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ESL LTS Pro Ceue mem aa Kem ir Maree) e) Com RUSP) ) Mult LT | 796.1. 18659.010 00 11172006 RS 06 Daniela Auad appre Tados os direitos desta edigto reservados 3 Feditora Contesto (Ediora Pinsky Leda.) Montagem de capae diagramagio Gureavo 8, Vilas Boat Revicio Lilian Aquino Ruy Azevedo Dados Inernacinsis de Calogato na Publicaio (CIP) Ziman Basia do Ln, SP, Bras Tand, Dai Educa meniase meninos «rages de ghero saa) Dil As.” Son Bolo Conse, Sibogaf ISBN'HS-7246.10 Diente sexo a educa 2. lacrosse aioe 3 glade ‘Sacaioral 4. Mesias ~ Eda 5 Meninor= Esgia [Tila Tals pn alg denon 1. Rages de gle nc: Pica pala 379.26 Eprrora Contexto Diretor editorial: Jaime Pinsky Rua Acopiara, 199 ~ Alto da Lapa (05083-110 — Sao Paulo ~ s? ranx: (11) 3832 5838 contexto@editoracontexto.com.br ‘wwweditoracontexto.com.br me Proibida a reprodusfo total ou parcial. (Os infratores serio processados. na forma da li Apresentag: Guacita Lopes Louro Qual educacao queremos para meninas @ meninos? Igualdade e diferenca versus desigualdade Os éculos que uso para olhar a realidade Genero como categoria de analise No meio do caminho tinha uma escola. Tinha uma escola no meio do caminho. Os pilares de uma pesquisa de campo “Quem vai sentar na fileina dos quietinhos?” Disciplina ¢ rendimento na sala de aula “Até as meninas estdo matracas hoj © uso da fala e as imeracdes com a professora “Ela é a menina que brinca com a gente’ © aprenslizado a separ brincadeiras ¢ jogos no patio Misturar é 0 bastante para mudar? Quando escola mista e co-educagao Sera que sempre foi assim? Um breve hist6rico sobre a escola mista E agora? Juntos ou separados? A escola mista no atual debate intemacional Da escola mista a co-educagao caminho para uma politica publica de igualdade de gener Sugestées de leitura e referéncias bibliograficas Aautora Agradecimentos fas escolas brasileiras, usualmente, meninas e meninos esto juntos. Pratica tao comum que quase nos parece “natural”, Um aranjo inquestionavel, a respeito do qual nao hi o que estranbat. Daniela Auad nao pensa assim. Ela se inquieta com essa paisagem, desconfia de sua aparente naturalidade € suposta harmonia e se poe a questioni-la, Nao esboga, contudo, qualquer sugestio de um nostilgico retomno aos territérios demarcados pela exclusividade de género. Propde-se, sinplesmente, a discutir o tal arranjo indiscutivel. Mai pontualmente cla se pergunta, e nos incita a perguntar, se @ escola mista, que conhecemos hd tanto tempo em nosso pa significa de fato co-educagio de meninos € meninas. Um bom comego de pesquisa. Questionar o que esti “dado”, problematizar 0 que € tido como definido e definitivo € trago distintivo dos melhores estudiosos, das intelectuais originais. Para ensaiar respostas & questo que levanta, a se movimenta por duas vias: de um lado, mergulha no cotidiano autora de uma escola publica brasileira, de outro, faz contato com a produgio na caminhada permite-Ihe construir “dados recursos para tecer seus argumentos € escrever este livro. Daniela articula o que vé, sente e ouve e as conversas que ‘mete”, em |, COM OS textos tedricos € as Pesquisas tas delas produzidas em distintas instincias académicas e em outros contextos ional ¢ internacional sobre © tema, Essa dupla juntar elementos € arma com as criangas ou as situagdes nas quais a pequena escola que teve oportunidade de examinar, mu institucionais. Dessa combinacao resulta um texto pessoal € direto. A autora niin se esconde, Daniela 10 conteitia, se expi comenta, explica, sugere, provoca. Acredito que a forma como alguém escreve esti sempre articulada, intimamente, & forma como pensa e conhece. Por certo estou convencida de que cabe ao leitor ou leitora atribuir um “tom’ umtexto. Porisso, preocupo-memenosem descobrir as “verdad ras” intencdes de quem escreve, Sei que toda escrita desliza, Um texto pode sempre ser lido de muitos modos, pode sempre ser reinterpretado. Mas hé textos que parecem carregados de um “tom” definitive ¢ outros que nos parecem mais abertos ou convidativos. Ha os que tendem a “fechar” as questoes que levantam ¢ os que se mostram menos cerrados (recheados de >). Ha textos que deixam explicitos a polémica e o dissenso. Ha os que perguntas, parecem sugerir que “entremos" na discus parecem impenetraveis, talvez por usarem cédigos que desconhecemos, outros que ji se mostram mais “cesatados” Enfim, existem mil possibilidades de escrever e de ler um texto. Nao tenho qualquerpretensao de sentenciar, aqui, qual omelhor ou mais conveniente caminho a seradotado. O que me interes ssinalar € que 0 modo como alguém escreve tem tuclo a ver as ¢ isso me permitiu refletir um pouco mais sobre o livro de Daniela. Descobrir suas escolhas te6r com suas escolhas te6ricas ¢ polit ‘as € politicas nao requer um esforco especial. Ela as escancara, j4 nas primeiras paginas. A “intengao” nao precisa ser adivinhada, ela é anunciada “antes de comegar(mos) a leitura’. Daniela diz que deseja fazer deste texto um livro para ser lide por professores em formacdo € em exercicio, para quem esta diretamente envolvido com a pritica escolar. Em vez de dirigir seu texto a comunidade académica da qual é ativa participante, ela transforma sua tese de doutorado em uma leitura “Util € agradavel”, acessivel discute. A militante feminista poe-se em acio como pesquisadora e autora, Sem rodeios, Daniela fala cle seu desejo toda gente interessada na questio que de “dar a conhecer” a respeito do campo em que se sume, deliberadamente, um tom pouco Pretensioso € constrdi um texto direto, permitindo-se movimenta. Por isso “raduzir® conceitos © teorias supostamente ja conhecidos nos espacos universitérios, apresentando as autoras € os autores que utiliza como referéncia, descrevendo 0 processo de pesquisa, os modos de fazer e de pensar, Escrito sob a 6tica feminista, 0 livro é, assumidamente, interessado. Sugere um tom pedagégico e politico, Sem esconder seu desejo de intervir no espago escolar, Daniela parece apostar na potencialidade do conhecimento como promotor ou facilitador das transformagdes que julga necessiitias. Daf seu desejo de que aqueles € aquelas que 9 Eduear meninas e moninos “mexem’" com 0 cotidiano escolar ~ seus leitores preferenciais — possam se aproximar ¢ participar das discussdes usualmente restritas aos espagos académicos. “U argumento central é o de que a escola mista se constitui em um meio € em um pressuposto necessirios, mas nao suficientes para a co-educagio. A fim de demonstear tal argumento, vale-se da descricio e da anilise das praticas didrias, que experimentam criangas @ adultos na Escola do Caminho, combinando esses registros e interpretagoes com estudos que nos falam de outras realidades educacionais. A combina talvez pouco ortodoxa, amplia a paisagem escolar, que € 0 alvo principal do livro, e permite a quem Ié interagir vivamente com 0 texto. Assim aconteceu comigo © relato desse cotidiano pode ser familiar 3 em exercicio, mas ele se constitui, freqtientemente, em uma espécie de “novidade” para aqueles ¢ aquelas que, como eu, vivem na academia. Habituados as polemicas e aos meandros das teorias, nds, ps professoras quisadores e estudantes dos cursos de vezes, distantes das priticas pos-graduaclo, estamos, muita do dia-a-dia de meninos € meninas. Por um lado, nossas discussdes académicas costumam ser, freqtientemente, desatentas &s especificidades das relacdes de genero nats) infaincia(s), uma vez que a maior