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Isildur

De Brian K. Crawford e Gary D. Crawford


ESCLARECIMENTOS

A idéia de escrever este livro foi primeiramente sugerida por meu irmão Gary. Juntos nós
desenvolvemos o esboço do enredo e dos personagens principais, dividimos os capítulos e
começamos a escrever. Entretanto, Gary se mudou para Virgínia. O projeto continuou pelo
correio durante algum tempo, mas gradualmente, acabou sendo abandonado. O manuscrito
semi-acabado foi esquecido em uma gaveta durante quase vinte anos.

Tempos depois, lendo histórias ao pé da cama de meu filho Nathan, percebi o quanto às
histórias de Tolkien o tocavam. Primeiramente li para ele "O Hobbit", e então "O Senhor
dos Anéis". Era uma alegria perceber que ele se emocionava nas mesmas passagens que eu
me emocionara trinta anos antes. Juntos nós nos sentamos ao pé da lareira em Rivendell,
ouvindo a história do Anel; juntos nós cavalgamos pelas terras escuras de Rohan em
Shadowfax, com Gandalf e Pippin; juntos nós estivemos com Sam na passagem alta de
Cirith Ungol e olhamos assombrados para Mordor.

Quando todos os contos foram finalmente lidos, Nathan me olhou e disse, "Que pena que
terminou... Eu queria que continuasse". Então eu me lembrei do manuscrito abandonado em
meus arquivos. Corri em sua busca e reli o que eu e Gary tínhamos escrito há tanto tempo.
Decidi que daria continuidade ao texto, para Nathan. Assim nós teríamos mais uma história
da Terra-média para compartilhar.

Sem a inspiração de Gary e de Nathan, nunca teria escrito este livro. Eu lhes dou meu
obrigado e meu amor.
Também reconheço minha dívida e gratidão ao Professor Tolkien, sem o qual a Terra-média
jamais teria sequer existido. Ele jamais aprovou especulações de outros autores sobre seu
trabalho original, e jamais nos daria permissão para publicar este livro. Desta forma,
esclareço que trata-se de um trabalho realizado apenas para meu prazer e de meus
familiares. E sinto-me melhor desta forma, visto que não gostaria de ter meu trabalho
comparado com o do Mestre. Não obstante, sempre agradecerei a ele por enriquecer nossas
vidas com sua criação.

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PREFÁCIO

De todos os registros existentes provenientes da notável e antiga raça dos Hobbits, o mais
preservado e menos fragmentário é o famoso Livro Vermelho de Westmarch, escrito por
Bilbo Baggins e outros, e datado do fim da Terceira Era ou início da Quarta. Sendo uma
inestimável fonte de informação sobre um tempo tão distante, o Livro contém muitos
contos e histórias. Ao contrário da maioria dos documentos antigos, repletos de
informações históricas, mas pobres em apelo literário, o Livro Vermelho de Westmarch,
devido ao seu conteúdo muito poético e rico em prosa, serviu de base para uma versão
novelizada, de excelente qualidade, publicada pelo Professor J. R. R. Tolkien, de Oxford, e
por ele chamada "O Senhor dos Anéis". A popularização deste trabalho conseguiu trazer
vida para os antigos registros sem sacrificar sua precisão histórica. Fez a história surgir,
viva, para muitos milhares de leitores que, caso contrário, jamais teriam quaisquer notícias
das pessoas, terras e eventos ocorridos na hoje chamada Terra-média.

Muitos dos apreciadores desta bela obra podem, porém, desconhecer que o Livro Vermelho
está longe de ser único registro da Terra-média. Enquanto nada permanece das bibliotecas
dos Quendi (aquele misterioso povo a quem o Professor Tolkien chamou Elfos) ou dos
homens primevos, alguns outros escritos contemporâneos ao Livro Vermelho lograram
sobreviver milagrosamente até os nossos dias. De fato os hobbits mantiveram registros
excelentes, e a grande biblioteca dos Tooks, no Grande Smial, em Tuckborough, deveria ter
sido verdadeiramente magnífica em seu auge. Afortunadamente para nós, os hobbits eram
muito diligentes na proteção e preservação de sua história, e uma parte bastante
significativa da biblioteca foi preservada. É claro que a maioria dos documentos originais
há muito foi transformada em pó devido à ação do tempo, mas muitas cópias mantiveram
vivos seus conteúdos.

O próprio Livro Vermelho original, apesar de sua fama e importância, não sobreviveu ao
tempo. De fato, seu conteúdo chegou a nós através de um caminho tortuoso e fortuito.
Peregrin Took, trigésimo segundo Thain do Condado, tinha providenciado uma cópia logo
no início da Quarta Era. Quando de sua viagem a Gondor, no ano 64, ele levou esta cópia
com ele, e presenteou-a ao Rei Elessar. O volume foi mantido por muito tempo na afamada
biblioteca de Minas Tirith, que foi destruída por um incêndio cerca de quatrocentos anos
depois. Porém, no ano 172 da Quarta Era, Findegil, o Escriba do Rei Eldarion II, fez uma
cópia exata do Livro Vermelho a pedido de Faramir II, trigésimo quinto Thain do Condado.
Esta é a cópia que chegou a nós através de gerações incontáveis. Apesar de não serem tão
completas quanto o Livro Vermelho, as cópias de outros documentos que sobreviveram até
os tempos atuais nos contam detalhes de assuntos fascinantes não cobertos no Livro
Vermelho.

De todos os eventos desses dias antigos, os mais fascinantes são esses que retratam os
acontecimentos que antecipam o fim de uma Era e o começo de uma nova idade. Estes são
sempre tempos de grandes mudanças, conspirações, guerras e perigos. Mas são também
tempos em que surgem os heróis, tempos nos quais homens e mulheres valentes arriscam
tudo por suas convicções e enfrentam obstáculos aparentemente insuperáveis. Suas lutas,

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suas derrotas e suas vitórias sobrevivem aos redemoinhos do tempo, e acabam sempre a nos
alcançar, a nos trazer motivação.

Desta forma, os atos heróicos destes homens e mulheres foram descritos em "O
Silmarillion" (dando conta principalmente do fim da Primeira Era) e em "O Senhor dos
Anéis" (falando dos eventos que culminaram com o fim da Terceira Era). Mas nada havia
sido publicado sobre os eventos tormentosos que culminaram no fim da Segunda Era. O
Livro Vermelho está tristemente incompleto no que se refere a relatos daquele conflito
contra o Grande Inimigo, Sauron. Afortunadamente, outras crônicas sobreviveram com
relatos deste importante tempo.

Logo após o fim da Guerra do Anel, o Thain Peregrin e Meriadoc, Mestre de Buckland,
trabalharam para preservar o máximo de informações sobre os tempos antigos. Eles
viajaram extensivamente por Rohan, Gondor, e Rivendell e colecionam informação e
documentos de muitas fontes. Peregrin e muitos de seus descendentes organizaram e
editaram este material em um livro fascinante, agora chamado "O Livro de Thain". Este
manuscrito notável é rico em relatos sobre a Segunda Era. Poucos documentos que
serviram de fonte para este livro sobreviveram aos dias atuais. Um deles é o notável "Conto
dos Anos", uma história anônima da Terra-média, sob o ponto de vista dos hobbits. Outras
fontes são diversas notas do importante Conselho de Osgiliath, realizado no Loëndë, o dia
do Solstício de Verão, no ano de 3441 da Segunda Era. A fonte principal deste trabalho foi
escrita no primeiro ano da Terceira Era por Halgon, o Escriba do Rei de Gondor, por ordem
do próprio Isildur. Foi incluído presumivelmente na agora perdida Crônica dos Reis, uma
história do Reino de Gondor, de sua fundação, no ano 3320 da Segunda Era, até o fim da
dinastia de Telcontar, mais de mil anos depois. A cópia de Tuckborough apresenta o
seguinte prefacio: "Este conto e alguns outros foram copiados por Peregrin, o Primeiro,
Thain do Condado, na sua visita a Minas Tirith no ano de 1441 [ano 20 da Quarta Era].
Foram alteradas algumas condições arcaicas e formas para adaptá-las ao uso do Westron
moderno, apesar disso é uma cópia exata do manuscrito de Halgon. Copiado por minha
mão, neste ano de 1486 [ano 65 da Quarta Era], por Isengar, filho de Isembold, Escriba do
Thain".

As informações a respeito da grande batalha naval de Pelargir provém do diário de Amroth,


um senhor élfico dos Sindarin. Ele manteve o registro deste diário do ano 2960 da Segunda
Era até sua partida da Terra-média no ano 1294 da Terceira Era. Antes de embarcar, o nobre
senhor presenteou com seu diário o amigo Elrond Peredhil. Muitos pedaços deste
documento foram perdidos, ou se desfizeram durante os séculos, mas vários volumes
sobreviveram na biblioteca de Rivendell. Eles foram copiados por Meriadoc, Mestre de
Buckland, e estas cópias foram trazidas ao Condado no ano 1428 do Calendário do
Condado [ano 7 da Quarta Era]. O volume que contém a cópia destes fragmentos foi
guardado por muito tempo na biblioteca de Tuckborough, com a seguinte descrição:
"Mestre Meriadoc ordenou esta cópia do diário de Amroth como um presente para seu
amigo Peregrin, Thain do Condado. Feito pelas mãos de Anson Brandybuck, 6 Blotmath,
1436 [ano 14 da Quarta Era]."

A fonte principal para o nosso trabalho foi o inestimável Diário de Ohtar, cuja cópia, um
rolo de papiro esmigalhando, descansava esquecida na grande coleção dos Tooks, no

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Grande Smials. Todas as autoridades concordam que a letra é indubitavelmente de Bilbo,
mas contém correções e notas marginais feitas por outras mãos. Estas notas foram feitas
aparentemente logo em seguida ao manuscrito ser finalizado. Por isto, a maioria dos
estudiosos acredita que este manuscrito é uma cópia enviada por Bilbo a outra pessoa para
correção e revisão. Presumivelmente, o documento original não sobreviveu ao tempo.

A identidade deste "revisor" ainda é um assunto de grande debate entre os estudiosos. Ele
era obviamente muito versado nas tradições e na história, além de ser fluente em Sindarin
pois alguns dos erros gramaticais de Ohtar, e expressões idiomáticas, foram traduzidas com
precisão. Por isto a maior parte das autoridades identificou Elrond Peredhil, amigo de Bilbo
por longos anos, como o provável revisor do texto. Porém, os editores acreditam ter
identificado outra caligrafia no documento. E, pela perspectiva dos comentários e adendos,
atribuem sua autoria as mãos de Elessar Telcontar, Primeiro o Rei do Reino Reunido.

Bilbo produziu este manuscrito durante sua estadia em Rivendell, e há numerosas


indicações de que foi completado antes da Guerra do Anel, já que nenhuma referência é
feita sobre o destino final do Um Anel, nem do papel preponderante de seu sobrinho Frodo
naquela guerra. Isto colocaria o manuscrito entre os anos 3002 e 3018 da Terceira Era. Ao
traduzir o diário de Ohtar, Bilbo esteve em uma posição que poucos historiadores
desfrutaram. Ele teve acesso total a extensa biblioteca de Rivendell e também aos
conhecimentos do mestre Elrond Peredhil, que foi testemunha ocular de muitos dos eventos
ali descritos. Ele também pode consultar o Rei Elessar (conhecido como Aragorn ou
simplesmente Passolargo, nos dias que antecederam sua coroação) e também Gandalf o
Mago, três dos maiores conhecedores das tradições nestes tempos.

Os pergaminhos produzidos por Bilbo são um trabalho relativamente pequeno, uma


condensação e tradução em Westron de um livro muito antigo que Bilbo tinha achado na
biblioteca de Elrond. Em um prefácio, Bilbo descreve o original como "um volume grosso
e pequeno, de couro preto, muito usado e manchado. Na cobertura dianteira lê-se escrito,
com uma caligrafia diferente: O Diário de Ohtar Kingsquire". Estava no formato de um
diário. Entretanto, se Othar escreveu-o aos poucos, com entradas diárias, se foi copiado
posteriormente do diário original, ou mesmo se foi trazido a Rivendell por Ohtar ou escrito
por ele em seguida de sua chegada a Rivendell, Bilbo não pode determinar. De outras
fontes sabemos que Ohtar e seus dois companheiros chegaram a Rivendell no verão ou
inicio do outono do ano 3 da Terceira Era, e partiram depois de alguns meses com Valandil,
filho de Isildur, para Annúminas (provavelmente nos primeiros dias do ano 4, até onde pode
ser determinado). O trabalho de Bilbo é a única cópia conhecida do Diário de Othar. É
aceito que o diário original foi incluído nos pertences de Elrond quando ele partiu por mar
com todos os demais Portadores dos Anéis sobreviventes, no ano 3021, marcando o fim da
Terceira Era.

Os editores tiveram o privilégio de examinar muitos destes registros em primeira mão. Ao


nos concentramos na tarefa laboriosa de traduzir um trabalho fragmentário em um
complexo e esquecido idioma, um conto fascinante começou a emergir. Tratava-se
verdadeiramente de um material que trazia a luz antigas lendas. Os heróis daquele tempo
parecem como gigantes para nós. Suas alegrias e duelos nos fazem estremecer. Nos ocorreu
então que estes contos também mereceriam uma novelização e publicação da maneira (mas

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não com a habilidade) do Professor Tolkien. Mas qual deveria ser o tema do livro; onde
deveria começar? Precisava de um caráter central, um enfoque para a narrativa.

De todos os heróis desses dias, nenhum se destaca tão claramente, nenhum aguça a nossa
atenção e curiosidade quanto Isildur Elendilson. Apesar de ser lembrado hoje por sua falha
de caráter em Orodruin, quando sentenciou o mundo a mais uma Era de luta contra Sauron,
ele era, todavia um homem notável, general astuto, e um rei poderoso. Isildur era da Casa
de Elros, a maior de todas linhagens de Homens, mas em suas veias fluía também o sangue
Eldar e Maiar [Elros era o neto de Lúthien Tinúviel, filha de Thingol Manto Cinzento de
Doriath e Melian, a Maiar]. Ele era um príncipe Númenoreano, Senhor de Ithilien, Rei de
Arnor, e durante dois anos foi Grande Rei dos Reinos no Exílio. Isildur fundou uma
dinastia de reis que governaram os Dúnedain durante cinco mil anos.

Por natureza um homem forte e resoluto, um rei poderoso e sagaz, nascido nos tormentos
de uma guerra civil, temperado pela perda de sua terra natal e pelos difíceis anos da
fundação de Gondor; Isildur foi endurecendo de forma inflexível por uma guerra longa e
sangrenta. Isildur Elendilson não era um homem a ser desconsiderado, nem mesmo pelo
próprio Sauron.

Era um homem de contradições e paradoxos: guerreiro valoroso e impiedoso mas também


um amoroso marido e pai. Estimava a virtude e a honra acima de tudo, mas intolerante
perante a fraqueza alheia. De linhagem nobre, era amado por seus súditos. Nem mesmo o
grande erro que o sentenciou e arruinou a Era que se seguiu não pode ser totalmente
atribuído a uma fraqueza pessoal. Foi sua alta nobreza e virtude, sua confiança na
habilidade de controlar o Anel de Sauron que provocou sua queda.

Seus contemporâneos o cobriram de honrarias, e o colocaram como modelo de perfeição da


virtude real, mas seus herdeiros tiveram razão bastante para amaldiçoar seu nome. Que tipo
de homem era Isildur, o que o levou a usar o Um Anel de Sauron? Nós decidimos
concentrar nossa pesquisa nesta figura notável.

INTRODUÇÃO

Então Fëanor, um príncipe élfico da casa dos Noldor criou os Silmarils, as Grandes Jóias de
Luz. E Melkor as desejou e as roubou, ficando conhecido desde então como Morgoth, o
Inimigo Negro. E os Noldor velejaram para leste de volta a Terra-média e combateram o
inimigo. Uma casa de Homens da Terra-média, os Edain, ajudou os Noldor em sua guerra
contra Morgoth. Então, após muitos combates, os Elfos se viram derrotados. Foi quando
um homem, Eärendil o Marinheiro, velejou para o oeste e cruzou a Cortina (sendo o único
Homem mortal a fazê-lo), chegando a Valinor onde buscou a ajuda dos Valar. No fim
consentiram eles em guerrear Morgoth, e o mundo foi mudado devido a grande batalha
travada. Morgoth foi retirado dos círculos do mundo e sua fortaleza destruída. Nesta guerra
titânica, muitas das terras do norte foram afundados sob mar. Valinor foi removida do

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alcance dos mortais e o próprio Eärendil lançado a eternidade como a Estrela de Noite.
Assim terminou a Primeira Era do mundo.

Depois da guerra, alguns dos Noldor exilados velejaram para oeste, para longe da Terra-
média, e voltaram a suas casas em Eldamar, perto das orlas de Valinor. Mas muitos
permaneceram na Terra-média e formaram novos reinos ao qual chamaram Lindon, Eregion
e Lothlórien. Os Valar recompensaram os Edain lhes presenteando com a grande ilha de
Elenna, entre a Terra-média e Eldamar. Mas eles colocaram sobre eles a Proibição dos
Valar, que impedia aos navios dos Homens de viajar rumo a oeste, para Eldamar e Valinor.
Os Homens estabeleceram em Elenna o reino de Númenor, e foram poderosos, sendo
conhecidos como os Dúnedain, ou Homens do Oeste. Já as casas de homens que
permaneceram na Terra-média ficaram conhecidos como os Uialedain, ou Homens do
Crepúsculo, e eles formaram tribos insignificantes, freqüentemente guerreando uns contra
os outros.

Com o poder e riqueza de Númenor, seus reis cresceram em orgulho e se ressentiram da


Proibição dos Valar. E houve divisão política em Númenor. Muitos compartilharam a inveja
que seu rei sentia da imortalidade dos Elfos e dos Valar. Mas uma minoria permaneceu fiel,
e manteve relações amigáveis com os Elfos. Então, os reis de Númenor deixaram de usar as
línguas élficas e retomaram a língua antiga de seus antepassados, os Edain da Terra-média.
No trigésimo século, o Rei Ar-Adûnakhor perseguiu os Fiéis e eles fugiram para a
província de westernmost em Andúnië onde seu grupo era mais forte. Em seguida, o uso
das línguas élficas foi proibido através de decreto real.

Em 3175 Breu-Palantír assumiu o trono e tentou acabar com a divisão entre seu povo. Ele
perdoou os Fiéis, mas os ânimos estavam muito exaltados, e havia rebeliões nas províncias.
Em 3255, morreu Palantír e o trono foi dominado por seu sobrinho, Ar-Pharazôn. Então, os
herdeiros de Palantír fugiram para Andúnië.

