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A Santidade do Culto
REV. HERMISTEN MAIA PEREIRA DA COSTA

INTRODUÇÃO:

O Deus a quem adoramos é santo. A sua natureza e o Seu nome são santos! M a-
ria, jubilosa, canta: O Poderoso me fez grandes cousas. Santo é o seu nome (Lc
“   ”  

1.49).

Jesus Cristo, na oração sacerdotal, diz: Pai Santo  (Jo 17.11). O Santo de Deus,
“   ”  

Que conhece de forma totalmente diferente ao Pai (Mt 11.27/Jo 17.25), que mantém
uma relação eterna dentro da economia trinitária, reconhece em Seu Pai eterno a
santidade e em Sua relação íntima e decisiva, realça esta perfeição de Deus:   Pai
Santo!
Portanto, quando nos aproximamos de Deus, devemos buscar nEle a purificação
de nossa vida, o perdão de nossos pecados. Ele é santo, nós somos pecadores; há
uma distância qualitativa intransponível entre Deus e nós; no entant o, por Sua mise-
1
ricórdia em Cristo, podemos nos aproximar confiadamente, dizendo: Pai nosso . “   ”  

Isto nos leva a pensar que devemos examinar as nossas petições e as motivações
que as cercam. Ousar íamos pedir qualquer coisa indiscriminadamente, ao “Pai san-
to”? Devemos purificar os nossos desejos para que as nossas petições reflitam um
coração transformado, que luta por uma santidade de vida... Nós temos por Pai um
Deus santo, puro, que não pode conviver com a imundícia do pecado. Um pedido
impuro, pecaminoso, é um atentado à Sua natureza santa.

A Sua Palavra que nos instrui é santa: Falou Deus na Sua santidade , diz o sal-
“   ”  

mista (Sl 60.6). Quando oramos, o fazemos em nome de Jesus Cristo, aquele que é
Santo: Sumo sacerdote (...) santo, inculpável, sem mácula (Hb 7.26). Por isso, as
“   ”  

nossas orações devem ser dirigidas pela Palavra de Deus; orar fora da Palavra é a l-
go extremamente perigoso: Nós oramos a um Deus santo, no nome do Filho que é
santo. Orar em nome de Jesus é dizer ao Pai que o Seu Filho eterno, o nosso irmão
mais velho, subscreveu o que estamos dizendo. Orar no nome de Jesus significa a
confiança única e exclusiva na suficiência de Seus méritos. A nossa oração não p o-
de ser uma diminuição da santidade de Cristo. Como bem compreendeu Pink, ao
escrever: Solicitar algo a Deus, em nome de Cristo, quer dizer solicitar-lhe al-

go em harmonia com a natureza de Cristo! Pedir algo em nome de Cristo, a


1
Ele é o grande, todo-poderoso e eterno Pai, mas Se fez nosso Pai em Cristo [D.M Lloyd-
“ ”

Jones, Salvos desde a Eternidade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Cert e-
za Espiritual: Vol. 1), p. 23].
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Deus Pai, é como se o próprio Cristo estivesse formulando a petição. Só po-


demos pedir a Deus aquilo que Cristo pediria. Pedir em nome de Cristo, pois,
significa deixar de lado nossa vontade própria, aceitando a vontade do Se-
nhor! .2 ”

Este princípio é válido para todo o culto: Nós cult uamos a Deus por intermédio de
Jesus Cristo. O Pai, o Filho e o Espírito são santos.

1. ESCOLHIDOS PARA ADORAR:


Paulo em sua maravilhosa doxologia (Ef 1.3-14), declara que Deus nos tem a-
bençoado continuamente em Cristo. Ele bendiz a Deus com uma expressão de ação
de graças, considerando as bênçãos de Deus que recebemos  por Cristo: que nos “  

tem abençoado (eu)logh/logh/saj) (3). O particípio aoristo (eu)logh/saj), indica dentro


”  

deste contexto, um fato consumado e a ação continuada de Deus. Podemos inte r-


pretar que Deus na eternidade já nos abençoou definitivamente; a sua bênçã o é
completa; todavia, ela é-nos comunicada constantemente através da história. Essas
bênçãos são multifacetadas:
multifacetadas: toda sorte  (pa/sh), na realidade, “todas” e “cada” bên-
“   ”  

ção que temos, sem exceção, provém do Senhor. As regiões celestiais (e)n toi=j
“   ”  

3
e)pourani/oij = lit. “dos céus”, “celestiais”)  indicam a procedência das bê nçãos. Elas
provêm de Deus, o Pai que habita os céus (Mt 6.9) e, para onde Ele mesmo nos l e-
vará (2Tm 4.18). Devemos estar atentos ao fato de que tudo que temos provém de
Deus, através d e Cristo, sendo comunicado pelo Espírito. De modo especial o texto
destaca algumas dessas bênçãos: a eleição (4 -5), a redenção (7), o selo do Espírito
(13-14). Portanto, é uma tentação muito grave, ou seja, avaliar alguém o

amor e o favor divinos segundo a medida da prosperidade terrena que ele


alcança .4 As bênçãos são espirituais porque se originam em Deus, sendo -nos

comunicadas pelo Espírito. Essas bênçãos relacionam -se diretamente ao ministério


de Cristo, que é celestial (2Tm 4.18), tendo um alcance có smico (Ef 3.10). Isso tam-
bém denota a nossa nova condição: Deus nos fez assentar nos lugares celestiais
“  

(e)pourani/oij)  (Ef 2.6) juntamente com Cristo (Ef 1.20). Essa realidade é altamente
”  

estimulante: cada bênção de Deus, o Seu cuidado mantenedor e pres ervador consti-
tui-se na administração de Sua graça, concedida em Cristo Jesus desde a eternid a-
de. Devemos então, considerar que, se desejamos refrear nossas paixões, de-

vemos recordar que todas as coisas nos têm sido dadas com o propósito de
que possamos conhecer e reconhecer o seu autor  .5 ”

Considerando essas bênçãos, que ultrapassam em muito a nossa capac idade de


pensar, sentir ou imaginar (Ef 3.20), devemos buscar o reino de Deus (Mt 6.33); as

2
A.W. Pink, Deus é Soberano, São Paulo: FIEL., 1977, p. 134.
3
E)poura/nioj: Mt 18.35 (variante textual); Jo 3.12; 1Co 15.40,48,49; Ef 1.3,20; 2.6; 3.10; 6.12; Fp
2.10; 2Tm 4.18; Hb 3.1; 6.4; 8.5; 9.23; 11.16; 12.22.
4
 João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1, (Sl 17.14), p. 346.
5
João Calvino, A
Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo: Novo Sé culo, 2000, p. 72.
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coisas lá do alto onde Cristo está à direita de Deus (Cl  3.1).


“   ”  

Tudo que temos é “em Cristo”. Vê-se então que a fé nos ensina que todo o

bem que nos é necessário e que em nós mesmos não existe está em Deus e
em Seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, em quem o Senhor constituiu toda a
plenitude das Suas bênçãos e da Sua liberalidade .6 Neste texto, Ef 1.3-14, há

pelo menos doze referências diretas a Cristo, indicando a verdade de que, fora de
Cristo nada somos e nada temos; Ele é o fundamento da Igreja. Junt amente com os
dons celestiais, Cristo dá-se a Si mesmo por nós (Rm 8.32). A eleição tem um sent i-
do escatológico: é da eternidade para a eternidade em santificação: até que a nossa
7
salvação seja consumada na glorificação.

Paulo inicia a doxologia bendizendo a Deus, demonstrando que Deus é di gno de


ser bendito. A palavra bendito, ( Eu)loghto\j = “louvado ”, “bem-aventurado”) (Hebrai-
co: Baruk; Latim: Benedictus) ocorre 8 vezes no Novo Testamento e é sempre us ada
8
para Deus (Mc 14.61; Lc 1.68; Rm 1.25; 9.5; 2Co 1.3; 11.31; Ef 1.3; 1Pe 1.3).  A fra-
seologia desta saudação, também empregada em 2Co 1.3, assemelha -se à de Pe-
dro em 1Pe 1.3. Na Epístola aos Coríntios, Paulo bendiz a Deus considerando o fato
de que é Ele quem nos conforta em toda a nossa tribulação; Pedro, bendiz a Deus
considerando a nossa regeneração efetuada pela misericórdia de Deus, para que
tenhamos uma viva esperança através da ressurreição de Cristo. Em Efésios, Paulo,
contemplando a extensão da obra do Deus triúno de eternidade a eternidade efet u-
9
ando a nossa eleição, dá graças a Deus. (Ver o Salm o 103).

Paulo diz que Deus, o Pai, tem, através da história, manifestado as suas bênçãos
eternas para conosco  – Paulo, os efésios e todos os santos em todos os tempos  –
nas regiões celestiais em Cristo Jesus. Notemos aqui, que Deus é Pai do nosso “  

Senhor Jesus Cristo  (path\r tou= kuri/ou h)mw=n )Ihsou= Xristou=).


”  

Paulo dá graças a Deus considerando então as bênçãos de Deus derramadas


sobre o seu povo: No passado: (Eleição) (Ef 1.3,4); No presente: (Redenção) (Ef
1.7); No futuro: (Posse definitiva da vida eterna) (Ef 1.12-14).

O mesmo Espírito que nos abençoa, orienta -nos em nossa adoração, a fim de
que ofereçamos a Deus «hinos e cânticos espirituais» (Ef 5.19), conforme acentuou
Old: Os hinos e salmos que são cantados na adoração sãos músicas espiri-

tuais, isto é, elas são as músicas do Santo Espírito (Atos 4.25; Ef 5.19) .10 (Ver: Cl ”

3.16).

