Rio de Janeiro
Julho 2019
Lucas Almeida de Araujo
Ficha Catalográfica
Agradeço à minha família por estar presente em todos os momentos e por serem
minha estrutura durante toda a vida, sempre com muita paciência.
Agradeço ao amigo Guto Santos por me envolver no projeto Baixo Rio e alimentar
minhas esperanças de um dia ver o rio Comprido e o Rio Comprido requalificados
e cheios de vida.
Julho/2019
July/2019
With the intense development of the human activity on the planet there is now a
new geological era, the Anthropocene. The modifications made in the landscape
patterns for the construction of consumption-based cities, eradicated ecosystems,
sealed the soil and negatively impact the environment, especially considering the
streams permeating such cities which suffers with morphological modifications,
high water pollution and abandonment. These rivers have had their natural
systems altered and hidden, and only resurface in extreme weather events,
aggravated by climate change, causing several damages to the flooded cities.
Thus a new approach regarding urban rivers becomes necessary and three
concepts emerge as possible responses: the first, Biophilic Cities and Nature
Based Solutions, offers a range of interventions that mimics nature and are
sustained by it – such as Green Infrastructure – to achieve specific goals while
reconnecting the urban environment with the natural systems; the second, Urban
River Restoration, advocates for new approaches on dealing with urban rivers and
their respective watersheds in order to restore the environmental quality of these
elements and improve the urban waters management; the third concept suggests
a public spaces planning and design that encourage active mobility while offering
better conditions for an exuberant urban life. As a final contribution to this project,
a series of strategies are presented for the Comprido river urban basin, aiming to
increase the environmental quality, all in harmony among the natural and built
environments.
Fonte: Adaptado de United Nations, Department of Economic and Social Affairs, “The Great Green
Technological Transformation”. Disponível em <https://www.un.org/development/desa/dpad/wp-
content/uploads/sites/45/2011wess.pdf>. Acesso em 15/05/2019
A população humana que, desde o surgimento da espécie Homo sapiens
levou 200 mil anos para atingir a marca de 1 bilhão de habitantes em 1810, viu
seus números se multiplicarem para mais de 7 bilhões de pessoas no planeta em
2010 – um crescimento de mais de 700% em um curtíssimo espaço de tempo de
apenas 200 anos. (SMITH, 2013) “A civilização se tornou uma força de alcance
planetário e de duração e abrangência geológicas” (OLIVEIRA, 2015, p. 14).
A atividade humana provoca alterações nos padrões de diversos biomas e
ecossistemas iniciando diversos processos que geram consequências diversas,
tanto positivas quanto negativas para o ambiente natural e para a própria espécie
humana. Uma das mais significativas consequências é o cenário atual de
mudanças climáticas que o planeta vem enfrentando sem precedentes devido ao
acumulo de Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera causado pela queima de
combustíveis fósseis (HERZOG, 2013).
Em meio a todos os tipos de alterações que o desenvolvimento humano
produz no planeta, a urbanização certamente ganha papel de destaque. As
cidades são os locais em que se acumulam alimentos, serviços, valores, cultura,
moradia e infraestrutura, além de serem os destinos principais de todos os
recursos extraídos da natureza e processados pela atividade humana. São os
grandes centros de consumo da humanidade no planeta e principal fonte de
riqueza para as economias dos países (SILVA, 2017, p.1).
Dados do Banco Mundial1 mostram que em 2017 quase 55% da população
mundial era urbana. Ao considerar apenas o Brasil, segundo o IBGE (2010), 85%
da população brasileira vive em cidades. Observa-se então, o acelerando
desenvolvimento dos centros urbanos concentrando populações em grandes
metrópoles onde a paisagem natural encontra-se completamente alterada e
adaptada a esse modelo intenso de ocupação humana. A forma das cidades hoje,
é um resultado de uma série de interferências humanas feitas sobre o meio
ambiente provocando mudanças nos fatores naturais biológicos, geomorfológicos,
hidrológicos, climáticos e energéticos.
O processo de urbanização foi intensificado no século XIX, com o início da
Revolução Industrial por meio da migração de mão de obra dos campos para os
centros urbanos, suprindo a demanda da crescente indústria movida à carvão.
