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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PETRÓPOLIS

CENTRO DE TEOLGIA E HUMANIDADES


DEPARTAMENTO DE TEOLOGIA

TEXTOS PARA ESTUDOS DE ENSINO À DISTÂNCIA:


INTRODUÇÃO À TEOLOGIA I

Prof. Pe. Pedro Paulo de Carvalho Rosa

Petrópolis
2008
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PETRÓPOLIS
CENTRO DE TEOLGIA E HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE TEOLOGIA

TEXTOS PARA ESTUDOS DE ENSINO À DISTÂNCIA:


INTRODUÇÃO À TEOLOGIA I:

Pergunta sobre a fé.

Texto de Pe. Pedro Paulo de Carvalho Rosa elaborado a partir


de anotações do Prof. Mons. Gilson Andrade da Silva e Dom
Paulo Francisco machado. É um texto de estudo para reflexão
sobre o item 1 do programa de Intr. à Teologia I.

Prof. Pe. Pedro Paulo de Carvalho Rosa

Petrópolis
2008
INTRODUÇÃO

Esse texto servirá para ajudar o estudante a compreender que a fé é um método


de conhecimento, e não tanto algo alheio ou um apêndice que algumas pessoas tem mas
poderia não ter. Pelo contrário, usamos da fé mais do que a própria razão. Normalmente
não nos damos conta disso.
Convido a você estudante a fazer a leitura desses textos com um pensamento
crítico ativado, pois perceberá o sentido do que estamos falando.
O QUE É CRER?

O ato de crer

A bíblia católica na Epístola aos Hebreus (11,1) define a fé como certeza

daquilo que ainda se espera, a demonstração de realidades que não se vêem. Pelo

contexto podemos dizer que a fé é uma chave para entendermos a vida preenchendo de

significado o que está a nossa volta, o que somos, o que vivemos.

Nós assimilamos a realidade em que vivemos por conhecimentos recebidos

diretamente e por conhecimentos recebidos indiretamente. Antes, eu diria que os nossos

conhecimentos são marcados pelas mais variadas mediações em que usamos como

método a fé.

Podemos considerar que Crer se opõe à razão, mas não ao saber, pois ambas

pertencem à ordem instrumental para se conhecer. O que podemos ainda considerar é

que a razão diz respeito à “ciência certa”, e a fé diz respeito à “convicção íntima” (à

convicção pessoal). No nosso ambiente cultural temos uma grande confiança no saber,

sobretudo quando se trata das ciências, mas temos fortes reservas em relação ao crer,

considerado inferior.

Na verdade, o “crer” pertence ao nosso cotidiano, bastaria dizer que os nossos

conhecimentos são frutos de uma “tradição”, de uma recepção do saber de outros.

Este é um dado elementar: não podemos viver sem acreditar nos outros. Esta

confiança é a base da sociedade e, por isso, é tão grave a mentira na vida social.

Fé e saber se relacionam. São duas instâncias diferentes, mas não

necessariamente opostas. Até mesmo as ciências mais rigorosas se apóiam em certas

opções da ordem da crença.

Crer não é uma atitude somente religiosa, mas uma realidade humana.
Passemos, agora, do terreno objetivo das coisas, para um outro campo: o das

relações humanas. Não podemos viver em sociedade sem confiar, ou seja, sem um

mínimo de fé nos outros. Não é possível amar e ter amizade, sem crer no outros. O sim

conjugal trocado entre os noivos é resultado do amor mútuo, que se apóia numa fé

mútua. Não é possível amar sem apelar para uma forma de fé.

Crer em valores

Todos temos um certo sentido de bem e de mal. Há certas coisas que se eu as

fizesse tornar-me-iam diante de mim mesmo menos digno (mais longe do ideal de

homem). Note-se que nossa vida social e pública se fundamenta em um certo número de

valores que são objeto de consumo (p. ex.: liberdade, igualdade, fraternidade).

O valor não é uma coisa. É uma espécie de utopia sobre a maneira como

devemos viver. Pois bem, todo valor ao qual uma pessoa se obriga se converte em

objeto de um ato de fé. O campo do saber continua inoperante. O homem é muito mais

do que uma soma de conhecimentos. Ele é quem discerne os valores, ele é quem os

julga e lhes dá um sentido. Ora, quando se fala de sentido, de direção, de intenção,

estamos na ordem do crer.

Daí, uma conclusão: o ato de crer é um ato essencial de nossa condição humana,

é um ato nobre e autenticamente humano. Não é um ato vergonhoso.

Ainda, a relação crer/saber em nossa vida nos conduz a um novo paradoxo de

nossa existência: devemos tomar decisões, mesmo quando nosso saber é incompleto.

Não decidir é uma forma de decisão, talvez a mais negativa, porque nos impede de fazer

uma experiência positiva de um compromisso e de seus benefícios. Queira se trate da

escolha de uma profissão, de uma opção de vida, de um compromisso pessoal a serviço


de uma causa, da decisão de se casar, estamos condenados a decidir para além do que

sabemos. Nós teremos sempre razões pró e contra, mas somos condenados a decidir.

