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E d it o r e s
M anoel Tosta B erlinck
M aria C ristin a R ios M agalhães
C a pa
Im ageriaestudio
P r o d u ç ã o E d it o r ia l
A raide Sanches
D ados in te rn a c io n a l de C a ta lo g a ç ã o n a P u b lic a ç ã o (C IP )
ISBN 978-85-7137-257-3
P r im e ir a p a r t e : T e o r ia
II - O s gozos distintos 55
1. Entre gozo e linguagem 55
2. O gozo (não) é a satisfação de uma pulsão 58
3. A palavra, diafragm a do gozo 67
4. A Coisa e o objeto @ 77
5. A castração e o nom e-do-Pai 85
6. As barreiras ao gozo 99
7. A “causação do sujeito” ou além da angústia 109
S egunda parte: C l ín ic a
d is tâ n c ia te m p o a trá s: a s p ir a ç õ e s g o z e ir a s , c o n s id e r a ç õ e s
gozológicas, gozificação e desgozificação do corpo etc. U m a vez
que o gozo tomou seu lugar na conceituação freudiana e lacaniana,
a contribuição dos sufixos que nossa língua oferece converte-se em
necessidade expressiva para que não haja razões para renunciar.
Após estas considerações podem os voltar ao princípio e No
princípio...
N ésto rA . Braunstein
Cuernavaca, M éxico, janeiro de 2006
Prim eira Parte
T e o r ia
I
2. O g o zo em Freud
10. J. L acan. Le sém inaire. Livre XXI. Les non-dupes errent. A ula de 19 de
fevereiro de 1974. Inédito.
11. J. L acan (1959). Le sém inaire. Livre VII. L ’étique dans la psychanalyse.
Paris: Seuil, 1986. p. 167.
12. J. L acan (1967). R e s e h a s d e e n se n a n za . B uenos A ires: M anantial, 1984.
p. 45. O rnicur?, n. 29, p. 17, 1984.
O gozo: de Lacan a Freud 25
I 3. J. L acan (1970). Radiophonie. In: Autres écrits. Paris: Seuil, 2001. p. 403-48.
14. J. L acan (1973). Le sém inaire. Livre XX. E ncore. Paris: Seuil, 1975. p. 49.
O gozo: de Lacan a Freud 27
Sujeito Outro
19. J. L acan (1960). Écrits. Paris: Seuil, 1966. p. 821; E scrito s 2. M éxico:
Siglo X X I, 1984. p. 801.
( i )'o/.o: de L acan a Freud 3!
22. S. Freud (1910, 1912, 1918). O bras com pletas, v. XI, p. 155-204.
23. S. Freud (1914). O bras com pletas, v. XI, p. 65-98.
O gozo: de Lacan a Freud 33
É n e c e s s á r io m e m o riz a r to d o s e s te s a n te c e d e n te s p a ra
com preender o trabalho de Freud nos com eços de 1919, uma época
cm que se p oderia dizer que não trabalhava em duas m esas, mas
\im cm três e que o leva a um a reform ulação que im plica um novo
começo para a psicanálise. Com efeito, ainda que “Além do princípio
de prazer”42 veja a luz em 1920, sua redação data dos m eses de
m arço a maio de 1919, mês que tam bém viu a segunda e definitiva
redação do artigo sobre “O estranho” (D as U nheim lich).41 Por sua
vez, o térm ino de “Bate-se num a criança”44 teve lugar em m arço de
1919. N unca se destacou o bastante, nem sequer o próprio Freud,
a diáfana unidade dos três textos e a luz que eles, com o conjunto,
lançam sobre (e recebem de) o conceito de gozo.
C om eçando pelo estranho: por que aderiria o processo cultu
ral a essas criações com caráter sinistro e por que teriam as repre
sentações do horroroso a pregnância que têm sobre o imaginário dos
hom ens, se o princípio de prazer governa com o soberano? Por que
reincidiria o sujeito em pesadelos que o m ostram acuado, sem saí
da, condenado a ser o objeto de sevícias c crueldades? Por que ape
gar-se às antecipações da morte e do holocausto, às prem onições do
fracasso, aos fantasm as da vergonha, aos estragos c cobranças da
culpa, às possessões dem oníacas, às invasões do horrendo im pen
sável, in e x p re ssá v e l? Q ual a n e c e ssid a d e ou a co n v en iên cia de
criar hidras e dragões, íncubos c súcubos, infernos e suplícios?
E p o ssív el q u e um a p rim e ira re sp o sta co lo q ue em jo g o a
consciência “que nos faz culpados”, o preço pago pelo prazer obtido
ou fantasiado, a presença em cada um a dessa instância revelada por
Freud nesses m esm os anos: o supereu.45 Não é m era coincidência,
não. A prim eira resposta que nos ocorre volta de im ediato com o
pergunta: e por que em um organism o supostam ente regido pelo
p rincípio de prazer, o supereu? É evidente que o supereu não se
com padece na busca de um a m enor tensão, mas instala no indivíduo
um a eficiente maquinaria para não dormir nos braços do prazer e para
exigir a retaliação por qualquer crime cometido, mesmo que seja mais
com o pensam ento do que com a ação. A tal ponto que não faltou
p s ic a n a lis ta (B e rg le r) q u e s u g e ris s e q u e e s tá re g id o p o r um
“princípio de tortura” .
O supereu é a instância que vigia e pune as transgressões, é
o código legal e penal e a força jurídica e policial que ordena dentro
de cada um o suplício. N a gráfica im agem freudiana (à qual não
poderíam os dar um estatuto ontológico) com anda a intranqüilidade,
ex ige satisfaçõ es que não são as das n e c essid ad es, nem as das
d e m a n d a s e m a rc a o d e s e jo co m o p e rig o so e im p re e n c h ív e l.
Esgrim indo a am eaça de castração nos homens e a do abandono nas
m u lh e re s, p e rp e tu a seu s im p e ra tiv o s de s a c rifíc io , de d ív id a
im pagável, de posse subjugante exercida pelo Outro. Sua exortação
incessante não é senão a que se expressa com um a única palavra:
“G o z e !” , ag o ra co m o im p e ra tiv o do v erb o que c o n flu i p a ra a
significação hom ofônica do substantivo. Com mais confiança, nos
tutearia, ordenando: “G oza!” (“Jo u is/”).
Com ele, graças a ele, o erotism o se tinge de culpa e a culpa
se erotiza, o am or se liga à transgressão, o prazer entra na caixa
re g is tra d o ra das d ív id a s, o p ecad o se faz g o zo, a c o n sc iê n c ia
conhece o gozo oral dos re-m ordim entos (rem orsos), as cham as do
inferno deitam sua som bra sobre a carne inflam ável de todos nós,
seres privados da relação sexual. O supereu troca o prazer por gozo,
p a ra que não se e x tin g a com os d e rra m a m e n to s da sa tisfa ç ã o
alcançada. D aí tam bém sua característica, assin alada por Freud,
re la tiv iz a d a p o r L acan no sem in ário sobre a ética, de ser m ais
prem ente quanto maiores forem as oferendas que recebe.
O apoio ao estranho ou om inoso pela presença constante do
su p e re u é p ro v a de um m a so q u ism o p rim o rd ia l que ab ra n d a ,
sem pre, o princípio de prazer. Conhecidas são as provas que Freud
traz por ocasião de sua reviravolta dos anos 1920. A com pulsão à
repetição, descoberta anos antes na transferência analítica, que nos
m o stra os fa la n te s co m o seres c a re n te s de in te lig ê n c ia , d essa
inteligência que governa o reino animal, isso que nos leva a tropeçar
du as v ezes na m esm a p e d ra p ara, d ep o is do seg u n d o tro p e ço ,
procurá-la pela terceira vez para que nos responda a pergunta sobre
o p o rq u ê de n os c h o c a rm o s co m e la nas d u as o p o rtu n id a d e s
anteriores e darm o-nos por satisfeitos até haverm o-nos derrotado
para tirar a pedra do cam inho e estarm os, assim , habilitados para
46 G ozo
47. S. Freud (1919). Pegan a un nino. In: O bras com pletas, v. XVII.
48. N. A. B raunstein. Mi papá me pega (m e am a). In: F reudiano y lacaniano.
49. J. L acan (1958). Le sém inaire. Livre V. L es fo rm a tio n s de l ’in co n scien t,
p. 247.
48 G ozo
53. J. Lacan ( 1967). Le Sem inaire. Libre XIV. La logique du fantasm e. Inédito.
O gozo: de Lacan a Freud 51
sabe e o que ignora, entre uma raça e outra. Por que não estabelecer,
então, com o aprendem os a fazer com relação ao significante, que
o valor do gozo não tem outra substância senão um a diferença com
relação ao que este gozo presente não é l
H á ainda algo m ais a dizer em torno desta oposição binária
c o lo c a d a p o r L a c a n e n tre o g o z o e o d e s e jo . O d e s e jo de
reconhecim ento (do desejo), noção-chave do primeiro Lacan, auxilia
a luta dialética com o desejo do Outro e, portanto, o gozo da batalha,
da guerra por fazer reconhecer o próprio desejo frente ao desejo-
não-desejo do Outro. (D esejo-não-desejo, já que o desejo do Outro
é um desejo de ser reconhecido e não de reconhecer mais alguém).
E s ta é a c h a v e d o s te x to s fre u d ia n o s s o b re o m a s o q u is m o ,
co m eçan d o p o r “B ate-se n u m a c ria n ç a ” . E tam bém a ch av e da
clínica da vida e da história. Com o conceito de gozo (contraposto
ao de desejo), a luta de m orte entre o senhor e o escravo (com todas
as suas variantes e versões) encontra seu fundam ento.
“ Se m e c a s tig a m é p o rq u e m eu d e s e jo e x is te e não foi
desvanecido no desejo do Outro. Nesse castigo recupero meu gozo
ao preço de aliená-lo na relação de oposição com o O utro” . O gozo
se faz possível um a vez que se aplaca, com esta in terv en ção do
O utro que é aco lh id a com o um a salvação com relação ao O utro
gozo, este sim não dialético, que é o gozo terrorífico e irrefreado do
Um sem a interv en ção d iferen ciad o ra do O utro. O flagelo é um
significante que cham a à ex-sistência, a transitar por um a relação
d ia lé tic a e co n tra p o sta dos gozos que se a rticu la com a relação
dialética do desejo, m as que não se confunde com ela, com seus
“acordos” e com seus pactos sim bólicos. D eve-se recordar um a vez
m ais as fra se s de H e g e l, q u e fo ram c ita d a s no co m e ço d e ste
capítulo, para advertir que, na concepção ju ríd ica do gozo, este é
particular, diferentem ente do desejo que é universal. E tam bém que,
evocando Lacan em seu breve artigo dedicado ao Trieb de Freud,54
o desejo vem do Outro, enquanto o gozo está do lado da Coisa, do
lado do Um. De acordo. M as isso não exclui o gozo da dialética,
pois o gozo do Um apenas pode ser alcançado tirando-o do gozo do
Os gozos distintos
Todo sujeito está e é cham ado a ser. Esta convocação não po
deria proceder desde dentro, desde algum a força interior que resi
diria nele ou nela, de um a necessidade biológica que o im pulsionaria
a se desenvolver. A invocação é subjetivante, faz sujeito. A ele se
pede que fale, assum indo o nome que o O utro lhe deu. Tem de fa
lar, dizer quem é, identificar-se. O Outro requer sua palavra: se a lin
guagem m ata a coisa ao substituí-la, tornando-a ausente, a palavra
deve reapresentá-la, ordenando necessariam ente o reconhecim ento
deste Outro da linguagem , aquele que confere a vida, separando-se
d e la , m o rtific a n d o . O su je ito ad v ém , a lc a n ç a , a ssim , su a ex-
sistência... mas por ela deve. O Outro indica-lhe de mil m aneiras que
a vida que recebeu não é gratuita, que deve pagar por ela.
M as com que m oeda poderia pagar o infans, o sujeito anterior
à função da palavra, o preço de sua ex-sistência? Pagar quer dizer
que se aceita a dívida e o pagam ento é uma renúncia. Cada m oeda
entregue, não im porta sua natureza, é um a renúncia ao gozo; cada
vez que é dada, não pode voltar a ser usada. A com pra de um novo
objeto ou um novo em préstim o o b rig a a dar um a nova m oeda; a
p erd a é in ev itáv el. E p ara v iv er tem de pagar, d esp ed ir-se com
renúncia do gozo. É mais, a clínica m ostra os efeitos devastadores
que se produzem naqueles a quem a existência é dada gratuitamente,
56 G ozo
7. J. L acan (1960). Le sem inaire. Livre VII. L 'e tiq u e dans la psychanalyse,
p. 247-248.
62 G ozo
13. J. L acan (1954-1955). Le sem inaire. L ivre II. Le m oi... Paris: Seuil, 1978.
Os gozos distintos 65
___ S, - > S,
8 // @
(S 0 @ )
21. S. Freud (1911). F o rm u lac io n es sobre los dos p rin cíp io s dei a c a ec er
psíquico. In: O bras co m p leta s, v. XII, p. 223.
22. S. Freud (1915). O bras co m p leta s, v. XIV, p. 129-130.
72 G ozo
23. J. L a c a n ( 1 9 6 4 ) . L e s e m in a ir e . L i v r e X I. L e s q u a tr e c o n c e p ts
fo n d a m e iita u x de la p sychanalyse, p. 167.
24. J. L acan (1970). A utres écrits (A .E .). Paris: Seuil, 2001. p. 393-403.
O s gozos distintos 73
sã o e n c o n tr a d a s n a s p e r v e r s õ e s , to x ic o m a n ia s e d o e n ç a s
psicossom áticas. D ever-se-á falar sobre isso nos capítulos dedicados
à clínica, m as é im portante sublinhar desde já a utilidade clínica da
oposição e da com posição entre gozo e discurso, porque ela está no
cerne da experiência m esm a da análise que consiste em operar sobre
o diafragm a do gozo. As condições do tratam ento não apenas não
são as m esm as, mas devem ser radicalm ente opostas para o caso
em q u e o d ia fra g m a n ão e x is ta (p s ic o s e ) ou e s te ja fe c h a d o
(neurose). O dispositivo freudiano surge da experiência das neuroses
e consiste em criar as condições de possibilidade que perm itam a
passagem do gozo à palavra. E esta tam bém a idéia que nos oferece
um outro cam inho de acesso ao que se desenrola na transferência
que é transferência do saber, certam ente, e constituição do sujeito
suposto saber, mas som ente na m edida em que esta suposição seja
a de um sabergozar que tanto abre para o ato perverso quanto para
o ato a n a lític o , e o n d e s o m e n te o d e s e jo do a n a lis ta p o d e rá
estabelecer a diferença.
4. A c o isa e o objeto @
impõe o ser e nos obriga a adm itir que, do ser, nunca temos nada?” .
O que nos lança não a parecer, mas a para-ser, a existir de lado, no
cam po do sem blante, dada a “insuficiência” da linguagem.
Creio que já é desnecessário insistir. A Coisa é um efeito da lin
guagem que introduz a falta e que, assim , separa dela. A Lei da lin
g u a g e m , a d as s o c ie d a d e s h u m a n a s c u jo e fe ito fin a l e c u jo
fundam ento é a lei da proibição do incesto, a proibição da reintegra
ção com a m ãe, é a que cria a Coisa e a define com o perda. Desde
que se produz o prim eiro acesso ao sim bólico, a prim eira intrusão
do sím bolo na vida, a Coisa fica obliterada, o gozo fica m arcado por
um m inus e o ente hum ano é cham ado a ser por meio da obrigação
de dizer-se, de articular significantes que expressam sem pre um
único conteúdo fundam ental: o da falta no gozo, único referente,
“única ontologia confessável” para nós, psicanalistas. E é pela falta
que se produz no ente por ter que se dizer que resulta o ser de to
dos os exilados da Coisa, os falantes. Já no item anterior, aborda
mos a questão do discurso e vimos que o trabalho de articulação dos
significantes supõe um real prévio, um aquém, o da Coisa e produz
um saldo inassim ilável e incom ensurável, o gozo perdido, causa do
desejo, que é o objeto @, um real posterior. E assim que corre o fio
do desejo, por m eio de dem andas que se repetem em direção ao
O utro e que recebem dele signos, m anifestações, doações, que não
podem preencher o vazio aberto no gozo por ter que sc tornar pa
lavra. E não é que o Outro seja malevolente, não; é simplesmente que
não tem com que responder ao que lhe é pedido, que manca por falta
de um significante, que está barrado.
