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A Moulage como ferramenta do design na função corretiva

da relação corpo e “elegância”.


The Moulage as a tool of design in a corrective function for the relation body and
"elegance".

SOUZA, Artemísia Caldas


Professora do Curso de Estilismo e Moda da Universidade Federal do Ceará – Deptº de Economia
Doméstica, do Curso Tecnológico de Estilismo em Moda da Faculdade Marista Fortaleza e consultora e
instrutora do SEBRAE.

Palavras-chaves: moulage, design, corpo


RESUMO
Relata a técnica de moulage, que consiste na construção de modelar e criar peças diretamente sobre o corpo ou
manequim. Como a modelagem é a base fundamental de uma roupa, a utilização dessa técnica serve como
ferramenta para o resultado final de peça com bom design, como forma necessária para ajustes e correções do
corpo. Descreve que, baseando-se em vários argumentos científicos, faz-se necessário conhecer o corpo humano e
a utilização de todas as ferramentas existentes para o design de roupas, por que o jogo de proporções possui regras
básicas e simples que poderão ser adotadas pelos designers da moda. Uma roupa quando é modelada de maneira
correta, adequadamente para determinado tipo físico, poderá disfarçar detalhes indesejáveis do corpo ou ressaltar
suas qualidades, sendo esse o segredo básico do vestir-se com elegância e estilo.

Key-words: moulage, design, body

ABSTRACT
This article reports the technique of moulage, it means the shape construction of design and the creating of clothes
directly on the body or dummy. As the apparel is the basic base of clothes, the use of this technique works as tool
for the final result for a cloth with a good design, as necessary shape for adjustments and corrections of the body.
Describing that based on some scientific arguments, it becomes necessary to know the human body and the use of
all the existing tools for design of clothes, because the ratio has basic and simples rules that could be used by the
fashion designers. When clothes are shaped in correct way, adequately for determined physical shape, it will be
able to able to cover some undesirable details of the body or to stand out the qualities, being this the basic secret of
dressing with elegance and style.
1 - INTRODUÇÃO
Atualmente a exigência de produtos de qualidade é uma realidade, dada a grande competitividade e
diversidade no mercado. Cada empresa, obrigatoriamente, define seu produto especificando-o de acordo
com o desejo do cliente e o nível de qualidade que espera atingir. O design está intrinsecamente ligado à
qualidade como ferramenta utilizada que permite criar soluções necessárias, para melhorar o produto e
para que este se encontre conforme as exigências de mercado. A utilização da técnica de moulage em
peças do vestuário no desenvolvimento deste design é um dos meios adequados para esse fim.

Evidentemente, com a valorização estética do corpo, o ser humano passou a perceber e dar mais atenção
a tudo que acontece e pode ser transformado “esteticamente”. Verifica-se que isso está acontecendo em
ambos os sexos. Os cuidados com a aparência até há pouco tempo se restringiam somente ao universo
feminino; para o correspondente masculino, os sentidos foram acionados e o homem passou a se
observar minuciosamente, captando os detalhes que poderiam dar origem ou complementar uma melhor
construção “estética”. Utilizando a criatividade, procura-se transformar o que foi observado e captado
em algo diferente, único e original. Segundo Regueiral (2000), ser atualizado no momento é ficar
sintonizado na harmonia equilibrada, tanto na forma e na proporção, quanto na dosagem estética
correta.

O principal objetivo desse estudo é utilizar a modelagem como importante instrumento do design para
possíveis correções do corpo, com o intuito de oferecer soluções e, através de técnicas, desenvolver
modelagens do vestuário que remetam a uma boa estética com o máximo de conforto.
Três tipos de modelagem são apresentados: a modelagem plana, a tridimensional e a executada com o
auxílio do computador. Desses, ressalta-se o tipo de modelagem mais adequado para o fim proposto: a
moulage; por isso, foi realizada uma breve explanação através de pesquisas bibliográficas, a qual será
comentado sobre o tema proposto.

2 MOULAGE: FERRAMENTA DO DESIGN COMO FUNÇÃO CORRETIVA

2.1 O corpo humano


A partir do Renascimento houve sensível avanço em relação à melhor compreensão da geometria e das
proporções do corpo humano. Desde então, surgiu a necessidade do estabelecimento da tabela de
medidas do corpo humano. Para Souza (1997), um dos pioneiros da antropometria moderna (processo
ou técnica de mensuração do corpo humano ou de suas várias partes), foi o alfaiate francês H. Gugliemo
Campaign. Seu trabalho consistiu na elaboração de um quadro comparativo das idades e crescimento
onde são encontradas as transformações graduais do corpo humano, desde o nascimento até a velhice.
A Associação Brasileira do Vestuário (ABRAVEST) vem estudando a padronização
nacional das medidas, através de um Censo Antropométrico Brasileiro, estruturando-
se uma base confiável pelos diversos segmentos industriais, traçando perfis regionais,
visto que nossa população é formada por uma mistura de povos e raças, com
diferenças muito significativas de biótipos. (TREPTOW, 2003, p. 155).

