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SOCIÓLOGOS
Curitiba-PR
2002
Este trabalho é parte da tese de doutorado que ora desenvolvo no Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais (Área de especialização: Estado, políticas públicas e
processos políticos contemporâneos) na Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), intitulado: “Estado Novo”: política e sociedade na ditadura de Vargas. Um
estudo sobre o Departamento Administrativo do Estado de São Paulo (1939-1946).
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Elites políticas regionais e jogo político nacional: uma visão sobre o Estado
Novo a partir de São Paulo
RESUMO
O objetivo desta comunicação é redimensionar a estrutura de poder do Estado Novo
(1937-1945) a partir de um mecanismo pouco valorizado de formação das lealdades
políticas regionais. A literatura tem enfatizado, de forma unilateral, o programa de
centralização-concentração do poder no Estado nacional e o conseqüente desmanche
dos esquemas político-oligárquicos de dominação tradicional através principalmente
da ação das “interventorias” nos estados. Mas quando se considera a criação e a
atuação, a partir de 1939, de um outro aparelho, os Departamentos Administrativos,
tem-se uma visão mais precisa e abrangente sobre os processos políticos de
rearticulação das elites dirigentes em âmbito nacional e regional. Essa nova realidade
será vista a partir do caso exemplar de São Paulo.
Palavras-chave: Brasil - Estado e governo - 1937-1945; elite política; Departamento
Administrativo do Estado de São Paulo.
I. Introdução: o problema
“[…] the problem that has been habitually the most crucial and
controversial of Brazilian political life, namely, the relations between
the federal entity and the states”.
Karl Loewenstein, Brazil under Vargas, 1944.
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Os limites desse processo são bastante evidentes: “qualquer mudança devia ser
contida nos limites da manutenção da estrutura de propriedade da terra. Tais limites,
de resto, não eram nem postos em risco, nem contestados em 30 por nenhuma força
social com capacidade política para fazê-lo — inclusive, ou sobretudo, não eram
contestados pelos interesses vinculados à industrialização. É essa circunstância que
justamente vai possibilitar a coalizão de interesses diferenciados (agrários, urbanos e
industriais) em torno dos anseios de „modernização‟ política já claramente explicitados
no curso da década de 20” (Martins, 1983a, p. 675-676).
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Todas as refrências à Constituição de 1937 são retiradas de Porto, 1987.
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Expressões textuais do "Preâmbulo" da Constituição de 1937. Cf. Porto, 1987.
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1939 parece expressar esse desígnio4. Mas não só. A função fiscalizadora
expressamente atribuída ao aparelho sugeria a preocupação de Vargas em dotar
também o sistema político de um mecanismo de contrapeso ao poder crescente dos
interventores.
As funções políticas do Departamento na organização administrativa do Estado
Novo são desde logo evidentes. Na avaliação de Boris Fausto, “esse departamento”
tornou-se “uma espécie de substituto das Assembléias estaduais” (Fausto, 1995, p.
366; e Fausto, 1972, p. 87-88).
Segundo o decreto-lei que os criou, competia aos Departamentos
Administrativos:
“a) aprovar os projetos dos decretos-leis que devam ser baixados pelo
Interventor, ou Governador, ou pelo Prefeito; b) aprovar os projetos de
orçamento do Estado e dos Municípios, encaminhados pelo Interventor, ou
Governador, e pelos Prefeitos, propondo as alterações que nos mesmos devam
ser feitas; c) fiscalizar a execução orçamentária no Estado e nos Municípios,
representando ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, ou ao Interventor,
ou Governador conforme o caso, sobre as irregularidades observadas; d)
receber e informar os recursos dos atos do Interventor, ou Governador, na forma
dos artigos 19 e 22; e) proceder ao estudo dos serviços, departamentos,
repartições e estabelecimentos do Estado e dos Municípios, com o fim de
propor, do ponto de vista da economia e eficiência, as modificações que devam
ser feitas nos mesmos, sua extinção, distribuição e agrupamento, dotações
orçamentárias, condições e processos de trabalho; f) dar parecer nos recursos
dos atos dos Prefeitos, quando o requisitar, o Interventor, ou Governador”5.