Paulo bendiz a Deus contemplando a extensão da obra do Deus triúno de etern i-

6
 João Calvino, As Institutas, (1541), III.9.
7
 Vd. J. Calvino, As Institutas, III.22.10.
8
 Na Septuaginta, a única vez que a palavra é usada para referir -se ao homem é em Gênesis 24.31.
9
Ver: R.C.H. Lenski, The Interpretation of St. Paul´s Epistles to the Ephesians,  Peabody, Massachu-
setts: Hendrickson Publishers, 1998, (Ef 1.3), p. 349.
10
Hughes Oliphant Old, Worship: That Is Reformed According to Scripture, Atlanta: John Knox Press,
1984, p. 6.
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dade a eternidade efetuando a nossa eleição. Os eleitos bendizem a Deus pelo que
Ele é e pelo que Ele fez por nós. A gratidão deve nortear o nosso relacionamento
com Deus. Não há um caminho mais direto (à gratidão), do que o de tirar-

mos nossos olhos da vida presente e meditar na imortalidade do céu .11 ”

Deus deve ser sempre o alvo de nossa adoração sincera, resultante de um cor a-
ção consciente e agradecido, que reconhece a Sua Glória e os Seus atos salvad ores
e abençoadores (2Ts 2.13/Ef 5.20). Comentando o Salmo 6, Calvino assim se e x-
pressa: Depois de Deus nos conceder gratuitamente todas as coisas, ele

nada requer em troca senão uma grata lembrança de seus benefícios .12 ”

Fomos eleitos por Deus na eternidade para que O adoremos. Portanto, no culto a
igreja vivencia o propósito de sua eleição: o fim principal do homem é glorificar a
Deus! A igreja é a comunidade de adoradores que se congrega para testemunhar
publicamente os atos graciosos de Deus.

2. O HOMEM PERANTE DEUS:


Com que me apresentarei ao Senhor?   (Mq 6.6). Esta certamente é a grande
“   ”  

pergunta com a qual todo o ser humano se deparará um dia. O homem foi criado p a-
ra se relacionar com o Seu Criador. Deus ao criar o homem conferiu-lhe uma identi-
dade própria que o distinguiria de toda a criação. Enquanto os outros seres criados
(peixes, aves, animais domésticos, animais selváticos, etc.) o foram conforme as s u-
as respectivas espécies. O homem, diferentemente, teve o seu modelo no próprio
Deus Criador  – Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, confor-
“  

me a nossa semelhança....   (Gn 1.26); e vos revistais do novo homem, criado se-
”   “  

gundo Deus....  (Ef 4.24)  – sendo distinto assim, de toda a criação, partilha ndo com
”  

Deus de uma identidade desconhecida por todas as outras criaturas, visto que so-
mente o homem foi criado “à imagem e semelhança de Deus ”. Somente o homem
pode partilhar de um relacionamento pessoal, voluntário e consciente com Deus. Por
isso, quando se trata de encontrar uma companheira para o homem com a qual ele
possa se relacionar de forma pessoal  – já que não se encontra em todo o resto da
criação  –, a solução é uma nova criação, tirada da costela de Adão e, tran sformada
13
por Deus em uma auxiliadora idônea, com a qual Adão se completará,  passando a
haver uma “fusão interpessoal ”, “unidade essencial ”, constituindo-se os dois uma só
14 15
carne(Gn 2.20-24; Mc 10.8),  unidos por Deus (Mt 19.6).

11
João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 73.
12
João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, (Sl 6.5), p. 129. Por sua vez, os ímpios e hipócritas

correm para Deus quando se vêem submersos em suas dificuldades; mas assim que se vêem
livres delas, olvidando seu libertador, se regozijam com frenética hilaridade  [Jo ão Calvino, O

Livro dos Salmos,  Vol. 1, (Sl 28.7), p. 608].


13
Ver: O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1997, p. 69.
14
Deu nome o homem a todos os animais domésticos, às aves dos céus e a todos os animais selvá-
“  

ticos; para o homem, todavia, não se achava uma auxiliadora que lhe fosse idônea. Então, o SE-
NHOR Deus fez cair pesado sono sobre o homem, e este adormeceu; tomou uma das suas costelas
e fechou o lugar com carne. E a costela que o SENHOR Deus tomara ao homem, transformou-a nu-
ma mulher e lha trouxe. E disse o homem: Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha car-
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Mas se o homem e a mulher se completam f ísica, psíquica e afetivamente, const i-


16
tuindo assim a vida social  – o que de fato está longe de ser isso irrelevante  –,  am-
bos têm uma matriz metafísica, transcendente: ambos procedem de Deus para vive-
rem com e para Deus. Por isso, a quest ão que permanece na tela das atenções do
homem, ainda que costumeiramente ele não saiba defini -la, é o seu encontro com
Deus. Pela perda da dimensão do eterno o homem trilha por atalhos que, quando
muito, servem como paliativos para as suas angústias, mas, que ao final, aumentam
ainda mais a sua dor e desilusão. Assim, o homem procura alento na filosofia, na a r-
te, na filantropia, na religião, na diversão, no consumo, no sexo, no trabalho e nas
drogas. Ainda que algumas dessas fugas possam ser úteis intelectual e socialme nte,
elas, por si só não resolvem a questão fundamental do ser humano: Com que me “  

apresentarei ao Senhor?  (Mq 6.6).


”  

Sem a dimensão metafísica da existência todo o nosso labor carece de sentido,


pois o sentido não é conferido intrinsecamente pelo que pensamos por nós mesmos
ou fazemos, mas em Deus, Aquele que confere significado ao nosso real. O homem
17
como uma síntese de infinito e de finito  carece de um referencial que vá além
“ ”

de si mesmo. Em outras palavras, como ser finito que é, ele não representa um

ponto de integração suficiente para si mesmo .18 Sem esse “ponto” o homem

buscará referência apenas em tendências, moda, estatísticas ou no seu “bom sen-


so”; ou seja: carecerá de absolut os. Sem absolutos a vida transforma-se em uma
“novela das oito ”: Tudo é permitido de ntro do consenso do produtor, diretor e do

grande público...

No entanto Deus existe e o homem foi criado à sua imagem e semelhança. No r e-
lato histórico da criação do hom em, encontramos o registro inspirado: "Também dis-
se Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança.... ”  

(Gn 1.26). Deus Se aconselha consigo mesmo e delibera. Aqui podemos ver a sin-
gularidade da criação do homem; em nenhum outro relato e ncontramos esta forma
19
relacional.  Conforme acentua Bavinck (1854-1921), Ao chamar à existência as

ne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada. Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une
à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne (Gn 2.20-24).
”  

Por isso, deixará o homem a seu pai e mãe e unir-se-á a sua mulher, e, com sua mulher, serão os
“  

dois uma só carne. De modo que já não são dois, mas uma só carne  (Mc 10.7-8).
”  

15
.... o que Deus ajuntou não separe o homem (Mc 10.9).
“   ”  

16
O objetivo do reino temporal é fazer que possamos adaptar-nos à companhia dos ho-

mens durante o tempo que nos cabe viver entre eles; estabelecer os nossos costumes em
termos de uma justiça civil; viver em harmonia uns com os outros; e promover e manter paz e
tranqüilidade comum. Reconheço que todas estas coisas seriam supérfluas, se o reino de
Deus, que ora se mantém em nós, anulasse a presente existência. Mas se é da vontade de
Deus que caminhemos na terra enquanto aspiramos à nossa verdadeira pátria, e se, ade-
mais, tais acessórios são necessários nessa viagem para lá, os que querem separá-los do
homem vão contra a sua natureza humana  [João Calvino, As Institutas, (1541), IV.16].

17
S.A. Kierkegaard Desespero Humano, Doença Até à Morte,  S ão Paulo: Abril Cultural (Os Pensado-
res, Vol. XXXI), 1974, p. 337.
18
 F.A. Schaeffer, O Deus que Se Revela, São Paulo: Cultura C ristã, 2002, p. 39 -40.
19
 Vd. Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p.
24.
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outras criaturas, nós lemos simplesmente que Deus falou e essa fala de Deus
trouxe-as à existência. Mas quando Deus está prestes a criar o homem Ele
primeiro conferencia consigo mesmo e decide fazer o homem à Sua ima-
gem e semelhança. Isso indica que especialmente a criação do homem re-
pousa sobre a deliberação, sobre a sabedoria, bondade e onipotência de
Deus. (...) O conselho e a decisão de Deus são mais claramente manifestos
na criação do homem do que na criação de todas as outras criaturas .20 ”

Aqui temos o decreto Trinitário que antecede o tempo e, que agora, se executa hi s-
toricamente conforme o eternamente planejado.
21
O Façamos de Deus, conforme usado em Gênesis 1.26,  indica que o homem
“   ”  

foi criado após deliberação ou consulta, como explica Calvino: "Até aqui Deus tem
se apresentado simplesmente como comandante; agora, quando ele se a-
proxima do mais excelente de todas as suas obras, ele entra em consulta".22

O fato de Deus ter criado o homem após deliberação, tem dois objetivos na co n-
cepção de Calvino (1509 -1564): 1) nos ensinar que o próprio Deus se encarregou de
fazer algo grande e maravilhoso; 2) dirigir a nossa atenção para a dignidade de no s-
23
sa natureza.  Assim, conclui ele: "Verdadeiramente existem muitas coisas nesta
natureza corrupta que pode induzir ao desprezo; mas se você corretamente
pesa todas as circunstâncias, o homem é, entre outras criaturas, uma certa
preeminente espécie da Divina sabedoria, justiça, e bondade, o qual é me-
recidamente chamado pelos antigos de microcosmos 'um mundo em minia-
tura . 24
’ ”

Davi, contemplando a majestosa criação de Deus, escreveu: Graças te dou, visto“  

que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as suas obras são admi-
ráveis, e a minha alma o sabe muito bem (Sl 139.14).
”  

É justamente pelo fato do homem ter a impressão pessoal de Deus no mais alto
grau é que ele necessita voltar -se para Deus. A nossa fome espiritual nada mais é
do que o revelar o nosso vazio e a necessidade de que ele seja preenchido com al-
go que ultrapassa as nossas possibilidades. Daí o vazio ser o tema recorrente da

20
 Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, 4ª ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1984,
p. 184.
21
he&A(an (na’aseh), qal, imperfeito.
22
John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis,  Grand Rapids, Michigan:
Eerdamans Publishing Co., 1996 (Reprinted), Vol. 1, p. 91.
23
Cf. John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis,  Vol. 1, p. 92. Cf. João
Calvino, As Institutas, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985, I.15.3.
24
John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis,  Vol. 1, p. 92. Comentando
Gênesis 5.1, Calvino diz que Moisés repetiu o que ele havia dito antes, porque a excelência e a

dignidade desse favor não poderia ser suficientemente celebrada. Foi sempre uma grande
coisa, que o principal lugar entre as criaturas foi dado ao homem [John Calvin, Commentari-

es on The First Book of Moses Called Genesis,  Vol. 1, p. 227. Vd. J. Calvino, As Institutas, II.1.1].
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25
humanidade.  Algo nos falta, somos como que um recipiente rachado que não con-
segue se completar; por isso, de certa forma podemos dizer que "o desejo é a
própria essência do homem".26  Mas, o trágico é que o que buscamos para nos
satisfazer nos escapa, a felicidade que procuramos torna-nos vezes sem conta ainda
mais frustrados. Aqui está algo desalentador: Parte da cruel ironia da existência

humana parece ser que as coisas que, em nossa opinião, iriam nos fazer feli-
zes, deixam de fazê-lo .27 "Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também

 pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que
Deus fez desde o princípio até o fim" (Ec 3.11).

