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Capitulo 1 Antecedentes histéricos da arquitetura do século KX 1. Complexidade de nosso universo sécio-econdmico Nao ha duivida de que, na América Latina e, talvez, também em outras regides do chamado Terceiro Mundo, estejamos vivendo uma etapa de intensa introspeccdo. Varios fatores motivam esse processo. A referéncia cabalistica faz-se de imediato presente ao coincidir o fim do século XX com o fim deste segundo milénio, que nasceu nas bru- mas da Idade Média e culmina com a aterradora ameaca da hecatombe atémica e do incontrolavel poder que a alta tecnologia outorga ao ho- mem. Contudo, ao mesmo tempo, no é menos importante a tomada de consciéncia da crise econémica, social e politica que afeta as nacdes “‘subdesenvolvidas"’, vergadas pela pesada carga da divida externa imposta pelos paises capitalistas industrialmente avangados, lastro esse que inibe qualquer planejamento perspectivo até o século XXI. E um imperativo premente a busca de solugdes validas capazes de resolver as contradicdes s6cio-econdmicas do presente e prever 0 desenvolvi- mento produtivo das geracdes futuras. A celebracdo, em 1992, de meio milénio da chegada de Colombo 4 América, com milltiplas iniciativas culturais e pesquisas promovidas pela Espanha e pelos paises da regido, também se converteu em deto- nador de uma andlise profunda de nossas realidades e do questiona- mento da validez do termo ‘‘descobrimento"’, utilizado unidirecional- mente. Jé se formula o conceito mais justo de “‘encontro entre dois mundos’”, ampliado, por sua vez, por uma concepcio ainda mais abrangente: na realidade, parafraseando José Juan Atrom, o descobri- mento da América produziu 0 ‘‘encontro de todos 0s mundos”’, ao inter-relacionar as diferentes civilizagdes existentes no globo terrestre. Esses vinculos nunca possuiram uma estrutura simétrica, nio tendo sido superada ainda hoje a falta de comunicacdo originaria entre con- quistadores e conquistados, reproduzida nas \ “desenvolvimento” e “*subdesenvolvimento’ e “Terceiro Mundi Sto contradigdes que pertencem a propria essi ‘ino-americana, marcada pelas relacdes de dependéncia primeiro para com a Europa, depois para com os Estados Unidos da América. Segundo o historiador mexicano Gonzalez Casanova, permanece a duvida de se se deve falar de ‘‘en: contro’ ou ““desencontro™. ““descobrimento™’ ou ‘“encobrimento"* Primeiro Mundo’” Evidenciados os fundamentos e as conseqtiéncias dos grandes ci clos vividos por nosso Continente — conquista e colonizagio, neo: dependéncia, imposic3o do capitalismo ‘*selvagem’’, democracias| guesas e ditaduras repressivas, surgimento do sistema soc’ no Hemisfério —, surge em anos recentes a necessidade de aprofundar esses aspectos complexos da realidade histérica, que entretecem e pro- blematizam a entre base socio-econdmica € su perestrutura cu em seu livro As Americas ¢ 4 ¢ fas dessa aborda gem, resumiu as varidveis da sociedade latino-americana do século XX, ‘nas quais se integram as multiplas origens étnicas, que possuem uma forte presenca entre os fatores que incidem na diversidade de orienta- Bes culturais vigentes, tanto urbanas como rurais. E ‘entZo, indagar: a0 cabo de quinhentos anos, que somos? ‘Acaso existe um desenvolvimento unidirecional das forma¢ées soci ‘ow nosso presente é configurado por uma superposicZo e uma integra ‘cdo de grupos raciais? Ou seja, primeiro herdamos a cultura, os usos e costumes de indios, espanhéis, portugueses, holandeses, ingleses, franceses, africanos, chineses, indianos; e, numa etapa recente do alu- vido imigratério, de italianos, alemdes, japoneses e coreanos, enume- racdo que ainda permanece aberta, num processo dindmico continuo. © que uniu esses grupos étnicos? Que os levou a virem para este Continente, se enfrentarem, se integrarem, se dividirem? Que produ- ziu o desaparecimento de uns ¢ a sobrevivéncia de outros? Basica- mente, foi o motor impulsor da irrup¢do dos interesses econémicos na Europa e externos a regio, Até a chegada dos espa- 8 internos seguiam seu processo evolutivo, sua lenta transfor- magio progressiva, em conformidade com a estrutura