Nesse primeiro momento, as cidades cresceram sem planejamento, gerando
ambientes altamente insalubres onde pessoas aglomeradas em moradias
precariamente iluminadas e ventiladas dividiam as vielas da cidade com veículos
1
(THE WORLD BANK, UNITED NATIONS POPULATION DIVISION, 2018)
movidos à cavalo e esgotos a céu aberto. Cenário agravado pela alta poluição do
ar e das águas provocadas pela intensa atividade industrial (HERZOG, 2013).
Esses ambientes sem áreas verdes ao ar livre e nenhuma qualidade de vida,
gerava as condições perfeitas para doenças como cólera e tuberculose. Londres
(Fig. 2), foi a mais simbólica dessas cidades industriais, e ficou conhecida como a
cidade do “smog”: junção de termos entre o nevoeiro típico da região (fog) com a
intensa fumaça produzida pelas fábricas (smoke) gerando uma espessa camada
de poluição que bloqueava a luz solar e prejudicava a população.
Fonte: Gustave Dore, 1879 em London a Pilgramage. Brittish Library. Disponível em:
<https://www.bl.uk/collection-items/london-illustrations-by-gustave-dor> Acesso em: 15/03/2019
Mais tarde, no fim do século XIX e início do século XX, o urbanismo foi
dominado por políticas higienistas que visavam, além de embelezar as cidades
aos moldes da elite da época, melhorar as condições de salubridade. Nessa
época, grandes alterações aconteceram social e ambientalmente. Acreditava-se
que os “miasmas”, vindos do saneamento precário, má ventilação e até de alguns
ecossistemas naturais como os pântanos, eram as causas das doenças e
epidemias generalizadas. Assim, uma política de destruição e alargamento do
tecido urbano foi posta em prática - novas avenidas foram abertas, largas e
arborizadas, e parques foram criados ao mesmo tempo em que os rios e áreas
úmidas foram aterrados, retificados e canalizados (MIGUEZ, REZENDE e VERÓL,
2015; HERZOG, 2013).
Essas intervenções, amenizaram questões de saúde pública e
ordenamento da cidade, mas provocaram alterações drásticas nos ciclos dos
ecossistemas, em especial os ciclos biológico e hidrológico. O funcionamento
natural das bacias hidrográficas foi ignorado, e as obras de drenagem e
aterramento de áreas alagadas foram feitas sem medir consequências com o que
poderia acontecer em locais que antes acomodavam águas naturalmente e agora
eram parte da cidade, impermeabilizadas e ocupadas por empreendimentos que
valorizavam os mercados imobiliários.
A cidade modelo desse novo urbanismo higienista foi a Paris da segunda
metade do século XIX, quando o Barão George-Eugène Haussmann (1809-
1891)2, prefeito e urbanista, começou uma renovação da cidade com objetivos
militares, de salubridade e estéticos. Foi nessa época que os grandes bulevares
parisienses foram implantados, criando um padrão estético replicado ao redor do
mundo.
No Brasil já virando o século XX e influenciado pelo modelo
haussmanniano de Paris, onde estudou nos anos 1850, o engenheiro Francisco
Pereira Passos (1836-1913) (PINHEIRO, 2015) iniciou seu famoso “bota abaixo”
na cidade do Rio de Janeiro, então Capital Federal. A renovação da cidade
começou quando tomou posse como prefeito, em 1902. Foram necessárias
diversas desapropriações de imóveis e remoção de moradores do Centro, além
do arrasamento de morros para abrir novas vias como a Avenida Central, e
construir edifícios luxuosos, como o Theatro Municipal, todos inspirados na
arquitetura e urbanismo franceses. No entanto, a transformação do Rio de Janeiro
na “Paris tropical” teve consequências sociais e ambientais, uma vez que o rígido
traçado do urbanismo francês interrompeu os fluxos naturais da paisagem e as
remoções contribuíram para as primeiras ocupações pela população em encostas,
criando as primeiras favelas da cidade, como por exemplo o Morro da Providência
(Fig. 3).
