Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Organizacionais
Sergio Bulgacov
Universidade Federal do Paraná
RESUMO
Este ensaio discute o papel do administrador como mediador entre os propósitos organizacionais e
as representações que dela se faz. Procura-se tratar do saber na sociedade contemporânea, ou mais
especificamente o saber sobre organizações, identificando que representações existem sobre estes
fenômenos. Na primeira parte são apresentados os conceitos fundamentais, tais como, a diferenciação
entre sentidos e significados; e o papel da teoria enquanto conjunto de pressupostos que são utilizados
pelos administradores enquanto instrumentos de pesquisa e de trabalho. Em seguida, descrevem-se as
principais referencias analíticas sobre o conceito de administrar a partir da contribuição de diferentes
paradigmas meta-teoricos da organização em aproximação com o conceito de complexidade. Orienta-se
a adoção, pelos administradores, de paradigmas diversos, como forma de atendimento das exigências
da complexidade organizacionais com problematizações específicas. Entendem-se os administradores
como possuidores de papel fundamental influenciando a interação entre a tarefa e o significado frente aos
fenômenos organizacionais entendidos como complexos, ambíguos e contraditórios.
PALAVRAS-CHAVE
Papel do administrador, sentido, significado, paradigmas organizacionais e complexidade.
ABSTRACT
This essay discusses the role of managers as mediators between organizational purposes and the
representations built from them. We seek to address knowledge in contemporary society, or more
specifically, knowledge on the subject of organizations, identifying the representations which exist under
these phenomena. The first section presents fundamental concepts such as the distinction between
perceptions and meanings; and the role of theory being a set of notions used by managers as research
and work instruments. Later on, the main analytical references on the concept of managing are described
based on the contribution from different meta-theoretical paradigms of the organization that verge on the
concept of complexity. We recommend the adoption of various paradigms by managers as a way to fulfill
the requirements of organizational complexity which present specific problems. Managers are understood
as holders of a key role, influencing the interaction between tasks and meanings among organizational
phenomena perceived as complex, ambiguous and contradictory.
KEYWORDS
role of managers; perceptions; meanings; organizational paradigms; complexity.
suas maneiras tradicionais de delimitar e interpre- produzem representações sobre a própria situação.
tar fenômenos e condições divergentes. Esta pode ser percebida como estimulante e
O homem, no cotidiano e no trabalho, desafiadora ou, pelo contrário, como intratável ou
busca constantemente a finalidade, o significado tediosa, desprovida de interesse ou inatingível
das coisas. Handy (1995) salienta que a busca do para suas possibilidades. Naturalmente, também
significado ou motivo para fazer e para ser é de constroem representações sobre si mesmos, nas
grande utilidade e estabelece três sentidos: um quais podem aparecer como pessoas competentes,
sentido de continuidade, um de ligação e um de interlocutores interessados, capacitados para
direção. A busca constante do ser humano pelo resolver problemas ou, no pólo oposto, como
senso de direção define uma nova dimensão ética pessoas pouco capazes, incompetentes ou com
com várias manifestações: um sentido de finalidade, poucos recursos. Por sua vez, os outros podem
uma busca de identidade, dignidade e qualidade ser percebidos como pessoas que compartilham
de vida, priorizada em relação ao estilo estético objetivos e ajudam na consecução de tarefas ou, no
e harmônico. É a busca de uma causa com uma lado oposto, como rivais e repressores.
finalidade além de si mesma.
