educação não formal nessa época, veja a seguir
alguns dos elementos envolvidos (TRILLA I BERNET, 2013):

 o aumento da demanda por educação;


 a incorporação de grupos excluídos na educação;
 transformações no mundo do trabalho;
 a ampliação do tempo livre;
 novos arranjos familiares e urbanos;
 o aumento dos meios de comunicação de massa;
 o desenvolvimento de novas tecnologias voltadas para a aprendizagem;
 a ampliação da educação social.
4 O campo e as demandas da educação não formal

O aumento por demandas educacionais começou a ser problematizado no


Brasil a partir da metade do século XX. Nesse momento, entendeu-se que
era necessário ampliar pelo menos a alfabetização de adultos, que na época
apresentava patamares altíssimos de analfabetismo. Assim, passam a ser in-
corporados, em iniciativas educacionais não formais, sindicatos, associações e
igrejas, classes voltadas para adultos, idosos, mulheres, bem como todos que,
por quaisquer motivos, haviam sido privados da educação formal.
Ao mesmo tempo, viver e trabalhar tornou-se mais dinâmico e complexo,
exigindo maiores habilidades e performances que anteriormente não eram
necessárias. O mundo do trabalho se expandia e, com o progresso industrial e
a expansão das tecnologias, associados à mundialização dos mercados, novas
competências passavam a ser requeridas, tornando necessária uma educação
profissional mais efetiva, que devia ser buscada em ações extraescolares.
No decorrer das décadas do século XX, criaram-se leis trabalhistas que
limitavam a jornada de trabalho dos empregados, resultando no aumento do
tempo livre, que passou a ser dedicado a outros afazeres —incluindo a par-
ticipação em atividades culturais e comunitárias. Esse fato também suscitou
a exploração de oportunidades educativas, até mesmo para aprimorar as
funções exercidas no trabalho e, assim, tornar possível almejar novos cargos
e melhores ganhos salariais.
Com a entrada efetiva da mulher no mercado de trabalho, bem como com
os novos arranjos familiares que se propuseram ao longo do século XX, surgiu
a necessidade de uma reconfiguração dos espaços urbanos existentes para a
acomodação e o apoio a esses casais e seus filhos. Assim, abriam-se também
espaços educativos voltados para essas finalidades.
Além disso, o surgimento dos meios de comunicação de massa, como a
televisão e o rádio, fez com que as formas de viver se modificassem. A partir
disso, passaram a ocorrer processos educativos intencionais, voltados para a
afirmação de conceitos de mercado, como o incentivo ao consumo de produtos
e serviços, a obsolescência, o status proveniente dessa capacidade de compra.
Com isso, reforçaram-se ainda alguns tipos ideais de arranjos ou papéis sociais
para o homem, para a mulher, para a família, entre outros.
Com as tecnologias digitais de informação e comunicação, ampliaram-se
as possibilidades da autoaprendizagem, emergindo o conceito de heutagogia.
A heutagogia é vista como a possibilidade de que ocorra o autodidatismo (ou
o aprender sozinho), a partir de múltiplas ferramentas, aplicativos e oportuni-
dades que se encontram hoje na internet, à disposição dos seus usuários. Por
exemplo, pode-se aprender outro idioma, na atualidade, de forma simples e
gratuita, valendo-se de materiais disponibilizados por pessoas e organizações
O campo e as demandas da educação não formal 5

sociais, bem como exercitar os conhecimentos com vídeos, jogos eletrônicos,


chats e aplicativos que permitem a interação em tempo real com pessoas de
qualquer parte do mundo.
Nesse cenário, a sociedade também se desestruturou para algumas classes
sociais, aprofundando as desigualdades econômicas e diferenças culturais, e
produzindo grandes bolsões de pobreza, marginalização e discriminação ao
longo desse processo. Emergia daí também um caráter muito importante da edu-
cação não formal: uma estratégia capaz e necessária de permitir que os sujeitos
adquiram as aprendizagens que lhes são exigidas ao longo da vida, bem como
reforcem os seus direitos, a sua cidadania e a própria democracia no nosso país.