A tabela de medidas adotada é mais utilizada na execução da modelagem plana como definição das
dimensões do corpo ou manequim, possibilitando a padronização dos tamanhos, mesmo que em níveis
regional e local.

Segundo Grave (2004), sendo o homem a máquina mais complexa, é sempre motivo de muitos estudos.
Baseando-se nesse conceito, desenvolveu um estudo da modelagem sob a óptica da ergonomia. Afirma
que o homem anda como um cabide, vagueando com algumas peças apresentadas para o mercado
consumista. Acrescenta, ainda, que o corpo humano como máquina mais complexa é sempre objeto de
pesquisas na busca de soluções para melhorar o conforto, propiciando qualidade com funcionalidade à
vida, por intermédio de estudos da anatomia. “(...) desenvolver modelagens ergonômicas conscientizará
o profissional da moda que o poder do vestuário está além da qualidade de produto, indo do conforto à
estética, começando a inter-relacionar profissionais e ampliar conceitos”.(GRAVE, 2004, p. 11). O
biótipo, dentro de suas variações - longilíneo, mediolíneo, brevilíneo, etc.-, precisa ser cuidadosamente
analisado pela proporção dos membros, tórax e abdome, para que o vestuário consiga amenizar qualquer
imperfeição que o corpo apresente.

Com a virada do século, várias transformações ocorreram na base do sistema do vestuário. De um lado,
a indústria de confecção buscando novas tecnologias para melhorar seu processo produtivo, e por outro
lado, o cliente mais exigente à procura de mais conforto e mais qualidade, sem deixar a valorização da
forma estética do bem vestir. É oportuno, portanto, o uso da modelagem adequada como instrumento
necessário para desenvolver formas que moldem o corpo conforme sua compleição física, através da
utilização dos “truques” corretivos dos eventuais defeitos.

Observa-se que a nossa anatomia nem sempre é esteticamente aceitável nas suas proporções; o ser
humano é o único animal consciente do próprio corpo, daí a compreensão de todos os esforços
dedicados aos exercícios físicos, esportes, academias, cirurgias plásticas e, principalmente, o uso do
vestuário como uma maneira de modificar e moldar o corpo, nas formas desejadas e adequadas
conforme estilo e desejo de cada um.

Na opinião de Grave (2004, p. 11), “um indivíduo envolvido em vestes exerce interatividade de ações e
movimentos, expostos por meio de pensamentos e sentimentos, fazendo delas uma extensão do seu
próprio corpo”. É chegada a hora de se trabalhar o vestuário com visão multidisciplinar para adequar a
modelagem ao corpo como opção de correção e adequação da roupa, à conformidade física e às
exigências estéticas. Então, ao estudar cada parte do corpo, a modelagem permite ao vestuário novas
atenções, propondo uma linguagem diferenciada. Durand (1988, p. 29), afirma que “o emprego de
infinitos adereços, fitas, flores, bordados e enchimentos correspondia a um padrão predominantemente
do estético do século XIX”. Nesse período, era também valorizado com o mesmo princípio: o
acabamento esmerado artesanal e também o adeus ao espartilho (colete com barbatanas usadas outrora,
no século XIX). Hoje, apesar da escolha pessoal de alguns em adotar seu próprio estilo, existem novas
tecnologias utilizadas que conseguem “camuflar” os prováveis “defeitos” do nosso corpo e mente.

2.2 O design de moda

Se a roupa desempenha funções práticas, o criador de moda, ao projetar uma indumentária, deve
conhecer as percepções causadas pelas linhas principais do corpo. Deve transferir suas idéias sabendo
como valorizar a silhueta podendo acompanhar os contornos ou alterá-los. O designer de moda deve ter
sensibilidade estética; utilizar todos os princípios do design necessários à elaboração da peça; saber que
a relação da roupa com o corpo não é apenas visual, é necessário concentrar-se no conforto, na
praticidade, na qualidade, na funcionalidade e em outros aspectos.

