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DOSSIÊ

TUDO SOBRE QUADRINHOS

Superman Vol. 1, #14


Publicada entre
1939 e 1986, a série
surgiu no ápice da
Era de Ouro das
HQs, quando
revistas de super-
-heróis viraram fe-
bre e eram vendidas
aos milhares por
poucos centavos.

O incrível
universo das HQs
Há 150 anos, o primeiro quadrinho brasileiro era publicado. Desde então,
o formato tem conquistado fãs ao redor do mundo em diferentes mídias

REPORTAGEM Larissa Lopes EDIÇÃO Isabela Moreira

FOTO Tomás Arthuzzi DESIGN May Tanferri

Todas as estátuas foram gentilmente cedidas pela loja Limited Edition /


Crédito: Estátua DC Comics Superman #14 (DC Collectibles)

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INTRODUÇÃO 37

Uma paixão (inter)nacional


Quadrinhos que retratavam o contexto político e social em tirinhas dominicais foram os responsáveis por dar um pontapé no que se transformou na indústria bilionária que temos hoje

Cápsula Era de Ouro


“Nhô Quim decide-se a dei-

N
xar os lares paternos. Co-
1869

do tempo no Brasil
brem-no de beijos, abraços,
Considerada a primeira HQ
conselhos e bênçãos! Mon-
do Brasil, As Aventuras de
tado no cavalinho ruço, diz
Nhô Quim ou Impressões De Nhô Quim a Mônica, o merca-
o nosso herói o último adeus!”. É assim que
Os principais de uma Viagem à Corte, de do nacional consegue exportar
começa a primeira história em quadrinhos
quadrinhos que Angelo Agostini, conta a obras e ter rica produção própria
do Brasil, As Aventuras de Nhô Quim ou Im-
marcaram o jornada de um caipira que
pressões de uma Viagem à Corte, do artista
imaginário brasileiro se muda para a cidade.
ítalo-brasileiro Angelo Agostini. Na obra, o “O Brasil tem uma longa
pioneiro da nona arte conta a história do cai- tradição em ilustração, que
pira Nhô Quim, que troca a vida no campo remonta aos tempos de Angelo
por aventuras na cidade do Rio de Janeiro. Agostini”, afirma Ivan Freitas da
Publicada em 30 de janeiro de 1869, a HQ Costa, cofundador da Chiaroscuro
se inspirou nos moldes do livro Histoire de Studios, agência que represen-
Mr. Jabot (1833), do suíço Rodolphe Töpffer, The X-Men, Vol. 1, #1 ta quadrinistas brasileiros no
que narra a história por meio de ilustrações “Eles são os filhos do exterior, e da Comic Con Experien-
com legendas. Neste ano, As Aventuras de átomo, e lutam para ce, considerada o maior evento
Nhô Quim completa 150 anos de publicação sobreviver”, anunciou nerd do mundo — só na edição
— mas, ainda assim, perde o título de pri- a sinopse da primeira de 2018, conseguiu atrair 262
meiro quadrinho do mundo para uma HQ revista dos X-Men, mil visitantes em quatro dias.
equipe de heróis O sucesso dos projetos de
criada em 1963 pelo Costa é apenas um dos indícios
gênio da Marvel Stan de que, com a evolução das
lançada 26 anos depois: Yellow Kid, do ilus- Lee e pelo ilustra- artes gráficas no Brasil, o país
trador norte-americano Richard Felton Out- dor Jack Kirby. se tornou um local cheio de
cault. “Para a maioria dos pesquisadores, leitores assíduos de quadrinhos,
Yellow Kid é o marco inicial da indústria de bem como um polo de artistas

