É tão ridículo ansiar por um retorno àquela plenitude original como o é acreditar que a história
tenha parado nesse vazio completo. (Marx, p. 196)
Introdução
01. Autores do pós-modernismo decretaram diversas mortes: das metanarrativas (da História,
portanto), da razão etc, e, por fim, a morte do sujeito -- pelo menos o "sujeito moderno". Esse
sujeito, um indivíduo com uma essência racional que define uma identidade pessoal, tentava se
submeter a seu domínio racional às forças da natureza. Para Stuart Sim, o desenvolvimento e a
autorrealização desse sujeito seriam o objetivo central da "cultura ocidental", ou seja, da
modernidade. Para o pós-modernismo não há esse núcleo essencial de identidade, uma vez que as
pessoas são fragmentadas e a individualidade estaria em contínuo processo de dissolução. O artigo
se propõe a mostrar que, embora pareça uma crítica radical ao fetichismo da individualidade, trata-
se da radicalização do fetichismo.
02. O fenômeno do fetichismo é uma forma de alienação. (Essa afirmação dialoga com a dúvida do
Matheus de se o que o Mauro Iasi define como alienação no Reflexão sobre o processo de
consciência seria, para Duarte, um fetichismo. Aqui ele responde afirmando que o fetichismo não é
outra coisa senão uma própria forma da alienação) O pós-modernismo nega o conceito de alienação
e a crítica a uma sociedade alienada, posto que precisa-se de uma metanarrativa para essa crítica e
isto se distancia do que está sendo criticado. Não existem parâmetros para o pós-modernismo que
distinguem o que é humanizante e o que é alienante. Enquanto o pensamento liberal clássico
fetichiza a individualidade ao naturalizá-la e alçar à condição de natureza humana as características
da individualidade burguesa, o pós-moderno fetichiza a individualidade ao transformar em condição
humana o ceticismo, a fragmentação, o subjetivismo, o solipsismo e a irracionalidade.
Resumo do tópico:
O pós-modernismo parece uma crítica radical ao fetichismo da individualidade por decretar a
morte do sujeito moderno em sua acepção, mas trata-se, em verdade, da radicalização desse
mesmo fetichismo.
O fetichismo é uma forma de alienação e o pós-modernismo nega o conceito de alienação e a
crítica a uma sociedade alienada, porque esta crítica afasta-se do contexto social daquilo que
quer se criticar (uma vez que para fazer a crítica a uma sociedade alienada é necessária uma
teoria totalizante da realidade). Não há, para o pós-modernismo, distinção entre o que é
humanizante ou alienante. Enquanto o pensamento liberal clássico naturaliza a
individualidade, o pós-moderno fetichiza a individualidade ao transformar a irracionalidade, o
ceticismo, a fragmentação etc. como sendo a condição humana.
Este texto se propõe a criticar a concepção pós-moderna e apresentar a alternativa marxista
da individualidade livre e universal.
Resumo do tópico:
O pós-modernismo é a representação teórica da barbárie, e não representa grandes
novidades, mas uma radicalização de uma tendência da filosofia burguesa ao irracionalismo
burguês que vinha desde o fim do séc. XIX. O pós-modernismo negará as metanarrativas, e
portanto qualquer concepção de ciência, de progresso etc. Stuart Sim definirá o pós-
modernismo como filosofia cética, necessariamente negativa.
As raízes do pós-modernismo, para Pauline Marie Rosenau, são: a filosofia nietzschiana; a obra
de Freud, que ao definir o inconsciente como determinante das ações dos sujeitos, coloca em
xeque a noção de razão; e o próprio estruturalismo, com a secundarização das ações
intencionais na configuração da sociedade e da cultura.
Rosenau fará uma separação em dois grandes grupos pós-modernos, se distanciando de Sim:
um pós-modernismo cético, que coloca em xeque a existência das ciências sociais, muito mais
presente entre os pós-modernos franceses, e um pós-modernismo afirmativo, que não vai tão
longe e é típico dos EUA e do Canadá.