Segundo Castro (1981, apud RECH, 2002, p. 49), o design de moda se projeta nos “aspectos estéticos
da cor e do desenho e na sua correlação funcional com a estrutura e o peso, [...], introduzindo idéias de
racionalização que se refletem, tanto na forma da peça do vestuário (estilo) como na sua técnica de
fabricação industrial”. Para Treptow (2003, p. 154), “a modelagem está para o design de moda assim
como a engenharia está para a arquitetura”.

Rech (2002, p. 51), comenta que “o design, embora adverso à futilidade, é mantido pela
contemporaneidade, a mesma ló gica temporal da moda”.O mundo hoje está inteiramente sob o jugo do
estilo e do imperativo do charme das aparências; do embelezar e harmonizar as formas. O design
tornou-se parte essencial de qualquer produto, adotado pela indústria como perspectiva da ele gância e
da sedução.
Na era da competitividade, da exigência dos consumidores e da revolução das
comunicações, já não basta produzir em conformidade com as especificações, é
fundamental que estas tenham sido concebidas a pensar nos desejos, ansiedades,
caprichos e necessidades de grupos diferenciados de consumidores, por vezes
heterogêneos e bem sofisticados. (ARAÚJO, 1995, p. 3).

Para Araújo (1995), quando o produto é projetado, é importante verificar as várias fases do processo, de
modo que tudo seja organizado e gerido com eficácia e eficiência. Para isso, é necessário que seja
estudado o processo de cada produto em particular, identificando as especificidades e diferenças,
corrigindo os possíveis defeitos conforme a necessidade.

2.3 A moulage como dife rencial na construção de peças do vestuário

O sucesso do produto depende, entre diversos aspectos, das estratégias utilizadas e da aplicação de todos os
elementos essenciais à construção do seu design total, Dentre os diversos recursos utilizados no processo de
construção e produção de peças do vestuário, está a modelagem, às vezes descrita como “a alma do produto”.
Que seja entendido o produto como também design de vestimentas, que sinta e perceba o produto final como
conseqüência de uma cultura de detalhe, de forma, de estética, dentre outros..

No mercado nos deparamos com a modelagem realizada através de dois processos: a modelagem
tridimensional, também conhecida como draping (palavra de origem inglesa que significa “dar forma e
caimento ao tecido” – CRAWFORD, 1998.) e moulage (vem da palavra francesa moule que significa forma,
“na forma do corpo ou manequim”), e a modelagem plana. O draping ou moulage é um método
característico da alta-costura, feito através do uso do corpo, forma ou manequim, confeccionando peças em
medidas padronizadas. A modelagem plana é executada através de traçados sobre papel numa superfície
plana, a partir do traçado de um ângulo de 90 graus, utilizando uma tabela de medidas e cálculos
geométricos. A mesma modelagem também pode ser desenvolvida através do sistema CAD/CAM (Computer
Aided Design/Computer Aided Manufacturing), utilizado para designar sistemas que permitem, além da
manipulação de moldes, interpretação e alterações dos moldes na tela, através de medidas ou por
movimentação dos pontos com o mouse (TREPTOW, 2003, P.156) A apresentação e visualização da
modelagem plana, com perfeição ou defeitos, só são possíveis depois que a mesma é repassada para o tecido
e montada.

O processo da técnica aqui defendido, a moulage, é desenvolvido em tela de algodão ou outro tipo de tecido,
fixado com alfinetes sobre a forma, que permite ao executor uma melhor visão das três dimensões (altura,
largura e profundidade), por isso, é também chamado de modelagem tridimensional. No decorrer do
processo, a peça vai sendo desenhada e cortada, definindo as formas e volumes tridimensionais como uma
escultura. É um método que possibilita maior precisão e menos margem de erros, facilita a criação de efeitos
e formas geométricas que, na modelagem plana, poderá ser de difícil resolução; proporciona, ainda,
acompanhar a velocidade do pensamento do criador no momento da criação.

Na opinião de Rigueiral (2002, p. 104), a modelagem tem o dom de modernizar, dar leveza e embelezar a
criação: sair da idéia e tornar-se tridimensional, constitui o passo para a concretização. As proporções devem
ser estudadas e mantidas, mas as possibilidades de possíveis alterações devem ser asseguradas conforme a
necessidade, fatos são viabilizados rapidamente quando se utiliza a moulage.