Crédito: Estátuas Marvel Universe X-Men ‘92 Cyclops & Beast (Kotobukiya)
quadrinhos”, explica Waldomiro Vergueiro, renomados internacionalmente.
coordenador do Observatório de Histórias 1905 1934 Dos 63 quadrinistas represen-
em Quadrinhos da USP. “Isso porque foi o O jornalista Bartolomeu de Com a criação da revista tados pela Chiaroscuro Studios,
primeiro quadrinho a apresentar balões de Souza e Silva cria O Tico Tico, Suplemento Juvenil, os boa parte atua em grandes edi-
fala, o que impactou a forma como as tiri- primeira revista brasileira leitores brasileiros têm a toras estrangeiras, tais como DC
nhas passaram a ser apresentadas e impul- dedicada a publicar somente oportunidade de conhecer Comics, Marvel Comics, Skybound
sionou a produção industrial das HQs.” histórias em quadrinhos. personagens famosos nos e Image Comics. “Essas empre-
Títulos à parte, os quadrinhos a la Töpffer Com várias narrativas, a Estados Unidos, como Flash sas procuram artistas velozes,
têm seus méritos. Passando longe dos super- publicação circulou até 1977. Gordon, Tarzan e Dick Tracy. qualificados, plurais, com os quais
-poderes que popularizaram a arte das HQs, é fácil trabalhar”, explica. “Existe
cada um deles representou um grande passo espaço para nossos profissionais
para a veiculação de charges carregadas de lá fora — e aqui dentro também!
crítica social e uma gama gigantesca de he- Atualmente, a produção autoral é
róis, além da venda de revistas infantis a pre- versátil e conquista todo tipo de
ços acessíveis a todos. Tudo isso possibilitou público, do infantil ao fã de terror.
que os artistas de hoje pudessem distribuir Estamos vivendo uma Era de
seus trabalhos em apenas alguns cliques. Ouro dos quadrinhos brasileiros.”

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CENÁRIO 39

HQs por toda parte 1970


Durante os anos 1960, Mauri-
cio de Sousa publica tirinhas de
A nona arte provou ser versátil: foi do papel para as telas da TV, do cinema e do computador,
personagens como Cebolinha,
tornando-se um dos produtos transmidiáticos mais rentáveis e queridos da atualidade Cascão e Mônica. Em 1970,
lança a primeira revista da
Turma da Mônica — que hoje
tem HQs, produtos e filmes.
Capitã Marvel, Vingadores:

C
Ultimato, Shazam!, Homem-
-Aranha: Longe de Casa…
Há dez anos, a ideia de que All Star Batman
os principais lançamentos and Robin, Vol. 1
do cinema seriam filmes de super-heróis Já pensou ser recru-
soaria maluca. Mas, desde 2012, com a es- tado para ajudar o
treia de Os Vingadores e o fim da trilogia Morcegão? A série
Batman, de Christopher Nolan, o gênero de Frank Miller e Jim
entrou oficialmente na agenda de Holly- Lee conta as aventu-
wood — de onde dificilmente sairá. ras de Robin como

Crédito: Estátua All Star Batman & Robin (DC Collectibles)


“Os heróis cativaram os espectadores assistente do super-
para além do público nerd, tornando-se o -herói que completa
tipo de entretenimento que pode ser consu- 80 anos em 2019.
mido por todos”, observa Gabriela Franco,
especialista em cultura pop e fundadora do
portal Minas Nerds. Para ela, que também é
fã e colecionadora de quadrinhos, esse ca- 1964 1967 1989
risma todo surge de uma junção de fatores: Pouco depois de ser demitido A Rede Bandeirantes adquire Com o sucesso do livro O
efeitos especiais de tirar o fôlego, investi- do jornal O Cruzeiro e um mês os direitos de exibição de The Menino Maluquinho, lançado
mento e planejamento de marketing, bem após o golpe militar, Millôr Marvel Super Heroes e faz no início da década de 1980,
como cliffhangers — cenas que seguram os Fernandes transforma sua parceria com a editora Ebal, o artista Ziraldo publica uma
espectadores na cadeira do cinema até o coluna Pif-Paf em uma revista que lança quadrinhos dos série de quadrinhos sobre
último minuto, deixando aquele gostinho de crítica e humor que mistura heróis Capitão América, Hulk, o personagem. As revisti-
de “quero mais” —, são alguns dos segre- ilustrações, tirinhas e textos. Thor e Homem de Ferro. nhas circularam até 2007.
dos por trás dessa lucrativa indústria. “É
o princípio dos quadrinhos aplicado ao ci-
nema”, analisa. “Quem ganha com isso é o
público.” E, claro, as empresas.