Com que me apresentarei ao Senhor?  (Mq 6.6). Este texto se prop õe a respo n-
“   ”  

der esta e outras questões concernentes ao culto a Deus.

3. OUVI O SALVADOR DIZER.... FUI A JESUS E LHE ENTREGUEI :


“ ”

“Nós adoramos a Deus porque Ele


nos criou para adorá-Lo  –  Hughes Oli-

28
phant Old.

“ Todo o culto prescrito na lei não era


nada mais do que um quadro que pre-
figurava o espiritual em Cristo  – João

29
Calvino.

Normalmente quando se fala de Culto ou do seu porquê, tem-se seguido cami-


nhos desviantes da fé cristã ou, quando se localiza a trilha correta, confunde -se,
muitas vezes, o caminho da ação com o da resposta, percorrendo -se, assim, apenas
a metade da estrada, esquecendo-se da sua origem, da sua “causa primeira”. Afirmo
isto porque tenho observado que, quando o assunto é culto, amiúde tem -se partido
do ponto referente à aproximação do homem em direção a Deus, colocando, desta
forma, o ponto de partida no homem, no desejo deste em buscar a Deus, evidenci-
ando-se, embora de modo correto, a teocentricidade do Culto. Todavia, isso não é
suficiente. O culto cristão não é uma ação humana, mas sim, uma resposta; uma at i-
tude responsiva à ação de Deus que primeiro veio ao homem, revelando -Se e capa-

25
 Ver: Alister McGrath, O Deus Desconhecido: Em Busca da Reali zação Espiritual, São Paulo: Loyo-
la, 2001, p. 7.
26
B. Espinosa, Ética, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. XVII), 1973, I V.18. p. 244.
27
 Alister McGrath, O Deus Desconhecido: Em Busca da Realização Espiritual,  p. 9. Calvino (1509-
1564) comenta que .... enquanto todos os homens naturalmente desejam e correm após a fe-

licidade, vemos quão quanta determinação se entregam a seus pecados; sim, todos aque-
les que se afastam ao máximo da justiça, procurando satisfazer suas imundas concupiscên-
cias, se julgam felizes em virtude de alcançarem os desejos de seu coração [João Calvino, O

Livro dos Salmos,  São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1 (Sl. 1.1), p. 51].
28
Hughes Oliphant Old, Worship: That Is Reformed According to Scripture, Atlanta: John Knox Press,
1984, p. 1.
29
 João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 8.5), p. 207.
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citando-o a responder-Lhe. A essencialidade desta atividade é apontada pelo fato de


30 31
que é Deus mesmo Quem procura constantemente  Seus adoradores: ....vem a “  

hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e


32
em verdade; porque são estes que o Pai procura (zhte/w)  para seus adoradores ”  

30
  O verbo zhte/w na sua forma indicativa, conforme aparece em Jo 4.23, aponta para a atividade
contínua e habitual de Deus.
31
Ver: Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, São Paulo: O Semeador, 1989, p. 46 -47;
John Frame, Em Espírito e em Verdade, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 33.
32
Este verbo (92 vezes no NT), quando empregado referindo-se à ação do Pai e do Filho, em suas
poucas apari ções, tem um sentido altamente significativo. a) Jesus, o Filho, busca não a sua glória,
mas a do Pai: Respondeu-lhes Jesus: O meu ensino não é meu, e sim daquele que me enviou. Se
“  

alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se eu falo
 por mim mesmo. Quem fala por si mesmo está procurando (zhte/w) a sua própria glória; mas o que
 procura (zhte/w) a glória de quem o enviou, esse é verdadeiro, e nele não há injustiça  (Jo 7.16-18);
”  

Replicou Jesus: Eu não tenho demônio; pelo contrário, honro a meu Pai, e vós me desonrais. Eu não
“  

 procuro (zhte/w) a minha própria glória; há quem a busque (zhte/w) e julgue  (Jo 8.49-50). b) O Fi-
”  

lho busca fazer a vontade do Pai: Eu nada posso fazer de mim mesmo; na forma por que ouço,
“  

 julgo. O meu juízo é justo, porque não procuro (zhte/w) a minha própria vontade, e sim a daquele que
me enviou   (Jo 5.30). c) O Filho veio buscar o perdido: Porque o Filho do Homem veio buscar
”   “  

(zhte/w) e salvar o perdido  (Lc 19.10). Esta passagem faz eco à promessa de Deus que, através de
”  

Ezequiel, dissera: “Como o pastor busca o seu rebanho, no dia em que encontra ovelhas dispersas,
assim buscarei as minhas ovelhas; livrá-las-ei de todos os lugares para onde foram espalhadas no dia
de nuvens e de escuridão. Tirá-las-ei dos povos, e as congregarei dos diversos países, e as introduzi-
rei na sua terra; apascentá-las-ei nos montes de Israel, junto às correntes e em t odos os lugares habi-
tados da terra. Apascentá-las-ei de bons pastos, e nos altos montes de Israel será a sua pastagem;
deitar-se-ão ali em boa pastagem e terão pastos bons nos montes de Israel. Eu mesmo apascentarei
as minhas ovelhas e as farei repousar, diz o SENHOR Deus. A perdida buscarei, a desgarrada torna-
rei a trazer, a quebrada ligarei e a enferma fortalecerei; mas a gorda e a forte destruirei; apascentá-
las-ei com justiça   (Ez 34.12-16). Na Parábola da “Ovelha Perdida”, temos figura semelhante: Que
”   “  

vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas, e uma delas se extraviar, não deixará ele nos montes
as noventa e nove, indo procurar (zhte/w) a que se extraviou?  (Mt 18.12). ”  

No Antigo Testamento ao povo rebelde, distante de Deus, alheio à Aliança, Deus o conclama a
voltar-se para Ele com integridade de cora ção. Deus se deixaria achar: Buscar-me-eis e me achareis
“  

quando me buscardes de todo o vosso coração (Jr 29.13/Dt 4.29; Is 55.6). Na reforma levada a efeito
”  

por Asa  – o terceiro Rei de Judá após a divisão das tribos de Israel. Asa g overnou durante 41 anos
(c. 910-869)  –, houve esta busca sincera por Deus: Israel esteve por muito tempo sem o verdadeiro
“  

Deus, sem sacerdote que o ensinasse e sem lei. Mas, quando, na sua angústia, eles voltaram ao
SENHOR, Deus de Israel, e o buscaram, foi por eles achado (2Cr 15.3-4). O Cronista fala de várias
”  

pessoas das tribos de Israel que se juntaram a Judá com o propósito de buscar a Deus: Entraram em “  

aliança de buscarem ao SENHOR, Deus de seus pais, de todo o coração e de toda a alma (2Cr ”  

15.12). No Novo Testamento, Jesus Cristo ratifica o ensino do Antigo Testamento, estabelecendo a
prioridade do Reino e de sua justi ça: Buscai (zhte/w), pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua jus-
“  

tiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas (Mt 6.33). Temos também a promessa de enco n-
”  

trar Aquele a quem buscamos: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai (zhte/w) e achareis; batei, e abrir-se-vos-
“  

á. Pois todo o que pede recebe; o que busca ( zhte/w) encontra; e, a quem bate, abrir-se-lhe- á.” (Mt
7.7-8). No entanto, Jesus não se deixa enganar: Ele sabe da sinceridade de nosso coração e de no s-
sos verdadeiros desejos: Quando, pois, viu a multidão que Jesus não estava ali nem os seus discípu-
“  

los, tomaram os barcos e partiram para Cafarnaum à sua procura. E, tendo-o encontrado no outro la-
do do mar, lhe perguntaram: Mestre, quando chegaste aqui? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em
verdade vos digo: vós me procurais, (zhte/w) não porque vistes sinais, mas porque comestes dos
 pães e vos fartastes  (Jo 6.24-26).
”  

Paulo, considerando a liberdade crist ã em relação aos “rudimentos do mundo ”, exorta: “Portanto,
se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai ( zhte/w) as coisas lá do alto, onde Cristo vive,
assentado à direita de Deus” (Cl 3.1). De fato, como somos peregrinos neste mundo, buscamos in-
 A Santidade do Culto  – Rev. Hermisten  – 03/04/08  – 9
33
(Jo 4.23). Deus não procura líderes, “facilitadores”, mestres ou discípulos, mas
sim, adoradores. Hendriksen corretamente assevera: Não no sentido em que e-

 xistem pessoas que se tornaram esse tipo de adoradores, e que o Pai, por as-
sim dizer, os está procurando, mas sim, no sentido em que Ele procura seus
eleitos para que os tenha como tais adoradores. Sua busca é salvadora (cf.
Lc 19.10) 34 Deste modo, devemos enfatizar que a finalidade ou o propósito do
” “

evangelismo e de missões é criar um povo para adorar a Deus .35 A adoração ”

é a nossa mais importante e permanente atividade, tanto aqui como na eternidade.


Portanto, nós cultuamos a Deus não para simplesmente “evangelizar ” os incrédulos,
36
antes, para expressar em f é a nossa ador ação, louvor e gratidão.  O Culto a Deus
deve ser a atitude natural do povo de Deus em reconhecimento prazeroso de Seu
senhorio sobre a nossa exist ência e de ser Ele o originador e provedor de todas as
bênçãos celestiais que temos recebido em Cristo Jesus: Bendito o Deus e Pai de “  

nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espi-
ritual nas regiões celestiais em Cristo  (Ef 1.3).
”  

A adoração correta ao verdadeiro Deus, é uma atitude de fé, gratidão e obediê n-


cia na qual, o adorador se prostra diante do Deus que o atraiu com a Sua graça irr e-
37
sistível.  Neste ato de culto, o homem confessa sua dependência de Deus, profe s-
sando a sua fé em resposta à Palavra criadora de Deus (Jo 1.1 -3; Rm 1.16; 10.17;
38
Tg 1.18,21; 1Pe 1.23).  A Palavra de Deus é criadora porque gera a fé e, todas as
vezes que Deus fala ao homem, algo de novo acontece, o homem não pode ser
mais o mesmo, ele não pode mais ignorar este acontecimento (At 4.20). E isto, se
expressa em culto. Deus fala e o homem adora; Deus Se mostra, o homem contem-
pla; Deus abençoa, o homem louva... "De longe se me deixou ver o Senhor, dizendo:
Com amor eterno eu te amei, por isso com benignidade te atraí"  (Jr 31.3).

tensamente a cidade eterna: “Na verdade, não temos aqui cidade permanent e, mas buscamos
(e)pizhte/w) a que há de vir ” (Hb 13.14).
Lucas relata que o proc ônsul Sérgio Paulo, que ouvia a Paulo e a Barnabé, tinha grande avidez
pela Palavra: “.... o procônsul Sérgio Paulo, que era homem inteligente. Este, tendo chamado Barn a-
bé e Saulo, diligenciava (e)pizhte/w) para ouvir a palavra de Deus” (At 13.7).
33
Vd. Confissão de Fé de Westminster , IX.3,4.
34
William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004, (Jo 4.23), p. 226.
35
Terry L. Johnson,  Adoração Reformada: A adoração que é de acordo com as Escrituras,  S ão Pau-
lo: Puritanos, 2001, p. 23. Deus salva os homens para fazê-los adoradores  (A.W. Tozer, O Po-
“ ”

der de Deus, 2ª ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1986, p. 113).


