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XII CONGRESSO NACIONAL DOS

SOCIÓLOGOS

Adriano Nervo Codato


Universidade Federal do Paraná (UFPR), Departamento de Ciências
Sociais, Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira

ELITES POLÍTICAS REGIONAIS E JOGO


POLÍTICO NACIONAL: UMA VISÃO
SOBRE O ESTADO NOVO A PARTIR DE
SÃO PAULO

Curitiba-PR
2002

Este trabalho é parte da tese de doutorado que ora desenvolvo no Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais (Área de especialização: Estado, políticas públicas e
processos políticos contemporâneos) na Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), intitulado: “Estado Novo”: política e sociedade na ditadura de Vargas. Um
estudo sobre o Departamento Administrativo do Estado de São Paulo (1939-1946).
2

Elites políticas regionais e jogo político nacional: uma visão sobre o Estado
Novo a partir de São Paulo
RESUMO
O objetivo desta comunicação é redimensionar a estrutura de poder do Estado Novo
(1937-1945) a partir de um mecanismo pouco valorizado de formação das lealdades
políticas regionais. A literatura tem enfatizado, de forma unilateral, o programa de
centralização-concentração do poder no Estado nacional e o conseqüente desmanche
dos esquemas político-oligárquicos de dominação tradicional através principalmente
da ação das “interventorias” nos estados. Mas quando se considera a criação e a
atuação, a partir de 1939, de um outro aparelho, os Departamentos Administrativos,
tem-se uma visão mais precisa e abrangente sobre os processos políticos de
rearticulação das elites dirigentes em âmbito nacional e regional. Essa nova realidade
será vista a partir do caso exemplar de São Paulo.
Palavras-chave: Brasil - Estado e governo - 1937-1945; elite política; Departamento
Administrativo do Estado de São Paulo.

Adriano Nervo Codato,


e-mail: adriano@ufpr.br
3

I. Introdução: o problema
“[…] the problem that has been habitually the most crucial and
controversial of Brazilian political life, namely, the relations between
the federal entity and the states”.
Karl Loewenstein, Brazil under Vargas, 1944.

A Revolução de 30 e o conflituoso período político que se seguiu a ela —


“Governo Provisório” (1930-1934), “Governo Constitucional” (1934-1937), “Estado
Novo” (1937-1945) — marcaram um importante processo de transformação no
universo das elites (“oligarquias”) políticas brasileiras.
Como se deu esse processo? Qual a sua natureza? É possível identificar um
locus institucional onde esse processo ocorre (dentre outros)? Qual é, em última
análise, o seu significado? O objetivo deste trabalho é sumarizar algumas respostas
provisórias a essas questões.
A literatura especializada dedicada ao Brasil, tanto em História Política, quanto
em Sociologia Política, procurou circunscrever o sentido mais geral das novas formas
de recrutamento/renovação da elite política no pós-30.
Há, basicamente, três teses concorrentes disponíveis para compreender esse
processo. A primeira enfatiza a substituição de um tipo (“agrária”) de elite por outro
(“industrial”):
“A partir de 1932/33, gradualmente, as lideranças se renovam. Velhas
oligarquias são substituídas por novas oligarquias. Muitos dos antigos
„revolucionários‟, no decorrer de lutas sucessivas, são alijados ou se afastam [...]
Outros permanecem [...] chegou-se, afinal, entre 1932 e 1937, a uma renovação
geracional das elites políticas e à indispensável homogeneidade interna,
moldadas pelo intervencionismo e pela centralização política” (Camargo, 1983,
p. 38-39, grifos meus).
A segunda sugere, ao contrário, a ocorrência de um realinhamento dos
interesses dominantes (agro-exportadores e urbano-industriais) num universo
relativamente fechado e inelástico (Martins, 1983a)1.
A terceira tese, enfim, chama a atenção para a depuração sucessiva que as
freqüentes crises políticas promoveram nesse universo “oligárquico” (Pandolfi &
Grynszpan, 1997). Na visão dos autores, o processo político pós-30 “conduziu a um
alijamento de importantes segmentos das elites civis e militares. Uma forte evidência
deste processo de depuração é o fato de que, quando da instalação do Estado Novo,
parcela expressiva dos atores vitoriosos em 30, e que haviam assumido de imediato
postos de comando, encontrava-se marginalizada do poder” (Pandolfi & Grynszpan,
1997, p. 8).
Nossa hipótese é diferente. Ao destacar como foco de investigação certa
instituição política, pretendemos demonstrar que é precisamente através dos

