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RESUMO
O presente artigo aborda a associação da teoria social marxista com a intervenção profissional
do(a) assistente social, enfatizando as influências de três matrizes de pensamento que se
mostram como desafios para a hegemonia do projeto ético-político profissional, sendo elas o
neopositivismo, o pensamento weberiano e o pragmatismo. Historicamente, o Serviço Social
foi perpassado por diversas formas interventivas, porém, a partir da década de 1980 se
renovou e vem construindo coletivamente o projeto profissional. Sendo assim, torna-se
imprescindível discutir sobre a relação teoria e prática, observando como esta se mostra diante
das demandas postas aos assistentes sociais na contemporaneidade.
1
Doutoranda e Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
com bolsa Capes. Especialista em Serviço Social: direitos sociais e competências
profissionais por CFESS/ABEPSS e UnB, graduada em Serviço Social pela Faculdade de
Minas – FAMINAS. Atuou como Professora dos cursos de graduação em Serviço Social e
Direito da FAMINAS e do curso de Serviço Social da Escola de Estudos Superiores de
Viçosa - ESUV, e ministrou aulas de pós-graduação em Gestão da Política de Assistência
Social - SUAS e Gestão Ambiental.
1
1 INTRODUÇÃO
2
2. SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO: A BUSCA POR UM SIGNIFICADO SÓCIO-
HISTÓRICO DA PROFISSÃO
3
Segundo Netto (2006) a Renovação profissional se configura a partir de dois processos:
o não compromisso imediato com tarefas pragmáticas e o comprometimento de um corpo
docente militante. Quatro processos caracterizam a renovação profissional:
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que se expressaram, no decorrer das décadas de 1960 e 1970, em três vertentes profissionais,
ao que se segue cronologicamente.
A primeira vertente a ser destacada é a Perspectiva modernizadora caracterizada pela
incorporação de abordagens funcionalistas e estruturalistas, de matriz positivista apoiada na
modernização conservadora. Visava o desenvolvimento social, do enfrentamento da
marginalidade e da pobreza na perspectiva de integração da sociedade, fortemente embasada
na modernização tecnológica e em processos e relacionamentos interpessoais.
Cabe destacar, ainda, que este projeto tecnocrático fundava-se na eficiência e na eficácia
para orientar a produção do conhecimento e a intervenção profissional. Documentos de Araxá
e Teresópolis são resultado dessa discussão.
A segunda vertente é a Reatualização do Conservadorismo, sendo uma nova roupagem
do conservadorismo, inspirada na fenomenologia, demonstrando a tendência do Serviço
Social priorizar as concepções pessoa, diálogo e transformação social dos sujeitos, retomando
o pensamento inicial da profissão. Demonstrando ideias de retomada da centralização na
dinâmica individual, sendo os documentos de Sumaré e Alto da Boa Vista sua grande
expressão.
A terceira vertente é a Intenção de Ruptura, que traz consigo a necessidade da
consciência do profissional com relação a sua inserção na sociedade de classes, que em
primeiro momento se mostra próxima ao marxismo, mas demonstra os mesmos problemas,
destacados por Netto (2006), da Reconceituação Latino-Americana, sem recurso efetivo ao
pensamento de Marx. Esta vertente emerge com o Método BHvi e ganha espaço,
principalmente no campo universitário.
O "Congresso da Virada", realizado de 23 a 28 de setembro de 1979, promovido pelo
Conselho Federal de Assistentes Sociais – CFAS, conhecido hoje como Conselho Federal de
Serviço Social (CFESS), em São Paulo, mostrou-se um marco na historia do Serviço Social,
principalmente no que diz respeito à postura profissional e a busca por um projeto ético-
político condizente com as aspirações dos assistentes sociais.
Referenciando Netto (1989), o contato dos assistentes sociais com a tradição marxista se
deu de forma específica com três traços marcantes:
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e/ou aos "clássicos" da tradição marxista, mas especialmente a divulgadores e pela
via de manuais de qualidades e níveis discutíveis. (NETTO, 1989 p. 97)
O entendimento desta profissão e sua opção por adotar o pensamento crítico marxiano
como norte para as interpretações no cotidiano profissional é de suma importante para o
entendimento dos rumos que a mesma seguiu nas últimas décadas, lidando com a
problemática da falta de reconhecimento profissional, em seus mais diversos campos de
trabalho, e com a "invasão" ou "fusão" de outras vertentes de pensamento com o marxismo.