Arendt (2001) aborda a complexidade dos O PAPEL DA TEORIA
significados na busca da certeza contra a dúvida As representações de conceitos e significados
universal na afirmação do método cartesiano: originados nas teorias podem facilitar a comunicação
embora não possa conhecer a verdade como algo e o diálogo na organização e nas relações
dado e revelado, o homem pode, pelo menos, interorganizacionais e contribuir para a promoção de
conhecer o que ele próprio faz. Esta veio a ser a condições em que é possível aprender, diagnosticar
atitude mais geralmente aceita na atualidade. E foi e tomar decisões sobre a organização e até mesmo
essa convicção, e não a dúvida que lhe deu origem, sobre o seu contexto. O administrador pode utilizar
que lançou geração após geração, durante mais de as teorias e abordagens gerais ou específicas, por
trezentos anos, num ritmo cada vez mais acelerado meio das quais processa as informações atuantes
de descobertas e desenvolvimentos. Nessa nas situações organizacionais que administra,
concepção, o raciocínio baseia-se inteiramente para adequá-las aos conceitos que precisam ser
no pressuposto implícito de que a mente só pode esclarecidos para os participantes e, assim, facilitar
conhecer aquilo que ela mesma produz e retém em a interpretação e a compreensão dos objetivos
si mesma. Para a autora, o essencial é compreender almejados. Algumas abordagens alertam para o
e esse é um processo complexo, uma incessante uso da teoria de forma sistemática e rígida, partindo
atividade, sempre variada e em mudança, por meio do pressuposto de que a produção de sentidos
da qual o homem se ajusta ao real. A compreensão não é apenas atividade cognitiva intra-individual,
é criadora de sentido que se enraíza no próprio mas vai além da simples reprodução de modelos
processo da vida, à medida que os participantes predeterminados. É prática social interacional,
tentam, por meio da compreensão, conciliar-se com dialógica, que implica observar a linguagem em
suas ações e paixões. uso. A produção de sentidos é tomada como um
fenômeno sociolingüístico, uma vez que o uso da
A CONSTRUÇÃO DO SIGNIFICADO NAS ORGANIZAÇÕES linguagem sustenta as práticas sociais geradoras
de sentido (SPINK; MEDRADO, 1999).
Por sua vez, a construção de significados Ao se apresentar aos participantes uma
próprios do trabalho e da aprendizagem para as concepção, idéia ou conceito, estes podem não
pessoas que assumem responsabilidades das fazer qualquer sentido. Os indivíduos conseguem
quais dependem as organizações requer a adoção ver, se acreditam naquilo que os outros lhes dizem.
de um enfoque relacionado com a motivação de E isso depende de compartilharem o mesmo
cada um dos envolvidos. A direção da organização sentido pretendido por quem apresenta o conceito.
deve não somente favorecer o domínio de Isso pode conduzir aos significados preexistentes
procedimentos, a preocupação com as atitudes e no grupo, ou seja, à dependência de interpretação
a compreensão de conceitos, mas também gerar que resiste às evidências em contrário. Ou ser
sentimentos de competência, de auto-estima e de construído com o auxílio de teorias que ensejam o
respeito entre os participantes. diálogo com lógicas previamente experimentadas
Ao mesmo tempo em que constroem e convincentes, facilitando os sentidos para a
significados sobre os conteúdos do trabalho e compreensão das próprias práticas sociais e de
da aprendizagem (SOLÉ, 2001), os participantes trabalho dos participantes.
problemático é o consenso e a falta de confrontos. O autêntica das pessoas. A alienação, provocada pelo
paradigma possui fundamentos no interacionismo, viés da subjetividade criada pelas superestruturas,
nas relações humanas, no culturalismo, na impede as pessoas de verem e de considerarem
hermenêutica, na etnometodologia, no idealismo, no alternativas de interpretação e articulação de si
objetivismo, no regulacionismo e nas teorias Z e CCQ. próprias e da sociedade ou da organização a que
O modelo pressupõe a realidade como objetivada servem. O paradigma remete ao institucionalismo, à
pela experiência subjetiva das pessoas. O mundo anti-organização, ao anarquismo, à tecnoburocracia
no qual as pessoas se comportam é produzido por de Max Pagés, Fernando Prestes Motta e Marcuse.
elas mesmas por meio das condições subjetivas. Pressupõe que a construção social está relacionada
A ação humana é determinada e sustentada pelos a uma patologia de consciência, à situação em que os
significados recíprocos que permitem o consenso atores encontram-se prisioneiros do mundo criado.
mínimo a respeito do mundo. Assim, qualquer A crítica principal está nos modos de alienação
situação nova que apareça é interpretada com impostos pela vida das sociedades industrializadas.
base no sistema de significados partilhados pelos Pressupõe-se que a consciência humana é dominada
indivíduos de um grupo. Todo conhecimento é por superestruturas ideológicas, com base nas
existencial e lida com o estar em relação a alguma quais as pessoas interagem e interpretam o mundo.
coisa ou alguém. Dessa forma, a compreensão da Nesse sentido, o homem é ser essencialmente
realidade passa pela compreensão da relação entre alienado, que vive em constante movimento para
as pessoas e entre as pessoas e as coisas. Nada superar a criação subjetiva na qual ele se situa.
