Você está na página 1de 61

Evaristo Emigdio Colmán Duarte

APROXIMAÇÃO À NATUREZA DO SERVIÇO


SOCIAL: Exame das proposições de três autores
brasileiros acerca da natureza do Serviço Social

MESTRADO: SERVIÇO SOCIAL

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


SÃO PAULO

1994
Evaristo Emigdio Colmán Duarte

APROXIMAÇÃO À NATUREZA DO SERVIÇO


SOCIAL: Exame das proposições de três autores
brasileiros acerca da natureza do Serviço Social

Dissertação apresentada como exigência


parcial para obtenção do título de Mestre
em Serviço Social à Comissão
Examinadora da PUC/SP, sob a orientação
da Professora Doutora Maria Lúcia
Rodrigues.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


SÃO PAULO

1994
2
3
RESUMO

No intenso debate que se trava hoje no meio dos assistentes sociais, diversos
são os caminhos e alternativas que se propõem para adequar as respostas
profissionais às dinâmicas demandas que a sociedade põe.
Nesse movimento, é possível perceber a indefinição de questões fundamentais,
indefinições responsáveis pelo impasse que dificulta a formulação das respostas que
a sociedade espera desta profissão.
A perspectiva desta reflexão é a de que o desvendamento da natureza do
Serviço Social é condição para superar um dos impasses que se instala no interior da
profissão. A partir disso examina as proposições de três autores brasileiros (Helena
Iracy Junqueira, José Lucena Dantas e Marilda Vilela) acerca da natureza do Serviço
Social.
Entende-se que este exame é um procedimento prévio para abordar a tarefa de
desvendar a natureza do Serviço Social, por tratar-se da obra dos autores que, do
nosso ponto de vista, mais influenciaram a formação de sucessivas gerações de
assistentes sociais no Brasil.
Trata-se, finalmente, de uma aproximação que a partir das indicações dos três
autores sumaria alguns eixos temáticos e metodológicos constituintes de um
programa para o desvendamento da natureza do Serviço Social.

4
SUMÁRIO
Introdução
 Definindo o objeto
 Plano de trabalho
Helena lracy Junqueira
 Serviço Social, uma forma de minorar os males sociais Serviço Social
e testemunho cristão
 A preocupação com o método
 Definição da natureza pelos objetivos e funções Síntese conclusiva
José Lucena Dantas
 Em busca de uma teoria geral e pela integração do Serviço Social nas
ciências sociais
 Centralidade da "Identidade específica e distintiva" no tratamento do
Serviço Social como profissão
 O Serviço Social como fato histórico-social e o paradigma de
profissionalização como marcos para definição da profissão
 Síntese conclusiva
Marilda Vilela
 A preocupação com o "significado Social"
 Concepção teórica: O Serviço Social e a reprodução das relações
sociais
 Significado dos serviços sociais ou a reprodução da força de trabalho
 Reprodução do controle e da ideologia dominante
 Síntese conclusiva
Considerações finais
Bibliografia

5
INTRODUÇÃO
A elucidação da natureza do Serviço Social não serve apenas para responder a
uma indagação de caráter pessoal. A necessidade objetiva de resolver este problema
decorre da constatação de que a volumosa produção teórica dos últimos 29 anos 1 e
todos os esforços realizados para se construir uma prática que superasse as
limitações denunciadas no Serviço Social "tradicional" 2, não foram suficientes para
estabelecer um perfil claramente identificável (por assistentes sociais e pelo
mercado) que permita afirmar a nossa profissão na divisão social do trabalho.
O acúmulo de escritos sobre a profissão do Serviço Social é mais que
significativo. Livros, revistas de publicação periódica, teses de doutorado e mestrado,
etc., se avolumam e enriquecem o acervo profissional, mas continuamos a nos
perguntar COMO exercer a nossa profissão. E se continuamos a nos perguntar é por
que não sabemos ou, no mínimo, não há consenso sobre o como fazer. Parece
legitimo, a partir disto, se perguntar; será que estamos falando da mesma coisa?
O como fazer nos remete à "metodologia", acerca da qual se trava o grande
debate profissional do nosso tempo. Em tomo dela decidem-se não apenas questões
operativas, mas também as de fundo teórico. Se de um lado é evidente que o que é
não se define pelo como faz, de outro, é igualmente evidente que, a diversidade de
propostas do como fazer parece indicar que não se trata apenas de divergências na
hora de operacionalizar, mas, do que é que se deve operacionalizar. Para ilustrar esta
diversidade vamos nos remeter ao sumário feito pela Professora Marilda Vilela em

1
Quer dizer desde o começo do movimento de reconceituação cujo início é datado em 1965,
ano em que se realizou o Seminário de Porto Alegre, de acordo com Ezequiel Ander Egg,
(Ander Egg.1985;421)
2
"Reduzido a suas expressões mais simples, o processo de reconceitualização é a tentativa
de superar o Serviço Social tradicional, típico transplante ideológico de origem
basicamente norte-americano. Este Serviço Social tradicional pode ser facilmente
caraterizado por seu desempenho profissional assistemático, intuitivo, carente de
procedimentos técnico-científicos bem determinados e rigorosos, informado por valores de
cunho liberal, voltado à correção (numa perspectiva claramente funcionalista) das
chamadas "disfunções sociais", e sustentado por uma concepção (consciente ou não)
idealista e/ou mecanicista do universo social, somente compreendido enquanto universo
social gerado pelo modo de produção capitalista." (Netto, 1975)
6
agosto de 19883 onde, fazendo referência à pesquisa ABESS/PUC sobre o ensino da
Teoria/História/Metodologia constatava as seguintes posturas:
de um lado ... o grande peso do ensino da metodologia no âmbito nacional, é
a reedição reparadora do caso, grupo, comunidade como algo
predominante, através de uma visão parecida das formulações clássicas que
supõe a segmentação entre indivíduo, grupo e comunidade.
... Por outro lado, aparece a busca de uma solução modernizante, de modelo
de intervenção profissional. Isso se expressa naquelas escolas que separam o
Serviço .Social tradicional da Reconceituação ... No quadro reconceítuação,
entendem a metodologia como as propostas de modelos metodológicos que
emergiram no âmbito da reconceituação evidenciando a proposta de Boris A
Lima, da Escola de Belo Horizonte; da Escola de Valparaiso, entendendo a
metodologia como um modelo que articula sequencias e os passos de
intervenção profissional acrescidos de modernidade com alguns
fundamentos ou seja: relação teoria e prática, na concepção de ciência e na
concepção de realidade
... Por outro lado, existe uma outra tendência que se expressa e se polariza
na literatura redigida por José Paulo Netto, da qual eu também partilho, cuja
ideia é de que não existiria uma metodologia própria do Serviço Social; uma
teoria própria do Serviço Social e nem a segmentação entre a metodologia
do conhecimento e a metodologia da ação.
... Por outro lado se verifica uma forte tendência (isso é muito sério e há um
só meio de superar, aprofundando a questão) em se ter uma nova
tricotomia. Aqueles que buscam superar o caso/grupo/comunidade de
repente se verifica que está se dando
funcionalismo/dialética/fenomenologia, caindo em alguns absurdos: a
dialética na relação com o indivíduo, com o grupo, nas técnicas, na
entrevista. (Iamamoto,1988)
É difícil conciliar a proposição que nega a existência de uma metodologia e
teorias próprias ao Serviço Social com as que ainda acham que
Caso/Grupo/Comunidade são as modalidades metodológicas desta profissão ou com
as que transformam o Funcionalismo, o Marxismo e a Fenomenologia em variedades
3
Trata-se da 1ª aula da disciplina "História e Tendências Teóricas do Serviço Social"
proferida pela Professora Marilda Vilela Iamamoto na PUC/SP em 12 de agosto de 1988,
cuja transcrição foi feita pelo próprio programa de pós-graduação dessa universidade.
7
da mesma. Diante de uma disparidade tão grande, custa acreditar que se esteja
falando da mesma profissão.
É claro que o sumário acima não é exaustivo. A própria Marilda aponta na
mesma aula outras alternativas (a proposta de Vicente de Paula Faleiros, a de Alba
Pinho de Carvalho e Marina Maciel, etc.), e a ABESS vem dedicando a esta questão o
melhor de seu trabalho nos últimos anos 4, sem, contudo, ter conseguido desamarrar
este grande nó. O que interessa, no entanto, é destacar que esta dificuldade de
entrar num acordo sobre como ensinar teoria e metodologia não é, segundo o nosso
entendimento, senão a forma em que aparece o problema de fundo: ainda não
resolvemos o que é a nossa profissão.
Uma dificuldade adicional para abordar diretamente o problema da natureza
estriba em que não é um assunto reconhecido pelos autores mais destacados na
literatura profissional; ele aparece por detrás de outras discussões, embutido dentro
de outros temas, daí a necessidade de "justificar" a sua pertinência no debate
profissional.
O que se verifica no debate acadêmico sobre a profissão é o predomínio da
preocupação pelo desvelamento do seu "significado social", basicamente a partir de
duas perspectivas: a) a quem serve (ou deveria servir) o Serviço Social ou o
Assistente Social; e b) quais as determinações histórico-estruturais que explicam o
surgimento e existência desta profissão. Quanto ao primeiro, o esforço se direciona
no sentido de justificar por que o Serviço Social deve se colocar ao lado das classes
trabalhadoras e seus projetos históricos. Quanto ao segundo, o objetivo é reconstruir
o percurso histórico da profissão tendo como parâmetro a compreensão da sua
relação com as necessidades da reprodução das relações sociais capitalistas. É
evidente a complementaridade de ambas perspectivas assim como a sua origem,
ligada ao movimento de reconceituação.
O exercício profissional, a "prática", entretanto, sabemos não ser informado
apenas por estas perspectivas. As grandes instituições e agências empregadoras de
Assistentes Sociais continuam agindo conforme as perspectivas que orientaram a sua
criação, ou seja, não se reconceitualizaram, não acompanharam os debates e
desenvolvimentos teóricos do Serviço Social.

4
Merecem ser referidos os seminários realizados pela ABESS: O "Seminário Nacional sobre
Ensino de Metodologia no Serviço Social" realizado na PUC/SP de 11 a 15 de abril de 1988 e
o "I Seminário Nacional de Ensino em Serviço Social (graduação e pós-graduação)
"Pluralismo e Formação Profissional" realizado na PUC/MG em outubro de 90.
8
Além desta objetiva demanda tampouco é difícil encontrar colegas que
continuam explicando o exercício de sua prática conforme orientações diferentes à
tradição inaugurada pela reconceituação. Há, ainda, profissionais que na sua prática
dão vigência às correntes "tradicionais". O certo é que nem a postura hegemônica 5
foi capaz de resolver os desafios postos à profissão e nem é possível hoje resolvê-los
desde a perspectiva tradicional. Assistimos e participamos de um impasse.
Acreditamos que a saída desse impasse não consiste apenas na escolha de uma
"matriz teórico-metodológica". Por mui importante que esta escolha seja, ela não
garante a superação do impasse em que a profissão se encontra. Ela é, por assim
dizer, exterior à profissão. As "matrizes teórico-metodológicas" dizem respeito, de
um lado, às ciências e à filosofia, das quais, por muito que a profissão com elas se
relacione, delas está definitivamente excluída. De outro, elas têm a sua determinação
no âmbito da política, a qual também guarda uma propriedade que exclui as
profissões. De resto, se a adoção de "matrizes" resolvesse o problema da profissão,
não estaríamos na confusão em que nos encontramos, haja vista a permanente
sucessão de matrizes que se adotam e se desprezam no Serviço Social a cada tanto
tempo.
Somos partidários da ideia de que uma saída para frente do atual impasse
reside necessariamente no desvendamento da natureza do Serviço Social. Quer dizer,
formular uma resposta à questão tantas vezes colocada do "QUE É O SERVIÇO
SOCIAL?" que tenha uma validade universal. Se não resolvermos previamente este
problema, de nada adiantará que os profissionais façam as melhores escolhas
teórico-metodológicas ou político-partidárias.
Um primeiro passo que se impõe é definir o porquê da escolha de "NATUREZA"
como conceito que dá conta desta questão. Por que não utilizar "especificidade",

5
Que vamos denominá-la de "critica", mas que de modo algum possui um significado
unívoco. A ela os autores se referem de diversas maneiras: reconceituado, marxista, de
intenção de ruptura, alternativo, etc. Apesar dessa diversidade de denominações todas
reconhecem a sua gênese no movimento de reconceítuação, é comum a elas a preocupação
pela convergência da profissão com os interesses das classes trabalhadoras e pela
ampliação da cidadania e da democracia. Não estamos dando nenhuma conotação de
"marxista" a esta postura. A tradição marxista no meio deste movimento é apenas uma das
protagonistas, conforme alertou corretamente José Paulo Netto em Londrina. A hegemonia
da orientação critica pode ser constatada a qualquer momento nas publicações, na
produção acadêmica, na composição das entidades da categoria e no currículo mínimo.
9
"identidade", "concepção" ou outro já utilizado pelos diversos autores que trataram
do assunto?
Para resolver esta dificuldade e estabelecer qual o conceito adequado há que
definir qual o tipo de resposta que a questão "O QUE É O SERVIÇO SOCIAL?" coloca.
Nesse sentido, a presença do verbo SER na pergunta, determina que a resposta deve
dar conta do SER da profissão, isto é, os atributos essenciais que a tomam uma
realidade distinta ao lado das outras profissões e atividades humanas.
Nesse sentido, parece-nos que “natureza” é o conceito mais abrangente para
exprimir a essência. Quer dizer, não exclui mas contém a identidade e a
especificidade.
Este cuidado se justifica pela necessidade de se evitar cair na armadilha
semântica de opor um conceito a outro e de escolher o “melhor”, excluindo o menos
adequado. Os diversos esforços e aproximações já realizados até agora pelos
profissionais que tentaram dar conta deste problema refletem o estágio alcançado na
apropriação por parte da profissão da sua própria natureza, e devem ser
devidamente valorizados. De outro lado, temos a suspeita de que se fossemos
examinar a fundo cada conceito já empregado, haveria grande chance de chegarmos
à conclusão de que se lhes atribuiu o mesmo significado; o de exprimir a natureza.
A compreensão de que a natureza contém a identidade e a especificidade pode
ser verificada num exame sucinto do alcance de cada um desses termos.
"Identidade" expressa a delimitação das caraterísticas pelas quais é percebida ou
identificada a coisa ou fenômeno, implica sempre contraste e, claro, é componente
da essência, mas não esgota o conteúdo do ser. Já a "especificidade" implica os
caracteres exclusivos, também atributo da natureza, porém não exaustivo nem
essencial. Além disso a especificidade é uma relação impossível de ser esgotada,
sempre haverá uma nova caraterística exclusiva de um determinado ser em face dos
novos fenômenos e coisas que incessantemente aparecem e das quais se distingue. A
natureza ao contrário, no sentido de essência que estamos aqui empregando, diz
respeito a aquilo que “permanece na mudança” segundo uma feliz expressão de
Lukács. Já a ideia de “concepção” contém o significado de conceber, de formular até,
mas guarda uma certa ambiguidade porque está associado à ideia de "ponto de
vista" de "opinião" e a natureza implica necessariamente o reconhecimento da
objetividade daquilo que quer se apreender.
O conceito que nos parece mais adequado para dar conta da questão posta "O
QUE É O SERVIÇO SOCIAL?", é o de natureza, entendida, é claro, como sinônimo de
10
essência. Em reforço da propriedade desta categoria, pode se afirmar que, mesmo
guardando um inequívoco significado filosófico, ele é também apropriado pela
linguagem mais corrente das ciências sociais e até da comunicação de massas.
De qualquer maneira a nossa preocupação neste momento não é de caráter
filosófico. Temos consciência de que num momento posterior da elaboração, esta
questão deverá ser melhor resolvida. O que se pode estabelecer como patamar
inicial da investigação é que por "Natureza" do Serviço Social, entendemos a resposta
que se dá à pergunta "O QUE É O SERVIÇO SOCIAL?"
No exame dos autores que faremos, porém, devido à diversidade apontada
anteriormente, vamos considerar como sinônimos todos aqueles termos.
A legitimidade desta problemática – o desvendamento da natureza do Serviço
Social como condição para resolver o impasse em que se encontra profissão–,
entretanto, não é de natureza terminológica ou semântica. Ela decorre antes de mais
nada da necessária postura cientifica com que devemos encarar a discussão
profissional. Desse ponto de vista, a preocupação é com a apreensão da essência que
se manifestam através das aparências ou fenômenos. Esta que é a tarefa par
excellence da ciência, deriva da não correspondência imediata entre aparência e
essência. Uma compreensão cientifica do Serviço Social significa, por tanto, a
apropriação de sua essência, a definição de sua natureza.
Metodologicamente assumimos a postura de que o Ser social existe
independentemente de ser conhecido, isto significa reconhecer a objetividade
primário-ontológica do ser social. Lukács na "Ontologia do Ser Social", enfatiza esta
postura:
Pode-se chegar à totalidade na natureza por muitos caminhos, mas apenas
por meio de um raciocínio, ainda que rigoroso; no campo social, ao
contrário, a totalidade é sempre dada já de modo imediato.
(LUKÁCS,1979;36) [destaque nosso].
Este reconhecimento implica que, após o esforço de conhecer qualquer
totalidade social mediante a ajuda de "abstrações isoladoras" impõe-se sempre a
obrigatoriedade de refazer o caminho de volta reconstituindo a totalidade agora
enriquecida pelo domínio das suas determinações e relações diversas. A
"obrigatoriedade" decorre precisamente da objetividade primário-ontológica do ser,
do fato dele ser " ... o verdadeiro ponto de partida [inclusive] ... da intuição e da