Neste momento um novo mal surgiu na Terra-média na forma de Sauron. Ele era um Maiar,
e tinha sido lugar-tenente de Morgoth. E se aquartelou em uma região protegida por uma
cadeia de montanhas aneladas. Ali, secretamente ele construiu o reino de Mordor, a Terra
Negra, povoada por orcs, uma raça ruim, criada por seu mestre. Então Sauron enganou
Celebrimbor de Eregion, levando-o a forjar os Grandes Anéis de Poder, enquanto ele
forjava o Um Anel, para absorver os poderes de todos os Grandes Anéis, e dominá-los.
Com esta nova arma, ele se revoltou contra os Elfos e os Uialedain, e os esmagou ante a
fúria de seus exércitos. Os Elfos foram duramente castigados até que Ar-Pharazôn enviou
sua poderosa frota em 3262 para intervir na guerra que assolava a Terra-média. O
impressionante poder da frota Númenoreana prevaleceu, e Sauron foi levado de volta a
Númenor, acorrentado. Mas, com o passar dos anos, sua malícia transformou-o de cativo a
Conselheiro do Rei, e finalmente em primeiro ministro. Ele insuflou o orgulho e a
arrogância do rei e o aconselhou a aumentar a perseguição aos Fiéis. Apenas Amandil,
Senhor de Andúnië, e seu filho Elendil mantiveram sua oposição para as políticas de
Pharazôn. Este era o mundo turbulento no qual nasceu Isildur.

Dos primeiros anos da vida de Isildur sabe-se muito pouco. Ele nasceu no ano 3289 da
Segunda Era em Dol Elros, a cidade principal de Andúnië. Seu pai era Elendil, Príncipe de

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Andúnië e líder espiritual e político do Grupo dos Fiéis. Em 3285, Elendil Aldamirë se
casou com uma mulher de Númenor meridional, e ela lhe deu dois filhos, Isildur em 3289 e
Anárion em 3296. Amandil era um ancião nesta época, e seu povo se reuniu ao redor do
príncipe Elendil, um jovem bonito e carismático, da mesma maneira que posteriormente se
voltariam para seu filho primogênito. Em 3310, o envelhecido rei Pharazôn, urgido por
Sauron, decidiu assaltar Valinor para adquirir a imortalidade dos Valar. E começou a
construir navios e máquinas de guerra para este desígnio. Os Fiéis tentaram dissuadir os
senhores e os habitantes de Númenor, mas Pharazôn castigou com a morte muitos
antagonistas de seu regime. Um fervor religioso e patriótico surgiu contra os Fiéis e
Andúnië foi isolado do resto do reino.

Em 3319, a Grande Armada velejou para Valinor. Elendil acreditou que Númenor seria
destruída quando a Proibição fosse quebrada e começou a preparar uma evacuação
precipitada para a sua gente. Seu pai Amandil tentou repetir o feito de Eärendil, buscando a
ajuda dos Valar, mas sua expedição nunca foi vista novamente. Pharazôn desembarcou em
Valinor e os Valar despejaram sua vingança sobre a ilha de Elenna. A ilha partiu-se e
afundou sob as ondas levando consigo toda a cultura Numenoriana. Das centenas de navios
e milhares de homens que compunham a Grande Armada, nunca mais se ouviu falar.

Elendil e seus filhos, juntamente com centenas de seus seguidores, escaparam à destruição
em uma frota de nove navios, levando com eles as relíquias de sua antiga linhagem: o Cetro
dos Senhores de Andúnië; o Anel de Barahir; um muda de Nimloth, a Árvore Branca; os
nove Palantíri, ou pedras-de-visão; e a grande espada Narsil - todos presentes dos Eldar
para os Senhores de Andúnië.

Isildur era um homem jovem quando, na proa de seu navio, assistiu as cúpulas e torres de
sua pátria rasgadas e lançadas sob as ondas. A pequena frota solitária foi alcançada por uma
tempestade terrível e foi separada. Elendil alcançou Mithlond, os Portos Cinzentos dos
Elfos de Lindon, e foi recebido por seu amigo Gil-galad, Rei dos Noldor. A ele foi
concedido a porção leste das terras de Lindon, onde fundaram um reino cuja capital foi
batizada Annúminas, ao lado do lago Nenuial. E nomeou o reino Arnor, a Terra Real.

Isildur e Anárion desembarcaram nas proximidades da cidade portuária de Pelargir, perto da


boca do Grande Rio Anduin, onde começaram a organizar um grande reino. Eles
construíram a cidade de Osgiliath, Fortaleza das Estrelas, onde as montanhas se acercavam
do rio por todos os lados. E as terras ao longo do Anduin foram salpicadas com fazendas,
vinhedos e pomares. E a terra rochosa começou a render sua riqueza. Eles batizaram sua
nova terra com o nome de Gondor, a Terra da Pedra, e dividiram-na em duas províncias
separadas pelo Rio Anduin: Ithilien, no leste, governada por Isildur, e Anórien, no oeste,
regida por Anárion. Isildur construiu uma cidade fortificada em uma passagem do Ephel
Dúath, e nomeou-a Minas Ithil, a Torre da Lua Ascendente. Nas rampas de Mindolluin, sob
o cume das Ered Nimrais, Anárion construiu Minas Anor, a Torre do Sol. Por muitos anos
Arnor e Gondor, os Reinos no Exílio, prosperaram e cresceram em poder e riqueza, e a
Grande Estrada do Norte mantinha-se ocupada com muitos viajantes e comboios que
levavam produto e bens entre os reinos irmãos. Em 3409 Isildur casou-se com Vorondomë,
a filha do Capitão da Esquadra de Ithilien. Ela lhe deu quatro filhos entre 3412 e 3429:
Elendur, Aratan, Ciryon, e Valandil.

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O futuro parecia olhar com generosidade para o jovem Isildur: uma terra fértil para
governar, uma bela e amorosa rainha, uma família em crescimento e a perspectiva de um
dia ser o Grande Rei dos Reinos no Exílio, regente do maior reino da Terra-média. Então,
no outono de 3429, ocorreu o desastre. Uma grande força de bárbaros e orcs surgiu pelas
florestas, vindos de Mordor. Eles foram conduzidos por Sauron, em uma nova e mais
poderosa forma. Os Fiéis o julgavam morto no cataclisma de Númenor, mas ele tinha
escapado com seu ódio pelos Dúnedain incrementado. Suas hordas selvagens varreram
Ithilien e sitiaram Minas Ithil. Depois de uma luta amarga, os portões foram derrubados e o
inimigo fluiu pela cidade, destruindo tudo em seu caminho. Os defensores formaram
desesperadamente uma cunha a volta de suas famílias e rebanho, alcançando Osgiliath.

A horda de Sauron os perseguiu e enxameou sob os muros de Osgiliath. A cidade resistiu ao


assédio, entretanto sua porção oriental foi muito danificada. Naquela noite, com Minas Ithil
perdida e dominada pelos gritos de horror e festim dos orcs, Isildur permaneceu
inconsolável nas muradas de Osgiliath, onde assistiu aos prédios e aldeias de seu reino
sendo destruídos pelas chamas. Sua esposa, Vorondomë, ficou muito abalada pelos horrores
daquela noite, tornando-se uma mulher assustada, triste. Nunca voltaria a sorrir novamente.
Isildur olhou seu reino coberto de sofrimento e jurou vingar os males feitos aquele dia.

Deixando para seu irmão a defesa do que restava de seu reino, Isildur e sua família fugiram
pelo Anduin, para o mar, e chegaram em Annúminas. Lá eles afiançaram a ajuda de seu
velho aliado, Gil-galad de Lindon. Unindo os exércitos de Arnor, Gondor, e Lindon, e
contando com muitos voluntários de outros reinos vizinhos, eles formaram o Exército da
Aliança e marcharam contra as hordas de Sauron. Lentamente eles empurraram seus
inimigos para sul e oriente, forçando-os para trás, rumo a Mordor. Lá, nas planícies largas
conhecidas como Dagorlad, foi travada a maior batalha dos tempos antigos. Dezenas de
milhares caíram em ambos os lados, mas no final os aliados prevaleceram e o Morannon, o
Portão Negro de Mordor foi derrubado. Sauron e suas forças se retiraram para sul e
refugiaram-se em sua fortaleza inconquistável de Barad-dûr. Os aliados sitiaram a Torre
Negra, sem no entanto conseguir forçar os portões nem tirar Sauron de seu refúgio.
Impossibilitado de prevalecer e pouco disposto a partir, o vasto Exército da Aliança
permaneceu acampado sob a Torre durante sete longos anos. Muitas tentativas haviam sido
feitas no intuito de romper a Torre, mas tudo tinha falhado. Finalmente, os Senhores da
Aliança formaram um plano novo e corajoso; uma última tentativa desesperada que daria
um fim ao impasse e asseguraria a vitória ou derrota total.

CRONOLOGIA DO ANO DE 3441 DA SEGUNDA ERA

Abril 15 Conselho de Gil-galad


Abril 19 Isildur, Gildor, e Elrond partem para Barad-dûr
Abril 24 Gildor e Elrond se separam de Isildur em Morannon
Abril 25 Gildor e Elrond acampam em Emyn Muil
Abril 27 Gildor e Elrond atravessam o Anduin
Abril 28 Isildur chega a Rauros e cruza o Anduin; Gildor e Elrond chegam a Lothlórien

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Abril 29 Isildur parte de Rauros; Gildor e Elrond se encontram com Celeborn e Galadriel
Maio 01 Gildor deixa Lothlórien, é proibido de entrar em Khazad-dûm; Isildur cruza
Entwade
Maio 02 Gildor inicia o Degrau de Dimrill
Maio 04 Gildor cruza as Montanhas Nebulosas
Maio 06 Gildor chega a Ponde Oeste de Moria; Isildur chega a Angrenost
Maio 07 Gildor chega ao vau do Glanduin
Maio 09 Isildur parte de Angrenost; Gildor chega a Tharbad
Maio 12 Gildor parte de Tharbad
Maio 16 Gildor cruza o Baranduin; Isildur chega a Anglond; Gildor chega ao Emyn Beraid
Maio 17 Gildor parte de Emyn Beraid
Maio 18 Piratas atacam Anglond; Gildor chega a Mithlond
Jun 02 Isildur parte de Anglond
Jun 04 Isildur conhece os homens de Ethir Lefnui em Nanbrethil
Jun 05 Isildur parte de Nanbrethil
Jun 11 Gildor veleja de Mithlond; Isildur chega a Erech; Primeiro conselho com Romach
Jun 12 Malithôr chega a Erech; Cirdan veleja de Mithlond; Segundo Conselho de Erech
Jun 13 Isildur amaldiçoa os Eredrim; Isildur e Malithôr partem de Erech
Jun 15 Isildur passa por Calembel; Malithôr chega a Ringlond e veleja para Tolfalas
Jun 17 Isildur passa por Ethring
Jun 18 Isildur entra em Lebennin; Malithôr chega a Tolfalas
Jun 20 Isildur chega a Linhir
Jun 21 Os Galadrim partem de Lothlórien; Conselho de Linhir
Jun 22 Isildur parte de Linhir
Jun 24 Isildur chega a Pelargir
Jun 25 A Reunião de Pelargir tem início
Jun 27 Piratas velejam de Tolfalas; Gildor chega a Pelargir
Jun 28 Piratas chegam a Ethir Anduin; Cirdan chega a Ethir Anduin; Isildur parte de
Pelargir
Jun 29 Piratas atacam Pelargir; Cirdan ataca os Piratas; Cirdan parte de Pelargir
Jun 30 Isildur chega a Osgiliath
Jun 31 Os Galadrim chegam a Osgiliath; Cirdan chega a Osgiliath; Conselho de Loëndë de
Osgiliath
Jul 01 Invasão de Ithilien; Tomada de Minas Ithil
Jul 02 Queda de Sauron

CAPÍTULO 1
OS HOMENS DAS MONTANHAS

O vale de Morthond jazia calmo aos primeiros raios da manhã, o som de água respingada
em pedra ecoava. Névoas matutinas ainda pairavam sobre filetes de água gelada que
escorriam pelo vale. Embora o ano estivesse se aproximando do solstício de verão, reflexos
de gelo ainda cintilavam em cada filete de grama, pois o vale adormecia, alto, nos flancos
das Ered Nimrais, as Montanhas Brancas, que são a coluna vertebral rochosa de Gondor,
Terra da Pedra.

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Lentamente o vale despertou. O rouco gralhar de um corvo soou fracamente pelo ar,
enquanto o sol ascendente tocou as alturas rochosas da montanha acima. Um ruído de
pedras pequenas traiu a presença de uma marmota que partia em sua procura diária por
alimento, entre as pedras, aos pés dos precipícios.

Uma pequena porta rangeu e uma mulher saiu de uma cabana de pedra tosca. Ela parou por
um momento, bocejou e olhou o céu clareando. Então, apanhou um balde de madeira e
caminhou rumo ao Morthond em busca de água. Logo outros se uniram a ela. Uma mulher
ou uma criança de cada uma das vinte e poucas pequenas casas de pedra com telhados de
turfa formavam uma pequena procissão rumo ao rio. Logo um fino feixe de fumaça subia
de cada chaminé.

Então o primeiro homem apareceu, inclinando-se sob o batente de tronco da porta de sua
cabana. Ele também olhou o dia, que se estendia a sua frente. Usava uma longa túnica de lã
grossa, toscamente trabalhada. Botas de couro forradas com palha protegiam seus pés do
gélido ar, e trazia uma grande pele preta sobre os ombros. Ele dobrou seu corpo e lavou a
face com a água de uma bacia trazida pela mulher. Então, com o toque da água glacial a
despertar-lhe, puxou o capote mais firmemente sobre os ombros e espiou o topo de uma
colina arredondada que erguia-se ao lado da aldeia.

No topo da colina, semi-enterrada no solo, via-se uma estranha pedra. Era um globo negro,
enorme, tão liso quanto vidro, e de aparência extremamente pesada, já que, mesmo estando
meio enterrada no solo, era tão alto quanto um homem. Então, ele contemplou o sul, vale
abaixo. Na clareza do ar matutino, ele podia observar as terras que se estendiam em
camadas de declive, como uma torta esparramada pelas encostas da montanha em tons de
relva verde e água, semi-congelada e azulada. O Morthond serpenteava para o sul e para o
ocidente afora até que desaparecia por detrás de um grupo de colinas baixas, algumas
milhas adiante. Os olhos do homem varreram lentamente as cercanias do oeste. De repente
ele endureceu a face e observou mais atentamente naquela direção, enquanto formava uma
viseira com sua mão direita, protegendo seus olhos dos reflexos do sol.

Há algumas milhas de distância, uma nuvem de pó pairava imóvel no ar, marcando o curso
da estrada que vinha do oeste, entre o Morthond e as encostas ocidentais do vale. O sol
matutino dava um tom de ouro à nuvem. Ele permaneceu estático, observando com mais
presteza e atenção. Claramente a nuvem estava se aproximando. O homem virou então e
caminhou rapidamente para o centro da aldeia. Dirigiu-se para a casa maior, um corredor
longo construído com troncos volumosos, e se deteve ante a sua porta.

- Romach, - ele chamou, mas a única resposta foi baixo grunhido.

- Senhor, - ele tentou novamente, - alguém se aproxima - insistiu.

- Eh? - Uma grande cabeça, de cabelos encaracolados, de tonalidade preta acinzentada


surgiu pela porta. Ah, deve ser os embaixadores de Umbar, afinal.

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- Eu não penso assim, meu senhor. Eles são muitos. Um exército de cavaleiros ruma em
nossa direção, vindo de Anfalas. Talvez uma hora ou duas de distância.

- O que diz? Como pode ser? – disse Romach, emergindo da cabana em agitação. Ele era
um homem grande, com porte de líder. Seus ombros e braços eram largos e fortes, mas sua
pele estava velha, cicatrizada, e sua aparência já não era a do homem mais poderoso de sua
tribo, como havia sido por muito tempo. Estava vestido similarmente ao outro, a não ser por
um cinto enfeitado com jóias e pela fina tiara de ouro que trazia na cabeça. - Venha, - ele
disse. – Deixe-me ver.

Eles ascenderam a colina novamente e observaram a estrada do oeste com atenção. O pó


era agora mais claro, e em meio a poeira pontos luminosos de metal flamejaram na luz clara
da manhã.

- Tens razão, não é o Umbardrim, - disse Romach, perscrutando na distância. - Mas não é
um exército. Eu calculo que são menos de três centenas. Estarão aqui antes da segunda
hora. - O embaixador pode ter-nos traído? - Ele virou de repente e correu colina abaixo,
muito ágil para um homem de sua idade. E estava gritando enquanto corria. - Devemos
estar prontos! Soem as trompas! Preparem-se!

Logo a aldeia estava em alvoroço. As mulheres acordaram as crianças e apertaram o passo


rumo aos refúgios, no alto do vale. Uma longa trompa soou e foi logo respondida por uma
mais próxima e por outras através de todo o vale. Os homens se prepararam para guerra e
dirigiram-se ao vau raso onde a estrada ocidental cruzava o Morthond. Em trinta minutos
eles somavam quase duzentos e cinqüenta guerreiros prontos para lutar. Em mais uma hora,
eles poderiam contar com os primeiros reforços vindos dos outros vales.

Ao longe, os cavaleiros haviam sumido por detrás de uma colina, mas ao se aproximarem
reapareceram subitamente, retomando a estrada, para novamente desaparecerem sob os
declives do terreno. Os homens de Romach ergueram as cabeças para ver o que estavam
enfrentando. A primeira coisa que viram foram as pontas das lanças, empunhadas pelos
cavaleiros, e as bandeiras que se desfraldavam na vanguarda da hoste. Viram também o
cintilar de suas couraças e de seus escudos refletindo a luz do sol. Havia um murmúrio
intranqüilo entre os homens. Este não era nenhum grupo de saqueadores, como os que as
vezes surgiam pelos vales altos no verão, mas soldados fortemente armados, experientes.
Dedos apertavam a empunhadura das armas.

Romach observava nervosamente enquanto duas companhias se aproximavam da aldeia.


Um terço dos cavaleiros separou-se da hoste, flanqueando os homens de Romach. Mais
dois grupos de guerreiros se aproximavam pela aldeia e Romach, mais seguro, passou a
estudar mais atentamente os cavaleiros que se aproximavam. Pelo canto dos olhos ele pode
perceber o grupo que os flanqueava espirrando água sob os cascos dos cavalos, a cerca de
cem jardas de distância.