2
(BRITANNICA, THE EDITORS OF ENCYCLOPAEDIA, 2019)
Figura 3 – Morro da Providência e o Bairro de Santo Cristo no início do séc. XX
3
De acordo com o Artigo 1º da Resolução nº 001, de 23 de janeiro de 1986, do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), Impacto Ambiental é: "qualquer alteração das
propriedades físicas, químicas, biológicas do meio ambiente, causada por qualquer
forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que afetam: A saúde, a
segurança, e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; A biota; As
condições estéticas e sanitária ambientais; A qualidade dos recursos ambientais".
O estilo de vida é impactado por esse paradigma urbano. As pessoas,
estimuladas a consumir sempre mais e acostumadas ao conforto oferecido pelos
inúmeros serviços que chegam a elas facilmente nas cidades, já não se veem
parte da natureza. Muitas desconhecem, por exemplo, a produção e a origem do
alimento, consumindo altas quantidades de produtos ultra processados,
prejudicando sua saúde e sem reconhecer a importância dos ecossistemas nisso,
além dos impactos que suas escolhas diárias causam no mesmo.
A vida nos espaços públicos influenciada pelo paradigma urbano baseado
no consumo tem sido reduzida ao simples ir e vir (ao trabalho ou a serviços) dentro
de veículos individuais climatizados artificialmente ou em horas intermináveis em
transportes públicos precários. Mesmo aos que resistem e decidem fazer trajeto a
pé, a cidade não se mostra amigável ao oferecer ambientes inóspitos, quentes,
poluídos e sem atratividade para seus habitantes caminharem, colocando suas
vidas em risco entre os veículos que passam em alta velocidade. Jane Jacobs
aborda este aspecto em sua obra ao afirmar que “a cidade reurbanizada despreza
a função da rua e, com ela, necessariamente a liberdade da cidade” (JACOBS,
1960, p. 52).
A qualidade dos espaços públicos urbanos também é impactada
indiretamente pelas alterações climáticas em escala global e diretamente por
alterações no ambiente em escala local. A ocupação do território por construções,
a atividade industrial e a poluição gerada por veículos e consumo de energia
tornam as cidades grandes emissores de GEE e causadores da mudança
climática nas duas escalas.
No caso do Rio de Janeiro, localizado em região tropical, a concentração
de calor causado pela urbanização intensa, é um dos efeitos mais significativos
sobre a população. A temperatura da região já é naturalmente quente, ao ocupar
o espaço físico intensamente de forma a melhor aproveitá-lo, as habitações
urbanas se aglomeram verticalizadas, em estruturas de concreto e aço impedindo
a circulação adequada de ar e concentrando energia térmica. Somado a isso, há
os veículos com motores à combustão circulando pela cidade, liberando calor e
gases poluentes, além da extensa cobertura do solo urbano por asfalto e concreto
(materiais que absorvem calor) e a baixa porcentagem de áreas verdes. De acordo
com a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (2016), 48,6 % do solo do município
é ocupado por áreas urbanizadas.
A intensa atividade geradora de GEE e o alto índice de áreas
mineralizadas, provocam um desequilíbrio ambiental e físico. O balanço de
energia é alterado, provocando uma mudança climática em escala local e fazendo
as temperaturas aumentarem, como é explicado por Lucena et al. (2012) em sua
obra, em que também apresentam mapas sobre a evolução da temperatura da
superfície continental (TSC) na Região Metropolitana do Rio de Janeiro da década
de 1980 à década de 2000 (Fig. 4, 5 e 6).
6–
Figura 5 Mapa da
- Mapa da TSC
TSC na
na RMRJ
RMRJ na
na década
década de
de 2000
2000
4
Impurezas no ar que se originavam pela proximidade com pessoas e animais doentes, dejetos, e
material orgânico em decomposição. Associadas na época à pântanos e áreas alagadas naturais,
vistas como poluídas e impuras.
paisagem, foram ocupados pela cidade e substituídos por edifícios, calçadas de
concreto e ruas asfaltadas, interrompendo os fluxos naturais da paisagem.