parte da producio teérica de que dispomos parece assumir como referéncia os adultos jovens; por outro lado, quando buscamos compreender as dindmicas de género entre criangas, nos vemos diante da escasse7 desses estudos no nosso pais € acabamos lependendo, fortemente, das pesquisas estrangeiras. As brincadeiras, os jogos, a linguagem, os cédigos particulares de meninos € meninas das diferentes comunidades brasileiras pouco s registrados e analisados, Vejo aqui um dos principais méritos do livro de Daniela. O minucioso trabalho de campo que ela 10 Apresentacio empreendeu permitiu-lhe descrever © analisar e: particular dinmica de género, Assim, ela nos conta das divisdes na sala de aula € d: 5 misturas no patio € adivinha (ou atribui) uma “Iégica” a tal mistura. Descreve e anal de espacos, dispu ‘a brincadeiras, ocupacio. . hierarquias. Nao armadilha de construir um quadro analitico “coerente”, no qual posigd« i, no entanto, na es e relagdes de género, de algum modo definidas, servem para classificar sujeitos e priticas observadas, Seu estudo ganha em interesse exatamente porque ela registra, com igual ze0 e detalhe, situagdes e personagens que “fogem” da tl logica antes delineada; sujeitos € praticas que escapam ou perturbam as dindimicas que parecem usuais, A questio da escola mista e da co-educagio € discutida, pois, apoiando-se na andlise que a autora produz sobre as dinamicas observadas. A questi € discutida, também, com base no debate que atualmente vem se fazendo sobre 0 tema € com apoio em tragmentos da historia desse proceso. Ao longo do livro, Daniela estabelece um diflogo com estudiosas feministas, especialmente francesas, remete as teorizagdes recente sobre a questao, acentua diferencas nas priticas escolares observaclas, comenta proximidades, ece argumentos. livro parece alcancar, assim, um piblico bem mais amplo dc que aquele que a autora delineou nas primeiras paginas. Seu texto é generoso, Nao sto apenasas professoras e os professores em formacao em exercicio que ganham com sua leitura, quando se aproximam das teorias e dos debates contemporineos; também estudantes, pesquisadoras e profes griduagao © po: ‘ores dos cursos de graduacio tém oportunidade de entrar em contato com uma dindmica de género 2 qual a academia ainda nao da atencao efetiva. Além disso, a todos esses Ieitores € leitoras, Daniela ainda “dé a conhecer” detalhes de seu processo investigative, contribuindo para que os passos e percalcos de "4 ‘uma pesquisa educacional se tomem menos esotéricose restritos aos iniciados, Sem diivida, um livro especialmente “itil e agradvel’, tal como ela quis fazer. Estou certa que ganharemos todos com sua leitural Guacira Lopes Louro cont titular da urncs, participante do programa de pos-graduagao em Educagao na linha de pesquisa Educaclo € Relagdes de Género, Profes 12 > ag F eninas e m Igualdade e diferenca versus desigualdade De tempos em tempos, surgem estudos alardeando que homens tém neur6nios a mais ou neur mulheres. Sao noticiadas pesquisas que atestam que 0 ¢ cas mulheres é mais pesado ou mais leve do que o dos home ‘Também sao comuns estudos que lidam com a impetuosidade ros meninos e a fragilidade e medo nas meninas, como inios a menos que as érebro caracteristicas tipicas, Nao se pode esquecer ainda das pesquisas que ora atestam que meninos precisam de mais orem, ora revelam que meninas carecem de mais autoridade. Em resumo, sio muitas paginas, varios websites, diversos jomais, variadas revistas e poucos ~ porém ruidosos ~ livros que, de diferentes maneiras, acabam por provar “cientificamente” 0 porque das desigualdades entre © masculino € 0 feminino. Este livro no trata, portanto, de como podemos “criar” de maneiras diferentes, em razio de seu sexo. Fu no escreveria sobre isso, pois acredito que lindos gatinhos, por exemplo, podem ser criados, Graciosos caezinhos podem ser adestrados. Contudo, apenas meninas, meninos, homens ¢ mulheres podem ser educados. Educar pessoas nio €, portanto, uma simples técnica, amparada por dados cientificos, bem “amarrada e arrumadinha” em um atraente e colorido manual, Educar homens e mulheres, para uma sociedade demoeritica e igualit coletiva, dindmica e permanente. E é neste processo que 0 presente livro pretende colaborar. Para tal, uma das caracteristicas cesta obra é a preocupagao e odesejo de ser ttl e agradvel leitura para todos aqueles e aquelas que se interessam por educagio: professoras e professores em formagao ¢ em exercicio, pesquisadoras € pesquisadores de diferentes ramos das ciénciashumanase paise miesnao satisfeitos com as cristalizaclas explicagdes em rosa ou azul. Assim, por desejar contribuir para a construgao de uma edlucacio igualitéria ¢ demoeritica, nas piginas a seguir analiso aspectos hist6ricos, sociais e politicos tanto da relacao entre 0 masculino € o feminino na escola, como instituicto, quanto descrevo facetas da convivéncia entre meninas e meninos, em uma determinada realidade educacional. Persigo, dessa maneira, o objetivo de conhecer as priticas escolares. Estas, ao longo deste livro, sao percebidas como meninos € meninas firia, reqer reflexao. 14 ual eduoagio queremos elementos que produzem e posicionam os sujeitos que delas participam. Os significados sao produzidos nas priticas. Ou, conforme ensina Valerie Walkerdine, professora da Universidade ce Londres, as agdes, os objetos, as palavras existem com base ras priticas. As concepgdes, por exemplo, de “boa aluna”, “menino indisciplinado”, "mae devotada” ou “indio preguigoso” existem em razio de diferentes priticas, nao empreendida: recessariamente pelos sujeitos dos quais se fala. Se as priticas escolares sto a figura a ser focalizada ao longo deste livro, a categoria género funciona como os dculos cue permitem enxergar € analisar a co-educacio € a escola mista para meninos e meninas como cenjrio e pano de fundo. Nesse sentido, uma breve cronologia e o atuatl debate sobre escola mista também sao expressos em capitulos reservados para contextualizar essa tematica do ponto de vista hist6rico \ciolégico, comparativamente no Brasil e no exterior Acredito que 0 debate te6rico, no caso das pesquisas edlucacionais, tem valor medida que se relaciona com a pritica ea transforma. Por essa razio, o ceme deste livro encontra-se 1nos capitulos que revelam as observagdes ¢ os ckidos coletados na escola. Assim, as relacdes de género nas priticas escolares, ra sala dle aula € no patio, bem como os pikares da pesquisa, desenvolvida no Ambito do doutorado em Educagio, sto expressos em capitulos especialmente destinados para esse fim, Pretende-se revelar, pagina apés pagina, como a escokt pode ser o lugar no qual se do discriminatério “aprendizado da separagio” ou, em contrapartidt, como pode ser uma importante instincia de emancipagio e mudanga, Tal tansformacao, melhor sintetizada no tltimo capitulo, seria na directo do desenvolvimento de uma politica ptiblica de teflexdo sobre 0 masculino sobre o feminino. Essa politica edlucacional poderia promover @ igualdade e fazer com que as dilferengas nao se confundissem com as desigualdades. 15 Enfim, na maioria das vezes, 6 desejo de quem escreve que aleitura desperte o prazer em trilhar novos caminhos te6ricos priticos; aguce a vontade de saber mais e, conseqiientemente, agir diferente; crie a necessidade de mudar mentalidades atitudes. Nao sou diferente da maioria e, como autora, desejo que leitorase leitores, ao longo das \s deste livro, exercitem seus desejos por uma escola e por uma sociedade diferente para meninos, meninas, mulheres e homens. Assim, para aquelas € aqueles que desejam uma bibliografia de apoio e indicagoes de outras obras, a0 final do livro, é possivel acessar sugestdes de leitura e referencias bibliogrificas. Espero que todos e todas possam aproveitar bastante! 