Você está na página 1de 19

1

XVII Congresso Brasileiro de Sociologia


20 a 23 de Julho de 2015, Porto Alegre (RS

GT18 - Novas configurações do trabalho nos espaços urbano e rural

Relações de Gênero e divisão sexual do trabalho na


indústria eletrônica

Angela Maria Carneiro Araújo


Departamento de ciência Política
Unicamp

Junho de 2015
2

Relações de Gênero e divisão sexual do trabalho na indústria eletrônica


Angela Maria Carneiro Araújo
RESUMO
Este texto pretende discutir as relações de gênero e as condições de trabalho de
homens e mulheres no setor eletroeletrônico na Região Metropolitana de Campinas. A
escolha do setor eletrônico deve-se tanto ao grande número de empresas multinacionais
produtoras de eletrônicos e equipamentos de informática que se instalou na região de
Campinas, a partir do final dos anos 90, quanto ao fato delas empregarem uma maioria de
mulheres (em média mais de 60%). A questão central a ser discutida é: até que ponto a
maior presença de mulheres nessas empresas altera a divisão sexual do trabalho no
interior das empresas, superando a visão tradicional que naturaliza suas habilidades e as
ocupa em tipos de trabalho considerados “leves” ou “delicados”. A pesquisa em andamento
utiliza dados da RAIS para identificar o perfil dos/as trabalhadores/as do setor - no que diz
respeito à idade, à situação familiar, à escolaridade, ao cargo, entre outros – e suas
condições de trabalho principalmente relativas à jornada de trabalho, ao salário e
benefícios. Inclui também a análise dos jornais sindicais e boletins de empresa, de modo a
identificar as denúncias relativas às condições de trabalho e à discriminação de gênero nas
empresas do setor. Os resultados preliminares indicam a predominância da divisão sexual
do trabalho tradicional, de relações e formas de controle autoritárias que contribuem para a
intensificação do trabalho e distintas formas de adoecimento dessas trabalhadoras.

Introdução
O objetivo deste artigo é o de compreender as mudanças recentes no trabalho na
indústria eletrônica a partir, de um lado, do caráter inovador deste setor, marcado pelo uso
de tecnologias de ponta, por novas concepções de trabalho e exigência de novas (e
renovadas) qualificações dos trabalhadores e, de outro, por um processo ainda presente
de precarização e intensificação do trabalho, possível pela simplificação das tarefas devido
às tecnologias informacionais em processos intensivos em mão de obra (feminina na
maioria dos casos) e pelos processos de terceirização.
Para o estudo desta dinâmica contraditória, que pode estar também marcada por
uma reconfiguração da divisão sexual do trabalho no interior de cada empresa e entre
empresas do setor, será discutida como tem se realizado a reestruturação desta indústria e
como se configura a sua cadeia produtiva, a partir de uma análise da bibliografia.
A perspectiva de análise da cadeia produtiva, como nos mostra Abramo (2005)
justifica-se por permitir verificar até que ponto os processos de inovação e as novas
qualificações/competências dos trabalhadores se espraiam para os seus elos inferiores,
geralmente integrados por empresas de porte médio e pequeno, fornecedoras ou
subcontratadas. Ou se, ao contrário, as cadeias desse setor se organizam a partir de
relações verticalizadas de poder, nas quais as empresas dominantes da cadeia adotam
predominantemente estratégias de competitividade baseadas na redução de custos,
3

levando a um processo de precarização tanto das condições de produção das empresas


subcontratadas/terceirizadas quanto das condições e relações de trabalho. Além disso,
como observa ainda esta autora, a incorporação da perspectiva de gênero na análise das
cadeias permite também investigar as configurações e reconfigurações da divisão sexual
do trabalho seja entre postos de trabalho e processos produtivos no interior das empresas,
seja entre empresas ao longo das cadeias.
O estudo da indústria eletroeletrônica justifica-se tanto por ela constituir o segmento
da indústria metalmecânica que mais emprega mulheres, o que contribui para a
observação das mudanças ou reconfigurações das relações de gênero no seu interior,
quanto ao fato da inovação tecnológica dos produtos se dar de modo contínuo e intenso,
exigindo adaptações frequentes dos processos produtivos e novas
qualificações/competências dos/as trabalhadores/as.
A escolha da região de Campinas, como local da pesquisa, deve-se ao fato dela ter
se constituído nas últimas décadas em uma região atrativa para os investimentos
industriais, como consequência do processo de desconcentração da indústria da Região
metropolitana de São Paulo em direção ao interior. Como uma região industrial já
consolidada, que contava com boa infraestrutura e com universidades e centros de
pesquisa importantes, Campinas vinha se configurando como um centro de alta tecnologia1
e recebeu, nos anos 1990 e 2000, uma nova onda de investimentos, com a instalação de
empresas, a maioria de capital estrangeiro, intensivas em tecnologia dos setores de
telecomunicações, informática, microeletrônica e optoeletrônica.2 Parte importante dessas
empresas concentra-se na Micro-Região de Campinas, mas também em outros municípios
da Meso-Região de Campinas, como Jundiaí, Limeira, Rio Claro e Piracicaba3.
Nos próximos itens, a partir da bibliografia disponível, discutiremos o processo de
reestruturação desta indústria, sua cadeia produtiva, a inserção das mulheres e a divisão
sexual do trabalho. A seguir apresentaremos uma análise dos dados da RAIS, relativos à
Micro Região de Campinas no que se refere a: número de empresas, número de

1
Secretaria do Planejamento e Desenvolvimento Regional. Caracterização Socioeconômica de São Paulo, Região
Administrativa de Campinas. Governo do Estado de São Paulo. Novembro de 2011.
2
Idem, p.25. Depois das primeiras empresas instaladas nos anos 80, como IBM, HP, Itautec e Texas, os investimentos se
intensificaram nos anos 90 e 2000, com a chegada, na região, de empresas como Lucent, Motorola, Nortel, Samsung,
Dell, Sanmina, Foxconn entre outras.
3
Idem, p.28. De acordo com os dados RAIS de 2008, as empresas dos sub-setores de Equipamentos de Informática,
Produtos Eletrônicos e Ópticos estão mais concentrados nos municípios de Campinas, Jundiaí, Jaguariúna, Indaiatuba e
Hortolândia, que juntos participam com 27% do total da produção do Estado de São Paulo, enquanto o sub-setor de
Máquinas, Aparelhos e Materiais Elétricos está mais presente nos municípios de Campinas, Rio Claro, Jundiaí e
Hortolândia, produzindo 22,3% do total do Estado.
4

trabalhadores/as por tamanho de empresa, perfil dos trabalhadores e trabalhadoras,


considerando as variáveis de idade, escolaridade, jornada de trabalho e salários.