Aliado ao cenário de alteração morfológica, os problemas de saneamento
nas cidades foram responsáveis pela deterioração da qualidade da água dos rios
urbanos. De acordo com Rolnik apud Gorski (2010, p. 62), tendo dificuldade de
acesso às áreas centrais, a população de baixa renda passou a ocupar e expandir
a periferia, invadindo áreas de proteção de mananciais. Assim, a situação de risco
dos rios foi agravada nas questões de erosão, assoreamento e contribuição de
esgoto in natura em suas águas.
O processo de impermeabilização através da redução de vegetação e
expansão de áreas pavimentadas das bacias provocado pela ocupação urbana
(ordenada ou não) aumenta o volume e a velocidade das águas, provocando o
rápido escoamento superficial que dificulta ainda mais a infiltração das águas no
solo, e facilita o carregamento de sedimentos e poluição difusa que contribuem
para o assoreamento e degradação de qualidade das águas dos corpos hídricos.
O processo de poluição difusa se dá quando as chuvas, após captarem a poluição
do ar, varrem a superfície urbana contaminada por lixo, resíduos orgânicos, metais
pesados e sólidos, transportando-os diretamente para os rios (TUCCI, 2003).
A alta impermeabilização interrompe o fluxo hidrológico natural de
escoamento superficial e impede a infiltração e armazenamento de água no solo
e subsolo. Esse processo, aliado à supressão de vegetação e diminuição de
retenções superficiais contribui para o aumento e o adiantamento do volume e
vazão das águas acumuladas nas superfícies urbanas (pico de cheia),
concentrando um grande volume de águas nas tubulações e canais de drenagem
tradicional, que não comportam tamanho volume e extravasam causando
enchentes e inundações.
Em um ambiente não urbanizado, o volume de escoamento não se
acumula, pois, os componentes do ambiente como vegetação, relevo e solo
trabalham em conjunto para interceptar, deter e infiltrar a água de maneira lenta e
distribuída por toda a bacia, fazendo com que o volume de escoamento tenha uma
menor acumulação e seja melhor distribuído ao longo do tempo (Fig. 8) (MIGUEZ,
REZENDE e VERÓL, 2015).
Figura 8 – Gráfico de Volume de Escoamento ao longo do tempo
5
Tradução do autor
Departamento de Planejamento Urbano e Ambiental da Universidade de Virgínia,
uma “cidade biofílica” é definida da seguinte forma:
6
Tradução do autor
ser considerado como um conceito guarda-chuva para todas as aplicações
relacionadas ao capital natural e de “aprendizagem com a natureza” (BARTON,
2016; POSTCHIN et al., 2016).
A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) define as
SbN como ações para proteger, gerenciar de forma sustentável e restaurar
ecossistemas naturais ou modificados que abordam os desafios sociais de forma
eficaz e adaptável, simultaneamente provendo bem-estar humano e benefícios
para a biodiversidade (COHEN-SHACHAM et al., 2016). A IUCN destaca que as
SbN não apenas almejam resolver problemas ou impactos ambientais, mas que
também abordam explicitamente desafios sociais. A IUCN ainda define os
seguintes princípios para intervenções de SbN:
Fonte: Adaptado de Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. Benefits of
urban trees. Disponível em: <http://www.fao.org/3/a-c0024e.pdf> Acesso em: 22/06/2019
Fonte: Adaptado pelo autor a partir de RUTHERFURD et al., 2000 apud. MIGUEZ, REZENDE e
VERÓL, 2015. p. 176
Fonte: Adaptado pelo autor a partir de SIMONS, 1977 apud. MIGUEZ, REZENDE e
VERÓL, 2015. p. 107
Para a aplicação dessas medidas em ambientes urbanizados, diante da
ineficiência do sistema de drenagem tradicional baseado na simples e rápida
remoção de água das áreas impermeabilizadas (velocidade de escoamento), é
importante pensar em um novo sistema de manejo das águas pluviais na bacia
para o sucesso de uma RFU. Especialmente na busca de uma cidade mais
biofílica, é necessário pensar em abordagens ecossistêmicas, baseadas na
natureza, e que considerem igualmente objetivos ecológicos, econômicos e
sociais. Trata-se de uma adaptação da cidade de modo a melhorar as funções
ecológicas ou até restaura-las. Quando considerados, de maneira geral, os
ecossistemas no planejamento urbano ou de drenagem, “é menos provável que
as ações possam prejudicar o próprio ecossistema ou a saúde humana”
(ONTARIO, 1993)7.