tem sentido absoluto fora de um contexto, que, Tais superestruturas constituem uma barreira para o
variando, pode modificar radicalmente o significado, indivíduo, impedindo-o de ter consciência autêntica
a potência e a função de um dado. O mundo real da realidade objetiva. A investigação científica visa
é apreendido por meio de significado conceitual a compreender os mecanismos de atuação dessas
e valorativo. A apreensão objetiva da realidade é superestruturas. Assim, a realidade é criada e
condição duvidosa e inútil. Os significados são sustentada socialmente. A atividade fundamental
adquiridos a partir da experiência pessoal dos para o indivíduo é criticar o status quo, para se
indivíduos. Assim, a investigação científica dirige- emancipar dessa falsa consciência. Emancipar-
se aos processos através dos quais múltiplos se significa lutar para que o outro não faça o que
significados e realidades são criados, sustentados e quer fazer ou o que está fazendo. A ação é vista
modificados socialmente. O mundo social é criado, como o único meio capaz de superar a alienação.
sustentado e transformado pela consciência e pela A ação emancipadora de um indivíduo faz parte da
subjetividade. As organizações constituem uma consciência que ele tem do que o outro faz dele.
rede de significados criados e sustentados pelos Pertencer, nessa projeção, significa restringir a sua
indivíduos. Só podem ser investigadas a partir própria natureza e potencialidades. Nesse modelo
dos indivíduos em ação, que criam, sustentam e as organizações consistem em força imaginária de
modificam modos comuns de interpretação da outro que afeta as pessoas. São, portanto, realidades
realidade objetiva. Não há indivíduos observadores. socialmente criadas e sustentadas, constituindo uma
Nas organizações, os indivíduos representam superestrutura que domina os indivíduos através da
fronteiras onde os significados são negociados imposição de uma territorialização sobre eles. A
através do confronto e do tratamento prático da empresa coloca um ideal de ego (objetivo de amor)
realidade. As estruturas (papéis, organogramas e que as pessoas colocam no lugar de seu ideal de
cargos) consistem em reificações, em padrões de ego, para realizar seu ego ideal (recalcamento).
regularidade relativos a significados e a ações da Assim, nas empresas, os indivíduos são prisioneiros
vida cotidiana. O perfil do trabalhador, por exemplo, da própria realidade que seu comportamento ajuda
é definido ou construído pelo grupo. A imagem que a criar e sustentar, que os controla e reprime em suas
pode representar esse paradigma é o texto e o teatro potencialidades. As mudanças só são reais quando
(MORGAN, 1996). essa projeção ou ideal que o outro coloca para
No humanismo radical descrito por Burrell mim for totalmente transformada. Daí o fato de toda
e Morgan (1994), administrar significa denunciar e mudança real ser radical. Desenvolvimento significa
criticar a superestrutura dominadora do consciente tomada de consciência daquilo que o outro faz para
ou do inconsciente humano. A formulação do mim, ou seja, a descoberta de potencialidades de
problema refere-se a como as condições simbólicas existência (de ser) até então ocultas. Tal consciência
são utilizadas pelas organizações. O problemático é é a base para a reconstrução do eu que o outro
a emancipação do homem por meio da consciência está fazendo.
aproximar de novos conceitos, às vezes apenas formação pessoal diversificada e permanente nas
aparentemente novos, mas reinterpretados com os diferentes epistemologias, estruturas teóricas e
significados já existentes. Dessa forma, pode-se abordagens, para que possa compreender os
modificar o significado onde há um sentido próprio e dados que lhe chegam no âmbito de objetivos
pessoal para um objeto de conhecimento. Portanto, e atribuições complexas e compartilhadas, as
a exposição a novas abordagens não é processo decisões tomadas coletivamente, os compromissos
que conduz apenas à acumulação de novos e implicações interinstitucionais, as necessidades de
conhecimentos, mas à integração, modificação, mudanças e os acordos consensuais e legitimados.
estabelecimento de relações e coordenação entre A participação, as relações e a comunicação em
esquemas de significados que os participantes já si não são suficientes, mas são condições que
possuem, dotados de certa estrutura e organização permitem compreender o envolvimento mínimo
que varia, em vínculos e relações, a cada necessário e conhecer os compromissos e os
aprendizagem ou mudança de sentido realizada. resultados esperados.