1
Os limites desse processo são bastante evidentes: “qualquer mudança devia ser
contida nos limites da manutenção da estrutura de propriedade da terra. Tais limites,
de resto, não eram nem postos em risco, nem contestados em 30 por nenhuma força
social com capacidade política para fazê-lo — inclusive, ou sobretudo, não eram
contestados pelos interesses vinculados à industrialização. É essa circunstância que
justamente vai possibilitar a coalizão de interesses diferenciados (agrários, urbanos e
industriais) em torno dos anseios de „modernização‟ política já claramente explicitados
no curso da década de 20” (Martins, 1983a, p. 675-676).
4

Departamentos Administrativos dos estados que se dá um amplo processo de


renovação induzida das elites políticas durante o Estado Novo. Esse processo pode
ser mais bem avaliado em quatro dimensões onde ele ocorre: geracional, social,
econômica e ideológica.
Essa operação não foi simples, homogênea, nem unilinear. Ela se fez
principalmente por acomodações sucessivas e teve por finalidade uniformizar a elite
política, garantindo ao sistema político governabilidade, legitimidade e coesão.
O texto que segue está dividido em três seções. Na primeira, sublinho o locus no
interior do sistema estatal onde se dá (e de onde se dirige) esse processo de
renovação. Na segunda, discuto o impacto do funcionamento desse aparelho sobre o
universo das elites. Por fim, na terceira seção, avanço uma interpretação mais geral
ambiciosa desse processo histórico.

II. A inovação institucional: os Departamentos Administrativos dos estados


A Carta de 10 de novembro de 1937 dissolveu a Câmara dos Deputados, o
Senado Federal, as Assembléias Legislativas dos estados e as Câmaras Municipais
(Art. 178), atribuindo ao Presidente da República “o poder de expedir decretos-leis
sobre todas as matérias da competência legislativa da União” (Art. 180)2. Os
governadores (“interventores”) dos estados, por sua vez, deveriam exercer, “enquanto
não se reunissem as Assembléias Legislativas”, na fórmula eufemística da
Constituição, “as funções destas nas matérias da competência dos estados” (Art. 181).
Na prática, do ponto de vista que nos interessa aqui, todas as medidas de
natureza legislativa foram transferidas para o Executivo federal, pois caberia então a
Getulio Vargas a indicação — segundo o princípio estrito da lealdade pessoal — dos
interventores estaduais.
Esse ato, juntamente com as demais medidas de exceção contidas nas
“Disposições transitórias e finais” da Carta redigida por Francisco Campos, inflacionou
ainda mais a influência “administrativa” de Vargas, concretizando o processo de
centralização política e esvaziamento do poder das oligarquias regionais através de
um controle bastante severo da autonomia política, econômica, tributária e militar dos
diversos estados da federação.
Mas se essa fórmula autoritária pretendia resolver certos problemas colocados
pelos círculos dirigentes do regime (tais como: a “caótica rivalidade partidária”, o
“caudilhismo regional”, “a extremação de conflitos ideológicos”, a “infiltração
comunista”, o “clientelismo parlamentar”3), em vigor mesmo após as pretensões
reformadoras da Revolução de 30, ela acabava criando outros, mais delicados.
Ao eliminar o sufrágio universal e as liberdades individuais, os direitos políticos e
a liberdade de imprensa e, posteriormente, tornar ilegais os partidos políticos (em
dezembro de 1937), o Estado Novo reduziu, nesse movimento, não somente as bases
de apoio do regime, mas também os canais de vocalização de interesses, fazendo do
sistema político uma estrutura rígida e inflexível.
Assim, ao longo do tempo tornou-se urgente criar alguma instituição
representativa que pudesse, ao mesmo tempo, articular e agregar interesses,
acomodando a complexidade das situações políticas regionais, divididas e
subdivididas em cliques e grupos submetidos exclusivamente ao reduzido jogo político
dos interventores. A instituição dos Departamentos Administrativos dos estados em

2
Todas as refrências à Constituição de 1937 são retiradas de Porto, 1987.
3
Expressões textuais do "Preâmbulo" da Constituição de 1937. Cf. Porto, 1987.
5