7
Tradução do autor
Muitos conceitos foram criados para designar os conjuntos de técnicas de
drenagem urbana que consideram os aspectos ecológicos ou que propõem
soluções baseadas na natureza. Entre esses, destaca-se para este trabalho o
conceito de LID – Low Impact Development (Desenvolvimento de Baixo Impacto),
pois, segundo a publicação da University of Arkansas (2010), oferece técnicas de
engenharia leve, e baseadas em vegetação, para recuperar ou sustentar o regime
hidrológico original, antes do desenvolvimento urbano de uma região. A proposta
do LID é, em oposição ao sistema convencional de escoamento, remediar “o
escoamento superficial poluído através de uma rede de paisagens de tratamento
distribuídas” (UNIVERSITY OF ARKANSAS, 2010, p. 22)8.
Um dos mais significativos problemas enfrentados pelos rios urbanos, é a
poluição difusa, como já mencionado, podendo ser atribuída em parte a falhas nos
sistemas de coletas de esgoto, e em parte à poluição carreada pelo escoamento
em superfícies impermeabilizadas na paisagem urbana. Segundo University of
Arkansas (2010), os sedimentos depositados sobre as superfícies das bacias
urbanas e carregados pela chuva para os rios, são extremamente poluentes
contendo resíduos de hidrocarbonetos, óleos, gasolina, fluidos mecânicos,
partículas asfálticas, metais pesados, entre outros. A mesma publicação afirma
que o escoamento da primeira hora de uma chuva “possui um índice de poluição
maior que o de esgoto in natura” (p. 26)9.
Com este cenário, a proposta desta abordagem para a drenagem urbana
é significativa, uma vez que a abordagem tradicional não consegue solucionar
esses problemas. Além da proposta de reduzir o índice de poluição do
escoamento urbano, o LID ainda propõe trabalhar com os princípios de
redundância, resiliência e distribuição, com tipologias aplicáveis em diversas
escalas – edifícios, lote, ruas e espaços abertos – com técnicas de infiltração,
retenção, detenção, filtração e tratamento. Abaixo são listadas algumas tipologias
de equipamentos propostos pela abordagem LID (UNIVERSITY OF ARKANSAS,
2010):
• Reservatórios em Lote
• Paredes/Tetos vegetados
• Jardins de Chuva
• Pavimentação Permeável
8
Tradução do autor
9
Tradução do autor
• Biovaletas
• Canteiros Pluviais
• Lagoas de Retenção e Detenção
• Caixa de Árvore Filtrante
• Tubulação Superdimensionada
Destaca-se ainda, além das tipologias da abordagem LID, a preservação
e a recuperação de áreas vegetadas no tecido urbano. Dado o potencial da
vegetação de reter, filtrar e absorver água pluvial, além da capacidade de liberar
grande parte através da evapotranspiração, áreas verdes e a arborização urbana
são ferramentas de elevada importância para uma RFU, caracterizadas como
medidas estruturais extensivas (MIGUEZ, REZENDE e VERÓL, 2015, p. 107).
Dentro das questões socioculturais do tema, para a RFU ter sucesso em
sua aplicação, também é fundamental a reconexão dos cidadãos com o rio. O que
hoje é um elemento indesejado ou ignorado na paisagem deve passar a resgatar
uma memória afetiva, e ser adotado pela comunidade envolvida. Os rios sempre
fizeram parte da história das cidades, ajudando a definir as características
socioeconômicas e espaciais das mesmas (GORSKI, 2010).
