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Nome: Caio César Alves da Costa

Nº USP: 9827183

Síntese do Curso de História da Ciência, Técnica e do Trabalho

A ciência em oposição à religião. A luz contra as trevas. Essa é a imagem mais


comumente pintada pelos meios de comunicação quando se trata da relação entre esses dois
âmbitos do viver humano. Esse modo de enxergar a relação ciência-religião tem origem datada
no século XIX e é defendida por “ateus militantes” que acabam por distorcer a história em prol
de suas preferências subjetivas. No entanto, com o estudo minucioso e atento, é possível
verificar inúmeras intersecções e relações frutíferas entre esses dois aparentes opostos. Ao fazer
o resgate histórico do surgimento da ciência moderna, acabamos por nos encontrar no período
medievo, símbolo da ignorância pelo senso comum.
Para John Henry, “é indubitável […] que a religião e a teologia desempenharam um
grande papel no desenvolvimento da ciência moderna” (p.94). Prova disso é o surgimento de
universidades – até hoje existentes – e a profícua produção intelectual verificada nesse período.
Para derrubar esses paradigmas dualistas é importante ressaltar a proximidade que os estudiosos
da época tinham com a espiritualidade. Para muitos, a crença numa divindade impulsionou o
estudo da natureza como uma maneira de se aproximar da linguagem do criador. Um exemplo
disso é Newton, para quem o espaço era como um transbordar do ser divino. É claro que não é
possível nem necessário negar as contradições que emergiam dessa relação. Diferentes
contingências sociais e politicas levaram por vezes a perseguição de pensadores por parte das
instituições religiosas. No entanto, é inegável que embebidos de uma cosmovisão religiosa, eles
foram inspirados a agir partindo de seus pressupostos.
Fato esse que se encontra no meio do acalorado debate entre os continuistas e
descontinuistas. Os primeiros, como Pierre Duane, entendem que a chegada ao método
científico moderno surge de um acúmulo contínuo de conhecimentos que datam desde a
antiguidade; já o segundo grupo, como defende Thomas Kuhn, acredita que ao progresso
científico não é regular: ele acontece por meio de revoluções científicas que acabam por levar a
um novo paradigma.
Uma coisa é certa, é evidente o papel da curiosidade científica dos medievos. Nas
palavras de David Lindberg, “para exigir respeto por el logo científico medieval, no
necesitamos denigrar o diminuir el dos siglos XVI e XVII” (p.463), visto que o objetivo dos
agentes históricos da época visava o aprofundamento de seu conhecimento ligado à dinâmica
social então vigente.

É justamente essa falta de contextualização histórica dos personagens envolvidos em