16 Os oct 9S que uSO para olhar a realidade Género como categoria de andlise Se considerarmos que ainda nao se chegou a vigésima {gina deste livro e a palavra género ja apareceu quase uma dezena de vezes ~ e até mesmo no titulo ela figura -, perceberemos a necessidade de entender, afinal, o que se evoca quando tal termo € utilizado. Como é de se esperar, todas as palavras e, portanto, também osconceitos, tm uma histéria. 10 € diferente em relacao a palavrinha 2 que estamos nos referindo. Para entender 0 que € _género ou oquesiioas relagdes de género, éimportante percorrer, ainda que brevemente, uma parte da historia dese conceito. Desde 1964, um psiquiatra norte-americano chamado Robert Stoller realizava estudos sobre masculinidade, feminilidade e a questo da “identidade de género”. Em 1975, a antropéloga Gayle Rubin jé definia a existéncia cle um sistema sexo-género em todas as sociedades. Décadas depois, em 1990, chegou ao Brasil um texto escrito por Joan Scott, “Género: uma categoria titil de amilise historica’ Essa publicacao contribuiu para que setores da rea de humanas reconhecessem a importincia das relagdes sociais que se estabelecem com base nas diferencas percebiclas entre © sexo masculino ¢ o sexo feminino. Ha ainda uma abordagem sobre a categoria género tio. ncias importante quanto © texto de Joan Scott. Refiro-me a vis proposta, em varios e ‘tos, por Christine Delphy. E: pesquisadora do Centro Nacional de Pesquisa Gientifica, na Franca, também foi co-fundadora, ao lado de Simone de Beauvoir, das revistas Questions féministese Nouvelles Questions _foministes. Nas paginas seguir, sera possivel conhecer 0 contetido de publicacdes produzidas por essa pesquisadora nas décadas de 1980 ¢ 1990 que sto marcantes até a atualidade. Assim, foi a partir da década de 1980, de maneira mais sistemaitica € por tomar como base autoras internacionais, que varias pesquisadoras brasileiras foram se apropriando do conceito de género. Tal apropriacio potencializou a percepelo da desigualdade entre 0 masculino eo feminino € entre mulheres € homens, como uma construgio social Olhar a realidade valendo-se dessa categoria como base provocou, portanto, o questionamento das tradicional assertivas sobre o que € “natural” para cada um dos sexos. E aqui € importante lembrar que tal carga subversiva da categoria geneto se deve a sua inegavel ligaclo com 6 movimento feminista. 18 Embort exista quem afirme “estudar género” sem serfeminista, €. partir desse movimento social que as bases des estruturaram, se ampliaram e se reformularam. Ao manterem a ligacdo entre feminismo € género, pesquisas, livros artigos podem ser portadores de reflexto € mudanga, sem deixarem de ser genuinas produgdes académi lo pesquisa questionam os fundamentos das disciplinas cientificas. Estudos que duvidam, por exemplo, cka heterossexualicaide como norma € 4 percebem como chave do sistema de dominacio. Publicagdes que problematizam os autores tradicionalmente citados e as categorias usualmente utilizadas, a fim de propor novos olhares & erzancipat6rias solugdes para antigos objetos de estud. O presente livro pretende estar alinhado com estudos como esses. Nesse sentido, adoto a categoria género por desejar pensar aspectos das priticas escolares, especificamente na © coneeito se Ss que educacao de meninas € meninos, que nao seriam percebidos sem essa apropriagao. Trata-se de contribuir para um questionamento nos fundamentos dos estudos sobre educacio, ao se tomar como base as relagdes de género. Quando comegamos a considerar as relagdes de género como socialmente construidas, percebemos que uma série de caracteristicas consideradas “naturalmente” femininas ou masculinas corresponde As relacdes cle poder. Essas rekacdes vio ganhando a feigdo de “naturais” de tanto serem praticadas, contadas, repetidas € recontadas, Tais caracteristicas sto, na verdade, construfdas, ao longo dos anos e dos séculos, segundo 0 modo como as relacdes entre 0 feminino eo masculino foram se engendrandlo socialmente. 19 Agora, apenas uma pausa part retomar 0 folego € ‘no pitulo, repito exaustivamente © masculino © 0 feminino perder 0 Ainimo. Ao longo deste que as relagdes de poder entr foram sendo construfdas socialmente ao longo da historia. Quero dizer que, por um lado, essas relacdes sto bem “antigas” m ai, Ou melhor, de diferentes € parecem que sempre estiver maneiras, essas relagdes de poder entre 0 masculino € 0 feminino sempre estiveram em toda parte! Por outro lado, também estou afirmando que as desigualdades no sao inatas © imutaveis. Uma vez construidas, elas podem ser transformadas! Vamos, entiio, prosseguir Christine Delphy, a pesquisadora francesa colega de Simone de Beauvoir, sobre a qual falamos paginas atris, afirma ser 0 género “um produto social que constr6i 0 sexo” Justo agora que estava comecando a ficar mais claro, apareco. Vamos ver, passo a paso, 0 que isso quer dizer: vy Sexo e género nao sto a mesma “coisa”, ‘embora estejam relacionados. ty Se as relagdes de género no existissem do moo como as conhecemos, © que percebemos como sexo 0 seria valorizaido como importante, (Ou seja, ter um penis ou ter uma vagina poderia ser apenas uma diferenca fisica entre outras, vy As dliferencas anatOmicas entre homens e mulheres (ter um, penis ou uma ter vagina, por exemplo) nto teriam nenhuma significacio valorativa em si mesmo nao fossem os arranjos de género vigentes na nosst sociedad, 20 05 dculos que uso para olhar @ reaidade ty © enero ~ como um conjunto de ideas & representagdes Sobre 0 maisculino e sobre o feminino ~ cria uma determinada percepcio sobre 0 sexo anatémico. E, entao, ter penis ou ter vagina, ser menina, homem, mulher ou menino determina quais sero as informacoes utilizadas para onganizar os sujitos em uma desigual (e inreal) escala de valores. Linda Nicholson, professora dt Universidade de Comell, considera que, em muitas sociedades, as caracteristicas corporais de homens e mulheres eram —e continuam sendo — uma forma comum de diferenciagio entre o mascutino e 0 feminino Apesar disso, essa autora americana deixa claro também que o sentido das distincdes entre masculino € feminino pode mudar de sociedade para sociedade, € ainda m uma mesma sociedad, ao longo de su hist6ria. Assim, nao é preciso haver tum Ginico Conjunto de critérios que permita concluir 0 que & ‘ser mulher” € © que € “ser homem’. Muito bem! Algumas paginas sobre 0 conceito de género se passaram e © que isso quer dizer ainda nao esta claro? Nao se assuste! Embora género seja uma potente categoria, esta longe de ser entendida da mesma maneira até mesmo pelas etudiosas € pelos estudiosos das relag omasculino. Sendo assim, vejamos se um resumo pode ajuda. Género nao € sindnimo de sexo (masculino ou feminino) As relacdes de género correspondem ao conjunto de representagoes construido em cada sociedade, ao longo de sta hist6ria, para atribuir significados, simbolos e diferencas para cada um dos sexos. As caracterfsticas bioldgicas entre homens e mulheres st0 entre o fe inino e interpretadas segundo as construgdes de género de cada sociedade, Ou, em outras palavras, as caracteristicas ¢ diferengas 24 anatomicas sto enxergadas, percebidas ¢ valorizadas do modo como 820, € nao de outro modo, gracas 4 existéncia das relacdes de género socialmente construidas. Por exemplo, no momento em que uma crianga do sexo masculino nasce e ouvimos dizer “E menino!”, assistimos a primeira interpretagao de uma série que, de diferentes formas, moldara as expectativas, as experiéncias € © modo como se dard a insercao € a participacio dessa crianga no meio social Assim, ser homem ou ser mulher corresponde a pertencer 0 género masculino ou feminino, Tal relagao de pertencimento a um género prevé negagao € o distanciamento ao sexo que nfio € 0 seu, 0 chamado sexo “oposto”. Portanto, 0 modo como percebemos cada um dos géneros pressupde oposicio e polaridade. O feminino ¢ associado, na maioria das vezes, a fragilidade, a passividade, & meiguice € a0. cuidado. Ao masculino corespondem atributos como a agressividade, o espirito empreendedor, a forca € a coragem. Muitos so 0s adjetivos que podem ser citadlos, mas fato € que a ta excluida maioria dos atributos presentes em um género es automaticamente do outro. Em poucas palavras, pode-se dizer que sexo € percebido como uma questo relativa 3 biologia, enquanto ‘© género é uma construcao hist6rica a partir dos fatos genéticos. A idéia de oposicao entre os géneros conduz, dentre varias rocaclas. A seguir, estio dois conseqliéncias, a muitas idéias equi exemplos dessas idéias que reforgam as desigualdades ¢ fazem as, pessoas menos felizes. ApOs cada idéia, ha uma breve explicaciio, de modo que seja possivel refletir ¢ entender 0 equivoco. @ Todos os homens de umes mesma sociedade SIo iguats, assim como todas as mulheres 0 sio. © Navercade, hi dferengasentre homense mulheres de ums mesma socieclade e entre homens e mulheres de sociedades diferentes. 22 ® Os homens sempre dominam e as mulheres sio sem- pre clominadas ® por um lado, & verdade que 0s individuos do sexo masculino detém maior e mais diversificado poder em nosso meio, por outro, nao ha como afirmar que as mulheres niio detém nenhum poder, Ambos os sexos exercem diferentes & variadas formas de poder. E importante notar como 0 poder — que tipo de poder — € distribuido de maneiea desigual etre os sexos € como as diferengas sexuiis (ter penis ou ter vagina, por exemplo) sio um forte critério nessa distribuigio, tomnando-se sindnimos de desigualdades. @ Questionar, e nao imediatamente negar, © que percebemos como tipicamente feminino ou tipicamente masculino pode ajuclara notar como muitas diferengas entre homens e mulheres nao so naturais. Hi de se duvidar do que é visto como “coisa de mulher” ou como “papo de homem”. Termos como esses podem revelar concepgdes desiguais dos sujeitos. E as desigualdades acabam por ditar do que meninas boazinhas devem brincar, 0 que homens fortes devem fazer, do que toda mulher honesta deve fugit € como um menino corajoso deve se comportar Ainda sobre as diferengas ¢ as desigualdades, é importante lembrar 0 que ouvi repetidas vezes dle Maria Victoria Benevides: ‘0 contrario da igualdade no € « diferenca, O contritio da igualdade é a desigualdade. Uma diferenca pode ser culturalmente enriquecedora, to paso que uma desigualdade pode ser um crime Vamos descobrir, nos capitulos a seguir, como a categoria género pode ser um par de dculos revelador das relagdes de poder desiguais no interior da escola. No meio do caminho tinha uma escola. Tinha uma escola no meio do caminho. Os pilares de uma pesquisa de campo A escola piblica escolhida era, em um s6 tempo, comum e especial. A observacio, a anilise e o estudo de suas priticas permitiram conhecer as relagdes de género. Vale notar que essa escola sempre esteve no meu caminho, antes mesmo de surgir 0 desejo de tomé-la como campo de pesquisa. Em meus tempos de faculdade, passava em sua porta dentro do énibus que me levava de casa até a universidade na qual a Peclagogia. Anos depois, ao iniciar © doutorado, foi ali que elabor para professoras e, a0 tomé-lo como fundamento, escrevi e publiquei posteriormente o livro Feminismo: que historia é essa?” Assim, essa escola que, inicialmente, estava apenas no meu um curs caminho geogrifico, se tomou pouco a pouco o terreno no qual eu poderia realizar varios dos meus projetos e desejos. Vale notar que elt nio estava s6 no meio do “meu caminho”. Na sua porta, havia paradas iniciais e finais de Gnibus. Assim, a escola estava também no caminho de muitas trabalhadoras e trabalhadores que ali deixavam seus filhos, em meio a toda a fumaca dos Onibus daquele agitado baitto. ‘Ao olhar as criangas entrando € saindo daquela instituicao de ensino, ao passarem por baixo do bonito arco florido, pensava no caminho geralmente tortuoso dla escolarizaclo de meninas e meninos das classes populares. Pelo menos ali, na entrada ¢ saida da escola, havia flores. Por todas essas razdes, a escola, campo de pesquisa, foi rebatizada por mim como “Escola do Caminho”. ‘Tal unidade localiza-se na cidade de Sao Paulo, em um baitro de intenso comércio, mas também com valorizada 4rea residencial. Ali era oferecido ensino fundamental de 1° grau, ciclo 1, ou seja de 1" a 44 série do primario. Os seiscentos alunos matriculados dividiam-se em moradores do bairro e também de localidades mais distantes do centro da cidade. As criangas que moravam nessas regides afastadas dirigiam-se a escola em companhia de seus pais. Estes, geralmente tabalhavam no bairro da escola como comerciantes dle economia informal (camelés), balconistas, zeladores, faxineiros(as) € secretirias. As cria IS que moravam prOximas a escola, na 26 profissional no local de trabalho. Tanto para as crian moravam em bairros mais afastados quanto para aquels residentes no bairro da escola, a proximidade do emprego dos pais era um motivo central para a freqiiéncia, Ocupei-me da Escola do Caminho durante quatro anos. Com a segunda, terceira e quarta séries clo ensino fundamental, realizei observagdes nos patios e nas salas de aula. Além disso, busquei, selecionei, li e analisei livros, artigos e relatérios de pesquisa sobre a tematica “relagdes de género ¢ educagio escolar’. Essas publicacdes eram origindrias de paises europeus, anglo-saxdes € latino-americanos. Vale notar que entre as pzodugdes latino-americanas estio as obras brasileiras. Assim, para alcangar o objetivo principal de conhecer as relagdes de género nas praticas escolares, mantive as odservacoes na Escola do Caminho e, 40 mesmo tempo, tabalhei longamente com grande conjunto de textos Decodifiquei-os quando eles se apresentavam em outro idioma €, a0 fazé-lo, traduzi teorias € conceitos. Esse conhecimento contribuiu muito para o desenvolvimento de minha pesquisa € deste livro. Espero ainda que possa auxiliar todos aqueles € aquelas que desejarem conhecer mais sobre o tema. Vale notat ie as principais publicacdes clesse mencionado conjunto esto no capitulo sobre sugestoes de leitura e referéncias bibliogrificas, ao final do livro. Para leitoras e leitores mais nacionalistas, relembro que no € de hoje que a utilizagao de publicagoes internacionais traz eneficios 2s pesquisas brasileiras. Bom exemplo disso € a apropriacio da categoria género, sobre a qual nos clebrugamos no capitulo anterior. E na mesma situagao de importagdo estio outros tantos conceitos, como “cuidado” e “masculinidades’, 27 construidos, respectivamente, com base nos estudos de Nel Noddings e de Robert Connel, ambos americanos Nao diferente desses exemplos, este