Romach observou enquanto o grupo principal emergia do último declive, e percebeu que
apenas a vanguarda era composta de cavaleiros, sendo a maior parte dos estranhos
composta por soldados a pé. O grupo parou sobre o topo da ribanceira que os separava do

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vau, e os homens de Romach encararam as faces duras de seus oponentes. Suas roupas
eram de muitas cores e estilos, entretanto todos pareciam ter enfrentado um longo caminho.
Muitos usavam armaduras estranhas, exóticas. Eles reuniram-se sob o forte sol que
levantava rapidamente, e acercaram-se de diferentes estandartes e pavilhões de povos
estranhos à Romach. Mas, de repente, uma bandeira foi desfraldada ao vento, e revelou um
tecido esmeralda com uma árvore branca sobrepujada por uma coroa prateada e sete
estrelas. Romach olhou-a por um momento e então rugiu aos seus homens.

- Sosseguem suas mãos! – gritou - É a bandeira de Gondor. Estes não são nossos inimigos -
Os homens relaxaram e sussurravam um para o outro quando os cavaleiros se aproximaram.
Os primeiros cavalgaram até as margens do rio e pararam. Seu líder era um homem alto, e
montava, ereto, um grande garanhão branco. Vestia uma bata azul sobre uma túnica de
tonalidade mais clara. Em sua cabeça, um elmo coroado pelas asas brancas de uma ave
marinha. Romach fitou-o severamente, e soube de quem se tratava antes mesmo que o
arauto que agora avançava portando o estandarte de Gondor falasse.

- Saudações aos Homens das Montanhas, - clamou o arauto em voz alta. - Isildur
Elendilson, Rei de Gondor, deseja reunir-se com seu senhor.

Romach adiantou-se.

- Eu sou Romach, Senhor dos Eredrim. Bem vindos a Erech, homens de Gondor.

Isildur avançou, e com seu arauto cruzou o vau cavalgando na direção de Romach. Ele
retirou o capacete alado colocando-o debaixo do braço. Uma longa trança, negra como a
noite, caiu sobre seus ombros e se esparramou até a altura da cintura. Seus agudos e
cinzentos olhos fixaram-se profundamente nos de Romach.

- Saudações Romach, - disse – Muito tempo se passou desde a última vez que nos
encontramos.

- Aye, é verdade, Rei Isildur - disse Romach, retribuindo o olhar do Rei. - cinqüenta
invernos embranqueceram as cabeças das Ered Nimrais desde aquele dia."

- Eu espero que estes invernos tenham sido bons para seu povo.

- Foram. Mas minha cabeça também embranqueceu, como as montanhas, como podes ver. -
Isildur sorriu severamente, então desmontou para trocar saudações com Romach.

- Eu venho em grande pressa, Romach. Nós trazemos muitas novidades, mas talvez seja
melhor que estas notícias sejam reveladas em particular.

- Caminhemos para minha casa então. – Respondeu Romach – Vejam para que os homens
do rei e seus cavalos tenham comida e abrigo – ordenou para seus lugar-tenentes - E digam
as mulheres e crianças que retornem a aldeia.

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Enquanto caminhavam, lado a lado, rumo a aldeia, no topo da colina, Romach olhou
sorrateiramente para o rei, que caminhava altivo ao seu lado. Ele ainda parecia um homem
no início da vida, duro de face e de membros. Entretanto, ele tinha olhado o mesmo rosto
meio século atrás, quando Romach era apenas uma criança. Porque Isildur não era igual aos
outros homens. Ele era um Dúnadan, da raça de homens que tinham velejado há muito
tempo da Terra Média para Númenor, no oeste. Habitando aquela ilha, próxima as Terras
Abençoadas, por longos séculos, eles haviam se tornado uma raça alta, robusta e poderosa.
Sábios nos conhecimentos e artes de seus amigos, os Elfos. Mas esses que permaneceram
na Terra Média, os Uialedain, ou Homens do Crepúsculo, caíram em rivalidades e guerras
insignificantes, e seus anos de vida sempre diminuíram. Muitos caíram sob a lábia de
Sauron, o Senhor Escuro de Mordor, e tornaram-se maliciosos.

Entretanto, Númenor havia caído e os poucos sobreviventes foram conduzidos pelo pai de
Isildur, Elendil, de volta a Terra Média. Eles se juntaram ao seu povo, que mantinha
colônias na costa, estabeleceram grandes reinos e se colocaram como senhores, acima dos
Uialedain. Muitos deram boas-vindas ao seu retorno, gratos pela paz e unidade trazida
pelos Dúnedain àquela terra rasgada pelas guerras. Mas nem todos os senhores dos
Uialedain tiveram prazer em se curvar aos Homens do Oeste.

Romach adentrou com o Rei a sua cabana. Isildur se inclinou para atravessar a porta, pois
era quase uma cabeça mais alto que Romach. Ele parou e observou o interior até que seus
olhos se acostumassem a penumbra. Um grande braseiro ardia em uma cova no centro do
aposento, e a fumaça subia entre vigas enegrecidas para escapar por um buraco no centro
do telhado. Ao longo de uma parede, atrás de duas colunas de madeira esculpidas e
adornadas, foi elevada uma plataforma que servia de cama, onde peles e mantas lanosas
jaziam em desordem devido a pressa e correria da manhã.

Romach conduziu Isildur em direção a plataforma, no extremo do aposento, onde havia um


grande trono de madeira, atrás de uma volumosa mesa de carvalho. Ele puxou dois
tamboretes debaixo da mesa e ele e Isildur sentaram-se.

- Eu estou arrependido, Majestade, que não haja nenhum criado para atender-lhe. Nós os
enviamos, com as mulheres e crianças, para os refúgios assim que observamos sua
aproximação, pois não sabíamos de quem se tratava.

- Não importa, - disse Isildur - estirando as pernas e suspirando. - Nós não buscamos sua
hospitalidade, Romach. Enviar seu povo a lugares seguros é uma precaução sábia nestes
tempos atribulados. Eu me lembro da existência de cavernas extensas escondidas neste
vale. É onde eles estão?

Romach pareceu surpreso pelo conhecimento que o Rei demonstrava ter pelas cavernas.

- Aye, - concordou – Caso fossemos derrotados aqui, teríamos a certeza de que nossas
mulheres e crianças estariam em um local seguro. Mas somente nós, os Eredrim, sabemos
sobre as centenas de grutas que serpenteiam sob as Ered Nimrais. Tão extensas que
perfuram o coração da montanha, de forma que um homem corajoso e resoluto pode entrar

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em uma gruta em Erech e emergir em Dunharrow, nas bordas de Calenardhon, dúzias de
milhas daqui. Nosso povo está seguro nas cavernas de Erech.

Isildur acenou a cabeça em aprovação.

- Você foi muito rápido nas medidas de segurança quando nos viu. Tem visto inimigos em
suas terras com freqüência ?

Romach encolheu os ombros.

- Grupos de mercenários e bandidos aparecem ocasionalmente e causam alguma


dificuldade nos vales mais altos, especialmente no verão, quando muitos dos homens estão
nos pastos superiores com os rebanhos. Eles são nômades, vindos das terras estranhas do
sul, dizem. E ocasionalmente, temo em dizer, eles recebem a adesão de jovens selvagens
dos vales, atraídos pela excitação e pela pilhagem. Nós estamos sempre alertas. Mas não
esperávamos o Rei de Gondor, especialmente vindo do oeste.

- Eu diria que você não me esperava de direção alguma.

- É verdade Majestade. Faz um longo tempo desde que o último comerciante visitou-nos
vindo de Gondor. Nós poderíamos ter muitos benefícios com o comércio.

- As coisas estão difíceis em Gondor, - Isildur admitiu severamente. - A maioria dos homens
está ausente de casa há longos anos, lutando em Gorgoroth. E nós temos pouco tempo para
as questões de governo e comércio. Temo que todas as províncias tenham que se contentar
com seus próprios recursos por mais tempo. Não podemos lhe enviar qualquer ajuda ou
provisões, assim como não podem os cidadãos mais ricos de Osgiliath visitar seus vales no
calor do verão, como era comum antes da guerra.

- Ainda ocupamos Osgiliath? Nós tínhamos ouvido que aquela cidade jazia destruída.

- Então você ouviu mais que a verdade. É fato que no primeiro avanço o inimigo capturou e
conspurcou os distritos orientais da cidade, além do Anduin. As pessoas fugiram para a orla
ocidental. Mas a Grande Ponte está intacta. Uma forte guarnição à guarda. O rio é agora a
fronteira.

- Ithilien então está em mãos inimigas?

- A província não foi dominada por nenhum lado, e é uma terra de grande perigo para todos,
sejam eles Elfos, Homens ou Orcs. Nós, ocasionalmente, lançamos investidas sobre
Osgiliath Oriental, ou na zona rural, onde tem havido muitas escaramuças, nenhuma
decisiva. Minha própria cidade-capital, Minas Ithil, ainda está sob domínio dos Úlairi, os
mais poderosos entre os servos de Sauron.

- Não podes retomar a sua capital? - perguntou Romach em surpresa. - O poderoso exército
de Gondor não é forte o bastante para retomar uma cidade?

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A mandíbula de Isildur se contraiu, mas sua voz ainda era calma.

- Nós nem mesmo ousamos esta tentativa. Nossas forças cercam Sauron na Torre Negra,
mas ele ainda é poderoso. Ele encontra-se sitiado, mas nós nos encontramos em uma
posição similar a do inimigo. Não podemos afrouxar o cerco a Barad-dûr na tentativa de um
assalto a Minas Ithil. E assim minha linda cidade permanece nas mãos do inimigo,
enquanto nós permanecemos impotentes.

- Mas nós regozijamos quando ouvimos as notícias de que os homens de Gondor haviam
derrubado o Portão Negro de Mordor. Nós pensávamos ouvir em breve a notícia da queda
da Torre Negra. Mas os anos passaram, e você nos diz que Barad-dûr permanece intacta?

Isildur estava ficando irritado pelas perguntas de Romach. Certamente tais notícias da
guerra haviam chegado aos vales há muito tempo, mas Romach parecia estar enfatizando a
ineficiência do Exército da Aliança contra Sauron. Mas por que?

- Barad-dûr é muito poderosa. - Respondeu Isildur. - Você deveria ver, Romach. Todos que
dela se aproximam são tomados pelo desespero e negro medo. Eu vi muitos homens
valentes retrocederem à simples visão da Torre. É construída de rocha negra, inflexível,
cortada e unida tão perfeitamente que sua superfície é como vidro liso. E muitas dezenas de
metros se erguem até o primeiro parapeito. E ela é protegida por um fosso sem fundo que a
cerca por completo, protegendo-a de qualquer aproximação. A única entrada está isolada
por uma imensa ponte de ferro negro que conduz a um volumoso portão de aço por muito
tempo fechado. Fumos e vapores constantemente obscurecem a planície, de forma que só as
torres superiores de Barad-dûr podem ser vistas elevando-se sobre a penumbra. Poços de
lava viva fervem por todos os lados, e nós não sabemos se por desígnio do Inimigo, ou se
por efeito do Monte Orodruin, a montanha de fogo que se ergue, sempre ativa, há algumas
milhas de distância. Não podemos usar nenhuma máquina de guerra contra as paredes ou
portão da Torre. Nenhuma catapulta logra lançar pedras por sobre suas paredes. Mas as
hordas de Sauron nos acossam a vontade com setas, dardos, e projéteis ardentes. Muitos
Homens, Elfos e Anões valentes morreram neste cerco. Meu próprio irmão mais novo,
Anárion, foi morto ano passado por uma grande pedra lançada da Torre. Nossos homens
estão enlouquecendo. Por sete anos os exércitos combinados de Gondor e Lindon tem
mantido o sítio, mas Sauron ainda nos escarnece de seu interior.

- Muito poderoso ele deve ser – Murmurou Romach, maravilhado.

- Ele manipula grandes poderes. – Reconheceu Isildur - Mas nós temos nossos próprios
poderes. O Exército da Aliança é a força mais poderosa reunida desde a Grande Armada de
Ar-Pharazôn. É conduzido pelos maiores reis e guerreiros entre Elfos e Homens. E nós
temos armas poderosas: Gil-galad empunha Aeglos, Snowpoint, contra a qual nenhum
inimigo pode resistir; e a lâmina de Narsil, empunhada por Elendil, é igualmente mortal.
Ambas estas armas estavam destinadas, desde sua fabricação, a ser a Ruína de Sauron.
Quando assaltamos Mordor, o próprio Sauron tremeu sob a sombra destas lâminas. Embora
o Portão Negro de Mordor fosse defendido pelo próprio Sauron, Morannon foi jogada ao
chão e seus defensores correram gritando pelo vale de Udûn. Nós adentramos Udûn e

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varremos as Planícies de Gorgoroth. Desde então o temos mantido preso em sua Torre. Mas
Sauron é poderoso, sagaz e instruído nos antigos conhecimentos.

- É dito que ele tem Eras de idade. – Respondeu Romach - Talvez ele não possa ser morto.
Como podes esperar derrotá-lo então?

A irritação de Isildur chamejou de repente em raiva.

- Nós esperamos porque não há nenhuma alternativa! - esbravejou - Eu lhe asseguro


Romach: Barad-dûr ainda cairá. Eu jurei isto ao lado da pira de meu irmão. Eu lançarei ao
chão a Torre Negra e arremessarei pedra por pedra no fosso infinito que a cerca. Eu
predisse sua destruição, e assim será.

Romach vacilou frente ao súbito reflexo de fogo nos olhos de Isildur, sob a tensão em sua
voz. E recordou que Isildur viera há muito tempo da lendária Númenor, onde fora versado
nas tradições e artes élficas. Romach imaginava em sua mente pueril que poderes ocultos
Isildur poderia dominar para predizer o futuro e lançar feitiços de poder. Ele olhou Isildur,
maravilhado, e tremeu. Nunca havia conhecido um homem mais resoluto, mais
determinado em vingar-se. E Isildur era apenas um, e não o maior, dos Senhores à frente
daquele exército em Gorgoroth. Os Elfos imortais foram conduzidos por Gil-galad, Rei de
Lindon, e o maior guerreiro vivente de qualquer raça. Com ele estavam muitos nobres
Senhores Élficos, veteranos das guerras contra o mestre de Sauron, Morgoth, o Inimigo
Negro, milhares de anos atrás. Os homens de Gondor e Arnor foram comandados pelo pai
de Isildur, Elendil, Grande Rei dos Dúnedain, fundador dos Reinos no Exílio.

- Tens razão. – Ponderou Romach. - A Torre tem que cair. E como dizes, Sauron está
aprisionado em seu interior. O que pode ele fazer ?

- Não pense que ele é impotente mesmo em seu cativeiro. Ele ainda tem aliados poderosos
que continuam suas depredações em diferentes frentes. Orcs infestam as Montanhas
Nebulosas, Easterlings selvagens caem sobre nossos postos em Harondor e Nindalf, e os
Piratas infestam as costas. Até mesmo aqui em Lamedon, longe das Montanhas da Sombra,
mercenários vagam e saqueiam. Estes não são incidentes independentes, eles são o plano e
o testamento de Sauron.

Romach deu um sorriso magro.

- Designas todos os infortúnios do mundo a ele, Majestade. Não é mais provável que estes
outros povos sejam somente oportunistas? Povos que por muito tempo assistiram ao poder
ascendente de Gondor, e que agora enchergam uma chance quando Gondor esta debilitada,
distraída na Guerra contra Sauron?

Isildur negou esta hipótese com a cabeça.

- A maioria de nossos vizinhos nos vê como protetores e amigos. Ao longo dos Anos
Escuros cada reino insignificante estava em guerra constante com seus vizinhos, instigados
pelo próprio Sauron. Nós trouxemos a paz e a estendemos ao longo das muitas terras do

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Uialedain. Nós não viemos conquistar nem roubar sua terra. Nós viemos como amigos, com
habilidades e ajuda o oferecer. Os senhores destas terras estão contentes por ter-nos aqui.
Senhores como você, Romach, que tem visto os benefícios de nossa aliança durante tanto
tempo. Você sabe que Gondor não é uma ameaça aos seus. Seu povo tem sido nosso aliado
por muito tempo.

- Aye, - concordou Romach, cuidadosamente. - Nós temos mantido relações amigáveis com
os reis de Gondor.

De súbito, um homem adentrou o aposento. Romach o reconheceu como o arauto que havia
anunciado o rei.

- Ah, aí está você – Disse Isildur. - Lorde Romach, estes é Ohtar, meu escudeiro e amigo.
Que notícias do acampamento me trazes Ohtar? Como estão os homens?

- Cansados e sujos Majestade, e contentes com esta parada. O povo de Lefnui está achando
difícil manter o ritmo.

- Sinto por isso, mas não podemos diminuí-lo.

- Ethir Lefnui? - exclamou Romach. - Os homens de Ethir Lefnui estão entre vocês?

Isildur lhe devolveu um olhar afiado.

- Isso o surpreende? - Perguntou o Rei.

Romach lutou para conter sua surpresa.

- Não. Bem... sim. Eu nunca soube que os homens de Ethir Lefnui deixassem suas casas
para lutar uma guerra estrangeira.

- É também a guerra deles. Eles mantém o mesmo ódio pelo inimigo. Lutamos pela mesma
causa, pois ele destruiu nossas casas. Ethir Lefnui foi arrasada.

- Não pode ser! Como isto aconteceu?

- Aye, não se passaram dez dias deste acontecimento, senhor. – Disse Ohtar - Nós
estávamos vindo de Anglond quando, no Vale de Nanbrethil, entre as montanhas e as
Colinas Verdes, encontramos um grupo de trinta homens e mulheres. Os únicos
sobreviventes de Ethir Lefnui. Foram os Piratas. O Númenóreanos Negros, amaldiçoados
servos de Sauron.

Romach cabeceou absorto, aparentemente perdido em seus pensamentos.

- Nós ouvimos sobre eles, entretanto tememos pouco. Nossos vales montanhosos estão
longe do mar. Disse finalmente.

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- Talvez não longe o bastante. - Replicou Isildur - Eles assaltaram a cidade fortificada de
Anglond, e ela está bem acima do rio Anga. Seus navios negros poderiam velejar
profundamente Morthond acima, e não é impossível que você venha a ver não amigos, mas
Piratas surgindo pela estrada ocidental um dia.

Romach sorriu.

- Nós somos fortes e bem preparados. Em verdade nós não tememos um ataque dos
marinheiros de Umbar.
Nós sempre ficamos em prontidão.

- Assim me pareceu. Você ordenou suas forças com rapidez.

- Sim, nós usamos trompas para chamar os homens dos outros vales. Eles são treinados
para vir ao primeiro alarme.

- Poderosas são estas trompas, – Disse Ohtar. - se elas podem ser ouvidas nos outros vales.
As muralhas das Ered Nimrais são altas.

Romach concordou.

- Nós usamos os chifres de uma espécie selvagem de Araw. Eles são da altura de um
homem e produzem um som forte que, quando bem soprado, viaja por longas milhas.

- Tal trompa seria de grande uso em uma batalha, Majestade. – Disse Ohtar a Isildur.