grandes descobertas e elaborações científicas que leva ao problema contemporâneo que está
sendo chamado de pós-verdade. Para Pierre Thuiller é necessário um recuo crítico em relação à
ciência, vencendo os tabus que envolvem e deificam a imagem dos gênios nos livros sobre o
tema. Em seu entendimento, isso acontece porque o olhar a posteriori para o trabalho de
pesquisa desses indivíduos tende a ressaltar o triunfo e escamotear suas dúvidas e limitações
quanto o seu próprio trabalho. Isso acaba por tornar o fazer científico como estático e já
acabado. Se faz necessário ressaltar que a pesquisa é algo permanente, um processo constante
que, diferente do negacionismo, tem uma dinâmica de autocrítica instituída. Com isso, o
afastamento do público geral da ciência enfraquece o senso crítico da população. No Brasil, 7%
das pessoas acredita que a terra é plana. Além disso, o país tem a população mais descrente do
mundo em relação aos cientistas: são 36% que dizem não confiar em suas produções. Essa é
uma questão crítica em relação ao desenvolvimento da ciência nacional e também à estabilidade
das nossas instituições democráticas.
Como remédio para esse problema, Paul Langevin sugere o retorno às obras originais para
retomá-las em sua verdadeira complexidade no ensino da ciência. É preciso contextualizar as
conquistas dos estudiosos que são abordados na escola, por exemplo, para que se torne
cognoscível o processo da obtenção desses conhecimentos. Tenho como referência pessoal uma
professora que tive no ensino médio que lecionava física. Algo me encantava em sua aula, e
olhando retroavimente, consigo entender qual era o ingrediente irresistível: ela nos contava,
para além das fórmulas, os percalços sofridos pelos pesquisadores e seus desdobramentos na
sociedade como um todo.
É interessante ressaltar também como o pensar científico sobre a natureza e seu status
hegemônico podem influenciar a cosmovisão da sociedade oferecendo novos elementos para
pensar questões sociais, econômicas e políticas. É possível citar, como exemplo dessa
aplicação de um paradigma da filosofia natural às ciências humana a eugenia. Os defensores
desse pensamento buscavam aplicar a teoria da evolução à sociedade humana, culminando num
tipo de racismo “científico” muito vigente no final do século XIX e começo do século XX. As
primeiras políticas eugenistas são concebidas nos Estados Unidos, chegando a formar um
partido político baseado nessa teoria. Eram realizados congressos internacionais com o intuito
de fortalecer e disseminar o ideal eugênico pelo mundo. Essa ideia encontrou solo fértil na
Europa do pós-guerra, que acabaram por influenciar a formação do ideário nazista e de outros
regimes autoritários. Os campos de concentração são um terrível exemplo do pensamento
eugênico aplicado em escala industrial.
Esse tipo de pensamento também penetrou no Brasil, que teve em seu movimento eugenista
grande parte da elite intelectual do país, incluindo o autor Monteiro lobato. O principal tema
debatido pelos eugenistas brasileiros eram a importância da seleção de imigrantes e o
branqueamento racial da população.
É o que também defende a autora Meera Nanda ao criticar os movimentos construtivistas
que ligam diretamente a prática científica a um despotismo europeu. A partir dessa crítica
surgem as “ciências regionais”, que de acordo com seu ponto de vista, acabam por munir as
parcelas econômica e culturalmente dominantes de países periféricos. Para ela, isso se da
devido a uma análise “forte no tocante a historicidade, mas fraca sobre a objetividade do
conhecimento científico”. O debate parece se polarizar em dois posicionamentos: o
internalismo, que defende que a ciência possui uma “lógica interna” sem associação direta com
o contexto socioeconômico; e os externalistas, que ligam o processo científico às condições
sócio-econômicas e culturais. O problema da vertente construtivista está baseado em uma
interpretação que leva ao extremo o relativismo cultural sobre contexto de produção desses
saberes, reduzindo o saber científico à um mero capricho subjetivo. Me parece que o caminho
para solucionar essa questão é a síntese entre esse dois modos de conceber a ciência: enxergá-la
como construção social desenvolvida historicamente, fruto de culturas e tempos específicos,
mas com a capacidade de autocrítica suficiente para reduzir ao máximo as contingências da
concepção. Assim sugere Claude Chrétien, que reconhece que o método científico está passível
de uma deformação epistemológica baseada em suas origens. Para ele, a ciência só conseguirá
sua plena individualidade como método ao ser apropriada coletivamente por todos
indistintamente. (p.62).
É importante ressaltar, no entanto, como de fato o desenvolvimento científico pode estar
ligado com intenções militares e imperialistas por parte das grandes potências. Apesar de
contrariar o ideal de livre comércio pregado pelo neoliberalismo estadunidense, a intervenção
estatal sobre os investimentos bélicos é um dos maiores responsáveis pelo avanço tecnológico
do país. Esse modo de produção se dá por meio de um complexo militar-industrial-acadêmico
(e na atualidade também midiático) em que as instituições industriais e acadêmicas trabalham
em acordo com o governo federal de maneira descentralizada, ou seja, sem o controle direto
Estado. É possível definir essa organização das Big Techs como uma produção em escala
industrial de conhecimentos científicos para finalidades belicosas. É comum nesse modelo
projetos com participação de centenas ou até milhares de cientistas que compõe pequenos
fragmentos da pesquisa, muitas vezes alienados do uso final que será feito de seu trabalho. Um
dos primeiros marcos desse tipo de organização foi a obtenção da primeira bomba nuclear em
Los Alamos no contexto da segunda guerra mundial. Além disso, a defesa espacial de Reagan
no contexto da guerra fria possibilitou avanços inéditos na microeletrônica, computadores e
máquinas inteligentes – tecnologias essas já muito disseminadas na contemporaneidade por
meio dos smartphones, aplicativos como a Uber e assistentes pessoais com inteligência
artificial.

Tais avanços tecnológicos abalam um dos paradigmas mais estáveis da humanidade: sua
organicidade e a própria finitude que dela provém. O avanço dos estudos genéticos e da
biologia celular fazem surgir questionamentos bioéticos inéditos para a humanidade. Até que
ponto deve chegar a pesquisa científica em relação ao corpo humano e a sua capacidade
reprodutiva? Devemos expandir ao máximo a nossa expectativa de vida? Qual o eventual
controle que as grandes corporações de tecnologia poderão alcançar caso o uso de biochips se
torne algo usual?
Esse debate pode ser dividido resumidamente, segundo Zuben, em dois
posicionamentos: os essencialistas, que consideram que qualquer mudança no aparato biológico
uma violação do organismo humano, tido como sagrado; e àqueles que não negam o avanço das
pesquisas biotecnológicas, mas que enxergam a necessidade de discutir as limitações
consensuais e dinâmicas que a humanidade deve impor a essas pesquisas. Uma manifestação
política desse último posicionamento é o partido transumanista criado em 2014 nos Estados
Unidos. Em seu site oficial, eles elencam como principais pautas a extensão máxima da vida
humana por meio da tecnologia; suportam uma visão social, cultural e política animada pela
razão, ciência e valores laicos e por fim, apoia os esforços para usar a ciência e tecnologia para
reduzir e eliminar riscos existenciais pra espécie humana.
Esse curso foi muito importante na minha formação pois tratou de muitas inquietações
que eu possuo a respeito da maneira que nossa sociedade encara o processo de produção do
saber científico: distanciada da materialidade e das contradições do seu fazer. Perceber o
processo histórico de sua formação é uma ferramenta poderosa para quebrar tabus e enxergar os
limites da técnica científica e ao mesmo tempo reconhecer as importantes conquistas
humanitárias que dela surgiram. Também é essencial construir esse senso crítico para os
desafios ainda vindouros que o desenvolvimento tecnológico nos trará como humanidade.

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