Cap 06 As Três Dimensões Da Voz

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[A] pulsao invocante (...) € a mais proxima da experiénda do inconsciente. (Lacan, Sem. 11, 1985'). e 6 0 manhés? Em muitas culturas, mesmo que a mulher seja mae pela pri ira vez, cla tende a utilizar um modo especial de fala ao se dirigir bebé. As mesmas caracteristicas podem ser observadas na Paterna e, de um modo geral, na interagio dos adultos com ias muito pequenas, fala que se denominou motherese (Mehler e lupoux, 1999) ou “manhés”, O manhé? apresenta as seguintes caracteristicas: F © Caracteristicas sintaticas. frases curtas ¢ independentes, pata- as durante 0 enunciado, repeticio; _ © Caracteristicas lexicais, simplificagio morfoldgica, reduplica- $40, multifuncionalidade das palavras; * Caracteristicas prosédicas. tom de vor, alto € bastante agudo, eee RS 1 Esta ci . se ky tala de 4 ast € uma modificagao a partir da versio brasileira do Seminirio 11, 2 [in 1 de marco de 1964, cotejada pela versio francesa do mesmo Seminario, \ livto A voy da Sereia (2004), Laznik propde que utilizemos © terme > que nao sio apenas as maes que falam assim com seus bebés, mas 163 2 entonaciio exagerada, vyelocidade alongamento de vogais. A abundancia de marcas proséd plificagio sintatica ¢ lexical do enunciado ‘ma uma adequagio da mae as possibilidad r ¢ coincidem com as competéncias d tragos prosddicos desde a vida intra-uteri com as caracteristicas dinamicas da voz da larmente sensivel aos tragos supta-seg! f mo ea entonagio da fala. Desse modo, parece uma predisposigao & “sintonia” entre a percepcao auditiva do bebé (Parlato. codes de voz da mae se fazem acompanhar, expressoes faciais exageradas - contato de sobrancelhas, grandes sorrisos -, movi e ajustes posturais, tais como pegat a crian¢: rosto. O conjunto dessas modificagdes foc e acentua o seu interesse. As experiéncias di res (1987) confirmaram 0 grande interesse com as caracteristicas melédicas do manhés, escutar conversas destinadas a bebés - em 7a sua lingua materna, sejam ou nfo proferid caracteristicas de entonagao do manhés €, mais | freqiiéncia fundamental (FO), as respons@ qual nao escapam nem mesmo os bebés qu Segundo Severina Ferreira (1997), eml géncia da linguagem, as primeiras manifestac¢ lizacdes, grito, sortiso, olhar — funcionam com que nao sejam realizacoes lingiiisticas. Ela troca dialogica entre a mae € © bebé (turn-talka © final do segundo més de vida. Como o bebé : cupar seu lugar no didlogo, a mae assume al posigoes (reversibilidade de papéis): ela interp! bebé e fala por ele. O didlogo vai se modificando cc modificam as manifestagoes do bebé, A propery desenvolve tornando-se capaz de desempenhat sa de verbalizar st rtir de entao Pp de interlocutor ativo, a mae ¢ onde mie e bebé faziam um, a f diferenciado, O comportamento dialégico da mae an sda wR ‘ao mesmo tempo etm que participa da construgio nda ainda nao existente. Ela cria e sustenta os interva- Debé possa se manifestar ¢ tora suas manifestagoes s de sentido. A mie escuta significantes onde ha 6 sonora nao identificivel como elemento lingitis- ‘ental ou suprasegmental). Daniel Stern (1977) observou © muito precoce desse didlogo vocal imagindrio. Medindo a ia da pausa em que a mae permancece silenciosa, Stern riu que esse tempo cortesponde a uma seqiiéncia de dialogo ultos. Respeitando as regras do didlogo, a mae dé a seu filho de interlocutor. abemos © quanto a presenga ou ndo desse didlogo entre bebe 6 um indicador de risco clinico para o desenvolvimento i]. Ela da a medida de como esta se constituindo a interagao €, portanto, como estao se constituindo as possibilidades ver suj ito. ‘Na interacio mie-bebé, este nao € passivo nem no que tange = §o auditiva - ele € competente ¢ 4vido para perceber