- Realmente seria, - concordou Isildur – É comum que os homens não escutarem as ordens
durante o tumulto da batalha. Exércitos se perderam por causa disto.

- Se for de seu desejo Majestade, - disse Romach - posso presentear-lhe com uma trompa.
Um presente dos Eredrim. -

- Isso nos agradaria muito, Romach. Lhe agradecemos. Mas estamos aqui para lhe pedir um
presente maior.

- É mesmo? - Disse Romach, seu sorriso enfraquecendo.

- Sim. Nós necessitamos de sua ajuda na guerra contra Sauron. Nós tentamos poupar as
províncias ocidentais tanto quanto o possível. No princípio, imaginávamos que com a ajuda
dos Elfos, os homens de Ithilien e Anórien seriam suficientes. Eu também acredito que meu
pai, até há pouco tempo, gostava de pensar que ainda havia um lugar do reino intacto pela
Sombra. Por isso, nunca convocamos o povo das Ered Nimrais e das costas ocidentais.
Entretanto, tivemos muitos voluntários vindos de Lamedon e Lebennin, e até mesmo de
Anfalas. Mas como você vê, a guerra no leste não vai bem. Os homens estão cansados do
longo assédio na planície de Gorgoroth. Gondor tem necessidade de sua ajuda. Nós
precisamos de todo homem que você puder prescindir das necessidades de sua própria

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segurança. Tenho, finalmente, que clamar a você para que cumpra o Juramento dos
Eredrim, feito a min por Karmach, nesta mesma aldeia, tantos anos atrás.

- O Juramento de Karmach é bem lembrado pelos Eredrim. – Assegurou Romach - Embora


tenha sido feito há muito tempo. Karmach descansa em seu túmulo já há noventa anos. –
Ponderou Romach, sentindo dificuldades em conciliar o homem ante ele com a figura real
semi-religiosa que fazia parte da história de seu povo. Este homem a sua frente, Isildur, Rei
de Gondor, havia, de fato, conversado com Karmach, seu antepassado distante, e fundador
de toda a sua linhagem.

- Karmach era um homem bom e um guerreiro valente. – Disse Isildur, seus olhos distantes,
como se fitasse o passado. - E bem amado pelo seu povo. – Sorriu - Eu ainda posso ouvir a
alegria do povo quando ele anunciou nossa aliança. Era um rei sábio e de longa visão.

Romach não estava tão certo de que seu antepassado tivesse agido sabiamente juntando a
sorte de seu povo aos Dúnedain. Ele gostaria de saber se o velho Karmach não havia
desejado apenas um aliado mais forte em tempos perigosos. Afinal de contas, Sauron, o
velho mestre que tinha guiado e aconselhado os Eredrim durante séculos, havia,
inesperadamente, se perdido na queda de Númenor, que ele mesmo ajudará a provocar.
Então inimigos ameaçavam por todos os lados. E de repente surgiam estes forasteiros, estes
Dúnedain, vindos nas asas das tempestades que acossaram os mares, perguntando se ele
gostaria de os ter como aliados. Eles eram numerosos e poderosos, ferozes guerreiros, mais
sábios e com maior longevidade, versados em todas as artes, portadores de armas mágicas e
de feitiçaria élfica. Teria sido Karmach sábio? Ou apenas seguiu para onde soprava o
vento?

Mas as coisas agora eram diferentes. Sauron que todos haviam julgado destruído, havia
retornado em outra forma, tão horrenda que não se podia lhe mirar os olhos, dizia-se, mas
mais poderoso que nunca. Em todos estes anos de guerra, os Dúnedain e os Elfos pouco
fizeram além de avançar sobre algumas milhas de deserto.

Mas Romach teve cuidado para não deixar nenhum destes pensamentos surgir em sua face.
Ele lambeu os lábios ansiosamente e pensou que tudo dependeria das palavras que ele
escolheria a seguir.

- Muito mudou no mundo desde esse tempo Majestade. - Ele disse, observando a face de
Isildur. - Karmach estava falando por uma tribo nômade de algumas centenas de membros,
impotente contra seus vizinhos belicosos. Mas agora nossos vizinhos são nossos amigos. E
nós, os Eredrim, não ficamos inativos. Hoje somos mais de dez mil e temos aldeias em
todos os vales das montanhas de Nanbrethil até Gilrain. Nós guarnecemos as passagens
montanhosas e os vaus das grandes estradas para Gondor.

- Muito mudou, - disse Isildur calmamente - entretanto Ohtar viu a cintilação escura nos
olhos do Rei, que sempre pressagiava desconfiança contra alguém - mas muitas coisas
permanecem iguais. O Gondorrim e os Eredrim são ainda aliados, e os inimigos comuns
ainda nos ameaçam. Karmach jurou a min, na Grande Pedra, que os Eredrim sempre viriam
em nosso auxílio, se convocados pelo Rei de Gondor. Como eu jurei pela parte de Gondor

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em ajudar os Eredrim contra qualquer ataque. E ambos concordamos que estes juramentos
estariam ligados a nossos descendentes e sucessores. Era um laço solene. Tais coisas não
mudam.

- É claro Majestade, - disse Romach, rapidamente - O Juramento de Karmach é ensinado a


nossas crianças. Na verdade, tem sido assunto recente de discussão entre nosso povo.
Majestade, muitos entre meu povo sentem que deveríamos permanecer aqui para guardar
nossas casas. Eles têm pouco interesse na guerra entre Gondor e Mordor. Eles sentem que
não é uma guerra que lhes diz respeito.

- É isso que você pensa Romach? - Inquiriu Isildur - Você julga que a guerra contra Sauron
não é do interesse de sua gente?

- Claro que nós estamos preocupados. É muito desagradável quando os vizinhos estão
guerreando entre si. É difícil não se envolver. Afinal de contas, nossos amigos estão
sofrendo, e nosso comércio é prejudicado.

- Você terá mais que problemas de comércio se Gondor cair! – Irritou-se o Rei.

- Nós sabemos isso. Mas nós já não somos uma tribo de guerreiros nômades. Nós somos
uma nação de pastores e fazendeiros. Não temos nenhum exército poderoso para enviar em
seu auxílio.

- Não era você que agora a pouco se vangloriava da prontidão de seu exército? - perguntou
astutamente Isildur.

- Nosso exército, como chamas, não é mais que uma milícia. Eles estão prontos, ao
chamado de uma trompa, para defender suas casas, mas voltam a estas mesmas casas
depois de cada chamada. Eles são corajosos e bem treinados, mas não são cavaleiros
errantes para se lançarem em uma guerra longínqua. Quem defenderia nossas casas, nossas
famílias?

- Eu não lhe peço que deixe suas casas desprotegidas. - Respondeu Isildur - Mas muitos de
nós já perderam suas casas, e alguns a estão perdendo neste momento, como o povo de
Ethir Lefnui. Não há nenhuma segurança em suas montanhas Romach. Se Gondor cair e
Sauron prevalecer, não haverá nenhum abrigo seguro em qualquer terra.

- Mas Majestade, - contrapôs Romach - nós guardamos as proximidades ocidentais para


Gondor. Nós não podemos deixar os vaus desprotegidos. Nós poderíamos proteger Gondor
melhor permanecendo aqui.

Os olhos de Isildur brilharam.

- Claro que os vaus devem ser guardados, assim como suas terras e aldeias. Mas vocês são
um povo numeroso, e seus homens são guerreiros renomados. Gondor tem necessidade de
sua ajuda. - O rei fixou os olhos em Romach – Estás me dizendo que recusaria a
convocação? - Grunhiu, enquanto a face de Romach branqueava.

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- Não, meu Rei! – Exclamou com rapidez - Eu só estou explicando que ocupará algum
tempo para reunir todos os chefes de aldeias, fazer conhecido o que é requerido e
estabelecer as defesas satisfatórias para os que permanecerão. Devem ser acumuladas
provisões, e organizadas as novas lideranças Não podemos realizar tais coisas depressa.

- E ainda lhe digo, - disse Isildur - que pressa é vital nesta hora crítica. Nós somos apenas
um pequeno pedaço de uma missão muito maior. Assim como nós, outras grandes forças
estão se movendo, se juntando, ao longo de toda a Terra Média. Todos devem estar reunidos
no dia do Solstício de Verão, daqui a três semanas. Então muito do que está escondido será
revelado. E todos os nossos esforços serão decididos em um conflito final. De acordo com
o calendário organizado, eu deveria ter chegado a Erech há semanas atrás. Mas em
Angrenost e novamente em Anglond fui atrasado pelos desígnios do Inimigo. Agora o
tempo realmente é pequeno. Você precisa se mover com toda pressa.

- Enviarei mensageiros para todos os vales amanhã. – Disse Romach – Dentro de três dias
terei os Anciões de todas as tribos dos Eredrim ante a você.

- Nós não precisamos de seus Anciões, - respondeu Isildur - nós precisamos de seus
guerreiros.

- Eu não sou um Rei! – Exclamou Romach - Sou apenas o Senhor de Erech. Os Eredrim
são uma confederação de tribos. Os Anciões devem ser consultados em uma decisão tão
importante. Isildur fitou-o, lutando para controlar sua frustração. Romach assustou-se, e o
Rei imaginou se ele ousaria quebrar o juramento. Talvez ele estivesse falando a verdade.

- Chame seus Anciões, então. – Grunhiu - Mas faça com que os mensageiros também levem
para os vales a mensagem de que os Eredrim estão sendo convocados. Deixe que o
chamado comece imediatamente.

- Assim será feito. – Disse Romach.

Eles dormiram naquela noite em suas barracas ao lado da colina de Erech, menos Ohtar que
despertou durante a noite, a procura de Isildur que também deixará sua cama. Erguendo-se
rapidamente para fora de sua barraca, ele viu uma figura alta que se levantava ao lado da
pedra no topo da colina. Ohtar embrulhou-se em seu capote e escalou, tiritando de frio, até
o topo do monte. Isildur virou à sua aproximação.

- Esta grande pedra esteve uma vez no tribunal do palácio de Rómenna, em Númenor. - Ele
disse enquanto acariciava a pedra negra com a mão. - Havia sido descoberta,
profundamente enterrada na montanha, logo após a fundação de Númenor, quando foram
preparadas as fundações do palácio. Ninguém soube de onde tinha vindo, se tinha estado lá
esquecida pelos Valar que criaram a ilha, ou se era fruto de uma raça mais antiga que por
ventura tivesse vivido naquela terra antes deles. Os pedreiros de Elros teriam cortado a
pedra para usá-la na construção do palácio, mas sentiram um estranho poder que dela
emanava, e a deixaram intacta. Os freqüentadores do tribunal, especialmente os de sangue
real, passaram a se sentir atraídos por este globo negro, e ele se tornou um tesouro de nossa

22
família. No fim foi instalado no meio do palácio, com fontes a sua volta a sombra de belas
árvores Ainda assim, apesar de tão lindamente adornada, parecia estranha e misteriosa.

Em minha mocidade me sentia estranhamente atraído por esta pedra, e passei muitas horas
a seus pés, meditando. Meu pai, dizia que alguns dos poderes que mais tarde descobriria em
min estavam relacionados a minha afinidade pela Pedra Negra. Se isso é verdadeiro ou não,
não sei dizer. Quando a Queda de Númenor se aproximou, meu pai aconselhou que
deixássemos a pedra, mas eu não iria consentir em perdê-la e, com grande esforço de
muitos homens, nós a embarcamos em meu navio, próximo a quilha. Quando chegamos a
Pelargir a pedra foi desembarcada. Mas posteriormente removi-a para cá, como um símbolo
do poder e da amizade de Gondor pelas províncias ocidentais. Foi venerada por muito
tempo pelos Eredrim.

O Rei permaneceu calado por um tempo, sua mão ainda descansando sobre a pedra negra e
lisa.

- Eu estou intranqüilo, Ohtar. Temo que Romach planeje algo.

- Pensas que ele pretende quebrar o Juramento?

- Certamente não. Não posso pensar que ele ousaria nos desafiar abertamente. Pareceu-me
que ele estava protelando uma decisão. Ganhando tempo propositadamente.

- Por que ele faria isso?

- Eu não sei – Respondeu Isildur, enquanto observava a lua cheia que naufragava por detrás
dos precipícios ocidentais.

- Alguns de nossos soldados estavam bebendo hoje à noite com os Eredrim. – Disse Ohtar,
rompendo o silêncio - Eles me disseram que os Eredrim não pareciam muito ansiosos em se
unir a nossa causa. Disseram também que eles, ou pelo menos Romach, parecia estar
esperando outra pessoa quando nós aparecemos esta manhã.

Isildur estava calado e não disse nada mais. Eles permaneceram lá, juntos na escuridão,
algum tempo. Pouco depois Ohtar voltou à barraca, mas era muito mais tarde quando ele
ouviu os passos de Isildur retornando.

CAPÍTULO 2
O EMBAIXADOR DO SUL

Eles despertaram cedo, para uma bela manhã, e as mulheres dos Eredrim trouxeram
azeitonas, sementes tostadas e queijo de cabra para o desjejum. Depois, Isildur enviou

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Ohtar a procura de Romach, e ele o achou em sua cabana, em conselho com alguns de seus
guerreiros.

- Mas é certo que ele retrocederá quando perceber que os Gondorrim estão aqui? –
Perguntava um dos homens quando Ohtar entrou.

- Eu espero que sim, mas você sabe como ele é arrogante... - Respondeu Romach, e então
seu olhar repousou em Ohtar, que acabava de adentrar a cabana - Sim? - Ele disse
ruidosamente, claramente um sinal para que os outros interrompessem a discussão.

- Meu senhor, Isildur, me envia para saber se alguma resposta foi recebida das outras tribos.

- Não, ainda não. As primeiras respostas são esperadas para esta tarde. Nós os avisaremos
assim que eles chegarem.

Ohtar curvou-se e partiu, sentindo muitos olhos cravados em suas costas. Já do lado de fora,
ele se deteve a poucos passos da porta, mas um guardião postou-se em seu caminho, e ele
se apressou atrás de Isildur.

- Então eles esperam outras visitas. - Comentou Isildur quando Ohtar informou-o sobre o
conteúdo da conversa que havia escutado.

- Sim, alguém que não quereria aparecer enquanto nós estivéssemos aqui.

- Alguma conspiração paira aqui, mas eu não posso adivinhar o que poderia ser. Nós temos
que permanecer
alertas. Veja para que seus homens tentem averiguar alguma coisa entre os Eredrim.

Os homens foram ocupados na higiene dos animais e na manutenção de suas armas. Isildur
reuniu seus lugar-tenentes e os informou que, provavelmente, permaneceriam em Erech por
mais alguns dias. Mas, quando a manhã caminhava para seu apogeu, Ohtar ouviu um grito e
observou um reboliço entre os Eredrim. O vigilante que Romach mantinha postado junto a
grande Pedra Negra da colina descia em desabalada correria rumo a cabana de seu líder.
Outros entre os Eredrim estavam se aglomerando nas proximidades. Ohtar se aproximou do
grupo quando Isildur surgiu.

Romach e seus guerreiros estavam sussurrando em excitação quando Isildur se embrenhou


entre eles.

- O que está acontecendo Romach? - Ele perguntou com firmeza. A face de Romach
branqueou, e Ohtar notou que o líder dos Eredrim tremia.

- C... Ca... Cavaleiros se aproximam, Majestade." - Gaguejou.

- Os Anciões das outras tribos?

- Não, Majestade. Uma embaixada de outra terra.

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- Uma embaixada? Você não me informou ontem que estavas esperando uma embaixada de
outras terras.

- Não... – Romach enxugava a face suada. - Nós não os esperávamos. Nós não os
esperávamos hoje, Majestade. – Concluiu.

- E que reino representam eles? Se forem homens de Anfalas me pouparão uma longa
jornada para Ringlond, onde devo me reunir com o Senhor deles.

- Eles cavalgam de Ringlond, Majestade, mas não são homens de Anfalas.

- Não são de Anfalas? Então quem são Romach? – Perguntou Isildur.

Subitamente, um lamento estridente cortou o ar, abafando o murmúrio de vozes dos


Eredrim. Era o grito de uma mulher, cheio de pesar e terror, e esfriou os corações de todos
os homens que o ouviram. Todos se calaram, assombrados.

Neste mesmo momento ouviram os cascos dos cavalos de seis cavaleiros que adentravam a
aldeia sob a proteção de uma bandeira branca de trégua. Eles eram altos e com a pele
bronzeada pelo sol. Em suas vestimentas predominavam as cores preta e vermelha, e seu
líder usava um elmo adornado com uma águia do mar.

Ohtar ofegou.

- Majestade! – Exclamou - Esses não são nenhum Uialedain!

Isildur fitou-o. Sua mandíbula endureceu.

- Não, não são nenhum dos Uialedain. Nós vimos muitos destes em Anglond para os
esquecer. São os Piratas de Umbar!

Um homem da hoste de Isildur correu vindo do acampamento, espada em punho. Ele foi
logo seguido por outro, e então por mais outro. - Eram os homens de Ethir Lefnui, sedentos
de vingança. Mas os soldados de Isildur agarraram-nos rapidamente.

- Parados! - Gritou Isildur - Não haverá nenhuma luta até que nós saibamos o quê está
acontecendo aqui. – Finalizou, olhando firmemente para Romach.

Vários soldados postaram-se ao lado do rei, observando os cavaleiros que, calmamente,


desmontavam agora de fronte a cabana de Romach. Seus olhos eram frios e duros, e as
bainhas de suas espadas cintilavam reflexos prateados na luz da manhã. Ohtar chamou
alguns dos homens de Ithilien para engrossar suas fileiras, se com o objetivo de atacar os
Piratas ou conter os homens de Ethir Lefnui, ninguém estava seguro. Isildur observou
Romach, os olhos brilhando.

25
- O que significa isto, Romach? - Ele rugiu - Você nos trai então? Negocia com nossos
inimigos?

Antes que Romach pudesse responder, o líder dos cavaleiros falou a Isildur.

- Eu sou Malithôr. - Disse em uma voz repleta de cinismo - Embaixador de Sua Majestade
Imperial Herumor de Umbar. E bem sei quem és, Isildur Elendilson. Mas tenho que mostrar
para você e para meu amigo aqui, - disse apontando para Romach, que permanecia branco
como mármore - que seus inimigos, Isildur, necessariamente não são os inimigos dele. - O
embaixador aproximou-se insolentemente do Rei. Era quase tão alto quanto Isildur, mais
magro e esguio, com uma face longa e maçãs do rosto salientes. Seu peito orgulhoso
mantinha-se ereto e a cabeça, desafiadoramente erguida. Seus olhos escuros reluziam. -
Meu Senhor, Romach, tem que escolher seus amigos antes que possa conhecer seus
inimigos. - Finalizou.

- Os escravos de Sauron são os inimigos de todos os Povos Livres. - Disse Isildur, entre
dentes.