livro se beneficia de textos estrangeiros sem que isso o tome tm estranbo no ninbo em meio As pesquisas educ: vamos, nos capitulos a seguir, nos encaminhar ao que francesa Claude Zaidman chama de “o coragio do estudo” Por um lado, saberemos quais interagdes entre meninos & meninas foram toleradas, encorajadas e induzidas nos diferentes ionais. espacos e atividades escolares. Por outro, pela raridade das aparigdes, saberemos quai foram as situacOes que nao eram {fo aceitas ou to motivadas entre alunas ¢ alunos. Nesse caso, © silencio e a auséncia de determinadas cenas podem ser tio relevantes quanto a presenga do que aparece continuamente nas observagdes. Poderemos perceber, finalmente, certos modos, da quadra a classe, em que as relagdes de género sfio elementos signiticativos nas vivéncias de meninas e met 10s. 28 Disciplina e rendimento na sala de aula Na Escola do Caminho, como na maioria das escolas, era comum que as professoras, e os adultos em geral, apena dissessem “classe” ou “alunos”, para se referirem aos meninos € As meninas, Essa nao-diferenciacdo, quando aplicada, era valida para o discurso, para a fala das pessoas, mas nao necessariamente para as priticas. © uso do masculino genérico € comum, pois se refere até mesmo a regra gramatical, que recomenda que, para dirigir-se a um grupo misto, as palavras utilizadas devem ser de género masculino. E por essa razio que, se tivermos em uma sala vinte meninas e apenas um menino, a regra gramatical ditard ‘0.uso da palavra “alunos”. Vale notar que algumas professoras, pesquisadoras e feministas, ao subverterem tal regra, jd adotam © género da maioria numérica (alunas ou alunos) ow utilizam os dois géneros (alunas e alunos). Diante dessa adogio do masculino genérico, & possivel pensar, inicialmente, em duas hipéteses: @ As representagdes sobre © masculino e o feminino, além do sexo dos sujeitos, sto utilizados para organizar as prticas escolures, So, contudo, sllenciados nos discursos, Desa forma, nao se pensa sobre como a utlizago desses elementos na organizicio do trabalho na escola pode promover situaigdes cle desigulklade. © As professoras ¢ demais adultos que trabalhavam na escola, mesmo sem refleirem sistematicamente a respeito, poderiam acreditar que estavam sendo igualitérios em rel criangas. Adotar essa discursiva neutralidade pote parecer melhor do que diferenciar meninos € meninas. Apesar da intencao ser boa, mais adiante veremos como o neutro é, na verdade, a consideragao apenas do masculino como um padrio, sem nem lembrar que o feminino existe! @ Nio € 86 no Brasil que as diferencas sexu oficialmente, ainda que Zaidman observou essa mesma ocorréncia nas falas dos adultos franceses com relacio & sala de aula. Nas priticas frances 40 contririo, as diferencas de comportamento entre menina © meninos eram utilizadas para facilitar a condugio da clas: © a manutencao da disciplina, 10 apagadas fio de maneira intencional. Claude 30 “Quem vat sentar na fileira dos quietinhos?” Tanto no Brasil quanto na Franca € possivel dizer que as diferencas entre meninas € meninos sto organizadoras do espago social de as meninas serem consideradas No caso francés, por exemplo, geralmente as criangas eram onganizadas em altemnancia nos assentos da sala de aula. Com © objetivo de manter a disciplina, os meninos sentavam-se com as meninas e as meninas sentavam-se com os meninos. O resultado disso, segundo as professoras, era meninos “estabilizados”, ou seja, sem tanta possibilidade de dispersio, e meninas convertidas em “auxiliares pedagégicas”. Tal “mistura” de meninas e meninos, segundo as mestras, garantiria © bom andamento da disciplina na sala de aula. No Brasil, as professoras da Escola do Caminho, para obter ordem e disciplina, nao juntavam meninas € meninos, como acontecia na Franga. Ao contrario, elas langavam mao da “separagio” dos grupos e fundamentavam tal parti diferengas sexuais. No caso da escola brasileira estudada, as caracteristicas tradicionalmente consagradas como femininas e masculinas eram utilizadas para obter disciplina. Um exemplo disso sto aS comuns € rotineiras situagdes nas quais as professoras pediam para as meninas fazerem mais siléncio e, assim, ajudarem na ordem da sala, Presenciei episédio em que, para tentar manter a classe em siléncio, a professora disse, em tom de reprovacao: “At@as micninas ESE matrleaS|HOje!" Tal frase pode revelar a percepcio de que a classe realmente estava for de controle quando aié as meninas estavam distantes do silencio e da ordem esperados. Além disso, a frase revela que © uso da palavra pode ser distribuido e motivado de modo desigual entre meninos € meninas. 3t Nesse sentido, como mencionei, na Escola do Caminho, as professoras, 10 se referirem as criangas, diziam expressdes como “alunos” e “classe”. Em oposigio a essa “neutralidade” pedagégica, nas classes de 2', 3 4’ séries, meninas sentavam- se com meninas ¢ meninos com meninos, em colunas As duplas sentavam-se para trabalhar como separada elucidado no esquema a seguir Mesa da professora Lousa Porta 9 70 10 0 OO 10 1 40 40 Aaaaa AAaAaaa 40 4 40) 40/0 7 C10 0 10 AAAAA AAaAaaa s 3 menina d= menino Nas fileiras numeradas como um e dois, perto da mesa da professora, sentavam-se as criancas que mais interagiam com a educadora ¢ entre si. Tal interacio parecia ocorrer porque as criangas eram mais participativas ou mais ruidosas ou mais indisciplinadas (ou todas essas caracteristicas juntas!) Ni fileiras denominadas trés e quatro, perto da porta, sentavam- se as criangas mais quietas e que interagiam menos com a professora e com as demais criangas. 32 ira dos quietinhos? Dessa maneira, a relago parecia ser a eguinte: quanto is perto da mesa da professora, mais participativa e inquieta parecia sera crianga. Porém, quanto mais perto da porta, menos interativa € menos ruidosa parecia ser a crianga, ma A observacao dos fatores acima nao guardava relagio necessariamente com um rendimento ruim das criangas ao fazerem as ligGes. Nao raro as criancas colocadas pesto da porta (fileiras trés e quatro) pareciam ser percebidas pela professora como aquelas que “rendiam bem”. Elas conseguiam fazer os deveres e acompanhar a aula sem necessidade de serem supervisionadas tio de perto. Quanto as criancas sentadas perto da mesa da professor (fileiras um e dois), pareciam necessitar de um acompanhamento mais rigido e de uma supervisio mais atenta E importante ressaltar que na Escola do Caminho eram os meninos que marcadamente apresentavam “problemas de disciplina”. Tal indisciplina dos garotos pode ser constatada em varias realidades. Pesquisas em livros e artigos de varias nacionalidades mostram que isso também ocorre em escolas francesas, catalas e anglo-saxas. Destaco que as construgdes social sobre o masculino, assim como as idéias relativas ao que esperar de um menino, podem conter dados que associem os meninos a imagem de “bagunceiros” ou “ameagadores da ordem”. Além disso, a pesquisacora francesa 5 Homens e meninos tetiam, por uma série de fatores, maior facitidade em recusar autoridade porque, de virios mod¢ esse € um comportamento mais aceito, ou quase esperado, dos seres que possuem pénis. E pobrezinhos daqueles que desejarem ser obedientes! 