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singulares, sendo a Sociologia interessada em conhecer as ações do sujeito naquele contexto,
ações orientadas para um fim ou ações causais. Então não é o objeto que se mostra ao sujeito,
mas o sujeito sempre incide sobre o objeto, o constrói a partir de sua subjetividade, ou seja,
quem determina a ação é o sujeito e não há neutralidade sobre o objeto, mas o resultado tem
que ser universalizado para todas as sociedades.
Em terceiro momento, a influência para o Serviço Social, que vem contribuindo para
um distanciamento entre o pensar e o fazer, é o Pragmatismoviii. Haja vista que na visão
pragmática a sociedade é quantificável em toda sua extensão.
O Pragmatismo é um novo modo para resolver velhos problemas, sendo um novo nome
para velhas formas de pensar, passando pelas teorias e mantendo contato com "todas". Na
verdade o que se pode constatar é que experiência, aparência e fenômeno estão postos na
realidade, mas o fenômeno é ele mesmo, não concebendo que há uma essência para a
manifestação de tal.
É através da experiência que se tem ideias e somente através da prática elas se fazem
valer, o resultado da vida se dá no plano prático-social (utilitário e acrítico). Tendo o
Pragmatismo um núcleo categorial agnósticoix que, de acordo com Pogrebinschi (2005), é
baseado em três eixos.
O primeiro eixo é o antifuncionalismo que expressa não existirem verdades universais
(objetivas), são sempre relativas e não se preocupa com a origem, ou seja, tem aversão aos
fundamentos.
O segundo eixo é o consequencialismo que atribui o caráter de verdade às
consequências, não ao sujeito ou ao objeto. Demonstrando, com isso, a aferição, constatação e
influência da prática, principalmente nos sujeitos, modificando comportamentos e adaptando
novas experiências. A Teoria da Ação se sobrepõe a qualquer outra teoria já existente, pois
objetiva a formulação de um guia para as ações.
O terceiro eixo é o contextualismo que requisita da Educação (enquanto instituição) a
adaptação do sujeito à cultura/postura da ação, reforçando o ponto de vista do senso comum,
com um tipo determinado de teoria/prática. O sujeito é estabelecido conforme a sociedade se
cria o hábito, normas e valores aplicados na educação pragmática. A educação para adaptar o
indivíduo ao meio, como resolução de problemas.
O pragmatismo está presente em todos os espaços sociocupacionais na ordem burguesa,
em tudo que é desejável para a manutenção da ordem burguesa e o Serviço Social não é
diferente. Em que o útil é visto como sinônimo do verdadeiro, evidenciando a eficiência e a
eficácia, pois as respostas pragmáticas são fragmentadas e pontuais.
7
A prática no marxismo é uma ação transformadora que modifica a natureza e o sujeitox,
deixando um legado para as próximas gerações diferentemente do que é dado pelo
pragmatismo, não compactuando com a concepção de que o conhecimento é útil na medida
em que dá respostas úteis para a prática.
Segundo Guerra (2013) há uma invasão do pragmatismo no marxismo, ou seja, um
reforço da concepção que o pragmático é o ideal do imediatismo burguês. Obseva-se, com
isso, um pragmatismo prático profissional justificado pelas condições de inserção na divisão
sócio-técnica do trabalho, aonde ele irá se materializar. O cotidiano é o espaço do
pragmatismo, onde ele se ajusta e para a consciência comum o prático é o que tem valor,
porque nessa perspectiva o prático que é produtivo, é o que dá resultado, não ultrapassando o
campo da imediaticidade.
Diante do exposto podemos observa a materialização de uma Teoria do Resultado, que
fez com que o Serviço Social negasse, durante muito tempo, os fundamentos, o que não quer
dizer que isso não se materialize hoje, principalmente quando se afirma que existe o campo da
prática isolado do campo da academia.
8
demandas que chegam ao Serviço Social. Não busca conhecer nem como o fenômeno se
manifesta nos sujeitos, nem as possibilidades de intervenção ante as expressões da questão
social" (SANTOS, 2010 p. 29). Evidenciando, com isso, a tendência do profissional não fazer
o "caminho de volta", ou seja, de agir de acordo com o que lhe é exigido imediatamente, não
indo à essência desses fenômenos.
Segundo Santos (2010) os fenômenos têm uma dupla condição, pois são objetos
necessários de conhecimento, sendo eles processos sociais, e são objetos de intervenção.
Diante disso o assistente social deve estudá-los como processos sociais e indicações de
intervenção. Isso, ao ver da referida autora, possibilita a relação teoria/prática.