Às vezes, talvez você não perceba que a mídia, em seus formatos digitais e eletrônicos, é
na atualidade um espaço muito rico de opções da educação não formal. Nela podemos
nos apropriar de conhecimentos, desenvolvendo habilidades e nos tornando mais
competentes a partir deles. Além disso, vivenciamos várias atividades educacionais
que fazem um uso híbrido da presencialidade e da educação a distância por meio de
plataformas e ambientes virtuais de aprendizagem que também contribuem com a
nossa formação.

Práticas educativas nos espaços não formais


Embora o termo “educação não formal” tenha se popularizado e sido am-
plamente utilizado pedagogicamente a partir dos anos 1990, como você viu
anteriormente, ele já era proposto ao longo das décadas anteriores. Porém, era
invisibilizado pela projeção e importância dada à instituição escolar. Convém
salientar que o autor Philip H. Coombs (1968, p. 9, tradução nossa) já utilizava
o termo para referir-se a outros processos educacionais que também eram
significativos e que ocorriam fora do contexto escolar:

Eles são chamados de educação não formal, por exemplo, do treinamento dos
operários e dos trabalhadores rurais; do trabalho de alfabetização funcional;
treinamentos no trabalho para as tarefas e atribuições; serviços de extensão
universitária (extra-muros); cursos de atualização profissional; e programas
especiais para jovens. As atividades educacionais coletivas da educação formal
e não formal compreendem os esforços de organização total da educação de
uma nação, independentemente de como são financiadas ou administradas.
6 O campo e as demandas da educação não formal

Assim, a educação não formal já vinha sendo apontada como importante e


significativa por Coombs (1968), que chamava a atenção para a importância das
suas práticas educativas na vida das pessoas da sociedade. Na atualidade, os
exemplos descritos pelo autor ainda se fazem presentes ativamente, compondo
as ações da educação não formal.
Essas ações se diferenciam da educação informal, por apresentarem
uma intencionalidade pedagógica que atinge os seus objetivos a partir de
ações de planejamento e da utilização de métodos, estratégias, recursos e
atividades. Essas práticas tanto podem ser realizadas no ambiente de trabalho
como em outras organizações sociais, em espaços públicos ou, ainda, nas
mídias eletrônicas ou digitais — convenientemente estruturadas ou não
para a aprendizagem.
Podemos analisar o campo de atuação das práticas educativas não escolares
pelo critério dos objetivos que almejam. Porém, essa tarefa se torna muito
dificultada pela grande variação e pelas possibilidades que a educação não
formal proporciona. Trilla i Bernet (2013) aponta quatro grandes áreas que
condensam boa parte dessas práticas educativas:

 o trabalho;
 o lazer e a cultura;
 a educação social;
 a própria escola.

São muito comuns as atividades de cunho pedagógico existentes no am-


biente organizacional que se voltam para a melhoria do desempenho de tra-
balhadores, seja na esfera pública ou privada. Esse, aliás, é um campo muito
promissor e interessante para os pedagogos que se interessam em trabalhar
com a área da gestão de pessoas. São realizados treinamentos que consistem
em ações específicas, direcionadas para as tarefas que os empregados realizam
ou para o desenvolvimento de novas habilidades requeridas pelo mercado em
constante transformação.
Também podem ser consideradas da educação não formal algumas iniciati-
vas voltadas para complementar a educação profissional e que não se vinculam
diretamente ao meio escolar. Essas ações existentes na sociedade contribuem
para a formação de determinadas competências, por exemplo, em cursos de
liderança, relações interpessoais, dicção, desinibição e oratória, entre outros.
Existem também atividades educativas organizadas para preencher o tempo
livre de lazer das pessoas, como oficinas de artesanato, de artes plásticas, de
dança, teatro, música, entre outras. Essas ações podem ocorrer em vários locais
O campo e as demandas da educação não formal 7