36
 Vd. Michael S. Horton, O Cristão e a Cultura, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 84.
37
Vd. Confissão de Fé de Westminster , X.1,2.
38
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. E le estava no princípio
“  

com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez  ”  

(Jo 1.1-3). Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de to-
“  

do aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego  (Rm 1.16). .... a fé vem pela pregação, e a
”   “  

 pregação, pela palavra de Cristo (Rm 10.17). Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela pala-
”   “  

vra da verdade, para que fôssemos como que primícias das suas criaturas  (Tg 1.18). Portanto, des-
”   “  

 pojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós im-
 plantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma   (Tg 1.21). Pois fostes regenerados não de
”   “  

semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente ”  

(1Pe 1.23).
 A Santidade do Culto  – Rev. Hermisten  – 03/04/08  – 10

Quando nos reunimos para cultuar a Deus, exercitamos o Sacerd ócio Univer sal
dos Crentes, que só se torna possível através do sacrifício expiatório de Jesus Cri sto
39
(Vejam-se: Hb 7.22-28; 9.11-14; 10.19-25  /Hb 6.19-20). Ele foi o nosso precursor à
40
presença de Deus (Jo 14.2 -3/Hb 6.17-20;  Rm 5.2; Hb 4.16).

No culto público nós exercitamos o Sacerdócio Universal dos Crentes  da seguinte
forma:

1) Falamos com Deus expressando a nossa fé por meio dos cânticos, das or a-
ções e dos Credos.

2) Ouvimos e somos alimentados pela Palavra de Deus a qual é lida e exposta.

3) Compartilhamos a nossa fé por intermédio  do testemunho uníssono daquilo


que cremos e que Deus tem feito.

Por isso, já no Novo Testamento, a aqueles que eram tentados a se ausentarem


do culto por motivos irrelevantes, o escritor da Epístola aos Hebreus recomendava:
Não deixemos de congregar-nos como é costume de alguns; antes, façamos admo-
“  

estações, e tanto mais quanto vedes que o dia se aproxima (Hb 10.25). ”  

A nossa freqüência aos cultos deve pressupor um desejo de adorar, aprender e

39
Por isso mesmo, Jesus se tem tornado fiador de superior aliança. Ora, aqueles são feitos sacerdo-
“  

tes em maior número, porque são impedidos pela morte de continuar; este, no entanto, porque conti-
nua para sempre, tem o seu sacerdócio imutável. Por isso, também pode salvar totalmente os que por
ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles. Com efeito, nos convinha um sumo
sacerdote como este, santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores e feito mais alto do
que os céus, que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifí-
cios, primeiro, por seus próprios pecados, depois, pelos do povo; porque fez isto uma vez por todas,
quando a si mesmo se ofereceu. Porque a lei constitui sumos sacerdotes a homens sujeitos à fraque-
za, mas a palavra do juramento, que foi posterior à lei, constitui o Filho, perfeito para sempre   (Hb
”  

7.22-28). Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já realizados, mediante o mai-
“  

or e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação, não por meio de
sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez
 por todas, tendo obtido eterna redenção. Portanto, se o sangue de bodes e de touros e a cinza de
uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os santificam, quanto à purificação da carne, muito
mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, puri-
ficará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo!   (Hb 9.11-14). Tendo, pois,
”   “  

irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho
que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de
Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de
má consciência e lavado o corpo com água pura. Guardemos firme a confissão da esperança, sem
vacilar, pois quem fez a promessa é fiel. Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimu-
larmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes,
façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima  (Hb 10.19-25).
”  

40
Por isso, Deus, quando quis mostrar mais firmemente aos herdeiros da promessa a imutabilidade
“  

do seu propósito, se interpôs com juramento, para que, mediante duas coisas imutáveis, nas quais é
impossível que Deus minta, forte alento tenhamos nós que já corremos para o refúgio, a fim de lançar
mão da esperança proposta; a qual temos por âncora da alma, segura e firme e que penetra além do
véu, onde Jesus, como precursor, entrou por nós, tendo-se tornado sumo sacerdote para sempre.... ”  

(Hb 6.17-20). Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois
“  

vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim
mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também (Jo 14.2-3).
”  
 A Santidade do Culto  – Rev. Hermisten  – 03/04/08  – 11

servir a Deus. O culto nunca é uma atitude passiva, antes envolve o desejo de parti-
cipação. Temos um bom resumo do sentimento que deve nortear a nossa particip a-
ção no culto em Hb 10.22 -25. Por outro lado, como bem observou Warfield (1851-
1921): Nenhum homem pode excluir-se dos cultos regulares da comunidade

à qual pertence, sem sérios prejuízos para sua vida espiritual pessoal .41 E: ”

“.... nem o indivíduo mais santo pode se dar ao luxo de dispensar as formas
regulares de devoção, e que o culto público regular da igreja, apesar de to-
das as suas imperfeições e problemas localizados, é a provisão divina para o
sustento da alma .42 ”

4. DEFINIÇÃO DE CULTO:
O culto cristão é a expressão da alma que conhece a Deus e, que deseja dialogar
com o seu Criador; mesmo que este diálogo, por alguns instantes, consista num m o-
nólogo edificante no qual Deus nos fale através da Palavra. A seguinte definição e x-
pressa bem esta realidade: "Em essência o culto é um encontro de Deus com
Seu povo no qual se estabelece um diálogo: Deus fala à Sua Igreja através
de Sua Palavra e a Congregação expressa sua adoração ao Senhor medi-
ante as orações, oferendas e hinos".43

O grande teólogo de Princeton, B.B. Warfield (1851 -1921), em certa ocasião, f a-
lando sobre o preparo dos estudantes de teologia, fez uma advertência muito pert i-
nente àqueles que alegam frieza no culto e ausência de Deus: Se não há fogo no

púlpito, cabe a você acendê-lo nos bancos. Nenhum homem pode fracas-
sar em encontrar-se com Deus no santuário, se ele traz Deus consigo para ali.
Como é fácil transferir a culpa de nossos corações frios para os ombros de
nossos líderes religiosos! 44 ”

O culto é a resposta reverente e adoradora que só se torna possível pela graça de


Deus, que nos dá vida (Jo 10.10; Ef 2.1,5; Cl 2.13), capacitando -nos para este even-
45
to. A grandeza do culto não está em sua pompa  – em geral superficial, crédula e

41
  B.B. Warfield,  A Vida Religiosa dos Estudantes de Teologia, São Paulo: Editora os Puritanos,
1999, p. 19.
42
William Robertson Nicoll. Apud B.B. Warfield, A Vida Religiosa dos Estudantes de Teologia, p. 25.
43
Víctor M.S. Garcia, Musica y Alabanza: In: Revista Teológica, México: Vol. IX, nº 31-32, 1978, p.
47.
44
B.B. Warfield,  A Vida Religiosa dos Estudantes de Teologia,  p. 23. Devemos entender por a-

queles que se apresentam diante dele no exerc ício de fé genuína, e não pela ocupação de um esp a-
ço em seu templo em sua aparência externa. Mas, além disso, ser escolhido e ser chamado a fim de
corrigir qualquer vã idéia de que às ovelhas do rebanho de Deus se permite vaguear ao s abor de sua
vontade, por certo tempo, sem serem trazidas ao rebanho. Esta é uma forma pela qual nossa graci o-
sa adoção se evidencia, a saber, que nos achegamos ao santuário sob a liderança do Espírito Sa nto.”
 À frente: “Os hipócritas podem entrar lá, mas regressam vazios e insatisfeitos no tocante ao de sfruto
de alguma bênção espir itual” [João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 65.4), p. 612,613].
45
Vejam-se: John Calvin, “The Necessity of Reforming the Church, ” John Calvin Collection,  [CD-
ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), p. 218-219; John Calvin, Sermons on 2 Samuel, Carlisle,
Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1992, p. 246.
 A Santidade do Culto  – Rev. Hermisten  – 03/04/08  – 12

inutilmente substitutiva  –, pretensa qualidade das pessoas, brilho do coral, eloqüên-
cia do pregador, beleza do templo ou qualquer outra coisa que possamos apresen-
46
tar; na realidade a grandeza de nosso Culto está na santidade majestosa de Deus.
Nada é mais eloqüente do que a nossa obediência a Deus em nosso culto solene e
em nossa vida de culto.