Por tudo isso, não há como discordar da avaliação de um dos membros do DAE-
São Paulo:
“O Departamento Administrativo dos Estados, tal como o concebeu o decreto
institucional n 1 202, reúne, na esfera da sua competência, várias atribuições,
correspondentes a outros órgãos já não existentes, em face da organização
atual do nosso País. O Departamento Administrativo substitui a ação legislativa
das Assembléias do Estado, do antigo Senado e da Câmara dos Deputados;
substitui as Câmaras Municipais de todo o estado [de cerca de 270 municípios];
substitui o Tribunal de Contas na missão que hoje lhe cabe de superintender a
aplicação das verbas orçamentárias e a fiel execução da lei de meios. Realiza
também o Departamento Administrativo a missão de um órgão de consulta, de
um verdadeiro Conselho de Estado, quando esclarece e instrui os recursos cujo
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Os DAEs foram criados pelo decreto-lei n° 1 202, publicado no Diário Oficial da
União em 10 de abril de 1939.
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Decreto-lei 1202 de 8 de abril de 1939, Art. 17. O Art. 19 a que alínea “c” faz
referência dispunha o seguinte: “Caberá recurso, respectivamente para o Presidente
da República, ou para o Interventor, ou Governador, dos atos do Interventor, ou
Governador, ou dos Prefeitos que: a) atentarem contra a Constituição e as leis; b)
importarem concessão ou contrato de serviço público, ou sua rescisão”. O Art. 22
estabelecia: “Ficará suspenso o decreto-lei, ou o ato impugnado, quando no seu
exame, ou no do respectivo recurso, lhe for contrário o voto de dois terços dos
membros do Departamento Administrativo. Tal suspensão poderá ser levantada pelo
Presidente da República, sem prejuízo dos procedimentos ulteriores”.
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Renato Paes de Barros, em discurso pronunciado por ocasião da passagem do
primeiro aniversário do Departamento Administrativo do estado de São Paulo em
11/07/1940. DAESP, 1940, p. 1217, ênfase minha.
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Cf. respectivamente: DAESP, 1940, p. 2861-2862 e p. 2856; além de Departamento
Estadual de Imprensa e Propaganda, 1943, p. 24-25.
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Não há muita polêmica sobre o fato de que o modo predominante de intermediação
de interesses no pós-1930 tenha sido o corporativismo. Contudo, todas as análises
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IV. Conclusões
Qual o significado sociológico desse processo?
Em termos genéricos, trata-se de mais um “caso” que confirma a “modernização
conservadora” à brasileira. Mas, mais importante, para o que nos interessa aqui, é um
caso exemplar para que se tome o Estado como um lugar, ou, mais propriamente,
como uma “arena”: um aparelho ou conjunto de aparelhos onde se dá, concretamente,
a agregação/representação dos interesses das classes dominantes (Martins, 1976).
Sob o “Estado Novo”, essa função do Estado não se atualiza somente através do
corporativismo nos órgãos econômicos (Diniz, 1978), conforme as hipóteses até agora
aceitas, mas também através desse tipo de cooptação política em instituições tais
como o Departamento Administrativo dos estados. Assim, a incorporação dos
interesses (econômicos, políticos e sociais) não se dá apenas pela via “moderna” do
corporativismo, mas pela via “tradicional” da cooptação.
V. Referências bibliográficas
ARON, R. Classe social, classe política, classe dirigente. In: _____. Estudos
sociológicos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991.
CAMARGO, A. A revolução das elites: conflitos regionais e centralização política. In:
CPDOC/FGV. A revolução de 1930: seminário internacional. Brasília: Ed. UnB, 1983.
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Para uma evidência desse processo, v. Codato, 1997.
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