Os olhos frios do Embaixador se inflamaram.

- Os Homens de Umbar não são escravos de ninguém! Somos nossos próprios Senhores, e
agimos somente para nossos próprios fins.

- Seus fins são o assassinato e o saque. - Grunhiu Isildur - Eu estava em Anglond quando
seus navios atacaram aquela cidade matando muitos fazendeiros pacíficos.

O embaixador de Umbar deu um sorriso horrendo.

- Fazendeiros pacíficos, eles eram? E o que você fazia em Anglond, Isildur? Nós
capturamos alguns desses fazendeiros pacíficos, e quando os interrogamos, eles nos
disseram que você pretendia transformar fazendeiros em soldados.

- Interrogatório? Você quer dizer tortura.

O embaixador encolheu os ombros.

- Eles precisam ser persuadidos a cooperar é claro. Nós precisávamos saber por que você
estava lá e eles, no princípio, estavam relutantes em nos falar. Nós não poderíamos
descobrir nada do silêncio e das mentiras destes "fazendeiros pacíficos". – Respondeu cheio
de malícia - Claro que no fim eles contaram a verdade, como sempre fazem. Você é um
soldado, Isildur. Sabe que a tortura é o modo mais rápido e mais seguro para extrair a
verdade. – Sorriu.

Isildur tremeu, seus olhos repletos de ódio.


- Nós não torturamos prisioneiros. É selvagem.

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- Então são tolos. Eu tenho certeza que suas forças capturaram alguns de nossos homens
durante a luta em Anglond. Eles eram homens valentes e leais, estou seguro, mas não tenho
nenhuma dúvida que tortura, habilmente aplicada, os teria induzido a lhe falar que nós
planejávamos velejar pelo Rio Lefnui. Se você tivesse obtido esta informação, talvez
pudesse ter salvado aquela cidade.

A face de Isildur ficou vermelha de raiva.

- O saque de Ethir Lefnui foi uma afronta e um crime. - Gritou Isildur, sua voz tremendo. -
Essas pessoas não tinham feito nada contra vocês. Eles não eram nenhuma ameaça.

A face do embaixador permaneceu tranqüila.

- Isso é verdade. Eles eram completamente inofensivos. As pessoas de Lefnui sempre


estiveram calmas e confiantes em relação a qualquer ataque. Mas nós precisamos dar um
exemplo, e uma Lefnui em chamas não nos custaria muito trabalho. Nós queríamos que as
pessoas de todas estas terras soubessem que a mão de Umbar é longa, e que nem muros
altos, nem a proteção prometida por Gondor podem ajudar as pessoas que teimam se aliar
ao lado errado. – Comentou olhando sagazmente para Romach.

- Tens um modo estranho de levar aliados à sua causa. – Disse Isildur - Você costuma a
matar seus amigos?

- Nós não buscamos amigos. - Respondeu Malithôr secamente - Umbar é tão poderosa que
não tem nenhuma necessidade de aliados. Mas quando uma cidade ameaça se revoltar
contra nós, precisamos nos impor. E assim nós a esmagamos, como faríamos a um cachorro
desobediente. Outros povos que poderiam se rebelar contra nós, passam a pensar melhor a
fim de evitar destino semelhante. – Comentou, sorrindo novamente para Romach - Nós
poderíamos entrar em sua casa, meu Senhor? Temos muito a falar.

- Sim, claro que sim. Entre. – Disse Romach, olhando de relance para a face de Isildur,
escurecida pela fúria

- Os dois, por favor, os dois entrem em minha casa. – Disse, abrindo a porta da cabana.

- Mantenha os olhos sobre os Umbardrim. E mantenha as pessoas de Lefnui longe deles.


Eles estão sob uma bandeira de trégua. – Disse o Rei a Ohtar. Então virou-se e entrou na
cabana atrás de Malithôr.

- Você não tem nenhum direito de ameaçar estas pessoas. - Ele disse assim que a porta se
fechou. - Eles são livres para escolher seus amigos.

- Nós temos todo direito de fazer tudo que quisermos! - Respondeu Malithôr, mostrando
pela primeira vez sinais de raiva. - Herumor é o senhor legítimo de todas estas terras, não
Elendil. Umbar foi fundada há muito tempo pelos poderosos Reis de Númenor, e nós
regemos esta terra por longos anos, antes mesmo de Gondor existir. O que teria sido dos
Uialedain sem nós, os Dúnedain? Nós trouxemos as primeiras sementes e as espalhamos

27
pela Terra Média. Nós lhes ensinamos a cultivar, a construir barcos e edificar em pedra.
Nós fomos seus professores, seus protetores, seus Senhores durante mais de dois mil anos,
enquanto seus antepassados se sentavam em Andúnië, ouvindo o canto dos Elfos. Onde
estavam seus nobres amigos Elfos quando Númenor era rasgada ao meio? Bebendo, sem
dúvida, com seus aliados, os Valar, que lançaram nossa pátria a ruína das ondas! Nós
vivemos entre os homens da Terra Média durante séculos. Nós conhecemos muito bem um
ao outro. Eles sempre olharam à poderosa frota de Umbar como uma proteção. Eles são
nossos pupilos agradecidos. É você, Isildur, e seu pai que os atiçaram contra nós.

- E é matando-os que espera trazê-los de volta a sua causa Malithôr? Você realmente
acredita que é do interesses deles dobrar seus joelhos frente a Sauron?

- É claro que é do interesse deles. Sempre é do interesse das pessoas estar alinhado com um
vencedor. É infrutífero se levantar contra Sauron. Você pensa derrotá-lo com suas fracas
armas? Ele não é um homem como nós, nem mesmo é como um Elfo. Ele é um do Maiar, o
povo poderoso que estava presente quando o mundo foi feito. Você não pode sonhar em
derrotá-lo. Nem todos os Elfos e Homens de toda a Terra Média poderiam. Pois ele
aprendeu seus poderes aos pés de Melkor, o Valar.

- Não diga este nome! - Exclamou Isildur - Ele perdeu o direito de ser assim nomeado, e
sempre será conhecido como Morgoth, o Inimigo Negro. Assim como seu servo, Sauron,
ele também, uma vez, pensou em se fixar como Senhor da Terra Média. Infinitamente mais
poderoso que Sauron era ele, e ainda assim Elfos e Homens o lançaram por terra e ele foi
expulso dos círculos do mundo. E assim os Dias Antigos chegaram ao fim, e a Nova Era
teve início.

- Ele só foi subvertido pelo poder do Valar, tão poderosos quanto ele, não por homens
fracos ou Elfos. Agora os Valar se retiraram do mundo, e juraram não mais interceder. E
Sauron cresceu muito desde a queda de seu Mestre. – Argumentou o Embaixador de
Umbar.

- Você defende Sauron como se ele fosse seu Senhor. És uma criatura de Herumor, ou de
Sauron?

Os olhos de Malithôr chamejaram.

- Eu sou leal a Sua Majestade Imperial Herumor de Umbar. E ele não se curva a ninguém,
nem mesmo a Sauron. Só estava mostrando a futilidade de sua luta contra Sauron.

- Sauron está voltado a escravizar todos os povos da Terra Média. Seu Imperador pensa se
tornar um dos escravos dele? Ou ele planeja se levantar quando Sauron se mover para
trazer Umbar sob seu domínio?

- Umbar nunca será dominada por Sauron! Mas ele é um poder a ser considerado. Não é
prudente opor-se a ele abertamente. Melhor satisfazê-lo, aplacá-lo. E quando ele emergir
vitorioso sobre os Elfos e sobre vocês, Gondorrim, ele se lembrará dos amigos. - Disse com
outro olhar significativo para Romach - Como ele se lembrará dos que lutaram contra ele. E

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se você considera duro o destino de Ethir Lefnui, imagine do que será capaz a vingança de
Sauron.

Isildur emitiu um som de desgosto e abruptamente dirigiu-se a Romach.

- Não se engane pelas mentiras dele, Romach. Você acha que seu povo poderá viver sob
Sauron? Ele não faz aliados, faz escravos. Este Malithôr pode negar isto, mas eu lhe falo,
estes Umbardrim são agentes de Sauron. Se não estão de fato a serviço dele, estão ao menos
trabalhando ingenuamente em sua causa. Não de ouvidos a esta ferramenta do Inimigo. Ele
diz que é embaixador de Umbar, mas eu digo que ele é a boca de Sauron.

Malithôr respondeu em um silvo.

- E você, Isildur, é uma marionete dos Elfos. Você pensa que eles amam os Homens
verdadeiramente? Gil-galad o está usando como uma isca secundária contra Sauron. E
quando estiveres fraco, ele lançará suas armas na tentativa de tomar toda a Terra Média.

- Os Elfos sempre foram nossos amigos e nossos aliados. - Replicou Isildur - Eles lutaram
ao nosso lado contra Morgoth nos Dias Antigos, assim como lutam conosco hoje contra
Sauron.

Malithôr olhou Isildur, como um pai olha uma criança tola e teimosa.

- Eles o estão usando Isildur. Você derrama o nobre sangue de Númenor para eles, mas os
Elfos são uma raça de pouca influência hoje. Eles já não se preocupam com os negócios da
Terra Média. Eles estão sempre a velejar rumo ao grande mar. Não se passa um mês sem
que um de seus navios não deixe os Portos Cinzentos, rumo a terra deles, no oeste. Seus
aliados élficos se cansarão da guerra e o deixarão. Logo tudo terá sido em vão, e você
estará enfrentando Sauron sozinho.

- Gil-galad e os Elfos de Lindon não nos abandonarão enquanto esta guerra persistir. E
mesmo que não houvesse nenhum Elfo a nos ajudar, ainda sim nós lutaríamos contra
Sauron. Até mesmo se toda a esperança de vitória tivesse caído por terra, ainda assim seria
melhor morrer como seus inimigos do que viver como seus escravos.

Malithôr soltou um riso melancólico.

- Ora. Sua linhagem sempre foi sonhadora.

- E vocês Númenóreanos Negros, sempre foram ferramentas do mal. - Replicou Isildur –


Por muito tempo vocês hostilizaram as populações destas costas, e muitos deles encontram-
se agora encarcerados aos remos de seus navios. Vocês não são nada mais que piratas
comuns.

- Piratas? - Ridicularizou o embaixador - Nós somos os descendentes dos reis de Númenor.


Você se esqueceu dos grandes feitos deles? Você é um Númenoreano. Esqueceu-se da glória
e poder de Ar-Pharazôn, o Dourado? Ele que aportou em Umbar com mil navios, cada qual

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com mil guerreiros? Até mesmo o poderoso Sauron atendeu então à sua convocação, e
curvou seus joelhos ante nosso Imperador jurando lealdade.

- Sim, e mentiu e enganou e conspirou até que transformou-se de prisioneiro a principal


Conselheiro do Rei. E pela arte e malícia logrou destruir todo o poder de Ar-Pharazôn,
afundando nossa terra sob as ondas.

- Não foi Sauron quem destruiu Númenor! - Gritou Malithôr – Foram seus amigos, os
Valar!

- Não blasfeme contra os Valar, Boca de Sauron! - Rugiu Isildur - Para que eu não esqueça
de sua condição de embaixador e o enforque como a um pirata!

Os guardas de Malithôr deram um passo a frente. Mas o embaixador recuperou a


compostura rapidamente. E respondeu insolentemente a Isildur.

- Mas você não faria isso, Isildur. Eu sou um emissário de meu Imperador e trago uma
bandeira de trégua. Você respeita a imunidade diplomática, seguramente.

- Eu acredito em honra, sim. Eu acredito que devem ser observadas as convenções de


guerra, até mesmo para gente como você.

- E você sabe que nós não agiríamos de forma diferente na mesma situação não é? -
Comentou Malithôr, com um meio sorriso nos lábios.

- Pessoas civilizadas tem de se comportar de maneira civilizada. Seu povo foi civilizado um
dia, e realizaram grandes trabalhos, mas vocês destruíram tudo e agora vivem somente dos
tributos de seus vizinhos.

- Ora, os navios deles cruzam nossas águas territoriais levando bem preciosos. Se eles não
pagam nossa parcela nós os prendemos. Estamos dentro de nossos direitos.

- Suas águas territoriais? Vocês invadem todos os mares de Minhiriath a Harad. Ambos são
muito distantes de Umbar.

- É nosso território por direito antigo. Nós sempre fomos os Senhores destes mares. Sempre
provemos a segurança destas rotas. Todos os marinheiros sabem que nenhum pirata ronda
os mares onde velejam os navios de Umbar. É nosso costume abordar embarcações que
usam nossas águas para cobrar o pagamento desta proteção.

- Vocês os seqüestram, isso sim, e cobram resgates pela liberdade dos capitães e das
tripulações!

- Se eles não podem pagar os tributos, devem trabalhar para saudar esta dívida. É uma
prática existente há muito tempo. Chame-a como quiser.

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- Eu chamo a isto pirataria. - Disse Isildur – E saiba que eu não descansarei até que vocês
abandonem nossas costas e devolvam nossos cidadãos, escravizados em suas galés. -
Malithôr bufou enfastiado.

- Então não terás esperança de descanso em sua vida Isildur Elendilson. Suas ameaças são
infrutíferas. Você não tem nem os navios nem o tempo necessário para nos fazer frente nos
mares. Gondor investiu todas as suas forças na tentativa de conter Sauron. Você acha
mesmo que ele não pode deixar Barad-dûr a hora que desejar? Ele simplesmente não tem
nenhuma necessidade de lutar agora. O alcance de sua influência, e sua visão se estendem
por todas as terras, e seu poder cresce até mesmo enquanto você acampa nos desertos de
Mordor.

Isildur ferveu em raiva, e só com dificuldade conteve sua voz. Então, dirigiu-se para
Romach, que se agachava ante a ira dos dois poderosos Dúnedain.

- E quanto a você, Romach? Você ouviu as ameaças da Boca de Sauron. Você é um aliado
jurado de Gondor. Você não deve nada a este Umbardrim. Lembre-se do Juramento de
Karmach.

- Lembre-se também de Ethir Lefnui. - Sussurrou Malithôr.

- Sim, - retrucou Isildur – lembre-se das pessoas de Lefnui. Eles eram seus vizinhos e
parceiros de negócios, suas raças são consangüíneas. Se eles morreram como uma lição a
vocês, esta lição é de que você não pode confiar nos Piratas de Umbar. Envie estes piratas
de volta a suas casas e unamo-nos contra nossos inimigos.

Os dois encararam Romach esperançosamente, e Romach olhou-os em desespero.

- É uma questão para os Anciões decidirem, meus Senhores. – Disse por fim - Eu não posso
falar pelos Eredrim.

- O tempo da decisão é agora, Romach. - Disse Malithôr.

- Todos os Anciões estarão hoje à noite aqui, ou amanhã de manhã no mais tardar. Então
nos reuniremos em conselho.

- Espero que se lembrem de quem são seus amigos. - Observou Malithôr.

- Espero que eles se lembrem do juramento. - Grunhiu Isildur. E o Rei virou-se e fez
passagem pela porta da cabana. A multidão de homens que lá se aglomerava abriu caminho
para lhe deixar passar, pois ninguém poderia resistir a chama que jorrava de seu olhar neste
momento.

No acampamento, Isildur caminhava em círculos sob sua barraca. Ninguém ousou


aproximar-se do Rei, exceto Ohtar, que sentara-se nas proximidades, sobre caixas de
mantimentos. Ohtar permaneceu calado até que julgou que a ira de Isildur havia esfriado o
suficiente.

31
- Achas que eles manterão o juramento? – Perguntou.

Isildur cerrou os punhos.

- É melhor que assim seja! Não poderei tolerar traição! Terá o espírito desta raça
submergido tanto a ponto de levá-los a quebrar o Juramento? Honra e lealdade são palavras
vazias para eles? – Clamou, enquanto Ohtar assista a tristeza de seu Rei.

Neste momento, Ohtar soube o quão profundos eram os sentimentos de honra em Isildur.
Era uma das principais razões pelas quais ele o amava, e a pedra angular de sua própria
lealdade para com seu Rei e amigo. Mas ele também soube que a intensidade deste
sentimento criara uma mancha cega no rei. Era inconcebível a Isildur que um homem
quebrasse um Juramento feito. A confiança de Isildur, sua certeza inquebrantável sobre o
que é correto o fazia verdadeiramente incapaz de compreender os motivos que regiam as
decisões dos homens inferiores.

Porém, Ohtar não era um Dúnadan. Ele tinha cerca de trinta anos, nascido muito tempo
depois de Númenor ter afundado sob as ondas. Havia sido um caçador nas florestas de
Emyn Arnen, o país nas colinas de Ithilien meridional. Ele entendeu os sentimentos
confusos de muitos dos senhores dos Uialedain para com os reis dos Dúnedain. Muitos
deles pertenciam a famílias cujos antepassados haviam sido poderosos Senhores locais
quando os navios de Isildur e Anárion se aproximaram de seu antigo entreposto comercial
de Pelargir.
No início, os Uialedain fugiram à aproximação dos Homens do Oeste. Os forasteiros eram
numerosos e bem armados, e se pareciam muito com os temidos piratas a quem os
habitantes das aldeias litorâneas conheciam muito bem. Mas estes novos Dúnedain
provaram ser pacíficos e generosos, oferecendo sua ajuda livremente. Seus curandeiros
curavam os doentes, seus Reis eram dotados de poderes que lhes parecia pura magia.
Nenhum dos pequenos reinos e tribos da região ousou opor-se a eles. Eles ocuparam terras
ao longo do Grande Rio e ali construíram suas cidades de pedra. Intervindo em conflitos
locais e rivalidades, eles trouxeram paz para uma região que nunca a havia conhecido. As
pessoas comuns os amaram e os temeram, mas alguns dos antigos Senhores locais ainda
almejavam os dias quando as pessoas tremiam ao ouvir os seus nomes. E muitos se
sentiram desgostosos quando suas crianças começaram a falar a língua de Gondor,
esquecendo seus próprios costumes.

Ohtar sentia que podia falar sobre estes sentimentos dos Uialedain.

- Os senhores dos Uialedain, aprenderam por duras lições que lealdade é um sentimento
transitório. Eles carecem de sua aguçada visão, Majestade. Romach está assustado. Talvez
ele esteja se sentindo pressionado ao extremo.

- Você pensa que ele é meramente um covarde? Eu temo que ele possa estar caindo sob a
sombra de Sauron.

32
- É possível, - disse Ohtar encolhendo os ombros - mas se me perdoas Majestade, me
parece que ele está entre o martelo e a bigorna. Herumor o ameaça abertamente e sustenta o
saque de Lefnui como um exemplo terrível.

Isildur grunhiu.

- Uma cidade justa destruída. Centenas de inocentes assassinados. Tudo isso apenas para
demonstrar sua capacidade de opressão. Gostaria de enfrentar aquele arrogante
"embaixador" em batalha. Eu separaria sua cabeça do corpo. Assim Sauron teria que
arranjar outra boca para se manifestar.