os ctos dinamicos da fala materna, isto é, os seus tragos prosddi- ‘desde intra-titero - nem no que se refere 4 producao de atos al a fungao do manhés ? Para Boysson-Bardies (1999a, 1999b), 0 uso do manbés de- sempenha varias funcGes: capta a atencao da crianga, a motiva para intercambio servindo como modelo verbal precoce que orienta “0 bebé na comunicacio oral, além de facilitar a interpretacao das emocbes. Com o passat dos meses, © bebé vai aprendendo a con- jugar o que é comunicado pela voz do adulto com o que set resto expressa, depreendendo dai sua intengao. Quanto mais se desenvol- ve, mais o bebé se interessa em compreender sentido das frases que ouve, mas sua primeira apercepgao de mundo é obtida a partir da musicalidade da fala do outro (Outro). Desde que historia seja lida com a entonacio caracteristica do manhés, as criangas mostram, 5 de idade, uma preferéncia por hi tOrias 4 partir dos cinco me ae pausas sao colocadas nas fronteiras de oragde: pelas pausas ditada : itadas pelo ritmo da voz materna que a crianga primelto aprende a esca . - eee candir ea constituir um texto, Os recém-nascidos sao sensivels as 165 variagdes das matcas prosdédicas finas da segmentacio: yar temporais (duragoes segmentais, alongamento das silabes eo nais, pausas) ¢ freqiienciais (variagdes da freqiiéncia fun a tetmi. Fo), a0 passo que as criancas mais velhas focalizam sua eet na segmentacao de formas funcionais. Os bebés tentam in ender 0 que ¢ dito pelo adulto. ; ee Para a psicolinguistica, mais do que todos os outros esi. mulos, a voz provoca sorrisos, atrai o olhar, permite manter uma relacio face a face com a crianga € motiva trocas de comunicacio verbal. O manhés facilita a interpretacgao das emogoes. A voz veicula as emogées dos pais e permite 4 crianga aprender a interpret4- las e a respondé-las. Desde os quatro meses, o bebé responde com sinais afetivos, mais positivos 4s vocalizac6es gratificantes do que aquelas com tom de repreensao ou neutras. Aos cinco meses, a crianga responde as emogoes dos pais quando expressas ao mesmo tempo pelo rosto e pela voz; aos seis, basta que sejam expressas pela voz e, aos sete meses, uma leve expresso do rosto é suficiente para informé-la sobre a atitude feliz ou irada do adulto (Buhler, 1927 apud Boysson-Bardies, 1999b). As fungdes do manhés vao se modificando com o cresci- mento da crianca. A partir de um ano, nao obstante conservat as func6es anteriores, a fala manhés se remodela para facilitar a apten- dizagem de novas palavras ea compreensao do sentido das frases ouvidas. Por meio da prosédia as criangas organizam a palavraem grupos funcionais (sintagmas, oragdes), segmentam as frases em unidades elementares e extraem as palavras na lingua corrente’. A disposicao dos bebés a reagir 4s variagoes de duracio e entonagae que estruturam a prosédia sao pré-requisitos para ess¢ trabalho. O que se ouve é significante O manhés nos confirma que a énfase nao esta 20 significado do que a mie diz, mas, antes, em como ela 0 diz. No decorter da “aquisicao” da linguagem a construgao semAntica é a ultima realizacao da crianga, isso, porém, nao impede que mie ¢ bebé interajam. Para Lacan: den, a esrever oa dizer: Mame 3, Remetemos 6 leitor @ leitura do subitem Gomecando a carta ao pai, na Parte I 166 As trés dimensies da vor aa oO Jo nao tem nada a ver com os ouvidos, mas so- ‘mente com a leitura, com a leitura do que se ouve de sig- nificante. O significado nio é Late ae se ouve. O que se ouve é ane O significado é efeito do significante”. 