11
representação [mesmo que apareça] ... no pensamento como processo de síntese,
como resultado e não como ponto de partida" (MARX,1986;21).
De acordo com esta postura metodológica 1º) o Serviço Social tem uma
realidade objetiva independente das opiniões ou pontos de vistas que a seu respeito
forjam os profissionais; 2º esta objetividade delimita a tarefa do conhecimento:
trata-se de apreender, de reproduzir no pensamento, as suas determinações
essenciais.
Do ponto de vista em que estamos nos colocando, pode-se afirmar que todos
os esforços teóricos realizados para explicar a profissão são aportes que concorrem
na apreensão de sua natureza,
Entretanto, o que nos parece ser uma caraterística na maioria das tentativas já
realizadas, é a não centralidade da natureza no esforço investigativo. Os diversos
autores, acabam por se referir à natureza de maneira lateral, como parte de
preocupações outras. Esta não centralidade é o reflexo da imaturidade de
desenvolvimento da profissão na própria realidade social, que só tardiamente passa a
exigir uma resposta categórica a esta questão como condição de afirmação e
desenvolvimento na divisão social do trabalho. Esse momento a que estamos nos
referindo, é aquele partir do qual, já. existem, na própria realidade as condições para
lhe dar uma resposta. Antes disso, sequer é possível se colocar a questão, pois a
regra, neste caso, é aquela que Marx assinalara no O Capital:
A reflexão sobre as formas de vida humana, e, portanto, também sua análise
cientifica, segue sobre tudo um caminho oposto ao desenvolvimento real.
Começa post festum e por isso, tendo à sua disposição os resultados
definitivos do processo de desenvolvimento. (MARX,1985;73).
O problema que se coloca hoje para a profissão é o de definir a sua natureza,
não por um capricho arbitrário de ninguém, mas por que o seu objeto, os serviços
sociais tornaram-se uma categoria central no processo de reprodução das relações
sociais. A necessidade de definir sua natureza decorre deste objetivo processo
social.6

6
A nova Lei que regulamenta a profissão, sancionada em julho de 1993, reflete com clareza
esta vinculação cada vez mais estreita com o mundo dos serviços sociais.
" -Art. 4º Constituem competências do Assistente Social:
1 - elaborar, implementar executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da
administração pública, direta ou indireta, empresas, entidades e organizações populares;
12
Definindo o objeto

O desvendamento da natureza do Serviço Social é a reprodução no


pensamento de suas determinações internas. Isto não significa que a compreensão
do significado social da profissão seja irrelevante ou secundária para determinar a
sua natureza, A natureza de uma profissão surgida no capitalismo como meio para
reproduzir as relações sociais só pode ser apreendida na teia de relações que a
originaram. Mas, isto não é suficiente para dar conta da sua natureza.
A reprodução das relações sociais constituem o elemento comum a todas as
profissões no capitalismo, portanto, isto serve como ponto de partida da nossa
análise. Mas se queremos estabelecer a natureza de uma profissão, devemos
procurar o que ela tem de essencial e distintivo. Este é o sentido que tem a afirmação
de Marx quando, discutindo o problema da "produção em geral/produção num
estágio bem determinado do desenvolvimento social", se refere a questão das
línguas:
" ... pues si los idiomas más evolucionados tienen leyes y determinaciones
que son comunes a los menos desarrollados, lo que constituye su desarrollo
(ou seja, o fato de ser uma língua diferente das outras) es precisamente
aquello que los diferencia de estos elementos generales y comunes." (Marx,
1986;5).
Nosso pressuposto é que é possível conhecer o que faz com que esta profissão
possa ser reconhecida como profissão, apesar de todas as diferenças teóricas,
políticas e ideológicas entre os agentes que a exercem algo deve haver de peculiar
que a distinga de outra profissão ou atividade humana qualquer.
Na investigação sobre a natureza da nossa profissão, ao lado da pesquisa das
formas empíricas que ela assume, coloca-se o estudo das formulações teóricas que a
respeito dela os próprios assistentes sociais produziram.

V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar ,


recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa dos seus direitos;
VI - planejar, organizar e administrar benefícios e serviços sociais;
IX - prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas
sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade;
X - planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de unidade de Serviço
· Social;"
13
Estas formulações teóricas fornecem, de um lado, as explicações que os
assistentes sociais forjaram acerca de si mesmos, e de outro, fornecem também o
material daquilo que foi se incorporando ao patrimônio profissional e constituindo
parte da própria profissão.
A partir desta constatação, e como um primeiro passo no sentido de contribuir
para o esclarecimento em torno à questão da natureza do Serviço Social, escolhemos
analisar as formulações que foram produziram por três autores brasileiros acerca da
natureza do Serviço -Social: Helena lracy Junqueira, José Lucena Dantas e Marilda
Vilela. Constitui, portanto nosso objeto de estudo um movimento analítico de
APROXIMAÇÃO À NATUREZA DO SERVIÇO SOCIAL, mediante o exame das
proposições destes três autores acerca da natureza do Serviço Social.
A tarefa que estamos nos propondo é a de fazer um estudo introdutório desta
problemática, procurando uma exploração preliminar deste assunto na literatura
profissional mais relevante à respeito, para dela extrair algumas pistas mais
consistentes que nos conduzam, no futuro, a uma determinação mais conclusiva e
objetiva da natureza do Serviço Social.
A escolha destes três autores se prende ao papel determinante exercido por
eles na constituição do arcabouço profissional e a representatividade que adquiriram
em suas trajetórias profissionais, de reconhecimento nacional.
Sucintamente, podemos destacar o papel pioneiro de Helena I. Junqueira na
construção do Serviço Social no Brasil, seu labor docente desde 1940 até pouco
tempo atrás, mas fundamentalmente o peso da sua contribuição teórica e pratica
que a transformou em uma das principais intelectuais do período "doutrinário
católico" e também responsável pela introdução do Desenvolvimento de
Comunidade no Brasil, modalidade operativa e teórica do Serviço Social norte-
americano.
José Lucena Dantas, está associado a um dos mais importantes e
transcendentes momentos da nossa profissão no Brasil e na América Latina: o
Seminário de Teresópolis, que junto com o de Araxá, constituem o marco da
modalidade brasileira da reconceituação. Além disso, sua atividade docente e
intelectual fez dele um mestre na formação de várias gerações de assistente sociais
em todo o país e a sua influência pode ser percebida em multas instituições onde o
Serviço Social se estruturou baseando-se no modelo por ele proposto.

14
Marilda Vilela, é a personalidade que melhor representa o movimento critico
que desde o final da década de 70 vem se firmando no interior do debate
profissional. A Professora Marilda será a primeira a formular uma tentativa de
explicação da nossa profissão tendo como matriz explicativa a obra direta de Karl
Marx, e a sua produção será a inspiração principal da reforma curricular de 82 que se
plasmou no atual currículo mínimo.

15
Plano de trabalho

O presente trabalho foi elaborado a partir da análise da obra dos autores


escolhidos que tratam, de maneira direta ou indireta da natureza do Serviço Social.
A partir dos contatos com eles e suas indicações fomos coletar o material
para proceder à análise nas seguintes instituições:
 Biblioteca geral e de Pós-Graduação da PUC/SP.
 Biblioteca geral da Universidade Estadual de Londrina.
 Biblioteca do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da
PUC/SP
 CBCISS.
Contamos ainda, com acervo próprio e exemplares cedidos diretamente por
Marilda Vilela e por José Lucena Dantas
Os textos analisados foram:
Helena Iracy Junqueira:
 O testemunho cristão no Serviço Social. Serviço Social nº 77, 1956
 Exigências personalistas e as Organizações Internacionais
Governamentais. Serviço Social nº 74
 Considerações sobre Organização do Programa para Escola de Serviço
Social. Serviço Social nº 31, 1943
 A Profissão de Assistente Social e a Escola de Serviço Social. Serviço Social
nº 12, 1939
 Teoria do Diagnóstico e a Intervenção em Serviço Social. CBCISS-Temas
Sociais nº 20, 1969
 Conceituação de Serviço Social, Serviço Social e Política Social, Serviço
Social e Planejamento Social. Mime/novembro de 1965
 Principios Fundamentales en la Aplicación de los Métodos del Servicio
Social. III Congreso Panamericano de Servicio Social /San Juan de Puerto
Rico. - Mime., 1957
 O Serviço Social como Profissão. CBCISS-Temas Sociais nº 87, 1974

16
 A Política do Serviço Social do Município de São Paulo. CBCISS-Debates
Sociais nº 6, 1968
 Respostas do Bem-Estar Social às Exigências do Desenvolvimento. CBCISS
- Debates Sociais nº 11, 1970

José Lucena Dantas


 Estudos de Teoria Geral do Serviço Social. UFS mime,1968-1973.
 Reconceituação e cientificidade no Serviço Social: esboço crítico e
perspectivas. Apontamentos do autor, 1984.
 A crise no paradigma de organização da prática do Serviço Social no
Brasil. Apontamentos do autor, 1984.
 A teoria metodológica do Serviço Social: uma abordagem sistêmica Doc.
Teresópolis, 1970.
 Perspectivas do Funcionalismo e seus desdobramentos no Serviço Social.
Cadernos ABESS nº 4, 1991.
 A Reforma do Ensino e da Profissão do de Serviço Social. CBCISS-Debates
Sociais nº 6, 1968.
 Notas para a Revisão dos Fundamentos da Política Brasileira de
Assistência social. CBCISS-Temas Sociais nº 91, 1974.

Marilda Vilela
 Relações Sociais e Serviço Social ao Brasil. Esboço de uma interpretação
histórico-metodológica. Cortez, 1982.
 Renovação e Conservadorismo no Serviço Social. Cortez, 1992.
 O Debate Contemporâneo da Reconceituação do Serviço Social:
Ampliação e aprofundamento do Marxismo. Conferência proferida no
concurso público para Titular no Departamento de Fundamentos do
Serviço Social/UFRJ, nov.92-mime.
 História, Teoria e Método no Serviço Social. Aula na PUC/SP, 1988- mime.
O tratamento dado ao material em exame não buscou reproduzir todo o
pensamento dos autores, mas apenas as ideias que incidem sobre a questão da
natureza. As perspectivas teóricas e políticas de cada autor não foram objeto de
julgamento, sendo consideradas como o contexto em que formularam suas
definições sobre a natureza. Na ausência de colocações categóricas quanto ao que é
17
o Serviço Social, nosso esforço orientou-se no sentido de deduzir as definições
implícitas nos seus escritos. Como recurso contra eventuais deformações em que
poderíamos incorrer adotando este procedimento, submetemos os capítulos que
analisam suas respectivas posições e apreciações, à aprovação prévia dos respectivos
autores.
Além disso, optamos pela análise dos escritos publicados, por considerar que
foi sob essa forma que eles se tomaram conhecidos dos estudantes e profissionais
em cuja formação e para cuja prática tanto contribuíram. É claro que a realização de
entrevistas poderia ter enriquecido sobremaneira a análise, mas este enriquecimento
teria produzido provavelmente um outro objeto de estudo
Ao final de cada capitulo, realizamos uma breve conclusão buscando sintetizar
a contribuição de cada um deles no que diz respeito ao tema, destacando os
atributos essenciais que eles percebem como sendo os determinantes em suas
respectivas concepções de Serviço Social.
No último capítulo tecemos algumas considerações, apontando as principais
pistas de que se constitui nossa análise numa tentativa de resgatar o conjunto de
ideias examinadas.

18
HELENA IRACY JUNQUEIRA
Helena lracy Junqueira, pertence à geração que implantou o Serviço Social no
Brasil. Mesmo não tendo sido a única a formular os parâmetros teóricos, técnicos e
metodológicos que deram o formato à nossa profissão, destaca-se, não apenas pela
competência e seriedade com que tratou do Serviço Social, mas pela sua longa
presença no cenário do debate profissional 7.
Acompanhar essa trajetória é acompanhar o esforço da nossa profissão por se
firmar como uma profissão socialmente reconhecida e cientificamente
fundamentada, de modo que não nos parece adequado, neste nosso empenho por
perceber a sua concepção acerca do Serviço Social, isolar um único momento de sua
obra. Além de existir claramente um fio condutor em sua teorização ao longo dos
anos, os matizes e ângulos que vão sendo melhor focalizados pela autora, refletem as
necessárias adaptações e adequações às demandas sempre dinâmicas postas ao
Serviço Social.
Assim sendo, vamos examinar alguns escritos dela que tratam direta ou
indiretamente da natureza da profissão, produzidos ao longo de quatro décadas e
depreender, a partir deles, os temas, as modalidades de tratamento e os atributos
que ela confere ao Serviço Social8.