A reestruturação e a transformação da cadeia produtiva da Indústria


Eletroeletrônica
No plano global, a reestruturação da indústria eletrônica intensificou- se na década
de 1990, incluindo um intenso processo de terceirização como um dos seus componentes
centrais. Até o final dos anos 80, as principais empresas multinacionais do setor eram
responsáveis pela totalidade ou grande parte das atividades inseridas na sua cadeia de
valor. Denominadas de OEM (Original Equipment Manufacturers), essas empresas
realizavam todas as etapas necessárias à produção dos produtos finais, como o design e
desenvolvimento do produto, a fabricação - que incluía desde a montagem de placas e
circuitos, à realização de testes e montagem do produto final -, o marketing e a logística
(BRAND, 2004). Contudo a necessidade de aumentar os investimentos em equipamentos,
tecnologias, capacitação de recursos humanos e em P&D (psquisa e desenvolvimento) de
modo a assegurar sua competitividade mediante a inovação constante de seus produtos,
levou grande parte dos fabricantes tradicionais de produtos eletrônicos – detentores das
marcas mais conhecidas – a terceirizar a logística e a montagem de placas e dos produtos
finais, vendendo suas fábricas para empresas subcontratadas que passaram a ser
definidas como CEMs (contract equipment manufacturers). As vantagens obtidas por elas
com essa estratégia estavam relacionadas com a rapidez de lançamento de novos
produtos, a agilidade e flexibilidade da produção, além da redução dos custos (Rodrigues,
2006: 7).
As empresas de manufatura contratada (CEMs), por sua vez, se consolidaram a
partir dos anos 2000, diversificando sua produção para atender a distintos clientes e
ampliando sua atuação nos mercados globais. Assim, muitas dessas empresas passaram
também a incorporar outras atividades como a compra de materiais, a seleção de
fornecedores, a produção de componentes mecânicos e eletrônicos, – placas de circuito
impresso, por exemplo -, o gerenciamento da cadeia de suprimentos, o desenvolvimento
de circuitos integrados sob encomenda, bem como o atendimento pós-venda
(RODRIGUES, 2006; GUTIERREZ, 2010).
Com a terceirização da montagem de seus produtos e da logística, as OEMs
passaram a se concentrar nas atividades consideradas estratégicas, por deterem o maior
valor agregado. Assim na cadeia produtiva da indústria eletrônica, as OEMs se
transformam em ODMs (Original Design Manufacturers) concentrando suas atividades no
5

design e desenvolvimento de produtos. Esta é a etapa na qual as inovações constantes


nos produtos são desenvolvidas, assegurando a competitividade da empresa nas demais
etapas e no cenário global. Ela também se caracteriza pela “forte interação de propriedade
e de capital intelectual” (BRAND, 2004: 128).
No segundo nível da cadeia estão, de acordo com Brand (2004), as atividades de
“Industrialização”, ou seja, de montagem de placas e equipamentos, realizada geralmente
pelas empresas de manufatura contratada (CEMs)4 ou por algumas OEMs. O terceiro nível
desta cadeia, a Comercialização, inclui as atividades de relacionamento com os clientes,
de marketing e de logística de distribuição, que são desenvolvidas tanto pelas CEMs
quanto pelas OEMs. No entanto, devido à agregação de valor e ao fato do relacionamento
com os clientes e do marketing poderem fornecer subsídios para o desenvolvimento
tecnológico e o lançamento de novos produtos, eles são desempenhados pelas OEMs,
detentores das marcas, que assim asseguram o controle do desenvolvimento de toda a
cadeia produtiva.
É possível perceber que a reestruturação deste setor envolveu também uma
reorganização da cadeia produtiva no plano global, com a terceirização tanto da produção
de partes (como gabinetes, monitores, cabos e conectores) quanto da montagem dos
produtivos finais, principalmente no subsetor de eletrônicos de consumo. Desse modo, as
grandes corporações detentoras das marcas internacionalmente reconhecidas, mantiveram
o controle direto sobre as atividades mais intensivas em tecnologia e voltadas para a
inovação de produtos e processos e terceirizaram a atividade central de manufatura e
montagem, mais intensiva em mão de obra e marcada por uma simplificação das tarefas,
de modo a poder incorporar trabalhadores e principalmente trabalhadoras, com baixa
qualificação em diferentes partes do globo, onde a redução do custo do trabalho se torna
uma vantagem comparativa.
Essa cadeia produtiva se expande globalmente na medida em que a divisão do
trabalho entre as detentoras da marca e do design dos produtos, as montadoras
contratadas e as empresas de distribuição permite a realocação da produção e distribuição
em distantes países e regiões do mundo. Essa divisão internacional do setor

4
Brand (2004), a partir de Sturgeon e Lee (2001), estabelece uma distinção entre as CEMs ou CMs (contract
manufacturing) e as EMs (Electronic Manufacturing Service) relacionada à abrangência das atividades desempenhadas.
As CEMs geralmente realizam atividades de produção (montagem), enquanto as EMS abrangem atividades de produção
e logística atendendo a clientes de todos os seguimentos do complexo eletrônico.
6

eletroeletrônico significa uma distribuição desigual entre países produtores de tecnologia e


os países montadores de placas e produtos finais.
Tabela 1 – Indústria Eletrônica: maiores fabricantes –
2005-2008 (em US$ bilhões)
Crescimento
País 2005 2008*
médio anual (%)
China 265,6 413,1 15,9
EUA 267,9 282,4 1,8
Japão 191,6 184,1 -1,3
Coreia do Sul 97,6 94,4 -1,1
Alemanha 70,9 81,5 4,8
Malásia 49,5 63,4 8,6
Cingapura 50,2 52,5 1,5
Taiwan 41,3 51,2 7,4
México 35,0 47,0 10,3
Brasil 21,2 37,8 21,2
Reino Unido 34,1 32,7 -1,3
França 32,8 32,4 -0,4
Tailândia 21,1 31,4 14,1
Fonte: Reed Electronics Research apud OCDE (2008), In Gutierrez
(2010: 11) * Projeção.

