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Junho de 2015
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Introdução
O objetivo deste artigo é o de compreender as mudanças recentes no trabalho na
indústria eletrônica a partir, de um lado, do caráter inovador deste setor, marcado pelo uso
de tecnologias de ponta, por novas concepções de trabalho e exigência de novas (e
renovadas) qualificações dos trabalhadores e, de outro, por um processo ainda presente
de precarização e intensificação do trabalho, possível pela simplificação das tarefas devido
às tecnologias informacionais em processos intensivos em mão de obra (feminina na
maioria dos casos) e pelos processos de terceirização.
Para o estudo desta dinâmica contraditória, que pode estar também marcada por
uma reconfiguração da divisão sexual do trabalho no interior de cada empresa e entre
empresas do setor, será discutida como tem se realizado a reestruturação desta indústria e
como se configura a sua cadeia produtiva, a partir de uma análise da bibliografia.
A perspectiva de análise da cadeia produtiva, como nos mostra Abramo (2005)
justifica-se por permitir verificar até que ponto os processos de inovação e as novas
qualificações/competências dos trabalhadores se espraiam para os seus elos inferiores,
geralmente integrados por empresas de porte médio e pequeno, fornecedoras ou
subcontratadas. Ou se, ao contrário, as cadeias desse setor se organizam a partir de
relações verticalizadas de poder, nas quais as empresas dominantes da cadeia adotam
predominantemente estratégias de competitividade baseadas na redução de custos,
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Secretaria do Planejamento e Desenvolvimento Regional. Caracterização Socioeconômica de São Paulo, Região
Administrativa de Campinas. Governo do Estado de São Paulo. Novembro de 2011.
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Idem, p.25. Depois das primeiras empresas instaladas nos anos 80, como IBM, HP, Itautec e Texas, os investimentos se
intensificaram nos anos 90 e 2000, com a chegada, na região, de empresas como Lucent, Motorola, Nortel, Samsung,
Dell, Sanmina, Foxconn entre outras.
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Idem, p.28. De acordo com os dados RAIS de 2008, as empresas dos sub-setores de Equipamentos de Informática,
Produtos Eletrônicos e Ópticos estão mais concentrados nos municípios de Campinas, Jundiaí, Jaguariúna, Indaiatuba e
Hortolândia, que juntos participam com 27% do total da produção do Estado de São Paulo, enquanto o sub-setor de
Máquinas, Aparelhos e Materiais Elétricos está mais presente nos municípios de Campinas, Rio Claro, Jundiaí e
Hortolândia, produzindo 22,3% do total do Estado.
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Brand (2004), a partir de Sturgeon e Lee (2001), estabelece uma distinção entre as CEMs ou CMs (contract
manufacturing) e as EMs (Electronic Manufacturing Service) relacionada à abrangência das atividades desempenhadas.
As CEMs geralmente realizam atividades de produção (montagem), enquanto as EMS abrangem atividades de produção
e logística atendendo a clientes de todos os seguimentos do complexo eletrônico.
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As principais marcas japonesas são Sony, Toshiba, Panasonic, Sharp, Mitsubishi, Hitachi, NEC e Fujitsu e as coreanas
Samsung, LG e Hynix.
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Para desenvolver suas capacidades tecnológicas, esses países se basearam na transferência de tecnologia estrangeira.
Ver sobre isto Balbinot e Marques (2009)
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Como as realizadas pela Itautec, Edisa, SID, Microtec, Monydata.
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Tais como Prológica, Scopus, Labo, Microlab.
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Leis 8.248/91; 10.176/01 e 11.077/04)
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Uma alta porcentagem de contratação de trabalhadores terceirizados para a produção foi observado no estudo de uma
empresa na Região de Campinas, realizado por Guimarães e Leite (2013)
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Visão semelhante sobre a organização do processo produtivo e a divisão sexual do trabalho no interior da fábrica, foi
apresentada por Guimarães e Leite (2013), no estudo já mencionado, realizado em empresa eletrônica da Região de
Campinas.
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como a inserção em postos de trabalho de menor responsabilidade, menor salário por igual
trabalho e menos oportunidades de capacitação e de ascensão laboral”.
