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Resumo: O artigo se debruça sobre casos que se considera emblemáticos de práticas culturais
transgressoras, efetivadas no âmbito das artes visuais e da música pop. À luz da movimentação
prática artística, são comentados os casos da trajetória meteórica do artista sérvio Darko Maver até
mainstream. Tais empreitadas têm em comum o emprego de uma estratégia similar à do "cavalo de
Tróia" da antiguidade: ludibriar para se infiltrar, e corromper a ordem vigente a partir "de dentro".
transgressive cultural practices undertaken on the fields of pop music and specially in visual arts. In
light of the trend usually referred as cultural resistance – here comprising political activism as an art
practice – it is intended to proceed to an analysis of the cases involving the unknown serbian artist
Darko Maver and his fugacious but impressive career culminating at the 48ª Venice Biennale and
the one concerning the trajectory of british anarquist band Chumbawamba and its peculiar path
towards the mainstream. Both enterprises have in commom the adoption of a classic "trojan horse"
Keywords: art and subversion, cultural resistance practices, artivism, culture jamming, contemporary
art
Guy Amado
Colégio das Artes | Universidade de Coimbra
Introdução
Antes mesmo destas práticas estarem no auge, o historiador da arte Douglas Crimp
também já apontava a importância deste fator numa edição especial da October,
ressaltando que "the art world’s capacity to co-opt and neutralize them" (D. Crimp, 1987,
p.12). Há portanto que se manter alerta para as vicissitudes do meio sobre o qual se
propõe atuar, a isto articulando o rigor demandado pelo trabalho e o patamar de
intenções em jogo na proposta. E para além disso, há que se ter sempre em mente a
imporância de se equacionar as especificidades conceituais e logísticas inerentes a uma
proposição dessa natureza àquelas de cunho contextual, a saber, o perfil do local ou
plataforma definidos para a intervenção, como se dá e qual o alcance efetivo da
informação (proposta na obra) por parte do público, que perfil de público se tem em
mente, etc. Tal tópico foi também destacado por Douglas Crimp: "Activist art therefore
involves questions not oly of the nature of the cultural production, but also of the location,
or the means of distribution, of that production" (Crimp, 1987, p.12). Enuncia-se assim a
delicada equação de se conciliar a pulsão disruptiva original com as demandas do mundo
da arte e sua já apontada capacidade de absorção e cooptação deste tipo de proposta
sem perda de coerência, grau de efetividade ou contundência da proposição.
É portanto à luz deste gênero de procedimentos e estratégias que agora se
introduz dois casos que podem ser considerados paradigmáticos dessa dinâmica, em
termos de amplitude atingida e possível eficácia, e que portanto serão comentados mais
detidamente. Apresenta-se primeiramente a trajetória peculiar do suposto artista sérvio
Darko Maver, que no decorrer de um ano tem sua produção catapultada do total
anonimato à exposição (póstuma) de obras suas na 48ª Bienal Internacional de Arte de
Veneza (1999). A seguir, analisa-se o percurso singular do coletivo musical britânico
Chumbawamba, de suas origens anarco-punk ao topo das paradas, numa jornada, como
se verá, minuciosamente calculada rumo ao mainstream. Tais casos foram eleitos por se
considerar particularmente emblemáticos dos modelos e práticas já enumeradas.
Conclusão
Há quase 35 anos, Cildo Meireles realizava sua seminal série Inserções em circuitos
ideológicos, onde adotava como mote estratégico a infiltração nas engrenagens do
sistema para então, valendo-se do fluxo natural de circulação deste mesmo sistema,
produzir um deslocamento simbólico e atingir um maior grau de efetiva funcionalidade e
contundência para suas proposições. Era movido pela pulsão de insuflar um sentimento de
resistência no imaginário coletivo, incitando à reflexão e a um posicionamento crítico
acerca do contexto de opressão política que vigorava à época. Os casos aqui comentados
alinham-se conceitualmente com tais premissas, ainda que mirando objetivos talvez mais
localizados, colocando-se ainda conscientemente na contramão de uma eventual
cooptação por mecanismos institucionais ou por forças de mercado, como ocorre com
algumas outras manifestações artístico-culturais mais e mais destituídas de sua potência
original. Compartilham também – assim como a citada obra de Cildo – de um modus
operandi que se aproxima do cavalo de Tróia da narrativa clássica: a crença de que
desenvolver modos ou técnicas de inserção ou infiltração no território adversário, para só
então proceder ao combate "de dentro", pode ser a via mais efetiva para se levar a cabo as
aspirações em jogo. Para isso, como já referido, é necessário assimilar e emular o código
original do sistema, para então introduzir o ruído, a dissonância, a partícula de caos
ativadora de uma nova ordem que caracteriza a pulsão transgressora.