A Tabela 1 mostra a liderança dos Estados Unidos, onde se desenvolveram grande


parte das inovações e tecnologias eletrônicas e surgiram as principais marcas de
expressão global, “como IBM, Intel, HP, Dell, Apple, Motorola, Qualcomm, Texas
Instruments, Freescale e Cisco, para citar apenas algumas” (GUTIERREZ,2010:12). Mostra
também o grande crescimento da China, que ultrapassou os EUA a partir de 2006, e que
além de concentrar um grande número de filiais de empresas multinacionais, mantém
grandes fabricantes de capital nacional, especializados na produção de televisores,
produtos de áudio e vídeo, computadores e celulares.
É visível também a concentração e crescimento da produção de eletrônicos em
outros países asiáticos, além da China, apesar da redução na produção do Japão e da
Coréia do Sul. Esses dois países são líderes no desenvolvimento tecnológico de vários
bens e componentes eletrônicos, e detentores de grandes marcas mundiais5, mas tem
transferido parte de produção para outros países asiáticos e de outras regiões.
A Tabela 1 mostra ainda que dos maiores fabricantes europeus, apenas a Alemanha
teve crescimento no período, mantendo-se na liderança. De acordo com Gutierrez (2010),
parte da produção europeia tem sido deslocada para países do Leste Europeu, o que pode
explicar o crescimento de cinco destes países, que foi superior a 10% ao ano, entre 2005 e
2008, conforme a OCDE. Contudo, a produção de outros bens eletrônicos voltados para
aplicações específicas, como a “eletrônica embarcada em equipamentos de transporte,

5
As principais marcas japonesas são Sony, Toshiba, Panasonic, Sharp, Mitsubishi, Hitachi, NEC e Fujitsu e as coreanas
Samsung, LG e Hynix.
7

equipamentos de defesa e de uso aeroespacial, controle e automação de processos e


aparelhos médico-hospitalares” (Gutierrez, 2010:10), que tem uma escala menor de
produção, continuam concentrados nos países da Europa e da América do Norte.
Cabe mencionar ainda a posição conquistada pelo Brasil como o décimo produtor
mundial de eletrônicos no Brasil nos anos 2000, tendo se destacado como o país que teve
o maior crescimento no período, entre os países considerados. No entanto, diferente de
outros países emergentes como Índia, China e Coréia do Sul6, o Brasil não conseguiu
alcançar uma posição de destaque no mercado mundial.

A reestruturação do setor eletrônico no Brasil e a divisão sexual do trabalho


A literatura que trata dos processos de reestruturação da indústria eletroeletrônica
brasileira, apesar de tender a investigar esses processos em uma ou outra região onde
essa indústria se concentra, permite recuperar as linhas centrais das mudanças em
distintos momentos no tempo.
Os estudos têm mostrado que o processo de reestruturação neste setor tomou
impulso nos anos 90, a partir das políticas de liberalização e desregulamentação dos
mercados que, associadas à política de privatização, levaram ao aumento crescente da
concorrência com empresas estrangeiras e produtos importados. Se, de um lado, esse
processo facilitou a aquisição de novas tecnologias e o avanço da automação do setor, de
outro, teve como resultado a desnacionalização de parte importante dessa indústria,
devido à importação de componentes tecnologicamente mais avançados, do aumento do
investimento externo e da entrada de empresas multinacionais, em muitos casos por meio
de fusões e aquisições.
Assim, até meados dos anos 90, no segmento de eletrônica de consumo o país
contava com um conjunto de empresas de capital nacional produtoras de televisores, de
sistemas compactos de áudios e vídeo (Gradiente, CCE, Sharp, Semp). A velocidade das
inovações tecnológicas nos televisores e nos aparelhos de áudio e video somada à
competição com produtos das principais marcas mundiais levaram ao fechamento ou
aquisição de grande parte dessas empresas.
No setor de informática, o fim da reserva de mercado, estabelecido por lei em 1991,
e a abertura comercial levaram a um movimento tanto de associações e fusões com
empresas multinacionais7, quanto ao desaparecimento das empresas nacionais produtoras

6
Para desenvolver suas capacidades tecnológicas, esses países se basearam na transferência de tecnologia estrangeira.
Ver sobre isto Balbinot e Marques (2009)
7
Como as realizadas pela Itautec, Edisa, SID, Microtec, Monydata.
8

de computadores e periféricos8. Desde os anos 90 até o período recente, diversas


multinacionais do setor se instalaram no Brasil, dentre as quais se destacam a Compaq, a
Hewlett Packard, a Dell Computers, a Samsung e a LG entre outras.
No segmento de telecomunicações, enquanto durou o monopólio estatal (até 1998),
a Telebrás estabeleceu uma cooperação com a indústria de equipamentos, universidades
e centros de pesquisa que possibilitou “o desenvolvimento de importantes tecnologias, das
quais cabe destacar as centrais de comutação da família Trópico, os telefones públicos a
cartão indutivo e as fibras ópticas” (Tavares, 2001:6). As empresas multinacionais do setor
instaladas no país, nesse período, visavam ser favorecidas pelas compras estatais para o
sistema Telebrás, bem como desfrutar dos benefícios da Lei de Informática9.
Considerado um setor transversal e responsável pela difusão de inovações e pelos
ganhos de competitividade em todos os outros setores da economia, a indústria
eletroeletrônica, tem sido objeto de políticas governamentais específicas voltadas para a
redução das vulnerabilidades e para o aproveitamento das mudanças tecnológicas
(Balbinot e Marques, 2009). Contudo, as políticas específicas nem sempre levaram à
esperada redução do gap tecnológico, pois, apesar da entrada de grandes corporações
multinacionais no país, a dependência externa em relação ao avanço tecnológico não foi
reduzida, levando a grandes volumes de importação de insumos e componentes e a
dificuldades para aumentar as exportações e reduzir o déficit da balança comercial do
setor.
Isso ocorre em grande medida devido ao fato da produção nacional ter se
especializado principalmente em produtos de níveis médios de sofisticação, uma vez que o
país não atraiu empresas especializadas no design e desenvolvimento de produtos, nem
conseguiu realizar internamente a produção de componentes microeletrônicos,
principalmente dos circuitos integrados. Como observa Gutierrez (2010:6/7), “a inexistência
dessa indústria está simbioticamente ligada à não realização de projeto de bens finais
eletrônicos localmente”. Com isso as empresas dos demais segmentos do complexo
eletrônico, principalmente as fabricantes dos eletrônicos de consumo, tornam-se
montadoras de produtos voltados para o mercado interno, se utilizando basicamente de
componentes importados.
No que diz respeito ao processo de reestruturação do complexo eletrônico, como
tem indicado a literatura existente (Mafra, 2003; Oliveira, 3003; Marques, 2008; Ferreira et