Tabela 2
Número de Empresas por tamanho Indústria Eletrônica – Micro Região de Campinas, 2000 a 2013
Tamanho da
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
empresa*
Até 9 empregados 79 68 81 94 99 90 84 92 95 104 96 112 122 135
De 10 a 49 39 54 59 56 58 71 67 70 79 75 81 88 94 92
De 50 a 99 23 25 23 23 18 17 23 23 24 24 22 28 26 22
De 100 a 499 29 25 22 21 24 26 25 29 29 28 33 29 27 25
Mais de 500 5 5 4 6 6 6 6 7 6 5 6 5 6 7
Total 175 177 189 200 205 210 205 221 233 236 238 262 275 281
Fonte: RAIS 2000/2013 - *Tamanho da empresa é definido pela quantidade de empregados
esse crescimento foi muito maior para as mulheres do que para os homens. As trabalhadoras eram
4181 em 2000 e 8066 em 2013, um crescimento de 92,9%. Já os trabalhadores, que viram crescer
suas oportunidades de inserção no setor após a crise de 2008/2009, recuperando e até superando
o patamar de empregos que detinham em 2007, sofreram uma perda de 811 postos de trabalho
entre 2012 e 2013. Assim, nos 14 anos que estamos considerando, o crescimento do emprego
masculino foi de apenas 8,6%.
Tabela 3
Ocupação por Sexo na Indústria eletrôncia - Micro-Região de Campinas/ 2000-2013
Sexo 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Homens 10078 8541 8110 9135 9578 10913 9456 11372 11091 9742 10820 11668 11756 10945
Mulheres 4181 3370 3721 4142 5111 6132 5820 8119 7327 6505 7260 7449 7744 8066
Total 14259 11911 11831 13277 14689 17045 15276 19491 18418 16247 18080 19117 19500 19011
O cruzamento dos dados relativos a sexo e número de ocupados por tamanho de empresa
(Tabela 4) permite visualizar que 57,8% das mulheres ocupadas na indústria eletrônica da Região
de Campinas estão inseridas nas grandes empresas, com mais de 500 empregados. Foi também
nessas empresas que ocorreu o maior crescimento do emprego feminino no setor, no período
considerado: 320,6%, enquanto o emprego masculino cresceu 33,5/%. Provavelmente este grande
crescimento da ocupação das mulheres nas grandes empresas corresponde à instalação na
Região de novas empresas de manufatura contratada que incorpora prioritariamente mulheres nas
linhas de montagem. Porém, o aumento da participação das trabalhadoras foi proporcionalmente
superior à dos trabalhadores também nas micro e pequenas empresas de 10 a 49 empregados.
Mesmo nas pequenas empresas que tem de 50 a 99 empregados, a participação feminina teve um
aumento modesto de 9,6%, enquanto os trabalhadores tiveram seus postos de trabalhos reduzidos
em 20,9%. Algo semelhante ocorreu nas médias empresas: enquanto os homens tiveram um
decréscimo na sua participação de 24,7%, o emprego das mulheres sofreu oscilações ao longo do
período, mas chegou em 2013 com o mesmo número de postos de trabalhos detidos em 2000.
Tabela 4
Número de ocupados por sexo e tamanho da empresa – Indústria Eletrônica
Micro-Região de Campinas/ 2000-2013
Tamanho da Crescimento
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2013
empresa Sexo no período
Até 9 Masculino 280 266 280 238 225 277 343 378 35%
empregados Feminino 78 77 119 101 107 104 134 184 57,6
Masculino 589 862 900 942 1149 1149 1468 1377 133,7%
De 10 a 49
Feminino 243 473 471 466 606 505 734 698 187,2%.
Masculino 1045 989 703 865 937 943 1123 826 -20,9%
De 50 a 99
Feminino 706 677 512 725 716 641 738 774 9,6%
Masculino 4358 3020 3217 3114 4126 3986 3701 3280 24,7%
De 100 a 499
Feminino 1746 1437 1729 1586 1753 2194 1805 1747 -
Masculino 3806 2973 4478 4297 4654 4465 5121 5084 33,5%
Mais de 500
Feminino 1408 1057 2280 2942 4145 3816 4333 4663 320,6%
Total 14259 11831 14689 15276 18418 18080 19500 19011 33,3%
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Quanto á idade dos trabalhadores, a Tabela 5 mostra que tem se reduzido muito o
emprego de menores de 18, assim o pequeno aumento observado a partir de 2010, pode
estar relacionado com os incentivos governamentais para a incorporação de jovens
aprendizes. Mostra também que a maioria dos trabalhadores e das trabalhadoras
empregadas no setor eletrônico está concentrada em duas faixas etárias: na de 18 a 29
anos, e em segundo lugar na de 30 a 39 anos. No entanto, observa-se um crescimento de
108,8% no emprego de mulheres na faixa dos 40 aos 49 anos e um crescimento
proporcionalmente muito maior no emprego das que tem mais de 50 anos, de 408,3%. Os
homens de 40 a 49 anos mantiveram uma participação relativamente estável ao longo do
período, mas aqueles com mais de 50 anos, que correspondem a 9,6%% do total de
trabalhadores empregados em 2013, tiveram um crescimento na sua participação de
147,4%. É possível afirmar, portanto, que a indústria eletrônica empregou na década de
2000, uma alta quantidade de jovens na faixa dos 18 aos 29 anos, homens e mulheres,
que no conjunto perfazem 41,9% de sua força de trabalho, mas que tem empregado
também homens, mas crescentemente mulheres nas faixas dos 40 e dos 50 anos.
