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Sumário de Categorias Aristotélicas

Prof. Dr. Otávio Souza e Rocha Dias Maciel


(UnB/EALT)

Centro Metafísico do Sistema Aristotélico: Substância

• οὐσία, ousia
• “Aquilo que não pode ser predicado a partir de nada, nem dito estar em nada”,
apenas existe e subsiste “por si e em si”.
• Substâncias aristotélicas são criáveis, mutáveis, corruptíveis e destrutíveis.
o Depois da apropriação cultural que o cristianismo faz da filosofia grega,
inventa-se que substâncias seriam criadas, imutáveis, incorruptíveis e
eternas. Esta mudança não se deve ao aristotelismo, mas com propósitos
particulares das ontoteologias abraâmicas (especialmente cristianismo e
islã).
• Podemos pensar a substância aristotélica como um sistema em particular. O
sistema biopsíquico “Sócrates” não é predicado a partir de nada (apenas
Sócrates é Sócrates) e não está contido em nada. Ela é composta de:
o Substância primeira, ou substrato (ὑποκείμενον, hypokeimenon): é como
se fosse o sujeito gramatical. Algo absolutamente desprovido de
significado nenhum, é apenas a pura diferença deste sistema em
particular. É como se fosse um cabide no qual vamos “pendurar”
predicados.
▪ Ex: Sócrates é -homem; -ateniense; -filósofo; -irritante.
▪ Nenhum destes predicados “dependem” de Sócrates, visto que
há vários homens, vários atenienses, vários filósofos e várias
pessoas irritantes. No entanto, perguntar sobre a substância
“Sócrates” significa identifica-lo como substrato e pendurar nele
descrições ou predicados.
▪ Há nove tipos de predicados metafísicos, como veremos abaixo.

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o O que há/está/é-aí (το τι εστιν, to ti estin): indica traços e características
empíricas concretas, tal como Sócrates ser descrito tradicionalmente
como “baixinho, rechonchudo, nariz achatado e olhos esbugalhados”.
São predicados “a partir da substância”, uma análise do caso concreto
em termos de suas particularidades. Similar às qualidades sensuais.
o Formas/Ideias (εἶδος, eidos): indica “participações” (no sentido
platônico) ou hilemorfismo (no sentido aristotélico) de ideias universais
na substância. Sócrates podia emagrecer e deixar de ser rechonchudo,
mas não poderia deixar de ser humano. O conjunto de eidos que
compõem a substância trazem qualidades reais, necessárias para que a
substância seja o que é – caso contrário, ela pode degenerar e
desaparecer, como a doçura do vinho que vira o azedo do vinagre.
• Fórmula geral: οὐσία = ὑποκείμενον + το τι εστιν + εἶδος

Dez Categorias Lógicas de pesquisa sobre as substâncias

• A palavra Κατηγορίαι (Kategoriai) significa “predicado”.


o Os autores romanos e medievais vão traduzir Κατηγορίαι por
praedicamenta, predicamentos ou predicações.
• As dez categorias servem para identificar os predicados que pertencem à
substância:
o ὑποκείμενον (substrato) + υπάρχειν (aquilo que lhe pertence)
1) A primeira categoria é apenas repetição da substância (οὐσία).
• Podemos simplesmente dizer: “Sócrates é Sócrates”, apenas uma
nomeação, enunciação ou apontamento.
2) Posón – ποσόν
• Quantidade. Tamanho, peso, extensão. Se ele é continuo (como o corpo
humano ou um rio) ou se é discreto (como os grãozinhos de areia em um
punhado). Se é divisível ou não.
3) Poión – ποιόν