3 CONCLUSÃO

A moda tem, necessariamente, o dever de se apresentar funcional deixando o fútil, atendendo às exigências
para a satisfação das necessidades do bem estar do indivíduo. A roupa deve apresentar proporções relativas
ao detalhamento do corpo e que possam ser estudadas, para que a união do corpo com o molde, o tecido, o
corte e a ação da gravidade, produza a regularidade de um bom caimento. Enfim, que no todo, atenda a uma
ação que resulte na união ideal de movimento e equilíbrio. Que fique clara a referência não somente de um
design de moda, mas também do design da roupa, do paletó, da blusa, da calça; design que tem certos
princípios no âmbito social, o compromisso com a sociedade, e coerência com o contexto. Assim como
também, a busca pelo respeito aos aspectos humanos e orientação correta em relação ao conforto.
( MARTINEZ, 1998, p. 51).

Enfim, conhecer o tipo físico é de fundamental importância para o vestir de maneira correta e “elegante”.
Tomar como base um bom design, com modelagem adequada, procurar uma maneira ideal através das
técnicas modernas, corrigir ou evidenciar visualmente as formas do corpo.

O conhecimento das proporções é fundamental, por isso uma dica é olhar de


longe, para conseguir visualizar o corpo dentro da modelagem. Às vezes, um
centímetro a menos faz alongar visualmente muito mais do que a medida em si.
Recortes podem acentuar ou disfarçar quadris, busto, alongar ou encurtar a
silhueta. (REGUEIRAL, 2002, p. 106).

O designer deve tirar proveito do traçado das linhas que podem ser marcadas ou suavizadas. Explorar as
pences, ( espécies de pregas que servem para proporcionar bojos às curvaturas e saliências do corpo onde for
necessário- MILANEZ, 2005) e linhas verticais, conhecer as percepções que as mesmas causam na execução
dos decotes, recortes ou fendas, que possam alongar ou encurtar a silhueta.

A seguir, algumas das muitas recomendações como exemplos de certas maneiras de se utilizar recursos com
base na visão tridimensional do corpo, para uma modelagem perfeita ao o tipo físico adequado:

- Para troncos curtos, procurar modelar blusas prolongadas próximo ao quadril, evitando decotes
fechados, mangas bufantes, saias de cós alto, ...

- Para os baixinhos o mais adequado é modelar peças com linhas retas e mais longas. Evitar os largos
e muito curtos, e volumes como babados, franzidos, ...

- Para os muito altos deve-se modelar peças amplas e menos ajustadas, modelos com sobreposições.
Evitar todas as formas mais justas e retas, ...
- Para os de ombros caídos e estreitos deve-se modelar decotes afastados do pescoço, como o tipo
canoa; quando necessário utilizar discretas ombreiras para correções. Evitar mangas raglãs, decote
redondo e em “V”, ...

Dessa maneira, concebe-se que a moulage é um instrumento de fundamental importância que,


aliada à boa dose de bom senso, possibilita viabilizar esta proposta, refletindo, conseqüentemente,
na excelência da qualidade da criação e no desenvolvimento do produto de moda. A seguir alguns
ilustrações que representam as etapas da moulage.

Foto I: Modelagem (costas) de blusa e ¼ de saia Foto II: Modelagem (frente) de saia e blusa em
tela de algodãozinho.
em tela de algodãozinho.

Foto III: Modelagem de saia nesgada ou em panos, FotoVI: Peça pronta, saia em jeans.
em tela de algodãozinho.
5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Mário de. Engenharia e design do produto. Lisboa: Universidade aberta, 1995.

______. Tecnologia da confecção. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995.

CRAWFORD, A. C. The art of fashion draping. New York: Second Edition, Fairchild Publications, 1998.

DURAND, José Carlos. Moda, luxo e economia. São Paulo: Babel Cultural, 1988.

GRAVE, Maria de Fátima. A Modelagem: sob a óptica da ergonomia . São Paulo: Zennex Publishing, 2004.

MARTINEZ, Sérgio Luis Peña. Tecnologias de gestão: gestão de design. Fortaleza: Ministério da Ciência e
Tecnologia- MCT, Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico - SETEC, PADC/TIB, 1998.

MILANEZ, Tereza Loschi. Pences, recortes e franzidos. Costura perfeita, São Paulo, nº 24, p.58,
março/abril 2005.

RECH, Sandra Regina. Moda: por um fio de qualidade. Florianópolis: Udesc, 2002.

RIGUEIRAL, Carlota e Flávio. Design & moda: como agregar valor e diferenciar sua confecção. São Paulo:
Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Brasília -DFMinistério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior, 2002.

SOUZA. Sidney Cunha de. Introdução à modelagem industrial. Rio de Janeiro: SENAI/DN,
SENAI/CETIQT, CNPq, IBICT, PADCT, TIB, 1997.

TREPTOW, Dóris. Inventando moda: planejamento de coleção. Brusque- D. Treptow, 2003.

Artemísia Caldas Souza, artecaldas@hotmail.com.

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