Para todos os gostos


O ano de 2018 foi histórico para as bilhe-
terias do cinema: pela primeira vez, mais
da metade dos dez filmes mais lucrativos
Descubra qual formato tem mais a sua cara
do ano eram de super-heróis, dos quais cin-
co eram adaptações de personagens dos
quadrinhos, somando mais de US$ 5,98 bi- Mangás Graphic novels Tirinhas Internet
lhões. O sucesso nas telonas também aque- Esse tipo de narrativa valoriza a pers- Nas graphic novels, as narrativas são Presentes nos jornais desde o sécu- “Imediata e sem custo, a internet
ce o próprio mercado das HQs, criando pectiva do personagem e ainda pode mais longas e aprofundam-se em um lo 19, as tirinhas impulsionaram as tem mostrado ser uma ótima fer-
uma série de novos leitores também dis- ter abordagens mitológicas ou futu- só assunto ou universo. Tendência HQs com seu formato dinâmico e ramenta de divulgação e consumo”,
postos a consumir produtos licenciados, rísticas, caso de títulos como Akira, no mercado, diversas editoras têm cheio de verdades ácidas. No Brasil, avalia João Paulo Sette, fundador
videogames e séries. “A qualidade e a coe- Ghost in the Shell e Your Name. Consi- selos dedicados a esse tipo de qua- destacam-se artistas como Laerte da Social Comics, rede social com
são dos produtos transmídia são cuidado- derado o tipo de HQ mais lido e produ- drinhos. Maus, Fun Home e Persépo- e André Dahmer; no mundo, algu- mais de 90 mil usuários. Recomen-
samente planejadas para que essa arte se zido no mundo, o gênero movimentou lis estão entre os títulos mais empol- mas das melhores sacadas estão dada para quem tem gosto diversifi-
mantenha viva”, considera Franco. US$ 3,13 bilhões em 2017 só no Japão. gantes lançados nos últimos anos. em edições de Mafalda e Peanuts. cado e valoriza a produção nacional.

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DISCUSSÃO 41

Agora é que são elxs 2017


O Prêmio Jabuti, principal
premiação da literatura
brasileira, institui a categoria
Heroína da
vida real
Pouco ou mal representadas nas primeiras décadas da indústria, minorias conquistam espaço Histórias em Quadrinhos. Aos 80 anos, a quadrinista
Até então, elas ficavam nas Trina Robbins resgata a história
entre o público de quadrinhos e garantem mais autonomia para publicar as próprias produções
categorias de ilustração, capa, de artistas pioneiras nas HQs
didático e paradidático.

Trina Robbins sempre esteve


Após décadas de discus-

A
à frente de seu tempo: foi a primeira
sões e luta por direitos 2008
mulher a lançar uma HQ lésbica e a
iguais, mulheres, negros e Chega às bancas a primeira
ilustrar a Mulher-Maravilha nos qua-
membros da comunidade edição de Turma da Mônica
drinhos. Em entrevista à GALILEU, ela
LGBTI têm cada vez con- Jovem, dando início a uma
conta como vivenciou essa quebra de
quistado mais espaço e prestígio no mer- série de histórias em forma
paradigmas e o que a motiva a pesqui-
cado mainstream de HQs. de mangá sobre a adoles-
sar sobre outras mulheres da área.
O que é uma novidade para as grandes cência da turminha criada
empresas do mercado, sempre foi praxe por Mauricio de Sousa.
Como foi começar a car-
na cena de quadrinhos independentes. Foi
reira em meio ao movi-
nessa porção do mercado que a quadrinista
mento de contracultura?
norte-americana Trina Robbins [leia entre-
Bom, eu queria fazer quadrinhos, mas
vista no box ao lado], de 80 anos, encontrou
não queria desenhar super-heróis — e
espaço para escrever, sem tabus, sobre sua
é disso que quadrinhos mainstream
realidade. “Não éramos afetados pelo Co-
tratam. Na minha época, a maioria
mics Code Authority [código que estabeleceu
só falava de homens convencionais
diretrizes conservadoras às HQs], podíamos
em trajes horríveis que resolviam os
fazer o que quiséssemos”, lembra.
problemas na briga. Isso não tinha
As mudanças no mainstream começam
nada a ver comigo. Eu queria fazer
aos poucos, a partir da década de 1960,
Wolverine and meus próprios quadrinhos, e encontrei
Jubilee, Vol. 1, #1 espaço no movimento underground.
Jubileu não consegue
se relacionar com O que a inspirou a pes-
com a criação de personagens negros de humanos ou mu- quisar sobre mulhe-
grande visibilidade, como Pantera Negra tantes, até que um res nos quadrinhos?