1939 parece expressar esse desígnio4. Mas não só. A função fiscalizadora
expressamente atribuída ao aparelho sugeria a preocupação de Vargas em dotar
também o sistema político de um mecanismo de contrapeso ao poder crescente dos
interventores.
As funções políticas do Departamento na organização administrativa do Estado
Novo são desde logo evidentes. Na avaliação de Boris Fausto, “esse departamento”
tornou-se “uma espécie de substituto das Assembléias estaduais” (Fausto, 1995, p.
366; e Fausto, 1972, p. 87-88).
Segundo o decreto-lei que os criou, competia aos Departamentos
Administrativos:
“a) aprovar os projetos dos decretos-leis que devam ser baixados pelo
Interventor, ou Governador, ou pelo Prefeito; b) aprovar os projetos de
orçamento do Estado e dos Municípios, encaminhados pelo Interventor, ou
Governador, e pelos Prefeitos, propondo as alterações que nos mesmos devam
ser feitas; c) fiscalizar a execução orçamentária no Estado e nos Municípios,
representando ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, ou ao Interventor,
ou Governador conforme o caso, sobre as irregularidades observadas; d)
receber e informar os recursos dos atos do Interventor, ou Governador, na forma
dos artigos 19 e 22; e) proceder ao estudo dos serviços, departamentos,
repartições e estabelecimentos do Estado e dos Municípios, com o fim de
propor, do ponto de vista da economia e eficiência, as modificações que devam
ser feitas nos mesmos, sua extinção, distribuição e agrupamento, dotações
orçamentárias, condições e processos de trabalho; f) dar parecer nos recursos
dos atos dos Prefeitos, quando o requisitar, o Interventor, ou Governador”5.
Por tudo isso, não há como discordar da avaliação de um dos membros do DAE-
São Paulo:
“O Departamento Administrativo dos Estados, tal como o concebeu o decreto
institucional n 1 202, reúne, na esfera da sua competência, várias atribuições,
correspondentes a outros órgãos já não existentes, em face da organização
atual do nosso País. O Departamento Administrativo substitui a ação legislativa
das Assembléias do Estado, do antigo Senado e da Câmara dos Deputados;
substitui as Câmaras Municipais de todo o estado [de cerca de 270 municípios];
substitui o Tribunal de Contas na missão que hoje lhe cabe de superintender a
aplicação das verbas orçamentárias e a fiel execução da lei de meios. Realiza
também o Departamento Administrativo a missão de um órgão de consulta, de
um verdadeiro Conselho de Estado, quando esclarece e instrui os recursos cujo

4
Os DAEs foram criados pelo decreto-lei n° 1 202, publicado no Diário Oficial da
União em 10 de abril de 1939.
5
Decreto-lei 1202 de 8 de abril de 1939, Art. 17. O Art. 19 a que alínea “c” faz
referência dispunha o seguinte: “Caberá recurso, respectivamente para o Presidente
da República, ou para o Interventor, ou Governador, dos atos do Interventor, ou
Governador, ou dos Prefeitos que: a) atentarem contra a Constituição e as leis; b)
importarem concessão ou contrato de serviço público, ou sua rescisão”. O Art. 22
estabelecia: “Ficará suspenso o decreto-lei, ou o ato impugnado, quando no seu
exame, ou no do respectivo recurso, lhe for contrário o voto de dois terços dos
membros do Departamento Administrativo. Tal suspensão poderá ser levantada pelo
Presidente da República, sem prejuízo dos procedimentos ulteriores”.
6