Sendo a C oisa irrepresentável - cenário vazio, um espaço que
está além da infranqueável superncie do espelho cujo espaço virtual
q ue faz s u rg ir não é n ad a além da m irag em os o b je to s que
p reten d em s u b stitu í-la , p o v o a r e m o b ilia r esse esp aço , apenas
conseguirão um estatuto espectral, im aginário. São os objetos do
fantasm a ante os quais o sujeito se desvanece (S O @). Introduz-
se assim a distinção essencial entre a C oisa e os objetos (das Ding
e, por outro lado, die Sache, die Objekte, die Gegenstände). É aqui
que podem os considerar o objeto @ que causa o desejo e que move
a pulsão. P or ser a C oisa aquilo que falta, os objetos do m undo
aparecem e se m ultiplicam , os falantes, pela via da linguagem , dão-
O s gozos distintos 81
40. J. L acan (1960). Le sem inaire. L ivre VII. L 'étiq u e dans la psychanalyse,
p. 133.
O s gozos distintos 85
Mas, antes de chegar aí, tem os que fazer a visita que estam os
devendo ao M estre Falo.
5. A castração e o n o m e-d o -p ai
Sei que a topologia não é popular, mas acho que a maneira mais
sensata e exata de abordar o tem a-eixo deste capítulo que distingue
fo rm a s do g o z o p a s s a p e la fig u ra e s tr a n h a e in q u ie ta n te ,
recentem ente evocada, do toro com sua criação de novas dim ensões
e de e sp aço s in c o m u n ic á v e is. A ssim c o m e ç a m o s a fa z ê -lo no
parágrafo anterior e assim continuarem os agora de modo congruente
com o que ali colocam os. U m a pessoa pode passar a vida viajando
pela superfície interior de um a câm ara de pneu de autom óvel sem
ter a m enor intuição ou representação do buraco central, ou do eixo
ao re d o r do q u a l se g iro u . E m c o m p a ra ç ã o co m o q u e se ria
d e s c o b rir q u e v iv e m o s em um e sp a ç o tó ric o , a fa m o s ís s im a
revolução copem icana pareceria um a m odificação pouco importante
da concepção do m undo em que existimos.
Vou entrar rapidam ente no assunto com um a afirm ação dog
m ática que poderá parecer apressada, m as que na seqüência tenta
rei desenvolver de m odo razoável: a superfície da câm ara de ar que
separa de m odo irreversível os dois vazios, colocando-os em dim en
sões heterogêneas é a função da linguagem , separadora da C oisa,
efeito da lei da cultura, da linguagem com o instauradora de um corte
que não é outro senão a castração sim bólica, a que gira em torno
do significante do Falo ((])). Trata-se do Falo sim bólico, im possível
de fazer negativo, que representa o gozo com o inalcançável para
aquele que fala, pois, tendo ou não pênis, órgão que o representa no
im aginário, é im possível sê-lo. Toda relação com o gozo passa por
esta proibição, por essa im posição de que os objetos @ aos quais
o sujeito poderia aceder suportam sem pre a dim ensão da castração,
o nom e do @ (-()>) de que falam os em um item anterior.
Este é um ponto com plexo e debatido da articulação lacaniana
e de su a le itu ra de F re u d . M u ita tin ta foi g a s ta em to rn o do
“falogocentrism o” da teoria, da assim ilação da função da linguagem
86 G ozo
41. Cf. N. A. B raunstein. El Falo com o S.O .S. (sím bolo, objeto, sem blante).
In: P o r el c am ino de F reud, p. 112-120.
42. J. D errid a. L e fa c te u r de la vérité. P o é tiq u e , P a ris, n. 21, 1975. Em
castelhano em L a tarjeta postal. D e Sócrates a F reud y m ás allât. M éxico:
Siglo X II, 2001. p. 387-485.
43. L. Irigaray. Spéculum , de l ’autre fe m m e . Paris: M inuit, 1974,
44. L. Irigaray. Ce sexe qui n 'en est p a s un. Paris: M inuit, 1971.
45. C. Soler. Ce q u e L acan d isa it des fem m es. P aris: E d itio n s du C ham p
L acanien, 2003.
46. D. L u e p n itz . B e y o n d the P h a llu s. C a m b rid g e C o m p a n io n to L acan.
C am bridge (U K ), C am bridge U niveristy Press, 2003. p. 221-237.
47. J. D errida. L a tarjeta postal. D e Sócrates a F reud y m ás allá, p. 403.
Os gozos distintos 87
pode abrir o cam inho para uma possível liberdade com relação ao
que se apresenta com o fatalidade. É justam ente a chave da posição
lacaniana relativa ao gozo fem inino que abordarem os no próxim o
capítulo. E é o centro da aposta teórica, clínica e inclusive política
da c o n s id e ra ç ã o d a d ife re n ç a e n tre os g o z o s q u e d ev em ser
distinguidos em sua especificidade.
A Lei tem um efeito temível, não angustiante, que é a castração.
Sim bólica, sem dúvida, que m ais poderia ser? P or ela se instala a
separação entre o gozo e o desejo. O proibido faz-se fundam ento do
d e se jo e este deve ser p o sto em p alav ras. C o n form e vínham os
recordando, em Freud e a partir de Freud, toda renúncia ao gozo,
todo pagam ento feito na conta do Outro, todo este esvaziam ento do
g ozo que é a ed ucação das pu lsõ es, cu lm in am no com plexo de
castração que ressignifica todas as perdas anteriores em relação ao
falo, significante da falta como universal para os falantes, que divide
o cam po da sexuação em duas m etades não com plem entares que
são a d o U m e a do O u tro , a do h o m em e a das m u lh e re s. A
sexualidade e a diferença entre os sexos passam a ser, assim , um
fato de lógica que significa e ressignifica a diferença anatômica. Entre
o hom em e a m ulher há um significante que os divide conform e o
m odo particular que têm de se posicionar com respeito a ele; há um
m uro de linguagem que os separa.
O Falo, com o significante, tem a im possibilidade do gozo da
C oisa ou gozo do ser com o significado. A castração não quer dizer
outra coisa senão isto: todo ser humano, todo aquele que fala, está
sujeito à Lei de proibição do incesto e deve renunciar ao objeto
p rim e iro e absoluto de d esejo que é a M ãe. Tendo ou não falo,
ninguém , nem a criança, nem a M ãe, nem o Pai, poderá sê-lo. O
Falo é o significante dessa proibição absoluta; substitui assim esse
ponto zero da linguagem que é a Coisa. Seu valor é idêntico ao do
nom e-do-Pai que, na função m etafórica, substitui o significante do
Desejo da M ãe. Atenção! Coloco aqui um a equação:
Falo = N om e-do-P ai
(p : O @ : Coisa
49. E m 1998, quatro após o surgim ento da prim eira edição francesa, trad u
ção d a p rim e ira em c a s te lh a n o de G ozo, P a tric k V alas p u b lico u L es
dim en sio n s de la jo u issa n c e. R am onville: E rès. E ssa obra e stá repleta de
citaçõ es tiradas de m eu livro sem nenhum a m enção a ele e sem qualq u er
alusão às fontes pesquisadas pelo autor. N as páginas 78-80 d iscute com
a posição que aqui exponho sobre a distinção do gozo pré-linguajeiro do
ser e o gozo do O utro, pós-linguajeiro. No tenho inconveniente em d e b a
ter o ponto, m as m e pergunto: será que não v aleria a pena incluir a refe
rência do au to r e da o bra com a qual difere? O m esm o é válido para o
e n sa io de M a rc -L é p o ld L evy, C ritiq u e d e la jo u is s a n c e co m m e une,
R am onville: É rès, 2005. Ao assinalar estas flagrantes e suspeitas o m is
sões, quero d eix ar a certeza de m eu reco n h ecim en to a todos os autores
que sim reconhecem - tanto a favor com o contra - a ex istência das p ri
m eiras edições deste livro.
50. J. L acan (1960). É crits, p. 823; E scritos 2, p. 803.
90 G ozo
te, tam pouco é o órgão (pênis) nem a im agem deste, mas o que in
duz em toda im agem o efeito de aparecer m arcada por uma falta,
por uma com pletude. Se é -1 é porque designa, no O utro, um a fal
ta de significante. Significante, pois, da falta de significante; pura
positividade que m arca de negatividade, que condena a não ser ou
tra coisa senão sem blante a todo o articulável. M arca-o de negati
vidade e o faz “p ara-ser” no sentido de que tudo o que se afirma,
seja no sentido da atribuição ou da existência, atura um a sombra:
“isto que é, com o significante, é por não ser F alo”. E reconhecen
do o Falo neste lugar central, e ao m esm o tempo excêntrico, que se
explica e se m ostra a falta de fundam ento de todo falocratism o e se
confirm a que, sim, efetivam ente, a teoria é “falogocêntrica” . Pois a
castração está no centro do advento do falante e não é nem patri
mônio nem m otivo de infâm ia para nenhum dos sexos.
O sig n ific a d o do falo com o -1 não é um zero, não é uma
ausência; é um a afirm ação de que o co n ju n to do significante, o
sistema do Outro, é inconsistente, suporta uma ausência que faz dele
um conjunto fechado já que sem essa ausência o conjunto não teria
limites e, conseqüentem ente, não existiria com o conjunto. É assim
que Falo, S(A) e proibição do gozo (da Coisa) com o absoluto, são
equivalentes. Falo é o nom e do significante que desvia da Coisa
intangível para os objetos do desejo.
O sujeito da dem anda, o que resulta da repetição dos arcos na
alma do toro da dem anda de satisfação pulsional (essa satisfação que
não existe, mas que nem por isso se deixa de pedi-la, é mais, é só
o que se pede), esse sujeito que se desvanece para ficar substituído
pelo que pede ao Outro (S O D), tropeça necessariam ente com o fato
da falta de significante no O utro, esse O utro que é desejante, que
está b a rra d o , m as c u jo d e se jo é um e n ig m a ( “O q ue q u e r [de
m im]?”). A significação desta falta (S[A]) é a do gozo como proibido
“ou tam bém que não pode ser dito senão nas entrelinhas para quem
quer que seja sujeito da Lei, já que a Lei se funda nessa proibição
m esm a” .51
Estas distinções su b m e te m -se a u m a d ifícil in tu iç ão na me
tade superior do g rá fic o do d e s e jo ,52 aí onde o vetor h o riz o n ta l
d (desejo)
(fan tasm a)
T
Parte superior do gráfico do de se jo
8 @
Nome do Pai
6. A s b arreiras ao gozo
65. J. L acan. C ourt eniretien a la R.T.B. Q uarto, Bruxelas, n. 22, p. 31, 1985.
100 G o zo
70. K. Polanyi. La grau tansform ación. M éxico: Fondo de C ultura E conóm ica,
2003. p. 91.
71. N. O. B row n. E ros y Tánatos. M éxico: M ortiz, 1967. p. 293.
72. A. Huxley. C ontrapunto. B arcelona: Seix Barrai, 1983. p. 302.
Os gozos distintos 103
73. J. L acan (1960). Le sem inaire. L ivre VII. L 'étiq u e d a n s la psych a n a txse,
p. 142.
Os gozos distintos 105
74. E. P o rg e . L e s n o m s -d u -P è r e c h e z J a c q u e s L a ca n . P o n c tu a tio n s et
problém atique.
75. J. L acan ( 1974). Le sem inaire. Livre XX. E ncore, p. 52.
76. Idem , ibidem , p. 49.
Os gozos distintos 107
entendido que não é o Outro que goza, que há som ente gozo de um
que goza atrib u in d o um gozo ao O utro que o tom ará com o seu
objeto.77
N este agrupam ento dos registros de dois em dois, proposto
por Lacan, fica um terceiro espaço de sobreposição, o do imaginário,
recobrindo-se com o sim bólico, m as sem alcançar o real, que é o
nível do s e n tid o ; g raças ao sentido constituem -se os ob jeto s da
re alid a d e , o c o n se n so c o m p a rtilh a d o , o a co rd o g a ra n tid o p ela
palavra, a ideologia; o gozo fica excluído dele e é defendido por todas
as instâncias assinaladas nos parágrafos anteriores. O sentido serve
ao re c o n h e c im e n to do m u n d o do q u al o a rtífic e é em n o sso s
tempos o com unicador, o G rande Outro das mass media, aquele que
junta as representações atrás da televisão, aquele que uniform iza no
planeta os modos de manter o gozo à distância e configura os eus que
se reconhecem reciprocam ente em um ideal comum, ou seja, que se
m assificam d e sg o z ific a n d o -se seg u n d o a fó rm u la fre u d ian a de
1921.™
Lacan inscreveu estas relações em seu nó borrom eu quando
proferiu sua terceira conferência em R om a,79 de m odo que, sendo
cada um dos aros da corda a rep resen tação de um dos registros,
fica um a área de trip la so b rep o sição do real, do sim bólico e do
imaginário na qual se localiza o objeto @ que tem esse triplo estatuto,
essa tripla pertinência. V ê-se no nó três áreas de dupla sobreposição
que excluem um dos três registros: gozo do O utro (sem simbólico),
gozo fálico (sem im aginário) e cam po do sentido (sem real... e sem
gozo).
80. J. L acan (1956). Le sem inaire. Livre III. Les psychoses. Paris: Seuil, 1976.
p. 210-211 ; Sem inário X , aula de 9 de jan eiro de 1963, L’E tourdit, Ecrits,
p. 459, onde se lê: “E o sujeito que, com o efeito de significação, é resposta
do real” .
81. S. Freud (1915). O bras co m p leta s, v. XIV, p. 130,
82. S. F re u d (1911). F o rm u lac io n es so b re los dos p rin cip io s dei su ced er
psíquico. In: O bras com pletas, v. XII, p. 223-231.
110 G o zo
89. Por exem plo, em três ocasiões no Sem inário X, A angú stia , au la de 13 de
m arço de 1963, e nos sem inários de 29 de jan e iro e 14 de m aio de 1969.
N a obra escrita em “ Presentación de las m em órias de un n e u ró p ata ”, em
A utres Ecrits, p. 215. D evo a A lfonso H erresa esta valiosa observação.
90. J. L acan (1963). Sem inário X, aula de 13 de m arço.
91. J. Lacan (1955). Écrits, p. 53 e ( 1958), p. 557; E scritos 1, p. 47 e E scritos
2, p. 530-531.
Os gozos distintos 113
A a li e n a ç ã o te m u m a c a r a p a t e n t e , q u e n ã o é q u e n ó s
s e ja m o s o O u tro , o u q u e o s o u tro s (c o m o se d iz ) n o s a c o lh a m
d e s f ig u r a n d o - n o s o u d e f o rm a n d o - n o s . O p r ó p r io d a a lie n a ç ã o
n ã o é q u e s e ja m o s r e c o l h id o s , r e p r e s e n t a d o s n o o u tr o ; e la se
fu n d a e s s e n c ia lm e n te , p e lo c o n trá rio , n a re c u s a d o O u tro c o m o
v in d o o c u p a r o lu g a r d e s ta in te rro g a ç ã o d o se r... Q u e ir a o C é u ,
114 G ozo
M as o Céu não o quer assim e por isso deve suar m uito, deve
se esforçar e correr atrás daquilo que poderia reparar a divisão do
sujeito que se p ro d u z com o c o n seq ü ên cia de ser reje ita d o pelo
Outro, pela im posição de uma separação com relação a esse Outro
cuja e ssên cia é a falta. Teve que atrav essar pela an g ú stia e pela
alienação para advir se tornar desejo, aceitar a inevitável castração
e se reconhecer com o sujeito partido pelo significante e, portanto,
sujeito separado do objeto do fantasm a. Separar-se do O utro sem
renunciar a ele, deixando um presente em suas mãos, o objeto @,
tendo salvo a vida à custa de ter perdido a bolsa em resposta à sua
intimação imperiosa: a bolsa ou a vida! Deixou em suas mãos a bolsa,
o gozo, e recuperou um a vida atingida no essencial. Além disso, a
relação com o gozo não se fará d esde S, m as, p assando por @,
desde S. V iver-se-á no fantasm a.
A operação neste ponto pode se representar com os clássicos
círculos eulerianos. O ser do sujeito teve de passar pelas redes do
significante, pelo Outro. A alienação tropeça com o desejo e com a
rejeição do O utro. Esse Outro está barrado por um a falta [S(A)] e
essa falta não é preenchida pelo sujeito que se oferece para isso. A
pergunta por seu desejo, o do O utro, perm anece aberta, é enigm a
e, por sua vez, chave da existência. O sujeito não consegue que seu
s e n tid o se p re e n c h a p le n a m e n te no O u tro e se s e p a ra d e le .
S ubtraindo-se à intim ação que revela a incom pletude do O utro e
traçando o que ao O utro faltaria se ele se negasse a reconhecê-lo
com o Outro; é assim que o sujeito recupera seu ser. A relação entre
o S ujeito e o O utro não pode ser de inclusão, nem tam pouco de
e x c lu sã o co m o o e ra no p o n to de p a rtid a , o dos dois c írc u lo s
isolados. H á um a zona de in tersecção de onde a falta de Um se
sobrepõe à falta de Outro; é a área correspondente ao objeto @ que
deixa a das barras, a de S e a de A:
O q u e do e n s in o de L a c a n a c a b a m o s d e (r e -) e la b o ra r ?