Serviço Social, uma forma de minorar os males sociais

Em 1939, no n° 12 da Revista Serviço Social, Helena Iracy Junqueira publicou um


artigo sob o título "A Profissão de Assistente Social e a Escola de Serviço Social", nele,
a autora constata a inutilidade de tentar se resolver os graves problemas sociais
apenas com medidas filantrópicas ou beneficentes e chama a atenção para a
necessidade de se indagar as causas da pobreza para procurar removê-las. Após este
estudo seria possível estabelecer " ... as condições normais de vida exigidas pela
natureza humana".
Daí decorrerá então a parte pratica: organização de serviços que venham
suprir as deficiências do meio, o trabalho junto aos próprios necessitados,
ajudando-os a, por si, aproveitarem inteligentemente dos seus próprios

7
O primeiro texto da autora a que tivemos acesso data de 1939, o último, é de dezembro de
1980, mediando, portanto, 41 anos entre eles!
8
Atributo, é o substantivo que designa aquilo que é próprio de um ser. Na sua acepção
filosófica, é o caráter essencial de uma substância.
19
recursos e dos que o ambiente lhe favorece; a educação popular; a influência
junto aos poderes públicos e legislação social.
E é isso o Serviço Social - é a "forma atual que tomam os esforços para sanar
ou minorar os males sociais" (JUNQUEIRA,l 939).[destaque nosso].
Há aqui uma afirmação ontológica. O que é o Serviço Social, essa forma atual
que tomam os esforços para sanar ou minorar os males sociais? É a organização de
serviços que venham suprir as deficiências do meio". Mas não se deve entender que
estes sejam apenas filantropia e/ou beneficência. Requerem-se para seu exercício
" ... um conjunto de conhecimentos básicos e uma técnica apropriada, o que o torna
uma verdadeira profissão, pois que mesmo a possibilidade de ganho ... existe no
Serviço Social" (lb.). Portanto, além de não ser mera filantropia ele é uma profissão,
no seu sentido mais prosaico de se tornar objeto de troca por dinheiro.
No nº 31 da mesma publicação, datada em setembro de 1943, encontramos
outro artigo dela: "Considerações Sobre Organização do Programa para Escola de
Serviço Social". Neste artigo a autora se coloca a tarefa de definir "o que se entende
por Serviço Social" como condição para abordar o problema do objetivo de uma
escola de Serviço Social .
... Serviço Social é toda atividade que visa atender as deficiências dos
indivíduos e dos grupos sociais, de maneira cientifica.
De maneira cientifica, pareceria presunçoso, senão acrescentássemos que
assim nos expressamos, referindo-nos ao método do Serviço Social que se
carateriza pela procura das causas dos desajustamentos sociais e ação direta
sobre elas. (JUNQUEIRA, 194 3;39).[destaque nosso].
"Ê o que distingue o Serviço Social das antigas formas de assistência, o que não
implica dizer que a elas se opõe; antes representa uma evolução dos antigos
métodos" (lb.;40). Mas não se deve pensar que a profissão consistirá apenas na
mecanização de processos de assistência ou aquisição de técnicas infalíveis. Esta
profissão "tem por objeto o homem .. é uma ação que se exerce sobre criaturas
racionais, e portanto, deve contar com sua liberdade e respeitar sua
personalidade" ... "Tem por objetivo criar condições favoráveis para o
desenvolvimento integral da personalidade daqueles que, ou por deficiência própria
ou dos grupos a que pertencem, não usufruem dos beneficias que lhes é licito
esperar da sociedade" (lb.;40).
Forma atual de minorar os males sociais, não negando mas superando as
formas meramente filantrópicas, preocupado em estabelecer as causas reais dos
20
problemas sociais para sobre eles agir mas sem se esquecer que seu objeto é o
homem e o desenvolvimento integral de sua personalidade. Parece-nos que neste
primeiro momento predomina a preocupação por estabelecer a especificidade da
profissão na sua "cientificidade" em face das anteriores formas de responder às
questões sociais que careceriam deste atributo. Entretanto, a profissionalidade do
Serviço Social não se opõe às ações filantrópicas e/ou beneficentes, antes as
completaria favorecida pelo caráter cientifico que essa profissão pretendia assumir.
Daí a importância de afirmar o que há de comum entre a profissão e as formas que
lhe deram origem, o seu objeto: O HOMEM.
Precisamente nessa linha se expressará em 1956 no intuito de definir o que é o
Serviço Social
Surgiu o Serviço Social como fruto de uma reflexão mais profunda e sincera
sobre os desajustamentos sociais, suas causas e os métodos adotados para
saná-los. Daí resultou uma atitude científica, racional, humana e mais cristã
em face dos problemas sociais.
Apresenta-se o Serviço Social, hoje, como uma atividade organizada, baseada
em conhecimentos científicos, valendo-se de métodos adequados, orientada
por uma filosofia definida, atividade que se propõe:
1. A recuperação individual de desajustados;
2. A criação de recursos que venham suplementar as deficiências dos
quadros sociais básicos;
3. Ocupar-se de um setor da educação popular;
4. Contribuir para a reforma de estruturas. (JUNQUEIRA,1956;37-38)
Na definição de Helena Iracy Junqueira as finalidades da profissão são parte
constitutiva do esforço por delimitar sua natureza Este ângulo que mais à frente
veremos ser explicitado, já está presente desde os seus primeiros momentos de
teorização. O Serviço Social visa, segundo a autora " ... à recuperação social do
homem como também a humanização da própria sociedade"(lb.;40).

Serviço Social e testemunho cristão

O aspecto doutrinário é central na formulação da autora que estamos


examinando. Impregna as finalidades do Serviço Social e, dado que a sua colocação é
explicita em vários momentos de sua obra, convêm referi-lo aqui.

21
Para Helena Iracy Junqueira, além da competência profissional, exige-se
daqueles que a ela se dedicam uma " .. consciência clara da hierarquia dos valores
humanos e sua subordinação ao divino"(lb.;40)
O testemunho cristão, que significa a encarnação do Cristianismo em
qualquer setor da vida humana e social, representa o antidoto ao laicismo
que ainda pesa sobre as nossas instituições políticas, econômicas,
educacionais e familiar, e talvez sobre a nossa própria mentalidade.(lb.)
Nesse sentido duas grandes linhas deverão orientar a ação de um cristão ativo
no Serviço Social
Em primeiro lugar, no esforço constante para aplicar as grandes verdades do
Cristianismo e os princípios básicos da doutrina social da Igreja à realidade
viva de todos os dias. . .. não mais enunciados apenas com os dados abstratos
e universais das encíclicas, mas já com os dados concretos da nossa realidade
brasileira.(lb.)
Segundo, encontrar a espiritualidade da ação. Atividade profissional
absorvente ... poderia levar-nos ao ativismo ou a um divórcio entre a ação e
sua fonte e razão última de ser. Empenhados em uma luta constante, quase
sempre no domínio do temporal, ... poderíamos ainda perder de vista a
subordinação desses bens ao eterno e buscar a liberação da criatura apenas
pela liberação. Correríamos assim o risco de desintegrarmo-nos
espiritualmente e de laicizar o Serviço Social. (ibid;41).
Adverte-nos, porém contra o perigo de cairmos na tentação oposta " ... a
consideração da sobre excelência dos bens eternos poderia induzir-nos a ignorar as
exigências da natureza humana e tratar com os homens como criaturas
desencarnadas, assim como a menosprezar os instrumentos humanos e a esperar da
Divina Providência que venha suprir também um trabalho rotineiro"(lb.) Este erro é
chamado de "angelismo" .[destaque nosso].
Para que nos mantenhamos dentro do verdadeiro equilíbrio, que não
significa um conjunto de atitudes medíocres, mas uma posição dificilmente
conquistada entre forças opostas, nossa vida profissional deve ser, antes de
tudo, inserida no plano divino da Redenção. (lb.;42).

A Preocupação com o método

Em outubro de 1957 Helena lracy Junqueira participa do III Congresso Pan-


americano de Serviço Social em San Juan de Puerto Rico. Nesse Congresso apresenta
22
uma comunicação que nos parece refletir uma certa inflexão temática, uma mudança
relativa no foco da teorização. Se antes a profissionalidade do Serviço Social era
determinada pela sua cientificidade, agora a ênfase começa a ser posta no seu
caráter de atividade metódica, no método. 9
O título da conferência: PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS NA APLICAÇÃO DOS
MÉTODOS DO SERVIÇO SOCIAL. Retomando formulações anteriores ela afirmará que
o Serviço Social " ... surge como nueva actitud ante los problemas sociales y nueva
fuerza para atacarlos en sus raíces" (JUNQUEIRA,1957;1). O desenvolvimento das
ciências sociais e psicológicas permitiram analisar melhor a vida social e sua dinâmica
propiciando métodos de " ação mais apropriados.

Así pues, el Servicio Social se presenta hoy como actividad que, orientada por
una filosofía del hombre y de la sociedad, basada en conocimientos
científicos, actúa mediante métodos especializados, buscando promover el
reajuste de individuos y grupos a condiciones más satisfactorias de vida, así
como promover una mejor preparación de la comunidad para atender bien a
las necesidades humanas de sus componentes. ...El Servicio Social vino a
tener un procedimiento análogo al procedimiento científico. [baseando-se
nos conhecimentos científicos] ..., el Servicio Social habilita de cierto modo
para proceder al respecto de las causas de los problemas o promover de
manera metódica el desarrollo o perfeccionamiento del individuo, grupo o
comunidad. (lb.;2) [destaque nosso].
Seus métodos estão em plena elaboração, mas já podem ser identificados
como métodos próprios do Serviço Social, podem ser transmitidos e " ... permite a
quienes aprenden a utilizarlos el convertirse en profesionales clasificados y

9
A preocupação metodológica- uma certa ênfase até - parece-nos ser o reflexo da influência
do Serviço Social norte-americano. Um depoimento prestado a Arlete Alves Lima por
Helena Iracy Junqueira ilustra esta suspeita. Questionada sobre a primeira fase do Serviço
Social no Brasil ela responde: "A primeira fase define-se como a que sofreu a influência
europeia na mentalidade social da ação social e a segunda (1935 a 1945 mais ou menos)
fase, é marcada pela introdução da metodologia através do contato com os Estados Unidos,
(1941 a 1964 mais ou menos) por meio de bolsas de estudo. Incorporamos a sua literatura
ao Serviço Social. Citando um depoimento da Senadora belga Mlle. Bears durante sua visita
ao Brasil afirmou: reconheço que vocês chegaram a uma síntese muito satisfatória da
influência europeia e americana, dando uma feição brasileira."(LIMA,1977;1 l 1).
23
reconocidos por la sociedad" (lb.;3). Vemos por tanto, que a utilização dos métodos
próprios tomou-se critério para qualificar quem é profissional.
A respeito do método, mais especificamente, já podem ser estabelecidos
alguns passos mais avançados, como ser a questão do método básico caraterizado
pelos seus procedimentos essenciais (estudo, diagnóstico, planejamento e execução)
que se tresdobraria nos "métodos" de caso, grupo e comunidade.
En el Servicio Social, el método básico consiste en el estudio del individuo, del
grupo o de la comunidad, en sus elementos esenciales y aspectos y
circunstancias más significativos, en la interpretación o diagnóstico de sus
necesidades y potencialidades, en el trazado de planes para tratar problemas
o atender a necesidades o aspiraciones y en la ejecución de los planes
elaborados. . .. El método fundamental se desdobla en los métodos de
Servicio Social de casos, Servicio Social de grupos y desarrollo y organización
de la comunidad.(ibid;3)
Na sequência, ao explicitar melhor o conteúdo dos métodos do Serviço Social
ela distinguirá dois tipos de elementos; elementos objetivos e elementos subjetivos.
São elementos objetivos: a) a base cientifica, ou a utilização dos conhecimentos
das ciências biológicas, psicológicas e sociais assim como da ética na atividade
profissional, e b) o procedimento análogo ao procedimento das ciências, o que lhe
permitirá adotar um procedimento metódico no estudo das situações problemáticas
e descobrir possibilidades pessoais que permitam soluções mais satisfatórias e
viáveis.
Os elementos subjetivos compreendem: a) a criação pessoal " ... Se habla del
Servicio Social también como de un arte. Arte significa habilidad, pericia, sabiduría". "
... El método contiene siempre algo personal y libre, que se proyecta aún en la
aplicación de la técnica más simple o elemental" (lb.;6) e b) simpatía humana,
sentido de fraternidad y amor
No se trata de amor sensible ni sentimental, sino del amor en su sentido más
amplio y profundo que es el de tratar nosotros aquellos con quienes
trabajamos individualmente o en grupo, dentro de un espíritu de
comprensión, aceptación, simpatía, fraternidad. Para nosotros los cristianos
se resume en caridad, en su verdadero sentido, no es limosna o beneficencia,
sino el amor al prójimo, reconociendo en él, además de su dignidad humana,
la dignidad de hijo de Dios y hermano en Cristo. (Jb.;7).

24
Quer dizer, se avança na formulação de uma concepção mais estruturada que
incorpora preocupações de maior cientificidade e rigor metodológico, mas sem
perder de vista as finalidades últimas da profissão e o conjunto de intenções que
estavam presentes nos alvores da profissão.