Outro ponto importante a ser destacado é que o critério de verdadexi está na prática,
diferentemente da visão pragmática, só se torna possível descobri-lo através da relação
propriamente teórica com a práticaxii. O que vai caracterizar a prática é a ação direcionada de
objeto e finalidade, principalmente ao transformar o primeiro em algo previsto inicialmente,
mesmo que não se tenha consciência disso.
A prática profissional do Serviço Social, que não possui uma teoria própria, na verdade
ela depende do conhecimento dos fins e estabelecimento dos meios. Haja vista que o Serviço
Social deve ser pensado, segundo Iamamoto (2005), no conjunto de contradições presentes na
relação capital e trabalho, em que o profissional atua, em sua maioria, como trabalhador
assalariado, com salários baixos, de prática institucionalizada e que não é requisitado pelo
usuário – pois não é ele que o contrata – não detendo os meios para a realização de seu
trabalho, mas portador de uma relativa autonomia.
Esse quadro favorece o discurso de que na prática a teoria é outra, de acordo com
Guerra (1995 p. 170) o enquadramento funcional do assistente social eminentemente técnico,
que desempenhando funções meramente executivas "pensa poder eximir-se da reflexão
teórica in totum e fixar seu foco de preocupações no seu cotidiano profissional, para o que os
modelos analíticos e interventivos, testados e cristalizados pelas suas experiências e de
outrem, são suficientes".
Há correspondência entre teoria e prática no Serviço Social? A invasão pragmática
conseguiu ninar a necessidade de uma teoria crítica para compreensão e intervenção na
realidade? Uma profissão como o Serviço Social precisa de tanta teoria assim?
Estes questionamentos se fazem presentes a todo instante, desde a graduação até a
atuação profissional, e para responder aos mesmos Forti e Guerra (2009) destacam a
necessidade da busca de conhecimentos teórico-metodológicos e ético-políticos para dar
sentido ao papel do profissional na realidade social, ora "isso requer a busca por
9
conhecimentos que qualifiquem intelectualmente o profissional para a escolha responsável do
rumo que ele irá tomar".
Cabe salientar que o Código de Ética (1993) é muito claro com relação às aspirações
dos assistentes sociais e, não só isso, com relação a opção teórica que a categoria estabeleceu.
O projeto ético-político profissional não é material, mas por se tratar de uma opção de atuação
contra a ordem do capital, depara-se com inúmeros desafios e contradições presentes na
realidade social.
5. CONCLUSÃO
10
explicar a legislação e o funcionamento dos programas, executor de tarefas, culturais
e recreativas, articulador das relações humanas, etc., e ainda, em certos casos, na
verdade poucos, é o distribuidor de alimentos e ocupações desse gênero. (SANTOS,
1993 p. 115)
11
Pensar o projeto profissional é pensar as lutas cotidianas travadas pelas mais diversas
expressões da classe trabalhadora, de forma crítica e sem perder a perspectiva de superação da
ordem do capital, mesmo que ela não se mostre fácil de ser alcançada.
O fato é que o Serviço Social é uma profissão na contracorrente da ordem do capital e
para que este profissional consiga intervir nessa realidade ele tem que se munir de arcabouços
teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo, visando romper com a prática
imediatista e fundamentada no “aparente”, para não cair na armadilha do retrocesso
profissional com “práticas renovadas" ao lado de "velhas práticas”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FORTI, Valéria e GUERRA, Yolanda. Na prática a teoria é outra? IN: Forti e Guerra (org.)
Serviço Social: Temas, Textos e Contextos. Coletânea Nova de Serviço Social. Rio de
Janeiro: Lumen Júris Editora, 2009.
GUERRA, Yolanda. A questão da razão em Weber. Revista Serviço Social e Sociedade nº 42.
São Paulo: Cotez, 1993.
IAMAMOTO, Marilda Villela; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no
Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 19ª ed. São Paulo: Cortez, 2006.
LUKÁCS, G. "O Neopositivismo". In: Teoria e Política nº 9. São Paulo: Brasil Debates, 1988.
NETTO, José P. O Serviço Social e a tradição marxista. IN: Revista Serviço Social e
Sociedade nº 30. São Paulo: Cortez, 1989 (b).
NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-
64. 9ª ed. São Paulo: Cortez, 2006.
12
SANTOS, Cláudia Mônica. Na Prática a teoria é outra? Mitos e dilemas na relação ente
teoria, prática, instrumentos e técnicas no Serviço Social. Rio de Janeiro: Lumen Júris
Editora, 2010.