O pós-modernismo cético, segundo a autora, apregoa a morte do sujeito, mas não a morte do
indivíduo. As três características que o pós-modernismo cético atacam centralmente na noção
de sujeito são: ele é representante da modernidade e, por isso, traz as noções do Iluminismo e
da razão, portanto eles querem acabar ao mesmo tempo com a democracia representativa
liberal e o socialismo, e as categorias que disso derivam (classe, libertação, representação
democrática etc.). Ele é representante do humanismo, e o humanismo coloca uma
Assim, a antiga visão, na qual o ser humano aparece como o objetivo da produção,
independentemente de seu limitado caráter nacional, religioso e político, aparenta ser muito
superior quando contrastada com o mundo moderno, no qual a produção aparece como o
objetivo da humanidade e a riqueza como o objetivo da produção. Contudo, na verdade,
quando sua limitada forma burguesa é removida, o que é a riqueza senão a universalidade das
necessidades, capacidades, prazeres, forças produtivas etc., dos indivíduos, criados por meio
do intercâmbio universal? O pleno desenvolvimento do domínio humano das forças da
natureza, tanto aquelas da assim chamada natureza como aquelas da própria natureza
26. Analisarei esse trecho dos Grundrisse. Para Marx, o capitalismo significou um avanço na história
da humanidade, sendo a fase final da história das sociedades de classes e criando as condições para
sua superação. Nas sociedades pré-capitalistas, as sociedades eram estáticas e a realização
individual ocorria dentro dos limites estabelecidos pela rígida hierarquia social e pelas limitadas
forças produtivas. Nas sociedades pós-capitalistas, os indivíduos poderiam se desenvolver de forma
livre e universal, pois possuiriam o controle coletivo das forças produtivas da sociedade. A vida dos
indivíduos não estaria mais limitada à luta pela sobrevivência, então eles poderiam gastar a maior
parte de suas vidas com atividades plenas de sentido e com conteúdos humanos, que enriqueceriam
a totalidade do gênero humano. O capitalismo, porém, limita a vida humana por meio da
universalização das relações de mercado, e transformando o valor de troca em mediação universal,
de modo que se esvazie as relações humanas e os indivíduos.
27. A essência contraditória do capitalismo faz com que processos e produtos que poderiam ser
humanizantes se transformem em seu oposto, i.e., em alienação. Marx rompe com uma noção
romântica de que a riqueza seja algo ruim e que devêssemos buscar uma sociedade em que ela não
fosse produzida, mas o contrário disso: ele rompia com a noção de que riqueza estivesse atrelada à
noção de dinheiro. A dicotomia entre uma sociedade voltada para a produção da riqueza ou uma
sociedade voltada para o ser humano é a própria concepção burguesa de riqueza, concepção que
deve ser superada. Uma vez superada a forma burguesa de riqueza, torna-se possível ver que o
enriquecimento objetivo implica enriquecimento subjetivo.
28. O desenvolvimento do indivíduo será muito mais universal conforme o seu relacionamento com
a riqueza objetiva humana universal for produzindo no sujeito a elevação de suas necessidades, o
desenvolvimento de suas capacidades e a ampliação da sua sensibilidade. Nada disso brota
espontaneamente do interior do indivíduo, mas é produzido no intercâmbio universal (no conceito
de Marx). O desenvolvimento universal do indivíduo, portanto, é resultado de sua inserção livre e
consciente no intercâmbio universal, e só é possível efetivar essa universalização não alienada
rompendo com a forma unilateral e vazia de universalização, através de uma universalização das
forças humanas em toda a sua diversidade e em toda a sua riqueza de conteúdo.
29. O segundo aspecto da transformação do desenvolvimento humano através da superação da
forma capitalista, segundo o trecho dos Grundrisse, seria o pleno desenvolvimento do domínio das
forças da natureza (incluindo-se a natureza humana). Para Marx, domínio da natureza não é
sinônimo de destruição da natureza, ou que o caráter destrutivo e irracional do uso da tecnologia
seria uma consequência necessária na lógica interna à produção do conhecimento científico. A
leitura dos pós-modernos e de parte do "marxismo ocidental" das relações entre sociedade e
natureza nos sécs. XIX e XX seriam uma consequência inevitável da ciência e do domínio da natureza
por meio do conhecimento científico, é estranha a Marx e aos clássicos do marxismo, como Engels,
Lenin, Gramsci e Lukács, e distorce o processo histórico, pois a lógica de reprodução do capital é que
produz essas relações destrutivas.