5. O DEUS QUE É ADORADO:


Em nossa adoração precisamos ter sempr e em nossas mentes e corações, que o
culto cristão é prestado ao Deus Triúno, e somente a Ele. Qualquer outro ser que se
torne alvo de adoração, impossibilita o genuíno culto bíblico (Jo 4.23; Rm 1.25; Ef
2.13-18; Cl 2.18; 3.17; Ap 19.10; 22.8,9). Cultuar a um deus imaginário é um ato idó-
47
latra.  Os homens tendem a projetar em Deus os seus anseios de resposta. Cria-
mos um deus de acordo com as nossas expectativas circunstanciais, atribuimos-lhe
virtudes, peculiaridades e fazemos a nossa teologia em nome de uma não-teologia;
damos-lhe forma e contorno, estabelecemos métodos de ação que deveriam ser c o-
erentes com a nossa perspectiva do divino e assim por diante. Esquecemo-nos ape-
nas de um ponto: este deus de nosso imaginário é apenas virtual, não é o Deus das
Escrituras. Podemos criar os nossos deuses e at é nos divertir com isso  – ali ás, a fic-
ção é em geral mais agradável  –; mas não pensemos que estes venham nos soco r-
rer. Os deuses virtuais nada t êm a ver com as nossas realidades concretas. Deus
mesmo alertou ao povo de Israel quanto a isso, mostrando a insanidade da idolatria:
Todos os artífices de imagens de escultura são nada, e as suas coisas preferidas
“  

são de nenhum préstimo; eles mesmos são testemunhas de que elas nada vêem,
nem entendem, para que eles sejam confundidos. Quem formaria um deus ou fundi-
ria uma imagem de escultura, que é de nenhum préstimo? Eis que todos os seus
seguidores ficariam confundidos, pois os mesmos artífices não passam de homens;
ajuntem-se todos e se apresentem, espantem-se e sejam, à uma, envergonhados.
(...) Nada sabem, nem entendem; porque se lhes grudaram os olhos, para que não
vejam, e o seu coração já não pode entender. Nenhum deles cai em si, já não há
conhecimento nem compreensão para dizer: Metade queimei e cozi pão sobre as
suas brasas, assei sobre elas carne e a comi; e faria eu do resto uma abominação?
 Ajoelhar-me-ia eu diante de um pedaço de árvore? Tal homem se apascenta de cin-
za; o seu coração enganado o iludiu, de maneira que não pode livrar a sua alma,
nem dizer: Não é mentira aquilo em que confio? (Is 44.9-11; 18-20). Os nossos
”  

deuses, criados criteriosamente por nossas mentes e fundidos habilmente pelos artí-
fices, nada podem fazer. No caso de Israel, os seus ídolos iriam com povo para o c a-
48  49
tiveiro. Bel   se encurva, Nebo  se abaixa; os ídolos são postos sobre os animais,
“  

sobre as bestas; as cargas que costumáveis levar são canseira para as bestas já
cansadas  (Is 46.1-2 Vd. Sl 135.15-17). Deus estabelece o contraste em si mesmo e
”  

46
Ver: John Calvin, Calvin s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company,
’  

1996 (Reprinted), Vol. II/1, (Lv 19.1), p. 4 22.


47
 Cf. James M. Boice, O Evangelho da Graça, p. 177-178.
48
 Principal divindade babilônica.
49
 Divindade babilônica filha de Nebo. Ele era considerado o deus da erudição e de todas as ciê n-
cias.
 A Santidade do Culto  – Rev. Hermisten  – 03/04/08  – 13

os deuses virtuais, os quais nada podiam fazer:

3 Ouvi-me, ó casa de Jacó e todo o restante da casa de Israel; vós, a quem desde o nascimento
“  

carrego e levo nos braços desde o ventre materno.


4 Até à vossa velhice, eu serei o mesmo e, ainda até às cãs, eu vos carregarei; já o tenho feito; le-
var-vos-ei, pois, carregar-vos-ei e vos salvarei.
5 A quem me comparareis para que eu lhe seja igual? E que coisa semelhante confrontareis comi-
go?
6 Os que gastam o ouro da bolsa e pesam a prata nas balanças assalariam o ourives para que faça
um deus e diante deste se prostram e se inclinam.
7 Sobre os ombros o tomam, levam-no e o põem no seu lugar, e aí ele fica; do seu lugar não se
move; recorrem a ele, mas nenhuma resposta ele dá e a ninguém livra da sua tribulação.
8 Lembrai-vos disto e tende ânimo; tomai-o a sério, ó prevaricadores.
9 Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus,
e não há outro semelhante a mim;
10 que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ain-
da não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade;
11 que chamo a ave de rapina desde o Oriente e de uma terra longínqua, o homem do meu conse-
lho. Eu o disse, eu também o cumprirei; tomei este propósito, também o executarei.
12 Ouvi-me vós, os que sois de obstinado coração, que estais longe da justiça.
13 Faço chegar a minha justiça, e não está longe; a minha salvação não tardará; mas estabelecerei
em Sião o livramento e em Israel, a minha glória  (Is 46.3-13).
”  

O Deus a quem oferecemos culto é o Deus que Se revela, tanto na condenação e


libertação de seu povo (Is 47.11 -15). Portanto, se queremos conhecê-Lo de fato de-
vemos meditar nas Escrituras Sagradas.

Estudemos agora, através das Escr ituras, o que Deus diz a respeito de Si mesmo,
para que possamos ter uma visão mais ampla do Deus que ador amos.

a) É o Deus Vivo: Hb 9.14; 11.6; At 14.13-15. Aquele que Se revela concedendo-


nos a Sua Palavra. Adoramos a Deus considerando a Sua autoritativa Palavra que é
perfeita e restaura a alma (Sl 19.1-11).

b) Ele é o Criador:  Ex 20.11; Ne 9.6; Sl 121.1-2; 146.6; At 4.24; 17.24-26. Nós


adoramos a Deus como criador de todas as coisas (Ex 15.1-18; Sl 104; Ap 15.3-4).

c) Ele é o Senhor: Mt 4.10 (= Lc 4.8); At 4.24-26; Rm 14.11; Fp 2.9-11.

d) Ele está presente no Culto: Mt 18.20; 1Co 14.25; Ap 15.4. Adoramos não a
um Deus ausente, mas ao Deus que é vivo, fala conosco através de Sua Palavra e
está presente. O próprio nome Jesus significa “Deus conosc o”  (Is 7.14; Mt 1.23).
Servimos a Deus pessoal e presente.

Cultuamos a Deus que é transcendente e presente; o Deus infinito e pessoal que


Se revela conferindo sentido à nossa existência e à realidade.

e) Ele não é indiferente ao nosso Culto: Deus não se agrada de todo culto que
supostamente Lhe é dirigido (Ex.: Is 1.13 -16; Am 5.21-27/Mt 6.5; Mq 6.6-8; Ml 1.7-
 A Santidade do Culto  – Rev. Hermisten  – 03/04/08  – 14
50
14; 2.13).   Devemos prestar um culto agradável a Deus, com reverência e santo
temor (Hb 12.28; 13.16). Não podemos simplesmente nos apresentar dia nte de Deus
51
de qualquer jeito, oferecendo-Lhe algo que simplesmente nos pareça agradável.
No culto público não há lugar para frivolidade e superficialidade: Nós, pecadores, e s-
tamos, por graça, diante do Majestoso Senhor da Glória em adoração. "Na presen-
ça divina a única coisa que se destaca é a natureza santa de Deus e o nos-
so próprio pecado. Humilhamo-nos e com reverência o adoramos".52 “Nada
tende a produzir mais a devida reverência a Deus do que quando nos sen-
tamos em sua presença .53 O nosso Pai é justo (Jo 17.25). Ele não é alguém que

possamos subornar com “carinhos ”, “hinos ”, “oferendas ” ou “fervorosas orações ”.


Ao povo que pensava prestar um culto meramente formal para supostamente agra-
dar a Deus, Deus diz que o mundo é Seu e, que Ele não necessit a de carne de tou-
ros e sangue de cabritos (Sl 50.8-13). Deus não tem nenhum prazer em sacrifício de
animal sem o sacrifício da oração dentro do qual o coração é comprometido. A co n-
fissão de Sua Palavra sem uma vida que se coadune com Seus ensinamentos é
uma abominação a Ele. Este mesmo princípio está expresso em diversas pass a-
gens bíblicas: Sl 24.1-6; 40.7-9; 50.14,16-22; 51.16-17; Os 6.6; Mq 6.6-8, fazendo
eco à 1Sm 15.22: tem porventura o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifí-
“  

cios quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o obedecer é melhor do que
o sacrificar, e o atender do que a gordura de carneiros (1Sm 15.22). (Vd. também:
”  

Pv 21:3, Is 1:11-15). Um culto que vise a apenas cumprir externamente a lei de Deus
ou, obter favores de Deus, é  profundamente desolador para o Senhor (Is 1.10-17;
29.13; Ml 1.10). A nossa adoração não tem nenhum valor intrínseco; por mais belo e
harmonioso que seja o nosso culto, se não proceder de um coração contrito diante
de Deus, de nada adiantará; Deus dele nã o se agradará. Deus é justo; não é subo r-
nável. Precisamos enfatizar que orar não é um substituto para a obediên-

cia .54 Antes, a obediência sincera é uma expre ssão de culto.


Quando nos aproximamos de nosso Pai, devemos buscar a submiss ão de nossa


petição à Sua justiça. Assim como não podemos pedir coisas impuras ao Deus Sa n-
to, não podemos fazer petições injustas a um Pai Justo. Davi, sentindo -se calunia-
do, ora a Deus: Ouve, Senhor, a causa justa, atende ao meu clamor.... (Sl 17.1).
“   ”  

50
“O tipo de Deus que agrada à maioria das pessoas hoje teria uma disposição fácil quanto à tol e-

rância de nossas ofensas. Ele seria amável, gentil, acomodat ício, e não possuiria nenhuma reação
violenta. Infelizmente, até mesmo na igreja parece que perdemos a visão da majestade de Deus. Há
tanta superficialidade e frivolidade entre n ós. Os profetas e os salmistas provavelmente diriam de nós
que não temos o temor de Deus perante nossos olhos. Na adora ção pública nosso hábito é nos se n-
tarmos de qualquer modo; n ão ajoelhamos hoje em dia, muito menos nos prostramos em humildade
na presença de Deus. É mais provável que batamos palmas de alegria do que nos en rubesçamos de
vergonha ou l ágrimas. Vamos à presença de Deus a fim de reivindicar seu patrocínio e am izade; não
nos ocorre que ele pode nos mandar embora. ” (John R.W. Stott, A Cruz de Cristo, Florida: Editora Vi-
da, 1991, p. 98).
51
 Ver: John Frame, Em Espírito e em Verdade, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 66.
52
D. Martyn Lloyd-Jones, Do Temor à Fé, p. 72. [O culto] é um tempo de adoração somente

quando Deus está sendo exaltado enquanto as pessoas se humilham diante dele . (Peter ”

White, O Pastor Mestre, São Paulo: Editora Cultura Cri stã, 2003, p. 82).
53
João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 66.3), p. 623.
54
 Iain Murray, A Igreja: Crescimento e Sucesso: In: Fé para Hoje, S ão José dos Campos, SP.: Fiel,
nº 6, 2000, p. 26.
 A Santidade do Culto  – Rev. Hermisten  – 03/04/08  – 15

Não fazemos qualquer pedido a Deus. Pedimos aquilo que consideramos justo à luz
da Sua Palavra e, mesmo assim, submetemos os nossos pedidos ao escrutínio de
Deus (Sl 17.2), porque Deus vê com justiça.

f) Ele conhece os corações:  Ml 1.6,7; 2.17; Jo 2.24-25; 6.70; At 1.24; 15.8-9.