SANTOS, Leila L. Metodologismo: Explosão de uma época. IN: SANTOS, L.L. Textos de
Serviço Social, 5ª ed. São Paulo: Cortez, 1993.
i
A Questão Social em suas variadas expressões, em especial, quando se manifesta nas condições objetivas de
vida dos segmentos mais empobrecidos da população, é, portanto, a "matéria-prima" e a justificativa da
constituição do espaço do Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho e na construção/atribuição da
identidade da profissão (YAZBEK, 2009 p.129).
ii
Estado brasileiro que, nesse momento, apresenta fortes características paternalistas e repressivas, reforçadoras
da ideia de um Estado humanitário e benemerente, tenderá e se expressar, nas décadas seguintes, através de
Políticas Sociais inoperantes, que, reproduzindo a luta política mais geral da sociedade com suas contradições e
ambiguidades, se caracterizará por sua pouca efetividade social e por sua crescente subordinação a interesses
econômicos. (YAZBEK, 2009 p. 132)
iii
E acordo com Quiroga (1991) o entendimento de "Ciência Positiva" para Émile Durkheim requer um estudo
metódico para propiciar o estabelecimento de leis originárias da experimentação, considerando os fatos como
coisas.
iv
Contemporâneos e protagonistas do movimento são Associação Latino-Americana de Escolas de Serviço
Social (ALAETS), criada em 1965, e o apoio institucional de um organismo ligado à Fundação Konrad
Adenauer, da democracia-cristã germano-ocidental, o Instituto de Solidariedade Internacional (ISI). (NETTO,
2006 p. 147)
v
Grande parte das fontes dos materiais utilizados eram questionáveis e perpassadas pela "contaminação"
neopositivista. Estes materiais da reconceituação, muitas vezes, identificam o trabalho de Althusser (dos anos
1970) com o marxismo e o "Método BH".
vi
No decorrer do movimento reconceituador, num primeiro momento, a ideologia é entendida como motivadora
para o desenvolvimento profissional e, talvez mais do que isso, identificada com o conhecimento científico. Para
chegar a tal concepção, começou-se a condenar o caráter positivo e neutro da clássica prática profissional,
posição esta que, sendo em si mesma correta, despertou a conhecida rejeição pelo trabalho institucional, visto
que as instituições, como veículos reprodutores do sistema, cristalizam os interesses das classes dominantes. A
"fuga" das instituições, por sua vez, gerou o "trabalho de base em comunidades abertas" dentro de uma
perspectiva supostamente resguardada do "contágio" da ideologia dominante. Portanto, durante a
Reconceituação, a rejeição às instituições foi assumida como posição política decorrente de uma suposta
compreensão científica das mesmas. (SANTOS, 1993 p. 112)
vii
Weber não é positivista, pois concebe o relativismo da história mais a história para cada sujeito.
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viii
Pragmatismo é modo de ser do Ser Social na imediaticidade, que apreende a realidade na fenomenalidade
expressa pelo modo de vida norte-americano, sendo, também uma teoria política com conceitos de democracia,
militarismo e instrumentalismo.
ix
Tipo de saber da cotidianidade e voltado para a imediaticidade.
x
Toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis. Quando Marx assinala que o idealismo, ao contrário
do materialismo, admite o lado ativo da relação sujeito-objeto, e quando acentua, por outro lado, seu defeito –
não ver essa atividade como prática – ele nos adverte contra qualquer tentativa de estabelecer um sinal de
igualdade entre atividade e práxis. (VÁZQUEZ, 1990 p. 185)
xi
A razão dialética, crítica e radical, pelo seu substrato ontológico materialista, porque fundada pela e na práxis,
tem na perspectiva da totalidade a sua categoria central. A totalidade aqui é entendida a partir da compreensão
lukacsiana: "um complexo construído de complexos subordinados". Como categoria objetiva, a totalidade está
presente em qualquer realidade, "independente o sujeito". (GUERRA, 2004 p. 23)
xii
Tal afirmativa contesta tanto a concepção idealista – para quem a teoria carrega em si mesma o critério de sua
verdade – quanto empiricista – para quem a prática proporciona de forma direta e imediata o critério de verdade
da teoria. (SANTOS, 2010 p. 31)
xiii
Um passar de olhos sobre a literatura de Serviço Social no período de Reconceituação e uma revisão de suas
experiências no campo de pesquisa mostram uma nítida ausência d análise da realidade e de sistematização
teórica de sua ação concreta, substituída por uma constante e rotineira repetição de um serviço social libertador,
transformador e revolucionário ou de uma prática de investigar tão inflexível que acaba por enfraquecer a
intenção ideológica assumida. (SANTOS, 1993 p. 111)
xiv
Não cabe aqui esgotar o assunto, mas para uma melhor apropriação do mesmo indica-se SANTOS, B. S. Pela
mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1997.
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