R espondam os rapidamente: a relação de oposição e de passagem do
gozo ao desejo. Lacan ocupou-se desta questão entre 1963 e 1964,
em seus se m in á rio s X, A a n g ú stia , e XI, O s qu a tro c o n c e ito s
fundam entais da psicanálise e em seu artigo intitulado “Posição do
inconsciente” .93 Fê-lo de duas m aneiras sucessivas e diferentes que,
com o os círculos eulerianos, parecem obrigar a eleger à custa de
uma perda. A exposição no seminário da angústia, cronologicam ente
a prim eira, condensa-se em torno de um quadro cham ado divisão
subjetiva; nesse quadro a palavra “divisão” alude, sim, à barra do
sujeito, mas em que o essencial está dado pela adoção do m odelo
m a te m á tic o d a d ivisã o : q u a n ta s v ezes S em A ? É o p rim e iro
m om ento, o do gozo. O “quadro” m ostra que o sujeito somente pode
entrar em A para inscrever seu gozo com o @; mas, com o resultado
desta operação, produz-se um quociente que é a barra do Outro (A);
é o segundo m om ento, o da angústia e isto dá lugar a um terceiro
m om ento, o da divisão, @ dividido por S, o sujeito, depois de passar
pela posição de objeto @ para o Outro, produz-se com o um sujeito
barrado ($), sujeito do desejo inconsciente. Entre o Sujeito e o Outro,
“o in co n scien te é o co rte em ato ” .94 R esta assim um resíduo da
operação: S. E hora de inscrever a divisão:
A S gozo
@ A angústia
S desejo
sem inário dedicado à angústia, esse afeto, o único, que não engana
e q u e a p a re c e , c o m o o m o stra o p e s a d e lo , no m o m e n to d a
aproxim ação do gozo. Se o sonho está orientado pelo desejo que
deve realizar e pelo dorm ir que deve proteger mediante uma série de
distrações (por que não traduzir tam bém assim a Entstellung que os
processos prim ários operam ?), a angústia é esse ponto de anulação
subjetiva, de afânise em que o sujeito desaparece na confrontação
com o insondável da falta no O utro, da castração entendida com o
castração do O utro, da M ãe, para nom eá-la,98 “ ... revelando-se a
natureza do falo. O sujeito se divide aqui, diz-nos Freud com relação
à realidade, vendo ao m esm o tem po abrir-se em si o abism o contra
o qual se defenderá com um a fobia, e, por outro lado, recobrindo-
o com essa superfície de onde erigirá o fetiche, ou seja, a existência
do pênis (m aterno) com o m antida, ainda que deslocada” .
O sujeito se desvanece ante o gozo do O utro, esse gozo que
se ap resen ta de várias m aneiras: com as fauces abertas m onstro
v o ra z do p e s a d e lo , as fo rm a s de um d e s tin o d e v a s ta d o r e
inescrutável, com o ruído sinistro de um grito que nos envolve: o
grito da natureza que ressoa em nós com o no quadro de M unch, esse
grito que não é ouvido pelos personagens que dão as costas à boca
que prefere o barulho e seguem seu cam inho, com o sem blante do
gozo que o neurótico, em seu im aginário, atribui à viúva negra e à
m antis religiosa, com esse inefável gozo fem inino que se coloca
“além do falo” e “além do sentido” . Esse inesquecível gozo do Outro
condena a relação sexual a não existir. Assim, vem o-nos lançados a
tratar a relação, sem pre equívoca, entre o gozo e a sexualidde. Será
o tem a do nosso próxim o capítulo.
A angústia tem, portanto, um a função de interm ediação entre
o gozo e o desejo, entre o S e o S, entre o sujeito nonato, abolido
do p rim e iro e o su je ito c in d id o do seg u n d o . U m a p o siç ã o de
p a ssa g e m de g ozo a d e se jo que se d e c la ra c lin ic a m e n te com o
angústia no neurótico e no perverso. Entre a falta da falta, própria
do gozo psicótico (posição superior no quadro da divisão subjetiva)
Gozo e sexualidade
1. O s eq u ív o co s da sexualidade
2. J. Lacan. Le Sém inaire. L ivre III. L es psychoses. Paris: Seuil, 1981. p. 191.
3. S. F r e u d (1905). O b ra s c o m p le ta s . B u e n o s Aires: Am orrortu, 1978.
v. VII, p. 121.
G ozo e sexualidade 123
ou em lugar do leite. Freud nem sem pre foi claro a esse respeito,
pois sua prim eira teoria das pulsões baseava-se na clássica distinção
das duas g ra n d e s n e c e ssid a d e s: a da c o n se rv a ç ã o , p ró p ria ao
indivíduo, e a da reprodução, própria da espécie, que seria expressa
por meio da pulsão sexual com sua energia específica, a libido. Hoje,
teria menos oportunidades de se confundir, quando a reprodução não
é algo que a espécie necessita, m as que a am eaça (problem a da
su p e rp o p u la ç ã o , d iz e m ) e q u a n d o a fu n ção re p ro d u to ra po d e
cum prir-se in vitro, ou de m uitas outras form as, sem pulsões que
tu rv e m a fin a lid a d e ; h o je, q u a n d o a ssistim o s d ia ria m e n te aos
p ro m isso re s e tem ív eis p ro g re sso s na a p licação da e n g e n h a ria
genética; hoje, quando, por outro lado, se rom peram todos os marcos
q u e p re te n d ia m c o lo c a r a se x u a lid a d e co m o fo n te de p ra z e r e
quando refulge mais do que nunca a questão de sua relação com o
gozo, tanto pelo que lhe abre de cam inho quanto pelo que o torna
tela encobridora e de defesa conform e deixam os estabelecido no
item 6 do capítulo anterior; hoje, quando a p sicanálise recebe as
im p u g n a ç õ e s q u e p ro ced em dos ad e p to s de n o v as vias p a ra a
sexualidade (fem inism o(s) e queer theory) em prim eiro lugar.
Neste ponto cabe denunciar o obscurantism o a que a psicaná
lise deu esp aço , ap esar de F reu d , c o n tra L acan, no que tange à
confusão entre a “satisfação sexual” , o orgasm o, e a obtenção da
“saúde m ental” , a genitalidade bem -sucedida e a coorte de noções
relacionadas: a felicidade, a m aturidade, a com pletude etc. Por sua
vez, este conjunto de justificações norm atizantes e de ideais refor-
rados tom avam com o modelo a fome saciada, a redução das tensões,
a descarga da excitação e o vazam ento sem inal com o análogo à re
pleção estom acal. Fazia-se - e em m uitos casos e lugares continua
se fazendo - da cópula, da conjunção sexual (preferivelmente hetero)
um ideal que estaria de acordo com a aspiração unitiva de Eros, o
ca m in h o p ara a felicid ad e quan d o não fazia a rev o lu ção social
(Reich), a possibilidade de cum prir o que seria um sonho universal
de retorno à unidade originária, ao claustro materno. Eis um exem
plo ilustre:
C heguei à conclusão de que o ser humano busca
permanentemente, desde seu nascimento, o estabelecimento da
situação intra uterina e que se aferra a este desejo de forma
126 G ozo
teórico, dizendo: “Pena que não possa beijar a mim m esm o”, corte
com relação a si mesm o que “o levará mais tarde a buscar em outra
pessoa a parte correspondente” .15
A divisão primordial, aquela que põe em marcha a sexualidade
em seu sentido psicanalítico, é a divisão do sujeito com relação ao
gozo induzida pela castração e é esta que conduz ao desprendimento
do objeto @, suplência do gozo que falta. O objeto faz-se exótico
à medida que vem em lugar da parte laltante ao sujeito na imagem
d e s e ja d a .16 É p re c isa m e n te p o r ser sep aráv el que “o falo está
predestinado a dar corpo ao gozo na dialética do desejo” (ibid.) e por
aí é que se produz a transfusão da libido do corpo para o objeto, para
essa “p arte c o rre sp o n d e n te ” (no corp o do o utro) da qual Freud
falava.
O rebaixam ento da sublime dignidade que o misticismo (antigo
e oriental ou m oderno e ocidental) atribui ao ato sexual não conduz
a psicanálise pelo caminho regressivo da preconização de um retomo
ao auto-erotism o e a um gozo idiota, sem pre ao alcance da m ão,
nem , p o r o utro lado, ao que seria o inverso e a recíp ro ca d esta
regressão, a exaltação de valores ascéticos e de renúncia ao gozo do
corpo em função de estar esse gozo lim itado pelo prazer.
A psicanálise está em outro lugar. Não é uma técnica do corpo
com o tolam ente objetava H eidegger a Lacan (conform e o relato de
Lacan, e segundo se depreende de um a entrevista feita ao filósofo
na qual afirm a que as conseqüências filosóficas da psicanálise são
in su ste n tá v e is p o rq u e b io lo g iz a m a e ssê n c ia do hom em ) nem
tam pouco é um a ideologia espiritualizante que exalte a sublim ação.
N este sentido a psicanálise é um a ética que se m anifesta em um a
técnica linguageira centrada em torno desta articulação do desejo
inconsciente que define os m odos com o cada um se acerca ou se
d ista n c ia do ato g en ital, afirm an d o cad a um sua d iferen ç a, sua
peculiaridade, rebento do desejo, em sua aproxim ação ao gozo.
Isto, sem que se deixe de co m provar aqui e ali na clínica o
efeito da culpa que é inerente às práticas masturbatórias. A culpa não
depende de sanções ou códigos exteriores nem tampouco da ridícula
uma classe diferente do gozo filtrado pela castração, aquele que tinha
o Falo com o fundam ento significante e que era gozo fá lic o (J. <j>).
Finalmente, e para com pletar um trio de autocitações, acrescentemos
que no item 5 (p. 85) havia assum ido o risco de me distanciar do
explícito do ensino de Lacan para explicar a exigência clínica de
distinguir e até de opor o gozo do ser e o gozo do O utro entendido,
vamos descobrindo as cartas, com o gozo do Outro sexo. D o Outro
sexo, do sexo que é Outro com relação ao Falo, ou seja, do feminino.
Em L ’étourdit, se lê: “C ham am os heterossexual, por definição, a
quem am a as m ulheres, qualquer que seja seu sexo”.20
M inha pretensão, já adiantada, é a de explicar a diferença entre
os gozos por meio da topologia da banda de M oebius. Prom essa ou
ameaça, chegou o m om ento de cum pri-la, mas não sem antes passar
pela im prescindível e extensa volta que passa pelo que ensina sobre
o tem a a experiência clínica da psicanálise e de seu funcionam ento.
A grande volta abarcará o item 2 deste capítulo, no qual se insiste
na distinção dos três gozos, e o item 3, no qual se m ostrará a lista
causal da castração. O desfecho topológico - não se assuste - fica
para o item 4.
N a tese, colocada desde então, o que procuro dem onstrar é
que o gozo fálico, gozo ligado à palavra, efeito da castração que
e s p e ra e se c o n so m e em q u a lq u e r fa la n te , g o zo lin g u a g e iro ,
sem iótico, fora do corpo, é a tesoura que separa e opõe dois gozos
corporais distintos, deixados fora da linguagem , que eram , de um
lado, o gozo do se r, gozo perdido pela castração, m ítico e ligado à
Coisa, anterior à significação fálica, apreciável em certas form as da
psicose e, de outro, o gozo do O utro, tam bém corporal, que não foi
p e rd id o p e la c a stra ç ã o , m as que e m e rg ia além dela, e fe ito da
passagem pela linguagem, mas fora dela, inefável e inexplicável, que
é o gozo fem inino.
Im põe-se talvez criticar - outra vez! - o m odelo naturalista,
francam ente insuficiente, dos ciclos de necessidade-satisfação, da
fom e e da saciedade, que pareceria (sem que assim fosse) enco n
trar um a analogia na atividade sexual do m acho, mas que resulta,
iransform ado em m ulher durante sete anos, ao fim dos quais voltou
a rep etir sua ação d e sa g re g a n te em o u tro p ar vip erin o e assim
recu p ero u seu sex o p rim itiv o . T em p o s d e p o is, Jú p ite r e H era
d isc u tia m so b re o g o z o do h o m em e d a m u lh e r n a c ó p u la e
decidiram que a m elhor m aneira de dirim ir a questão era perguntar
ao único que havia tido as duas identidades. C onvocado, Tirésias
respondeu, sem vacilar, que caso se dividisse o deleite sexual em dez
partes, nove corresp o n d eriam à m ulher e um a ao hom em . H era,
assim o dizem , vendo traído o segredo de seu sexo, e acreditando
que era m elhor que não se soubesse, o castigou com a cegueira;
Júpiter, não podendo absolvê-lo da sanção im posta por sua cônjuge,
com pensou-o com os dotes de vidente. E é assim, cego-vidente, que
ele é visto intervir no dram a do Édipo. E stá claro que Tirésias só se
tornou sábio depois de sofrer a sanção e de receber o prêm io. Se
houvesse se tornado antes, quando o cham aram para se declarar,
teria sabido - na posição do psicanalista - que não devia contestar,
sendo preferível devolver a pergunta e, se chegava a contestar, que
nada era m ais tolo do que argum entar um a diferença quantitativa,
com o se a substância de que são feitos os gozos do hom em e da
m ulher fosse a m esm a e o assunto pudesse ser resolvido por meio
de algum tipo de proporção. Foi a prim eira vítim a dos horrores da
quantificação em m atéria de subjetividade.
O q u e d is c u tia m o s re is do O lim p o g ira v a em to rn o do
impensável e do irrepresentável do gozo do O utro. Sem elhante é a
questão do gozo que cada um dos participantes perde por não ser
esse Outro. O gozo, de um ou outro sexo, funciona a fundo perdido.
Fica im possível, por m ais forte que seja o abraço, apoderar-se do
gozo do outro tanto no sentido subjetivo (não posso viver no corpo
do outro, sentir o que ele sente) quanto no objetivo (somente há gozo
no co rp o de um e isso de m odo sem p re p arcial, com o gozo de
órgão, O rganlust).
D e m o d o q u e o g o z o se p ro d u z no e n c o n tro das z o n as
eró g e n a s e e sc a p a dos dois do casal em v irtu d e de sua pró p ria
divisão. E ste gozo do O utro p erten ce c ertam en te ao registro do
f a n ta s m a , m as n em p o r iss o d e ix a d e te r e f e ito s re a is na
subjetividade. D e mil m aneiras, e de modo privilegiado nos sonhos
e nos sintom as, a clínica psicanalítica m ostra os efeitos, às vezes
136 G o zo
3. A castração co m o cau sa
N a d a h á m a is a r d e n t e d o q u e a q u il o q u e , n o d i s c u r s o , faz
r e f e r ê n c i a a o g o z o [a o g o z o d o se r], o d i s c u r s o o t o c a ali se m
p a r a r , p o i s d a l i é q u e e l e s e o r i g i n a [o g o z o f á l i c o ] , V o l t a a
c o m o v ê - lo , p o sto q u e t e n ta r e to r n a r a e s s a o rig em . E é a s s i m q u e
i m p u g n a to d o a p a z i g u a m e n t o [g o z o d o O u t r o ] . 52
52. J. Lacan (1969). Sem inário XVII, aula de 17 de fevereiro. A referência equi
vocada encontra-se na edição "oficial” do m esmo seminário, p. 80.
Gozo e sexualidade 159
53. Cf. D. Halperin. San F oucault. Cuadernos de Litoral. C órd oba (Argenti
na): Edelp, 2000. p. 135-136.
160 G ozo
54. T. Dean. Lacan and queer theory. In: Jean-M. Rabaté (éd.). The C am bridge
C om panion to Lacan. Cambridge: C am bridge Univ. Press, 2003. p. 238.
55. M. Foucault. Le p o u v o ir psychiatrique (1973-1973), L es a n orm aux ( 19 7 3
1975), Il fa u t défendre la société, (1975-1976), N aissance de la biopolitique
(1978-1979) e L ’herm éneutique du su jet (1981-1982). Paris: G allim ard,
Seuil, 2003, 1999, 1997, 2004 e 2001. respectivamente. O conjunto c o n s
titui uma obra unitária e transcendente, cujo interesse para a psicanálise é
G ozo e sexualidade 161
evidente, ainda que as considerações feitas pelo autor nem sem pre sejam
" ju sta s”. Cf. J. Derrida, “Ê tre juste avec F reu d” , in P en ser la fo lie . E ssais
sitr M icliel Foucault. Paris: Galilée, 1992, p. 139-195, um texto que subli
nha a injustiça na avaliação freudiana de Foucault.