Definição da natureza pelos objetivos e funções

Esse fio de continuidade é o que se mantém num texto de 1965, embora com
algumas adequações. Nele, encontramos predicados ou atributos que antes definiam
o Serviço Social, formulados agora como objetivos e funções. Ao definir a natureza do
Serviço Social, porém, esta será vista apenas como um "conjunto de conhecimentos
teóricos e práticos", conhecimentos que possuem "uma filosofia, incorpora
conhecimentos das ciências da conduta humana e das ciências sociais, utiliza
métodos como estatística, pesquisa e outros, e elabora seus próprios métodos,
processos e técnicas"(JUNQUEIRA,1965;4).
Já os objetivos, são mais específicos, recuperando ao mesmo tempo os temas
dos anos anteriores. "Objetivos - Contribuir para criar condições que permitam
padrões dignos de vida e favoreçam o desenvolvimento social ao mesmo tempo que
ajudar indivíduos, grupos e comunidades na sua melhor integração social. " (Ib.;5) É
também uma maior especificação o que se constata na delimitação das "funções".
3.2. - Funções
3.2.1. Atuar diretamente com indivíduos, grupos e comunidades na remoção
de bloqueios, liberação de potencialidades, na utilização dos seus recursos
próprios e do meio, tendo em vista sua promoção e melhor integração na
vida social.
3.2.2. Implantar e administrar programas em distintas áreas do bem-estar
social, como fortalecimento da família, proteção ao menor, ao jovem,
assistência aos marginalizados, etc.
3.2.3. Atuar como integrante de programas de bem-estar como previdência
social, saúde, habitação popular, etc.
3.2.4. Contribuir para a formulação da política social e planejamento social.
3.2.S. Coadjuvar os programas de desenvolvimento econômico e social.
(Ib.;5)
Ao lado do auxílio aos indivíduos, grupos e comunidades no sentido de remover
os obstáculos para a sua promoção e melhor integração na vida social (conceituados

25
como funções), encontramos agora a preocupação de se inserir nos programas de
"bem-estar" e nas estruturas que formulam as políticas sociais. 10
Entretanto, é num texto de 1974 que esta mudança na maneira de especificar o
que é o Serviço Social vai aparecer de maneira mais clara.
A comunicação apresentada· ao I Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
para debates no Simpósio Inter profissional sobre Serviço Social, Psicologia e
Sociologia "O SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO" tem a finalidade de caracterizar o
Serviço Social como atividade profissional. Nele a autora adota um conjunto de cinco
requisitos "que devem ser, atendidos por uma atividade que se pretenda
profissional" (JUNQUEIRA,1974;1). Dentre estes destacamos os dois primeiros, por
parecemos os mais importantes para esclarecer o nosso objeto.
1. A atividade deve exercer-se em campo ou área definida do conhecimento
e/ou intervenção
2. Deve desempenhar uma função especifica dentro dessa área. (lb.; 1 ) 11
Quanto à área de atuação, depois de constatar o caráter problemático e
polêmico de sua delimitação, serão por ela definidos como tais "as situações sociais
problemas" ressaltando que estas não se identificam com a "patologia social".
A situação problemática é aquela que se configura de tal forma a provocar
uma intervenção para modificá-la, trazendo no seu bojo elementos
conflitantes que podem transformar-se em elementos geradores de soluções
e crescimento. Trata-se, evidentemente, de uma área onde muitos outros
profissionais atuam. Cabe, pois, especificar, dentro dela, a função do Serviço
Social. (lb.;5).
10
É claro que este novo tema se explica pelas demandas colocadas à profissão desde o
período precedente (década de 50) em resposta à qual, inclusive, Helena Iracy Junqueira
desempenhará papel relevante na Secretaria de Bem-Estar Social do Município de São
Paulo.
11
Os outros requisitos são:
1. Deve possuir ou ter condições de elaborar continuamente um corpo especifico de
conhecimentos teóricos transmissíveis e uma metodologia especifica, também
transmissível, seja de elaboração e sistematização de conhecimentos, seja de
intervenção.
2. Deve, ainda, ser reconhecida legalmente ou, pelo menos, tacitamente pela sociedade
como atividade da qual se espera a prestação de determinado serviço.
3. Finalmente, deve tender a organizar-se, no que diz respeito ao seu desempenho
funcional e enquanto grupo profissional. (lb.; l).
26
Não é, portanto, a área de atuação o que define a nossa profissão, uma vez que
ela é comum a outras profissões. É no exame da sua função onde poderemos avançar
na delimitação da especificidade do Serviço Social.
A função, por seu turno é configurada pelo seu objeto e pelos objetivos. "Como
objeto especifico, mas não exclusivo, do Serviço Social entendemos:
3.1.1. Indivíduos, isoladamente ou em grupos, que não lograram o
atendimento de suas necessidades básicas e de desenvolvimento, por si
mesmos ...
3.1.2. Comunidades, cujas potencialidades de vivência comunitária, de ação
conjunta e de participação em outros níveis societários não tenham sido
devidamente desenvolvidas.
3.1.3. Política social. Processo dinâmico e continuo de formulação,
instrumentação, implantação e revisão de um conjunto orgânico de
diretrizes, que orientam a ação governamental, no que diz respeito:
a. ao atendimento das necessidades básicas do homem;
b. à otimização dos níveis de vida da população;
c. à equalização de oportunidades;
d. à adequação ou reformulação das estruturas, instituições e sistemas,
com vistas a que venham a responder às exigências da efetivação da
própria política.(lb.;6).
Entretanto, na medida em que este objeto é trabalhado por outras disciplinas,
torna-se necessário se voltar para os objetivos, "que deverão oferecer mais
elementos de especificidade”. (lb.;6)
Enquanto as ciências do conhecimento se diferenciam por seu objeto, pois
que seus objetivos coincidem na elaboração e sistematização de proposições
referentes ao seu objeto próprio, nas disciplinas de intervenção os objetivos
se constituem em elementos preponderantes de especificação. (lb.;1)
Chegamos assim, finalmente a aquilo que constituiria a especificidade do
Serviço Social, aos seus objetivos. Aqui é necessário ainda, distinguir os objetivos
gerais dos específicos. Quanto aos objetivos genéricos, a autora propõe " ... a
realização progressiva do homem e a criação de condições sociais que permitam e
favoreçam essa realização" (lb.;7). E como objetivos específicos;
 superação das situações configuradas no objeto, com vistas ao
desenvolvimento progressivo do homem;

27
 disponibilização de recursos, serviços, instituições, mecanismos,
estruturas que ensejem a equalização de oportunidades às faixas
vulneráveis ou em situação desvantajosa ou de carência, (lb.;8).

Síntese conclusiva

Após este exame podemos apontar os elementos que comparecem na reflexão


de Helena Iracy Junqueira para a definição da natureza do Serviço Social.
Quanto aos temas, predominam, a nosso ver, basicamente três: o caráter
cientifico, o método e a doutrina. O caráter cientifico da profissão aparece como
sendo um traço fundamental na diferenciação das formas anteriores, não
profissionais, de assistência. A elaboração de métodos próprios se constitui em
critério de maturidade de uma profissão e seu uso distingue quem é profissional de
quem não é. A preocupação doutrinária, comparece como o fio de continuidade mais
evidente ao longo de sua obra. Mesmo sofrendo adaptações dentro da arquitetura
no tratamento da matéria, ela está presente desde o começo (1939, na literatura por
nós examinada. É explicitada em 1956 quando afirma que a "vida profissional deve
ser, antes de tudo, inserida no plano divino da redenção"(JUNQUEIRA,1956;42) e, sob
a rubrica de funções e objetivos a encontramos em 65 e 74.
As modalidades de tratamento da matéria vão sendo adequadas também ao
surgimento dos temas. É evidente que o reflexo das sucessivas e mutantes demandas
colocadas à profissão, provocam mudanças nas formas de tratar do Serviço Social.
Particularmente interessante é a forma como é introduzida a preocupação com o
método e as políticas de bem-estar. Percebe-se uma unidade de preocupação
temática mas com diferente alocação dos temas uns em relação aos outros.
Finalmente, quanto aos atributos que a autora identifica no Serviço Social,
aquilo que constituiria sua especificidade ou, na nossa tentativa de formulação, sua
natureza, podemos resumi-los em dois: a) é um meio para o desenvolvimento
progressivo do homem; e b) consiste num conjunto de serviços, recursos e
instituições que são mobilizados para atender a finalidade anterior. Ambos
elementos são encontrados ao longo de sua obra. Dentre eles, parece-nos que o
primeiro é, para a autora, o mais importante, mas não pode prescindir do segundo,
sob pena de não atingir o seu objetivo.

28
JOSÉ LUCENA DANTAS
A' diferença dos outros dois autores que estamos analisando, a preocupação
pela determinação da natureza do Serviço Social constitui um tema central na
produção de José Lucena Dantas. Este fato trouxe-nos interesse adicional no exame
de sua obra, pois que além de apreender quais são os atributos que ele confere à
profissão (objeto do nosso estudo) somos confrontados com a mais rigorosa
tentativa de construir um aparato conceitual para dar conta deste problema no nosso
pais.
O estudo que faremos das posições deste autor será centrada no texto "TEORIA
GERAL DO SERVIÇO SOCIAL" apostilado para o Curso de Especialização em
Metodologia do Serviço Social realizado na Universidade Federal de Sergipe, em
Aracajú no período de 23 de julho a 8 de agosto de 1973, a que tivemos acesso
graças à disponibilidade e gentileza do próprio autor.

Em busca de uma teoria geral e pela integração do Serviço Social nas ciências
sociais

Em 1968, José Lucena Dantas em discurso proferido para os formandos da


Faculdade de Serviço Social da PUC/MG constatou a existência de uma "dualidade
institucional fundamental" no processo de institucionalização do Serviço Social no
Brasil. A "coexistência e superposição de dois sistemas de práticas: um tradicional-
assistencialista, outro moderno, tecnificado e promocional" (DANTAS,1968;13). Ao
lado deste problema haveria outro talvez mais grave ainda e que ele caracterizava
como "a inadequação fundamental do Serviço Social profissionalizado às exigências
da sociedade brasileira"(lb.), em flagrante discrepância com a necessária correlação
que deveria guardar com o estágio de desenvolvimento da sociedade. Para José
Lucena Dantas, "As práticas profissionais sistematizadas devem constituir respostas
adequadas aos problemas sociais emergentes na sociedade em que os agentes do
Serviço Social são chamados a atuar. "(lb.)
Em resposta a esta situação, o autor aponta como saída superadora, a definição
dos conceitos básicos da profissão no marco da construção de uma "Teoria Geral do
Serviço Social". É o que afirma, mais adiante, ao se referir à reforma no ensino de
Serviço Social, quando reclama da falta de
princípios de integração do curso em função de propósitos consistentes de
ação profissional, o que só poderá ser definido explicitamente quando uma

29
reflexão em nível filosófico de Teoria Geral do Serviço Social clarifique e
defina os conceitos básicos profissionais, a natureza e os fins do Serviço
Social (Ib.)[destaque nosso].
Outra temática presente desde aquela época é a preocupação por "promover a
integração do Serviço Social ao campo da formação cientifica para as Ciências
Sociais"(lb.).
O que se trata precisamente, é de integrar o Serviço Social nas ciências
sociais, ou seja, passar a considerar a prática profissional do Serviço Social
como parte integrante do universo científico correspondente à área da
aplicação dos conhecimentos descobertos por essas ciências sociais. " (Ib.).
Segundo ele, a partir dos resultados das investigações mais recentes no campo
da filosofia das ciências, é possível elaborar "um esquema conceitual para a
compreensão da interdependência entre ação profissional e ciência, expresso em
termos de um continuum" (Ib; 16).
No documento apresentado ao Seminário de Teresópolis, em 1970, retoma
esta preocupação ao analisar o padrão básico do "método profissional". Ao se cotejar
o método nas profissões com o método na investigação cientifica e filosófica,
percebe, o autor, que o
método profissional não só [é] o correlato, mas o prolongamento do método
científico, representando a sua forma "aplicada". Em outros termos,
podemos conceber o método profissional como um método cientifico
aplicado" (DANTAS,1970;74)

Centralidade da “identidade específica e distintiva” no tratamento do Serviço Social


como profissão.

Na introdução do seu Curso de 1973, José Lucena Dantas estabelece o ângulo a


partir do qual deve se erguer a "Teoria Geral do Serviço Social".
O Serviço Social estaria "numa fase de transição e diante de algumas questões
cruciais de cuja solução está a depender a afirmação de seu caráter cientifico e a
superação de sua fase meramente pragmática e ideológica" (DANTAS, 1973; I.2) 12.
Esta situação atinge aspectos de uma verdadeira crise em alguns países, e tem
12
Na numeração das páginas do Curso de "Teoria Geral do Serviço Social", indicaremos com
números romanos o capitulo e em arábicos a página, porque a numeração das mesmas
recomeça de 1 a cada capitulo.
30
estimulado a busca de uma resposta à questão da "identidade especifica e distintiva"
do Serviço Social como a forma de superar a crise. Esta também é a postura do autor
que aceitando a pertinência desta tarefa afirma a "'identidade especifica e distintiva'
como uma questão que resume toda a problemática da situação de transição e crise
em que se encontra a profissão" (lb. I.3), e situa a sua realização no marco de uma
"Teoria Geral do Serviço Social".
A teoria Geral do Serviço Social, tomada, assim, como área de investigação,
busca construir uma concepção e determinar os fundamentos e princípios
aplicáveis ao Serviço Social em qualquer de suas formas particulares e
históricas de realização .... Em outros termos, cabe à Teoria Geral do Serviço
Social construir e elucidar o sistema de conceitos básicos sem os quais, como
ressalta Philip Van Praag, o Serviço Social não se afirmará como profissão.
(lb.) [destaque nosso).
Na sequência, ao delimitar a problemática e tarefas básicas da "Teoria Geral do
Serviço Social", o autor estabelece que a primeira questão é a "determinação do
conceito de Serviço Social" (lb. 1.7), que resume, segundo ele toda a questão da
"identidade especifica e distintiva" da profissão. Além disso, e concordando com
Suely Gomes de Souza, afirma que "a questão da especificidade depende
exclusivamente do conceito de Serviço Social que se adote, e para se chegar a esse
conceito torna-se necessário o 'estudo do que foi, do que é, e o que possa ser o
Serviço Social em função das necessidades humanas de cada tempo'". (lb.).
A partir desse pressuposto metodológico adotado, José Lucena Dantas
explicitará, então, que o Serviço Social é
... uma atividade humana manifestada nas diferentes sociedades como um
fato histórico e social, derivando seus fundamentos de uma função
persistente que lhe confere o substrato histórico sociológico. Mas na
evolução das diferentes formas assumidas por essa atividade humana, em
sua trajetória histórica, há um momento em que, diante de determinados
fatores e circunstâncias, perfeitamente explicáveis, emerge uma forma que
seria aquela pela qual o Serviço Social se tornaria conhecido nos dias de hoje:
a forma profissionalizada. (lb. I. 9) [destaque nosso].
O Serviço Social, portanto, é uma atividade humana que já se manifestava em
outras sociedades e que só a partir de determinadas circunstâncias históricas, adota
a forma profissionalizada. O autor está denominando, evidentemente, por Serviço
Social, também toda a fase anterior à forma profissionalizada, ao que, se
31
denominaria de assistência social. Este é um cuidado que é necessário tomar na
leitura de sua obra. Para ele, será a função que aparece reiteradamente no processo
histórico-social e, que adota, em determinada circunstância, a forma profissional, o
que autorizaria denominá-la por Serviço Social, mas é claro, que há diferenças
importantes e que estas diferenças são o objeto da sua teorização. E só a partir do
momento que se toma necessário explicá-la enquanto "prática profissionalizada que
emergem as questões de sua identidade especifica e distintiva”. (lb.).
A Teoria Geral do Serviço Social passa a ter, assim, como problemática
central, a que diz respeito ao esclarecimento e determinação dos princípios e
fundamentos do Serviço Social como atividade profissional. (lb.). [Destaque
nosso].
Desse modo, ele estabelece uma distinção entre o Serviço Social enquanto
atividade profissional e o Serviço Social como atividade humana manifestada nas
diferentes sociedades. Apenas como atividade profissional, o Serviço Social reclama
uma "Teoria Geral" e se torna objeto dela.
A seguir o autor passa em revista os esforços de conceptualização do Serviço
Social como atividade profissional e constata duas tendências básicas: a que a
compreende como um sistema de atividades institucionalizadas e a que a concebe
como disciplina profissional. Constata também ao analisar os vários conceitos já
formulados, o privilegiamento do estudo dos fins dos Serviço Social, definidos como
sendo, por exemplo: assistencial, curativo ou terapêutico, preventivo e promocional.
Todavia, segundo o autor, estes fins guardam estreita relação com o estágio de
desenvolvimento de cada pais e reflete que as definições feitas a partir desta
abordagem têm uma caraterística eminentemente operacional.
Em verdade, o que se procura indicar como fins do Serviço Social, nas
diversas definições analisadas, expressa uma generalização dos propósitos
práticos para os quais está orientada a ação do Serviço Social. (lb. II. 17).
Outro aspecto que examina é a controvérsia na conceituação do Serviço Social
como arte, ciência ou técnica. A este respeito esclarece que é impróprio conceituá-lo
como arte ou apenas como técnica social, devido precisamente à presença de
conhecimentos científicos na sua própria constituição enquanto profissão. E mais
ainda, embora seja incorreto dizer que é ciência
... poder-se-á defini-la como de caráter cientifico na medida em que o saber
que a fundamenta venha a deixar o estágio de elaboração empírica e

32
pragmática em que ainda se encontra e se torne cientifico. O Serviço Social
não é ciência, mas se tornará cientifico na medida em que sua prática se
baseie na aplicação das "ciências profissionais". (lb. II. 23).
Interessa destacar nesta discussão, o caráter programático que a
fundamentação cientifica tem na constituição do Serviço Social como profissão; a sua
profissionalidade estaria hipotecada à construção de uma sólida base cientifica.