Partindo-se daquilo que se possui e se entende, O envolvimento e a aprendizagem ocorrem e
é possível progredir à medida que as condições o se desenvolvem na medida em que podem construir
permitam. significados adequados em torno de conteúdos
do processo. Essa concepção pode também
CONSIDERAÇÕES FINAIS ser útil para a reflexão e a tomada de decisões
compartilhada das organizações, que pressupõe o
Assim como o administrador deve buscar trabalho em equipe. Como referencial, é ainda mais
auxílio nas teorias como forma de debate e útil quando articulado em torno de grandes decisões
aprendizagem, pode também contribuir para a estratégicas que afetam as finalidades e os principais
explicação de como as coisas acontecem na processos da organização. Essa construção inclui
organização. Deve buscar, também, o caráter a contribuição ativa e global do participante, sua
institucional de organização socialmente estruturada disponibilidade e conhecimentos prévios no âmbito
a serviço de determinados objetivos, constituída de uma situação interativa, na qual o administrador
de estrutura integrada por pessoas cujo trabalho age como mediador e orientador entre o sentido
é o que garante seu funcionamento e realizações. dos participantes e os significados organizacionais
Com isso constata-se que as dificuldades e a e, muito provavelmente, com as contribuições
complexidade do trabalho do administrador não significativas das diferentes teorias. Dessa relação
se limitam às funções gerenciais tradicionais. Suas depende o sucesso da construção do significado, ou
atividades são também socialmente integradoras seja, da adoção de formas diversas, tal como exige
e requerem condições organizacionais favoráveis a complexidade das circunstâncias organizacionais.
e habilidades múltiplas. Essas condições e O administrador deve procurar extrapolar a sua
habilidades criam contextos humanos específicos preocupação para além das capacidades cognitivas
de relação, que devem ser aproveitados como individuais, pois a preocupação com o significado
oportunidade de aprendizagem e manejo de forma afeta as capacidades e repercute nos resultados de
construtiva. Para isso, requer-se do administrador toda a organização. >
Referências
ARENDT, Hannah. A condição HASSARD, John. Sociology and construtivismo na sala de aula.
humana. Rio de Janeiro: Forense organizational theory. Great São Paulo: Ática, 2001, p. 30-56.
Universitária, 2001. Britain: Cambridge University
SOLÉ, Isabel; ZABALA, Antoni.
Press, 1995.
BARNARD, Chester. As funções O construtivismo na sala de aula.
do executivo. São Paulo: Atlas, HELLER, Agnes. O cotidiano e São Paulo: Ática, 2001.
1971. a história. Rio de Janeiro: Paz e
SPINK, Mary Jane; MEDRADO,
Terra, 1992.
BRUNER, Jerome. Atos de Benedito. Produção de sentidos
significação. Porto Alegre: Artes KOSIK, K. Dialética do concreto. no cotidiano: uma abordagem
Médicas, 1997. Tradução de Célia Neves e teórico-metodológica para
Alderico Toríbio. 5. ed. Rio de análise das práticas discursivas.
BURRELL, Gibson; MORGAN,
Janeiro: Paz e Terra, 1989. In: SPINK, Mary Jane (Coord.).
Gareth. Sociological paradigms
Práticas discursivas e produção
and organizational analysis. MINTZBERG, Henry;
de sentidos no cotidiano. São
England: Arena, 1994. AHLSTRAND, Bruce; LAMPEL,
Paulo: Cortez, 1999.
Joseph. Safári de estratégia.
COLL, César; SOLÉ, Isabel.
Porto Alegre: Bookman, 2000. VIGOTSKI, L. S. Obras escogidas
Os professores e a concepção
II: problemas de psicologia
construtivista. In: SOLÉ, Isabel; MORGAN, Gareth. Imagens da
general. Madrid: Visor, 1993.
ZABALA, Antoni. O construtivismo organização. São Paulo: Atlas,
na sala de aula. São Paulo: Ática, 1996.
2001, p. 9-29.
SOLÉ, Isabel. Disponibilidade
HANDY, Charles. A era do para a aprendizagem e sentido
paradoxo. São Paulo: Makron da aprendizagem. In: SOLÉ,
Books, 1995. Isabel; ZABALA, Antoni. O