públicos, como bibliotecas, museus, praças e parques, ou ainda em espaços


organizados com tal finalidade, gratuitos ou pagos pelos seus aprendizes.
Além disso, dentro do entendimento de práticas culturais, cada localidade
oferta também aprendizagens possíveis para os seus membros, que se aliam
com aquilo que ali se projeta. Assim, um grupo de jovens de periferia pode
frequentar aulas e ações educativas a partir de uma interação com os ritmos
presentes na música local ( funk, rap, sertaneja, gauchesca etc.), que vão compor
essas práticas.
A educação social, por sua vez, também é um campo muito rico de práticas
de educação não formal, uma vez que envolve as organizações do terceiro
setor. Trata-se de um setor que hoje se expande no Brasil e procura promover
uma educação voltada para os direitos sociais, para a cidadania e para a
democracia. Assim, os programas voltados para a educação social costumam
estabelecer-se em comunidades vulneráveis, potencializando os seus membros,
formando lideranças comunitárias, desenvolvendo capital social e buscando a
transformação desses grupos por meio da problematização e do enfrentamento
das desigualdades. Veja algumas das possibilidades de educação formal:

 capacitação para o primeiro emprego;


 requalificação profissional;
 reciclagem profissional;
 aperfeiçoamento profissional;
 orientação vocacional e profissional;
 qualificação técnica;
 ensino a distância;
 complementação das atividades escolares;
 ampliação das aprendizagens pela participação em outros espaços,
como museus, bibliotecas e fazendas, colônias de férias, intercâmbios,
grupos de teatro e esportivos;
 programas compensatórios;
 preparação para o ingresso na universidade;
 ensaio de métodos e produção de materiais educacionais;
 alfabetização de pessoas adultas;
 formação social, política e religiosa;
 formação estética e artística;
 formação física e desportiva;
 animação cultural;
 educação para o ócio, ambiental, sanitária, sexual e familiar, cívica;
 educação especial;
8 O campo e as demandas da educação não formal

 educação de rua;
 reabilitação de usuários de drogas;
 desenvolvimento pessoal e relações humanas.

Existem também muitos espaços organizados na educação não formal que


se voltam para a própria finalidade da escola, seja para reforçar as suas práticas
ou para exercer ações complementares à vida dos estudantes. Podemos listar
inúmeras atividades extracurriculares que hoje fazem parte da vida de muitos
alunos, como aulas de reforço, oficinas psicopedagógicas para crianças com
dificuldades ou qualquer tipo de distúrbio de aprendizagem, atendimentos
psicológicos para crianças e pais, plataformas de aprendizagem adaptativa
via educação a distância, entre outras. Essas ações são organizadas por em-
presas privadas, organizações sociais e culturais, bem como pela própria
administração pública.
Ao observar essas inúmeras práticas educativas que ocorrem nos âmbitos
da educação não formal, podemos concordar com Severo (2015, documento
on-line), ao afirmar que elas se articulam com o paradigma atual de:

[...] aprendizagem ao longo de toda a vida, de modo que representa ações que
prolongam os tempos e os espaços de formação e autoformação, com base
em necessidades contextuais dos sujeitos e das comunidades, atuando como
mecanismo catalisador da articulação de saberes diante de necessidades emer-
gentes nas esferas das sociabilidades humanas e do trabalho. Considerando
a noção de educação ao longo de toda a vida, propõe-se a ideia de que as
divisões tradicionais de tempos e espaços para educar e educar-se devem ser
superadas por meio da adoção de um paradigma dinâmico de educação, tida
como um processo que acompanha a vida das pessoas, preparando-as para
o seu exercício social, e como instrumento de potencialização de qualidades
que lhes permitam maior bem-estar global.

Convém destacar que a educação ao longo de toda a vida, também co-


nhecida pelo termo em inglês “longlife learning”, popularizou-se a partir do
relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para
o Século XXI, organizado por Jaques Delors, em 1996, com o título original
Learning: the treasure within. O próprio título do documento já demarca o
grande significado colocado sobre a aprendizagem: o tesouro que existe entre
nós, ao vivermos em sociedade. Essa obra foi traduzida para o português
com o título Educação: um tesouro a descobrir, e reforça o conceito de uma
sociedade de aprendizagem ou educativa, que se propõe a partir do século
XXI para o mundo todo e cujo maior tesouro está nos processos educativos.
O campo e as demandas da educação não formal 9

Conforme as palavras do próprio relatório, ao referir-se ao conceito de


aprendizagem ao longo da vida:

Aproxima-se de um outro conceito proposto com frequência: o da sociedade


educativa, onde tudo pode ser ocasião para aprender e desenvolver os próprios
talentos. Nesta nova perspectiva a educação permanente é concebida como indo
muito mais além do que já se pratica, especialmente nos países desenvolvidos:
atualização, reciclagem e conversão e promoção profissionais dos adultos.
Deve ampliar a todos as possibilidades de educação, com vários objetivos,
quer se trate de oferecer uma segunda ou uma terceira oportunidade, de dar
resposta à sede de conhecimento, de beleza ou de superação de si mesmo, ou
ainda, ao desejo de aperfeiçoar e ampliar as formações estritamente ligadas
às exigências da vida profissional, incluindo as formações práticas. Em suma,
a “educação ao longo de toda a vida”, deve aproveitar todas as oportunidades
oferecidas pela sociedade (DELORS et al., 1998, documento on-line).

Dessa forma, podemos considerar a educação não formal e a sua ampliação


de possibilidades como um grande efeito do processo de reconfiguração da
sociedade global, que exige novas maneiras de que a aprendizagem continue
ocorrendo. Isso se dá porque os ambientes escolares, ainda que passem por um
processo de transbordamento de assuntos a abordar, ainda não são suficientes para
proporcionar as aprendizagens que necessitamos ao longo de toda a nossa vida.
Assim, a educação não formal desponta com as suas práticas pedagógicas como
espaço de formação tão útil, importante e necessário quanto a instituição escolar.

Convém demarcar que a definição de um espaço de educação não formal não ocorre
somente em função do local onde se estabelecem as ações, por serem fora da escola,
mas sim por haver uma finalidade pedagógica, isto é, uma intencionalidade de que
algo seja aprendido pelos sujeitos que ali se encontram. Assim, qualquer espaço
público, ou mesmo midiático, por exemplo, pode servir de cenário para que novas
aprendizagens venham a ser propostas.

Os espaços educativos não formais


Estamos vivendo tempos de inseguranças e incertezas na sociedade, muitas
delas ocasionadas pelas mudanças das últimas décadas, que alteraram a
10 O campo e as demandas da educação não formal

nossa forma de ser e viver. Tais mudanças, com os seus discursos de ordem
econômica e política, propõem que a solução para todo e qualquer tipo
de problema social esteja na educação formal e na escolarização. Além
disso, a educação escolar traz consigo a promessa de uma vida melhor e
de sucesso profissional — entendido aqui não como realização pessoal,
e sim como um salário melhor, ou seja, aumento das possibilidades de
compra e de consumo.
Assim, no interior de uma sociedade hiperconsumista, que associa educação
formal com desenvolvimento e progresso, cada vez mais a escola se aproxima
e se converte em um modelo empresarial. Transformada em empresa, ela esta-
belece os diferenciais entre os seus públicos, incitando-os para a concorrência
e produzindo e reforçando desigualdades, dada a grande diferença entre as
escolas que compõem o sistema educacional brasileiro.
Poderíamos questionar então, a partir dessa constatação inicial, se a escola
estaria de fato contribuindo para a formação do ser humano, desenvolvendo a
sua cidadania, ou estaria prioritariamente servindo para formar para o mercado
de trabalho. Nesse sentido, a escola consegue contemplar todos os aspectos
necessários à nossa formação?
Ao problematizar sobre as mudanças ocorridas na educação formal nas
últimas décadas, sob a lógica do que define como transbordamento, Nóvoa
(2006) tem como ponto de análise as aprendizagens ali ocorridas. O autor
aponta ainda que “[...] ao olhar para muitos países, percebe-se o crescimento
de uma ‘escola a duas velocidades’, isto é, de uma escola centrada na aprendi-
zagem para os ricos e no acolhimento social para os pobres” (NÓVOA, 2006,
documento on-line).
O Brasil pode estar entre essas nações, uma vez que existe uma tendência
de que ocorra a situação descrita entre algumas escolas de redes públicas
estaduais e municipais e entre as escolas da iniciativa privada — ainda que isso
não ocorra de forma generalizada. Realizar essa discussão inicial é importante
para ressaltar o fato de que a escola já não é mais suficiente para prover todas
as aprendizagens de que necessitamos cotidianamente na sociedade educativa
na qual nos inserimos. Assim, dada também a diminuição do período de
tempo em que vivenciamos os processos da educação informal, na família e
junto aos amigos, cabe aos espaços de educação não formal suprirem essas
múltiplas demandas que se apresentam.
Nóvoa (2006) aponta três aspectos interessantes que precisariam ser con-
templados ao pensarmos em educação na contemporaneidade, que não con-
O campo e as demandas da educação não formal 11