Crédito: Estátuas Marvel Universe X-Men ‘92 Wolverine & Jubilee (Kotobukiya)
(1966) e Tempestade (1975). “No Brasil, grupo de vampiras Eu estava muito cansada de ouvir
atualmente temos artistas talentosos que lhe faz uma proposta que nós não desenhávamos e nun-
trazem essas causas à tona, como Marce- irrecusável — com a ca havíamos desenhado HQs. Lancei
lo D’Salete, que venceu o Prêmio Eisner, o qual Wolverine não meu primeiro livro [Women and the
‘Oscar dos Quadrinhos’, em 2018”, ressalta pode concordar. Comics, 1985] com minha editora e
Nobu Chinen, pesquisador do Observató- amiga Catherine Yronwode, e isso me
rio de Histórias em Quadrinhos da USP. impulsionou a escrever outras obras
Nas últimas décadas, a comunidade sobre mulheres que foram esque-
LGBTI também ganhou destaque e repre- 2015 cidas. Fiz isso para relembrá-las.
sentatividade nas HQs. Segundo Amaro É lançado o Social Comics,
Braga, professor adjunto da Universidade serviço de assinatura que Qual é sua dica para as
Federal de Alagoas, autores gays, lésbicas possibilita aos leitores mulheres que querem
e trans “são mais frequentes e têm voz” acessar de forma ilimitada começar nessa área?
no meio. “Eles costumam ser autores en- seus quadrinhos favoritos Há mais mulheres criando quadrinhos
gajados, produzindo personagens que con- por meio do desktop ou do que nunca. Então, minha dica é:
seguem defender suas causas e instruir, de tablets e celulares. não deixe ninguém lhe dizer que você
por meio do humor, as questões que re- não pode fazer quadrinhos, porque
forçam suas lutas identitárias.” há muitas vivendo disso agora.

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COMO FAZER

Mãos à obra!
As HQs passam por uma longa jornada antes de chegar às bancas.
Conheça o passo a passo desse processo criativo que envolve
vários profissionais e muitos meses de trabalho intenso

Spider-Man
Homecoming
Um dos últimos lança-
mentos do Amigão da
Vizinhança acompanha o
herói em suas primeiras
aventuras — enquanto
ele cumpre detenção.

ROTEIRO DIAGRAMAÇÃO DESENHO


Assim como o de cine- Finalizado o roteiro, Aqui o produto começa
ma, o roteiro de uma começa a diagramação. a ficar com cara de
HQ deve contar uma É necessário decidir a HQ. Os desenhos são
história e indicar o que quantidade de quadros feitos em folhas com,
haverá em cada quadro por página e o peso no mínimo, o dobro
do começo ao fim da que cada um deles do tamanho das que
edição. Esta é a etapa terá. Os mangás devem serão impressas, assim
ideal para estudar ser organizados da o ilustrador pode se
técnicas narrativas. direita para esquerda. dedicar aos detalhes.

BALONAMENTO COLORIZAÇÃO MONTAGEM DISTRIBUIÇÃO


Atualmente, balões, Além de literalmente Antes de enviar o Para chegar às bancas,
falas e onomato- dar o tom da narrativa, projeto para a gráfica, a tiragem da HQ
peias são criados as cores podem causar é preciso fazer a precisa ter grande
digitalmente. Antes, o muita dor de cabeça revisão do texto, escala, o que demanda
processo era manual e às gráficas. O Hulk, por imprimir amostras custos altos. Por isso,
exigia uma letra legível exemplo, só é verde das páginas e definir quadrinistas indepen-
para todos, inspi- porque não acertaram o tipo de papel. Feito dentes cada vez mais
rando fontes como a o tom de cinza, sua cor isso, está tudo pronto exploram a internet
infame Comic Sans. original, na impressão. para a impressão. para vender sua arte.

Fonte: Klebs Júnior, fundador do Instituto HQ e quadrinista brasileiro com passagem por editoras internacionais como DC Comics,
Marvel, Malibu e Valiant / Crédito: Estátua Spider-Man Homecoming Marvel Gallery (Diamond)

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