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FREYRE, Gilberto.

Características gerais da colonização portuguesa do Brasil:


formação de uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida. In: FREYRE, Gilberto.
Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. – 48ª ed. – São Paulo: Global, 2003.

RESENHA CRÍTICA

Casa-Grande & Senzala é considerada uma das grandes obras em nível


mundial, maior clássico da sociologia no Brasil e uma obra considerada
surpreendente, ao mesmo tempo esclarecendo diversos pontos sobre a formação do
povo brasileiro. Um dos principais destaques da obra, já vislumbrado no primeiro
capítulo, é a importância do indígena e o negro para o desenvolvimento cultural no
Brasil, sendo que o autor enaltece, em diversas passagens, a relevância da
miscigenação.
O primeiro capítulo retrata o colonizador português como detentor de
características essenciais, que possibilitaram o processo de colonização. Segundo o
autor, os contatos culturais e sexuais com os mouros, na Idade Média, teriam sido
importantes para que o português acumulasse características relevantes para a bem
sucedida colonização. Os séculos de lutas contra os mouros teriam tornado os
portugueses, um povo indefinido, entre África e Europa e, por isso, com
características que favoreceram a adaptação às condições encontradas no território
da Colônia na América do Sul, onde viria a se tornar o Brasil.
Apesar dessas facilidades que o português já trazia consigo, alguns
obstáculos se opuseram no território brasileiro, como a irregularidade de rios e da
terra, os problemas com as pragas que prejudicavam as plantações, as enchentes e
secas que se alternavam de maneira dramática, os matagais quase intransponíveis
e outras. Já com relação ao hibridismo com os índios, o autor cita novamente o
contato com os mouros, como fator que influenciou positivamente para que a
miscigenação ocorresse de maneira facilitada. As novas gerações, formadas por
mestiços, foram responsáveis por impulsionar o processo de povoamento do
território.
Outro aspecto de grande relevo, destacado pelo autor no primeiro capítulo da
obra, é a família patriarcal e sua influência na colonização, uma vez que ocupou
lugar de destaque perante a igreja, desenvolvimento social e político da Colônia.
Freyre considera que, em torno da família escravista, patriarcal e aristocrática,
funcionava a unidade produtiva, as fazendas e o capital financeiro para a exploração
do solo, a compra de bois e escravos, ferramentas e força social.
Freyre destaca, ainda, que a organização econômica e civil da sociedade
brasileira teve início somente a partir de 1532, tendo como base a agricultura e não
o extrativismo, conforme era observado em outras colônias pelo mundo, na mesma
época. Entretanto, a exploração agrícola não foi impulsionada pelo governo
português, mas, sim, fruto da iniciativa particular, de maneira a ampliar o
aproveitamento do território e minimizar os custos e eventuais perdas.
O autor também afirma que a miscigenação foi incentivada pela igreja, que
recomendava o casamento com mulheres indígenas, mas não com africanas, sendo
que aos negros e mestiços o sacerdócio foi negado, da mesma forma como não
houve preocupação com relação à educação do negro. Sobre o trabalho dos jesuítas
com os indígenas no Brasil, o fracasso das missões é explicado por Freyre, que
culpa a falta de autonomia dada aos índios e a ênfase no ensino do latim e
monogamia, ao invés de trabalhos manuais, que seriam mais adequados.
Freyre também menciona as diferenças na criação das crianças brancas,
indígenas e negras, apontando para características que possivelmente contribuíram
para a violência em nossa sociedade. Enquanto o menino branco, desde cedo,
aprendia a ser cruel com animais, negros e mulatos, estes eram criados no mato e
não qualquer outra oportunidade, logo sendo incorporados ao mundo do trabalho
escravo. O autor também destaca que, o sentimento de posse do homem com
relação à mulher foi herdado dos portugueses, como também, a violência do sistema
patriarcal e o costume de tratar por “doutor” ou “vossa excelência”, qualquer pessoa
com autoridade mínima ou posse de dinheiro, sendo todas estas, heranças da
colonização.
Por fim, Freyre também fala sobre a alegria do povo brasileiro no período
colonial, apontando o negro africano como responsável por essa característica,
mesmo diante das condições de vida escrava, ao passo que o índio era melancólico
e o português, mal-humorado.
A princípio, no primeiro capítulo da obra, parece haver quase um elogio do
autor ao português colonizador, tal a forma detalhada como descreve a habilidade
do europeu para se adaptar ao território e estabelecer uma colônia de sucesso.
Entretanto, ao finalizar o primeiro capítulo, é possível perceber que o autor faz uma
comparação do português com outros europeus que tentaram colonizar o território e
falharam, a exemplo dos espanhóis, cujo racismo e fanatismo religioso levaram ao
fracasso. Dessa forma, pode ser vista não como uma defesa do português
colonizador, mas como uma comparação com a mal sucedida colonização
espanhola.
Da análise do primeiro capítulo da obra, é possível perceber que o autor não
se preocupa em esconder mazelas da sociedade violenta, analfabeta e patriarcal,
que assim era moldada desde a infância. Se há, de certa forma, uma defesa da
colonização brasileira, é possível que tenha sido menos segregadora e violenta do
que o processo de colonização que ocorreu na América do Norte, pelos ingleses, ou
a colonização espanhola.
Uma crítica que pode ser feita ao posicionamento do autor é que, apesar do
reconhecimento de que o negro escravizado contribuiu de maneira relevante para a
composição do povo brasileiro, deixando uma vasta herança cultural e variadas
marcas que sobrevivem na sociedade atual, estes vieram para o Brasil imigrados de
maneira forçada e o autor busca retratar um ambiente em que o africano
simplesmente participou da formação do povo brasileiro, em parte ignorando as
atrocidades que foram cometidas contra os negros e nativos, pelo colonizador
português.
Desse ponto de vista, apesar da relevância indiscutível da obra de Freyre, é
possível identificar uma ideologia voltada para desvirtuar possíveis movimentos e
protestos da população negra.
É importante considerar, ainda, que o autor prioriza o retrato das relações
sociais em torno da casa-grande e da senzala, mas, no período escravista, a maior
parte do país não tinha senzalas adaptadas à produção canavieira, nos engenhos de
açúcar, nem mesmo a casa-grande, motivo pelo qual a obra de Freyre,
especialmente no primeiro capítulo onde tece considerações gerais sobre a
sociedade agrária e escravocrata, com a chegada do português colonizador, não
pode ser entendida como realidade de todo o território brasileiro.

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