33 De fato, muitas vezes vi meninos indisciplinados andarem ou sentarem no fundo da sala para conversar e brincar, no mesmo momento em que o restante do grupo de crianeas fazia alguma atividade pedagogicamente orientada pela professora, Essa recusa espacial da autoridade da professora pode ser percebica como uma maneira de exercer certa independéncia © autonomia. E, por vezes, as professoras acabam considerando esse fato uma manifestagio desejada © necessiria de masculinidade. Algo que gira em tomo do popular *menino muito quietinho é porque esti doent Em relacao 4s meninas, buscar autonomia ¢ independéncia, ou mesmo se distanciar espacialmente dos adultos, podem set atitudes percebidas como algo que no combina com o feminino. Mosconi relata que algumas professoras francesas s, bus entendiam a indisciplina das meninas até mesmo como um desrespeito no Ambito pessoal. Um dos efeitos dessa postura desigual das professoras diante da indisciplina de meninos e de meninas era a diferenga de rendimento entre eles, Na Escola do Caminho, as meninas usualmente tinham cacemos mais completos ¢ organizados do que os meninos. Elas, muitas vezes, terminavam as tarefas e partiam para uma segunda atividade, planejada pela professora apenas “para quem acabasse a ligao” Tal atividade consistia em fazer um desenho ou pintar uma gravura, prémio paraa crianga que finalizasse a atividade principal Havia um grupo de meninos, geralmente o mesmo, que nao acabava sequer a atividade principal proposta pela professora. Eles abandonavam as tarefas escolares passadas pela professora para conversarem, andarem pela classe ou desenharem, Embora nem todos fizessem isso, vale notar que, quando havia algum grupo impedindo, de modo ruidoso, 0 desenvolvimento do trabalho proposto pela professora, esse grupo era composto, na maioria das vezes, por meninos. 34 Dentre varias conclusdes, € possivel notar a atuagao dos meninos como prejudicial ao desempenho escolar deles mesmos. Nio vamos, contudo, nos deixar seduzir pela idéia de criar escolas separadas para os meninos, como se isso foss per si melhorar a situacio de escolarizagio deste E apesar do debate sobre escola mista versus escola separaca ser realizado nos proximos capitulos, adianto que também nao & possivel sustentar, segundo observei, teses nas quais os meninos poderiam atrapalharo rendimento escolar das meninase, por essa radio, deveriam freqiientar escolar separachs. O rendimento das meninas estava, de diferentes maneiras, salvaguardado, No caso delas, a escola parece utilizar diferenciadas hcbilidades produzidas pe la educaco fora da escola, como na fanilia, de modo que seja facilitado 0 rendimento na sala de aula, As demandas enderecadas a meninas reforgam uma apresentacio exemplar de cademos e deveres. © papel de “boa aluna que ajuda os colegas’ é uma dessas demandas € corresponde a uma gratificaglo para as meninas. Por um lado, elas siio aquelas que servem, esto 2 di sposi¢do para ajudar e atenderas necessid.tdes dos outros; por outro lado, elasangariam algum poder com isso, ao se relacionarem com as professoras & ‘ccm as demais criangas, em um patamar diferenciado. Esse retrato da tradicional socializacio feminina é um modo, de reforgar e perpetuar uma determinada divisio sexual do trabalho, Nessa divisto, as meninas e mulheres sdo a obedientes, cuidadoras, que trabalham duro e asseguram cordem, sem jamais subverté-la, Nao é preciso pensar muito para saber que tal expectativa em relacio 2s mulheres e meninas pode causar um tédio atroz, além de ser irreal, pois muitas mulheres nao & seguem. Outras as seguem e, nao raro, sio inielizes por jamais saberem, por exemplo, quai proprias necessidades € seus desejos. slo suas 35 Para meninos e homens, a demanda por comportamentos rebeldes, a fim de reafirmar a masculinidade, pode ser também bastante fantasiosa € “cansativa”, tanto para eles quanto para quem os rodeia. E, para ilustrar essa mentalidade, hd a antiga popular que diz que “homem muito educado s6 pode ser gay” (Il). Entao quer dizer que, se virmos uma mulher tendo algum comportamento que foge as regras da boa conduta, ela sera lésbica? Pois saibam que tenho amigas Iésbi to ou mais educadas que Lady Diana amigos gays tio ogros quanto o carismatico Shrek! As pessoas so mesmo diferentes, nao importa quem elas amem ou com quem se deitem. So as diferencas entre as pessoas que fazem do mundo um lugar cada vez mais divertido para se viver 36 ‘Até as meninas matracas hoje! O uso da fala e as interagdes com a professora Um outro ponto a ser destacado na Escola do Caminho era a predomindincia da ocupacio do espago sonoro pelos meninos dentro da sala de aula. Com isso quero dizer que | algumas criangas falavam alto e © tempo fodo ¢ estas eram, na maioria das vezes, meninos. Impor-se pela palavra significa geralmente, em nossa sociedade, capacidade de lideranga. Na escola, tal comportamento correspondia a isso e também a uma maneira de perturbar o bom desenvolvimento dos trabalhos em sala de aula. De um modo ou de outro, tomar a palavra era um fator de poder na Escola do Caminho e surtia como efeito chamar & atengio da professora. Assim, ela interagia com mais freqiiéncia com os meninos falantes, 0 que demonstrava diferencas na relacao entre professora/aluno e professora/aluna. Nessa perspectiva, ha mais um ponto a ser observaclo quanto A motivacdio que os meninos receberiam para ndo serem bons alunos. Alguns meninos que respondiam corretamente as perguntas da professora ¢ faziam todas as ligdes pareciam gozar de tanta lideranga quanto os meninos que faziam a classe rir € desconcentravam as demais criangas com gracejos e brincadeiras. A dominacao dos meninos era recorrente em ambos os casos, embora encenando diferentes lugares de destaque. Na Escola do Caminho, tomar a palavra, ou sefa, falar na sala de aula, pa dos meninas correspondia também & tomada de poder, Asmeninasfalavam entre elas, Conversavam, sobretudo, com a colega que se sentava imediatamente ao lado. Comumente falavam mais baixo que os meninos. Estes, por vezes gritando, estabeleciam comunicagao com os meninos € as meninas sentados ao seu redor € também em fileiras mais distantes, AS meninas pareciam dirigit a palavra mais as professoras, quando. pediam explicacées sobre execucio de tarefas. As professoras, entretanto, falavam mais com os meninos, para peditem siléncio, participacto e «tenedo ao que se passava na lousa ou para a execucio de exercicios. Assim, como na Quadrilba, do poeta Carlos Drummond, as meninas falavam com a professora, que falava com os meninos, que falavam com todo mundo, mas geralmente nao obedeciam ninguém. Nesse sentido, duas pesquisadoras francesas, Annick Durand-Delvigne e Marie Duru-Bellat, consideram as interacoes pedagégicas menos estimulantes para as meninas. 