s ‘sos existentes, o nivel de desenvolvimento técnico e cultural. Der © Caribe e 0 Continente foram sacudidos pela presen¢a do europeu e suas seqiielas. De modo brutal, as populagdes locais foram subjugadas, 20 perderam sua autonomia, sua dindmica histbrica interna e viram-se fagocitadas pela cultura ocidental. No entanto, 0 Ocidente branco, incontaminado, que durante séculos se contrapunha as civilizagdes orientais — que, inclusive, tratava com desprezo cartagineses, gaule- ses ou celtas —, teve de ceder ante a nova realidade do ‘Novo Mun- do". Ji nao eram 0s brancos que constituiam o ‘‘exército do traba- ‘como ocorrera com os colonos romanos ou os servos da gleba da Idade Média. A dimensdo territorial mudara: agora, os insaciaveis recursos necessarios para manter o nivel de vida dos brancos nos cen: tros metropoli ynos requeriam a forga de trabalho de indios, negros a segregacdo original desapareceu. Nao eram os brancos que trabalhavam, pois os senhores ibéricos logo se cruzaram com indias e negras; depois, chineses e it 10s fizeram o mesmo. As racas comecaram a se misturar. Por outro lado, os brancos chegados a estas plagas nfo pertenciam, em sua maioria, as altas camadas da populacao européia. Junto com nobres e homens cultos, chegou um enxame de aventureiros, galeotes, presidiérios, nobres arruinados que fugiam da fome e da miséria. Dispostos a se enriquecerem a qualquer prego, eles nao defenderam posicdes culturais incontaminadas, mas se adaptaram a uma realidade complexa e mutavel, surgida da destruiga0 do passado encontrado e amadurecido num processo de transcultura- ‘io, em que s6 algumas normas rigidas sobreviveram a dinémica acele- rada de intera¢4o entre elementos tradicionais e contribuicdes novas, por exemplo, as estruturas familiares ou as crencas religiosas em suas miultiplas manifestagdes. Os fatores citados, além dos altos e baixos do desenvolvimento culturais, estabelecem 6 ira la das tra- ‘uma concep¢ao *‘abert dicionais abordagens e espaciais definidos pelas correntes dominantes exogenas. Por isso, faz- se necesséria uma reinterpretacdo dialética que supere 0s antagonismos ou antiteses categoricas, por exemplo, as contraposigbes classico-bar- roco, racionalismo-regionalismo, centro-pet Mais ainda ¢ definir as circunstancias gerais e especificas de cada processo caracterizador das estruturas ambientais € valorizar sua significacio cultural em relacdo com os grupos sociais que receber ou emitem as ‘mensagens, utilizam os cédigos simbélicos, transformam-nos e inte- gram-nos em correntes de desenvolvimento que se manifestam nos diferentes niveis da cultura social. 1 SM eke Cat ee eee ee ee As portas do ano 2000 nao ¢ licito realizar uma anallise arquite (Gnica que privilegie os contetidos estéticos em detrimento dos contet dos sociais. Entio, a Terra teri seis bilhdes de habitantes, a Am Latina aleangara os 600 mi 00 dos quais morardo em cidades. Em que condigSes? Poder a maioria da populacdo satisfazer suas ne cessidades vitais minimas e obter a qualidade de vida a que tanto se referem os eventos internacionais? Em face dessas interrogacdes, é um imperativo moral definir os caminhos para se chegar a uma ba: terial a0 alcance das massas e a um ambiente esteticamente qualificado ue humanize e confira signiticagio cultural ao contexto urbano global 2. Caminhos atuais da critica ‘Sem negar o valor dos paradigmas dos modelos elaborados no seio da classe dominante ou a significa¢o das contribuigdes de vanguarda da arquitetura ““de autor” a leitura e interpretagio de nosso ambiente construido deve integrar os diferentes niveis da producio, desde a obra ta destinada a satisfacdo das exigéncias de uma minoria social até a obra popular andnima dos usuarios. Nao se trata de assumir posig&es excludentes (ou se valoriza a casa Malabrigo do argentino Jacques Be- del, ou as casas precarias de bambu em Manizales), mas sim de hierar- uizar cada contribuicdo dentro de uma realidade complexa e contradi- toria, tirando delas nao s6 sua projecdo social, em termos de funcdo ou contetidos, mas também o alcance dos processos de significacdo dos valores artisticos no meio que