- Ainda que Romach cavalgasse conosco, Erech poderia enfrentar um ataque maciço. Ele
teria que deixar para trás uma grande força de defesa. – Argumentou Ohtar.

- Nós não lhe pedimos que deixasse Erech indefesa. Mas os Eredrim são numerosos. Eles
ainda poderiam reunir um exército considerável para cumprir o Juramento.

- Talvez ele apenas fale a verdade. Talvez ele verdadeiramente não possa tomar esta decisão
sozinho.

- Eu não acredito nisso. E você?

- Também não. Julgo que se ele desejasse poderia falar pelos Eredrim sem contradições.
Mas ele pensa que qualquer decisão agora é perigosa e teme ser o responsável por esta
decisão. Penso que ele esteve protelando durante todo o tempo porque sabia que Malithôr
se aproximava, e desejava saber as condições de Umbar.

- Sim. – Concordou o Rei - Entretanto eu penso que ele teria preferido não ter que tratar
com ambos os lados ao mesmo tempo. – Exclamou com repentino humor - Você observou
Romach enquanto eu debatia com Malithôr?

- Aye. Sua cabeça ia de um lado a outro, como uma lançadeira. - Riu Ohtar – E sua boca
escancarou-se quando chamastes Malithôr de pirata.

- O Boca de Sauron duelou em palavras comigo, mas eles não são nada mais que piratas.
Importa muito pouco a um escravo de galé que ele esteja cumprindo uma sentença de
prisão perpétua por ser muito pobre para pagar seu absurdo tributo. A escravidão dele seria
mais onerosa se ele houvesse sido capturado por um navio pirata em lugar de o navio de um
rei? Ele perde seu navio e sua liberdade. Sem falar nos ataques as dúzias de pequenas
aldeias e portos pesqueiros ao longo das costas. Eles também estão se negando a pagar
tributos a Umbar? Os Piratas não precisam de nenhum motivo para saquear e assassinar.

- Aye. – Concordou Ohtar - Eles diriam que faz parte de sua política de proteção a suas
reservas comerciais.

- Os vilões! Se nós pudéssemos ganhar esta guerra contra Sauron, e derrotá-lo de uma vez
por todas, então eu iria humilhar estes Piratas. Antes da guerra, Anárion e eu tivemos

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muitos debates sobre a melhor estratégia para combatê-los. Ele sempre foi de opinião que
deveríamos construir mais navios e fortalecer a frota para então confrontar os Piratas
abertamente, onde quer que os achássemos. Mas eu era o mais velho, e já havia visto
muitas batalhas navais, com navios em chamas e bons homens condenados ao sepulcro
profundo do mar devido a suas pesadas armaduras. Por isso, sempre aconselhei a defesa e a
paciência. Nós fortalecemos nossas cidades litorâneas, e nos promontórios montamos
fortificações equipadas com faróis, que alertariam as demais comunidades sempre que velas
negras fossem vistas nas proximidades do Anduin. -
- Foi um excelente trabalho, meu Senhor. Os Piratas não ousaram atacar Gondor ou nossos
aliados, entretanto eles continuaram as depredações pelo sul. Mas, com a crueldade da
guerra, e com a maior parte das forças de Gondor comprometidas na luta contra Sauron,
eles acabaram por atacar-nos mais ousadamente. Pensava-mos que a guerra seria ganha em
alguns meses, mas já arrasta-se agora por doze anos. Nossas fortificações no litoral foram
desguarnecidas, nossos navios deixados sem tripulação. Os Piratas ficaram livres para
vagar à vontade por nossas costas. Primeiro começaram a atacar as aldeias pesqueiras nas
regiões distantes de Minhiriath, então, os pequenos portos do Gwathlo. Dois anos atrás eles
quase invadiram Tharbad, onde a estrada para Arnor cruza o Gwathlo. Agora, até mesmo
cidades fortes como Anglond encontram-se sitiadas. Anárion tinha razão. Nós deveríamos
tê-los varrido dos mares enquanto podíamos.

- Eu lhe digo, Ohtar. Este impasse em Gorgoroth me deixa furioso, frustrado. Nós não
podemos entrar na Torre ou arrancar Sauron de lá, e pior, não podemos desviar nossa
atenção de Mordor para tratar de assuntos urgentes como a retomada de Minas Ithil, a
limpeza de Ithilien, e a libertação de nossos mares das mãos destes Piratas amaldiçoados.
Temos tanto a fazer, enquanto permanecemos aqui sentamos aguardando que comerciantes
como Romach pesem o valor de sua lealdade como queijos no mercado.

Neste momento, um soldado se dirigiu Isildur.

- Meu rei. Cavaleiros aproximam-se do leste

- O que será isto agora? - Murmurou Isildur – Será que os Easterlings buscam também
acordos com os Eredrim? – E caminhou rumo a cabana de Romach, onde muitos dos
Eredrim já se aglomeravam.

Um grupo de cavaleiros entrava na aldeia. Jovens guerreiros Eredrim, completamente


armados e quatro homens idosos, todos portando longas barbas cinzentas. Eles
desmontaram, enquanto Romach emergia de sua cabana para saudá-los. Enquanto falavam,
Isildur notou Malithôr, que observava a tudo da porta da cabana de Romach. Isildur
apressou seu passo.

Romach já estava falando com os Anciões em voz baixa quando Isildur se aproximou. Ele
observou nitidamente que pararam de falar à sua aproximação.

- Ah! Aí estás, Majestade. Anciões venerados, eu tenho a honra de apresentar-lhes Isildur


Elendilson, Rei de Gondor. Majestade, estes são os Anciões dos Eredrim.

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Isildur foi apresentado a cada um, e lutava para memorizar seus nomes. Ohtar estudou os
anciões, e notou que todos olhavam sorrateiramente para Malithôr, que permanecia nas
sombras da cabana de Romach. Lhe pareceu que o embaixador já era conhecido dos
Anciões.

- Agora os Anciões estão presentes. – Disse o Rei - Talvez possamos chegar a uma
resolução.

- Oh, não, Majestade, - gaguejou um dos Anciões - nós não estamos todos aqui ainda.
Urmach, do Vale de Kiril ainda não chegou, nem Fornen dos vales altos de Fornoch, no
oeste. Nós não podemos proceder sem eles. -

- E devemos crer que eles chegarão em breve? - Perguntou Isildur em evidente irritação. -
Tempo é precioso.

- Urmach deve estar aqui antes de escurecer. É possível que Fornen possa chegar hoje à
noite, mas é mais provável que venha amanhã pela manhã. - disse outro.

- Avisem-me quando todos estiverem aqui. - Disse Isildur enquanto voltava a sua barraca.
Ohtar viu os olhares nervosos trocados entre os Eredrim. Era tudo muito claro, e a
paciência de Isildur estava chegando ao fim. Ohtar permaneceu tempo bastante para ver os
Anciões unirem-se a Romach e Malithôr na cabana. Só então retornou ao acampamento.

Isildur ainda estava dominado por um péssimo humor, e Ohtar não fez nenhuma tentativa
para quebrar o silêncio. Quando a noite caiu sem sinal dos dois Anciões restantes, eles
pouco falaram, mas sentaram-se longo tempo a frente de uma fogueira. Finalmente, quando
a lua minguante espiou por cima dos precipícios orientais eles viram o vale assumir cores
de ébano e argenta, e se recostaram para descansar.

Naquela noite Ohtar pode ouvir Isildur, que remexia-se em sua cama, e viu que o Rei não
conseguia dormir. Sem dúvidas pensando em tudo o quanto estava em jogo. Ohtar também
permaneceu acordado por longo tempo, e observou a lua rastejando lentamente pelo céu.

CAPÍTULO 3
NA PEDRA DE ERECH

Isildur foi o primeiro a despertar. Uma nevasca leve e clara havia caído, e névoas
repousavam sobre o fluxo do Morthond. Isildur embrulhou-se em um capote longo e negro
e caminhou calmamente pelo acampamento ainda adormecido. Sua figura sombria
surpreendeu suas sentinelas e cozinheiros ainda sonolentos, que começavam a preparar os
fogos.

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Depois que os homens se alimentaram, as névoas flutuaram para oriente, empurradas pela
brisa matutina, e o dia veio luminoso e claro. Isildur logo chamou seus capitães.

- Tenham suas companhias preparadas para marchar amanhã cedo. - Ele disse - Os Anciões
restantes dos Eredrim devem chegar esta manhã, e então nós poderemos nos reunir em
conselho. Espero estar com tudo definido já no início da tarde.

Porém, as horas se arrastaram e nenhum cavaleiro apareceu. Isildur, muito ansioso,


esperava quieto. Certa hora pegou seu cavalo, Fleetfoot, e, deixando ordens para ser
chamado caso os Anciões aparecessem, montou só até a cabeça do vale, para ver as
Cavernas de Erech.

O vale estava viçoso, coberto por uma grama primaveril luxuriante, alta o bastante para
roçar a barriga de Fleetfoot. Mais à frente o vale estreitava na forma de um canion, com
paredes íngremes e rochosas de ambos os lados. Ele descobriu um caminho batido, ao lado
do fluxo de um riacho, e seguiu-o através de uma confusão de pedregulhos enormes que
haviam rolado das alturas eras atrás. O riacho se perdia entre os pedregulhos, formando
dúzias de pequenas cascatas. Quanto mais avançava, mais o vale se estreitava até se
transformar em uma pequena fenda na montanha, tão coesa que Isildur poderia tocar as
paredes opostas caso estendesse os braços. O canion parecia se fechar a sua volta enquanto
as paredes subiam íngremes, revelando um céu azulado que olhado deste ângulo, mais
parecia um rio azul, sinuoso e comprido. Os cascos de Fleetfoot estalavam pelo caminho
produzindo ecos que tagarelam nas alturas.

Isildur contornou uma curva fechada e, de repente, as paredes desapareceram, revelando


um amplo espaço, como uma praça aberta e cercada por altas paredes rochosas. Na parede
oposta a entrada via-se um arco de pedra largo conduzindo a escuridão. Um garanhão negro
estava parado na boca do túnel. Isildur desmontou e aproximou-se. Ele podia sentir o ar
úmido e frio que flutuava pela abertura, como a respiração de uma criatura muito velha,
aprisionada debaixo das montanhas. Esta era a entrada para as vastas Cavernas de Erech.

Quando o Rei olhou na escuridão da gruta, algo pareceu mover-se lá dentro. Sua mão
pousou rapidamente no cabo de sua espada, e um riso severo vazou do negrume a sua
frente. Então, a face aquilina de Malithôr surgiu, uma viga de luz a cortara, deixando
apenas seus olhos nas sombras.

- Você não precisará de sua espada, Isildur. - Disse sorrindo - Esta terra ainda é neutra, e
nós somos ambos emissários aqui.

- Os Eredrim não permanecerão neutros por longo tempo Malithôr. Hoje Romach tomará
sua decisão. Então você poderá levar ao seu Senhor a mensagem de que os Eredrim sempre
permanecerão fiéis a Gondor.

- Você realmente acha que Romach possui a fibra necessária para desafiar Umbar? Ele e
esses outros velhos idiotas não ousariam. Você o viu suar quando eu o lembrei de Lefnui?
Ele é um tolo.

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- Seu desprezo se estende apenas a Romach ou a todos os Eredrim?

- A todas as tribos dos Uialedain. Venha, Isildur. Você é um de nós. Você sabe que eles são
iguais. Nasceram para servir a nós, os Dúnedain. Eles provaram no passado, e continuam
provando que são incapazes de governarem a si próprios. Por que você se aborrece tentando
forjar alianças com eles? Eles não precisam de aliados, precisam de mãos fortes para os
governar.

- Como as mãos de seu Imperador, suponho?

- Por que não? Ele se provou eficaz no seu trato com os Uialedain, coisa que seu pai ainda
não fez.

- Nós não buscamos dominá-los. Nós os queremos como amigos, não como servos.

- Amigos? Por que você desejaria ter esta escória como amigos? Eles são uma raça inferior
Isildur, você não pode negar isto. Eles não conhecem nada sobre Númenor, sua grande
história, seus heróis, suas belezas. Durante toda a ascendência de nossa civilização, até
nossa recente queda, eles permaneceram aqui, tocando seus rebanhos e morando em casas
de madeira tosca. Eles são bárbaros. Nem mesmo foram capazes de dominar
completamente nosso nobre idioma, mas insistem em murmurar na sua rude língua. Eles
vivem apenas um punhado de anos e morrem como cachorros.

- Não! Eles morrem como nós. Como homens e deixam suas viúvas em lamentos. Embora
nossas linhagens tenham se separado a muito tempo, antes mesmo do mundo ter sido
modificado, eles ainda são nossos irmãos. Malithôr ouça-me. Você é um homem instruído.
Herumor julga estar agindo para a glória de Umbar, mas ele se transformou em mais uma
criatura de Sauron. Sauron envia seu longo braço e os Umbardrim velejam para a guerra.
Você não vê o mal que Sauron representa?

- Eu só vejo que ele é o mais poderoso. - Disse Malithôr enquanto estudava Isildur por um
momento. - Eu lhe contarei algo em confidência, Isildur, de um Dúnadan a outro. Eu morei
muito tempo na Terra Média, por muito mais tempo que você, e eu vi reis irem e virem.
Sauron não pode ser derrotado por Gondor, Umbar ou pelos Elfos, ou por qualquer aliança,
a menos que os Valar intercedam, e isso não acontecerá novamente. Seu poder vai além de
nossa compreensão, e ele está determinado a governar a Terra Média. Nada o pode deter.
Eu pretendo sobreviver a esta guerra, e isso significa estar com Sauron.

- Eu pensei que você fosse um homem do Imperador.

Malithôr olhou Isildur com um sorriso torto. Ele baixou sua voz ao máximo.

- Não. Você tem razão. Muito tempo eu servi no tribunal de Umbar e o Imperador me
considera um de seus mais leais súditos, a ponto de me elevar à posição de conselheiro.
Mas, como você adivinhou, eu sou de fato um agente de Sauron. Eu, como muitos outros,
manipulo o Imperador para manter as políticas de Umbar de acordo com a vontade de
Sauron. Entretanto Herumor pensa que age para seus próprios fins. Ontem, em sua raiva,

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você me chamou "Boca de Sauron". Você quis dizer isto como um insulto, mas eu
reconheço o elogio com gratidão. – Disse o embaixador se aproximando de Isildur, os olhos
flamejando de orgulho - Eu sou a voz de Sauron aqui. E me orgulho de que o Mestre confie
em min para falar por ele junto a Herumor, e por Herumor junto a estes selvagens
Uialedain. Sauron e eu trabalhamos bem em conjunto. Nós entendemos um ao outro.

- Sauron também me conhece muito bem. - Respondeu Isildur - Freqüentemente eu falei


contra ele no palácio de Armenelos, quando ele sussurrava suas deslealdades na orelha do
Rei Ar-Pharazôn.

- Aye, ele se lembra de você, Isildur, muito bem. Ele falou de você muitas vezes. E parece
que alimenta uma inimizade particular contra você. Algo que eu não compreendi
completamente, algo sobre uma árvore acredito...

Isildur soltou um riso melancólico.

- Sim. Uma vez, há muito tempo, em Númenor, ele havia convencido o Rei a queimar
Nimloth, a Árvore Branca que cresceu no seu tribunal. Ele não tinha nenhuma razão para
fazer isto, exceto despeito e ódio por todas as criações élficas. E Nimloth havia sido
presenteada pelos Elfos a todos os Númenóreanos. Eu não suportaria vê-la destruída, e em
cautela entrei no palácio em disfarce e levei da árvore um fruto. Eu fui descoberto e atacado
pelos guardas do palácio e, embora tenha sido gravemente ferido, escapei de Andúnië com
o fruto e sua semente.

- Tudo isso por um mero fruto de uma árvore? Por que?

- Nimloth era mais que uma árvore. Era um símbolo da amizade eterna dos Eldar, e também
uma lembrança dos Valar, porque era uma imagem de Celeborn, de Galathilion, e de
Telperion, Mãe de Árvores.

- Você venera os tempos antigos Isildur, realmente tolos eles podem ser. És valente, mas
insensato e tolo. Apesar de seu disfarce, Sauron descobriu sua proeza não é mesmo?

- Sim. Ele queimou Nimloth, mas nunca descobriu onde a semente fora escondida. Depois
de anos eu a plantei em meus aposentos, em Minas Ithil, e ela cresceu alta e bela, tão bela
como Nimloth foi.

- Estava em Minas Ithil? - Perguntou Malithôr - Então Sauron se apossou dela.

- Sim. Sauron queimou aquela árvore também, amaldiçoado seja. Mas diga uma coisa ao
seu amigo, tão logo se correspondam: saiba que a árvore gerou muitos frutos, e muitas
sementes foram guardadas. Algumas foram plantadas em lugares secretos, outras foram
despachadas em cofres resistentes, para terras distantes. Ele nunca poderá destruir a Árvore
Branca, da mesma maneira que jamais contaminará a amizade entre Elfos e Homens.

- O Mestre, - respondeu Malithôr - possui outra opinião. Se os Elfos mantém ou não sua
aliança com os Homens, é de pouca importância. Os Elfos, assim como todos os seus

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poderes e realizações estão deixando este mundo. O seu interesse nos eventos acontecidos
neste lado do Mar está enfraquecendo. Eles estão partindo, sempre velejando para longe de
nossas orlas. Logo eles terão ido, e você estará impotente e só ante o Mestre. Suas débeis
forças não o ajudarão então. Todos cairão sob a força de Sauron, e serão esmagados. Todos,
salvo nós, que estamos ao seu lado.

- Os Elfos nunca nos abandonarão. – Argumentou Isildur, com convicção - Eles deixarão
um dia a Terra Média, é verdade, mas este dia ainda não é chegado. Eles vieram para cá, de
suas terras distantes, para derrotar o mal de Morgoth, e enquanto Sauron ainda reger um
palmo de terra sua tarefa não estará completada. O Exército da Aliança acampará a volta de
Barad-dûr até que ele saia, e então o destruiremos.

- Destruir Sauron? - Perguntou Malithôr com um riso nos lábios - Não há nenhum poder na
Terra que possa derrotá-lo enquanto ele empunhe o Um Anel. Você pode se lançar contra os
muros de suas fortaleza até que ele se canse de seu ruído. Ele apenas aguarda sua hora.
Logo cavalgará adiante e dominará todas as terras do oeste. Então seus inimigos serão
jogados ao chão e seus aliados emergirão. – Disse, aproximando-se com um sorriso
malicioso. - Talvez então eu seja Senhor de Ithilien, ou Rei de Gondor.