seguem hoje ser atendidos pela escola, sobretudo no contexto da sociedade


da aprendizagem em que vivemos. Educação aqui é entendida como qualquer
processo pedagógico intencional e organizado a se desenvolver e que contribua
para a formação do homem, para além da escola. Veja os aspectos importantes
para a educação não formal (NÓVOA, 2006):

 mais aprendizagem;
 mais sociedade;
 mais comunicação.

Assim, ao defender a ideia de uma necessária retração da escola, propondo


que se promova uma “[...] consolidação do espaço público da educação” (NÓ-
VOA, 2006, documento on-line), o autor provoca a pensar:

Que compromissos estamos dispostos a assumir, a título individual e coletivo,


na educação das crianças e dos jovens? Queremos reforçar as redes familia-
res, culturais, religiosas e associativas e definir as suas responsabilidades
próprias no processo educativo ou continuamos a escolher a via mais fácil,
isto é, a tudo lançar para dentro das escolas?

Para buscar respostas para essas perguntas instigantes do autor, partimos


da avaliação das práticas educativas da educação não formal. Entendemos
que são elas que hoje podem realizar esse reforço mencionado, nos campos
da família e dos seus múltiplos arranjos e necessidades educacionais, nos
aspectos da cultura local e da construção de identidades regionais e nacionais,
na afirmação de valores e virtudes compartilhadas e necessárias para vivermos
bem em sociedade.
Assim, “mais aprendizagem” se relaciona com a necessidade emergente
de busca de cada vez mais conhecimentos e saberes, que não se relacionam
somente com o trabalho, mas também com outros aspectos importantes da
vida. Estes nos fornecem a base para a nossa existência e nos ajudam a sermos
resilientes e a termos esperança e fé na mudança e na transformação possível da
nossa trajetória. Essas atividades pedagógicas voltadas para o fortalecimento
das personalidades e subjetividades costumam ocorrer nos espaços das igrejas,
nas mais diversas religiosidades (cristãs ou não), bem como nas organizações
sociais do terceiro setor.
12 O campo e as demandas da educação não formal

As pessoas são cobradas, cotidianamente, pelo desenvolvimento de novas habilidades,


que se relacionam com a sua profissão, com o seu emprego ou trabalho que exercem,
com os seus afazeres, tarefas e atribuições. Assim, precisam atualizar-se, acompanhando
as tendências e os cenários que se configuram nas áreas onde atuam. Essas novas
habilidades precisam ser aprendidas para que sejam incorporadas nesses sujeitos;
logo, precisa haver um processo educacional com intencionalidade bem-estabelecida,
voltada para o desenvolvimento dessas competências.
Por exemplo, alguém que assume um cargo de gestor em uma empresa — e passa,
então, a coordenar o trabalho de um grupo de pessoas — necessariamente precisará se
instruir sobre trabalho em equipe, liderança, relacionamento interpessoal, entre outros
atributos que essa nova função exige. Isso pode ser feito de várias formas: dentro do
processo de treinamento e desenvolvimento da própria organização, por meio de um
curso profissionalizante ou da participação em oficinas ofertadas por organizações
sociais e voltadas para o tema, valendo-se de vídeos do YouTube e de cursos gratuitos
existentes em blogs e sites da área da administração. Assim, percebemos como podem
ser ricos os espaços da educação não formal.