“Não podemos fingir que estamos cultuando. Devemos adorar em verdade, sabendo
55
que nossos corações são livros abertos diante de Deus. ”

g) Ele é Imutável: Sl 102.27; Ml 3.6; Hb 1.12; 13.8.

h) Ele deve ser Louvado e Glorificado: Deus é o único Ser  digno de todo louvor


e de toda glória; por isso, somente a Ele a Igreja presta culto (Mt 4.10; At 2.46 -47;
Rm 15.6). O genuíno culto de Deus não pode ser preservado em toda sua

integridade enquanto a vil profanação de sua glória, que é a inseparável


acompanhante da superstição, não for completamente erradicada .56 ”

6. OS CRISTÃOS QUE OFERECEM CULTO:


As Escrituras também apresentam algumas características daqueles que cult uam
verdadeiramente a Deus.

a) São pessoas de fé: O culto a Deus começa por Deus que nos conduz à fé que
Ele mesmo gera, por graça, em nós (Ef 2.8). .... pois a misericórdia de Deus se

lhe antecipa, sendo chamado para que cresse. 57 Não podemos cultuar a ”

Deus sem fé. Culto sem fé é uma contradição de termos. O escritor de Hebreus,
considerando o sacrifício definitivo de Cristo, escreve: aproximemo-nos, com since-
“  

ro coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e


lavado o corpo com água pura ”  (Hb 10.22). Como temos insistido, o culto cristão é
um ato de fé resultante da graça de Deus que Se revelou e nos capacitou a conh e-
cê-Lo. A adoração correta ao verdadeiro Deus, é uma atitude de fé e obediência na
qual, o adorador se prostra diante do Deus que o atraiu com a Sua graça irr esistível.

Em outro lugar, o escritor de Hebreus diz: “Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais
excelente sacrifício do que Caim; pelo qual obteve testemunho de ser justo, tendo a
aprovação de Deus quanto às suas ofertas. Por meio dela, também mesmo depois
de morto, ainda fala. Pela fé, Enoque foi trasladado para não ver a morte; não foi
achado, porque Deus o trasladara. Pois, antes da sua trasladação, obteve testem u-
nho de haver agradado a Deus. De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, po r-
quanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que
se torna galardoador dos que o buscam” (Hb 11.4-6). “Pela fé, Abraão, quando po sto
à prova, ofereceu Isaque; estava mesmo para sacrificar o seu unigênito aquele que
acolheu alegremente as promessas”  (Hb 11.17). Sem a genuína fé, procedente da
Palavra e direcionada para o Deus Trino, todos os nossos atos de culto são vazios e

55
James M. Boice, O Evangelho da Graça,  p. 182.
56
João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 3, (Sl 100.1-3), p. 549.
57
 Agostinho, A Graça (II), São Paulo: Paulus, 1999, p. 193.
 A Santidade do Culto  – Rev. Hermisten  – 03/04/08  – 16

abomináveis a Deus.

b) São pessoas inteligentes: O culto não é puramente emocional; ele exige int e-
ligência, raciocínio. O homem no culto manif esta a sua fé de forma compreensiva,
usando as suas faculdades mentais. A transformação operada por Deus em nós e n-
volve o homem todo; quando cultuamos a Deus nos apresentamos diante dEle com
58
a integridade de nosso ser (Rm 12.1-2; 1Co 14.15; Hb 8.10; 10.16; 13.15).
“Quando ele [Deus] nos exorta a não sermos como os animais, sem inteli-
gência [Sl 32.9], demonstra-nos que concedeu ao homem inteligência para
louvar a Deus .59 ”

c) Têm uma visão espiritual: Aqueles que adoram a Deus não estão presos a-
penas aos elementos perceptíveis pelos sentidos mas, têm uma sensibilidade espir i-
tual. A verdadeira adoração vem do coração, sendo efetuada de forma consciente
60
para Deus (Cl 3.23).  Por isso, o culto não pode estar restrito apenas a um lugar (Jo
4.10-24).

d) São pessoas que tiveram uma experiência espiritual: Ninguém, nunca “

verdadeiramente, vem a conhecer, honrar, louvar, ou glorificar a Deus sem


ser mudado durante o processo. 61 Os verdadeiros adoradores s ão homens que

não apenas têm um conhecimento a respeito de D eus, mas O conhecem pessoal-


mente; já experimentaram de forma consciente o Seu perdão, a Sua salvação e gr a-
ça (Sl 18.49-50; 108.1-4; Cl 1.9-14; Hb 9.11-14;62 10.22). Calvino entende que: Até “

58
Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício
“  

vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este século,
mas transformai-vos pela renovação da vossa mente , para que experimenteis qual seja a boa, agra-
dável e perfeita vontade de Deus  (Rm 12.1-2). Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também
”   “  

orarei com a mente; cantarei com o espírito, mas também cantarei com a mente ” (1Co 14.15). Por- “  

que esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: na sua
mente imprimirei as minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e
eles serão o meu povo  (Hb 8.10). Esta é a aliança que farei com eles, depois daqueles dias, diz o
”   “  

Senhor: Porei no seu coração as minhas leis e sobre a sua mente as inscreverei   (Hb 10.16). Por
”   “  

meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que
confessam o seu nome  (Hb 13.15).
”  

59
Agostinho, Comentário aos Salmos, Vol. III, (Sl 148.3), p. 1128.
60
“Tudo quanto fizerdes, fazei -o de todo o cora ção, como para o Senhor e não para homens ”  (Cl

3.23).
61
James M. Boice, O Evangelho da Graça,  p. 169.
62
Glorificar-te-ei, pois, entre os gentios, ó SENHOR, e cantarei louvores ao teu nome. É ele quem
“  

dá grandes vitórias ao seu rei e usa de benignidade para com o seu ungido, com Davi e sua posteri-
dade, para sempre  (Sl 18.49-50). Firme está o meu coração, ó Deus! Cantarei e entoarei louvores
”   “  

de toda a minha alma. Despertai, saltério e harpa! Quero acordar a alva. Render-te-ei graças entre os
 povos, ó SENHOR! Cantar-te-ei louvores entre as nações. Porque acima dos céus se eleva a tua mi-
sericórdia, e a tua fidelidade, para além das nuvens  (Sl 108.1-4). “Por esta razão, também nós, de s-
”  

de o dia em que o ouvimos, não cessamos de orar por vós e de pedir que trans bordeis de pleno co-
nhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual; a fim de viverdes de mo-
do digno do Senhor, para o seu inteiro agrado, frutificando em toda boa obra e crescendo no pleno
conhecimento de Deus; sendo fortalecidos com todo o poder, segundo a for ça da sua glória, em toda
a perseverança e longanimidade; com alegria, dando graças ao Pai, que vos fez idôneos à parte que
 A Santidade do Culto  – Rev. Hermisten  – 03/04/08  – 17

que sejamos iluminados do genuíno conhecimento do Deus único, havere-


mos de sempre servir aos ídolos, com cuja dissimulação podemos encobrir
nossa falsa religião. O legítimo culto divino, portanto, deve ser precedido por
um sólido conhecimento. 63 Como sabemos, os atributos de Deus s ão infinitos,

ultrapassando em muito a nossa capacidade de percepção, no entanto o nosso te s-


temunho de fé ampara-se no que Deus revelou em Sua Palavra, e que tem sido ex-
perimentado pelo Seu povo durante toda a história. (Sl 36.5; Ef 3.17-19). O nosso
louvor não pode consistir numa diminuição da glória de Deus. Devemos expressar
aquilo que Ele é, conforme revelado nas Escrituras, e que tem sido experimentado
em nossa vida diária. Quem conhece a Deus não se abate tão facilmente: Davi,
mesmo num momento de extrema “incerteza”, podia glorificar o no me de Deus; e is-
to ele fazia, não simplesmente com os seus lábios, mas com um coração confiante:
Em ti, pois, confiam os que conhecem o Teu nome, porque Tu, Senhor, não desam-
“  

64
 paras os que Te buscam (Sl 9.10).   Este testemunho de louvor resultante do co-
”  

nhecimento de Deus é evidente em outros textos: Cantarei a Tua força; pela manhã
“  

louvarei com alegria a Tua misericórdia; pois Tu me tens sido alto refúgio e proteção
no dia da minha angústia (Sl 59.16). Tu me tens sido refúgio e torre forte contra o
”   “  

inimigo (Sl 61.3). Bendito seja Deus, que não me rejeita a oração, nem aparta de
”   “  

mim a Sua graça (Sl 66.20). Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te per-
”   “  

turbas dentro em mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a Ele, meu auxílio e
Deus meu (Sl 42.5).
”  

É importante que se diga, que conhecer a Deus não significa crer que Ele vai f  a-
zer isso ou aquilo conforme desejamos, antes, ter a certeza de que Ele cumprirá
sempre a Sua Palavra. Deus não tem compromissos com a nossa fé, mas, sim, com
a Sua Palavra e, conseqüentemente, com a fé que brota da Palavra. O que importa
neste caso não é o que pensamos, mas sim, o que Deus prometeu: Deus cumpre
sempre a Sua promessa, não necessariamente as nossas expectativas. Calvino
(1509-1564), enfatizou: Não devemos conceber que Deus será nosso liberta-

dor simplesmente porque nossa própria fantasia o sugere. É preciso crer que
ele fará isso só depois de graciosa e espontaneamente se nos oferecer neste
caráter. 65 Todavia, é importante ressaltar que não conhecemos tudo  a respeito de

Deus e da Sua Palavra; mas devemos ter por certo, que o limite da fé está circuns-
crito pelos parâmetros das Escrituras (Dt 29.29). Ou seja: não podemos crer além do
que Deus nos revelou na Bíblia; fazer isto, não é ter fé, mas sim, especular  sobre os
mistérios de Deus. Os discípulos no caminho de Emaús revelaram ao Senhor a sua

vos cabe da heran ça dos santos na luz. Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para
o reino do Filho do seu amor, no qual temos a reden ção, a remissão dos pecados ” (Cl 1.9-14). “Quan-
do, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já realizados, mediante o maior e mais perfeito
tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação, não por meio de sangue de bodes e
de bezerros, mas pelo seu pr óprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo o b-
tido eterna redenção. Portanto, se o sangue de bodes e de touros e a cinza de uma novilha, asperg i-
dos sobre os contaminados, os santificam, quanto à purif icação da carne, muito mais o sangue de
Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, pur ificará a nossa
consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo! ” (Hb 9.11-14).
63
João Calvino, Gálatas, (Gl 4.8), p. 127.
64
“Uns confiam em carros, outros, em cavalos; nós, porém, nos gloriaremos em o nome do S ENHOR,

nosso Deus” (Sl 20.7).