O Serviço Social como fato histórico-social e ao paradigma de profissionalização


como marcos para definição da profissão

Tentaremos a seguir reproduzir, o que nos parece mais substancial na


contribuição de José Lucena Dantas no esforço por determinar a natureza do Serviço
Social. Trata-se da conceituação da profissão como fato social e histórico, de um
lado, e da delimitação de um paradigma de profissionalização adequado ao Serviço
Social no contexto de uma teoria da ação profissional, de outro.

O Serviço Social como fato histórico-social. "Função persistente", "problema


social" e "instituição social"

Para o autor, a "abordagem histórica" é a adequada para elucidar e construir o


conceito de Serviço Social. É preciso para tanto, "munir-se previamente de princípios
teóricos que permitam distinguir, na variedade dos fatos históricos e sociais, aqueles
que pertencem à natureza do Serviço Social". (Ib. IIl. 1).
Concordando, mais uma vez, com Suely Gomes, admite que a nossa profissão é
uma atividade humana temporária na evolução histórica da assistência, e que a análise
da assistência pode nos levar a afirmar que o "Serviço Social foi uma atividade oriunda
de uma função persistente encontrada na história do homem e da sociedade" (Ib.).
A categoria "função persistente", aparece, portanto como um princípio teórico
imprescindível na elucidação e construção do conceito de Serviço Social. E para
compreender melhor a "função persistente", é útil antes definir duas outras noções:
"problema social" e "instituição social".
Para definir uma dada situação como problema social são necessárias a
presença de três elementos fundamentais:
1º) uma situação real e objetivamente constatável; 2º) um valor social ou
norma em relação ao qual a situação se define como discrepante; 3º) o

33
sentimento de que, pela ação social apropriada, se pode modificar a situação,
eliminando-se a discrepância. (Ib;3).
A discrepância entre situação real e a norma é o elemento essencial na
definição de uma situação como "problema social". Além disso, o 3º elemento
implica a referência a um sujeito, que tanto pode ser um indivíduo ou um grupo
social, mas não pode ser eliminado da definição. Com relação aos sujeitos se
esclarece que
Os modos de "definir a situação", assim como os "sentimentos ou reações"
frente à situação objetiva, tem também de ser "objetivas" como condição
para a existência de um "problema social". Isso significa que uma avaliação
puramente individual acerca de uma situação objetiva não é suficiente para
defini-la como problema. É preciso que a "definição" e a "reação" sejam
compartilhadas por outros elementos do grupo social e se forme um
consenso a seu respeito, para que venha a existir um "problema social" (Ib.).
Segundo o autor, o "problema social", assim conceituado, fornece um quadro
de referência mais preciso para definir a "função persistente". O outro conceito que
colabora no mesmo sentido, é o de "instituição social". A seguir passa em revista
alguns dos esforços feitos na conceituação de "instituição social".
1) Conceito formulado por Emílio Willems: "complexo integrado por ideias,
padrões de comportamento, relações inter-humanas, e frequentemente um
equipamento material, organizado em tomo de um interesse social
reconhecido" ... 2) Everett Hughes ressalta o aspecto de que ela constitui
formas estabelecidas de comportamento por meio das quais se efetua a
atividade grupal. 3) Harry Johnson ressalta o aspecto normativo, afirmando
ser um padrão normativo complexo, amplamente aceito como obrigatório, e
que se aplica a determinada categoria de relações. (lb.4).
Com estas contribuições; então, é agora possível completar o conceito de
"problema social" estabelecendo para sua ocorrência a institucionalização de dois
fatores: "a) conjunto de ideias, concepções, valores e normas que proporciona aos
membros dos diversos grupos sociais os critérios para a 'avaliação' das situações
sociais objetivas; b) conjunto de práticas organizadas com o propósito de eliminar as
situações avaliadas como discrepantes" (lb.).
Após estas considerações, pode-se agora avançar na delimitação da "função
persistente" que explicaria as modernas práticas do Serviço Social. Essa função seria

34
o "... esforço humano de auto realização do tipo de existência social” (lb;5).
Entendendo por "tipo de existência social" a realização do "projeto vital de cada
membro da sociedade, concebido este como uma unidade biopsicossocial e
espiritual, e como sujeito autodeterminante de seu projeto vital" (lb.).
Todavia, como "existência social" pode ser referência de outras profissões, é
necessário destacar quais são os dois elementos desta "existência social" que
comparecem na especificação da "função persistente" da nossa profissão:
a) as necessidades e aspirações humanas básicas, cujo atendimento é
imprescindível para a realização biológica e social dos membros da
sociedade; b) as formas de convivência social segundo as quais os membros
da sociedade se integram num sistema de relações sociais indispensáveis à
sua existência social. (lb.).
Concluindo, José Lucena Dantas afirmará que quando o esforço humano falha
na "auto realização do tipo de existência social" é que se configuram as situações
caraterizadas como "problemas sociais". Como isto ocorre de modo constante, deriva
disso que "as ações para solucionar seus problemas passam a constituir a 'função
persistente' que serve de fundamento à institucionalização das práticas do moderno
Serviço Social" (lb;6)

O paradigma de profissionalização cientifica do Serviço Social

No desenvolvimento das disciplinas cientificas, o paradigma tem a função de


fornecer orientações teóricas e metodológicas, os marcos e as regras de jogo que
permitam o crescimento e afirmação deles. Para José Lucena Dantas, com as
profissões ocorre fenômeno semelhante. A "maturação de uma profissão [e a
definição de] sua identidade especifica e distintiva, ocorre quando ela adota o seu
primeiro paradigma"
Aplicada ao âmbito das disciplinas profissionais, o "paradigma" constitui a
orientação ou o modelo fundamental de organização das práticas e das
atividades de produção de conhecimentos, possibilitando a estruturação da
profissão e os meios para o cumprimento de suas finalidades e funções. (lb. lV.
2).
Na construção de um "paradigma" cientifico para a nossa profissão, o autor
considera importante os aportes da sociologia das profissões, da filosofia da ação

35
profissional e da história e da filosofia das ciências, cujas contribuições examina
preliminarmente.
A seguir, propõe um paradigma de profissionalização cientifica para o Serviço
Social a partir da concepção de que a nossa profissão é
... essencialmente, uma atividade prática, isto é, a sua razão de ser está em
que se dedica à solução de problemas práticos, à modificação de situações
reais, de objetos. Num nível elementar de organização, a atividade pratica da
profissão se guia por conhecimentos de tipo empírico ... [e] também por
"valores" que constituem o referencial normativo, doutrinário ou ideológico
de referência. A atividade profissional, num nível elementar de organização,
apresenta a sua fundamentação normativa mais com um caráter ideológico.
Portanto, nesse nível, a profissão se caracteriza por ser pragmática e
ideológica. (lb.13).
Porém, se quiser ultrapassar este nível e atingir um grau de organização
científica 13 torna-se necessário definir a área de sua atividade teórica. E dentro do
padrão cientifico esta área será constituída pelas atividades de investigação e
teorização cujo objetivo será o de "produzir conhecimentos científicos aptos a guiar e
controlar as ações práticas." (lb.).
Agora, com o estabelecimento dessa "área teórica", a própria "pratica" muda
qualitativamente. Embora continue a se utilizar de conhecimentos empíricos, a
prática passa a ser controlada também por conhecimentos científicos e técnicos. "A
atividade prática deixa seu "pragmatismo" para se transformar em aplicação de
conhecimentos científicos e técnicos" (lb. 14) [destaque nosso]. O autor reconhece
que pode haver conhecimentos já produzidos pelas ciências sociais a respeito dos
fenômenos que constituem objeto do Serviço Social, o que coloca a necessidade de
adequá-los para sua "aplicação". Se estabelece, também, dessa forma a relação entre
"ciências básicas" e "ciências aplicadas" na área da atividade teórica da profissão.
Após estas considerações propõe um "paradigma" para o Serviço Social
composto dos seguintes elementos:

13
A "inspiração" deste "programa" para resolver o problema do paradigma para o Serviço
Social, será encontrada na proposta de Peter Heintz e seu grupo de sociólogos da FLACSO
que partindo da constatação da função que o paradigma desempenha no desenvolvimento
de uma disciplina cientifica, formula uma estratégia para construir intencionalmente esse
paradigma para a sociologia do desenvolvimento, conforme refere o autor em IV.p.1.
36
a) objeto: área da realidade social [ ... ], que constitui a área específica para
a atuação profissional, representando, assim o elemento unificador da
teoria e da pratica profissional;
b) atividade prática: aplicação de conhecimentos científicos, técnicos e
empíricos à modificação dos fenômenos e situações concretas que
constituem o objeto profissional, ordenada pelo método profissional, e
orientada por um quadro de finalidades e funções;
c) atividade teórica: investigação e teorização com o objetivo de:
1. converter ·conhecimentos das ciências sociais e humanas básicas
relativas ao objeto para aplicação na profissão
2. produzir conhecimentos científicos e técnicos próprios relativos
ao objeto e aos procedimentos;
3. determinar as finalidades da ação, dentro dos parâmetros
normativos do referencial axiológico da profissão.
d) referencial axiológico: conjunto de "valores" básicos que fornecem o
esquema normativo para a estruturação do campo teórico-prático da
profissão, integrados e justificados num corpo de "doutrina" ou
"ideologia". (lb.14).
Este "paradigma" é que delimitaria, segundo José Lucena Dantas, os problemas
teóricos relevantes para permitir que o Serviço Social tenha um desenvolvimento
cientifico. Ressalta, conforme já apontamos numa nota anterior, o caráter
programático desta proposição.
Finalmente, numa tentativa de definir o Serviço Social a partir do aparato
conceituai até aqui construído, o autor vai reafirmar que; "a natureza do Serviço
Social tem de ser definida a partir de dois atributos essenciais: a) trata-se de um fato
histórico social b) trata-se de uma prática" (lb.16).
Acrescenta ainda que a "função persistente" é aquela relacionada com as
"praticas institucionalizadas em cada sociedade para solucionar as várias situações
sociais-problemas decorrentes da não realização pelos membros da sociedade dos
tipos de existência social aceitos como desejável por eles e pela sociedade" (lb.).
Por outro lado, persiste uma certa "dualidade" composta pela feição
"profissionalizada" e a “pragmática” 14 que se manifesta ao nível da ênfase

14
Esta dualidade já constatada em 1967, continua vigente nos dias de hoje. É o que parece se
depreender de uma colocação do autor num debate realizado em outubro de 1990. "A
nossa conclusão, que não sabemos se atualmente é válida, mas na década de 70 tinha
37
diferenciada na conceituação, ora no seu aspecto institucional ora no de ser uma
"disciplina profissional". Dessa forma, e conforme à ênfase diferenciada num ou
noutro aspecto e, a incorporação da "função persistente" que lhe confere
universalidade podem ser formuladas duas definições básicas do Serviço Social;
a) ... na acepção institucional - Nessa acepção[ .. ] a definição se identifica
com a própria conceituação da "função persistente", podendo-se então dizer
que o Serviço Social é "o conjunto de práticas, orientadas por um corpo de
ideias, doutrinas e concepções especificas e dependentes do tipo e estágio da
sociedade global, tendo por função solucionar as várias situações sociais-
problemas decorrentes da não realização pelos membros da sociedade, [ ... ]
dos tipos de existência social aceitos como desejável por eles ou pela
sociedade.
b) ... na acepção de disciplina profissional. ... como sendo o conjunto de
conhecimentos empíricos sistematizados, de técnicas e de conhecimentos
científicos, de natureza psicológica e social, aplicados, através de
metodologia própria à solução das situações sociais-problemas decorrentes
da não realização pelos membros da sociedade, [ ... ] dos tipos de existência
social aceitos como desejável por eles ou pela sociedade. (lb.17).

Síntese conclusiva

Na produção do Professor José Lucena Dantas destaca-se a categoria de


"função persistente" como central na elucidação dos diversos problemas que
configuram a discussão tanto do seu padrão básico quanto da sua "identidade
específica e distintiva", de sua natureza, portanto. Na sua determinação comparecem
dois outros conceitos que de fato complementam a compreensão da "função
persistente" que o Serviço Social "profissionalizado" desempenha: a de "problema
social" e "instituição".
O outro tema que nos parece central na sua formulação é o do "paradigma
cientifico do Serviço Social", para cuja construção estabelece os suportes principais. A
preocupação pelo estabelecimento de um paradigma cientifico para a nossa
profissão decorre da compreensão de que sem ele o Serviço Social não poderá
ultrapassar o estágio "pragmático" e "ideológico" em que se encontra. Será no marco
do "paradigma" que deverão ser equacionados os problemas do "objeto", dos
validade, era a de que a funcionalidade para a manutenção do sistema social era muito
mais da assistência social que do Serviço Social." (DANTAS, 1991 ;60).
38
"métodos" e das "finalidades" da ação profissional, assim como dos procedimentos
para dar uma fundamentação científica à profissão.
Quanto à forma de tratar o problema, ressalta a centralidade que o autor
atribui à questão da natureza da profissão, embora não a designe com este nome o
tempo todo. Diversas outras denominações aparecem ao longo da sua obra
(definição, identidade específica e distintiva, etc.).
A questão que se destaca, entretanto, é a colocação da solução desta tarefa no
marco de construção de uma ''Teoria Geral do Serviço Social". Este é um aspecto, em
que o autor se diferencia dos outros dois que estamos examinando. Tal abordagem,
queremos crer que se deva à preocupação por inserir a profissão do Serviço Social no
quadro mais geral das disciplinas cientificas e profissionais afins, em relação às quais
deverá se comprovar como disciplina profissional madura. A delimitação de sua
natureza, é parte dessa maturidade que o autor persegue, e a serviço da qual se
coloca a "Teoria Geral do Serviço Social" que se propõe construir.
Quanto aos atributos do Serviço Social podemos destacar os seguintes traços:
1. O Serviço Social tem uma natureza transitiva. É uma atividade humana
manifestada já em diferentes sociedades anteriores à nossa. Apenas em determinada
circunstância histórica se transforma em "profissão" ou se "profissionaliza".
2. Pode ser definida como atividade prática e/ou teórica que tem como função
solucionar situações sociais-problemas decorrentes da não realização pelos membros
da sociedade dos tipos de existência social aceitos como desejável por eles ou pela
sociedade (função persistente).
3. O que especifica, porém, o tipo de existência social que cai sob a alçada do
Serviço Social são "a) as necessidades e aspirações humanas básicas, cujo
atendimento é imprescindível para a realização biológica e social dos membros da
sociedade; b) as formas de convivência social segundo as quais os membros da
sociedade se integram num sistema de relações sociais indispensáveis à sua
existência social" (Ib.).