- Você pode ser a Boca de Sauron, Malithôr, mas não conheces a mente dele. É mais
provável que você se torne um escravo do que um rei. Já houve muitos reis de homens,
nobres e poderosos, que pensaram ser os lugar-tenentes de Sauron. Muitos eram instruídos
nas artes antigas e dominavam poderes. Sem dúvidas eles imaginavam, como você, se
transformarem em Reis mais poderosos. E Sauron os honrou presenteando-os com grandes
Anéis de Poder, e agora eles são apenas espectros, sombras de homens, fantasmas que se
movem apenas sob o negro desejo de Sauron.

A face escura de Malithôr empalideceu.

- Você não deveria escarnecer dos Nazgûl, pois são poderosos e perigosos. Uma sombra de
medo caminha com eles, e nenhum poder os detém.

- Ainda assim eu devo me levantar contra eles. – Respondeu Isildur - E prevalecerei, pois
que eles ocupam Minas Ithil injustamente. Você pode aconselhar Romach a quebrar seu
Juramento e ajoelhar-se perante Sauron, mas eu não sou tão facilmente domado! –
Exclamou o Rei enquanto, subitamente, lançava para trás sua capa e sacava de sua longa
espada - Eu lhe faço um juramento Malithôr: expulsarei a escória de Sauron de Minas Ithil
e de toda a minha terra, e se me for permitido, matarei Sauron e arrancarei de suas mãos o
Um Anel. Então, todos os seus malefícios, feitiços e as criaturas serão derrotados!

- Você não crê realmente nisto... – começava Malithôr quando ouviram claramente o som
das trompas de Erech ecoando pelos vales. Isildur se apressou e montou Fleetfoot - São as
Trompas de Erech, - clamou enquanto levava seu cavalo na direção do canion - os Anciões
se aproximam, afinal. Mas Malithôr também correu para sua montaria, e ambos galoparam
rumo a aldeia de Romach, o som de seu galope ecoando forte nas pedras a sua volta.

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Assim que adentrou o acampamento, Isildur apressou-se rumo a sua barraca, onde Ohtar o
aguardava.

- São os outros Anciões? - Perguntou.

- Sim, ambos. Chegaram quase ao mesmo tempo, cerca de uma hora atrás. Desde então
permanecem enclausurados na cabana, com Romach. - Ohtar olhou a face do Rei - Vistes as
Cavernas, Majestade?

- Não. Eu as localizei, mas havia outro visitante. O embaixador de Umbar.

- Vocês se encontraram? Sabia que deveria ter lhe acompanhado...

- Ele não é estúpido o bastante para elevar a mão contra min. Nós tivemos uma conversa
muito interessante. Eu lhe contarei depois o que ele disse. Agora tenho que vestir para a
reunião com os Anciões. Usarei minha tiara de mithril e a capa azul. Quero que eles vejam
com quem estão negociando. Agora me ajude.

Isildur mexeu-se desconfortavelmente em seu assento. A reunião já se estendia por várias


horas sem que os Anciões tivessem alcançado uma decisão. Após a explanação do Rei, o
caso parecia estar favorecendo a Gondor, mas Malithôr fez um discurso eloqüente e
ameaçador, e os Anciões vacilaram novamente.

Para Isildur a escolha estava clara. Afinal ele não poderia perder mais tempo. Então,
levantou-se subitamente, interrompendo um infinito discurso sobre o impacto no comércio
local de uma aliança com Umbar.

- Só há um argumento a ser considerado aqui! – Clamou repentinamente.

Urmach, o Ancião que se pronunciava, olhou Isildur em surpresa. Ele não estava
acostumado a ser interrompido, e piscou repetidamente, aborrecido e temeroso.

- Imploro seu perdão, Majestade. – Sussurrou.

- Este argumento é o Juramento de Karmach. – Continuou o Rei - Seu antigo senhor deu-
me sua palavra solene de que nossos povos seriam aliados eternos; que se qualquer um de
nós fosse ameaçado, o outro viria em sua ajuda. Bem, Gondor foi atacado e se mantém em
uma luta de morte com Mordor. Eu sou o Rei de Gondor, e estou pedindo a ajuda dos
Eredrim. Há apenas uma resposta para homens honrados.

Houve um silêncio desagradável. Ninguém encarava seus olhos, entretanto havia muitos
olhares escusos entre os Eredrim.

- Karmach? - Disse Malithôr em um tom inocente - Eu não conheci este senhor. Por que ele
não está aqui hoje?

Ouviu-se uma risada nervosa.

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- Karmach foi o bisavô de Romach. - Sussurrou Urmach para Malithôr.

- Oh. Então ele está morto?

- Claro que sim. Seu túmulo se cobriu de erva antes mesmo de meu pai haver nascido.

- Quer dizer então que os Eredrim são governados pelos mortos? – Argumentou o
embaixador de Umbar.

- Sim! - Rugiu Isildur - Sua voz ecoando pelas grossas vigas de madeira - Karmach fez seu
juramento a min pessoalmente, e o estendeu para todos os seus herdeiros.

Mas Malithôr não se perturbou.

- Então, nenhum de vocês, veneráveis Anciões, sequer estava vivo no momento deste
juramento?

- Não, claro que não! - Disse um Ancião - Esta é uma história antiga.

- Mas hoje vivemos em outro mundo. Muitas mudanças ocorreram. Nações surgiram, Reis
nasceram e morreram. Quem pode garantir que Karmach manteria seu Juramento se
estivesse vivo hoje?

- Karmach era um homem honrado! - Exclamou Isildur furiosamente - Seu juramento não
estava vinculado a condições ou prazos de qualquer tipo. Karmach nunca teria considerado
qualquer sugestão de quebrar seu voto.

- Isso é o que você diz. - Disparou o embaixador - Mas ele não está aqui para falar por si
próprio. Nenhum destes veneráveis Anciões ouviu este juramento, nem podem lhe argüir
sobre os motivos e intenções que o moveram nesta ocasião.

- Seus motivos eram claros. Proteger seu povo e suas terras. E Gondor ofereceu esta
proteção. Ele mencionou a min, freqüentemente, nos anos que se seguiram, como, pela
primeira vez, pode se despreocupar com a possibilidade de guerra em suas fronteiras.

- Isso pode ter sido verdadeiro naquele momento, quando Gondor era a única nação forte o
bastante para proteger os Eredrim. Mas agora Umbar também oferece sua proteção. Gondor
sempre se empenhou neste acordo, mas agora está enredado em uma guerra desesperada
contra Sauron. Eles enviaram suas legiões até aqui para os protegerem nestes tempos
perigosos? Eles protegeram as pessoas de Ethir Lefnui? Não. Eles estão muito ocupados
lutando sua guerra em Gorgoroth. Ao invés disso, eles lhes pedem para deixar suas famílias
desprotegidas e partir para morrer longe em uma terra estranha. Umbar, por outro lado
oferece sua proteção livremente, sem pedir coisa alguma em retorno: nenhum juramento,
nenhum contingente de homens jovens para serem mortos em uma guerra longínqua.
Umbar não está em guerra com Sauron ou com qualquer outro reino. E Sua Majestade

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Imperial, Herumor, mantém excelentes relações com Sauron. Ele pode protegê-los da ira de
Sauron, ou de Gondor, no que diz respeito a qualquer assunto.

A ira de Isildur explodiu ao ouvir este discurso.

- Vocês não precisam de proteção contra Gondor senhores, honrando ou não seu juramento.
Não é nosso costume atacar nossos vizinhos. Mas é possível que vocês venham a precisar
de proteção contra Umbar. Eles têm uma política antiga de destruir os que não se curvam
aos seus desígnios. Herumor só deseja somar suas terras ao Império dele. O que se esconde
por detrás de uma amável oferta de proteção é uma ameaça finamente oculta. Ele os está
extorquindo a ponta de espada!

Malithôr sorriu.

- Obrigado, Isildur, eu não poderia ter explicado melhor. – E complementou, voltando-se


aos Anciãos - Umbar lhes oferece a mão aberta da amizade, se vocês se unirem a nós. Mas
se vocês recusarem esta mão aberta, terão de suportá-la fechada ao cabo de uma espada
cruel. O Império não tolerará desobediência. Eu lhes digo, veneráveis Anciões, se seus
guerreiros montarem agora com Isildur, Sua Majestade Imperial não terá nenhuma escolha
além de vê-los como uma ameaça ao Império.

- Nós não somos inimigos de Gondor nem de Umbar. - Apaziguou Romach - Nenhum de
vocês tem algo a temer de nós, e bem sabem disso. Nós somos apenas pastores, e tudo o
que desejamos e ser deixados sós.

- Isso é verdade hoje. – Respondeu-lhe Malithôr - Mas se você reconhecer a reivindicação


de Isildur, serás forçado a levantar armas contra Sauron. E sabes bem que a amizade entre
Mordor e Umbar é muito íntima e muito próxima. Herumor certamente julgaria que um
inimigo de nosso aliado é um inimigo nosso. Pela estima que tenho para com você, eu
pleitearia em nome de seu povo no tribunal, mas Herumor é dado a rompantes súbitos
contra esses por quem se sente traído. Tenho medo que eu não possa responder por sua
segurança.

Os Anciões olharam um para o outro. Durante um tempo ninguém falou. Então Romach
quebrou o tenso silêncio.

- Nós, os Eredrim, somos um povo calmo, dedicado ao comércio. Sabemos pouco das
guerras dos grandes. Mas, depois que as palavras de diplomacia são proferidas, suas
mensagens se resumem a uma posição simples: se nós nos aliamos com qualquer um de
vocês, o outro nos destruirá.

- Não! – Clamou Isildur - Essa não é a minha mensagem. Gondor nunca os atacaria, a
menos que vocês levantassem armas contra nós.

- Coisa que nós nunca faríamos, Majestade. Nós não temos nenhuma pendência com
Gondor, eu o asseguro. Nosso único desejo é permanecer-mos neutros.

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- Então o assunto está resolvido. - Disse Malithôr, com óbvia satisfação em sua face - Os
Eredrim permanecerão neutros, e seguros em suas terras. - Os Anciões acalmaram-se
visivelmente, e todos fizeram menção de se levantar, como se a reunião tivesse sido
encerrada.

- Não! - Gritou Isildur – E sua voz soou dura e fria - Nada está resolvido. O Juramento de
Karmach permanece, e eu não abrirei mão disto. Não desonrem seu antigo Senhor, o nobre
Karmach, tornando-se desleais a sua palavra. Se vocês temem as ameaças desta Boca de
Sauron, mantenham uma força bem armada aqui, e protejam sua terra e sua família dos
Piratas. Mas esses a quem vocês possam abrir mão lhes deixem montar comigo.

Os Anciões que haviam se levantado desmoronaram novamente em seus assentos.

- Então não nos deixas nenhuma opção, Majestade? – Perguntou Romach sombriamente e
de olhos baixos.

- Sim. Eu deixo uma opção para vocês. A opção de fazer o que é certo e honrado, aliar-se as
pessoas de bem, e se alinhar contra as forças de mal. Honre seu juramento e levante-se com
Gondor, Arnor e Lindon e com todas as outras Terras Livres do oeste. Nos ajude a derrotar
Sauron, a livrar o mundo deste mal. Então juntos poderemos tornar os mares e terras
seguros. Quando a guerra com Sauron tiver chagado ao fim, eu prometo que Gondor tratará
destes Umbardrim, e se livrará desta ameaça para sempre.

A face de Malithôr tornou-se dura ao som destas palavras. Ele já se preparava para
responder, mas Isildur cortou-o com um olhar terrível. O Rei afastou sua bela capa azul-
celeste, e sua armadura de mithril ardeu nos reflexos vermelhos do braseiro que dominava o
salão. Ele pareceu crescer em altura, e sua imagem encheu todo o aposento, terrível e
poderoso em sua ira.

- É só o que tenho a lhes dizer Homens das Montanhas. – Sua voz ecoou – Estaremos
levantando acampamento agora e partiremos quando os primeiros raios da manhã
iluminarem nossa estrada.

- Bom, - disse Malithôr – não precisa nos despertar...


Isildur o ignorou, mas os que estavam ao seu lado viram sua mandíbula latejar.

- No entanto, - continuou o Rei de Gondor - antes que tomemos a estrada eu irei para a
grande pedra na colina, a qual vocês chamam a Pedra de Isildur. Lá eu soarei o grande
chifre que Romach me deu. E chamarei os Eredrim para cumprir seu Juramento. E
aguardarei os que quiserem honrá-lo.

E deixou depressa a cabana de pedra, sua capa voando à suas costas como as asas de um
grande pássaro do mar.

Ohtar terminou de arrumar os últimos pacotes enquanto os homens amarravam os fardos no


lombo dos cavalos. Um vento frio varria as colinas naquela manhã. Todas as barracas já
haviam sido desmontadas, e o pavilhão de Gondor tremeluzia nas mãos de um soldado. Um

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brilho róseo começava a dominar o céu oriental quando os últimos pacotes estavam sendo
amarrados em seu lugar. Ohtar continuou observando, a espera de algum sinal dos Eredrim.
Mas, além dos homens de Gondor e seus aliados, nenhum outro movimento foi visto.
Galgando colina a cima, rumo a Pedra de Erech, Ohtar pode ver a figura de Isildur, que se
elevava silenciosa e imóvel, embrulhada em um longo capote de viagem para combater o
gélido frio da montanha. Finalmente, quando a hoste de Gondor estava pronta para partir,
Ohtar apanhou a longa trompa com que Romach havia presenteado o Rei e levou-a até
Isildur. Os homens estavam tensos, e mantiveram-se em silêncio.

- Nós daremos mais algum tempo a eles, Majestade? – Perguntou Ohtar.

- Nenhum. O sol já surge. Soe a trompa.

Ohtar elevou o imenso chifre e pôs os lábios em sua extremidade. Puxando uma profunda
respiração, ele soprou o mais forte que pode. Uma explosão sonora grave e profunda
despertou o vale naquele pré-amanhecer, e o ar reverberou por todos os cantos.

- Povo das Montanhas! - Rugiu Isildur, e os ecos dos precipícios aumentaram o volume de
sua voz, da forma que deve ter soado como a voz de Aüle quando o mundo foi feito. - Eu,
Isildur Elendilson, da Casa de Elros, Rei de Gondor, os convoco a cumprir o Juramento de
Karmach. Gondor tem necessidade de sua ajuda. Vocês responderão ao chamado?

Vários minutos se passaram, enquanto os ecos enfraqueciam gradualmente e morriam. Não


havia nenhum sinal de vida nas casas dos Eredrim. Finalmente uma porta rangeu e um
homem surgiu sob a porta da cabana de Romach, e manteve-se de pé, observando em
direção da colina, onde eles se encontravam. Ohtar percebeu que ele era muito alto para ser
Romach, ou qualquer Eredrim. Era Malithôr.

- Isildur de Gondor, - ele gritou - eu falo pelos Eredrim. Eles não desejam nenhum conflito
com você, mas não desejam o deter mais. Eles não possuem nenhum desejo de alistarem-se
em sua guerra contra Mordor. Os Eredrim se declaram um Estado neutro e soberano, nem a
serviço de Gondor nem de Mordor, nem de qualquer outro Estado. Eles repudiam o
Juramento feito por Karmach e não se sentem ligados a ele por nenhuma obrigação.

Isildur olhou dura e longamente para Malithôr, e em seus olhos cintilavam um ódio e uma
fúria efervescentes. Então Isildur se aproximou, e parecia aos que o observavam neste
momento que viam um dos antigos Reis de Númenor, tão poderoso e terrível parecia.
Então, sua voz rolou novamente, grave, acima do vale. E apesar de nenhum Eredrim se
fazer visto, ele sabia que eles se agachavam no fundo de seus casebres, tremendo em terror.

- Então, que me ouça Romach. - Ele rugiu - Se o Oeste provar ser mais poderoso que seu
Mestre Negro, que esta maldição que eu lhe deito se estenda como uma névoa sobre seu
povo: que os Eredrim nunca venham a descansar até que seu juramento seja cumprido. Pois
agora predigo que esta guerra durará por anos sem conta, e vocês serão chamados, uma vez
mais, antes do fim. Os Eredrim nunca crescerão e não prosperarão, mas serão um povo a se
encolher, até que a última de suas crianças enfraqueça e passe nas sombras, ultrajadas por
todos os povos honrados. Então estes vales estarão devastados e estéreis, e até mesmo os

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nomes e ações de seus habitantes serão esquecidos. Que nem sequer a morte os desobrigue
de seu juramento. Pois que não acharão descanso, e suas sombras vagarão por lugares
profundos sob terra. E assim permanecerão, para que em um tempo futuro vocês encontrem
um modo de cumprir o Juramento. Esta maldição eu clamo sobre vocês e sobre todos os
seus descendentes até o fim dos tempos. Adeus para sempre, homens sem honra!

Suas palavras medonhas soaram por sobre a aldeia, e vieram ecoar por detrás dos
precipícios, como se as montanhas estivessem repetindo e confirmando a terrível maldição.
Isildur fervia em uma fúria fria, toda sua intolerância e indignação para com os traidores
queimando em sua voz.
Então, ele ordenou a Ohtar que lhe trouxesse seu cavalo. E assim que montou em Fleetfoot,
galopou colina abaixo, diretamente para Malithôr. O embaixador o olhou com uma
zombaria triunfante. Entretanto, quando sentiu o poder ígneo de Isildur a zombaria
enfraqueceu em sua face.

- Quanto a você, boca imunda de Sauron, - disse Isildur - não o matarei como mereces por
levá-los a esta deslealdade. Mas eu também ponho uma maldição sobre tua cabeça. Viverás
muito tempo a serviço de Sauron, mas sempre diminuirás, até que sejas apenas mais uma de
suas ferramentas desgastadas. Todos esquecerão seu nome, até mesmo você. E por
presságios, posso ver mais que isto. Digo que estes Eredrim a quem você arruinou, ainda
serão a ruína de Umbar.

Então ele guinou as rédeas furiosamente, guiando Fleetfoot rumo ao acampamento e


galopando para a estrada. Só quando as últimas companhias tinham desaparecido sobre a
extremidade do vale, os Eredrim começaram a rastejar cautelosamente para fora de seus
casebres. Mas o dia, que havia amanhecido claro transformara-se em uma manhã escura e
pesada, e eles puderam sentir uma terrível opressão sobre seus corações. Malithôr e sua
escolta cavalgaram para sul, sem uma palavra, pouco dispostos a encarar os olhares das
pessoas que já sentiam no horizonte os prenúncios de um futuro pouco glorioso.