8
Tais como Prológica, Scopus, Labo, Microlab.
9
Leis 8.248/91; 10.176/01 e 11.077/04)
9

alli, 2009), as empresas do setor no Brasil, na busca de aumentar sua produtividade,


reduzir desperdícios e melhorar a qualidade de seus processos e produtos, de modo a
obter vantagens competitivas e se afirmar no mercado em um cenário de acirrada
competição, passaram a adotar boa parte dos métodos de gestão associados em grande
medida ao "modelo japonês". Várias pesquisas realizadas no setor mostram que as
mudanças na organização da produção e do trabalho passaram pelo emprego de vários
métodos como o Just-in-time, o Kanban, a Qualidade Total, Reengenharia de processo,
assim como pela utilização de equipes de trabalho, CCQs, pela rotação de tarefas e/ou
multifuncionalidade dos trabalhadores e outras formas de obter o seu envolvimento.
Além disso, a busca por maior flexibilidade e redução de custos levou as empresas
eletrônicas a adotarem também a terceirização de forma cada vez mais ampliada.
Pesquisas recentes realizadas em empresas desse setor na Zona Franca de Manaus
mostram que a terceirização não atinge apenas as atividades indiretas, como limpeza,
restaurante, vigilância e transporte, por exemplo, mas envolve trabalhadores e técnicos
vinculados a distintas áreas do processo produtivo, como a manutenção, a engenharia de
processo e produto, a qualidade, o planejamento e controle, a administração de recursos
humanos e vendas, além da subcontratação para encomendas de serviços ligados à
produção, principalmente em períodos de maior demanda (Oliveira, 2006). Oliveira (2006)
observou a tendência de aumento da contratação de terceirizados, que chegava, em
algumas empresas, a mais de 30% do total de trabalhadores10, com a consequente
precarização das relações de trabalho devido à redução de salários, ao aumento da
rotatividade e da insegurança.
Essa autora aponta ainda que os distintos métodos gerenciais identificados com o
modelo japonês estavam presentes na fala dos gerentes, o seu emprego, contudo, não
significou maior democratização no espaço fabril, apesar de ter se observado uma
melhoria nas relações interpessoais, provavelmente devido à adoção de programas de
qualidade e de práticas de envolvimento dos trabalhadores. O que predomina nessas
empresas é uma adaptação das formas tayloristas de organização do trabalho, com a
persistência do parcelamento de tarefas, do trabalho repetitivo, da organização em linhas
de montagem; da padronização de peças e de formas verticais e rígidas de controle e

10
Uma alta porcentagem de contratação de trabalhadores terceirizados para a produção foi observado no estudo de uma
empresa na Região de Campinas, realizado por Guimarães e Leite (2013)
10

gestão do trabalho11. Para ela, portanto, a reestruturação da indústria eletroeletrônica da


ZFM, ocorreu de forma parcial e heterogênea, não chegando a realizar uma transformação
sistêmica e sem contradições, em direção ao paradigma considerado como “pós-fordista”,
por alguns autores ou como toyotista, por outros.
Estudando quatro empresas montadoras da Zona Franca de Manaus (ZFM), Oliveira
enfatizou a redução dos níveis hierárquicos e do contingente de trabalhadores como parte
do processo de reestruturação e de ampliação da automação da produção. No entanto, ela
mostra que mesmo nas áreas de inserção automática, consideradas as mais importantes
do processo produtivo dessas empresas, a operação dos novos equipamentos foi
simplificada, permitindo que cada operador/a supervisionasse mais de uma máquina. A
simplificação das tarefas com o consequente esvaziamento do seu conteúdo permitiu que
boa parte dos trabalhadores fosse substituída por mulheres, geralmente advindas da
produção manual, sem necessidade de qualificação específica e, por isto mesmo, com
salários mais baixos. A autora salienta que as trabalhadoras são treinadas apenas para
supervisão dos equipamentos. Os trabalhos de manutenção técnica são realizados
somente por homens, técnicos e engenheiros. Para ela há, sem dúvida, uma correlação
bastante recorrente entre trabalho feminino e postos taylorizados.
Essa divisão sexual do trabalho que destina aos homens a operação de máquinas
tecnologicamente mais avançadas e os postos mais dotados de atributos e conhecimentos técnicos
e, ao mesmo tempo, concentra as trabalhadoras nas atividades de montagem, geralmente menos
densas em tecnologia, marcadas por tarefas repetitivas e simplificadas, por uma intensificação do
trabalho e salários muito baixos, foi observada por outras estudiosas das reconfigurações do
trabalho na indústria eletrônica (Guimarães e Leite, 2013; Rodrigues, 2006; Moraes, 2008; Hirata,
2002), bem como por pesquisadoras de outros setores da indústria. A feminização das empresas
do setor eletrônico tem sido observada no Brasil como também se observou nos países do sudeste
asiático, na fase de crescimento da produção de bens tecnológicos guiado pela exportação.
Nesses países, no período recente, verifica-se uma tendência à intensificação tecnológica que
leva quase ao desaparecimento do emprego das mulheres nas empresas e segmentos
mais densos tecnologicamente (CEPAL, 2013). Como observa o relatório da CEPAL (2013:33) a
inserção das trabalhadoras nesse setor marcado pelas TICs, mostra que “persistem as
típicas barreiras e mecanismos discriminatórios para o desempenho laboral das mulheres,

11
Visão semelhante sobre a organização do processo produtivo e a divisão sexual do trabalho no interior da fábrica, foi
apresentada por Guimarães e Leite (2013), no estudo já mencionado, realizado em empresa eletrônica da Região de
Campinas.
11

como a inserção em postos de trabalho de menor responsabilidade, menor salário por igual
trabalho e menos oportunidades de capacitação e de ascensão laboral”.