162 G ozo
e s t r a n h o e r e f r a t á r i o - t u d o a q u i l o q u e c o n t i n u a s e n d o a lh e i o
a n o sso s m o d o s n o rm ais e de se n tid o c o m u m no p e n sa m e n to -
acerca da su b je tiv id a d e hum ana. Isto , desde um a
p ersp ec tiv a a n g lo a m e ric a n a , faz a p s ic a n á lis e de L a c a n
p a r e c e r b a s ta n te q u e e r (...) A p s i c a n á l i s e l a c a n i a n a p o d e
a p o r ta r m u n iç õ e s que c o n trib u e m p a r a a c r í t i c a q u e e r da
h e t e r o n o r m a t i v i d a d e . 59
Essa crítica queer com eça, historicam ente, com a extensa nota
q u e F re u d a c r e s c e n ta ao s “ T rê s e n s a io s s o b re a te o r ia da
sexualidade” em 1915:
A i n v e s t i g a ç ã o p s i c a n a l í t i c a o p õ e - s e te r m i n a n te m e n te à
t e n t a ti v a d e s e p a r a r o s h o m o s s e x u a i s d o s o u t r o s s e r e s h u m a n o s
c o m o um g r u p o d e ín dole s in g u la r (...) S a b e q u e to d o s o s h o m e n s
são c a p a z e s d e e le g e r u m ob jeto d e seu p ró p rio se x o e q u e d e fato
o te n h a m c o n su m a d o n o in c o n s c ie n te (...) A p s ic a n á lis e
c o n s i d e r a m e l h o r q u e o o r i g i n á r i o a p a r t i r d o q u a l l o g o se
d e s e n v o l v e m , p o r r e s t r i ç ã o p a r a u m o u o u t r o lad o , t a n t o o tip o
n o r m a l c o m o o in v e rtid o é a in d e p e n d ê n c ia d a n o m e a ç ã o de
o b je to a r e s p e ito d o se x o d e s te ú ltim o , a l ib e r d a d e d e d i s p o r de
o b j e t o s t a n t o m a s c u l i n o s q u a n t o f e m i n i n o s , tal c o m o s e p o d e
o b s e r v a r n a i n f â n c i a , e m e s t a d o s p r i m i t i v o s e e m é p o c a s p ré -
h istó ric a s. N o se n tid o da p sic a n á lise , e n tã o , nem se q u e r o
in te r e s s e s e x u a l e x c lu s iv o d o h o m e m p e la m u lh e r é a lg o ó b v io ,
m a s u m p r o b l e m a q u e r e q u e r e s c la r e c i m e n to . 60 (G rif o s m e u s )
68. L. Martin (ed.). Technologies o f the Self. A Sem in a r with M ichel Foucault.
Amherst: M assachuse tts Univ. Press, 1988.
69. Paul Veyne. Le dernier Foucault et sa morale. C ritique, Paris, n. 471-472,
p. 939, 1986.
70. Ao interrogá-lo em um a cordial conversa sobre essa exclusão, respondeu-
nos que preferia não falar do gozo porque “os millerianos” ha viam se apo
derado da palavra em questão. Curioso critério epistemológico! Para não
ser injusto com nosso amigo, digam os que no seu livro Le sexe du m aitre
(op. cit.) há u m a sábia e certeira exposição sobre o objeto @ c o m o m ais
de gozo e do caráter m asoquista de todo gozo (p. 205-240) que c o m p a rti
lham com o sentido e com a letra de nossas formulações de 1990.
G ozo e sexualidade 173
F o u c a u lt n ã o e ra u m m o n s t r o a n tif e m in is ta c o m o o f ig u r a m
s e u s d e t r a t o r e s . P e l o c o n t r á r i o , t r a b a l h a v a c o m m u it o e n t u s i a s
mo com suas c o le g as m u lh e re s , a p o ia v a o su rg im e n to de
o r g a n i z a ç õ e s p o lític a s de g r u p o s m a r g i n a i s , in c l u i n d o o d a s m u
lh ere s [até isso ! ] e t in h a a i n t e n ç ã o d e q u e L ib e r a tio n lhe d e s s e
v o z a v á r ia s t e n d ê n c i a s e m e r g e n t e s d e n t r o d o m o v i m e n t o f e m i
n i s t a . T a m b é m p a r t i c i p o u , e m m e n o r p r o p o r ç ã o , n a l u ta p e l o
direito ao a b o r to n a F r a n ç a . 72
Deciframento do gozo
1. O g o zo e stá cifrado
8. J. Lacan (1973).L e sem inaire. L ivre XX. Encore. Paris: Seuil, 1975. p. 95.
9. J. Lacan (1970). A. E., p. 515.
10. J. Lacan (1973). A. E., p. 449.
D ecifram ento do gozo 181
2. A c a rta 52
18. J. Gorostiza. Muerte sin fin. In: P oesia com pleta. México: Fondo de C u l
tura E conóm ica, 1984.
D ecifram ento do gozo 185
q u e r ia c o n te s t a r e n e r g i c a m e n t e , e n q u a n t o a c a d e ia d e p e n s a m e n
tos q u e d isc o rre p e la a n á lise se m e im p õ e d e m o d o in e x o r á v e l .21
21. S. Freud (1901). Sobre los suenos. In: O bras com p leta s, v. V, p. 654.
22. J. Lacan (1973), La troisième. L ettres de FÉcole Freudienne, n. 16,1975, p. 41.
188 G ozo
1 II III
w Wz Ubw Vb Bew
X X ■> X X - X X - X X - > XX
nos anos do “bloco m ágico”, cham ará Isso. Bastará apenas deixar
de lado a sub-reptícia hipóstase de um discurso alheio à experiência
psicanalítica (o do “pólo b iológico”) p ara com preender que essa
referência é tão p rescindível e supérflua com o a que ele próprio
indica nessa carta 52 sobre um suporte neuronal de seus “extratos
psíquicos” . Pois a biologia em questão se reduz - e isto é o cerne
da questão - a que estas experiências que não vacilo em qualificar
com o im pressões do gozo são marcas escritas no corpo, ou melhor,
na carne que se torn ará corpo por graça e obra d esta cunhagem .
Não há ordem nem concerto, não há sentido e não há tempo. Assim
é com o o gozo é cifrado. Lacan27 aporta um a im agem esclarecedora,
quando com para esta desordem sincrônica com o funcionam ento de
um a lo teria, um g ra n d e g lo b o ch eio de p ed ras nas quais estão
inscritas cifras que nada significam em si mesmas. U m a desordem
de marcas escriturais que está prestes a adquirir sentido uma vez que
se p ro d u z a o s o rte io , u m a vez q u e e la s sa ia m em um a c e rta
seqüência ao acaso ou arbitrária que as porá em relação com um a
matriz sim bólica preexistente (atribuição de prêm ios) que dotará de
sentido a série de bolinhas sorteadas. O globo cheio de inscrições
é o “caldeirão pleno de ferventes estím ulos” do Isso freudiano. Aí
e stá o gozo cifrado. A penas o significante poderá in stau rar um a
ordem ao desdobrar estes elem entos da escritura em uma diacronia.
Em suma, postulo que este prim eiro sistem a de inscrição da carta
52 é o Isso da segunda tópica e que suas características são as que
perm item distingui-lo do segundo sistema, o do inconsciente, que já
é um d ecifram en to e um a tradução d esta e sc ritu ra prim ária das
m arcas do gozo.
O núm ero é, na im agem da loteria assim com o na língua de
todos os dias, a cifra. U m a cifra sem sentido. E linguagem , mas do
lado da pura escritu ra, hieróglifo carente de p alavra, no qual os
elem entos são alheios à organização do discurso, no qual não há um
agente da palav ra que se d irija a um o u tro para esta b e le c er um
vínculo social. F ora do sentido, mas p ro n to p ara ca rreg ar-se de
sentido. Para isto, é necessário que se produza “o sorteio”, que se
instaure um a série, que o número, além de sua função cardinal, se
p síquico ” - e tam bém para o tratam ento que deve ser o processo
c ap az de fa z e r com que o retid o em in sc riç õ e s a n te rio res seja
transferido para os novos m odos de leitura próprios dos sistem as
m ais avançados. O avanço que traz a leitura lacaniana que proponho
da ca rta 52 c o n siste em d e sta c a r que o q u e se c ifra e o que se
d e c ifr a é “ o p r ó p r io g o z o ” . E s ta e la b o r a ç ã o do s c o n c e ito s
f re u d ia n o s n o s p e rm ite r e to r n a r à o b ra d o p ró p rio F re u d e
estabelecer de m odo inequívoco a continuidade que existe entre o
Isso da segunda tópica c o inconsciente da prim eira; essas instâncias
não se intercam b iam ou se substituem reciprocam ente: são dois
sistem as topologicam ente diferenciados e dois m odos diferentes,
e sc ritu ra i o um , e p a la v re iro o o u tro , de tra ta r as para sem pre
irrecuperáveis im pressões originárias.
A seqüência, em síntese, é: do gozo bruto (W) ao Isso (Wz)
do Isso ao Inco n sciente (Ub), do In co n scien te ao P ré-consciente
(V b) e do P ré -c o n sc ie n te à C o n sc iê n c ia (B ew ); este não é um
sistem a de in scriçõ es, m as um m om ento vivencial que retom a o
ponto de partida inicial (“... so that the neurones o f consciousness
would once again be perceptual neurones and in themselves without
m em ory”)29 (grifos m eus).
32. G Bachelard (1932). La intuicion de! instante. Buenos Aires: Siglo Veinte,
1973.
D e c ifra m e n to d o g o zo 203
q u e e le c o n f ie e m s u a a le g r ia , a in d a q u a n d o o s i m p l e s s a b o r de
u m a m a d a l e n a n ã o p a r e ç a l o g i c a m e n t e c o n t e r as r a z õ e s d e tal
a le g r ia , c o m p r e e n d e - s e q u e a p a la v r a “ m o r t e ” c a r e ç a d e s e n t id o
p a r a e le ; s i t u a d o f o r a d o t e m p o , o q u e p o d e r i a e l e t e m e r d o
porvir? (v. III, p. 87 2-87 3)
O traum atism o com o tropeço com o real, com o que sem pre
volta ao seu lugar, com o im possível do eterno retom o, com isso,
Isso, que não deixa nunca de estar presente com o pano de fundo
de to d a a e x p e riê n c ia . O tra u m á tic o não c o m o a g ra d á v e l ou
d e s a g ra d á v e l, fo ra do r e g is tro d o s e n s ív e l p a ra a lg u é m , do
“ p a to ló g ic o ” (n o s e n tid o k a n tia n o ) , m as c o m o e x c e s s iv o ,
inassim ilável, produtor de um fa d in g do sujeito. No reencontro do
Tempo proustiano, na “identidade de percepção” freudiana e no gozo
lacaniano, tem os este den o m in ad o r com um da abolição tanto do
tempo quanto do espaço que m arcam a subjetividade.
N este ponto da exposição é difícil resistir à tentação de citar
e g lo sa r to d a a e x p e riê n c ia que P ro u st relata na b ib lio te c a dos
G uerm antes e que é o ponto de partida (m ítico) da escritura de seu
liv ro . T ra ta -se d esse p o n to do re la to em qu e, d epois de 3.200
páginas de novela, o autor percebe que tudo nele fora uma preparação
p ara o m om ento em que tro p e ç a ria com um a re ssu rrre iç ã o das
sensações que, com o m arcas de origem , o rientarão sua vida. N a
c o n c e p ç ão que venho d ese n v o lv e n d o , trata-se do m om ento do
encontro dos dois extrem os da linha reta descrita na carta de Freud.
D eslizav a-m e ra p id a m e n te sobre tudo isso, m ais
i m p e r i o s a m e n t e s o l i c i t a d o p e l o c a r á te r d e c e r t e z a c o m o q u a l se
i m p u n h a e s ta f e li c i d a d e d o q u e p o r b u s c a r s u a c a u s a , b u s c a e m
o u tro tem p o d e m o ra d a . M a s eu a d iv in h a v a e sta c a u s a ao
c o m p a r a r as d i v e r s a s i m p r e s s õ e s f e li z e s q u e t i n h a m e n tr e si e m
c o m u m o que eu e x p e r im e n ta v a n elas ao m e s m o te m p o no
m o m e n t o a tu a l e e m u m m o m e n t o d i s t a n t e , a té s o b r e p o r o
p a s s a d o n o p re sen te e f a z e r -m e v a cilar e m sa be r e m qua l d o s dois
m e enco ntrav a; para d ize r a v erdade, o ser que en tã o sabo rea v a
e m m im esta im p ressão a sa b o rea v a n aq u ilo q ue e la p o ssu ía de
c o m u m com um d ia a n tig o e ag o ra, n a q u ilo q u e tin h a de
e x tra te m p o ral, um ser q u e ap en as ap are cia q u an d o , p o r um a
d e s s a s i d e n t i d a d e s e n t r e o p r e s e n t e e o p a s s a d o , p o d i a se
e n c o n tra r no ú n ico m eio em q u e p u d e sse viver, g o z a r da
e s s ê n c i a , d a s c o i s a s , o u s e j a , f o r a d o t e m p o ” . 34 E c o n t i n u o
34. Dev olvo a vírgula que separa “ da essência, das coisas” que todas as edi
ç õ es francesas e espanholas o m ite m por considerar que é um “erro ev i
d e n te ” , v. III, p. 1134, e m referência ao v. III, p. 871, n. 6. Considero que
ali não há um “erro” de Proust, m as um a absoluta exatidão tanto nas pala
vras com o na pontuação da frase.
206 G ozo
“E ste trab alh o do a rtista ...” etc., tem ín tim a relação com a
p rá tic a da p sic a n á lise com o d esm o n tag em dos esp e lh ism o s do
im aginário, das arm adilhas do am or próprio, das capas sobrepostas
de nom enclaturas e de significantes convencionais, de desmontagem
p e r via d i le v a r e p a ra p e r m e a b iliz a r o in c o n s c ie n te , e sse
intermediário entre o Isso e o diálogo. Pelo cam inho de Proust e pelo
de Freud, chega-se a um resultado com parável: a recuperação do
gozo m ediante um regozijo no decifram ento. A suposição de partida
é a mesma: o livro já está inscrito, o disco já está gravado, mas essas
inscrições estão sepultadas com o hieróglifos no deserto. N ão há o
que inventar nem o que agregar; deve-se recuperar e traduzir com
fidelidade o texto orig in ário que exige a d iscrim inação para não
distinguir o que é idêntico e para não confundir o que é diferente.
E p ara quê? Para ch eg ar a um a nova escritu ra, p ara que o gozo
decifrado se inscreva em um ato que faça passar ao real o efeito
desse decifram ento. A í onde o sujeito sabe de um a vez por todas
quem é a partir da certeza que deriva de um a ação que inscreve seu
nom e próprio com o conseqüência dessa ação. H istorizando.
Porque - dito com as melhores palavras - os atos são nos
so símbolo. Qualquer destino, por longo e complicado que seja,
consta na realidade de um único momento: o momento em que o
homem sabe para sempre que é [pois] um destino não é melhor
que outro, mas todo homem deve acatar o que leva dentro.37
Ao final do percurso não há, não pode haver, um a superação
d a p a rtiç ã o c o n stitu tiv a do su je ito , e ssa p a rtiç ã o im p o sta p ela
e s tr u tu r a e n tre o U m do G o zo e o O u tro da lin g u a g e m . M as
O gozo na histeria
escutará com sim patia com placente; por isto é que o encontro di
ambos está inscrito de antem ão na natureza das coisas e se oferciv
à prim eira vista com o um paradigm a da predestinação.
M as não é que a histérica apenas invente para o psicanalistn
Também o analista inventa para a histérica, porque o dispositivo qui
inventaram entre ambos reproduz a espécie que o engendrou. A tal
p o n to q u e h oje, la c a n ia n o s p o r fim , a c eitam o s com o um fato
estabelecido que a histerização estrutural é a condição para que todo
falante, não im porta sua estrutura clínica, possa entrar em análise
A fórm ula do discurso da histeria é a fórm ula do com eço de uma
análise. Tem de haver um a queixa, um sintom a, transform ado cm
dem anda de saber, que encubra uma dem anda incondicional de amor
e que se dirija a quem supostam ente detenha esse saber sobre aquilo
que se ignora de si mesmo. O sofrimento, transformado em pergunta
feita ao O utro, é o fundam ento que torna possível um a análise. O
d isp o sitiv o an a lític o é o o fe re c im en to do terren o para que um
discurso se histerifique. N ão há, então, por que estranhar se, desde
que existe psicanálise, a h isteria m udou em suas m odalidades de
apresentação. A solidariedade entre histeria e psicanálise é completa.
(Solidariedade não im plica harm onia.) As histéricas inventaram o
d isp o sitiv o que en g endrou o analista, o analista que pede e que
produz histéricas, estas que desdobram hoje seus encantos no campo
da e s c u ta e não no cam p o p rim e iro da visão. Se antes elas se
m o strav am com o e sp etácu lo ch arco tian o que se d erre tia com a
hipnose, é pelo falar que as reconhecem os hoje.