Posto este contexto sobre o tema deste capitulo, este trabalho se estrutura
sobre o quadro conceitual que uma efetiva Requalificação Fluvial Urbana deve
sempre tomar a bacia hidrográfica urbana como unidade básica de planejamento
e referência, deve valorizar e integrar a comunidade no processo e deve ter uma
abordagem ecossistêmica para restaurar os fluxos naturais da região no
gerenciamento de águas pluviais. Além disso é importante que as soluções
propostas combinem abordagens ecossistêmicas com as abordagens tradicionais
para um funcionamento efetivo das intervenções na drenagem urbana em busca
de melhores resultados para o ambiente natural e construído.
Seu rio principal, o Comprido, nasce em uma área de mata nativa na Serra
do Sumaré, na elevação 590m e percorre 4,5 km até o Canal do Mangue, onde já
deságua sob a influência do sistema de marés da Baía de Guanabara.
Ao longo de seu trajeto, o rio Comprido recebe as águas de três rios
tributários (Fig. 15): o córrego Bananal, que corre sob a Rua do Bispo vindo
também do Sumaré; o córrego chamado popularmente de Canal da Chácara, que
nasce em Santa Teresa, descendo paralelo à Rua Barão de Petrópolis e por fim
seguindo sob a Rua Campos da Paz; e um tributário sem nome que tem sua
nascente no alto da Rua Aureliano Portugal e chega ao rio Comprido sob a Rua
Sampaio Viana.
Figura 15 - Bacia do Rio Comprido e Tributários
Fonte: Instituto Pereira Passos; SMAC/Prefeitura da Cidade do Rio De Janeiro; LHC – Coppe/UFRJ
O bairro tem pouco de sua história registrada, mas sabe-se que é um dos
mais antigos bairros da cidade e que tem sua origem na época colonial, nas
antigas freguesias do Engenho Velho e do Espírito Santo (SANTOS, 1965 apud
de MARTINS, 2015). O local era considerado como interior, já que a a cidade era
apenas um núcleo urbano localizado no atual bairro do Centro.
Essa era uma região de grandes fazendas e engenhos pertencentes à
pessoas abastadas, incluindo condes e viscondes da época que iam atrás de um
clima ameno proporcionado pela proximdade com o Maciço da Tijuca (Fig. 19).
No entanto, a presença dos rios na região, como o Comprido, talvez tenha sido o
principal fator para atrair os engenhos para a área, já que a produção era garantida
pelo abastecimento hídrico (SIQUEIRA, 2013).
10
Tradução do autor
era de o mesmo ser o principal motivador da depreciação do bairro. Porém, ao
concluir seu trabalho, Martins constata que atualmente para os moradores o
viaduto deixou de ser o fator determinante para a degradação do espaço urbano,
passando a ser apenas mais um agravante somado a outros fatores, como a o
aumento da violência e o desinteresse do poder público. Assim não é possível
relacionar a condição atual de estagnação do bairro do Rio Comprido
exclusivamente à presença do elevado, mas sim à ausência do poder público e à
falta de intervenções que possam melhorar este espaço.
Em relação ao aspecto ambiental de funcionamento hidrológico, as
questões são outras. Com a presença do elevado, e a Av. Paulo de Frontin
configura-se o contexto de “avenida beira-rio” abordado por Gorski (2010) ou
“avenida canal” como é conhecido popularmente, onde a adoção das margens do
rio como área de expansão do sistema viário automobilístico suprime as funções
ecológicas do rio e compromete sua qualidade ambiental. Nesse cenário, o
contexto problemático da drenagem urbana é agravado, devido à alta
impermeabilização das margens pelas vias construídas nas laterais e sobre o rio.
As superfícies ficam cobertas de poluentes advindos dos automóveis e, quando
chove, são lavadas e toda essa poluição difusa é levada para o rio (Fig. 26)
impactando diretamente na qualidade da água, já muito prejudicada pelo
lançamento de esgoto in natura e de resíduos sólidos.
Fonte: Facebook
A alteração morfológica sofrida pelo rio Comprido ao ser canalizado,
agrava problemas de inundações em sua bacia (Fig. 24). Na região são
registrados diversos problemas anuais do tipo, sendo a área da Rua do Matoso o
ponto mais crítico (PCRJ, 2015). Esses eventos geram prejuízos para a população
local, e podem ser consideradas como um dos fatores para degradação urbana.