5d/1972-73, p. 47). outro lado, além das fungdes do manhés propostas pelos tas, Lacan lhe atribui uma outra, também fundamental, que ele, em primeito lugar, visa o gozo. “A tealidade é da com os aparelhos do gozo” (Lacan, 1985d/1972-73, p. 75) elho nao ha outro senao a linguagem” (Lacan, 1985d/1972- .75). No set falante 0 gozo é aparelhado pela linguagem. A esenga desse gozo na interagio mie-bebé e sua posterior inter- o desempenham papel fundamental na constitui¢ao subjetiva Neste ponto, uma questio: sabemos que o manhés tem uma mensio irresistivel para 0 bebé, até mesmo para um futuro bebé tista. Seu poder quase absoluto de invocacio seria um dos deter- ‘minantes da alienagao radical do infans ao desejo do Outro (Laznik, 2004). Ora, se o futuro bebé autista também responde ao manhés, ‘um dos determinantes da alienagio, 0 que ocorre entao nos casos em que, como tem sido sustentado, ha uma falha na alienagao? Esse tipo de prosddia nao estaria presente na voz da mae? Segundo Laznik (2003), o manhés € condigio necess4ria, porém nao suficiente de ~ enganchamento do bebé no gozo (falico) do Outro, ou seja, no seu campo pulsional. O primeiro chamamento esta do lado do outro (Outro) ‘Ao conferir 4 voz € ao olhar o estatuto de pulsao, Lacan estabelece uma nova dialética pulsional. Junto ao objeto oral, as- sociado 4 demanda ao Outro, junto ao objeto anal, associado a demanda do Outro, ele introduz o olhar e a voz, que dizem res- peito ao desejo: 0 olhar, associado ao desejo pelo Outro, € a vou 20 desejo do Outro (Assoun, 1999)*. A voz que vem do outro é Quando se trata da v plicado, e isto ao nive ‘a manifestagao de seu desejo: 17, 0 objeto a esta diretamente im- 1 do desejo. Se o desejo do sujeito leira do livro de Paul-Laurent Assoun, cuja tradugao foi ereira de Almeida. 4, Utilizamos a versa feita pelo saudoso colega Celso Pe 167 se funda como desejo do Outro, este dese) manifesta ao nivel da voz. A voz nao é Sone tal te usal [objeto a causa ej i; © objer” a eo deseio do Out ea ae te coerente € constituinte, se posso dizer assine amen. maximo em relacao aos dois sentidos da demanda Po%0 Outro, seja vinda do Outro. (Lacan, 1966)° 4, Seja ao, Se o seio, as fezes e o olhar parcializam o Corpo (objetif do-o), a voz o subjetiva. Por sua musicalidade, ela é 9 Hes aa qual se transmite a linguagem ¢ a fala (Vives, 1989). tne : Ei pela abertura das vias aéreas, no momento da expulsio bio. ldgica do parto, que se produz o grito de nascimento, Mas é a escuta matetna que o transformara em chamado. Assim, o chamamento esta primeito do lado do Outro. Além de atribuir sentido as produ. coes da crianga, a mie fixa suas vocalizages a canais significantes e destaca, na cadeia sonora produzida, palavras da lingua materna, Trata-se, como telembra Crespin (2004), de uma dupla operacio de atribuigio e de corte — cujo equivalente seria, sem dtivida, as operagdes de alienagao € separacao - que presentifica a dialética das vertentes materna e paterna, respectivamente, no Jaco primordial. ‘A nao instalacao do apelo, levando a sua cessa¢ao, conduz ao mutismo completo nas sindromes autisticas. E interessante notar que, a principio, Filipe produzia balbucios e vocalizacoes. Ele “pa- rou de falar”, segundo a mie, aos 2 anos: de idade. Podemos suport que, se houve inicialmente um investimento libidinal da voz e um esboco de instalagio do apelo, este nao pode se sustentat. O circuito da pulsao invocante pode ser declinado do se- guinte modo: “ser chamado”, “chamat”, “se fazer chamar”. (Vives, 1989). No entanto, nao basta “ser chamado”. O bebé tera, por sua vez, que responder chamando e, principalmente, segundo Laznik, “se fazer chamat”. Mas, para chamar € preciso voz, isto 6, investi- mento libidinal da voz. E do Outro primordial que © sujeito primel- ro recebe a voz. A resposta ao chamado do Outro implicar de do sujeito formular a questao: “Ove queres de mi ana possibilida- int? (Che wnoiey aula 20, 01/06/66, ol do Seminario 5. CE, Lacan, J. — “Seminario XII: O objeto da psicandlise”, as