E na dupla analista e histérica é impossível decidir/dizer quem
foi o primeiro.
E ste é o fato . C om o o assin alo u L acan, com sua o ferta o
psicanalista cria hoje a dem anda. À histérica não custa reconhecer
que foi isso exatam ente o que sem pre quis, antes ainda de chegar
a sabê-lo. D ispor de um O utro sobre o qual descarregar seu sintoma
e su a in s a tis fa ç ã o , um s u p o rte e um te ste m u n h o n e u tro , não
culpabilizador com o o foram todos os que antes a escutaram, alguém
capaz de entender a verdade em sua palavra em lugar de rejeitá-la
c o m o m e n tiro sa ou in c o n siste n te . Q uando o en c o n tra, cura-se
ra p id a m e n te e faz do O u tro um su b stitu to dos sintom as. Freud
cham ou isto de “neurose de transferência” ; Lacan não o segue nesse
O gozo na histeria 217
cam in h o , ain d a q u e ta m p o u c o se d e te n h a p a ra c o n s id e ra r em
detalhes este sintagm a freudiano. Suponho que por achar que esta
expressão é pleonástica. Pois a transferência é a neurose, a neurose
necessária para que a análise progrida.
A neurose entra na transferência e assim o sujeito da neurose
entra em análise. A “satisfação sexual substitutiva” que era o sintoma
se desloca agora sobre a figura do analista e o gozo que se ancorava
no sofrim ento m uda agora de ancoradouro. Pois não fica à deriva,
não, quando se assen ta no nível do d iscurso, ou seja, da pulsão
vocal, m odalidade da Trieb que apenas foi entrevista (por R obert
Fliess) antes de Lacan.
A an álise p o d eria ser o cen ário e o porto de d estin o desta
m udança na localização do gozo. Sim ; há um gozo da análise, do
cu m p rim e n to da re g ra fu n d a m e n ta l, do c o n tra to a n a lític o , do
enquadre discretam ente erotizado no qual “tudo” poderia acontecer
sem q u e “ n a d a ” a c o n te ç a , d o s in te rc â m b io s d e d is c u rs o s e
interpretações, do falar e do ser falado. E um a das ciladas da análise
e, p o r v e z e s , d as m a is d if íc e is de ro m p e r p e la “ tra m a de
satisfações”2 que é capaz de envolver tanto o analisante quanto o
analista que não saiba estar à altura de sua função.
A histérica e o analista inventam-se reciprocamente com relação
ao gozo. O desejo do analista deverá, então, aparecer com o vala de
contenção e canal de evacuação p ara esse gozo; se não consegue
fazê-lo, o estan cam en to da an álise é a co n seq ü ên cia inevitável.
Apalpa-se aqui a dim ensão de gozo da transferência que é, com o o
queria Freud, m odalidade da resistência, sem por isso deixar de ser
o m otor da análise. Transferência do gozo, dos fundos depositados
no banco do inconsciente, do capital quantificado, cifrado.
A histérica quererá ser escutada se o Outro quiser que lhe fale.
Não se trata de um encontro fortuito, mas do cum prim ento de um a
exigência estrutural. Ela dem anda ser ouvida, pede o tempo do Outro
com o m edida do desejo de sua palavra. O discurso, diferentem ente
do instante do olhar, requer tem po para ser desenvolvido e é assim
que o tem p o se to rn a o b je to e o d isc u rso tem de se a rm ar dos
falta para ser dado, para que ela se dê no lugar da falta do Outro,
ou seja, para se identificar, para chegar a ser o desejo do Outro.
Se o O utro quer ser um escultor que plasm e os seres humanos
segundo formas ideais, encontrará na histérica a argila m aleável que
lhe perm itirá ser um Pigmaleão.
Se o O utro se entregou a um a causa que o uniform iza, ela se
apaixonará pelo uniform e que foi investido com o objeto do desejo.
Aventais de m édicos, batinas de sacerdotes, togas de m agistrados,
b elezas da o ste n taç ã o e da m aq u iag em , e lo q ü ên c ia s do d ize r e
poderes da política que atuarão assim com o objetos im aginários aos
qu ais se p re n d e rá o su jeito em um a d im en são quase eto ló g ica.
Encanto suave do apagam ento do eu na-identificação com o ideal do
eu do Outro. A salvação na Causa.
M ais freqüente é que o objeto que o Outro reconhece tam bém
seja um a mulher, a O utra mulher. Aparece aí a pergunta pelo atributo
que a O utra tem com o segredo da atração que sobre ele exerce e da
identificação com o que pode ser o m otivo da atração entre eles. O
papel de interm ediária e de espiã dos segredos do am or lhe vem a
propósito. O perará com o “procuradora”, com o ju iz e, parte, com o
“ a c o n v id a d a ” (cf. S im o n e de B e a u v o ir), co m o e le m e n to que
sustenta as intrigas, identificando-se e escutando as queixas de uma
e outra parte, com o Dora, representando os papéis que a tram a lhe
inspira.
Q uer se encarregar do gozo, extraindo-o da suposta jazida que
é o O utro e para isso não há cam inho mais curto do que confundir-
se com ele, en trar em sua bolsa. O gozo é um a essência que lhe
escapa e que apenas poderia ser fixado sobre a base de reconhecê-
lo e pegá-lo no Outro, um O utro que deve ser construído, esculpido
e defendido a qualquer custo. O Outro que é o assento de um gozo
ilim ita d o , o Pai ideal, p rim itiv o , m o rto desd e sem pre, do m ito
freu d ian o que ela, a h istérica, em penha-se em sustentar além de
todos os desm entidos.3
A esse g ozo alh eio e fu g id io trata ela de m im ar, fa ze n d o
sem blante dele (“artifícios” , diziam os clínicos depreciativos). Em
u m a atu ação à qual não co n c e d e m aio r co n fian ç a, in se g u ra de
@ 0 A
-cp
7. J. Lacan. Le sem inaire. L ivre VIII. Le transferi. Paris: Seuil, 1991. p. 289
e 295.
8. J. L ac an (1960-1964). É crits, p. 848; E scritos 2, p. 828.
222 C io/n
do Pai Ideal, todos os dem ais (os outros com m inúscula) estão em
falta, são m enos válidos.
Assim, entendem -se as quatro belezas da histérica.
Queixosa, vítima, objeto de humilhações, traições, incompreen-
sões e ingratidões, ela é alm a bela, depositária im erecida de sevícias
e desgraças. O ferece-se com o objeto ao olhar e à escuta do Outro.
“O lhe ao que me vejo reduzida.” “Ouça, se é que pode suportar, o
relato de m inhas d esv en tu ras.” Sade o prefigurou com um título
m ordaz: Justine ou os infortúnios da virtude. O ser da alm a bela
confunde-se com essa queixa continuada, esse prolongado lam en
to, essa sucessão de sintom as e crueldades. O gozo corre ao largo
do relato sem que seja identificado com o tal nos porm enores das
traições do am ado, os erros dos m édicos que deixam um resto de
corpo que sofre, descartado, m arcado por cicatrizes cirúrgicas, as
faltas de reconhecim ento por parte dos filhos e am igos, as injusti
ças de chefes e professores. Sofre e chora ao contar na outra cena.
C onta reavivando o sofrim ento das experiências desagregadoras na
extensão da lâm ina além do tolerável. O relato da inocência perse
guida, do sujeito que é castigado quando som ente segue a lei do
coração, exige a inversão dialética indicada por Lacan no com eço de
seu ensino.9 O fantasm a de flagelo, batem numa criança, isolado por
Freud, é a colocação em cena privilegiada da alm a bela.
A segunda beleza da histérica é a belle indifférence. Bela indi
ferença para atravessar, sem se despentear, os furacões e m oinhos
de d esespero que se geram em torno dela. O O utro se confronta
com seus próprios limites frente a uma experiência, aparentem ente
im previsível, que o insta a atuar e logo o preenche de reprovações
por sua atuação. Toda vez que o Outro resolve fazer algo em prol
ou contra a dem anda histérica, dem anda de que se responda a seu
oferecim ento e entrega, ela se subtrai à homenagem ou à reação que
suscitou. N ão é isso que ela queria. Seu desejo continua sendo um
desejo insatisfeito. A indiferença, quando não o franco desdém , são
respostas à m obilização do O utro. Insensibilidade que tam bém o é,
ou que prim eiro é, do corpo. O alim ento ou a bofetada, as carícias
e o sexo, os adornos e as vestim entas que realçam ou que desm e
2. E m função dogozo
C ontestando o vetor que vai desde A m ulher (que não existe) até o
falo, sublinha a im portância do outro vetor, aquele que, dentro do
cam po fem inino mesmo, dirige-se ao enigm a do que é e do que quer
uma mulher:
N ã o -to d a é a fó rm u la la c a n ia n a , a m u lh e r n ã o -to d a na
sig n ific a ç ã o fá lic a , p a rtid a e n tre o hom em e a O u tra m ulher,
dirigindo alternativamente sua pergunta e encontrando sempre meias
respostas sobre este gozo que experim enta, mas que não sabe em
q u e c o n s is te . N a h is té r ic a e s ta a lte r n â n c ia é e x tre m a . O
apaixonam ento de sua entrega não conhece meias palavras. Seu não-
toda é desm en tid o ; a co n sagração absoluta à figura do Pai Ideal
redivivo a leva a um toda-em. M as toda-em não pode conduzir senão
à decepção, ao naufrágio anunciado do falo e de sua soberba. Passa-
se assim do toda-em para o toda-não na relação com o falo e na
c o n te s ta ç ã o d a s v ir ilid a d e s im a g in á r ia s . É o m o m e n to da
identificação com o que falta à imagem, o m omento em que ela, dizia
Lacan, “ faz o hom em ” . Do toda-em ao toda-não com o resultado de
um questionam ento que, nos dois casos, está centrado em torno do
falo e de sua fu n ç ã o . A d e c e p ç ã o anim a e sta p assag e m a um a
pergunta que a leva, em um m om ento de sua dialética, a colocar-
se “toda-na” pergunta dirigida à Outra mulher sobre o gozo feminino:
é a situação de D ora quando se volta para a sra. K, que mal poderia
ser tom ada com o “hom ossexualidade” ou com o “perversão”, ainda
quando o anexo de Freud, acrescentado em 1923, pudesse abonar
226 G ozo
(2> // S2
identificar com esse falo que é para o pai uma mulher além da mulher
(castração m asculina).
N a d u p la d a b e la e da fe ra , c o m o já d isse , o g o z o e stá
garantido para ambos. Com um a dupla cujo desejo é, em essência,
um d e se jo in sa tisfe ito , p ro d u z -s e p a ra c e rto s n e u ró tic o s um a
excitante situação de desafio, um aguilhão perm anente para gozar
coo1, o sintoma, sintom a privilegiado “de todo hom em ” ,13 que é essa
m u lh e r. -Ser o p rín c ip e d o b e ijo d e s p e r ta d o r é um fa n ta s m a
com plem entar ao da bela adorm ecida, assim como o é também o de
ser quem detém os segredos do gozo fem inino, superando nisso o
resto dos homens (jm rtenaires inconscientes do ato [homo]-sexual).
Por outro lado, se ela é porta-estandarte de um gozo duvidoso que
estaria além do falo, ele pode se satisfazer com a convicção de que
a vida de casal parece trazer-lhe que não há outro gozo mais do que
o seu, o fálico. E, se ela recusa o álibi e o curto-circuito do prazer,
prolongando e postergando as ocasiões de satisfação, ele percebe
que esta inacessibilidade sustenta sua ereção e pode m ontar cada
(des)encontro sexual sobre um cenário de violação e estupro.
Pois a ausência e a indiferença ante o desejo elevam o gozo à
cond ição de um absoluto inalcan çáv el com o qual se consum a a
façanha de gozar ao quadrado pelo fato (no leito) de gozar de não
gozar. E o desejo não falta, mas, nela, está insatisfeito, pois ela não
se engana, pede o falo e sabe - bem e muito bem - que o pênis não
é senão um sim ulacro descartável, incapaz de assegurar o gozo. Seu
p a rte n a ire é, além do varão, o Pai p rim itiv o , dono de um gozo
irre strito , não subm etido à ca stra ç ão , ex ceção inalcançável que
inscreve a regra da falibilidade de todos os outros. O desejo fica
insatisfeito porque ela não é incauta, com prova um a e outra vez a
castração do Outro c recebe dessa castração seu próprio valor fálico;
por não tê-lo, chega a sê-lo, é non-clupe, pois sabe que o pênis não
é senão a m etoním ia do falo. (N ão quer falar com o palhaço, mas
com o dono do circo.) Claro, os non-dupes errenf, essa é a essência
da neurose. M uitas vezes, vem curar-se de sua incapacidade para
se deixar enganar, da astúcia com que torna seu desejo um desejo
insatisfeito, de sua perdurável engenhosidade para criar insatisfação.
S -» S, S2 _> @
@ S; S, S
3. H isteria e saber
sem pre subtrair-se a esse gozo alheio para confirm ar seu valor. Pois
é pela falta dele, d ’Ele, que ela alcança valor fálico, valor de gozo.
M as nada lhe consta disso se não for pela insatisfação que pode
trazer e que traz o desejo.
A relação com o gozo do O utro a define nesse difícil papel de
se oferecer para a satisfação ao m esm o tem po em que se subtrai
para que o desejo insatisfeito a sustente no lugar fálico-narcísico da
plenitude que im aginariam ente poderia trazer ao O utro e que a leva
a c o n tro la r co n stan tem en te seu peso na b áscu la do O utro. M as
assim fica em d e p e n d ê n c ia das altas e b aix as em sua c o taç ão ,
e x p o s ta a im p re d iz ív e is v a i-e -v e n s q u e são c a u sa e razão de
fre q ü e n te s fe rid a s n a rc ísic a s d isso q u e os p siq u ia tra s de hoje
qualificam “depressões” e alim entam com medicamentos.
B asta que com o O utro se desdobre, se “farte” (nos dois sen
tidos) dela, lhe signifique de algum m odo que “não precisa dela” , a
desbanque de seu fantasm a de ser indispensável, coloque outra ou
um equivalente qualquer em seu lu g a r p a ra q u e ela fique privada
da razão que h av ia c o n stru íd o p a ra a su a ex istência, sem fundos
nem fundam entos, infundada. É então que sobrevive sua identifica
ção ao objeto @ com o desfeito e o gozo se m anifesta com o repro
vação e autocom paixão m aso q u ista, com o in v e n tá rio in findável
das ingratidões de que é vítima. Sobre isso tem necessidade de fa
lar, encontrar um a alm a g êm ea q u e se ja su ste n to de sua “neces
sidade de com unicação” a partir desse “nada” que sente ser e que
entrega com generosidade, disposta sem pre a voltar a ser o “tudo”
do O utro.
Com a insatisfação com o m eta prom etida ao desejo e o rancor
conseqüente, com a contestação m erecida da infalibilidade fálica,
im põe um estandarte inalcansável que cria um abismo entre o desejo
e o g o zo . E ssa d ife re n ç a é p re e n c h id a p elo sintom a. O d esejo
insatisfeito se faz gozo da conversão e a ele se apega amando-o mais
do q u e a si m esm a co m o os d e lira n te s fazem com seu d elírio ,
aferrando-se à queixa e m ostrando seu ser por meio do sofrim ento.
O sintom a está feito de gozo desconhecido e aninha nela as cinco
resistências descritas por Freud em 1926:21 a com pulsão do Isso, o
22. C. G a lla n o . L e b a rra g e de 1'id e r ific a tio n h y sté riq u e . In: H y ste rie et
obsession. Paris: N avarin, 1986. p 219.
O gozo na histeria 239
3 X .O X
VX.OX,
É preciso dizer que em todo este capítulo que chega a seu fim
fez-se referência à histérica com o se se ignorasse que um dos pri
meiros achados de Freud na nova clínica das neuroses foi o de ca
sos de histeria m asculina e com o se não se conhecesse o trabalho
que Lucien Israel 26 escreveu sobre o tema. A razão, não por conhe
cida, deve deixar de se repetir: não se trata de uma diferenciação em
função da sexualidade biológica, mas de um a eleição inconsciente
entre os dois cam pos, do hom em e da mulher, delim itados pelas fór
m ulas da sexuação. N este sentido, os casos não pouco freqüentes
de histeria m asculina tam bém são casos de histéricas, já que o de
cisivo é a posição subjetiva ante o significante fálico:
@ 0 A
-cp
1 . O “p o sitiv o ” da neurose?