O perfil dos trabalhadores e trabalhadores da indústria eletrônica – Micro- Região de


Campinas

Para conhecer, mesmo que de forma aproximativa, as características dos


trabalhadores e trabalhadores ocupados na indústria eletrônica da Micro-Região de
Campinas utilizamos os dados da RAIS para analisar o perfil desses trabalhadores
utilizando variáveis como idade, escolaridade, tamanho da empresa e rendimentos, bem
como para verificar o crescimento do número de empresas e do emprego de homens e
mulheres neste setor nos anos 2000.
Os dados da Tabela 2 mostram que houve um crescimento expressivo do número
de empresas do setor eletrônico na Micro-Região de Campinas, de 37,7% no total,
indicando o dinamismo dessa indústria que acompanhou o crescimento da economia
brasileira no período e, de certo modo, não sofreu de forma significativa, o impacto da crise
mundial de 2008/2009. Cabe considerar, no entanto, que a maior expansão ocorreu entre
as micro e pequenas empresas, sendo que as primeiras com até 9 empregados tiveram
um crescimento de 70,8%, enquanto as que tem de 10 a 49 empregados cresceram 135,8% no
período. Já as o número de empresas de 50 a 99 empregados não sofreu grande alteração, apesar
de algumas flutuações ao longo da década.
A Tabela permite observar também que o número de empresas de médio e grande portes
sofreu flutuações longo do período, que podem estar relacionadas com as fusões e aquisições
ocorridas no setor ou com a perda de competitividade e à falência, frente à concorrência de
empresas multinacionais.

Tabela 2
Número de Empresas por tamanho Indústria Eletrônica – Micro Região de Campinas, 2000 a 2013
Tamanho da
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
empresa*
Até 9 empregados 79 68 81 94 99 90 84 92 95 104 96 112 122 135
De 10 a 49 39 54 59 56 58 71 67 70 79 75 81 88 94 92
De 50 a 99 23 25 23 23 18 17 23 23 24 24 22 28 26 22
De 100 a 499 29 25 22 21 24 26 25 29 29 28 33 29 27 25
Mais de 500 5 5 4 6 6 6 6 7 6 5 6 5 6 7
Total 175 177 189 200 205 210 205 221 233 236 238 262 275 281
Fonte: RAIS 2000/2013 - *Tamanho da empresa é definido pela quantidade de empregados

Quanto ao emprego na indústria eletrônica, a Tabela 3 indica que houve um crescimento de


33,3% no número de trabalhadores empregados, com a geração de 4.752 postos de trabalho. A
utilização da categoria gênero, representada nesta tabela pela variável sexo, permite visualizar que
12

esse crescimento foi muito maior para as mulheres do que para os homens. As trabalhadoras eram
4181 em 2000 e 8066 em 2013, um crescimento de 92,9%. Já os trabalhadores, que viram crescer
suas oportunidades de inserção no setor após a crise de 2008/2009, recuperando e até superando
o patamar de empregos que detinham em 2007, sofreram uma perda de 811 postos de trabalho
entre 2012 e 2013. Assim, nos 14 anos que estamos considerando, o crescimento do emprego
masculino foi de apenas 8,6%.

Tabela 3
Ocupação por Sexo na Indústria eletrôncia - Micro-Região de Campinas/ 2000-2013
Sexo 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Homens 10078 8541 8110 9135 9578 10913 9456 11372 11091 9742 10820 11668 11756 10945
Mulheres 4181 3370 3721 4142 5111 6132 5820 8119 7327 6505 7260 7449 7744 8066
Total 14259 11911 11831 13277 14689 17045 15276 19491 18418 16247 18080 19117 19500 19011

O cruzamento dos dados relativos a sexo e número de ocupados por tamanho de empresa
(Tabela 4) permite visualizar que 57,8% das mulheres ocupadas na indústria eletrônica da Região
de Campinas estão inseridas nas grandes empresas, com mais de 500 empregados. Foi também
nessas empresas que ocorreu o maior crescimento do emprego feminino no setor, no período
considerado: 320,6%, enquanto o emprego masculino cresceu 33,5/%. Provavelmente este grande
crescimento da ocupação das mulheres nas grandes empresas corresponde à instalação na
Região de novas empresas de manufatura contratada que incorpora prioritariamente mulheres nas
linhas de montagem. Porém, o aumento da participação das trabalhadoras foi proporcionalmente
superior à dos trabalhadores também nas micro e pequenas empresas de 10 a 49 empregados.
Mesmo nas pequenas empresas que tem de 50 a 99 empregados, a participação feminina teve um
aumento modesto de 9,6%, enquanto os trabalhadores tiveram seus postos de trabalhos reduzidos
em 20,9%. Algo semelhante ocorreu nas médias empresas: enquanto os homens tiveram um
decréscimo na sua participação de 24,7%, o emprego das mulheres sofreu oscilações ao longo do
período, mas chegou em 2013 com o mesmo número de postos de trabalhos detidos em 2000.

Tabela 4
Número de ocupados por sexo e tamanho da empresa – Indústria Eletrônica
Micro-Região de Campinas/ 2000-2013
Tamanho da Crescimento
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2013
empresa Sexo no período
Até 9 Masculino 280 266 280 238 225 277 343 378 35%
empregados Feminino 78 77 119 101 107 104 134 184 57,6
Masculino 589 862 900 942 1149 1149 1468 1377 133,7%
De 10 a 49
Feminino 243 473 471 466 606 505 734 698 187,2%.
Masculino 1045 989 703 865 937 943 1123 826 -20,9%
De 50 a 99
Feminino 706 677 512 725 716 641 738 774 9,6%
Masculino 4358 3020 3217 3114 4126 3986 3701 3280 24,7%
De 100 a 499
Feminino 1746 1437 1729 1586 1753 2194 1805 1747 -
Masculino 3806 2973 4478 4297 4654 4465 5121 5084 33,5%
Mais de 500
Feminino 1408 1057 2280 2942 4145 3816 4333 4663 320,6%
Total 14259 11831 14689 15276 18418 18080 19500 19011 33,3%
13

Quanto á idade dos trabalhadores, a Tabela 5 mostra que tem se reduzido muito o
emprego de menores de 18, assim o pequeno aumento observado a partir de 2010, pode
estar relacionado com os incentivos governamentais para a incorporação de jovens
aprendizes. Mostra também que a maioria dos trabalhadores e das trabalhadoras
empregadas no setor eletrônico está concentrada em duas faixas etárias: na de 18 a 29
anos, e em segundo lugar na de 30 a 39 anos. No entanto, observa-se um crescimento de
108,8% no emprego de mulheres na faixa dos 40 aos 49 anos e um crescimento
proporcionalmente muito maior no emprego das que tem mais de 50 anos, de 408,3%. Os
homens de 40 a 49 anos mantiveram uma participação relativamente estável ao longo do
período, mas aqueles com mais de 50 anos, que correspondem a 9,6%% do total de
trabalhadores empregados em 2013, tiveram um crescimento na sua participação de
147,4%. É possível afirmar, portanto, que a indústria eletrônica empregou na década de
2000, uma alta quantidade de jovens na faixa dos 18 aos 29 anos, homens e mulheres,
que no conjunto perfazem 41,9% de sua força de trabalho, mas que tem empregado
também homens, mas crescentemente mulheres nas faixas dos 40 e dos 50 anos.