65
J. Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 48.9), p. 363.
 A Santidade do Culto  – Rev. Hermisten  – 03/04/08  – 18

frustração justamente porque eles se iludiram com as suas próprias expectativas,


não com as promessas de Jesus; daí dizerem de forma patética: Ora, nós esperá- “  

vamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel; mas, depois de tudo isto, é já
este o terceiro dia desde que tais cousas sucederam (Lc 24.21). Jesus Cristo jamais
”  

havia lhes prometido isso, pelo contrário; o caminho descrito por Cristo, envolvia o
sofrimento, a morte e a ressurreição (Mt 16.21). Há sempre o perigo de criarmos e x-
pectativas sobre Deus e tentar impingi-las a Ele. Depois de certo tempo de confusão,
 já não distinguimos entre a Promessa de Deus e o que esperamos que Ele faça. É
comum pessoas ficarem revoltadas com a não concretização de suas esperanças
que brotaram de seus corações, não da Palavra. É fundamentalmente importante
que não tentemos ser “teólogos ”  longe da Palavra. Tenhamos a humildade de a-
prender de Deus Quem é Ele e como deseja ser ador ado. É só quando o homem, “

reconhecendo o seu pecado e cheio de temor perante a seriedade da rea-


lidade de Deus, se entregou inteiramente nos braços da graça deste Deus, é
que se lhe abrem os olhos para ver o que Deus é realmente. Assim ele esca-
pa do perigo de fazer-se uma imagem de Deus por seus próprios pensamen-
tos e perseguir esse fantasma de seus próprios desejos. 66 ”

Se a Palavra for o fundamento de nossa esperança, podemos descansar confia n-


67
tes: Deus cumpre a Sua Palavra! Deus age consistentemente consigo mes-

mo, e jamais poderá desviar-se do que ele disser. 68 A Palavra deve ser sempre

o guia da nossa fé!. Nossa fé não tem que estar fundamentada no que nós

tenhamos pensado por nós mesmos, senão no que foi prometido por
Deus. 69 Por isso, devemos estar atentos à Palavra de Deus, para entendê -la e

70
praticá-la (Js 1.8; Sl 119.97; Fp 3.15-16; Tg 1.22-25). Calvino estudando o Salmo
42, quando o salmista em meio às aflições demonstra a sua fé no livramento de
Deus, comenta que esta certeza não é uma expectativa imaginária produzida

por uma mente fantasiosa; mas, confiando nas promessas de Deus, ele não
só se anima a nutrir sólida esperança, mas também se assegura de que re-

66
 Artur Weiser, Os Salmos, São Paulo: Paulus, 19 94, p. 346.
67
 Foi muito confortador ler posteriormente Calvino dizendo: “Deus não frustra a esperança que ele
mesmo produz em nossas mentes atrav és da sua Palavra, e que ele não costuma ser mais liberal em
prometer do que em ser fiel na concretização do q ue prometeu.” [João Calvino, O Livro dos Salmos,
Vol. 2, (Sl 48.8), p. 361].
68
João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 62.11), p. 581.
69
 Juan Calvino, Sermones Sobre a La Obra Salvadora de Crist o, Jenison, Michigan: TELL., 1988,
(Sermão n° 13), p. 15 6.
70
Não cesses de falar deste Livro da Lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de

fazer segundo tudo quanto nele est á escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem -
sucedido“ (Js 1.8). “Quanto amo a tua lei! É a minha medit ação, todo o dia! ” (Sl 119.97). “Todos, pois,
que somos perfeitos, tenhamos este sentimento; e, se, porventura, pensais doutro modo, também isto
Deus vos esclarecer á. Todavia, andemos de acordo com o que já alcançamos ” (Fp 3.15-16). “Tornai-
vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando -vos a vós mesmos. Porque, se
alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha -se ao homem que contempla, num espelho,
o seu rosto natural; pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se esquece de como era a
sua aparência. Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela pers e-
vera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem -aventurado no que reali-
zar” (Tg 1.22-25).
 A Santidade do Culto  – Rev. Hermisten  – 03/04/08  – 19

ceberia infalível livramento. Não podemos ser competentes testemunhas da


graça de Deus perante nossos irmãos quando, antes de tudo, não testifica-
mos dela a nossos próprios corações. 71 ”

e) Buscam a Deus com integridade: O principal altar, no qual Deus é ado-


rado, deve estar situado dentro de nós, pois Deus é adorado espiritualmente
através da fé, de orações e de outros ofícios de piedade .72 Firme [}UK ” “  

73 74 75
(kün)] está o meu coração [bÒl (lêbh)], ó Deus!  [myiholE) (‘elõhïm)] ”,  escreve Davi.
(Sl 108.1). O salmista está declarando que mesmo numa situação adversa o seu c o-
ração está firme no seu propósito; não vacila; está adequadamente preparado (ret i-
dão) (Cf. Sl 51.10). O seu coração não fica vagando ao sabor das circunstâncias. I s-
to porque Ele está firmado em Deus (Vd. Sl 112.7). Por outro lado, o povo de Israel
no Êxodo, não tinha um coração f irme para com Deus, por isso não foi fiel à aliança
(Sl 78.36,37). Davi continua: Cantarei e entoarei louvores de toda a minha alma
“  

76
[dObfK (kãbôdh)] (Sl 108.1). A expressão “minha alma”, que literalmente significa
”  

glória, é aqui usada de forma poética i ndicando aquilo que o homem tem de mais
77
nobre, sendo empregada de modo figurado para a sua alma  ou coração . [Cf. Gn
“   ”   “   ”  

49.6; Sl 7.5; 30.12; 16.9 (dObfK), neste salmo sendo traduzido por “espírito ” (ARA);
“entranhas ”  (BJ); “minha glória ”  (ACR)]. Por isso,   pode ser traduzido por  Alma , “   ”  

Espírito , “Coração”, “Língua” (Ex 4.10). Seja qual for a tradução, a idéia é de que o
“   ”  

homem cultua a Deus com aquilo que ele tem de mais precioso; o que ele tem de
mais íntimo. A idéia do texto, é de cantar a Deus com a integridade do nosso ser.
(Vd. Rm 12.1-2). A integridade aqui descrita implica uma firmeza de propósito que
envolve todo o homem: Ele não se abala facilmente em seu propósito de louvar a
Deus de toda a sua alma. Os seus lábios são a expressão de sua alma  agradecida.
Não há dubiedade no coração do salmista; ele não vacila; apesar das adversidades,
continua confiante. A instabilidade é um mal sinal. Não podemos condicionar o no s-
so louvor a situações aparentemente boas. Paulo e Silas na prisão de Filipos, ora- “  

vam e cantavam louvores a Deus (At 16.25). ”  

Espírito semelhante encontramos no salmista: Não se atemoriza de más notícias:


“  

o seu coração é firme [}UK (kün)], confiante no Senhor  (Sl 112.7). Essa firmeza de
”  

71
João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 42.5), p. 264.
72
 João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, Vol. 1, (Dn 3.2-7), p. 192.
73
 FIRME [}UK (kün)] tem o sentido de prontidão (Sl 38.17); inabalável (Sl 51.10); forte
(Sl 10.17); ereto (Sl 9.7); firme (Sl 93.2; Sl 78.37/At 8.21); reto (Jó 42.8); seguro
(1Sm 23.23); estabelecido (Is 2.2), etc.
74
 CORAÇÃO [bÒl (lêbh)]. Coração denota a personalidade integral do homem, envolvendo em oção,
pensamento e vontade.
75
 DEUS [ myiholE)
 (elõhïm)]. Este nome descreve o Deus forte, o Criador de todas as coisas (Gn 1.1;
Is 45.18; Jn 1.9); Soberano (Gn 24.3;1Rs 20.28; Sl 57.2; Is 37.16; 54.5); Juiz (Sl 50.6; 58.11); Majes-
toso (1Sm 6.20; Is 40.28; Jr 10.10); Salvador do Seu Povo (1Cr 16.35; Sl 18.46); Deus pr óximo do
Seu Povo (Gn 48.15; Dt 8.5; Sl 4.1; 43.2; 59.17; 116.5; Jr 23.23); Misericordioso (Sl 116.5; Is 30.18).
76
(“minha glória”. ACR).
77
William Gesenius, Gesenius  Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament,  13ª ed. Grand Rapids,
’  

Michigan: Eerdmans, 1978, p. 382a.


 A Santidade do Culto  – Rev. Hermisten  – 03/04/08  – 20

propósito era conscientemente dependente de Deus: Devemos estar atentos para o


fato de que só poderemos prestar um louvor verdadeiro, com integridade de alma, se
Deus mesmo nos preservar; criando em nós esta disposição. Somos inteiramente
dependentes de Deus. Não há aqui, lugar para arrogância e auto-suficiência. Sem a
misericórdia de Deus, jamais prestaremos um culto digno. Por mais elaborada que
seja a nossa adoração, deve haver em nós a consciência de que somos aceitos por
Deus por sua misericórdia. Por isso, esta firmeza de propósito deve ser pedida ao
Deus Todo-Poderoso. A oração de Davi revela essa consciência: Cria [)frfb (bhã- “  

78 e
rã’)] em mim, ó Deus [myiholE) (‘ lõhïm)],  um coração puro, e renova [<adfx (i 
hãdha-
79
xUr (r üah kün)]” (Sl 51.10). Oxalá
sh)] dentro em mim um espírito inabalável  [}UK a  ”   “  

sejam firmes [}UK (kün)] os meus passos, para que eu observe os teus preceitos  (Sl ”  

119.5). O consolo do salmista era: O Senhor firma [}UK (kün)] os passos do homem
“  

bom, e no seu caminho se compraz   (Sl 37.23) ”  

f) Aproximam-se realmente de Deus: Quando adoramos a Deus em Cristo, nos


aproximamos verdadeiramente de Deus. “Chegai -vos a Deus, e ele se chegará a vós
outros. Purificai as mãos, pecadores; e vós que sois de ânimo dobre, limpai o cor a-
ção” (Tg 4.8). “ Aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo
o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura ” (Hb 10.22).