Isto contradiz nossa busca de segurança e certeza de nosso futuro.

O crer religioso

A forma mais visível de crer é o crer religioso. Ora, as crenças religiosas se

apresentam hoje nas piores e melhores formas. Quantas crenças têm propostas imorais

promovendo verdadeiras lavagens cerebrais dos fiéis, abusando sexualmente deles e, até

mesmo, levando-os ao suicídio coletivo.

Seria injusto julgar o crer religioso partindo da credulidade e outras perversões

como a intolerância, pois também sabemos que ao longo do tempo o crer religioso tem

obtido numerosos títulos de nobreza (S. Francisco de Assis, Maximiliano Kolbe, Madre

Teresa de Calcutá, etc.)

Tomando um pouco de história falemos sobre a gênese da fé religiosa. O

exemplo que tomaremos será o da fé judaica, que conduzirá à fé cristã.

G. Van der Leeuw (in La religion dans son essénce et ses manifestations,

Payot, Paris 1970, p. 620) afirma que a fé religiosa é “a confiança total do homem em

um Deus com quem se encontrou pessoalmente”. Entende ele que a fé religiosa nasceu

no povo hebreu e o primeiro grande testemunho dela na Bíblia é a figura de Abraão que

“acreditou no Senhor e o Senhor o considerou como um homem justo”(Gn 15, 6).

Lembremo-nos que naquele tempo e ambiente grassava a idolatria, o politeísmo e a

magia.

Abraão aceitou uma relação pessoal com um único Deus. Tal relação começou

com um ato de confiança na palavra, no chamado que ele escuta. Abraão acreditou
totalmente na promessa de Deus de fazer dele o pai de um grande povo. A sua fé se

desenvolveu ao longo de uma história de aliança interpessoal.

A verdadeira fé não é aquela que afirma crer que Deus existe, mas de crer que

o homem existe pra Deus, ou, falando de outro modo: Deus se interessa pelo homem?

Ele pode intervir na história para o seu bem? Desde Abraão, a fé responde que Sim. Tal

foi a experiência fundamental que deu origem à tradição espiritual judia, na qual se

enxerta a tradição cristã.

O vocabulário hebraico para exprimir esta experiência não é técnico, mas

traduz as atitudes fundamentais: confiar em Deus, encontrar n’Ele apoio no meio das

contradições da vida, apoiar-se n’Ele como em algo sólido. Deus é solidez da nossa

existência (“Rocha de Israel” Sl 61, 4). Abraão tomou tais atitudes apoiando-se e

aderindo toda sua vida ao plano divino.

A fé evoca também a fidelidade. Esta fidelidade é antes de tudo e, sobretudo a

divina, pois Deus é sempre fiel à sua promessa. Mas também exige a fidelidade do

homem.

O passado é que dava ao povo a garantia do futuro: a fé de Israel se torna então

confiança e esperança em Deus. No futuro a fidelidade de Deus será a mesma, porque

“não abandonas, Senhor, aqueles que te buscam”(Sl 9, 11).

A fé é uma forte relação entre Deus e seu povo que se inscreve na Aliança. A

princípio esta é unilateral, depois ela é bilateral, em que o povo de Deus é chamado a

viver segundo a Lei. A fé é sempre uma resposta a uma iniciativa de Aliança.

Também os termos “crer” e “fé” aparecem inúmeras vezes no N.T. (umas 300

vezes e 250 vezes respectivamente). Os Evangelhos são livros da fé em Jesus. Esta fé

associa dois elementos: - “crer em” e, - “crer que”.


→”crer em” é um ato interpessoal pelo qual o discípulo entrega-se a Jesus, põe-se à sua

disposição e põe n’Ele toda a confiança. Este ato de fé pleno em Jesus só será legítimo

se Jesus é o verdadeiro e definitivo enviado de Deus. Jesus pede um ato de fé em Deus.

→”crer que”- Aqui a fé exige de nós crer no que disse Jesus e crer que ele é quem
∗∗
pretende ser. Crer aqui teria mais o sentido de “ter por verdadeiro”

Santo Agostinho, em linha ascendente, apresentará os 3 aspectos da fé cristã:

crer que Deus existe; crer, acreditar naquilo que Deus diz e, finalmente crer em Deus,

no sentido bíblico e evangélico, entregar-se a Deus e confiar a Ele o sentido de nossa

vida.

Certeza e liberdade da fé

Ensina-se que a fé é, ao mesmo tempo, certa e livre. Parece haver uma

contradição nesta afirmação, pois quanto mais certa é uma realidade, menos livre parece

ser. De outro lado, quanto mais se proclama a fé como livre mais incerta ela me parece,

dado que cada um segue suas idéias.

O que ocorre neste caso são soluções que se baseiam numa atitude voluntarista:

“creia cegamente primeiro, e logo você verá”, ou, numa atitude intelectualista:

“primeiro veja claramente, compreenda e depois creia”.

Ora, na verdade parece haver uma reciprocidade entre certeza e liberdade: à

medida que me comprometo numa vida de fé, acresce em mim a certeza; e, quanto mais

vou discernindo a verdade, mais quero crer.