Referências bibliográficas:
1998
BEY, Hakim. TAZ – Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Conrad, 2001
CARONIA, Antonio. Free Art – Darko Maver. Flesh Out. Roma: 1999.
CRIMP, Douglas (ed). "AIDS: Cultural Analisys/Cultural Actvism". In October vol. 43,
CRITICAL Art Ensemble. "Nomadic power and cultural resistance". In: The electronic
FELSHIN, Nina (ed.) But is it art? The spirit of art as activism. Seattle: Bay Press, 1996
HOLT, Douglas B.: Cultural Strategy Using Innovative Ideologies to Build Breakthrough
Notas finais:
1
Mídia tática: termo que se refere a um uso crítico e teórico de práticas pautadas em conteúdos
políticos diversos e potencialmente subversivos, que se valem de diversos meios de comunicação,
sejam de tecnologia arcaica ou de ponta, visando atingir objetivos (não-comerciais) específicos.
2
Conceito popularizado pelo coletivo Critical Art Ensemble. Em lugar de se tentar criar um
movimento massivo de oposição ao sistema vigente, se valoriza a idéia de um fluxo descentralizado
de microorganizações, ou células diferenciadas que produzam múltiplas correntes com o objetivo
de frear a velocidade da economia política capitalista; seu reduto é por natureza a internet.
3
ZAT: zona autônoma temporária, ou temporary autonomous zone no original (TAZ). Noção
cunhada pelo teórico e ativista Hakim Bey que guarda certa similaridade conceitual, enquanto
modo operacional, com a tática da deriva situacionista.
4
A ser também assinalado o alter-ego feminino criado por Duchamp, Rrose Sélavy, que guarda
forte aproximação com a temática.
5
O Critical Art Ensemble é um coletivo de cinco artistas oriundos de áreas variadas como a arte
eletrônica, o cinema, o vídeo, a performance e a teoria da arte. Formado em 1987, tem desenvolvido
um trabalho pautado na intersecção entre arte, crítica, tecnologia e ativismo político.
http://www.critical-art.net
6
Na galeria Forte Prenestino, em setembro de 1999.
7
Atualmente o duo assina como Eva and Franco Mattes.
8
"The Great Art Swindle", Fev. 1999. Press release disponível em www.0100101110101101.org
9
Na acepção literal que a expressão possa ter, uma vez que o termo "banda", embora vá ser
utilizado no texto, seria agora insuficiente para abarcar o escopo de ações do grupo.
10
Trata-se de vertente punk engajada em causas como o pacifismo e ambientalismo.
11
Todos os depoimentos foram extraídos diretamente do site da banda, disponível em
www.chumba.org. Tradução livre de minha autoria.
12
Letras constantes no álbum Tubthumper. A opção por serem mantidas neste texto no original
inglês se deve ao fato de sensível perda de contundência na tradução.
13
Mantendo-se fiéis às próprias premissas, mesmo após o enorme sucesso de Tubthumper a banda
gravou apenas mais um álbum com a EMI antes de rescindir o contrato.
Imagens:
Figura 1. Esquerda: publicações sobre Darko Maver. Direita: Darko Maver encontrado morto em sua cela.
Figura 2. Vista da instalação Darko Maver: The art of war, na 48ª Bienal de Veneza.
Figura 3. Capa do álbum Tubthumper, do Chumbawamba. À direita, imagem do CD. Fonte: Divulgação
Figura 4. Stills do videoclipe de Tubthumping. Fonte: divulgação