D e v e -s e p u la r. P u la r d e s d e a n e u ro s e , e s s a n e g a tiv a à
colocação em palavras do gozo, esse negativo, até seu positivo, a
perversão. N ovam ente estam os diante de um a m etáfora fotográfica,
de Freud, desta v ez :1 “a neurose é, por assim dizer, o negativo da
perversão” . Fórm ula, aforism o, que aparece invertida em um artigo
que Lacan nunca devia te r assinado e que foi escrito pelo G rã (ou
o pequeno) o ffd a história do lacanism o .2 Não; a perversão não é o
negativo da neurose, mas seu positivo.
A inversão não é, no e ntanto, total. O negativo da perversão,
d iz ia F re u d , n o s in g u la r, em u m a fó rm u la q u e u n if ic a v a as
perv ersõ es, ag regan d o rep etid am en te, m as apenas entre 1905 e
1920, com o um a questão de fato, que na neurose não havia nada que
indicasse um a inclinação ao fetichismo. N a edição de 1920 de “Três
ensaios sobre a t e o r i a d i sex u alid ad e ,3 esta “p articu larid ad e” da
neurose foi suprim ida porque foi possível ver que os neuróticos não
244 G ozo
olhar de reconhecim ento por suas façanhas irrisórias. Por este cui
dado pelo detalhe, por esta proscrição do inconsciente, por este jogo
prem editado com a lei e as transgressões, o perverso é o mais adap
tado à realidade dos vários personagens que passam pelo proscênio
analítico; está perfeitam ente integrado no discurso, é convincente,
lógico, não apenas perito nos m eandros das leis, mas até legalista e
legislador. E nsinag prega, catequiza e persuade. Seu parentesco com
as posiçQüv-do mi. do m estre, do sacerdote, do político e jlo m é
dico é e y id e n te . E também com o psicanalista, em um”vínculo que
deve ser assinalado desde já porque é estrutural, caso se queira de
pois m arcar a diferença.
Assim o encontramos, encravado na realidade, dedicado a fazer
d e sta u m a te la q u e o c u lte o q u e fa lta , p ro c la m a n d o sa b e re s,
legislaçõ es, objetos fetich izad o s, sistem as filosóficos, doutrinas
esotéricas, m etalinguagens, prom essas de paraísos na terra e além,
ídolos e ilusões. F azendo saber porque não se pode saber. E rige
falos, p orque há a castração e ela é intolerável. A do O utro. Isto
deriva do que se lê em Freud 4 desde 1927, mas está aí desde antes,
desde as reuniões das quartas-feiras em Viena, e assim pode se ler
na ata de 24 de fevereiro de 1909,5 quando Freud apresentou o caso
de um fetichista de roupas c com entou:
O p a c i e n t e c h e g o u a s e r m x u f iló s o f o e s e g £ u ia ti v o ,e o s
n o m e s d e se m p e n h a m para e le um p a p el m aior. A lg o p a re c id o com
o q u e t e v e l u g a r n o a s p e c t o e r ó t i c o lh e o c o r r i a n o p l a n o
in te le c tu a l: g le ^ se p a ra v a se u -in te re s s e d a s.x a isa s_ £ o d i r ig i a p a r a
g s p a la v ra s q u e sã o , p o r a ssim d iz e r, a ro u p a g e m d a s id é ia s; isto
e x p lic a seu in te re s se p e la filo so fia .
luta que impede transitar >or am inhos alternativos e que legisla com
ferocidade. D e uma vonade iue faz do gozo o p rincípio racional e
ineludível da acão. colocdo m um a dialética de oposição e de sub
tração recíproca do gozeentr, os participantes no ato perverso. De
uma vontade que não nase d decisão elaborada de um querer, mas
de u m a ^ o a ç ã o que exig^esonar da lei do Edipo e da castração e
da divisão entre o s gozoipel seção, pela bissexão. De um a vonta
de que le v a j) pcrverso.avivr para o gozo, para apoderar-se dele,
para organizá-lo, adm inhrá-o, antecipá-lo e adiá-lo, para regular
suas ascensões e quedas razo pela qual a análise pode agradecer
à perversão (com o, por a tro ado e por razões diferentes, à psicose
e à histeria, à obsessão e i “sáde m ental”) o que traz ao cam po dis
cursivo, mas isso não a fcva. idealizarjL pervsrsão (ou a qualquer
outra das estruturas c lín :a s)N o final da análise o sujeito não se
encontrará com a pervesão.m as com a ljberdade para o ato per
verso, terá cabim ento o sijeite da ética analítica, o do bem dizer que
deve decidir em cada menenu se quer o que deseja .8
Este pouquinho de :xagro de que nos fala o “apenas” revela
que se desmeiU&-a^faUa-Jo-€rtro (castração m aterna, dizia Freud;
S (A), escrevia Lacan) e :olo-a no lugar dessa ausência o objeto @
co n v ertid o em fetich ejg Ê in am gão, um objeto que não inclui e
afirm a a castração com o conece quando falta o “apenas”, mas que
a renega.
A c a s tra ç ã o . T ra ti-se d e la . “ E p r e c is o q u e o g o z o seja
j e c u s a d o ... ” , c a s o se recusa s s e . a re c u s a , a f ir m a r - s e -ia a
p o ssib ilid ad e, p o d er-seia soihar com um gòzo que não estaria
proibido, que alguém pderiaagenciá-lo. M as é assim justam ente
com o se o falh a, porqu: j£ir.dej>eiL_reçusado "... para que seia
alcançado na e sc ala in v etid aia Lei do jlesg jo ” .9 O que acabo de
citar e H U cfinição lacanana a castração que, com o vem os, jjpõe
castração ao gozo (tal cimo £visto no desenho do vetor superior
do gráfico do desejo). Vdtare a este ponto no capítulo sobre ética
e gozo, m as está claro dsde j que a ética da análise £$tá centrada
na c o n ç jlia ç ão d o desejo 'om 3 gozo, no questionam ento e não na
@o r
20. J. L acan. (1972-1973). Le sem inaire. Livre XX. Encore. Paris: Seuil, 1975.
21, J. L acan ( 1960) É crits, p. 735; E scrito s 2, p. 714.
262 G ozo
23. J. L acan (1970). A utres écrits (A .E .). Paris: Seuil, 2001. p. 423.
A perversão, desm entido do gozo 265
@-dicção do gozo
1. N ão se eleg e a psicose
sem blante. V ive fora dele m esm o quando não lhe esteja vedado
cruzar sua fronteira e dar-se a entender.
Não quer dizer, pois, que o louco seja livre para eleger. De fato,
e, com o psicótico, são os dem ais que elegem por ele. Aquilo de que
o louco está livre é de ter de eleger, isso a que nos obriga o discurso
a to d o s os o u tro s, que sab em o s q u e não é p o ssível e leg e r sem
perder, sem renunciar a um a parcela de gozo.
A psicose “salva” o sujeito de passar pela castração simbólica,
de v e r-se o b rig a d o a d e sa lo ja r o g o zo do co rp o , de ter que se
m a n ife sta r em um d iscu rso em que o o b jeto se co n stitu i com o
perdido, das barreiras (ao gozo) que obstruem a subjetividade na
significação fálica e que tom am impossível a relação sexual. O louco
é o sujeito que está em contato im ediato com o objeto precisam ente
porque não está subm etido a ter de m etaforizar e m etonim izar sua
relação com ele no encadeam ento dos significantes. A alucinação
tom a o lugar que tem o fantasm a para os enlaçados pela palavra.
A ssim a loucura nos m ostra um a im agem da liberdade que é
alheia aos norm ais, os mais ou m enos neuróticos ou perversos, os
que nos defendem os do real por meio do sim bólico, nos agarram os
à n o s s a im a g e m n a rc ís ic a e n o s in s ta la m o s em um a su p o sta
“realidade” que está feita de enlaces arbitrários entre significantes e
s ig n if ic a d o s . Tal “ r e a lid a d e ” n ão é m ais q u e um a fo rm a ç ã o
fan tasm ática com partilhada por m uitos bem -pensantes e que nos
deixa a ilusão de não estar loucos. Vivemos no reino do sentido; não
som os insensatos. Gostem os ou não.
O louco, p articularm ente o esquizofrênico, denuncia sem o
saber a presunção da razão que se confirm a a si mesma, excluindo
o louco dos intercâm bios e subordinando-o, em nossas culturas, à
ordem m édica por m eio da p siq u iatria que encerra e dom ina seu
corpo com a ajuda dos fárm acos. A psicanálise se confronta assim
com um dilem a: idealizar o louco e a loucura com o paradigm as da
liberdade ou objetivá-lo com a noção de “doença” e justificar assim
as m anipulações e a prisão. N ossa opção consiste em denunciar a
falsidade desse dilem a e m ostrar um cam inho diferente, congruente
com o nunca desm entido determ inism o de Freud e Lacan.
O risco é duplo; por um lado o de justificar a redução do louco
a um a co n d ição de anim alidade, por outro, o de um bunuelesco
fantasm a da liberdade em que aqueles que estam os encadeados a
@ -dicção do gozo 271
11. J. L acan (1955-1956). Le sem inaire. Livre III. L es psychoses. 'aris: Seuil,
1981.
12. J. L acan (1958). É crits, p 531-585; E scritos 2, p. 513-564.
13. J. L acan (1968). A. E., p. 362.
@ - d ic ç a o d o g o z o 273
O Pai vem dar fim ao pior. Não resta nenhum a dúvida de que
ele é um im p o sto r e que a c o n se q ü ê n c ia de sua im p o stu ra é a
subm issão do sujeito às ataduras do discurso. Pela interferência do
nom e-do-Pai o sujeito é desalojado do gozo, da sarsa ardente da
Coisa. Im postura não é, em contrapartida, o desejo da Mãe; esse sim
é bem real. Sabe-se de seus efeitos quando a im postura fracassa,
q u a n d o o s u je ito n ão e n tra n e s s a s fo rm a ç õ e s de d is c u rs o e
form ações do inconsciente que não são senão sem blante. Sobrevêm
o pior, isso que deve evitar qualquer tratam ento da psicose para não
“se exaurir com os remos quando o bote está na areia ” .14
E n tre a p ro p o sta do sen h o r que fech a e red u z o louco e o
recurso idealista a uma liberdade insondável e fantasmática, o desafio
para os psicanalistas é encontrar um a terceira via. O determ inism o
freudiano e a causalidade estrutural lacaniana indicam a direção a
seguir.
2. P sico se e discurso
O p ro b le m a d a s p s ic o s e s s e rá s im p le s e tra n s p a r e n te se o
d e s a ta m e n to d o e u c o m re la ç ã o à re a lid a d e o b je tiv a p u d e s s e se
c o n s u m a r s e m d e ix a r r a s tr o s . M a s, a o q u e p a r e c e , is s o o c o r re
ra ra m e n te , ta lv e z n u n c a ... P r o v a v e lm e n te te n h a m o s o d ire ito d e
c o n je tu r a r , c o m u n iv e r s a l v a lid a d e , q u e o s o b r e v in d o e m ta is
c a s o s é u m a c is ã o p síq u ic a . F o rm a m -s e d u a s p o s tu ra s p síq u ic a s
e m v e z d e u m a p o s t u r a ú n ic a : a q u e le v a e m c o n s i d e r a ç ã o a
r e a lid a d e o b j e t i v a , a n o rm a l, e o u t r a q u e , so b a i n f lu ê n c ia do
p u lsio n a l, d e s fa z -s e o eu d a re a lid a d e .
S, 0 S,
8 @
fa n ta s m a . D e v e ria se p e n s a r em um v o c á b u lo a n á lo g o ao de
holofrase para designar esta coalescência entre S e @ cujo exem
plo m ais notável é a alucinação. N a percepção o sujeito à sua fren
te um objeto e pode subm etê-lo à “prova de realidade” freudiana; na
alucinação o sujeito está fundido, confundido, com seu objeto. Não
são dois, mas apenas um, não guardam um a relação de exterioridade
recíproca.
N as psicoses o gozo não se localiza em uma região do corpo,
não está reprim ido e limitado pelo significante fálico, representante
de -cp, d a q u ilo que no corp o falta à im agem d esejad a, mas que
invade o corpo inteiro transform ado em quebra-luz onde se projetam
m etam orfoses arrepiantes que deixa o sujeito atônito, um sujeito que
se vê re d u z id o a ser o c e n á rio p a ssiv o de tra n sfo rm a ç õ es que
o b e d ecem a escu ra vontad e de um O utro o n isciente que rege e
regula o acontecer orgânico. Influência, hipocondria, alucinação de
o rd e n s, p e rse c u ç ã o , m ag n e tism o , irra d ia ç õ es, tra n se x u a lism o ,
negação, putrefação, cadaverização de um corpo onde não im pera
s e n ã o a O u tra v o n ta d e , a q u e g o v e rn a a c a rn e do p re s id e n te
Schreber pelos séculos futuros.
Outro efeito dessa ausência de regulação do gozo pelo falo (pela
castração) é que a vertente paterna, freudiana, do supereu, herdeira
do com plexo de Edipo, não se apresenta para incitar a outra mulher,
a prom etida e possível. Subsiste, então, irrefreável e incoercível, a
ordem obscena e feroz do supereu arcaico, materno, kleiniano, que
com anda o Gozo! impossível, gozo! ilimitado da Coisa que está antes
e aquém da castração.
Pela defeituosa integração do sujeito na ordem simbólica é que
ele não chega a se distanciar do real com o impossível. E produzida
su cessiv am en te um a desorg an ização com pleta do im aginário do
corpo. Sobre esse fundo de fragm entação, sobre esse transtorno
radical da existência, im planta-se a função restitutiva do delírio que
p retende voltar a ligar o sujeito em um a cadeia significante e dar
conta da experiência vivida. O conjunto da aventura psicótica resulta
d e s ta d is p e rs ã o dos s ig n ific a n te s q u e fic ara m in v erteb rad o s^
desligados do vínculo social. A metáfora delirante pretende remendar
a fa lh a da m e tá fo ra p a te r n a na su a fu n ç ã o de c o n fe r ir um a
significação à falta no Outro. Pretende devolver o sujeito às redes
@ -dicção do gozo 279
3. D ro g a-@ -d icção
20. Aníbal L enis B. de Cali publicou um artigo que intitulou “ Interpelar la dro-
g a-d ic ció n ” . O hífen de seu títu lo serviu de estím ulo para estas reflexões,
assim com o sua afirm ação de que “o drogadito é quem ‘c ria ’ ou ‘a dm inis
tra ’ sem necessidade dos outros, que o dem andam com o sujeito, seu pró
prio g o z o ” . O texto de L en is foi p u b lic a d o no n úm ero 2 d o B o le tín de
E stúdios P sicoanalíticos de C ali, C olôm bia.
280 G o zo
I
@ -dicçã'do gozo 281
21. J. L e a n . S é a n c e d e C la u s u re d e la J o u rn é e d e s C a r te ls de 1’E c o le
Freucenne (18 de abril de 1975), Lettres de iE c o le F reudienne, n. 18, 1976.
282 Gozo
tra b a lh o , do a m o r, d a p a te r n id a d e ou da m a te rn id a d e , da
descendência e da condescendência, da decência e da docência, da
produção de objetos com o significantes e de significantes com o
objetos. Eis o Outro que, ainda que barrado e ainda que não exista,
impõe sua Lei e faz o sujeito responsável por sua posição de sujeito.
O O utro que pede que se dê conta da passagem pelo m undo, que
impõe que o sujeito explique e responda pela vida que lhe foi dada
no sim b ó lico q u an d o lhe foi atrib u íd o um nom e p ró p rio que o
representa ante o conjunto dos significantes.
N em sem pre o Outro pede; às vezes é m ais letal quando não
o faz. A adicção não é tão-som ente um a renúnica a pronunciar as
palavras que representariam o sujeito ante o Outro exigente. A vida
no m u n d o c a p ita lis ta ta rd io m o s tra o u tra fo rm a de d is p o r a
capitulação do falante, a derrota da palavra. Isso ocorre quando o
Outro não diz nem pede nem espera, quando o outro cala. Proponho
que em tal caso falemos de A-dicção. “Faça o que quiser. A mim não
im p o rta . N em te falo nem te e s c u to .” A fu n ç ã o d o g m á tic a de
transm itir verticalm ente um a m ensagem que descende das alturas da
te rra , e s s a fu n ç ã o c u m p rid a p o r D e u s, o Im p e ra d o r, o R ei, o
Estado, o Partido, o Pai em todas as suas form as históricas, tem sido
abandonada por todos os seus figurões. A Lei é objeto de desdém ;
não e stá p re se n te no h o rizo n te. A p a re n te m e n te a lib erd ad e foi
entronizada. Para muitos o inconveniente da atualidade pós-m oderna
é que a palavra que se podia dizer carece de efeitos. São contadas
ao sujeito, mas ninguém as leva em consideração. São núm eros em
e s ta tís tic a s e su a p re se n ç a se re d u z a d iz e r “ sim ” e “n ã o ” às
perguntas do pesquisador.