Ao pensarmos no item “mais sociedade”, podemos entender o quanto as


interações humanas são importantes e devem ser fomentadas para a construção
de um sentimento de pertencimento e cidadania real junto às pessoas. Isso se
consegue a partir da existência de espaços nos quais se aprenda a participar,
valorize-se o posicionamento crítico, a voz e a opinião, e se proponha uma
reflexão sobre a vida em seus múltiplos aspectos e em todas as suas etapas,
não somente no percurso da vida escolar. Ghanem e Trilla i Bernet (2008, p. 9),
ao analisarem o dinamismo e as mudanças sociais produzidas pela educação
não formal no espaço comunitário, salientam:

A educação não formal, por sua vez, supõe também a intenção de estender a
educação e, por isso, a maioria da população que atinge é de pessoas menos
incluídas no sistema escolar convencional, ainda que não esteja dirigida a
determinados grupos de idade, sexo, classe social, habitat urbano ou rural
etc. Essas pessoas apresentam grande motivação intrínseca, sua adesão a
programas costuma ser voluntária e, sendo seus interesses e necessidades mais
claramente assumidos, podem seguir ou abandonar os programas conforme
entendam que estes satisfazem ou não suas expectativas.

Dessa forma, a educação não formal amplia o próprio entendimento


sobre o que vem a ser a educação, normalmente associado à escolarização,
O campo e as demandas da educação não formal 13

propondo outros espaços e oportunidades de formação por meio do engaja-


mento voluntário das pessoas.
Sobre a questão “mais comunicação”, entendemos que ela é fundamental
para o exercício da democracia e a construção de uma identidade cidadã.
Assim, para desenvolvermos esses atributos identitários, precisamos de
espaços nos quais possamos aprender a nos pronunciar e a elaborar o que
entendemos e pensamos sobre o mundo, a partir do diálogo e da troca de
saberes. As organizações sociais são excelentes espaços para perceber es-
sas aprendizagens da educação não formal, ocorrendo, por exemplo, nas
assembleias e plenárias públicas que costumam ocorrer para deliberar sobre
assuntos de interesse daquela comunidade, ou nos espaços colegiados que
oportunizam a participação, como os conselhos municipais de diversas áreas
sociais existentes atualmente.
Assim, podemos definir que a educação não formal serve tanto para
complementar os nossos conhecimentos, propondo aprendizagens de
que necessitamos ao longo da vida, quanto para compensar uma possível
defasagem de experiências e vivências a que não tivemos acesso. Isso
precisa ser levado em consideração pelo pedagogo, ao diagnosticar os
locais nos quais vai atuar, a fim de construir as suas propostas pedagógicas
de acordo com o contexto ali existente. Conforme salienta Garcia (2008,
documento on-line):

Uma observação interessante é que as crianças e jovens de classe alta e média


acabam tendo nas “atividades” de educação não-formal que realizam uma
opção a mais, é como se essa outra educação fosse um adicional em sua for-
mação, atuando como um diferencial. Já em relação as crianças e jovens das
classes pobres, a educação não-formal é vista como aquela que vai oferecer
o que falta, aquilo que as crianças e jovens não tiveram condições de receber
em sua formação, seja escolar ou familiar.

Dessa forma, você pode perceber a importância da educação não formal


na atualidade, uma vez que ela pode acrescentar na formação humana muitos
dos elementos que hoje não são possíveis nem na educação informal, nem
na formal. Assim, a escola e a família não conseguem abranger todas as
necessidades e os interesses que as pessoas buscam, ficando essa finalidade
ao encargo dos espaços de educação não formal. Além disso, é nos espaços
da educação não formal que são produzidos os esforços em torno da trans-
formação social e da busca pela construção de uma sociedade mais justa e
solidária, e menos desigual.
14 O campo e as demandas da educação não formal

A educação não formal possibilita a ampliação do conceito de educação e serve


de inspiração para a criação de cidades educadoras, onde as pessoas vivenciam
cotidianamente, em seus múltiplos espaços e organizações, processos educacionais
fundamentais para torná-los melhores cidadãos. Assista no link a seguir à animação
Cidades Educadoras e perceba como essa transformação pode ocorrer a partir da
educação não formal.

https://qrgo.page.link/Kmd94

COOMBS, P. H. The world educationalcrisis. New York: Oxford University Press, 1968.
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O campo e as demandas da educação não formal 15

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