(GUIMARÃES, et al., 2018)
As condições urbanas da bacia do rio Comprido também não são
favoráveis à otimização da drenagem urbana, e contam com grandes alterações
na paisagem natural. A presença de vegetação concentra-se, principalmente nas
áreas de encostas e o espaço urbano apresenta grandes áreas impermeabilizadas
onde há o predomínio da presença dos veículos e condições não ideais para os
pedestres e para a vitalidade urbana.
As alterações das funções ecológicas e ecossistêmicas do ambiente
causadas pela expansão urbana e erradicação de espaços naturais gerou
diversos impactos negativos sobre a sub-bacia do Rio Comprido e ao longo do
seu principal rio, tendo consequências ambientais e socioculturais, como exposto
nos capítulos anteriores. Além disso, os desafios das incertezas do cenário de
mudanças climáticas podem agravar a situação.
Neste capítulo são apresentadas estratégias para o aumento da resiliência
da bacia estudada, preparando-a para absorver impactos e manter suas funções,
se adaptando. As estratégias são elaboradas como diretrizes, funcionando como
orientações iniciais de medidas e projetos a serem implementados na área de
estudo visando mitigar as externalidades negativas da urbanização. Tais diretrizes
propõem não apenas uma melhoria ambiental do rio, mas também um aumento
da vitalidade urbana e qualidade de vida na cidade ao redor, tendo como base os
conceitos de Requalificação Fluvial Urbana, Cidades Biofílicas com Soluções
Baseadas na Natureza e Caminhabilidade e Vitalidade Urbana apresentados
anteriormente.
É importante destacar que o contexto urbano ao redor do Rio Comprido
configura uma situação problemática do ponto de vista de uma possível
requalificação fluvial. Seu entorno é altamente antropizado, com duas pistas de
uma via arterial ao longo de suas margens, leito impermeabilizado, águas poluídas
e tudo coberto por uma via expressa elevada. São muitos elementos interferindo
sobre o rio que tornam qualquer intervenção uma tarefa complexa e cheia de
considerações.
A intenção deste trabalho não é ditar qual a solução para uma recuperação
fluvial do rio Comprido. O papel a desempenhar é de considerar possiblidades e
oferecer possíveis estratégias para melhorar a situação atual. Dessa maneira, a
requalificação fluvial no rio Comprido deve ser pensada em um sentido mais
amplo, como um instrumento para auxiliar no controle de cheias, aumentar a
resiliência da cidade com menos dependência de manutenção e melhorando as
condições ecológicas do fluxo de água, e promovendo a gestão sustentável de
águas urbanas.
A presença do Elevado Engenheiro Freyssinet, é um fator complicador
para qualquer intervenção proposta, especialmente intervenções paisagísticas
baseadas na natureza e que dependem de iluminação natural para funcionar. Os
impactos de poluição gerados pelo elevado também são fatores muito limitantes
quanto à atração e permanência de pedestres. Há um consenso entre população
e ativistas do bairro que para melhorar o local, é necessária a demolição do
elevado, a exemplo do caso do Elevado da Perimetral demolido em 2014.
Não há dúvidas que um ambiente sem o elevado apresentaria uma
qualidade de espaço melhor (MARTINS, 2015). Entretanto, não é objetivo deste
trabalho definir se seria ou não necessária a demolição do viaduto, até mesmo
pela alta complexidade do caso, envolvendo uma revisão do sistema de
transportes a nível metropolitano.
Desse modo, trabalha-se considerando que há várias soluções que podem
ser adotadas para mitigar os impactos do equipamento sem envolver sua
demolição. O mais importante é que qualquer que seja a solução, ela contemple
a participação dos usuários afetados (participação popular) e a condição
econômica de cada lugar, como determina o Estatuto das Cidades (Lei Federal
nº10.257/2001) para uma cidade mais justa e democrática (MARTINS, 2015).