conhecimento final pertence ao Sr. Presidente da República, opinando antes


dessa decisão final”6.
Nesse contexto institucional, como se organizou o Departamento Administrativo
do estado de São Paulo? Qual a sua composição? Qual a freqüência de suas
reuniões? Qual a natureza de suas decisões?
De acordo com as informações disponíveis, de maio a outubro de 1939, o
Departamento Administrativo do estado de São Paulo realizou 64 sessões ordinárias,
emitindo 1415 pareceres; em 1940 sua atividade foi ainda mais constante, tendo
apresentado 188 sessões ordinárias e 109 sessões extraordinárias, e votado 3 526
resoluções sobre os mais diversos temas da administração estadual; no intervalo que
vai de 01/01/1942 a 30/06/1943, o DAESP reuniu-se 594 vezes (sessões ordinárias) e
votou nada menos do que 3 762 resoluções7.
A composição do DAE-SP merece um comentário mais detalhado. Constituídos
por uns poucos membros nomeados diretamente pelo Presidente da República (no
mínimo quatro, no máximo sete, embora o decreto em questão previsse um máximo
de dez integrantes, dependendo do estado), o DAE-SP teve fixada sua representação
em sete integrantes.
Quem faz parte dessa elite política? Seria ingênuo imaginar que a nomeação de
dois tradicionais políticos do Partido Republicano Paulista (PRP), antigos adversários
de Getúlio Vargas, Goffredo Teixeira da Silva Telles e Alexandre Marcondes Filho,
para a presidência e vice-presidência do DAESP, respectivamente, fosse simples
coincidência. A formação inicial do Departamento refletia o desejo explícito de
acomodar as forças políticas autenticamente “paulistas”, de relações estremecidas
com o “ditador” desde 1932. Dos sete membros iniciais, Goffredo Telles, Marcondes
Filho, Arthur Whitaker, Antonio Gontijo, Cyrillo Júnior, Plinio Morais e Mario Lins, sabe-
se com segurança que pelo menos quatro deles (a maioria, portanto) eram políticos
destacados do Partido Republicano Paulista.
Ao longo do tempo, também representantes do Partido Democrático (Antonio
Feliciano e Marrey Júnior) foram incorporados ao DAE-SP, garantindo assim, por essa
via, algum grau de “pluralismo”, ainda que limitado, ao regime político.
Essas informações nos permitem avançar outro tipo de questão.
III. A renovação das elites
Como essa elite política é constituída? Para responder a essa questão é preciso:
1) determinar as formas de recrutamento da elite política;
2) identificar o locus institucional onde se dá preferencialmente esse processo; e
3) descrever e analisar o processo de mudança (ou conservação) de uma elite
política para outra.
Esses são passos indispensáveis seja para circunscrever a função política das
instituições sob o Estado Novo, seja para rediscutir o “corporativismo” das classes
dominantes8.

6
Renato Paes de Barros, em discurso pronunciado por ocasião da passagem do
primeiro aniversário do Departamento Administrativo do estado de São Paulo em
11/07/1940. DAESP, 1940, p. 1217, ênfase minha.
7
Cf. respectivamente: DAESP, 1940, p. 2861-2862 e p. 2856; além de Departamento
Estadual de Imprensa e Propaganda, 1943, p. 24-25.
8
Não há muita polêmica sobre o fato de que o modo predominante de intermediação
de interesses no pós-1930 tenha sido o corporativismo. Contudo, todas as análises
7

Esquematicamente, poderíamos afirmar, com base nos resultados preliminares


de nossa pesquisa, que o mecanismo por excelência de recrutamento da elite política
durante o Estado Novo foi a cooptação. Esse mecanismo visava garantir,
basicamente, um “pluralismo limitado” (Linz, 1980) no universo das elites (o que, por
seu turno, implica em fazer entrar, para o círculo das elites políticas, grupos
heterogêneos: novas e velhas oligarquias; altas e baixas oligarquias etc.). Esse
processo teve lugar no Departamento Administrativo do estado (DAE), e não em outra
instituição qualquer, o “corporativismo econômico” tendo outra função.
Daí que a reprodução das relações de classe, poder e prestígio se fez através
das instituições (e não através da família, das relações de parentesco, das ligações
motivadas pelo casamento, da influência de chefes políticos locais etc.). Isso significa,
em primeiro lugar, que é preciso levar em conta as instituições do Estado Novo9.
Há, de fato, “mecanismos institucionais” que garantem seja a integração das
forças políticas regionais seja, por via dessa integração, a estabilidade política do
sistema. Daí também que se deva recusar, assim, as idéias comumente difundidas
segundo as quais o Estado Novo foi um sistema político garantido ou somente pelo
“carisma” do líder (Sola, 1990), ou por mecanismos tradicionais de “confiança” que
ligavam as oligarquias regionais ao poder central tal como ocorria na República Velha
(Martins, 1983b). Existe uma novidade aqui — de natureza institucional — que merece
ser melhor investigada.
Deslocando o foco dessa discussão do terreno da presença efetiva de
instituições política de mediação sociedade-Estado para o terreno da elite política,
nossa análise procurou determinar quem são os conselheiros que participam do
Departamento Administrativo do estado (no caso escolhido: o de São Paulo).
A fim de descrever e analisar o processo de mudança (ou conservação) de uma
elite política para outra, buscamos enfrentar as seguintes questões: a) eles formam um
grupo político à parte, oposto a Interventoria (constituindo-se, portanto, numa “contra-
elite”)? Ou: b) há uma complementaridade de interesses entre os grupos que estão
nos dois aparelhos (DAE e Interventoria)? Como isso pode ser medido? Há uma
colaboração do DAE no processo decisório?, i.e., ele aprova todas as iniciativas da
Interventoria?; há uma circulação de elites entre os dois aparelhos? (o conselheiro
deixa o DAE e assume uma secretaria, ou vice-versa?).
Alguns critérios foram mobilizados para dar conta da análise do universo da
pesquisa (cf. Aron, 1991): a) a origem social dos políticos; b) a trajetória profissional
dos indivíduos (carreira); c) a ideologia (visão de mundo); e d) o grau de consciência,
solidariedade, coesão dessa facção de elite.
Como resultados gerais da pesquisa, podemos afirmar o seguinte: é
principalmente durante as décadas de 1930 e 1940 que ocorre, através de instituições