38 to matracas hoje! participarem de uma dindmica em sala de aula dominada pelos meninos, aprendem que suas contribuigdes t¢m pouco valor e que a melhor solugao consiste em se retrair. De fato, segundo minhas observacdes na Escola do Caminho, verifiquei que as meninas pareciam agir como se sua melhor contribuigdo fosse auxiliara professora na manutengao dat ordem da classe. Os meninos eram os mais repreendidos quanto a disciplina, mas eram as meninas as mais exigicas nas tarefas. E a essa altura jf demorei em lembrar leitoras ¢ leitores que nip acho as professoras mas ou “machistas”. Acredito apenas que algumas professoras podem temer a contestaco de valores € papéis tradicionalmente consagraclos. Talvez se pense que tal questionamento abale valores éticos, como a familia ea imagem das mulheres como “civilizadoras”. E possivel reverter esse quadro com sensibilizacao, estudo, formagao e debate, processos para os quais este livro pretende contribuir. Continuando. Apesar das demandas por disciplina diferenciaclas para meninas € meninos, as meninas nao constitufam, na Escola do Caminho, um grupo mais retraido. De toda forma, havia liferenca entre os mods de meninas e de meninos se exporem. Os meninos expressavam-se com movimentos mais amplos € falavam mais alto do que as meninas. Além disso, corriam, davam_ cempurtdes ¢ faziam ameacas diante de contrariedades, Os modos de falar eram permeados por xingamentos e frases curtas. Na maioria do tempo, essa maneira de estar no mundo lhes rendia a garantia de ocupar e dominar os espacos fisico € sonoro. As meninas, de outro modo, conversavam bastante entre sie de maneira articulada. A maior parte do tempo pareciam set mais falantes mais risonhas que os meninos. As diferencas entre meninas € meninos certamente nio si0 naturais. Meninas que aparentam meiguice ou meninos que falam, 0s gritos sio resultantes do modo como as relagdes de género foram construidas na nossa sociedade ao longo do tempo. 39 Révear moninas © mesiioe ico sobre educacio e diferencas s. Ele se chama Ha umivro considerado cl de comportamento entre meninos € menina O descondicionamento da mulher. educar para a submisséo escrito pela italiana Elena Belotti. Ao valer-se de pesquisas, ela obteve a descrigzio de determinado padrao acerca do masculino e do feminino, Esse modelo, uma vez construido em nossa far ainda em ago na escola. Vamos ver, em sociedad, pode e quadro comparativo baseado na obra de Belotti, 0 que é tradicionalmente esperado de meninos e de meninas: Meninos Meninas Dinamicos, barulhentos Apalicas, traniilas, e agressivos. déceis e servis. Indisciplinados Disciplinadas e desobedientes. © obedientes. Negligentes; ‘Metédicas e cuidadosas; nao sao aplicados. so perseverantes. Escrevem devagar, Arrumadas, conservam-se 80 desarrumados e sujos. limpinhas e asseadas. ‘Auténomos, no dependem, | —Dependentes do conceito da com constancia, professora, pedem aprovagao de afeto, aprovagao e auxilio, e ajuda com freqiéncia. ‘Seguros; nao choram Choronas, com facilidade, e emotivas. Solidarios com outros, Fracas de carater do mesmo sexo e com © pouco solidérias ‘agugado senso de amizade, com as colegas, 40 descrigdes acima sito caricaturas e, como tal, acentuam € exageram até deformar os tragos considerados caracteristicos € tradicionais. O: longe de apresentarem exatamente © que narra 0 quadro de oposicio de meninos € meninas. As relacdes de género uansformam-se € sao mais dinamicas do que as caricatas aciora italiana na década de 1970, De todo modo, tais tragos cristalizados rotineiramente aparecem meninos ¢ as meninas da Escola do Caminho estio dlescrigdes feitas pela pesqui cono pano de fundo no cotidiano escolar. As priticas escolares ora confirmam ora rechagam esse modelo. Boa expressio desse processo sao os livros diditicos, Estes representa verdadeiros modelos para meninas ¢ meninos e garantem, no interior do sistema educativo, lugar de destaque para as desigualdades. Nesses livros, numérica e quilitativamente, mulheres, meninas € pessoas nao brancas ainda esto sub-representadas. Tais materiais didaticos acabam sendo mais um modo de reforcar imagens priticas hierarquicamente diferenciadas entre o masculino e o feminino. Apesar disso, em setores do meio académico, ha certa sensagio de problema resolvido © de questdo ultrapassada quando se fala em estudos de género nos livros dicticos. Tal pescepgio, provavelmente, nao compartilhada por estudiosas e educadoras cuja proximicade da realidade escolar brasileira 6, além de teérica, fisica E verclide que no Brasil muito jd se pesquisou e se escreveu sobre desigualdades © preconceitos nos livros didaticos. Também € certo que questio esti longe de ter uma solucao. A exemplo da creche, bandeira de luta dos primérdios do movimento feminista que ainda nao foi conquistada por todas as mulheres € criangas brasileiras, os livros didéticos nao at expressam as melhores conviccdes igualitirias entre o feminino e o masculino. Que isso soe como um convite! Que as estudantes, os pesquisadores, as feministas € 0s professores desejem pesquisar, analisar, denunciar e transformar os livros didaticos brasileiros. 42 O aprendizado da separagao nas brincadeiras e jogos no patio ‘Talvez jé tenha dado para notar que a observacao de situagoes € atividades escolares pode informar onde € como aparecem diferengas, polaridadese assimetriasde genero no coticiano escolar. Por essa razio, relembro quao reveladoras podem ser tanto as interagdes toleradas e encorajachas entre meninas € meninos quanto as aproxima alunas € alunos. 5 nao tio aceitas € nao motivadas entre Ao considerar como meninas € meninos sio separados ou misturados, podemos ter uma idéia lo modo como as relagdes de género sio consideradas na escola. A esse processo podemos dar um nome de 0 jogo mistiera-separacao. Ao olhar a sala de aula, foi possivel notar a predominancia da separacdo entre meninas € meninos, expressa até mesmo pela disposicao das carteiras. No pitio da Escola do Caminho, 4 primeira impresso era que vigorava uma indistinta mistura de meninos © meninas. Inicialmente, parecia haver “divisdes na sala de aula” € “misturas no patio”, Contudo, pouco a pouco, foi possivel perceber que nesse espago, na Escola do Caminho, também havia separaciio. Notei ainda que as misturas ¢ as separagoes de meninos € meninas nio correspondiam sempre 4s misturas cou separagdes do masculino ¢ do feminino. Aqui cabe uma ressalva, que nos permita pensar a categoria género. Um grupo exclusivamente de meninas ou apenas de meninos, ao brincar, aciona relagGes de género nas quais 0 masculino € © feminino estio em jogo. Com isso quero dizer que as representagdes acerca do masculino € do feminino esto presentes na priticas, a despeito do sexo dos sujeitos integrantes dos grupos. Como veremos, esse é um dos motives pelos quais de nada adianta educar méninos e meninas em escolas separadas, posto que os arranjos de género continuam sendo desiguais nessis segregaclas realidades. Vamos voltar Para o que acontecia no patio da Escola do Caminho. Por vezes a separagio era transposta da sala de aula para o patio. Meninas andavam, brincavam e sentavam-se na ¢ no patio com as mesmas meninas. a mai (os meninos também faz ria das atividades de patio com. os meninos com quem mais ficavam na sala de aula. A mistura entre meninas ¢ meninos parecia mais possivel de ocorrer & me m 44 individualmente, meninas ou meninos se colocassem e se immpusessem nos grupos do sexo oposto sto seu. Nesse sentido, pude observar, ao longo da maioria dos recreios, que apenas uma menina da quarta série brincava sistematicamente com os meninos. Embora ela fosse identificada por eles como uma “menina que brinca com a gente”, durante as brincadeiras, ela era tratackt como mais um membro do grupo, sem diferenciagdes pelo fato de ser menina Para entrar © sair da classe, as fikis de todas as séries eram divididas em “fila dos meninos” e “fila das meninas”. A menina da quarta série andava na fila dos meninos, assumindo o lugar ‘oposto ao seu na divisio das filas. Perguntei para a menina por que ela andava naquela fila e ea respondeu apenas com um sorriso. No final de um dos recreios, quis saber por que cla brincava com os meninos € ela disse que gostava de “correr bastante” De fato, a maioria das meninas no se ocupava no recreio com brin adeiras que as fizessem correr muito, Quanto a expecifica