os assimila, Essa tomada de consciéncia aprofundou-se nos anos recentes na critica arquitetOnica da América Latina, na qual podem ser estabele- cidas trés etapas essenciais 4) 05 precursores, que comecaram a valorizar os movimentos lo. aise iniciaram o debate te6rico sobre identidade cultural ambiental, questionando as relacdes de dependéncia e orientando suas buscas no sentido das contribuicdes do passado colonial. Referimo-nos a Martin Noel, Angel Guido e Mario Buschiazzo, na Argentina; Luis Saia, Lucio Costa e Sylvio de Vasconcellos, no Brasil; Héctor Velarde, no no México; Erwin Walter Palm, na Republica : Joaquin E. Weiss, em Cuba. 22 b) os criticos modernos, que atuam a partir do segundo pés-guerra e sofrem a influéncia da renovacdo metodoldgica que se produz na Eu- ropa € nos Estados Unidos em concomitancia com a difusio do Movi: mento Moderno, renovacio contida nos textos de Sigitied Giedion, Henry-Russell Hitchcock, Nikolaus Pevsner, Bruno Zevi, Pierre Francastel, Giulio Carlo Argan etc. Bles assumem uma posigao que privilegia os atributos formais ¢ espaciais e mantém um vinculo es- treito com as categorias elaboradas nos centros desenvolvidos ¢ apli cadas 20s exemplos paradigmaticos da cultura dominante. Entre os protagonistas, citemos ‘an Garcia e Max Cetto, no Mexi Henrique Mindlin, Edgar Graeff, Carlos Lemos e Nestor Goulart Reis Iho, no Brasil; Enrico Tedeschi, Marina Waisman, Francisco Bull rich e Damian Carlos Bayon, na Argentina; Graziano Gasparini, na Venezuela; German Teller, na Colombia; Eugenio Pérez Montas, na Republica Dominicana; Frederick Cooper Llosa e J. Garcia Bryce, no Peru. ©)A geracdo dos anos 70, constituida pelos criticos que, sem dei xar de receber as influéncias européias e norte-americanas, exercidas pelos textos de Reyner Banham, Kenneth Frampton, Michel Ragon, Manfredo Tafuri etc., abordam a historia a partir de seu valor ins” trumental como caminho para definir a existéncia de valores americanos proprios, surgidos da especificidade concreta de cada de sua formacio sécio-econdmica. Embora defendam posicdes politicas © ideologicas encontradas, sua contribuicdo reside no aprofundamento iio s6 das experiéncias paradigmaticas como também de movimentos locais que se arraigam nas experiéncias populares. Citemos, entre ou- tros, Enrique Browne e Cristian Fernandez Cox, no Chile; Ramon Gutiérrez, Alberto Petrina, Rafael Iglesia, Juan Molina y Vedia e Fran- cisco Liernur, na Argentina; Mariano Arana, no Uruguai; Ruth Verde Zein, Hugo Segawa ¢ Carlos Eduardo Comas, no Brasil; Al- berto Saldarriaga e Silvia Arango, na Colombia; Juan Pedro Posani, William Nilo ¢ Manuel Lopez, na Venezuela; Wiley Ludefta e Pedro Belatinde, no Peru; Ramén Vargas, Rafael Lopez Rangel e Antonio Toca, no México; Eduardo Tejeira-Davis, no Panama; Jorge Rigau, em Porto Rico; Omar Rancier ¢ Emilio Brea, na Republica Domini ‘cana; e Roberto Segre, em Cuba. Também devemos acrescentar a essa lista 0s especialistas em urbanismo e planejamento, que representam tum papel essencial na analise das contradicdes da realidade territorial latino-americana: Jorge Enrique Hardoy, na Argentina; Alfredo Ro- 23 UFSM driguez, no Chile; Milton Santos. no Brasil: Fernando Carrién, no Equador; Emilio Pradilla, na Colombia: Martha Schteingart, no Mé xico, ou Marcia Rivero, em Porto Rico, Nao ha diivida de que a década de 80 viu surgir uma proliferagio de tendéncias criticas que enriqueceram a percepcio da realidade am: biental de nossa regito. Também se aprofundou o entre a leitura global e a leitura dos fendmenos especificos. Enquanto em cada pais as equipes de pesquisadores dissecaram temas concretos do desenvolvimento urbano e arquiteténico, nos debates internacionais confrontaram-se as experiéncias particulares, surgindo novas hipdteses sobre as diferencas e semelhancas existentes nas realizacdes dos diver- sos paises da regio. Cabe citar a cria¢io dos Seminarios de Arquite tura Latino-americana (SAL). iniciados em Buenos Aires em 1985 ¢ cuja quarta versdo foi realizada recentemente em Tlaxcala, México (1989), nos quais, apesar da insistente valorizacéo da arquitetura *‘de : ide cultural