A p a la v ra que se diz co m -p ro m ete, é u m a p ro m essa, um a
in v o c a ç ã o ao e n te n d im e n to e ao d e s e jo do O u tro ; em ú ltim a
instância, a um a falta que teria de habitar nele para que a existência
de alguém tenha sentido. Poderíam os jo g ar com os dois sentidos do
vocábulo “oração” . Sai da boca (oris), mas não é simples exalação
de ar; é dem anda de uma resposta, é expectativa de um sentido que
se dará à o ração no sentido g ram atical e no religioso. O sentido
d ep e n d e da re sp o sta ; n u n ca h a b ita com a u to n o m ia no su jeito .
P ro c e d e se m p re d a q u e le que e s c u ta , tal co m o é d e m o n stra d o
freq ü en tem en te na ex p eriên cia analítica. O gozo do sujeito está
284 G ozo
25. S. A ndré. Flac. M éxico: Siglo XX I, 1999; en francês, M arselha: Que, 2000.
26. G. Steiner. G ram m ars o f creation. N ew H aven e L ondres: Yale 1 1niversity
P ress, 2001. C ap. 1, p. 17-64.
VIII
1. U m a p rática linguageira
en co n trar isso do desejo que passa para a palavra ainda que seja
incom partilhável com ele. D eve-se reconhecer nestas afirm ações a
teo ria do d isp o sitiv o an alítico e do que se faz com ele. A regra
fundam ental é equivalente ao im perativo de gozar, de transcender a
função trad icio n alm en te aco rd ad a à palavra. O uso “ n orm al” da
p a la v ra te n d e a “ r a tific a r” , a “c o m -p re e n d e r” , a c o n firm a r na
reciprocidade do sentido consentido, as imagens especulares dos que
se “c o m u n ic a m ” . N a a n á lise p re te n d e -se a tra v e ssa r a b a rre ira
narcísica do cuidado do eu ou do self, esse fantasm a organizador
em cada um da relação com o m undo, esse tampão que protege do
real. O sujeito, em purrado pela consigna de associar “livrem ente”,
lo g o se vê d e s a lo ja d o do te rre n o do p ra z e r e é fo rç a d o a se
confrontar com o traum ático e com o inconciliável para o eu, com
“isso” inom inado que é o núcleo de seu ser.
D esde o princípio (cf. p. 21), reconhecem os que a repressão
e s c o n d e , m as ta m b é m c o n s e r v a um g o z o s e q ü e s tra d o , n ão
disponível para o sujeito, vivido dolorosam ente com o sintom a. O
gozo do O utro, do corpo desabitado pela palavra. A neurose é esta
defesa do gozo, defesa de no duplo sentido: uma proteção contra o
a c e s s o a um g o z o d e sm e d id o e um g o zo que está p ro te g id o ,
coagulado, isento do com ércio da palavra. O sujeito da neurose se
defende subtraindo-se ao que percebe com o um perigo na relação
com o O utro do vínculo social: o d esejo do O utro. Tal desejo é
n eg ad o p elas o p e ra ç õ e s de a u to d o m ín io que são e sse n c ia is na
estratégia do obsessivo e que se sustentam na insatisfação pela intriga
histérica. Com esta defesa neurótica ante o desejo como o traço que
defin e a estru tu ra clín ica da n eurose, co m preende-se bem que o
desejo, assim, não condescenda ao gozo e que a relação com o Outro
seja o cam po m inado e alam b rad o das defesas. C o m preende-se
tam bém que o sujeito retroceda espantado ante o suposto gozo de
um O u tro que p e d iria sua c a stra ç ão . D efen d en d o -se do O utro,
justificando-se ante ele, experim entando-se sempre com o culpável,
o neurótico renuncia a fazer valer seu desejo, o dele, confunde-o
com a d em an d a do O u tro , su b m e te -se ou se in su b o rd in a , mas
s e m p re em d e p e n d ê n c ia d e s s a d e m a n d a , re tr o c e d e a n te a
p o ssib ilid a d e de in sc re v e r seu nom e p ró prio, esse nom e que o
im portuna e o estorva e o substitui por um a dem anda dirigida ao
O utro para que o nomeie: “Com o você quiser; isso e assim serei”.
Gozo e ética na experiência psicanalítica 293
6. J. L acan (1959). Le sem inaire. L ivre VII. L 'é tiq u e dans la p sychanalyse.
P aris: Seuil, 1986. p. 350-351.
296 G ozo
e s p e r a r m a is q u e fra c a s s o s e p o s te r g a ç õ e s , c a so p re te n d a
com parar-se aos ansiolíticos de hoje. Pois sua m eta não aponta para
o prin cíp io de prazer, para o “com pleto b em -estar” da definição
“ m u n d ia l” da sa ú d e , m as p a ra o a lé m , a e sse c o rp o q u e se
experim en ta ainda no sofrim ento e p o r m eio de um a tensão sem
pausa, ao gozo que, se sofre, é pelos im pedim entos e os limites que
o prazer lhe opõe.
Pulsionar, em purrar, reanim ar a busca além do fantasm a em
que os objetos @, com o elem entos im aginários do fantasm a, vêm
e n g a n a r o s u je ito , re c o b rin d o o c o n d e n a d o lu g a r d a C o isa ,
s u ste n ta n d o aí a isca d as re p re s e n ta ç õ e s e dos id e a is .7 N esse
fantasm a, form ação im aginária, ram o da árvore narcísica do eu
quando não é o próprio eu sob a form a de um self, “si m esm o”, o
que é fantasm a, nesse fantasm a, nesse ramo, se sustenta o sintoma.
A í o gozo perm anece estancado, desconhecido, renunciado, des-dito
(versagt), fora da palavra, carregado de um sentido que não se pode
re c o n h e c er. E d esd e e ste re d u to da ig n o râ n c ia p ro d u z -se e se
fundam enta a dem anda dirigida ao saber, ao saber suposto no Outro,
que perm itiria subjetivar o gozo.
A transferência é o prim eiro, é a razão que fundam enta a de
m anda feita a alguém, a qualquer um (Sq, signifiant quelconque, no
m atem a da transferência que Lacan propôs).8 Ela perm itirá ao su
jeito se produzir em um discurso significante (S, - S2) do qual ele
m esm o é o significado. O encontro com qualquer um que, sendo
analista, se negará a entrar no cam po das significações, a tam ponar
a dem anda com respostas, a se oferecer com o objeto de identificação
ou com o assento de um saber que estivesse à espera do m om ento
em que se poderia aplicar colm atando o lugar da ignorância e do
erro. Se o sintom a fazia o curto-circuito que afastava o sujeito de
seu desejo, esse desejo do grande e inacabável circuito, o analista
virá no lugar do sintom a, reanim ará o m ovim ento estancado, fará
cinem a a partir da foto fixa e tom ará o lugar indicado topologica-
m ente com o a alm a do toro, ágalm a do desejo. E em torno dele que
girarão as dem andas... e encontrarão seu topo. (p. 85).
7. Idem . p. 1 19.
8. J. L acan (1967). A utres écrits (A. E.). Paris: Seuil, 2001. p. 248.
Gozo e ética na experiênciçsicanalítica 297
3. O d ev er do d esejo
4. O ato e a culp a
15. G. Pom m ier. Le dénouem ent d 'u n e analyse. Paris: Point H ors L igne, 1987.
p. 197.
306 Gozo
o sujeito acate o d estin o que leva d en tro , que escrev a seu livro
proustiano, que saiba, por séu ato, quem é (p. 208-210).
A análise com o “tratam ento” da neurose tem um a meta ética
que é a de reabrir este cam po da decisão particular que não se com
padece de ordens, ordenações e ordenam entos. Atenção! Não se tra
ta de encontrar, assim , m ais um a vez essa ideologia da liberdade
solidária da psicologia m ais obscurantista nem de recair nos cantos
laudatórios da individualidade. “O eu é a teologia da livre empresa”.16
Por isso, acabam os de evocar o Z ugszw a n g enxadrístico: deve-se
jo g ar e o saldo da ação é um a perda irreparável; deve equivocar-se.
O obsessivo que posterga sem pre seu ato para não perder, sabe-o
m elhor que ninguém .
“S aber p ara sem pre quem se é ”, efeito retroativo do ato, de
um a jo g a d a que com prom ete o ser e o escreve com o um destino,
de um a aposta cujo saldo é de abandono e de solidão. Poder~se-ia
dizer tam bém de um a identificação com a causa de seu desejo, ou
seja, com um a falta impreenchível que subjaz às decisões e aos atos.
Esse é, psicanaliticam ente, o destino. N ão é um a predestinação real,
mas um a razão que se constitui retroativam ente a partir dos atos. Por
atuar, p o r fa lh a r, p o r in s c re v e r e ssa fa lh a co m o ra stro de sua
passagem pelo m undo, o sujeito “sabe para sem pre quem é ”. O novo
saber é am bíguo: desolado e desolador por um lado, m as tam bém
“gaio saber”, fonte do entusiasm o e de um contato renovado com
o gozo, de um a curiosidade aguçada que desterra a tristeza e o tédio,
esses estad o s da alm a que anulam as d iferen ç as e que tiram do
m undo seu relevo.
Citando novam ente Pom m ier,17 o analisante se equipara nisto
ao herói m oderno, definido não tanto por sua valentia, mas pelo fato
de afro n tar sua an g ú stia e sua culpa. Ele percorre na análise um
trajeto paradoxal: tendo vindo para aprender a gozar, para perder as
travas de seu gozo, fica sabendo que existe apenas a possibilidade
de negociar seu gozo por meio da insistência da falta em ser que nele
habita, seu desejo. A am bigüidade do fim da análise está feita desta
m e s c la de d e s o la ç ã o e e n tu s ia s m o q u e se e x p e r im e n ta
;ito acatc o destino que leva d en tro , que escrev a seu livro
tiano, que saiba, por seu ato, quem é (p. 208-210).
A análise com o “tratam ento” da neurose tem um a m eta ética
a de reabrir este cam po da decisão particular que não se com-
íe de ordens, ordenações e ordenam entos. Atenção! Não se tra
que o encontrar, assim , m ais um a vez essa ideologia da liberdade
corpoíria da psicologia mais obscurantista nem de recair nos cantos
m tervtórios da individualidade. “O eu é a teologia da livre em presa”.16
estofojso, acabam os de evocar o Z u gszw ang enxadrístico: deve-se
respore o saldo da ação é uma perda irreparável; deve equivocar-se.
com o í c s s í v o que posterga sem pre seu ato para não perder, sabe-o
produ^r qUe ninguém .
do sujf'Saber para sem pre quem se é ” , efeito retroativo do ato, de
ogada que com prom ete o ser e o escreve com o um destino,
ia aposta cujo saldo é de abandono e de solidão. Poder-se-ia
tam bém de um a identificação com a causa de seu desejo, ou
:om um a falta im preenchível que subjaz às decisões e aos atos.
B, psicanaliticam ente, o destino. N ão é uma predestinação real,
sab er, ma razão que se constitui retroativam ente a partir dos atos. Por
m aiêu, p o r fa lh a r, p o r in s c re v e r e s s a fa lh a com o ra stro de sua
H ussegem pelo mundo, o sujeito “sabe para sempre quem é” . O novo
renuncé am bíguo: desolado e desolador por um lado, m as tam bém
an terk saber” , fonte do entusiasm o e de um contato renovado com
saber t>, de uma curiosidade aguçada que desterra a tristeza e o tédio,
signifii estad o s da alm a que anulam as d iferen ças e que tiram do
Co seu relevo.
mas nâCitando novam ente Pom m ier,17 o analisante se equipara nisto
d e v e rró i m oderno, definido não tanto por sua valentia, mas pelo fato
(prescirontar sua an g ú stia e sua culpa. Ele percorre na análise um
um a iro paradoxal: tendo vindo para aprender a gozar, para perder as
“E seu; de seu gozo, fica sabendo que existe apenas a possibilidade
relaçãcgociar seu gozo por meio da insistência da falta em ser que nele
único a, seu desejo. A am bigüidade do fim da análise está feita desta
la de d e s o la ç ã o e e n tu s ia s m o q u e se e x p e rim e n ta
18. J. L
d ° lL acan (1955). É crits, p. 335; E scrito s 1, p. 324.
Pe tr Pom m ier. Le d é n o u em e n t d ’une analyse, p. 215.
G ozo e ética na experiência psicanalítica 307
Não vale pela afirm ação ou pela respost que lhe segue (discurso do
senhor), não é julgado no plano do safer (discurso universitário),
não responde a um a cisão no sujeito (dscurso da histérica). U m a
in te r p r e ta ç ã o , um d iz e r tr a d u z id o :m um d ito q u e não é a
excrescência da subjetividade deste oudaquele analista e que não
surge de nenhum a contratransferência nascarada do desejo.
5. A analogia im unológica
e e n c a n in h a r o g o z o q u e se e x ilo u d e p o is de p a d c e r um a
ran su b ta n c ia çã o e atra v e ssa r p elo s sistem as de colo ação em
Dalavra; o que se sucedem de um a ponta à outra do es|uem a da
;a rta 5! (cf. p. 190). D ep o is de d e c ifra r o g ozo e go.ando do
iecifrarento. A dvindo Eu nesse lugar.
A nterpretação terá de ser um a palavra que burle o istem a de
iefesasissim ilad o ras e/ou recusantes. Por isso não pod ser um a
palavra ilheia que ponha em andam ento o sistem a im undógico de
■ecusa <os enxertos. O erro das intervenções feitas d e se o saber
refererxial) do analista, erro do qual os analistas lacaninos esta-
n o s mas alertas, consiste em recair sobre a significaçã', sobre o
sentido io sintom a ou da transferência tratada com o sinoma. E a
nterpreação lacaniana, surpreendente e equívoca, atuanco sobre o
signo, rio proposicional, burla o sistem a dos anticorpos im vez de
;stimul<-los com o um antígeno ou de se integrar a ele depis de ser
iubmetila a um processo digestivo de assimilação. “Evoc o gozo” .
Iambéri o provoca. Seu enunciado está mais próxim o dcchiste do
que da in fe rê n c ia . É, antes, um a negativa a con-ferir. Colocação
;m ato.
A pnas terá efeito se a “proteção im unológica” for eficiente,
>e for eifraquecido o eu forte da m etapsicologia revisiorista, o do
‘tim o ” A e s tra té g ia c o n siste em fa z e r do eu o u tro , m O utro
iuspeitcde cum plicidade e encobrim ento daquilo de que;e queixa.
D denuiciante é o prim eiro suspeito; isso é algo que nm o m ais
inexper;nte dos detetives pode ignorar. D eve-se fazê-lofalar para
que caiim as m á sc a ra s q u e o c u lta m suas v e rd a d e irs razão e
identidáie. E ssa identidade é a m esm a que a do sintoma, iois com o
um sintoma e s tá e s tru tu ra d o . A in te rp re ta ç ã o c a irá o b re seu
discursojm a vez que se tenham desativado os processos lefensivos
habituai, as b arreiras fantasm áticas. P or isso com ecei :ste item
p rop o m o q u e se in d u z a u m a “ im u n o d e fic iê n c ia ” , una AIDS
analítica que faz o sujeito passar para um a situação de desroteção,
de desanparo, de travessia dos fantasm as da vida para mtrar em
contato o m o real descarnado que se encontra além.