Tabela 5
Número de ocupados por Faixa Etária e Sexo na Indústria Eletrônica – Micro-Região de Campinas – 222-2013
Faixa
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
etária
Masc. 107 74 68 45 48 69 56 58 54 46 36 53 62 84
10 A 17
Fem. 12 6 9 8 9 6 4 10 10 6 6 9 13 26
Masc. 4671 3762 3321 3898 4201 4675 4195 5260 5027 4149 4594 5022 4879 4293
18 A 29
Fem. 2186 1606 1726 1926 2699 3233 3152 4749 4096 3515 3842 3798 3765 3685
Masc. 3169 2687 2608 2817 2889 3234 2762 3170 3138 2922 3348 3641 3790 3674
30 A 39
Fem. 1415 1209 1354 1504 1609 1919 1736 2255 2151 1996 2292 2486 2712 2989
Masc. 1659 1532 1583 1736 1733 2049 1658 1925 1891 1730 1818 1842 1836 1726
40 A 49
Fem. 508 480 553 607 689 835 784 917 868 798 905 921 986 1061
50 OU Masc. 472 486 530 639 707 886 785 959 981 895 1024 1110 1189 1168
MAIS Fem. 60 69 79 97 105 139 144 188 202 190 215 235 268 305
Total 14259 11911 11831 13277 14689 17045 15276 19491 18418 16247 18080 19117 19500 19011
trabalhadores perderam 57,8% dos seus postos de trabalho, enquanto as mulheres eram
1404 em 2000, ficaram reduzidas a apenas 499 em 2013.
A exigência de escolaridade mais alta – no mínimo o ensino médio completo – como
critério para recrutar trabalhadores nesse setor da indústria, teve efeito importante no
crescimento da contratação de homens e mulheres com esta faixa etária ou maior. A
Tabela 6 mostra que a contratação de trabalhadores com ensino médio completo cresceu
79,7% enquanto o emprego de trabalhadoras com o mesmo grau de instrução aumentou
299%. De modo semelhante ocorreu no período a contratação de 754 homens com superior
completo, mas as mulheres com o mesmo nível de escolaridade não tiveram a mesma sorte, pois
para elas apenas 369 contratações foram realizadas. Como na maioria dos casos pessoas com
nível superior são contratadas para cargos técnicos ou de chefia e supervisão, com maiores
responsabilidades, as percepções de gênero que definem cargos e atividades mais apropriadas
para homens e mulheres operam criando barreiras ao acesso das trabalhadoras a esses cargos.
Tabela 6
Número de ocupados por sexo e escolaridade – Ind. Eletrônica da Micro-
Região de Campinas
Escolaridade Sexo 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2013
Masculino 1883 931 733 655 728 422 572 461
Fundamental
Incompleto Feminino 540 339 266 226 205 188 148 134
Masculino 2557 1696 1682 1660 1571 1196 1277 1079
Fundamental Completo e
Ens. Médio incompleto Feminino 1404 997 960 899 785 653 523 499
Masculino 3780 3513 4648 5093 6486 5953 7284 6793
Ens. Médio Completo e
Superior incompleto Feminino 1614 1751 2906 4040 5556 5571 6134 6441
Masculino 1858 1970 2515 2048 2306 3249 2623 2612
Superior Completo
Feminino 623 634 979 655 781 848 939 992
Total 14259 11831 14689 15276 18418 18080 19500 19011
Total 12 9 1312 2277 4344 4618 2449 610 1152 221 1282 210 304 43 18843
REFERÊNCIAS:
CARLO, Juliana de e BULGACOV, Yára L. M., "Noções de “trabalho feminino” no chão de fábrica
de uma empresa líder no setor de eletrodomésticos". Revista Psicologia: Organizações e
Trabalho, VOL. 7, Nº 1, janeiro - junho 2007, p.107-130.
RODRIGUES, Iana Araújo. Implementação de técnicas da produção enxuta numa empresa de
manufatura contratada do setor eletroeletrônico. Dissertação de Mestrado em Engenharia de
Produção, Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte -
MG - 2006
SUFRAMA. Página eletrônica: <http://www.suframa.gov.br/>. Acessada em 20/06/2012.
TAVARES, W. M. L. (2001). A indústria eletrônica no Brasil e seu impacto sobre a balança
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http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/pdf/108604.pdf
(Acesso em 01/03/2014)