da nossa regio ocupou cons autor’’, o tema da identi cantemente uma posicdo hegeménica. Das polémicas controvérsias, resulta evidente a necessidade de uma postura critica dialética para esclarecer o desenvolvimento da ar quitetura latino-americana. Ja sio obsoletas tanto as posturas sociolo- gizantes ou economicistas — o desenho como representagio passiva de tum processo sécio-econémico — como uma visio esteticista baseada na autonomia da obra como fato formal e espacial, assumida de modo restrito em termos de seus significados simbolicos. A arquitetura é determinada pela necessidade humana de habitar, individual e social- mente. Para tanto, dispdem-se de recursos econémicos e possibitidades tecnologicas que a comunidade orienta e desenvolve com o fim de satis- fazer as suas necessidades materiais e espirituais. Ou seja, € conse- quéncia, mas ao mesmo tempo conforma a base material € participa dos valores culturais e das formas de comportamento. O ambiente construido é a representacao de um sistema complexo de relacdes sdcio-econémicas e culturais, que se materializa em dife rentes niveis de significacao, desde os simbolos paradigmaticos das for- mas de vida da classe dominante — transmitidos como valores de ca- rater universal — até a producio do entorno pelos proprios usuarios, que elaboram e materializam os significados emanantes de sua propria cultura. Entre ambos os extremos, existe uma.multiplicidade de pro- dutos que se integram reciprocamente na conformacio do espaco ur- bano. A interpretacao desses processos deve esclarecer os. caminhos validos, que, enquanto formas e espacos, nJo so o resultado de um 24 processo gratuito de criagdo, mas tendem a enriquecer em termos de nivel de vida, fruicao estética, educacao com o fim de alcangar a multi icidade de experiéncias do coletivo social. Portanto, € prioritario in- dicar 0 caminho no sentido da dilatacdo e expansio dos valores esté ticos e culturais para as camadas majoritarias da sociedade. Trata-se de superar e eliminar o ambiente da miséria, da infracultura, simbolo da exploracdo de alguns homens por outros. E necessario transformar os mecanismos que determinam a existéncia da miséria e criar as novas formas e espacos em que a miséria & substituida pela plenitude da vida. 3.A heranga do periodo colonial E impossivel analisar a arquitetura americana do século XX sem se referir aos elementos herdados tanto das civilizagdes primitivas do Continente como das contribuigdes ocorridas no processo de transcul turacdo promovido por espanhdis, portugueses e, em menor escala, por outros povos europeus. Nas obras realizadas pelos astecas, maias e incas, esté presente a dimensao telirica e paisagistica dos c tos cerimoniais. © homem, tornado pequeno diante da incompreen- sivel dimenséo do cosmos e da natureza, tenta apropriar-se da es cala territorial e nela deixar a marca da sua existéncia. Suas con- cepgdes miticas ¢ religiosas e a rigida estrutura politica hierarquica, que permite a mobilizacdo das massas nas grandes obras construtivas, ‘motivam as configuragdes basicas do ambiente construido: a planicie transformada em plataforma geométrica; a montanha convertida em pirmide ou geometrizada ela prépria pelo sistema dos terracos produ: tivos. Teotihuacn, Chichén Itzd ou Machupicchu representam a vontade de exteriorizar e eternizar os valores culturais de uma socie- dade integrada, na qual 0 projeto ndo era um produto individual, mas coletivo Que fatores perduraram ou foram recuperados posteriormente? Em primeiro lugar, a escala urbanistica monumental e a relacdo com anatureza, em termos de integracdo tanto geomeétrica como orgiinica. E possivel vincular perceptivamente as imagens dos terragos curvili- neos do Valle de los Reyes, em Cuzco, ¢ do Conjunto Residencial de Pedregulho, no Rio de Janeiro, de Affonso Reidy; ou associar as estru: turas paisagisticas de incas e astecas com o Pedregal de San Angel, no México, de Luis Barragan, ou o Parque del Este, em Caracas, de 25 Burle Marx. Quanto 4 valorizacdo das gran¢ da Cidade Univer splanadas cerimoniais, siria do Mexico. de Niemeyer. Embora Francisco Bul 1nés, considero mais