Dentro das abordagens de requalificação fluvial, o conceito de remediação,
definido por Miguez, Rezende e Veról (2015) em sua obra se mostra mais
adequado à situação do rio Comprido. Os autores definem remediação como uma
tentativa de desenvolvimento de uma nova condição de equilíbrio, não
necessariamente igual ao estado original do rio; já que as alterações são tão
drásticas e profundas, que a condição original do rio Comprido não é mais
relevante.
Por isso é necessária uma abordagem mais ampla – especialmente na
questão do manejo de águas pluviais – afim de encontrar medidas de controle de
escoamento na fonte, distribuídas pela bacia hidrográfica urbanizada do rio
Comprido (MIGUEZ, REZENDE e VERÓL, 2015). Esta abordagem baseia-se nos
princípios de ecologia da paisagem, tomando a bacia hidrográfica como a unidade
básica de planejamento ambiental, já que é um sistema complexo que abrange os
diversos fluxos da natureza relacionados ao sistema do rio incluindo fatores
bióticos, hidrográficos e antrópicos. Esta adoção da bacia hidrográfica como
unidade de planejamento, encontra apoio a nível nacional através da Lei nº
9433/1997 que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos.
Sendo o rio principal da bacia, e exercendo papel fundamental na
drenagem da região além de ser também um eixo de referência na paisagem
urbana, o Comprido é tomado como um estruturador deste estudo agindo como
um catalisador para melhoria urbana. A partir dessa decisão, e levando em
consideração o contexto do ambiente ao longo do percurso do rio, para fins de
direcionar e entender melhor a região, foi definida uma divisão da bacia em três
trechos ao longo do rio: Alto rio Comprido (Trecho 1); Médio rio Comprido (Trecho
2); e Baixo rio Comprido (Trecho 3). A divisão em trechos permite explorar melhor
as características e potencialidades de cada um, sendo caracterizados de acordo
com o Quadro 02, na página seguinte.
Em relação as outras áreas da bacia, em especial aos rios tributários, a
abordagem de estudo é feita considerando dois padrões de áreas percorridos
pelos cursos d’água: trechos de encosta sendo próximos às nascentes e acima
do limite de cota 50m; e trechos de áreas urbanizadas, mais próximas ao rio
principal, abaixo da cota 50m.
Qualquer estratégia para requalificar o rio Comprido deve considerar os
conceitos ambientais de uma cidade biofílica – valorização da natureza e
biodiversidade – objetivando a busca de uma melhor qualidade de vida,
melhorando seus aspectos estéticos e naturais, e por consequência, revitalizando
o espaço urbano ao seu longo. Requalificar se torna um objetivo ambiental, no
sentido de que um melhor estado geral do rio Comprido pode agregar valor à
sociedade oferecendo atividades de recreação e lazer, e permitem a preservação
da natureza e da biodiversidade (MIGUEZ, REZENDE e VERÓL, 2015).
Quadro 2 - Localização e Características dos Trechos de Estudo
Por ser o trecho em que o rio se encontra mais próximo ao seu estado
original, não se fazem necessárias intervenções de grandes medidas estruturais
intensivas. Porém, considerando a mitigação dos efeitos que podem ocorrer mais
à jusante, destaca-se a potencialidade de implantação de um reservatório de
detenção neste trecho. Para isso, a área final do trecho, próximo à entrada do
Túnel Rebouças, possui potencial por oferecer área física e assim poder mesclar
a infraestrutura viária a esta medida estrutural de drenagem em seu subsolo.
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Estrutura armada consistida em gaiolas metálicas de fios de aço galvanizado com formatos de
caixa e preenchidas por seixos ou pedras britadas de diversos tamanhos.
• Intensificar a arborização ao longo da Av. Paulo de Frontin, usando
maior diversidade de espécies nativas, estimulando a formação de
um corredor ecológico, atraindo biodiversidade, melhorando o
microclima e a estética local, mitigando impactos dos veículos e
estimulando a biofilia;
Fonte: Adaptado de GUIMARÃES et al., 2018, p. 82; IPP; Google, LHC – COPPE/UFRJ
Figura 30 - Exemplo de espaço público
adaptado na Rua Haddock Lobo
Fonte: Google Earth; IPP; LHC – COPPE/UFRJ; REZENDE, 2018; COPETTEC, 2000