A sanalogias e as parábolas cativam , mas depois deexpô-las
deve-se .dvertir o público sobre sua estrutura de ficção: osssencial
que as onstitui é a diferença entre os dois termos que asintegram
316 G ozo
6. A carta ao pai
L
G ozo e ética na experiência psicanalítica 317
o a g r e s s o r e q u e tu d o o q u e v o c ê fe z fo i aitolefesa. P o rta n to ,
g ra ç a s à tu a fa lta d e s in c e rid a d e , te ria c o n s g u d o se u o b je tiv o ,
p o is d e m o n s tro u trê s c o is a s : p rim e iro , q u e ( in c e n te ; s e g u n d o ,
q u e e u so u c u lp a d o ; e, te rc e iro , q u e se n d o sb lm e e s tá d is p o s to
n ã o só a m e p e rd o ar, m as ta m b é m , o q u e é rai ou m e n o s ig u al,
a d e m o n s t r a r e q u e r e r c r e r v o c ê m e s m o c u etam b é m e u s o u
in o c e n te ; lo g o , c o n tr a a v e r d a d e . Is to p o d r i; b a s ta r - lh e , m a s
não. M e teu em su a c a b e ç a a in te n ç ã o d e vive tcalm en te à m in h a
c u s ta . R e c o n h e ç o q u e b r ig a m o s u m c o m oo u ro , m a s h á d u a s
c la s s e s d e lu ta . O c o m b a te c a v a lh e ir e s c o , en |ue se m e d e m as
fo rç a s d e a d v e rs á rio s in d e p e n d e n te s ; c a d a un stá só, p e rd e só,
v e n c e só . E a lu ta d o p a r a s i t a , q u e n ã o a p n s p ic a , m a s q u e
ta m b é m s o rv e o sa n g u e d e q u e m o m a n té m A s im é o s o ld a d o
m erc e n á rio e assim é você. É in c a p a z para a id; m as para p o d e r
a rru m á -la s c o m o d a m e n te , se m p r e o c u p ç ê s n em p e so na
c o n s c iê n c ia , d e m o n s tr a q u e lh e tire i to d a ; sia a p tid ã o p a r a a
v id a e q u e a c o lo q u e i n o b o ls o . O q u e lh e in p o rta a g o r a s e é
i n c a p a z p a r a a v i d a ; a r e s p o n s a b i l i d a d e : riin h a , e v o c ê se
d e s e s p e r a c o m tr a n q ü ilid a d e e se d e ix a le\»r>or m im , f ís ic a e
e s p i r i t u a l m e n t e p e la v id a . U m e x e m p l o .h ; p o u c o , q u a n d o
p e n sa v a e m c a sa r-se , q u e ria ao m e sm o tem perío se casar, o q u e
a d m ite e m su a c a rta ; m as p a ra n ã o ter q u e reover v o c ê m e sm o ,
d e s e ja v a q u e o a ju d a s s e a n ã o se c a s a r, proiliido-lhe e s s a b o d a
p e la “ d e s o n ra ” q u e a u n iã o tra ria a m eu nom .V Ias isso n e m m e
o c o rre u . E m p rim e iro lugar, p o rq u e n e ste casi, o m o em to d o s os
o u tro s, não d e se ja v a “ se r u m o b stá c u lo para sí fe lic id a d e ” , e em
s e g u n d o , p o rq u e n ão d e s e jo e s c u ta r ja m a s jm a re p rim e n d a
s e m e lh a n te de m eu filho. S ig n ific o u -m e a lg u i; v a n ta g e m te r-m e
v e n c id o a o d a r-lh e lib e r d a d e p a ra a b o d a ? /b o lu ta m e n te n a d a .
M in h a r e c u s a e m r e la ç ã o à b o d a n ã o a h a d a e v it a d o ; p e lo
c o n t r á r i o , t e r i a s i g n i f i c a d o u m e s t ím u l o p a v o c ê , j á q u e a
“ t e n t a ti v a d e e v a s ã o ” , c o m o s e e x p r e s s a , s - s e - i a f e it o m a is
c o m p l e t a . M e u c o n s e n t i m e n t o p a r a a b o ia n ã o e v i t o u s u a s
r e p r i m e n d a s , p o is d e m o n s tr a , d e t o d a s a s f r m a s , q u e s o u o
c u lp a d o d e q u e se te n h a re a liz a d o . P a ra m in,no e n ta n to , n e ste
e e m to d o s o s o u t r o s c a s o s , n o f u n d o nãc le m o n s tro u o u t r a
c o is a se n ã o q u e m in h a s re p rim e n d a s se ju s tiia v a m e q u e e n tre
e la s f a l t a v a u m a m a is , p a r t i c u l a r m e n t e jis if i c a d a , q u e é a
re p rim e n d a p e la falta d e s in c e rid a d e , d o c ilid d ' e p a ra sitism o . Se
n ã o m e e n g a n o m u ito , ta m b é m c o m su a c a rt tu a c o m o p a ra sita
320 G o zo
s o b r e m im . ( C i t o a t r a d u ç ã o d e H a e b e r l e e n t r e a s v á r i a s
e x is te n te s .)
Essas linhas quase finais são a razão de a carta nunca ter sido
enviada: a carta chegou antes ao seu destino, que era o próprio autor.
O parágrafo final consiste em um certo reconhecim ento das razões
do pai e em uma certa insistência nas razões do filho, mas - term ina
d izendo o escrito r - “conseguiu-se, em m inha opinião, algo tão
próxim o à verdade que pode nos tranqüilizar um pouco a ambos e
nos tom ar mais fácil viver e morrer. Franz”. São as palavras que um
analista espera quando ouve o longo relato do sofrim ento da alma
bela até o ponto em que se produz a inversão dialética da reprimenda,
o p o n to em q u e o a n a lis ta p o d e r e s o lv e r q u e as e n tre v is ta s
prelim inares acabaram e que a análise pode com eçar. A í onde o
sujeito alcança o lim ite de sua auto-expiação acusatória para aceitar
sua responsabilidade no gozo que alcança em direção ao desejo em
sua dupla função de barreira e de cam inho para o gozo e o sujeito
acabará sendo, terá sido, um m odo de conjugação do desejo e do
gozo que se ab rirá, em m eio e p o r m eio da linguagem , de um a
relação diferente com o saber inconsciente. E a ética da psicanálise
se dará em torno do desejo, de sua cessão ou não e do bem -dizer
conform e o gozo que assim se conjuga com o desejo.
Essa é a função atribuída ao nom e-do-Pai. A seu nome, que é
de um morto no aquário do sim bólico onde bóiam as palavras. Não
o pai que aterroriza com seu poder aniquilador, tal com o K afka o
a p re s e n ta , m as o q u e p o d e h a rm o n iz a r a lei com o d e se jo , o
significante com o gozo.
O desejo e o gozo, o Outro e a Coisa. A experiência da análise
se inaugura e se prossegue pela articulação dialética desses dois pares
de conceitos entre os quais se destaca o sujeito S. Razão demais para
que o dizer, o dizer que decifra, seja a articulação e o diafragm a que
os liga.
Podem vir ao caso outros exem plos históricos e clínicos que
n ão g a n h a m cm p e so , n em em c e le b rid a d e , nem em c a rá te r
paradigm ático do de Kafka: os de Freud e Lacan, esses sujeitos que
se c o n stro e m em um d iz e r e em um e s c re v e r seu d e se jo que
convocam em um único ato o desejo e o gozo: isso se cham a estilo,
um estilete que deixa sua m arca no O utro ao realizar a inscrição
G ozo e ética na experiência psicanalítica 321
7. C e d e r o desejo?
29. J. L acan (1960). Le sem inaire. L ivre VII. L 'e liq u e d a n s la psych a n a lyse,
p. 368.
322 G ozo
31. J. L acan (1960). Le sem inaire. L ivre VII. L ’étique d ans la psych a n a lyse,
p. 362.
32. Idem , p. 361.
324 G ozo
34. J. L acan (1961). Le sem inaire. Livre VIII. Le transferi. Paris: Seuil, 1991.
p. 271.
G ozo e ética na experiência psicanalítica 327
O s u p e re u f r e u d ia n o c, co rn o se sa b e , um h e rd e iro do
com plexo de Édipo que supõe a substituição da ameaça de castração
com o perigo externo pela regulação interna do sujeito das moções
pulsionais. O supereu é concebido com o um sistem a de habilitações
e proibições do gozo. O bediente à lei e dentro de seus m arcos, o
gozo está perm itido, mas é um gozo limitado, podado pelas tesouras
da castração.
O supereu lacaniano não pode ser confundido com o freudiano.
Seu im p erativ o não é o de obedecer, mas o de gozar e o gozo é
ju s ta m e n te o q u e o s u p e re u f r e u d ia n o p ro íb e . O g o z o é
transgressivo; por isso tem pouco a ver com a obediência. A questão
é, depois de ter distinguido com o fizem os nos prim eiros capítulos,
e n tre trê s fo rm a s do g o z o , d e te r m in a r o q u e q u e r d iz e r o
m a n d a m e n to s u p e re g ó ic o de “ g o z a r ” , p o sto que os g o zo s se
contrapõem e se excluem entre si. T rata-se de gozar antes, em vez
ou depois da castração; inclinar-nos-em os pelo gozo do ser, pelo
gozo fálico ou pelo gozo do O utro? O ptarem os pela concepção de
um supereu aniquilador que ordena um a loucura irresponsável, de
um supereu regulador que por sua vez perm ite e proíbe, mas que
se m p re su b m e te às suas d e m a n d a s n e u ro tiz a n te s , ou p o r um
supereu transgressivo que ordena reconhecer o desejo que habita no
sujeito e fazer dele a Lei que facilite o cam inho do gozo? (Psicose,
neurose e liberdade para o ato perverso, respectivam ente.)
P ro p o n h o que a fo rm u lação la c a n ia n a de que a ordem do
su pereu é a de g o zar pode ser este n d id a em to d a a sua riqueza
a p e n a s q u a n d o se re s p e ita a a m b ig ü id a d e de seu e n u n c ia d o ,
reconhecendo a polissem ia e a polivalência do gozo. Ao se aceitar
esta proposta, ter-se-á que reconhecer uma triplicidade superegóica
q ue inclui o supereu freu d ian o com o aquele que tropeça com a
inevitável rocha viva da castração e o supereu lacaniano como aquele
que elege não se deter ante a castração simbólica, reconhecê-la como
o acesso possibilitado pela função e pela m etáfora paterna ao campo
da linguagem e do discurso e atravessá-la no cam inho da inscrição
do d e se jo no real p o r m eio de atos que ro m p am as m irag e n s
imaginárias e as perm issões e licenças sim bólicas. Atos que, por sua
própria realização, significam a impugnação da normatividade.
A distinção tripla deveria se realizar entre um supereu primitivo,
este sim obsceno e feroz, que exige um gozo irrefreado, alheio à
linguagem e que não quer saber nada do nom e-do-Pai com o função
m etafórica que lança o desejo, kleiniano, diríam os, para distingui-
lo de um su p ereu fr e u d ia n o que seria c o n se c u tiv o ao an terio r,
pacificante (e não tão confiáv el) que p rom ete recom pensas pela
obediência às diretivas do ideal do eu procedentes, por sua vez, de
iden tificaçõ es com os sig n ifican tes do O utro introjetados, pelas
adm oestações recebidas de “viva voz” ; é um supereu que m aneja
com a arma da culpa, que recom enda deter-se no caminho do desejo,
aceitar “que não se pode” e que deriva a subjetividade por caminhos
de im potência, inibição, sintom a e angústia. E stes dois supereus
devem , por sua vez, distinguir-se de um terceiro, lacaniano, que
im pele a gozar com o os outros dois, mas agora com uma diferença
essencial: nele o gozo terá de passar pelo discurso, ou seja, pelo
sem blante,36 que aspira recuperar o gozo perdido em um cam inho
(recherche) que vai além das prescrições reguladoras e que confronta
o sujeito com o limite, com o nec plus ultra, com o impossível que
é c o n s e q ü ê n c ia da in e x is tê n c ia da re la ç ã o s e x u a l. P o r su as
im plicações clín icas, este terceiro supereu deve se distin g u ir da
perversão que poderia ser seu ponto de desem bocadura, com o são
para os outros dois a psicose e a neurose. A diferença, apesar de
sutil, é importante: é a diferença que há entre um fazer semblante de
9. Do am o r em p sican álise
Merleau-Pontv. Filosofia como corpo e existência, Nelson Coelho Jr. e Paulo Sér
gio do Carmo
O inconsciente como potência Subversiva, Alfredo Naffah Neto
O pensam ento japonês, Hiroshi Oshima
Comunicação e psicanálise, Jeanne Marie Machado de Freitas
Clarice Lispector. A paixão segundo C.L., Berta Waldmann
A pulsão anarquista, Nathalie Zaltzman
Escutar, recordar, dizer, Luís Cláudio Figueiredo (Co-Educ)
S in to m a so cia l dom inante e m oralização in fa n til, H eloísa F e rn a n d e z (Co-
Edusp)
Na sombra da cidade, Maria Cristina Rios M agalhães (org.)
Estados-da-alma da psicanálise, Jacques Derrida
O vínculo inédito, Radmila Zygouris
Nem todos os caminhos levam a Roma. Radmila Zygouris
CO LEÇÃ O — TÉLOS
Ensaios de clínica psicanalítica, François Perrier
A formação do psicanalista, François Perrier
Afeto e linguagem nos p rim e iro s e sc rito s de Freud, M onique Schneider
Como a interpretação vem ao psicanalista, René Major (org.)
C O L E Ç Ã O — L IN H A S DE FUGA
A invenção do psicológico, Luís Cláudio Mendonça Figueiredo (Co-Educ)
Limiares do contemporâneo, Rogério da Costa (org.)
A psicoterapia em busca de Dioniso, Alfredo Naffah Neto (Co-Educ)
As árvores de conhecimentos, Pierre Lévy e Michel Authier
As pulsões, Arthur Hyppólito de Moura (org.) (Co-Educ)
C O L E Ç Ã O — TRANSVESSAS
O corpo erógeno. Uma introdução a teoria do complexo'e Edipo Serge Ixclaire
C O L E Ç Ã O _ PLETH O !
A palavra in sensata. Poesia c psicanálise, Eliane For.eca
Contratransferência, Suzana Alves Viana
Poética do erótico, Samira Chalhub
A Escola. Um enfoque fenomenológico. Vitória Helen Cunha Espósito
Psicanálise, política, lógica, Célio Garcia
A eternidade da maçã. Freud e a ética, Flávio Carvalb Ferraz
A cara e o rosto. Ensaio de Gestalt Terapia, Ana Mari Loffredo (esg.)
Pacto Re-Velado. Psicanálise e clandestinidade politic, Maria Auxiliadora de Al
meida Cunha Arantes
A poesia, o mar e a mulher: um só Vinícius, Guaraciah Micheletti
Psiquismo humano, Marco Aurélio Baggio
Semiótica da canção. Melodia e letra, Luiz Tatit
A cientificidade da psicanálise. Popper e. Peirce, Elisabth Saporiti
A força da realidade na clínica freudiana, Nelson Codio Junior
Corpoafecto: o psicólogo no hospital geral, Marilia AM uylaert
Crianças na rua. Ana Carmen Martin del Collado
Um olhar no meio do caminho, Sônia Wolf
Os dizeres nas esqiiizofrenias. Uma cartola sem fundoM ariluci Novaes
C O L E Ç Ã O - FIL O S O F IA NO R A S IL
Freud na filosofia brasileira, Leopoldo Fulgencio e Rioard T. Simankc (orgs.)
Kant no Brasil. Daniel Omar Peres (org.)
Título Gozo
Projeto Gráfico Diogo Angelo/.i Rossao
D iagram ação Diogo Angelozi Rossao
Revisão Tereza Cristina P. T eieira
F orm ato 1 4 x 2 1 cm
Tipologia Times New Roman (1,5/12,5)
P apel Cartão Royal 25()g (caa)
Off set 75g (miolo)
Número de páginas 344
Tiragem 1 000
Im pressão Gráfica e Editora Vida: Consciência
Os sucessivos desenvolvimentos
e seus efeitos sobre a teoria do
inconsciente, a sexualidade e
a ética perm item vincular o
gozo a questões tão urgentes
como a drogadiçào, as psicoses,
as form as da angústia
contem porânea e o debate
sobre as perversões.
N é sto r B ra u n s te in é m édico e
psicanalista. Antes de seu exílio
da A rgentina foi professor na
Universidad Nacional de
Córdoba, e atualm ente é
professor na pós-gradução da
Facultad de Psicologia de la
Universidad Nacional
A utónom a de México e
encarregado de um a cadeira
extraordinária na Facultad de
Filosofia y Letra de la UNAM .
É p erm anentem ente convidado
a dar cursos e sem inários sobre
a teoria e a clínica lacaniana
em universidades e instituições
psicanalíticas da América do
Norte, América do Sul, Europa
e Ásia. De sua recente produção
destacam os os livros Ficcionario
de psicoanálisis e Por el caminho
de Freud, ambos publicados
pela Siglo XXI.
Em 1990 foi publicada pela
Siglo XXI a prim eira versão
deste livro. Desde então, ele se
to rn o u a obra de consulta m ais
citada e recom endada para
elucidar as dificuldades do
célebre conceito de Jacques
Lacan, que coroa e dá sentido
ao conjunto do pensam ento
psicanalítico tal como aparece
desde os prim eiros trabalhos
de Sigm und Freud.
Anos m ais tardes, após a
tradução para o francês, o
percurso internacional da obra
fez com que se acrescentassem
com entários, tendo sido
necessárias atualizações
bibliográficas e correções,
além de um a consideração de
novos tem as que não faziam
parte da versão original.
O autor efetuou um a revisão
com pleta do texto e, em seu
conjunto, esta edição
au m entad a pode ser
considerada definitiva.
Entre a satisfação profunda e
a p lenitude sexual, intelectual
ou espiritual, entre o prazer
próprio e o do outro, entre a
proibição e o desejo, as noções
apresentadas em Gozo persistem
na tradição renovadora da
teoria e da clínica psicanalítica.
mÊm
A “diferença ab so lu ta” encontra-se no gozo, na
travessia da angústia e do fantasm a dos perigos
que espreitam no prosseguim ento indefinido e
intransigente do desejo, a transcendência
tam bém do am or com o lugar privilegiado do
reforço da im agem narcísica pelo encontro com
um a “alm a gêm ea”.
%
escuta