Pela fé temos livre acesso a Deus com confiança (Hb 10.19). Paulo escrevera aos
efésios: Pelo qual temos ousadia e acesso com confiança, mediante a fé nele (Ef
“   ”  

3.12). Portanto, aproximemo-nos (Hb 10.22). O caminho percorrido por Cristo con-
“   ”  

tinua aberto a todos os que crêem:  Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto


“  

ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro


em ocasião oportuna (Hb 4.16). No governo de Cristo, a graça reina: Trono da
”   “  

graça  (Hb 4.16).


”  

78
[)frfb (bhãrã’)] é um verbo sempre teológico, tendo sempre Deus como o sujeito da ação (Gn 1.1,27;
2.4; Ex 34.10; Is 48.7; 65.17; Jr 31.22), contrapondo-se tamb ém, aos deuses pagãos. (Ez 28.13, 15).
[W.H. Schmidt, )rb: In: Ernst Jenni & Claus Westermann, Diccionario Teologico Manual del Antiguo
Testamento,  Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, Vol. I, p. 489; Veja-se também: In: W. Foerster,
kti/zw: In: G. Kittel & G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament,  Vol. III, p. 1005-
1028.]. Portanto, somente Deus pode criar em nós um coração assim. O verbo está no particípio, i n-
dicando uma oração para que Deus ininterruptamente crie no salmista um coração firme; crie e cont i-
nue criando um coração puro. [Ver: William Gesenius, Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament,
p. 138-139; Thomas E. McComiskey, )frfB: In: R. Laird Harris, ed. Theological Wordbook of the Old
Testament, 2ª ed. Chicago: Moody Press, 1981, Vol. 1, p. 127b; H.H. Esser, Criação: In: Colin Brown,
ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento,  Vol. I, p. 536; C.F. Keil &
F. Delitzsch, Commentary on the Old Testament,  Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, (s.d.), Vol. 1,
(Gn 1.1), p. 47; G.L. Archer Jr., Merece Confiança o Antigo Testamento,  São Paulo: Vida Nova, 1974,
p. 208; William G.T. Shedd, Dogmatic Theology, 2ª ed. Nashville: Thomas Nelson Publishers, 1980,
Vol. I, p. 465-466; A.H. Strong, Systematic Theology,  p. 374-376; Walter C. Kaiser Jr. Teologia do An-
tigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1980, p. 76; Millard J. Erickson, Christian Theology, 13 ª ed.
Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996, p. 369. Outras características do verbo e seu e m-
prego no AT., podem ser encontradas em W.H. Schmidt, )rb: In: Ernst Jenni & Claus Westermann,
Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento,  Vol. I, p. 489-490].
79
<adf x (hãdhash) tem o sentido de “fazer novo”, “rejuvenescer ”, “renovar ”, “restaurar ”, cuja etimologia
aponta para a idéia de esculpir, talhar, polir, refinar, etc. No texto, parece qu e o novo é usado para
contrastar com o antigo. (Vd. 1Sm 11.14; 2Cr 15.8; 24.4,12; Is 42.9; 43.18-19; 61.4, etc.). Vd. mais
detalhes In: Hermisten M.P. Costa, Avivamento Bíblico, São Paulo: 1994, p. 2.
 A Santidade do Culto  – Rev. Hermisten  – 03/04/08  – 21

O escritor fala (Hb 10.22) de como devemos nos aproximar de Deus: qual deve
ser a nossa postura:

1) Sincero coração : sem hipocrisia e fingimento.


“   ”  

2) “Em plena certeza de fé ”: Fé em Deus e na consumação de Sua obra (Hb


11.6). “Por intermédio de quem obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça
na qual estamos firmes; e gloriemo-nos na esperança da glória de Deus ” (Rm 5.2).

3) Tendo o coração purificado de má consciência : A palavra  purificado , signifi-


”   ”   “   ”  

ca aspergido . Os utensílios do Lugar Santo eram purificados mediante a aspersão


“   ”  

do sangue dos animais sacrificados. Nós somos purificados pelo sangue de Jesus
que nos purifica de todo o pecado. Devemos nos aproximar de Deus através de Cris-
to, limpos interior e espiritualmente.

4) Lavado com água pura : Esta expressão pode se referir à lavagem espiritual
“   ”  

feita pelo Espírito Santo ou ao batismo, que é o sinal externo desta purificação. A “

realidade presente que estava em sua mente, seguramente era o batismo


cristão que consistia, por suposto, não meramente na aplicação externa de
água, senão nessa aplicação como sinal visível da limpeza interior e espiritual
operada por Deus naqueles que se aproximam dEle através de Cristo. 80 ”

g) Não são orgulhosos senão confiantes: O cristão aproxima-se de Deus ba-


seando-se não nos seus supostos "méritos", mas nos de Cristo Jesus, sabendo que
nEle já não há mais condenação (Rm 8.1). Por isso, pode apresentar-se diante de
Deus com santo temor e alegre confiança (2Co 1.20; Ef 3.12; Hb 4.15 -16; 12.28).

h) Demonstram unanimidade no Culto:  A adoração é prestada por homens


que, chamados por Deus, constituem um povo santo, unido pela mesma fé. O culto
não é “departamental ”, é da Igreja, prestado unanimeme nte a Deus (At 4.24,32).

i) Conscientes de sua carência de Deus:  Na realidade todos carecemos de


Deus. No entanto, quantas vezes nos damos conta disso? É necessário que ente n-
damos que somos nós que precisamos de Deus não Deus de nós: Deus é totalme n-
te independente; tudo lhe pertence: O culto é na realidade algo que nos beneficia, é
essencial à nossa existência. Portanto, o culto a Deus não é descompromissado; é
81
vital (Sl 50.15).  Não existe verdadeiro  culto a Deus como meramente uma prática
de agenda social.

Deus mostra ao povo que tudo Lhe pertence; Ele não precisa de nada; nada Lhe
82
falta; nada a ser suprido (Sl 50.9-13).  O povo não estava pecando no aspecto r itual

80
  F.F. Bruce, La Epistola a Los Hebreos,  Grand Rapids/Buenos Aires: Nueva Criacion, 1987, (Hb
10.22), p. 254
81
“Invoca -me no dia da ang ústia; eu te livrarei, e tu me glorificarás” (Sl 50.15)
82
“De tua casa não aceitarei novilhos, nem bodes, dos teus apriscos. Pois são meus todos os an i-

mais do bosque e as alimárias aos milhares sobre as montanhas. Conhe ço todas as aves dos mo n-
tes, e são meus todos os animais que pululam no campo. Se eu tivesse fome, não to diria, pois o
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83
ou na sistematicidade das ofertas (Sl 50.8).  O que acontecia era uma compreen-
são errada de Deus e do Seu culto. Deus desejava um culto prestado por aqueles
que sentiam em seu íntimo a profunda necessidade de Deus e, portanto, de cultuá -
Lo. Ainda que não exclusivamente, o fato é que no l ivramento da angústia, o homem
não oferece apenas um culto formal, antes glorifica sinc eramente a Deus (Sl 50.15).

Quando cultuamos a Deus devemos estar conscientes de nossa necessidade de


fazê-lo; da sua essencialidade para nossa existência, não um sim ples ato ritual ou
social. Algumas vezes a impressão que fica é que pensamos que Deus carece do
nosso culto; e se não o oferecermos, Deus fica excluído de parte de Sua glória. Na
realidade o Culto foi estabelecido por Deus para completar as nossas necessidades,
 já que o homem é também um ser espiritual. Deus não carece de culto; nós é que
carecemos de cultuá-lo num reconhecimento de Sua soberania, bondade, providên-
cia e misericórdia. Aliás, não pode haver culto sem o reconhecimento de Sua glória.
“A adoração não é somente uma expressão de gratidão, mas também é um
meio de graça, através do qual os famintos são alimentados, e os pobres são
enriquecidos. (...) Os homens honram muito a Deus, quando chegam à ado-
ração famintos e em atitude de expectação, cônscios de sua necessidade,
esperando que Deus supra essa necessidade e os satisfaça .84 ”

 j) São genuinamente agradecidos: O culto a Deus é um tributo de louvor e gr a-


tidão. Quando nos reunimos para cultuar o fazemos agradecidamente tendo os no s-
sos olhos fitos em Deus e em seus atos salvadores e abençoadores. Necessit amos,
portanto, desenvolver a nossa percepção espiritual; ver, ainda que apenas parcia l-
mente, os feitos de Deus. Nessa disposição, publicamos os Seus atos como o sa l-
mista o fez, dizendo: Vinde e vede as obras de Deus: tremendos feitos para com os
“  

filhos dos homens!   (Sl 66.5) (Ver: Sl 46.8). .... a desconsideração quase univer-
”   “

sal leva os homens a negligenciarem os louvores a Deus. Por que é que tão
cegamente olvidam as operações de sua mão, senão justamente porque
nunca dirigem seriamente sua atenção para elas? Precisamos ser desperta-
dos para este tema .85 A desconsideração dos feitos de Deus é um ato de ingrat i-

dão: .... Quando Deus, em qualquer tempo, nos socorre em nossa adversi-

dade, cometemos injustiça contra seu nome se porventura esquecermos de

mundo é meu e quanto nele se contém. Acaso, como eu carne de touros? Ou bebo sangue de cabr  i-
tos?” (Sl 50.9-13).
83
Não te repreendo pelos teus sacrifícios, nem pelos teus holocaustos continuamente perante mim ”

(Sl 50.8).
84
J.I. Packer, Entre os Gigantes de Deus: Uma visão puritana da vida cristã,  p. 273.
85
 João Calvino, O Livro dos Salmos, S ão Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 2, (Sl 66.5), p. 624. Deus é

o autor de todo bem, segue-se que devemos receber tudo como vindo de Sua mão, e com
incessante ação de graças. Reconheçamos igualmente que não haverá nenhuma boa
maneira de fazer uso dos benefícios que generosa e abundantemente Ele derrama sobre
nós, se não Lhe estivermos dando constante louvor, com ações de graças [João Calvino, As

Institutas, (1541), III.9]. Assim também não deixemos passar nenhum tipo de prosperidade

que nos beneficie, ou que beneficie a outros, sem declarar a Deus, com louvor e ação de
graças, que reconhecemos que tal bênção provém do Seu poder e da Sua bondade  [João ”

Calvino, As Institutas, (1541), III.9]


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celebrar nossos livramentos com solenes reconhecimentos .86 Por outro lado, a ”

contemplação dos feitos de Deus é pedagógica no sentido de nos conduzir a Deus


em gratidão e louvor.

São Paulo, 21 de setembro de 2007.


Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

86
 João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 66.3), p. 630.

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