39
MARILDA VILELA
Na obra de Marilda Vilela 15ressalta uma preocupação prioritária: compreender
o significado social da profissão. Esta postura decorre, evidentemente, do quadro de
referências marxista 16 por ela adotado, no qual o conhecimento dos fatos e
fenômenos sociais consiste na delimitação do seu peculiar encadeamento na
totalidade social que a determina e, na apreensão das tendências e forças
contraditórias que operam em seu interior e explicam sua dinâmica.
O problema da especificidade profissional não tem, na obra da autora, a
centralidade metodológica que nós estamos buscando. Nela não encontramos uma
formulação sistemática da natureza do Serviço Social. Consequentemente, para
identificar a sua concepção de natureza, será necessário rastreá-la através dos
conceitos por ela construídos, e a partir deles, depreender os seus pontos de vista.
Entretanto, o fato de não atribuir prioridade metodológica ao problema da
especificidade, não significa o menosprezo de sua importância. É o que nos parece se
depreender das suas colocações em palestra proferida no VI CBAS, ao debater as
dificuldades do chamado Serviço Social alternativo.
... assim, a revolução toma-se o parâmetro central para avaliar alternativas
profissionais. Isso nos parece, no mínimo fora de lugar, por diluir as
especificidades profissionais. Daí decorrer a perda de fronteira entre profissão e
partido político, entre exercício profissional e militância. (lamamoto,1992;127).
OU então, numa aula no Pós-graduação da PUC/SP;
15
No exame de sua obra vamos analisar principalmente a sua "Proposta de Interpretação
Histórico-Metodológica", a I Parte do livro Relações Sociais e Serviço Social no Brasil
(lamamoto,1982). Através dele, o público conheceu pela primeira vez a formulação e
fundamentação das teses centrais por ela produzidas ao longo da sua trajetória e as
sucessivas reedições que o livro mereceu, comprovam a sua importância para os assistentes
sociais. Embora seja contemporâneo da sua dissertação de mestrado "Legitimidade e crise
do Serviço Social: Um ensaio de interpretação sociológica da profissão" onde se encontram
as mesmas teses, aquele foi o primeiro a aparecer e no estudo dele que vamos nos deter
com maior atenção para tentar reconstruir o pensamento da autora sobre o nosso tema.
16
Ao qual a autora dá um tratamento rigoroso e colado às fontes originais, conforme valoriza
justamente José Paulo Netto que destaca" ... a justa compreensão que Iamamoto tem da
postura teórico-metodológica marxiana. Provavelmente auxiliada pelo fato de enfrentar as
fontes "clássicas", só adjetivamente recorrendo à intérpretes, ela consegue superar os
vieses mais generalizados na tradição marxista e comprometer-se com a perspectiva
ontológica original de Marx" (Netto,91 ;292-293).
40
... que o Serviço Social tem uma particularidade enquanto especificidade do
trabalho numa sociedade. É uma especifidade que ele incorpora
historicamente, a medida que vai abrigando uma série de características em
função de sua origem no seio da moral católica, sua incorporação pelo
Estado, o seu vínculo com a assistência, com sua dimensão educativa que são
características que não estão articuladas em nenhum outro exercício
profissional e que dão a essa profissão um perfil e um espaço peculiar no
mercado de trabalho da sociedade. (lamamoto,1988;07)
Quer dizer, há um reconhecimento explícito da especificidade profissional. E
mais. Não apenas reconhece a sua existência como chama a atenção para o perigo de
perdê-lo de vista. Além disso, entende que as particularidades que lhe conferem
especificidade são historicamente incorporadas e as identifica como "o seu vínculo
com a assistência" e "a sua dimensão educativa".
Este reconhecimento configura uma postura não de recusa, mas apenas de
ênfase diferenciada na estruturação do seu pensamento. De outro lado, já
encontrámos aqui, sinteticamente expressados, elementos essenciais da sua
concepção acerca da natureza: profissão que é uma modalidade do trabalho social,
historicamente determinada e cujos atributos específicos são o seu vínculo com a
assistência e a sua dimensão educativa. Mais tarde voltaremos a encontrar estes
mesmos atributos, porém enriquecidos pelas análises que serão feitas na perspectiva
de situar a profissão no quadro da reprodução das relações sociais.
A preocupação com o "significado social"
A perspectiva de análise que orienta a sua construção teórica se carateriza pelo
"esforço de inserir a profissão no processo de reprodução das relações sociais"
(lamamoto,1982;15). Trata-se de "desvendar o significado social desta instituição e das
práticas desenvolvidas em seu âmbito, por agentes especialmente qualificados: os
Assistentes Sociais."[e de entender o Serviço Social como] " ... profissão no contexto de
aprofundamento do capitalismo na sociedade brasileira, no período 1930-1960" (lb.)
A autora evita transitar pela via de uma "leitura interna", que levaria a
determinar a peculiaridade profissional pelo seu "objeto, objetivos, procedimentos e
técnicas de atuação, etc." [isto] "significa extrair, artificialmente, o Serviço Social das
condições e relações sociais que lhe dão inteligibilidade e nas quais se toma possível
e necessário"(lb.). Mas evita também a abordagem de que o Serviço Social seja um
mero "reflexo" da realidade social mais abrangente, porque isto "expressa apenas
um ângulo da questão, se considerado isoladamente"(lb.)
41
A proposta de superação dessas duas orientações metodológicas será a " ...
apreensão do significado histórico da profissão ... em sua inserção na sociedade, pois
ela se afirma como instituição peculiar na e a partir da divisão social do
trabalho."(p.16)
Definindo o seu objeto a autora assim se expressa:
Poder-se-ia afirmar que as reflexões aqui reunidas têm em vista responder à
seguinte indagação: Como o Serviço Social se situa na reprodução das
relações sociais? Assim, mais do que uma análise centrada nos elementos
constitutivos que dão um perfil peculiar ao Serviço Social, face as outras
profissões, o esforço orienta-se no sentido de apreender as implicações
sociais que conformam as condições desse exercício profissional na
sociedade atual. (lamamoto,1982;71) [destaque da autora].
O foco do seu pensamento recai sobre as "implicações sociais" ou "Como o
Serviço Social se situa na reprodução das relações sociais?". Se alguma dúvida,
entretanto restasse quanto ao seu objeto, ela mesma enfatizará, no mesmo
parágrafo, que está escolhendo apreender as implicações sociais "mais do que uma
análise centrada nos elementos constitutivos que dão um perfil peculiar ao Serviço
Social, face às outras profissões" (pág. 71), quer dizer o seu objetivo é desvendar o
significado social da profissão, situando-a no processo de reprodução das relações
sociais.
Concepção teórica: O Serviço Social e a reprodução das relações sociais
A ideia central do modelo explicativo por ela proposto é que o Serviço Social
não só está inserido no processo de produção e reprodução das relações sociais,
como tem um papel determinado nesta reprodução.
Para situar o significado da profissão de Serviço Social no processo de
reprodução das relações sociais, faz-se necessário, inicialmente, procurar
apreender o movimento no qual e através do qual se engendram e se
renovam as relações sociais que peculiarizam a formação social capitalista.
(p.29)
Segundo este ponto de vista, a reprodução das relações sociais não deve ser
entendida apenas como a produção de mercadorias, mas como a produção e
reprodução do conjunto de condições que fazem ao modo de produção capitalista,
particularmente a reprodução da exclusão da propriedade por parte das classes

42
diretamente produtivas e da reprodução das condições políticas e ideológicas em
que esta exclusão se sustenta.
"O Serviço Social se gesta e se desenvolve como profissão reconhecida na
divisão social do trabalho, tendo por pano de fundo o desenvolvimento capitalista
industrial e a expansão urbana ... "(p. 77) em cujo contexto emerge a chamada
questão social que não é senão " ... expressão do processo de formação e
desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da
sociedade. "(p. 77). As manifestações no cotidiano da luta de classes passam a exigir
outros tipos de enfrentamento que não apenas os da caridade ou a pura repressão, O
instrumento por excelência destes "outros tipos de enfrentamento" será o Estado
agora refuncionalizado para atender as novas demandas.
O Estado passa a intervir diretamente nas relações entre o empresariado e a
classe trabalhadora, estabelecendo não só uma regulamentação jurídica do
mercado de trabalho, através de legislação social e trabalhista especificas,
mas gerindo a organização e prestação dos serviços sociais, como um novo
tipo de enfrentamento da questão social. (p. 77)
Será como parte destas novas modalidades de enfrentamento da "questão
social" que se desenvolverá a profissão do Serviço Social, estando desde o início,
profundamente integrada, como auxiliar, às instituições que assumem este
enfrentamento, o que lhe confere um perfil diferente das chamadas profissões
liberais, embora tenha sido regulamentada como tal.
O Assistente Social não tem sido um profissional autônomo que exerça
independentemente suas atividades, dispondo das condições materiais e
técnicas para o exercício do seu trabalho e do completo controle sobre o
mesmo, seja no que se refere à maneira de exercê-lo, ao estabelecimento da
jornada de trabalho, ao nível de remuneração e, ao estabelecimento do
"público ou clientela a ser atendida".(p.80)
"O processo de institucionalização do Serviço Social como profissão dentro da
divisão social do trabalho encontra-se estreitamente vinculado ao crescimento das
grandes instituições de prestação de serviços sociais e assistenciais, geridas ou
subsidiadas pelo Estado, que viabilizam a expansão do mercado de trabalho para
estes trabalhadores especializados."(p.82)

43
Dentre as organizações institucionais que mediatizam o exercício profissional,
cabe ao Estado uma posição de destaque, por ser, tradicionalmente, um dos
maiores empregadores de assistentes sociais no Brasil. (P 81)
Além disso, de não menor importância para compreender a inserção peculiar
de nossa profissão no processo mais geral de reprodução das relações sociais, o
Serviço Social nasce diretamente vinculado, a um segmento determinado das classes
dominantes no Brasil: à Igreja Católica.
Em suas origens no Brasil, o Serviço Social está intimamente vinculado a
iniciativas da Igreja, como parte de sua estratégia de qualificação do laicato,
especialmente de sua parcela feminina, vinculada predominantemente aos
setores abastados da sociedade, para dinamizar sua missão política de
apostolado social junto às classes subalternas, particularmente junto à
família operária. (p.83)
Esta influência terá uma grande importância na formação da matriz da
autorepresentação profissional, um de cujos componentes é o seu caráter de
apostolado, herança das anteriores modalidades de ação "social" exercida pelos
primeiros profissionais que foram recrutados naquele meio, para os quais o trabalho
de ajuda aos pobres era uma forma de cumprir suas obrigações para com Deus.
Entretanto, e a pesar daquela autorepresentação, o que se torna decisivo na
constituição da profissão será a sua transformação numa forma do trabalho
assalariado.
O trabalho do assistente social se insere numa relação de compra e venda de
mercadorias em que sua força de trabalho é mercantilizada. Ai se estabelece
uma das linhas divisórias entre a atividade assistencial voluntária,
desencadeada por motivações puramente pessoais e idealistas, e a atividade
profissional que se estabelece mediante uma relação contratual que
regulamenta as condições de obtenção dos meios de vida necessários à
reprodução desse trabalhador especializado. Passa esse agente a perceber
um salário, preço de sua mercadoria força de trabalho em troca de serviços
prestados, determinado como o preço de qualquer outra mercadoria,
ingressando sua atividade no reino do valor. Uma das pré-condições para tal
ingresso é a transformação de sua força de trabalho em mercadoria e de seu
trabalho em atividade subordinada à classe capitalista, para efetivar-se à
medida que, conforme já acentuamos, não se afirma historicamente como
uma profissão liberal. (p.85)
44
Porém, esta profissão peculiar, não é apenas o produto das relações sociais. A
forma como nasce e as condições determinadas do seu exercício numa sociedade de
classes, determinam também que ela assuma uma função particular na manutenção
das condições sociais em que ela passa a existir e para cuja continuidade concorre.
Todavia, o solo em que surge – a sociedade capitalista –, não é apenas ocupado pelas
classes que dominam, mas também pelas dominadas, e a luta entre elas é
responsável pela dinâmica social fundamental. A atuação do profissional é
necessariamente polarizada pelos interesses das classes em luta, dali se segue que o
Serviço Social
Reproduz também, pela mesma atividade, interesses contrapostos que
convivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital como do
trabalho e só pode fortalecer um ou outro polo pela mediação de seu oposto.
Participa tanto dos mecanismos de dominação e exploração como, ao
mesmo tempo e pela mesma atividade, da resposta às necessidades de
sobrevivência da classe trabalhadora e da reprodução do antagonismo
nesses (SIC) interesses sociais, reforçando as contradições que constituem o
móvel básico da história. (P.75) [destaque nosso].
Esta nos parece ser a tese central na construção teórica de Marilda Vilela, não
apenas por situar muito bem a profissão na trama de relações sociais – que são de
luta e não de colaboração recíproca –, mas porque é a partir desta colocação que é
possível fundamentar “objetivamente” a ruptura com a exclusiva influência político-
ideológica do capital sobre o Serviço Social e " ... estabelecer uma estratégia
profissional e política para fortalecer as metas do capital ou do trabalho ". Abrindo,
portanto, a possibilidade de o "profissional colocar-se no horizonte dos interesses
das classes trabalhadoras" (p.75) fundamentado numa relação material, e não
apenas num ato de vontade ou de opinião política.
Acompanhando o discurso por ela construído na determinação da "mesma
atividade" (em síntese: a profissão do Serviço Social) que "Participa tanto dos
mecanismos de dominação e exploração como, ao mesmo tempo da resposta às
necessidades de sobrevivência da classe trabalhadora", vamos nos deparar com
duas determinações prioritárias: a) o caráter dos serviços sociais e o seu papel na
reprodução da força de trabalho e, b) a reprodução do controle e da ideologia
dominante.