Deus Existe

Temos razões para crer na existência de Deus. Lembremo-nos que Ele é puro

Espírito e não pode ser objeto de experiência sensível, não pode ser captado diretamente

por nossa inteligência. Mas podemos conhece-Lo mediante as coisas, isto é, mediante as

criaturas. A partir daquilo que conhecemos mais, as criaturas, chegamos ao

conhecimento da existência do Criador.

Deus é conhecido primeiramente como causa do mundo. É a razão humana que

nos atesta que as coisas existem por uma Causa, por um Existente. Assim, se Deus não

existisse, não existiria o universo, nós não existiríamos, porque do nada, nada se cria. Se

não existisse um ser necessário, não causado que tivesse dado início a tudo o que existe,

nada jamais existiria; assim como de uma série infinita de zeros não se tem nada. Será

preciso a unidade, e esta faz a diferença.

Poderíamos objetar que foi o homem quem “criou” Deus para dar explicação

cabal, plena dos fenômenos do universo. Ora, na verdade a razão, por meio da dedução,

entende que a única explicação possível, suficiente e adequada da existência do mundo

é a existência real de Deus. Continuamos a objeção: no futuro a ciência não poderá

explicar a existência do mundo prescindindo de Deus? – Parece-me que a verdadeira

ciência tem outra tendência, uma vez que a cada dia ela reconhece a perfeição, a ordem

do mundo de maneira a exigir a existência de um Criador, de um Ordenador, um Ser

infinitamente sábio que criou o mundo.

Aqueles que negam a existência de Deus devem recorrer à teoria do acaso

associada à da evolução para explicar a existência do mundo. Acaso, em sentido geral,

significa algo de imprevisto; no sentido filosófico, porém, é algo contingente – algo que

ocorre, mas poderia não ocorrer, antes normalmente não ocorre – é pré-intencional.
Inconstância e irregularidade caracterizam o acaso. Poderíamos afirmar que um belo

dicionário de 1.500 páginas seja fruto do acaso? Poderíamos afirmar que a organização

de cada célula com 53 bilhões de moléculas protéicas, 166 bilhões de lipídios, 2.900

bilhões de “pequenas moléculas” como os glicídios, 250 bilhões de moléculas de água e

de ácidos nucléicos seja obra do acaso?

Os que apregoam o acaso devem necessariamente, diante do universo

organizado (cosmos) falar de evolução no seu sentido absoluto. Mas há uma

incompatibilidade entre acaso e evolução, pois a matemática estudando o acaso puro

deduziu algumas leis estatísticas: a) o acaso é pura irregularidade; b) o acaso é anti-

unitário, ele não tem plano de unificação e de coordenação de partes. Quanto mais se

torna complexo um ser, mais unidade há entre as partes, diminuindo a probabilidade de

que tenham sido unidas pelo acaso; c) o acaso é necessariamente inconstante; d) o acaso

puro não é gradual.

Concluamos sem mais com três parágrafos do prêmio Nobel de física de 1966,

Alfred Kastler, que, perguntado sobre o finalismo dos seres vivo, respondia:

“Gostaria de contar uma parábola. Vamos supor que

durante a próxima viagem lunar seja explorada a face oculta da

lua, isto é, aquela que está do outro lado, que não podemos

ver...Suponhamos que os astronautas tenham a surpresa de

encontrar ali uma fábrica automática de alumínio: há hoje na terra

fábricas totalmente automáticas. Eles veriam, de um lado, pás

escavando o solo e recolhendo a alumina, e, do outro, barras de

alumínio saindo. Encontrariam aparelhagens típicas da física,

processos de eletrólise, porque o alumínio é produzido pela

eletrólise de uma solução de alumina com criolita. Em outras


palavras, depois de examinar essa fábrica, os astronautas

constatariam que estavam diante de fenômenos físicos normais

que as leis da casualidade poderiam explicar perfeitamente.

Deveriam talvez concluir que o acaso criou tal fábrica ou, então,

que seres inteligentes desceram à lua antes deles e a construíram?

As duas explicações são possíveis. Mas eu pergunto:

seria lógico considerar que o acaso uniu as moléculas de maneira

a criar semelhante fábrica automática? Ninguém aceitaria tal

interpretação. Pois bem, num ser vivo encontramos um sistema

infinitamente mais complexo do que uma fábrica automática.

Querer admitir que o acaso criou tais seres parece-me absurdo”.

Se o acaso e a evolução não explicam suficiente e racionalmente a existência do

universo, continuemos nossas buscas e nos surpreenderemos com as respostas que

alcançaremos.
Conclusão

A fé nos abre um horizonte de possibilidades de tal forma que, quem se nega a

reconhecê-la em sua vida, acaba por passar pelo mundo com uma visão muito restrita

em relação a própria vida.

A fé assim, não é um limitador, mas é um instrumento que amplia o sentido de

nossa existência.
Bibliografia

Conferir na Bibliografia Geral do Programa da Dsiciplina.

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