Tabela 5
Número de ocupados por Faixa Etária e Sexo na Indústria Eletrônica – Micro-Região de Campinas – 222-2013
Faixa
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
etária
Masc. 107 74 68 45 48 69 56 58 54 46 36 53 62 84
10 A 17
Fem. 12 6 9 8 9 6 4 10 10 6 6 9 13 26
Masc. 4671 3762 3321 3898 4201 4675 4195 5260 5027 4149 4594 5022 4879 4293
18 A 29
Fem. 2186 1606 1726 1926 2699 3233 3152 4749 4096 3515 3842 3798 3765 3685
Masc. 3169 2687 2608 2817 2889 3234 2762 3170 3138 2922 3348 3641 3790 3674
30 A 39
Fem. 1415 1209 1354 1504 1609 1919 1736 2255 2151 1996 2292 2486 2712 2989
Masc. 1659 1532 1583 1736 1733 2049 1658 1925 1891 1730 1818 1842 1836 1726
40 A 49
Fem. 508 480 553 607 689 835 784 917 868 798 905 921 986 1061
50 OU Masc. 472 486 530 639 707 886 785 959 981 895 1024 1110 1189 1168
MAIS Fem. 60 69 79 97 105 139 144 188 202 190 215 235 268 305
Total 14259 11911 11831 13277 14689 17045 15276 19491 18418 16247 18080 19117 19500 19011

O nível de escolaridade dos trabalhadores do setor eletrônico aparece na Tabela 6,


em cruzamento com o sexo. Esses dados nos informam que houve uma redução drástica
de trabalhadores e trabalhadoras cuja escolaridade se restringe ao Fundamental
Incompleto. Também na faixa do Fundamental Completo e do Ensino Médio incompleto os
14

trabalhadores perderam 57,8% dos seus postos de trabalho, enquanto as mulheres eram
1404 em 2000, ficaram reduzidas a apenas 499 em 2013.
A exigência de escolaridade mais alta – no mínimo o ensino médio completo – como
critério para recrutar trabalhadores nesse setor da indústria, teve efeito importante no
crescimento da contratação de homens e mulheres com esta faixa etária ou maior. A
Tabela 6 mostra que a contratação de trabalhadores com ensino médio completo cresceu
79,7% enquanto o emprego de trabalhadoras com o mesmo grau de instrução aumentou
299%. De modo semelhante ocorreu no período a contratação de 754 homens com superior
completo, mas as mulheres com o mesmo nível de escolaridade não tiveram a mesma sorte, pois
para elas apenas 369 contratações foram realizadas. Como na maioria dos casos pessoas com
nível superior são contratadas para cargos técnicos ou de chefia e supervisão, com maiores
responsabilidades, as percepções de gênero que definem cargos e atividades mais apropriadas
para homens e mulheres operam criando barreiras ao acesso das trabalhadoras a esses cargos.
Tabela 6
Número de ocupados por sexo e escolaridade – Ind. Eletrônica da Micro-
Região de Campinas
Escolaridade Sexo 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2013
Masculino 1883 931 733 655 728 422 572 461
Fundamental
Incompleto Feminino 540 339 266 226 205 188 148 134
Masculino 2557 1696 1682 1660 1571 1196 1277 1079
Fundamental Completo e
Ens. Médio incompleto Feminino 1404 997 960 899 785 653 523 499
Masculino 3780 3513 4648 5093 6486 5953 7284 6793
Ens. Médio Completo e
Superior incompleto Feminino 1614 1751 2906 4040 5556 5571 6134 6441
Masculino 1858 1970 2515 2048 2306 3249 2623 2612
Superior Completo
Feminino 623 634 979 655 781 848 939 992
Total 14259 11831 14689 15276 18418 18080 19500 19011

Por fim, cabe discutir os rendimentos auferidos pelos trabalhadores e trabalhadoras


desse setor da indústria considerando também o nível de escolaridade, num comparação
entre 2000 e 2013. Os dados da Tabela 7 mostram que ocorreu uma queda drástica no
número de trabalhadores analfabetos, tanto homens como mulheres, bem como no
número de homens que recebiam até 1 salário mínimo. Mas aumentou ligeiramente o
número de mulheres nesse nível salarial entre 2000 e 2013, sendo todas elas com
escolaridade inferior ao ensino médio completo.
Observa-se também que em 2000, entre os 134 trabalhadores que ganhavam de 1 a
2 SM, predominavam os e as que tinham níveis de escolaridade mais baixos
correspondentes no máximo ao Ensino Médio Incompleto. Contudo, 11 mulheres 8 homens
que tinham o Ensino Médio completo ou mais, permaneciam neste patamar salarial. Os
dados permitem perceber que em 2000, não havia uma relação estreita entre maior
15