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• Caracterização de qualidades reais das substâncias (dizer sobre os eidos).
Se a substância é um humano, se é mortal, se é artificial, se é sagrada, se
é branca, se é torta etc.
4) Prós ti – πρός τι
• Relacionalidade da substância. Coisas como dobro, metade.
Curiosamente, ele lista o logos como uma categoria pros ti, ou seja, o
logos seria sempre “sobre” alguma coisa, mesmo que fosse a relação do
conhecimento em si mesmo (epistemologia, por exemplo).
5) Pou – ποῦ
• Posicionamento em uma cercania, em uma ambientação.
6) Póte – πότε
• Posicionamento no tempo, num evento.
7) Keisthai – κεῖσθαι
• Estado, condição ou situação após fazer uma ação. Ponto final de uma
sequência de ações que a substância fez no mundo. Pense em todos os
deslocamentos no espaço e no tempo (pou + póte) que faz um dançarino
que, após tudo, keisthai nesta posição X.
o Por algum motivo, os medievais achavam que esta categoria era
sobre partes do objeto. Talvez, se pensarmos no “movimento
interno” que levou o embrião-Otávio a desenvolver meu braço
agora, talvez faça sentido. Mas o jogo entre espaço-tempo e
exterioridade é perdido se restringirmos esta categoria ao
escolasticismo.
8) Echein – ἔχειν
• Estado, condição ou situação após sofrer uma ação. Por exemplo, “ser
queimado” ou “ter sido eleito”. Indica, novamente, o jogo entre
exterioridade e substância, agora na voz passiva, agora sendo o
receptáculo de uma ação vinda de fora.
o Novamente, por algum motivo obscuro, medievais e modernos
decidiram falar que ἔχειν tem um sentido de pronome possessivo,

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e traduzem pelo verbo “ter/possuir”. A explicação seria
supostamente que Cícero traduziu ἔχειν por habitus, então
falaríamos coisas como “tenho o hábito de acordar cedo”. Mesmo
assim, não é possível operar ἔχειν corretamente neste sentido da
forma subjetivista/possessiva.
o Interessantemente, encontra tradução direta para diversas
línguas que não têm origem no medievo/modernidade europeia.

▪ No coreano, 있다 (iss-da) tem este sentido que combina

ser, estar, acontecer, existir, localizar, ter, haver.

▪ No japonês, o verbo ある (aru) também tem o sentido de

existir, acontecer, ter lugar; e o verbo いる (iru) combina

existir, ser, haver, ter e indica ação progressiva (tal como


o -ing do inglês).
9) Poiein – ποιεῖν
• Se keisthai é o resultado da ação da substância, poiein é a própria ação
da substância. É a produção de mudança, de diferenças, de movimento,
de pensar a substância como agência.
o Daqui surge a palavra poiese como pura produção, e a autopoiese.
10) Páschein – πάσχειν
• Se echein é o resultado da ação sofrida pela substância, páschein é a
própria receptividade da substância. É a forma de receber estímulos, de
ser afetada, de ser afeccionada por outra coisa.
o É na categoria πάσχειν que estudamos as formas da sensibilidade
pura, os sentidos do corpo, a forma de ser ou não recepcionado
pela substância.
o Por exemplo, não é πάσχειν dos sistemas humanos identificar
cores fora do espectro luminoso que os cones e bastonetes de
nossos olhos permitam. Outros animais tem πάσχειν diferentes, e

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conseguem sentir-visualizar mais ou menos cores do que os
humanos.
o É modernamente redutivista, ou seja, incorreto, achar que
πάσχειν é apenas “sentimentos” ou “paixão”, ou reduzir a
questões de epistemologia. Os exemplos de Aristóteles são
cauterização – ser cauterizado. Não tem a ver obrigatoriamente
com paixões do romantismo ou com sentimentos de alegria ou
tristeza.
o É por isso que Whitehead prefere dizer feelings no sentido
genérico, seja físico, seja conceitual. Traduzimos por “sentires”,
para englobar tanto o sentir amor por alguém, como o sentir um
raio de sol no nosso rosto, e até mesmo sentir empolgação
quando resolvemos um problema.

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