menina da quarta série, muitas vezes voltava patra a classe suada € vermelha, cemonstrando extrema satisfacio em seu estado ofegante, Na sala de aula, ela se sentava com as meninas, respeitando a divisio esquematizada anteriormente. Parecia ser aluna concentrada € fazia as ligdes conforme as expectativas da professora, sem problemas de disciplina, Vale ressaltar que ela transitava tanto nos grupos dle meninas quanto nos de meninos. Embora parecesse preferir brincar de futebol ou pega-pega com estes, por vezes, também lanchava € conversava com aquelas. Notei, pouco a pouco, que havia, no caso da menina da quarta série uma relagio entre a sua popularidade e as suas bem-sucedidas tentativas de avancar as fronteiras das relacdes de género na Escola do Caminho, 45 Ao considerar como meninas e meninos sao separados ou rurados, poclems ter uma idéia do modo como as rekacdes de género sto consideradas na escola. A esse proceso podemos dar um nome de o jogo mistura-separacdo. Ao olhar a sala de aula, foi possivel notar a predomindincia mis da separacdo entre meninas e meninos, expressa até mesmo pela disposicao das carteiras. No patio da Escola do Caminho, a primeira impressio era que vigorava uma indistinta mistura de meninos e meninas, Inicialmente, parecia haver “divisdes na sala de aula” & ‘misturas no patio”. Contudo, pouco a pouco, foi possivel perceber que nesse espago, na Escola do Caminho, também havia separagao. Notei ainda que as misturas e as separagdes de meninos e meninas ndo correspondiam sempre as misturas ou separagdes do masculino © do feminino, Aqui cabe uma ressalva, que nos permita pensar a categoria género. Um grupo exclusivamente de meninas ou apenas de meninos, a0 brincar, aciona relagdes de género nas quais 0 masculino ¢ 0 feminino estio em jogo. Gom isso quero dizer que as representacdes acerca do masculino do feminino esto presentes nas priticas, a despeito do sexo dos sujeitos ntegrantes dos grupos. Como veremos, esse é um «os motivos pelos quais de nada adianta eduear méninos e meninas em. escolas separadas, posto que os arranjos cle género continuam sendo desiguais nessas segregadas realiddes, Vamos voltar para 0 que acontecia no patio da Escola do Caminho. Por vezes a separacio era transposta da sala de aula para 0 patio, Meninas andavam, brincavam e sentavam-se na classe € no patio com as mesmas meninas. Eos meninos também faziam a maioria das atividades de patio com os meninos com quem mais ficavam na sala de aula. A mistura entre meninas ¢ meninos parecia mais possivel de ocorrer & medida que, a4 individualmente, meninas ou meninos se colocassem ¢ se impusessem nos grupos do sexo oposto ao seu: Nesse s nntido, pude observar, 20 longo da maioria dos recreios, que apenas uma menina da quart série brincava sistematicamente com os meninos. Embora ela fosse identificada por eles como uma “menina que brinca com a gente’, durante as brincadeiras, ela era tratada como mais um membro do grupo, sem diferenciagdes pelo fato de ser menina. Para entrar ¢ sair da classe, as filas de todas as séries eram, divididas em “fila dos meninos” ¢ “fila das menin; . A menina da quarta série andava na fila dos meninos, assumindo o lugs oposto ao seu na divisao das filas. Perguntei para a menina por que ela andava naquela fila € respondeu apenas com um sorriso. No final de um dos recreios, quis saber por que ela brincava com os meninos ela disse que gostava de “correr bastante” De fato, a maioria das meninas no se ocupava no recreio com brincadeiras que as fizessem correr muito. Quanto 2 expecifica menina da qua el rta série, muitas vezes voltava para a classe suada vermelha, demonstrando extrema satisfagio em seu estado ofegante. Na sala cle aula, ela se sentava com as meninas, respeitando a divisto esquematizada anteriormente. Parecia ser aluna concentrada @ fazia as ligdes conforme as expectativas da professora, sem problemas de disciplina. Vale ressaltar que ela transitava tanto nos grupos de meninas quanto nos de meninos. Embora parecesse preferir brincar de futebol ou pega-pega com estes, por vezes, também lanchava e conversava com aquelas. Notei, pouco a pouco, que havia, no caso da menina da quarta série uma relago entre a sua popularidade e as suas bem-sucedidas tentativas de avancar as fronteiras das relicdes de géneto na Escola do Ca minho. 45 Eduear meninas © mo A relacio entre popularidade e rel des dle género, contudo, pocle nao se {nica explicacao, Seri que alguns comportamentos e atitudes sto mais tolerados as menina s do que nos meninos? Uma menina jogar futebol causa tanto estranhamento quanto um menino brincando de boneca ou de casinha,em meioa panelinhas € minifogio? Muitas so as reflexdes fundamentadas em casos singulares como o da me ina da quarta série. Sto exemplos de como alunos e alunas reagem € resistem aos modelos tradicionais de masculino e de feminino. Os jogos e as brincadeiras dos quais participavam a maioria de meninas € meninos, no patio, também sio expre: As atividades de patio, das quais as crianca se ocupavam no recreio, podem ser agrupadas em quatro categorias: fF Atividades exclusivas das meninas. € Pativicades exclusivas dos meninos. FPAtividades mistas (com me jinas © meninos) sem predominante reforgo de desigualdade entre © masculino e © feminino. fp Atvidices miss com meninase meninos) com dato reforso de desigualdade: entre © masculino € o feminino. ff Atividades exclusivas das meninas 1) Lanchar & conversa, sentadas nas muretas € nos cantos do patio, em trios ou duplas, Tal atividade ena raramente realizada 46 “Ela 6.4 menina que brinca com a gen ‘em grandes grupos. Quintetos ou grupos matiores szio mais comuns em se tratando dos meninos, na maioria de suas atividades, Duplas ou trios erum mais usuais nas atividades Feitas apenas pelas meninas. Como contetidos das conversas gu isseios com familiares, programas de televisio cas infantis, bing uedos clesejaclos ou j.conquistados, 2). Passear pelo patio em duplas ou trios para lanchar e conversar 3). “Pula ekisticos” em quartetos ou trios. Os elisticos tinham, m média, «lois metros ¢ eram emendados nas pontas. Duas Sticavan 1 teroeira menina pulava no meio do elistico. Esta is colocavam o eldistico em s\ ws pemmas, salltos em ut 1 Seqiiéncia com pasos especificos que vez acertados, a fariam jogar novamente ou dar a vez para a ‘menina seguinte, Importante ressaltar que as meninas pulavam chistico nas beiradas das quadras e patios, cujos centros exam ocupadas pelo futebol dos meninos. ff Adividades exclusivas dos meninos 1) Futebol, no qual times eram formaclos por meninos de viriay salas ¢ idades, Os meninos mais presentes nos jogos eram os de segunda, terceira e quarta séries. Eles ocupavam, a0 todo, com as partis, trés quaidras e © patio. A Escola do Caminho cent estidual ¢ uma dupla de policiais (um homem ¢ uma mulher) também supervisionava 0 recreio. O policial homem, arbitrava os jogos de futebol, nos qustis os conflitos entre os meninos eram mais comuns dlevido as discordlincias dle regras € jogadas. 2) Lutas em pequenos grupos. Por volta de seis meninos combinavam quem seria qual super-herdi ou vio © as perseguicdes lutas eram “travadas’. Tal atividade ema mais ‘comum com meninos de primeira e segunda séries. O contato isco era pequeno. AS lutas comresponcliam 2 uma coreografia acompanhada de sons que as criangas Fziam para imitar os efeitos especiais dos desenhos animados. a7

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