30. Marx não considerava existir uma "natureza humana" que fosse fixa e a-histórica, de modo que
atravessasse o indivíduo desde seu nascimento ou que se desenvolvesse espontaneamente da
infância à idade adulta. Para Marx, "o cultivo dos cinco sentidos é trabalho da história precedente",
como ele elenca nos Manuscritos econômico-filosóficos. A individualidade livre, em Marx, trata-se da
individualidade-para-si, ou seja, é o oposto da individualidade-em-si (individualidade espontânea).
31. Ainda de acordo com Marx, a superação da forma burguesa de riqueza acarretaria no
desenvolvimento dos indivíduos de modo realmente universal, tendo seu limite na totalidade da
cultura material e intelectual até então produzida. Buscar-se-ia, então, a contínua superação do
Resumo do tópico:
O primeiro passo para a compreensão da concepção marxista de indivíduo é a compreensão
da noção de ser humano. Para Marx, a análise é essencialmente histórica, e o gênero humano
vem se reproduzindo nesse período por meio da produção, da reprodução e da transformação
constante da cultura humana (material e imaterial).
A propriedade privada dos meios de produção, a exploração da força de trabalho e a divisão
social do trabalho complexificam as relações entre a vida individual e o acúmulo cultural do
gênero humano. Uma consequência é que a humanização e a alienação ocorrem
concomitantemente.
Para Marx, a atividade social produz o enriquecimento objetivo e subjetivo dos seres
humanos. A história social se trata de um processo histórico de objetivação do gênero
humano.
Na sociedade capitalista, a riqueza objetiva é apropriada de forma privada, transformando-se
em capital. Ao superar o capital, a riqueza poderá ser apropriada por todo indivíduo e se
transformar em riqueza subjetiva ou órgãos da individualidade. Desde o surgimento das
classes sociais (na antiguidade), a objetivação do gênero humano se dá através da apropriação
privada do resultado geral do trabalho humano, o que gera a alienação.
A alienação produzida no capitalismo não tem apenas um caráter negativo. Se, de um lado, ela
separa os indivíduos da riqueza social, de outro lado ela produz as condições materiais para
que os seres humanos superem os limites puramente locais de sua existência. Se nas
sociedade pré-capitalista ainda havia a possibilidade de se sentir satisfeito com sua vida (em
certas condições), pois tratava-se de uma satisfação limitada, no capitalismo não tem isso: ou
se tem uma satisfação medíocre perto da possibilidade de satisfação possível ou não se tem.
Marx não tem uma análise que descarte o capitalismo. Ele pesa a importância deste para a
história da humanidade e o avanço representado. Nas sociedades pré-capitalistas, as
sociedades eram estáticas e isto fazia com que a realização individual ocorresse dentro dos
limites estabelecidos pela rígida hierarquia social e pelas limitadas forças produtivas. O
capitalismo limita a vida humana por meio da universalização das relações de trabalho, ao
passo que o valor de troca se transforma em mediação universal e as relações humanas e os
indivíduos se esvaziam. A superação do capitalismo propõe sociedades em que os indivíduos
possam se desenvolver de forma livre e universal, isto porque possuiriam o controle coletivo
das forças produtivas da sociedade.
A essência contraditória do capitalismo faz com que processos e produtos, ao invés de serem
humanizantes, sejam o oposto disso: alienantes. Ao romper com a noção romântica de que a
riqueza é algo ruim, Marx apresenta uma perspectiva de que a riqueza não está atrelada à
noção de dinheiro necessariamente, mas que esta noção é fruto da sociedade capitalista e
deve ser superada. Uma vez superada a forma burguesa de riqueza, torna-se possível ver que