escolarização e maiores rendimentos. Assim, mesmo nos patamares salariais mais


elevados era possível encontrar, principalmente homens com níveis de escolaridade baixa,
como 4ª série incompleta ou completa, 8ª série incompleta ou fundamental completo.
Apenas entre os que recebiam mais de 20 salários mínimos encontra-se uma maior
concentração dos que tem superior completo. Contudo, mesmo neste nível salarial mais
elevado figuram 8 trabalhadores analfabetos, 34 com o fundamental completo, 16 com o 2º
grau incompleto e 334 que tem o 2º grau completo ou o Superior incompleto.
Cabe ainda salientar que a maioria das trabalhadoras (2800 do total de 4174) estava
concentrada nas faixas de rendimentos de 4 a 7 SM e menores, enquanto os homens, ao
contrário, se concentravam nas faixas de 4 a 7 SM e maiores (7610 do total de 10020).
Os dados relativos ao ano de 2013 mostram um padrão que é quase o oposto desse
descrito acima. Verifica-se, primeiramente, que ocorreu ao longo da década um aumento
Tabela 7 - Rendimentos por sexo e escolaridade na Indústria Eletrônica da Micro Região de Campinas
2000
Remuneração em
Salários Mínimos 2a4 4a7 7 a 10 Mais de 20 Total
Até 1 SM 1 a 2 SM 10 a 20 SM
SM SM SM SM Geral
Escolaridade* M F M F M F M F M F M F M F
Analfabeto 0 0 0 0 16 10 10 4 6 1 3 1 8 1 60
4ª Série Incompleto 1 0 0 0 113 32 90 16 25 3 15 0 2 0 297
4ª Série Completa 0 0 6 3 255 97 250 30 79 12 62 1 1 0 796
8ª Série Incompleto 5 1 26 2 443 251 282 59 90 13 85 3 7 0 1267
8ª Série Completa 7 1 29 33 596 670 585 245 258 79 143 11 34 0 2691
2º Grau Incompleto 13 1 15 1 371 203 292 113 111 32 85 12 16 0 1265
2º Grau Completo 1 3 7 11 481 339 1051 575 838 387 752 123 224 13 4805
Superior Incompleto 0 0 1 0 19 13 78 31 56 39 159 65 110 14 585
Superior Completo 0 0 0 0 5 10 42 46 47 47 329 190 1385 327 2428
Total 27 6 84 50 2299 1625 2680 1119 1510 613 1633 406 1787 355 14194
2013
Remuneração em
Salários Mínimos Até 1 1a2 2a4 4a7 7 a 10 Mais de 20
10 a 20 SM Total
SM SM SM SM SM SM
Geral
Escolaridade** M F M F M F M F M F M F M F
Analfabeto 0 0 1 1 1 0 4 0 0 0 0 0 0 0 7
Até 5º ano Incompl.. 0 1 14 14 27 4 14 0 5 0 0 0 0 0 79
5ª ano Completo. 0 0 14 15 38 5 38 1 19 0 1 0 0 0 131
6ª ao 9ª ano 1 0 42 51 115 20 69 2 22 0 9 0 0 0 331
Fundamental
0 2 72 130 230 94 170 8 55 0 13 0 2 0 776
Completo
Médio Incompleto 6 1 212 161 150 73 87 9 40 1 19 0 0 0 759
Médio Completo 5 5 895 1827 3352 4019 1421 289 403 29 208 9 8 1 12471
Superior Inc. 0 0 36 42 141 113 154 50 68 12 60 9 8 2 694
Superior Compl. 0 0 26 36 290 291 492 251 540 179 972 192 286 40 3595

Total 12 9 1312 2277 4344 4618 2449 610 1152 221 1282 210 304 43 18843

Fonte: RAIS (elaboração própria) *2005-1985 **Definição a partir de 2005


16

do número de trabalhadores e trabalhadoras contratados nos níveis mais baixos de


remuneração. Na faixa de 1 a 2 SM estão 3589 trabalhadores, mas 2277 mulheres e 1312
homens. A faixa seguinte, de 2 a 4 SM, concentra 47,5% dos trabalhadores empregados,
sendo 4618 mulheres e 4344 homens. Contudo, mesmo nesses níveis salariais mais
baixos é possível constatar que a maioria dos trabalhadores, mas principalmente das
trabalhadoras, tem níveis de escolaridade que correspondem ao ensino médio completo ou
mais. Essa mudança indica as novas exigências das empresas para recrutar
trabalhadores/as, que inclui o ensino médio completo além de outras qualificações e
habilidades.
No entanto, como observa Oliveira (2006), em geral a qualificação exigida pelas
empresas do setor eletrônico não coincide com os conhecimentos que são mobilizados na
execução das atividades de montagem ou pelos operadores de máquinas. Exigências
como conhecimentos básicos em eletrônica e em informática, além do nível médio de
escolaridade e conhecimento de língua estrangeira (inglês) foram identificadas por ela nas
empresas pesquisadas na Zona Franca de Manaus. Mas em muitos casos é a experiência
profissional do/a trabalhador/a e seu conhecimento tácito que influenciam na decisão de
contratá-lo/a.
Voltando à Tabela 7, constatamos também que, em 2013, na medida em aumenta a
quantidade de trabalhadores e trabalhadores nos níveis mais baixos de remuneração, são
reduzidos os postos de trabalho com remuneração superior a 7 SM, ao mesmo tempo em
que aumenta a concentração nesses níveis salariais de trabalhadores e, principalmente
das trabalhadoras,que tem ensino superior completo. A tabela permite visualizar o
desaparecimento de mulheres com escolaridade inferior ao ensino médio completo das
remunerados com os maiores salários. Nos postos com remuneração acima dos 10 SM,
além da pequena proporção de mulheres em comparação com os homens - elas eram 253
contra 1586 trabalhadores – elas tinham na sua quase totalidade diplomas de nível
superior, enquanto entre eles, principalmente na faixa dos 10 aos 20 salários mínimos,
continuam presentes trabalhadores com nível de escolaridade abaixo do ensino médio
completo.
Repete-se neste ramo de alta tecnologia as condições desiguais de acesso e de
oportunidades de carreira, bem como as desigualdades salariais entre homens e mulheres
que já observamos em estudos anteriores (Araújo e Ferreira, 2009; Araújo e Oliveira, 2006;
Araújo e Lombardi, 2013). Crescimento das empresas do setor eletrônico na Região de
Campinas abriu oportunidades de inserção das trabalhadoras no emprego formal em
17

grandes fabricantes transnacionais de produtos marcados pela inovação tecnológica


constante, o que levou a uma alteração substantiva na composição de gênero da força de
trabalho desse setor, na medida em que as mulheres constituem 42% de todos os
ocupados nesse setor. No entanto, em geral mais escolarizadas que os homens, as
mulheres tem poucas ou quase nenhuma oportunidade de serem selecionadas para a
operação de máquinas mais densas em tecnologia, para postos em que são necessários
conhecimentos técnicos ou responsabilidades de chefia e supervisão mesmo tendo as
qualificações para tanto. São, portanto, em sua grande maioria, recrutadas para atividades
administrativas de menor complexidade, para as operações manuais de montagem ou as
que utilizam tecnologia de inserção automática (SMT ou Surface Mount Technology), como
no caso da montagem de placas de circuito impresso. Esses postos são marcados pela
repetição de tarefas simples, pela intensificação do trabalho, por condições de trabalho
nem sempre adequadas por uma alta rotatividade e por salários muito baixos.
Por essas razões só nos resta concordar com o título dado por Pilar Guimarães e Márcia
Leite ao seu artigo sobre uma empresa desse setor na região de Campinas (2013), pois
para a maioria das trabalhadoras das empresas eletrônicas, de fato “Tudo muda e nada
muda”.