45
Na sequência examinaremos brevemente ambas dimensões em separado para
verificar posteriormente se é possível com elas cercar a sua concepção de natureza
do Serviço Social.
Significado dos serviços sociais ou a reprodução da/orça de trabalho.
Um primeiro ângulo a partir do qual Marilda Vilela analisa esta questão é o da
cidadania. Os serviços sociais serão vistos, nesta perspectiva, "como expressão
concreta dos direitos do cidadão". Entretanto, estes serviços, além de constituírem
expressões dos direitos sociais não deixam de ser apenas
... parte do valor criado pela classe trabalhadora e apropriado pelo Estado e
pelas classes dominantes [que] é redistribuído à população sob a forma de
serviços, entre os quais os serviços assistenciais, previdenciários ou "sociais",
no sentido amplo. Assim é que tais serviços nada mais são, na sua realidade
substancial, do que uma forma transfigurada de parcela do valor criado pelos
trabalhadores e apropriado pelos capitalistas e pelo Estado, que é devolvido
a toda a sociedade sob a forma transmutada de serviços sociais. (p. 92)
O aspecto mais fecundo, porém, e ao qual ela dedica maior atenção é o do
papel complementar que estes serviços sociais desempenham na reprodução da
força de trabalho.
A reprodução da força de trabalho, no capitalismo, depende diretamente do
salário,17 forma tipicamente capitalista em que se dá a troca entre o capital e o
trabalho assalariado, forma mercantil porque enfrenta o proprietário do capital com
o proprietário da mercadoria força de trabalho enquanto livres possuidores de
mercadorias. Há que se perguntar então "qual o significado dos serviços sociais
mantidos pelo Estado ou pelas instituições privadas nessa reprodução?" (P.99) uma
vez que a priori estes serviços sociais não surgem como mercadorias.
A resposta a essa indagação é uma condição para se apreender o significado
da atividade profissional do Assistente Social, do ponto de vista da
reprodução das condições de sobrevivência da classe trabalhadora. Isto porque
17
Característica especifica do modo capitalista de produção é que a riqueza social é
produzida sob a forma de extração de mais-valia, e esta só é possível nas condições em que
o trabalhador livre (nos dois sentidos apontados por Marx: livre de laços de dependência
pessoal e livre – ou seja, privado – da propriedade das condições para trabalhar) se veja
obrigado a vender a sua capacidade de trabalhar em troca de um salário, do qual ele retira
o seu sustento e o da sua família. A maior ou menor generalização do trabalho assalariado é
um indicador do grau de desenvolvimento capitalista de uma nação.
46
a atuação profissional é, geralmente, mediatizada pelos serviços sociais
prestados através de aparatos institucionais aos quais se vincula o profissional
por meio de um contrato de trabalho, enquanto um dos participantes da
implementação de políticas sociais ... (P.99). [Destaque nosso].
A política salarial "é o elemento determinante do nível de vida da classe
trabalhadora na sociedade capitalista, é, portanto, o elemento mais fundamental de
qualquer política social". É inerente a este regime social, a tendência a reduzir os
salários ao mínimo possível, ou, o que é a mesma coisa, a reduzir o tempo de
trabalho necessário, ou, a aumentar o tempo de trabalho excedente. A mais valia é
aquela parcela do valor produzida durante o tempo de trabalho excedente, da qual o
capitalista se apropria sem desembolsar nada. Uma das formas de aumentar a mais-
valia, é a de reduzir o valor da força de trabalho 18. Isto se consegue reduzindo o valor
dos produtos e serviços que concorrem na constituição desta mercadoria, ou seja, no
consumo e na reprodução da vida do trabalhador. As políticas sociais e os serviços
delas derivados
... colaboram no sentido de socializar parcela dos custos de reprodução da
força de trabalho, partilhando-os com toda a população, que os assume
indiretamente via impostos e taxas recolhidos pelo poder público ... [por isso
eles são] algumas vezes denominados "salário indireto", já que são encarados
como uma “complementação salarial”, preferível à elevação dos salários
reais. (P. 101). [Destaque nosso].
O significado dos serviços sociais então, respondendo à questão acima
formulada, será 1 º o de colaborar na reprodução da força de trabalho ao lado da
forma salário e, 2° permitir a manutenção dos salários em níveis menores dos que
teria se os gastos com os serviços sociais tivessem que ser custeados diretamente
pelo trabalhador, quer dizer, contemplados no salário.
"Como esses serviços sociais, na implementação dos quais atua o Assistente
Social, ingressam no processo de reprodução da força de trabalho e, mais
amplamente, das relações sociais?" (P. 103).
Os referidos serviços ingressam no consumo da classe trabalhadora, que, sob
certo ponto de vista, é um consumo produtivo. Para o trabalhador esse
consumo não é mais que meio de sobrevivência de sua pessoa e de sua
família. Já para o Estado e para os capitalistas é um consumo produtivo, no
18
É a chamada mais-valia relativa, a diferença da mais-valia absoluta que se extrai
prolongando a jornada de trabalho ou intensificando o ritmo de produção.
47
sentido de que contribui para reproduzir o trabalhador como um trabalhador
assalariado, divorciado das condições de trabalho, sempre disposto a vender
parte de si mesmo para subsistir. Reproduz, assim, a força viva de trabalho
como fonte de riqueza para aqueles que a adquirem e não para aqueles que
a desgastam. Embora em caráter subsidiário, tais serviços contribuem para a
produção e reprodução do meio de produção indispensável ao processo
produtivo: o próprio trabalhador. (P. 103-104). [Destaque nosso]. 19
Além deste que nos parece ser o aspecto essencial, Marilda Vilela também
aponta outras funções dos serviços sociais tais como; “meio de diversificação dos
ramos de aplicação produtiva do capital” (P. 101); “reforço para a garantia dos
elevados níveis de produtividade do trabalho” contribuindo na manutenção de “ ...
um equilíbrio psicofísico do trabalhador, canalizando e antecipando a emergência de
focos de tensão, que afetem a paz social” (P. 102) e, finalmente, a colaboração na
manutenção do exército industrial de reserva, produto necessário do processo de
acumulação que leva, inevitavelmente a uma crescente composição orgânica do
capital. Este exército (clientela preferencial do Serviço Social) fica disponível para

19
Plenamente de acordo com a Professora Marilda e para reforçar a importância central
deste ponto na análise marxista e na compreensão do significado dos serviços sociais, nos
permitimos transcrever o trecho do cap. XXI do livro I d'O Capital de Marx onde, a respeito
do consumo do trabalhador este analisa; “A coisa muda de figura tão logo consideramos
não o capitalista individual e o trabalhador individual, mas a classe capitalista e a classe
trabalhadora, não o processo de produção de mercadoria isolado, mas o processo de
produção capitalista, em seu fluxo e em sua dimensão social. Quando o capitalista converte
parte de seu capital em força de trabalho, valoriza com isso seu capital global. Mata dois
coelhos com uma só cajadada. Ele lucra não apenas daquilo que recebe do trabalhador, mas
também daquilo que lhe dá. O capital alienado no intercâmbio por força de trabalho é
transformado em meios de subsistência, cujo consumo serve para reproduzir músculos,
nervos, ossos, cérebro dos trabalhadores existentes e para produzir novos trabalhadores.
Dentro dos limites do absolutamente necessário, o consumo individual da classe
trabalhadora é, portanto retransformação dos meios de subsistência, alienados pelo capital
por força de trabalho, em força de trabalho de novo explorável pelo capital. Esse consumo é
produção e reprodução do meio de produção mais imprescindível ao capitalista, o próprio
trabalhador” ... “Em nada altera a coisa se o trabalhador realiza seu consumo individual por
amor a si mesmo e não ao capitalista. Assim o consumo do animal de carga não deixa de ser
um momento necessário do processo de produção, porque o animal se satisfaz com o que
come. A constante manutenção e reprodução da classe trabalhadora permanece a condição
constante para a reprodução do capital”. (Marx,1985; 157).
48
quando o capital precisar se expandir e de outro lado, serve para pressionar os
trabalhadores empregados no sentido de conter suas lutas por salários maiores.
Reprodução do controle e da ideologia dominante
Ao lado da dimensão “econômica” dos serviços sociais que o Serviço Social
incorpora e que, segundo vimos acima, “ ... é uma condição para se apreender o
significado da atividade profissional do Assistente Social” (P.99), encontramos a
dimensão político-ideológica da profissão.
Esta será a “ ... dimensão privilegiada na análise da inserção do Serviço Social no
processo de reprodução das relações sociais”. (P.105). Privilegiada, entretanto, como
componente da profissão, porque do ponto de vista do seu impacto social “ ... O
Serviço Social é considerado ..., como um instrumento auxiliar e subsidiário, ao lado de
outros de maior eficácia política e mais ampla abrangência na concretização” da ...
“estratégia de reforço do controle social e da difusão da ideologia dominante”. (P.
105).
Na sociedade capitalista a sujeição das classes trabalhadoras às classes que
vivem do seu trabalho, ocorre sem a necessidade de constrangimentos extra
econômicos, ou de laços de dependência pessoal, uma vez que a compulsão de
vender a sua força de trabalho ao capitalista como forma de obter os meios de
sobrevivência por parte do trabalhador, decorre da condição de carência dos meios
necessários para produzir e do monopólio destes por parte dos capitalistas. Mesmo
assim, o capitalismo não pode prescindir de mecanismos de controle social que
garantam o consenso indispensável para continuidade do sistema. “A burguesia tem
no Estado, enquanto órgão de dominação de classe por excelência, o aparato
privilegiado no exercício do controle social”. (p.108)
Porém, o controle social não se reduz ao controle governamental e
institucional. É exercido também, através de relações diretas, expressando o
poder de influência de determinados agentes sociais sobre o cotidiano de
vida dos indivíduos, reforçando a internalização de normas e
comportamentos legitimados socialmente. Entre esses agentes institucionais
encontra-se o profissional do Serviço Social. (P.109) [Destaque nosso].
“O controle social e a difusão da ideologia dominante constituem recursos
essenciais, complementando outras maneiras de pressão social, com base na
violência, para a obtenção de consenso social”. (P.109).

49
De que maneira o Serviço Social participa do “controle social e a difusão da
ideologia dominante? ”
“O exercício profissional do Assistente Social”, se dá na implementação de
políticas sociais inscritas “no esforço de legitimação do poder de grupos e frações das
classes dominantes”. Na operacionalização dessas políticas, empregam-se técnicas e
tecnologias para “influenciar a conduta humana, adequando-a aos padrões
legitimados de vida social” ... “Entre estas tecnologias encontra-se o Serviço Social”.
(P.112). A forma como o Serviço Social participa do controle social, portanto, se dá
pela adequação das condutas da sua clientela aos padrões impostos.
As atividades caraterísticas que configuram a prática institucional do Assistente
Social são as de “planejamento, operacionalização e viabilização de serviços sociais”.
(P. 113). Além das “funções técnicas” próprias 20, exerce também função de "suporte
à racionalização do funcionamento". (P.113) das instituições.
A demanda está orientada, também, no sentido de contribuir para potenciar
e agilizar os atendimentos, garantindo a produtividade do trabalho,
quantitativamente avaliada, de modo a favorecer a rotatividade da
população nos programas estabelecidos... [o Assistente Social] centraliza e
circula informações sobre a situação social dos clientes para os demais
técnicos e para a entidade, e as informações sobre o funcionamento desta
para a população. (P.114).
Acrescenta a isso a ação de “persuadir, mobilizando o mínimo de coerção
explicita para o máximo de adesão” mediante a indução da aceitação das normas e
prioridades institucionais e a “ação 'educativa' que incide sobre valores,
comportamentos e atitudes da população”. (P. 114).
Estas caraterísticas, entretanto, não esgotam o trabalho técnico. O Serviço
Social atua nas relações entre os homens no cotidiano da vida social e tem na
linguagem o instrumento por excelência de sua ação.
É este o meio privilegiado através do qual se efetiva a peculiar ação persuasiva
ou de controle por este profissional. Embora os serviços sociais sejam o

20
Que na nota nº 43 (P.113-114) relaciona como: seleção socioeconômica, interpretação das
normas de funcionamento da entidade à população, atendimentos individuais e grupais
para orientação dos usuários face à necessidade por eles apresentada, trabalhos
comunitários, visitas domiciliares, treinamentos, organização de cursos, campanhas
socioeducativas, orientação e concessão de “benefícios” sociais, etc.
50
suporte material e as entidades a base organizacional que condicionam e
viabilizam a atuação técnica do Assistente Social, esta dispõe de caraterísticas
peculiares. Trata-se de uma ação global de cunho sócio educativo ou
ressocializadora; voltada para mudanças na maneira de ser, de sentir, de ver e
agir dos indivíduos, que busca a adesão dos sujeitos. (P. 115). [Destaque
nosso].
A passagem destacada nos acerca agora ao que parece ser um enunciado quase
explicito da concepção de Serviço Social da Professora Marilda. Se o entendemos
corretamente, os serviços sociais são a base material da profissão, mas, a sua
especificidade é constituída pelo seu caráter socioeducativo e a sua intencionalidade
é a de “maneira de ser, de sentir, de ver e agir dos indivíduos”. Afirmação que coroa
a resposta à pergunta que ela mesma se formula na página 112: “ ... porque o
privilegiamento da dimensão político-ideológica do Serviço Social em sua inserção no
processo de reprodução do capital? ”.
“O Assistente Social, através da prática direta junto aos setores populares,
dispõe de condições potencialmente privilegiadas de apreender a variedade das
expressões da vida cotidiana, por meio de um contato estreito e permanente com a
população. ” (P. 116) .. “ ... interfere em grau diverso de intensidade, na vida das
pessoas com quem trabalha” “ ... e busca canalizar aspirações desses setores para
sua satisfação através de canais institucionais”. (P. 117).
Síntese conclusiva
Os temas que se destacam na formulação de Marilda Vilela são os de
reprodução das relações sociais, determinação social, serviços sociais e reprodução
do controle e ideologia dominante.
Será na maneira de tratar a matéria, entretanto, onde aparecerá a sua
contribuição diferenciada. O Serviço Social é situado na trama de relações sociais
capitalistas como um produto destas relações e, desempenhando um papel
determinado na sua reprodução. A especificidade profissional será entendida por
esta autora, como uma particularidade historicamente construída, síntese de
múltiplas determinações, não sendo, portanto, possível compreendê-la, à margem da
totalidade histórico-social na qual encontra seu significado.
Os atributos que distinguem à nossa profissão, decorrem precisamente, da
determinação daqueles papéis. Resumindo, de um lado, planejamento,
operacionalização e viabilização de serviços sociais e, de outro, ação global de

51
cunho sócio educativo, voltado para mudanças na maneira de ser, de sentir, de ver
e agir dos indivíduos, que busca a adesão dos sujeitos.