disponíveis insistem na modalidade econômica desse corporativismo: o Conselho


Federal de Comércio Exterior (CFCE), principal agência do aparelho do Estado no
período, possuía vasta representação das "classes produtoras"; e o Conselho
Nacional de Política Industrial e Comercial (CNPIC), ao lado da Comissão de
Planejamento Econômico (CPE), incluíam na sua composição "outros membros" (além
dos do governo Vargas) de "reconhecida competência", em geral empresários (cf.
Monteiro e Cunha, 1974; Diniz, 1978, p. 76-96).
9
Contra, portanto, a interpretação tradicionalmente aceita proposta por Skidmore,
segundo a qual “o sistema „não-político‟ do Estado Novo oferecia o veículo perfeito
para os seus grandes [de Getulio Vargas] talentos de conciliação e manipulação, que
por sua vez dependiam de contato altamente pessoal, com adversários e aliados”
(1992, p. 62).
8

como o Departamento Administrativo do estado, entre outras, um processo de


renovação das elites políticas. Como isso pode ser medido?
Há uma renovação em termos:
1) geracionais: a instituição acelera um processo que seria mais longo se fosse
“natural” (morte, afastamento voluntário, perda de prestígio em função da perda
de capital social ou econômico);
2) sociais: a elite política passa a ser recrutada em outras classes sociais
(camada média, por exemplo);
3) econômicos: os interesses que serão legitimados e/ou sancionados passam a
ser outros (por exemplo: mercado interno versus mercado externo; indústria
versus agricultura); e
4) ideológicos: há uma uniformização do discurso das elites que assumem os
valores autoritários do Estado Novo e abandonam o liberalismo oligárquico10.
Qual a natureza dessa renovação? Essa renovação se dá principalmente por
acomodação e não simplesmente por substituição. Há um “transformismo” (Gramsci)
no universo das elites.
Qual a finalidade dessa renovação? Basicamente: uniformizar a elite política. No
caso de São Paulo, por exemplo, antigos adversários do PD e do PRP, que irão
compor o Departamento, são os mesmos que irão formar o PSD em 1945, com o fim
do Estado Novo.
Essa uniformização visa garantir, por sua vez, três objetivos: a) governabilidade
ao sistema político; b) legitimidade ao esquema de poder, agora em condições novas;
e c) integração dos subsistemas regionais de poder, abrindo o caminho, por essa via,
para a unificação do Estado nacional.

IV. Conclusões
Qual o significado sociológico desse processo?
Em termos genéricos, trata-se de mais um “caso” que confirma a “modernização
conservadora” à brasileira. Mas, mais importante, para o que nos interessa aqui, é um
caso exemplar para que se tome o Estado como um lugar, ou, mais propriamente,
como uma “arena”: um aparelho ou conjunto de aparelhos onde se dá, concretamente,
a agregação/representação dos interesses das classes dominantes (Martins, 1976).
Sob o “Estado Novo”, essa função do Estado não se atualiza somente através do
corporativismo nos órgãos econômicos (Diniz, 1978), conforme as hipóteses até agora
aceitas, mas também através desse tipo de cooptação política em instituições tais
como o Departamento Administrativo dos estados. Assim, a incorporação dos
interesses (econômicos, políticos e sociais) não se dá apenas pela via “moderna” do
corporativismo, mas pela via “tradicional” da cooptação.

V. Referências bibliográficas
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10
Para uma evidência desse processo, v. Codato, 1997.
9

CODATO, A. N. O Departamento Administrativo do Estado de São Paulo na


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