licito 0 nexo que se estabel planicie geometrizada e a heranca de nossos ancestrais regionais Em segundo lugar, manitestam-se a valo forma aos materiais naturais, organizada em termos compact meétricos. Os construtores pri lores ex} ados através do triunfo da habilidade humana sobre a esséncia original do granito: as duras ¢ impenetraveis moles de pedra dos Andes adqui- riram uma regularidade geométrica, reconstruindo sua dimensio ciclo: pica nos muros de Cuzco, de Sacsayhuaman ou Machupicchu. Comp: cidade e introversdo dos volumes, esvaziados da densidade original da matéria, sdo verificaveis em diversos exemplos latino-americanos: re: cordemos o Museu de Antropologia da Cidade do México, de Pedro Ramirez Vazquez, a sede da CEPAL em Santiago do C! Duhart, a Argentina TV Color da equipe Solsona, em Buenos Aires, ou a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Sao Paulo, de Vilanova Artigas. Por fim, a maior presenca ambiental das civilizagdes primitivas americanas consiste na conformacio do universo simbélico. O horror vacui dos templos maias e astecas, carregados de pinturas © baixos- relevos, formam um sistema de signos, cujos significados perduraram ras tradigdes populares e nos atributos a genas. Em todo 0 folclore andino, apesar das no sentido de substituir a iconografia original pelos mo europeus, subjazem os elementos constitutivos de uma tradicéo cul- tural que pertence a milhdes de habitantes do Continente, com uma capacidade de renovacio que chegou até o kitsch popular urbano. Vejamos quais sdo os elementos urb: icos que configuram o sistema ambiental herdado do periodo colonial. 26 a) Oesquema urbano Espanhéis e portugueses irrompem na América com seu sistema de valores forca, paralisando e destruindo 0 pro- cesso evolutive do entorno fisico das culturas originais. A cidade repre senta 0 simbolo da dominacdo, cujas caracteristicas funcionais e for: mais sio diferentes das preexistentes, se bem que em alguns casos — como em Cuzco ou em Tenochtitlin — o tracado das ruas € pracas coincida, As ilhas antilhanas € 0 Continente slo ocupados através da “ssementeira”” de cidades, para parafrasear Jorge Enrique Hardoy, as is constituem a estrutura bésica da conformagio do ambient: rno-americano a0 longo de cinco séculos: quase todas as cay cionais — com excecao de Brasilia — situam-se no sitio dos pri assentamentos dos colonizadores. Duas alternativas compositivas predominam na regido: a irregular medieval, em particular na area de colonizacio portuguesa, ¢ a regular renascentista. A partir do século XVI, as normas das Leis das Indias definem uma abstrata regularidade geomeétrica: 0 xadrez, que se man- teve vigente até nossos dias em cidades como Buenos Aires, Monte- videu ou Cidade do Mexico. O esquema cartesiano regulou a organi~ zacio das funcdes ¢ a articulagdo entre 0 espaco publico e privado. lado, o habitat de ricos e pobres concebido como uma estrutura jua e compacta, cujas funcGes essenciais estdo orientadas para 0 160 interno; de outro, os simbolos do poder econémico, politico, religioso e militar, formadores do sistema monumental que se concen- tra ao redor dos espacos abertos e porticados das pracas. Durante quatrocentos anos essa organizagio regeu 0 espaco ur- bano, caracterizado por trés elementos bisicos: a articulagio equili- brada entre forma arquitetonica e forma de cidade; a simbiose entre a construgdo ‘‘culta’’ e “‘popular’”; a configuragio global a partir do sidade dentro da unidade’’. Existe uma relacdo es- idade, entre teoria e pratica. A imagem abs- trata e universal de ‘‘cidade”* sonhada pelo imperador Carlos V se liza através da experiéncia concreta e cotidiana dos coloniza- dores, que coincidia hipoteticamente com os valores culturais dessa imagem, mas que, na realidade, era transformada a partir de sua assi- milagdo espontinea e inconsciente da imagem de ‘‘sua’’ cidade ori- ginal peninsular. Isso explica por que uma norma, em vez de ser assu- ‘mida em termos repressivos e coativos, se converte num esquema or: denador que facilita todas as variagdes possiveis de formas ¢ espacos, 29

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