52
Considerações finais
O exame até aqui realizado mostrou-se extraordinariamente rico em indicações
temáticas e metodológicas para abordarmos o problema da natureza do Serviço
Social. É evidente que, mesmo não estando no centro das preocupações
metodológicas dos autores, os esforços teóricos deles constituem passos
importantes na apreensão da natureza, dos quais não se pode prescindir
Com a finalidade exclusiva de melhor ordenar o material analisado,
construímos um quadro onde buscamos esquematizar o que nos pareceu ser
essencial nas suas formulações. Nesse quadro, apresentado na página seguinte,
sintetizamos os aportes de cada um sob três rubricas: os temas principais, o
tratamento que dão à matéria e finalmente os atributos ou características essenciais
que cada um confere à profissão. Estas rubricas foram escolhidas apenas com
objetivo de melhor descrever e comparar as diversas formulações, não tendo,
portanto, nenhuma outra pretensão.
Como pode ser constatado, ressaltam a preocupação por dar à nossa profissão
um caráter cientifico. Esta preocupação é comum aos três autores, que a ela se
referem desde os seus respectivos ângulos teórico-metodológicos e a partir dos quais
elaboram suas análises e propostas.
Cada um deles, no entanto, enfatiza alguns temas diferenciados. Helena I.
Junqueira mantém no centro das suas formulações a preocupação doutrinária, isto se
evidencia desde seus primeiros textos publicados até os mais recentes. José Lucena
Dantas recupera uma categoria formulada por Suely Gomes e a desenvolve com
extrema propriedade: a “função persistente”. Esta categoria será a que permitirá
identificar as semelhanças e diferenças entre as fases “pragmáticas” da assistência
social e a “profissional” do Serviço Social. Marilda Vilela, por seu turno, confere
especial ênfase à dimensão educativa da profissão quando coloca como um dos
temas centrais na sua formulação o papel que o Serviço Social desempenha na
reprodução do controle e da ideologia dominante.
No tratamento da matéria as diferenças metodológicas são, naturalmente, mais
evidentes. Para Helena I. Junqueira, trata-se de fundar a profissionalidade no
emprego de conhecimentos científicos e na elaboração de metodologia própria sem
perder de vista que a especificidade do Serviço Social reside nos seus objetivos, e
estes têm, antes de mais nada um caráter axiológico.

53
TEMAS TRATAMENTO ATRIBUTOS
HELENA Caráter científico: O Serviço Social se distingue  Meio para o desenvolvimento
JUNQUEIRA distingue o Serviço Social das outras formas de ajuda progressivo do homem.
das “protoformas” porque incorpora  Conjunto de serviços,
Método: critério de conhecimentos científicos, recursos e instituições
maturidade da profissão elabora metodologia própria, mobilizados para atingir o
Doutrina: fio de mas encontra sua desenvolvimento progressivo
continuidade desde a especificidade nos seus do homem
origem objetivos
JOSE L DANTAS Teoria Geral do Serviço Para que o Serviço Social  Natureza transitiva do
Social alcance maturidade Serviço Social; função
Identidade Específica e profissional deve formular persistente.
Distintiva uma “Teoria Geral” em cujo  Atividade prática e/ou teórica
Função Persistente; âmbito se resolvam os para resolver situações
problema social e problemas de sua sociais-problemas
instituição social especificidade, objeto, decorrentes da não-
Existência Social método e valores. realização dos tipos de
O Serviço Social é um fato existência social, quanto a
histórico-social o Necessidades e
Deve construir um aspirações básicas
paradigma de o Formas de convivência
profíssonalidade cientifico social
MARILDA VILELA Reprodução das relações O Serviço Social é  Planejamento,
sociais historicamente determinado, operacionalização e
Determinação social inscrito nas relações sociais e viabilização de serviços
Serviços sociais desempenhando papeis na sociais - Reprodução da força
Reprodução do controle e reprodução destas relações de trabalho.
Ideologia dominante:  Ação global de cunho
dimensão educativa socioeducativo

54
55
O tratamento de José Lucena Dantas é direcionado pela tentativa explicita de
construir um aparato conceituai para dar conta dos problemas da profissão. Este
aparato é a sua proposta de “Teoria Geral do Serviço Social”. Dentro desta teoria é
que se situa o Serviço Social como “fato histórico-social” e se propõe a construção
intencional de um “paradigma” cientifico para nossa profissão. A constituição do
“paradigma” seria o indicador da maturidade da profissão, tal qual ele identifica, ao
nível das disciplinas cientificas.
Na concepção de Marilda Vilela, ao contrário, há um privilegiamento da
determinação social da profissão; nesse sentido, o seu esforço não se orienta para a
apreensão das caraterísticas que peculiarizariam o Serviço Social, mas, para a
compreensão do seu significado social. Ela formulará, então, a ideia de que a nossa
profissão cumpre determinados papéis na reprodução das relações sociais.
Finalmente, quando comparamos os atributos que os autores conferem ao
Serviço Social, encontramos semelhanças e diferenças interessantes.
A compreensão que Helena I. Junqueira tem do Serviço Social como MEIO para
o desenvolvimento progressivo do homem, alicerçado no entendimento de que,
entre a profissão e as anteriores formas de ajuda não há uma oposição, mas
complementariedade, parece-nos, substancialmente semelhante à compreensão que
José Lucena Dantas tem do caráter transitivo do Serviço Social. Pois, para ele, a
profissionalização, objeto da sua reflexão, é uma resposta dada, em determinada
circunstancia histórica à mesma “função persistente” que em outras sociedades e
civilizações era resolvida mediante outras formas, genericamente classificadas como
assistência.
Em face desta questão, a posição de Marilda Vilela, é substancialmente
diferenciada. Para ela, trata-se de um espaço ocupacional no seio da divisão social do
trabalho, portanto, respondendo a uma necessidade determinada do capital.
Necessidade esta surgida em época relativamente recente.
Uma particularidade que nos chamou a atenção, é o peso que Marilda Vilela
concede ao aspecto educativo. Neste ponto ela se diferencia dos outros dois autores
pela importância central que atribui a esta dimensão na compreensão do significado
social do Serviço Social. Helena I. Junqueira, não enfatiza este aspecto. Trata dele
como parte do esforço por desenvolver o que ela denomina “uma nova forma de
minorar os males sociais”. Nesse contexto, se coloca a função educativa de capacitar
a clientela do Serviço Social a resolver seus problemas com suas próprias forças. Em
todo caso, a preocupação pela dimensão educativa, é um problema dos “métodos”,
56
das “finalidades” e “objetivos”. É desta forma que aparece também na obra de José
Lucena Dantas. Sem a centralidade que Marilda Vilela lhe atribui.
Um outro elemento que, com denominações e ênfase diferenciada, podemos
apontar como tendencialmente comum, é a presença dos serviços sociais enquanto
componentes da profissão. Marilda Vilela, por exemplo, define como um dos
atributos do Serviço Social o de “planejar, operacionalizar e viabilizar serviços
sociais”. Helena I. Junqueira, por seu turno, dirá que o Serviço Social é “um conjunto
de serviços, recursos e instituições mobilizados para atingir o desenvolvimento
progressivo do homem”. No caso de José Lucena Dantas, onde a colocação não é tão
explicita, também podemos encontrá-lo, num momento da sua exposição, quando ao
determinar os “tipos de existência social” não resolvidos que seriam objeto da ação
do assistente social, aponta que as primeiras delas seriam as necessidades básicas
“cujo atendimento é imprescindível para a realização biológica e social dos membros
da sociedade. ” Não é difícil enxergar que o corolário desta priorização será a
articulação institucional de serviços sociais para atender aquelas necessidades.
Para concluir, até aqui, examinamos, mesmo que de maneira sucinta, as
formulações teóricas dos autores que mais influenciaram a formação de assistentes
sociais no Brasil. Destes, Marilda Vilela não formula uma “definição” de Serviço
Social, mas aponta dois atributos que a compõem: “planejamento, operacionalização
e viabilização de serviços sociais” e “ação global de cunho socioeducativo”. José
Lucena Dantas, o autor a cujo projeto mais se assemelharia o nosso empenho,
formula mais um programa de trabalho do que uma resposta. Devemos a Helena I.
Junqueira a resposta que mais se acerca à nossa indagação, mesmo que ela seja
ainda descritiva e instrumental: “é um meio ... [constituído pelo] conjunto de
serviços, recursos e instituições para atingir o desenvolvimento progressivo do
homem”.
O que se evidencia após este breve percurso, é que a tarefa de desvendar a
natureza do Serviço Social não pode deixar de explorar alguns caminhos já indicados
pelos autores aqui analisados. Sumariamente podemos destacá-los como sendo:
a) a ideia de uma “Teoria Geral” indica o caminho de formular um corpo de
definições e conceitos de validade universal. Mesmo discordando da denominação
de teoria dado a este conjunto teórico, consideramos essencialmente pertinente o
projeto;
b) o “significado social da profissão” conforme desenvolvido por Marilda Vilela,
coloca uma oportuna baliza contra deformações positivistas, e, é, sem dúvida, um
57
ponto de partida. Não se trata, ao assumir o projeto de definir a natureza da
profissão, de defini-la como uma coisa. Seja qual for o resultado a que a investigação
leve, esta haverá de ser necessariamente articulada na malha de relações sociais;
c) há finalmente uma categoria, cuja presença foi possível perceber nos três
autores: os serviços sociais. Esta ocorrência indica que terá um papel importante ao
se empreender a tarefa de definir a natureza do Serviço Social Esta é uma categoria
importante na definição da nossa profissão, acerca da qual os assistentes sociais já
vêm constituindo um conjunto progressivamente consistente de conhecimentos.
Na aproximação ao objeto mais amplo de nossa investigação, conseguimos
chegar ao levantamento de algumas pistas que podem orientar na tarefa de
desvendar a nature.za da nossa profissão. Mesmo sendo uma aproximação,
acreditamos ter trazido uma contribuição à tarefa que, apesar de não ser objeto de
investigação generalizada no âmbito do Serviço Social, continua sendo colocada
como uma condição para resolver os impasses da profissão. A partir destas pistas,
estamos nos propondo a prosseguir o estudo científico da natureza do Serviço Social
futuramente.

58
Bibliografia
ANDER EGG, Ezequiel. História del Trabajo Social. Hvmanitas, Buenos Aires, 1985.
CADERNOS ABES 3. São Paulo. ABES/CEDEPSS. Cortez, 1989.
CADERNOS ABES 4. São Paulo. ABES/CEDEPSS. Cortez, 1991.
CADERNOS ABES 5. São Paulo. ABES/CEDEPSS. Cortez, 1992.
CARLOS, Sergio Antônio. A Gênese e a Estrutura do Serviço Social Brasileiro no
Período Doutrinário Católico. São Paulo, 1993. Tese (Doutorado em Serviço Social) -
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1993.
DANTAS, José Lucena. A Reforma do Ensino e da Profissão de Serviço Social. IN
DEBATES SOCIAIS, Rio de Janeiro, CBCISS, (6), 1968.
DANTAS, José Lucena. Teoria Geral do Serviço Social. Aracajú, Faculdade de Serviço
Social/UFS, mimeo., julho-agosto de 1973.
DANTAS, José Lucena. A Crise no Paradigma de Organização da Prática do Serviço
Social no Brasil. Brasília, mimeo., setembro de 1984.
DANTAS, José Lucena. A Teoria Metodológica do Serviço Social. Uma Abordagem
Sistemática. IN DEBATES SOCIAIS, Rio de Janeiro, CBCISS, (Suplemento nº4), 1970
DANTAS, José Lucena. Perspectivas do Funcionalismo e seus desdobramentos no
Serviço Social. ln Cadernos ABESS, São Paulo, Cortez, (nº4), maio de 1991.
DANTAS, José Lucena. Reconceituação e Cientificidade do Serviço Social: Esboço
Crítico e Perspectivas. Brasília, mimeo., maio de 1984
IAMAMOTO, M. V. Renovação e conservadorismo no serviço social. São Paulo,
Cortez, 1992.
IAMAMOTO, M. História, Teoria e Método no Serviço Social. São Paulo, PUC/SP,
mime, 1988 (1 a aula do 2o semestre de 1988 no Programa de Estudos Pós-
graduados da PUC/SP)
IAMAMOTO, M.V. e CARVALHO. R. Relações sociais e serviço social no Brasil. São
Paulo, Cortez/Celats, 1982.
JUNQUEIRA, Helena Iracy. A Profissão de Assistente Social e a Escola de Serviço
Social. ln Serviço Social, São Paulo, (12), dez. 1939.
JUNQUEIRA, Helena Iracy. Conceituação de Serviço Social. São Paulo, mime, 1965.

59
JUNQUEIRA, Helena Iracy. Considerações Sobre Organização do Programa para Escola
de Serviço Social. ln Serviço Social, São Paulo, (31 ), set. 1943.
JUNQUEIRA, Helena Iracy. O Serviço Social como Profissão. ln Temas Sociais/CBCISS,
Rio de Janeiro, (87), 1974.
JUNQUEIRA, Helena Iracy. O Testemunho Cristão no Serviço Social. ln Serviço Social,
São Paulo, (77), 1956.
JUNQUEIRA, Helena lracy. Principios Fundamentales en la Aplicación de los Métodos
del Servicio Social. San Juan-Puerto Rico, mime, 1957.
JUNQUEIRA, Helena Iracy. Quase duas Décadas de Reconceituação do Serviço Social:
Uma Abordagem Critica. ln Serviço Social e Sociedade, São Paulo, Cortez, (4), dez.
1980.
KARSCH, U .M.S. O serviço social na era dos serviços. São Paulo, Cortez, 1987.
LIMA, Arlette Alves. A Fundação das duas Primeiras Escolas de Serviço Social no
Brasil; Uma Contribuição para o Estudo do Serviço Social no Brasil. Rio de Janeiro,
1977. Tese (Mestrado em Serviço Social) PUC/RJ, 1977.
LOPES, J.B. Objeto e especificidade do serviço social: pensamento latino-americano.
São Paulo, Cortez & Moraes, 1979.
LUKÁCS, György. Ontologia do Ser Social. São Paulo, Ciências Humanas, 1979.
MARTINELLI, M.L. Serviço social: Identidade e Alienação. São Paulo, Cortez, 1989.
MARX, K. EI Capital. Madrid, siglo veintiuno de España editores s.a., 1978.
MARX, K. O Capital. São Paulo, Abril S.A. Cultural, 1985.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas. São Paulo, Editora Alfa-Ômega,
V.3, s/d.
MARX, Karl. Capitulo VI Inédito de O Capital: Resultados do processo de produção
imediato. São Paulo, Moraes, 1985.
MARX, Karl. Elementos Fundamentales para la crítica de la economia política:
grundrisse 1857-1858. México, Siglo Veintiuno, 1986.
MORBIN, Olda. A. A controvérsia sujeito-objeto no serviço social - um ensaio de
reflexão. São Paulo, 1979. Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, 1979.

60
NETTO, José Paulo. Notas sobre marxismo e Serviço Social, suas relações no Brasil e a
questão do seu ensino. ln CADERNOS ABESS no 4, São Paulo, Cortez, 1991.
NETTO, José Paulo. Ditadura e serviço social. São Paulo, Cortez, 1991.
NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo, Cortez,
1992.
NETTO, José Paulo. La crisis del proceso de reconceptualización del servicio social. ln:
Desafio al Servicio Social, Buenos Aires, Humanitas, 1975.

61

Você também pode gostar