REFERÊNCIAS:

ABINEE. Consolidação da pesquisa com as pequenas e médias empresas do setor


eletroeletrônico. 2010b. Disponível em: www.abinee.org.br/informac/arquivos/pan2010.pdf.
Acesso em: 23 nov. 2010.
ABRAMO .Laís W. (2005) "Cadeias produtivas, segmentação de gênero e novas formas de
regulação: notas metodológicas a partir de uma experiência de pesquisa" in Gitahy, l. Y Leite,
M. (org) Novas tramas produtivas: Uma discussão teórico-metodológica. São Paulo, Ed.
SENAC.
ARAUJO, Angela M. C.; OLIVEIRA, Eleonora M. Reestruturação produtiva e saúde no setor
metalúrgico: a percepção das trabalhadoras. Sociedade e Estado, v. 21, n. 1, p. 169-198,
2006.
ARAÚJO, Angela M. C. e FERREIRA, Verônica C. “Terceirização e relações de gênero” in Drau,
Denise M.; Rodrigues, Iram J; e Conceição, Jefferson J. (orgs.) Terceirização no Brasil. Do
discurso da inovação à precarização do trabalho. São Paulo: Annablume/ CUT, 2009 ( p. 129-
150).
ARAÚJO, Angela M. C e LOMBARDI, Maria Rosa. "Trabalho Informal, Gênero e Raça no Brasil do
início do século XXI", in Cadernos de Pesquisa, vol. 43, Nº 149, p. 452/477, maio/agosto de
2013.
BALBINOT, Zandra e MARQUES, Rosane A. "Alianças Estratégicas como Condicionantes do
Desenvolvimento da Capacidade Tecnológica: o Caso de Cinco Empresas do Setor
18

Eletroeletrônico Brasileiro" In: Revista de Administração Contemporânea, v. 13, n. 4, pp. 604-


625, Curitiba: Out./Dez. 2009.
BRAND, Fabiane Cristina . Sistemática de apoio ao processo de decisão quanto à terceirização no
contexto de uma cadeia produtiva – o caso da cadeia eletroeletrônica gaúcha. Dissertação de
Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da UFRGS, Porto
Alegre, 2004.
CEPAL. Mulheres na economia digital. Superar o limiar da desigualdade. XII Conferência Regional
sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, Santo Domingo, 15 a 18 de outubro de 2013.
FERREIRA Fº, Hélio R., CORREA, A. de C., BELTRÃO, Norma E. S, OLIVEIRA, R. M. S. e SILVA,
R. C. "Desenvolvimento de cadeias de suprimento no setor eletro-eletrônico da Zona Franca
de Manaus", Anais do V Congresso Nacional de Excelência em Gestão, julho de 2009.
Disponível em http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAYj4AF/desenvolvimento-cadeias-
suprimento-no-setor-eletroeletronico-zona-franca-manaus (Acesso em 1º/03/2014).
GONÇALVES, Robson R. "O setor de bens de eletrônicos de consumo no Brasil: uma análise de
seu desempenho recente e perspectivas de evolução futura. Texto para Discussão Nº 476,
IPEA, 1998.
GUIMARÃES, Pilar C. e LEITE, Márcia de P. “Tudo muda e nada muda: as implicações do uso das
tecnologias de informação sobre o trabalho das mulheres no setor eletroeletrônico”. Anais
Eletrônicos do Seminário Internacional Fazendo Gênero 10, Florianópolis, 2013.
GUTIERREZ, Regina M. Vinhais. “Complexo eletrônico: Lei de Informática e competitividade”.
BNDS Setorial, nº 31, junho de 2010, p. 5-48.
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecim
ento/bnset/set3101.pdf (Acesso em 25/05/2015).
HIRATA, Helena S. Nova divisão sexual do trabalho? Um olhar voltado para a empresa e a
sociedade. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002
KRONMEYER FILHO, O.R.; FACHINELLO, T.; KLIEMANN NETO, F.J. “O mapeamento da cadeia
eletroeletrônica no RS: um mapeamento inicial”. Anais do XXIV Encontro Nacional de
Engenharia de Produção. 03-05 nov, Florianópolis, 2004.
MAFRA, Rafael A. Reestruturação produtiva e modos de gestão de pessoas em uma empresa do
setor eletroeletrônico de Santa Catarina. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-
Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre,
RGS, 2003.
MAFRA, R.; GRISCI, C.L.I. Reestruturação produtiva e modos de gestão de pessoas em uma
empresa do setor eletroeletrônico de Santa Catarina. Revista Eletrônica de Administração, v.
10, n. 3,p. 1-24, 2004.
MORAES, Rosângela D. Prazer-sofrimento e saúde no trabalho com automação: estudo com
operadores em indústrias japonesas do Pólo Industrial de Manaus. Tese de Doutorado.
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido.
Universidade Federal do Pará. Belém - Pará, 2008.
OLIVEIRA, Selma S. Baçal de "O processo produtivo da indústria eletroeletrônica e a qualificação
dos trabalhadores no pólo industrial de Manaus". Perspectiva, v. 24, n. 2, p. 687-706,
Florianópolis, jul./dez. 2006
CNM/CUT (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS METALÚRGICOS); DIEESE (DEPARTAMENTO
INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS). Setor
eletroeletrônico no Brasil: texto de apoio com informações gerais. 2010. Disponível em:
<www.imfmetal.org/files/10041915024410005/Dorival_Jesus_do_Nacimento.pdf Acesso em:
21/11/ 2010.
19

CARLO, Juliana de e BULGACOV, Yára L. M., "Noções de “trabalho feminino” no chão de fábrica
de uma empresa líder no setor de eletrodomésticos". Revista Psicologia: Organizações e
Trabalho, VOL. 7, Nº 1, janeiro - junho 2007, p.107-130.
RODRIGUES, Iana Araújo. Implementação de técnicas da produção enxuta numa empresa de
manufatura contratada do setor eletroeletrônico. Dissertação de Mestrado em Engenharia de
Produção, Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte -
MG - 2006
SUFRAMA. Página eletrônica: <http://www.suframa.gov.br/>. Acessada em 20/06/2012.
TAVARES, W. M. L. (2001). A indústria eletrônica no Brasil e seu impacto sobre a balança
comercial. Consultoria Legislativa. Brasília: Câmara dos Deputados, 2001. Disponível em
http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/pdf/108604.pdf
(Acesso em 01/03/2014)

Você também pode gostar