versoes dos inédito. Teecho livremente traduzido por nés da versio em espanh inédito de Lacan. Consulta feit CD argentino que reproduz ios de Lacan da Esc sudiana de Buenos Aires. om essa pergunta que o fantasma/espirito responde ao herOl ‘ocou (Cazotte, 1992), Lacan vai buscar nesse texto a referencia Us afo do desejo. O Che moi? Iacaniano passa a ser 0 ordculo do dese} de Cazotte que que inclui em 168 As tnés dimensies da vox efeito da alienacao simbélica, que s6 poder ser for- Sujeito ter percortido, a0 menos uma vez, 0 citcuito nal completo. Para Assoun (1999), a Ppulsao invocante supde se vox para buscar 0 ouvido do Outro, A voz cativante que chama a crianga ¢ Ihe Ptopoe gozar eter- te da indiferenciacgao é comumente tepresentada pelo mito Saas cer seres metade mulher, metade peixe (ou Ppassaro, depen- _ dendo da verso) que arrastam Para a morte os marinheitos Pptesos nas redes de seu canto. Pouco importa 0 texto, as sereias sio a voz que veicula uma promessa de £0ZO, situa o sujeito num tempo an- terior 4 lei, exprime, em sua vocalizacio, um desejo pelo sujeito, um pelo incondicional deixando sem voz os que © escutam. Mas, para o infans, essa voz cativante cumpre uma funcao. Se aceitamos a hipo- tese de que 0 canto da seria materno junto ao tnfans desempenha um papel fundamental na passagem Pata 0 registro simbdlico, te- mos de reconhecer a gravidade dos casos nos quais uma alienacao desse tipo nao ocorte, seja qual for o motivo. A voz da mie seduz pela auséncia de sentido, pela continui- dade musical. Mas é a descontinuidade consonantal da fala materna que portaré a lei. Se as chamadas operacées de constituicao do su- jeito sio bem sucedidas, 0 bebé entra em uma dinamica de invo- cacao, na qual esta implicito o reconhecimento do Outro marcado pela falta, S (K) , conforme o grafou Lacan. Puls&o invocante: o “irresistivel” chamamento da voz materna e o sim do infans Pensar a eficdcia do chamamento contida na pulsio invocan- te € considerar a relacio proposta pela musica como diferente da rela- $40 com a palavra. A misica transcende tudo o que é significavel pela Palavra e se caracteriza pela impossibilidade de lhe dizer nao. O “sim” absoluto dado A musica ex plicita, para Didier-Weill (1997), o verdadeito Sentido da Bejabvng freudiana. Ele identifica essa pressio de dizer “sim a pulso invocante. Respondendo ao apelo dirigido pela musica, © su- Jelto muda de posicao passando de invocado aquele que invoca. Concluimos assim que a relacao mais primordial do sujeito Com © Outro passa pela musica, pois, antes de receber a palavra, ° Sujeito recebe previamente uma raiz onde esta germina Didier- Weill (1997) identifica essa inscrigao primordial do Simbolico no 169 Real, sem mediagio do Imaginario, com o ; ca que Lacan undrio’. \ mmisica da vor materna faz traco, Para Dia; FOTO fray o ritmo musical introduz o sujeito na alternancia er-Weill do Outro, instituindo um tempo légico antetoe gs -AUSéncig mento da privagio materna, Segundo esse ineaa a TeConhec). corresponderia ao significante zero da significancia, = ve Musical mento de sideragao. A primeira manifestacao da inves pré-historico ~ das Ding - é sua transmissio como sft do Outeo infans tera de fazer o luto desse ritmo, pois, para aced, oe liferente de relagio com 6 Outro, devera ee difere le cao com , devera separat-se dessa prime relagio de alternancia ritmada. Por via desse tnovitnenieeeeee a entrard num tempo histérico, o sen ptdprio tempo, Meccan sendo suficiente para a constituigio subjetiva, © primeito logico da musica é, no entanto, fundamental, K justo Por ter havido presenga do significante originario transmitido ao infans pelo Outro musical (voz da mae), que © sujeito pode aceder ao trauma da cons. tatagao da auséncia de significante no Outro, S (A), O infans, vale lembrar, nao € passive diante da palavra, do dom da palavra, mas passivel de ser afetado por ela, no sentido de dar-lhe, ou nao, o seu consentimento, mesmo sem compreendé- la, Didier-Weill (1997) se interroga quais as caracteristicas que esse dom deve ter para ser aceitivel pelo sujeito. Para esse autor, trata-se de um contrato estabelecido com 0 Outro a ser renovado pelo sujeito. A Bejahung como ato de assuncao sinatia do significante, primeiro pacto estabelecido pelo infans com © que sera futuramente palavra, primeiro “sim” dado a0 sigai- ficante Nome-do-Pai quando este ainda era ritmo musical, deve ser seguida de um segundo “sim” dado a palavra nomeante transmitida pelo Nome-do-Pai. O contrato definitivo entre 0 sujeito € 0 Outro se enlaca no ato do recalque originatio. Por meio desse ato 0 sujeito dar seu “sim”, deixando que se produza a castrapao simbilica. 1 Didier-Weill, 0 recalque origindrio nao é um ato automatico, acto ético, com o qual o autismo precoce: nao consentifia, mas um mpossibilitando, assim, o estabelecimento de uma diferensa radical entre a negacio, (Ausstossung), indissociavelmente ligada a afirmacao (Bejahung), € 0 no da foraclusao que caracteriza a psicose- Mediante sar algo de seu (Aust : ei no Simbélico » recalque origindrio, o sujeito concede expul: vssung) constituindo, por conseguinte, um furo re: aula de 21 de Fevereiro de 7 Lacan, J. ~ “Seminario IX: a identificagio” ee (furo que, nos termos de Freud, corresponde ao nmbigo do sonho). ‘Todo esse complexo processo evidencia que a palavra é fruto de uma conquista do infans, que, pata tanto, precisa ser posto por seus ascendentes em posig2o de poder assumi-ta, A foraclusao primordial diz respeito a foraclusao do tempo mu- sical (foraclusao do significante siderante), quando 0 recém-nascido é arrancado do caos real pela voz materna. Para Didier-Weill, o au- tismo implica uma primeira escolha inconsciente: a de nao se deixar siderar, permanecendo impassivel diante do significante®. A aproximagao entre trago unario e musica é proposta por Didier-Weill, pois Lacan nao a menciona em seus Seminarios. Mas fala de poesia (Lacan, 1976-77). O canto das sereias e 0 seu siléncio A histéria de Ulisses, personagem da mitologia grega e heroi de Homero, é ilustrativa do poder de sedugao da voz encarnada pelas sereias’ e também da dificuldade de escutar uma mulher, se- lecionar o que é trazido ou nao por usa voz, deixar-se encantar € desencantar. Na Odisséia, as sereias encantam, seduzem os marinheiros com seu canto feminino e doce trazendo a promessa do gozo de um saber absoluto. Todavia, aquele que se deixar seduzir, se tornara escravo, prisioneiro. Ulisses, porém, em sua viagem de retorno a itaca, sua terra natal, escapa ao canto delas. Embora nao tenha sido © primeiro heréi a realizar tal facanha - Orfeu o teria precedido —, Ulisses foi o primeiro a gozar de ter vencido as sereias com as pro- prias fore: das sereias seduzem menos pelo que dizem do que pela “captacio” que produzem. Elas provocam 0 desejo de escutar. Seu canto remete a uma versio arcaica de um gozo sem ainda ter passado pela castragao simbdlica, Sua voz diz que tudo € permitido tal como num tempo anterior a Lei. Por tudo isso, seguindo os conselhos da feiticei ses tapa os ouvidos de seus companheiros com ¢ $ voz a Circe, Ulis- pede que o 8 Vale notar a coincidéncia com a posigao afirmada por Calligaris (1986) mencio nada anteriormente 9. Sereias, perigosos monstros matinhos, possufam metade do corpo em forma de mulher e a outra metade em forma de ave. Arrastavam os matinheiros para o fundo do mar com a beleza de seu canto. Mais tarde passaram a ser representadas ‘mo mulheres com cauda de peixe 171

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