CAPÍTULO 4
A ESTRADA PARA LINHIR

A coluna seguiu pelo estreito Passo de Tarlang, a passagem entre os vales de Morthond e
Kiril. Precipícios assombrados erguiam-se, sem fim, de forma que apenas uma estreita faixa
de céu podia ser vista acima. Os homens estavam intranqüilos. Um exército poderia
facilmente se esconder nestas escarpas desérticas e levar destruição aos que marcham
indefesos nesta garganta. Eles avançavam em silêncio, os olhos sempre alertas para
qualquer movimento suspeito nas pedras acima; seus ouvidos aguardando o som de pedras
rolando, ou das cordas de arcos sendo retesadas. Mas, além do ocasional gralhar de um
corvo, eles ouviam apenas os seus próprios sons: o rangido das couraças de couro, o tilintar
dos metais, suas as botas e os cascos dos cavalos ecoando pelo solo rochoso.

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Ohtar caminhava ao lado do cavalo de Isildur, seus dedos enlaçados à rédea do animal. O
grande corcel, que diversas vezes mergulhara sobre hordas de inimigos uivantes, parecia
agora arisco e intranqüilo. Quando atingiram o ponto mais estreito do Passo, as paredes de
pedra como que fechadas a sua volta, o cavalo do Rei agitou-se, libertando-se da mão de
Ohtar. O som estridente de seu relincho reverberou de súbito surpreendendo a companhia
inteira. Isildur o trouxe rapidamente sob seu controle e Ohtar acariciou ternamente o nariz
aveludado do animal.

- Parece que Fleetfoot não gosta destas paredes apertadas, Senhor. - Disse Ohtar - Ele vem
das amplas planícies de Calenardhon, onde um cavalo pode correr cem milhas sem nunca
ser detido por um obstáculo. Estes animais sentem-se alegres em planícies abertas, repletas
de reluzentes gramados.

- Tão pouco aprecio eu este lugar meu amigo. Daria qualquer coisa para estar novamente
nas colinas verdes de nossa Ithilien – Disse o Rei, seus olhos distantes como se cavalgasse
sobre os desejosos pastos de seu reino. Então Ohtar soube que os pensamentos de seu
Senhor voavam longe, para leste, para sua pátria, que jazia ainda sob as grossas solas dos
pés dos orcs.

- Aye, - continuou Isildur – você se recorda Ohtar, velho amigo, certa vez quando nós, na
véspera de um verão longínquo, observamos o vasto oeste dos parapeitos da Torre da Lua ?
O sol escondia sua face ruborizada atrás da silhueta azulada do Mindolluin, lançando a
cidade em sombras. E, entretanto, os cumes das montanhas, sobre nós, ainda ardiam,
vermelhos, como se fossem iluminados por uma chama interna. Lembra-se ?

Ohtar cabeceou e sorriu.

- Então olhamos os lumes sendo acesos, um por um, nas cabanas que se espalhavam pelo
Vale de Ithil abaixo, até que a névoa noturna tornou-se rósea devido ao resplandecer de
todas estas luzes ardendo em halos no crepúsculo. E então, o gado viria, para a proteção dos
muros, conduzido por meninas descalças com buquês de flores selvagens a lhes enfeitar os
cabelos.

O rei riu suavemente.

- E se lá estivéssemos agora, um de meus criados sairia para nos trazer vinho. E estaria ao
lado de Elendur, ou ouvindo os acordes de alaúde do virtuoso Aratan. Quem sabe não
estaria agora olhando a chegada da noite em minha cidade, ao lado de minha rainha, com o
pequeno Valandil ao colo. - Isildur parou então, e uma suave luz pairou sobre seus olhos.
Ohtar pode ver uma sombra de tristeza na face do Rei, e nada mais foi dito entre eles. Mas,
na mente de Isildur pairava agora a figura da rainha Vorondomë, linda, mas que nunca se
levantaria novamente sobre os muros de Minas Ithil. Depois de ser expulsa em terror de seu
palácio pelos tenebrosos orcs, ela havia jurado nunca mais voltar aquela terra conspurcada.
Em companhia do filho mais novo, Valandil, a Rainha aguardava por Isildur em Imladris, o
refúgio secreto dos Elfos, no norte. De todos os crimes de Sauron, aos quais Isildur jurara
vingança, o mais terrível aos olhos do Rei foi a transformação de Vorondomë, outrora uma
rainha alegre e orgulhosa, em uma criatura triste e assustada.

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Finalmente começaram a deixar os precipícios íngremes que os cercavam, e atingiram as
primeiras bordas dos prados que compunham as terras altas de Lamedon, cruzados, aqui e
ali, por filetes de água glacial que escorriam das montanhas em degelo, arrastando-se pelo
relvado até se juntar ao gélido rio Kiril, que se estendia abaixo deles, a direita. Pouco
depois, avistaram dois grandes cumes purpúreos no leste, formando outro braço das Ered
Nimrais, a qual eles haviam acabado de atravessar. O vale surgiu, protegido por montanhas
íngremes em três lados, mas para sul se estendia por luxuriantes campos verdes, lavados
com o ouro e o azul das flores selvagens. Os corações dos homens se aqueceram com esta
visão, e eles apertaram o passo adiante, com a certeza de que sua viagem seria menos árdua
agora.

Eles acamparam aquela noite nas relvas de Lamedon, e de manhã iniciaram a longa
descida. Após dois dias de marcha, a coluna se aproximou do rio Kiril, que fluía vigoroso
em seu leito rochoso. Começaram a cruzar campos semeados, e cabanas ocasionais surgiam
sobre a proteção de grupos de árvores frondosas. A estrada então curvou-se para leste e
desceu abruptamente rumo ao antigo vau de Calembel. No lado oposto ao rio, a cidade
fortificada de Calembel empoleirava-se sobre uma colina que dominava o vau. Era apenas
uma pequena cidade, mas fortemente defendida, com muros de pedra cinzenta que
escondiam suas casas cujos telhados eram ladrilhados com bela lousa azul clara. Da torre
mais alta tremulava uma bandeira verde cruzada por uma faixa prateada. Homens armados
podiam ser vistos, imóveis nas muralhas, a observar a aproximação da hoste que já cruzava
o rio. No entanto, antes que atingissem a porção oriental do vau, o grave som de um tambor
soou das ameia da cidadela, e um homem gritou-lhes da murada.

- Parem ! Somos encarregados de guardar este vau, e é decretado que nenhum cavaleiro ou
hoste armada cruzará este rio sem a permissão do Rei. Quem são vocês, e quais os seus
propósitos nestas terras ?

Ohtar preparava-se para desfraldar a bandeira de Gondor e anunciar a presença do Rei, mas
Isildur o deteve. Ao invés disso, subiu em seus estribos e gritou às muralhas.

- Não podes contar o número de nossas lanças, guardião? Eu tenho um grupo de homens
para cada homem seu. Poderíamos tomar esta pequena cidade e destruí-la completamente
antes da escuridão chegar sobre nós. Pense novamente, eu o imploro. Não nos deixará
passar ?

O guardião sacou sua espada e ergueu-a alto, espelhando um raio de sol.

- Você pode ocupar Calembel, forasteiro. Mas antes terá que matar todos os homens desta
guarnição, e não terás tantas lanças luminosas para contar quando por fim entrar em nossa
pequena cidade. Se buscas a morte estranho, atravesse este rio, e seu desejo será concedido.

- Você fala corajosamente, guardião. Quem é este rei distante ao qual serves com tanta
galhardia ?

- Nós somos homens de Isildur, Rei de Gondor, e você faria bem se nada falasse contra ele.

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Dito isso, Isildur lançou para trás sua cabeça com uma sonora gargalhada.

- Eu não direi blasfêmias contra seu Rei, fiel guardião. Fique tranqüilo, pois sou Isildur
Elendilson, e estes são os homens de Gondor, por quem você morreria para proteger. –
Então, ao seu sinal, Ohtar ordenou que avançassem os arautos que portavam os estandartes
dos Povos Livres, e logo a frente de todos, desfraldada ao vento, estava a Árvore Branca de
Gondor, emblemada pela Coroa Prateada e pelas estrelas da casa de Elros.

Quando os homens nas muradas viram isto, deram um grande grito de alegria e se
prostraram de joelhos. O guardião, recuperado da surpresa, virou-se e gritou a seus
companheiros dentro da cidadela.

- É o próprio Isildur ! O rei veio a Calembel ! Abram os portões ! Soem os tambores ! -


Então o grave som do tambor soou novamente na cidadela, e as colinas reverberaram em
saudação. Um grande grito varreu o ar e a coluna se encolheu, surpresa, ao perceber que
das encostas a sua volta surgia uma hoste de cavaleiros armados. Eles sacudiam suas lanças
em saudação a seu Rei, enquanto Isildur sorria novamente.

- Veja Ohtar, ao que parece nosso guardião não só é um valoroso homem, como também um
sagaz estrategista. Veja, ele não nos deixou ver todas as suas forças até que descobrisse
nosso propósito. Temos um valioso aliado aqui. – Então, eles avançaram em direção a
cidade, a água respingando sob os cascos dos cavalos, como pequenos diamantes. O
guardião, ainda ofegante por haver descido os parapeitos, recebeu-os nos portões da cidade,
onde caiu de joelhos ante ao oferecendo-lhe sua espada.

- Rei de Isildur, - disse - eu sou Ingold, mestre de Calembel e seu humilde criado. Peço seu
perdão por minha pouco amistosa recepção. Mas estes são tempos perigosos, e nós não o
conhecíamos.

Isildur desmontou e levantou o guardião pelos ombros.

- Você não saberia minha identidade mestre Ingold, até que eu estivesse seguro de sua
lealdade. Estes são realmente tempos de dificuldades, e já não podemos nos garantir em
antigas alianças. Acredite, em verdade você não me poderia ter dado melhor recepção.

- Os homens de Calembel são seus criados fiéis, meu Senhor. Assim tem sido desde que
trouxestes a paz para esta terra, nos tempos do pai do pai de meu pai. Não deves temer
nenhum inimigo enquanto estiveres nas terras de Lamedon.

Isildur abraçou seu aliado.

- É bom estar novamente entre amigos, Ingold. Que você e seu povo prosperem.

Ingold curvou-se e guiou-os até sua humilde casa, onde foram fartamente servidos de vinho
tinto, carne e queijo de cabra. Após terem se alimentado, Ingold argüiu o Rei sobre os
motivos de sua visita.

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- O que o traz a este canto pobre do reino, Majestade? E de onde vens, se podes perdoar
minha curiosidade ? É muito raro que qualquer viajante venha a nós do norte, ainda menos
quando ele é um Rei no comando de um exército. E eu vejo roupas e faces de muitas terras
entre sua hoste. Você diz que eles são os homens de Gondor, mas não são de Ithilien ou
Anórien, eu apostaria.

- Você ganharia a aposta. Eles são homens de muitas terras, mas todos comprometidos na
defesa do Reino. De Erech viemos nós agora, entretanto nossa jornada começou muitos
meses atrás, longe, no leste. Nas negras planícies de Mordor. – E todos se calaram ao
ouvirem este nome - A Torre Negra permanece sitiada. Mas não pense que seu Senhor está
intimidado. Ele ainda possui vastas forças ao seu comando, assim como muitos poderes não
utilizados até este momento. Mesmo agora ele tece suas teias escuras sobre nós. Minha
própria cidade, Minas Ithil, ainda permanece ocupada por orcs, e regida pelos Espectros de
Sauron, terríveis mortos-vivos que, no passado, foram grandes reis de homens. Nenhuma
terra estará segura enquanto o Inimigo ainda estiver de pé. Todos nossos esforços estão
voltados agora na quebra de seu poder. – Relatou o Rei enquanto os capitães de Calembel
ouviam em espanto - Nós chegamos a um beco sem saída em Mordor, e temos estado
impossibilitados de destruir Barad-dûr. Agora um golpe novo é planejado. Mas muita ajuda
se faz necessária. Assim, embora os povos das províncias ocidentais tenham sido até agora
poupados dos horrores da guerra, sua ajuda faz-se necessária neste momento. Nós temos
grande necessidade de todo homem que possa lutar. Eu lhe pergunto Ingold: irão os homens
de Lamedon marchar comigo sobre esta sombra de mal que ameaça nossa terra ?

Enquanto o Rei falava, uma fria corrente de ar invadiu a casa, através de uma janela que
dava para leste. Ingold puxou seu capote sobre os ombros e ajeitou-se, confortavelmente,
em seu assento.

- Por favor não entenda mal minha dúvida, Majestade. – Disse, finalmente - Não é que nós
nos encolhamos frente a luta, ou que não tenhamos desejo de ajudar nossos amigos. Mas
nós ouvimos, anos atrás, que a Aliança havia derrubado o Morannon, e que havia cercado a
Torre Negra. Nós nos regozijamos sobre seus triunfos e aguardamos a cada dia os
mensageiros das terras baixas com a notícia de sua vitória final. Mas, já se passam seis anos
agora. Se os poderosos exércitos dos Elfos e dos Dúnedain estão impossibilitados de forçar
o Inimigo para fora de sua fortaleza, o que podes esperar de nosso pequeno exército ? Em
verdade Majestade, a vitória ainda é possível contra tão poderoso inimigo ?

Isildur estudou Ingold. Ohtar observou o escuro reflexo da suspeita novamente estampado
nos seus olhos. O Rei repousou em seu assento.

- Seu poder vai além dos nossos sonhos, - ele disse – pois não é nem homem nem elfo. Na
verdade, nem mesmo sabemos se ele pode ser "morto". Mas nós temos nossos poderes
também. A magia poderosa e a antiga força dos Elfos estão ao nosso lado. Gil-galad, Rei
dos Noldor, empunha sua poderosa lança Aeglos, forjada uma era atrás, em Gondolin, e
dotada de poderosos feitiços para ser a Ruína de Sauron. E ao seu lado está meu pai,
Elendil, Grande Soberano dos Reinos no Exílio, com sua Narsil, a lâmina a qual nenhuma
couraça pode resistir. Eles conduzem os guerreiros de Gondor e Arnor, os Elfos de Lindon e

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nossos aliados de muitas outras terras. Se há alguma força na Terra Média nestes dias que
possa enfrentar Sauron, ela é esta que sitia Barad-dûr. – Explicou o Rei - E ainda assim o
equilíbrio das forças é próximo. É nossa esperança que um golpe bem planejado possa dar
fim a esta longa guerra. Para este fim os Reis me enviaram ao longo das províncias, a
procura de homens valentes onde quer que eles pudessem ser achados, a fim de juntarmos
forças neste momento de grande necessidade.

Ingold acariciou a barba pensativamente.

- Dizes que estás vindo de Erech, das terra de Romach. Eles são um povo forte e corajoso,
contudo não vejo a bandeira dos Eredrim sendo empunhada entre seus panteões. Vossa
Majestade não se encontrou com Romach?

Os olhos do rei procuraram atentamente os de Ingold. Ele não havia gostado desta
vacilação. Talvez os homens de Calembel provariam ser pouco leais também ? Então falou
gravemente.

- Os Eredrim me juraram submissão um século atrás, quando pela primeira vez visitei estas
terras. Mas agora, quando em necessidade os convoquei a cumprir o Juramento, eles
recusaram me ouvir. Se tornaram ferramentas nas mãos do Inimigo. Então pus uma
maldição sobre eles, e estão perdidos para todos o sempre. Eu espero que vocês não
procedam como eles. Meu coração está pesado pelos Eredrim. Esperarei o mesmo dos
homens de Lamedon ? Você são aliados de Elendil ou de Sauron ?

Ingold viu a desconfiança no olhar do Rei. Então levantou-se subitamente sacando de sua
espada de maneira extremamente rápida para um homem de seu tamanho. Ohtar esboçou
um movimento, preocupado com a segurança de Isildur, mas o Rei não moveu um músculo.
E não haveria nenhuma necessidade, pois imediatamente Ingold virou a espada em suas
mãos, oferecendo-a a Isildur.

- Isildur, meu Rei ! - Ele clamou em voz alta - Nós somos seus aliados e seus amigos ! Os
homens de Lamedon montarão com você para onde quer que nos conduza, até mesmo para
a morte ! – E então seus capitães imitaram seu gesto e todos elevaram suas espadas.

- Por Isildur ! – Clamaram - Por Isildur e por Gondor !

Então o Rei também se levantou e sorriu para eles.

- Vocês são homens valentes e amigos leais. Verdadeiramente abençoado eu sou por tê-los a
meu lado. Disse erguendo sua taça de vinho em saudação aos soldados. Mas eu rezo para
que não os conduza a morte e sim para vitória. No entanto o tempo urge. Nosso próximo
destino é Linhir, e depois Pelargir. Minha gente precisa voltar a estrada assim que estejam
alimentados e descansados. Ingold, eu lhe peço que reuna tantos homens quanto puder
dispensar e se reuna a nós em Linhir, daqui a três dias. Mas lhe peço que deixe uma
guarnição capaz de guardar o Passo de Tarlang, pois Romach já não é confiável. Eu duvido
que ele nos ataque, mas Lamedon é uma terra justa, e eu não suportaria vê-la dominada
pelas forças do mal.

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- Nem eu, Majestade. - Respondeu Ingold - Será feito como ordenaste. Serão despachados
mensageiros a todos os cantos de Lamedon agora mesmo. E serão guarnecidos todos os
antigos postos de vigilância sobre o Passo. Coisa que não fazemos desde os dias escuros,
antes que vocês, os Dúnedain, trouxessem a paz para as orlas meridionais. Mas o tempo é
curto, e nós não somos um povo numeroso. Temo que não possamos reunir mais que
algumas centenas.

- Hoje pude ver o valor de seus homens. Se todos em Calembel forem como estes, suas
centenas custarão milhares ao inimigo. Para Linhir então, e possa nossa aliança ser coroada
de sucesso. - Finalizou Isildur virando-se para partir, mas Ingold falou novamente.

- Um momento mais Majestade. Se pressa é fundamental, talvez eu possa lhe prestar uma
ajuda adicional. A maioria de seus homens viaja a pé, lentamente. Os homens de Ringlo,
mais a sul, são nossos irmãos. No grande vale verde do Gilrain também vive um povo
robusto que não sustenta nenhum amor pelo orcs de Sauron. Levaria dias para que viajastes
a todas estes vilarejos. Deixe-me enviar alguns cavaleiros a Ethring e para os homens da
colina, que vivem perto, às fontes do Ringlo. Nós podemos lhes pedir que se unam a nós
em Linhir.

O rei pousou sua mão no ombro de Ingold.

- Eu vejo que você oferece mais que sua coragem e seu braço forte. Deixe ser como você
sugere. Nós esperaremos em Linhir por dois dias, afim de jutarmo-nos a vossas novas
forças. Obrigado, Ingold de Calembel. Agora, Ohtar, monte-mos.

Após alguns minutos, o exército foi reunido fora das muradas de Calembel. Assim que a
hoste partiu cavaleiros portando orgulhosamente as bandeiras de Gondor galoparam além
junto à coluna de homens desfraldando as cores de seu reino, rumo a Ethring. Outros
cavaleiros deixaram os portões e esporearam monte acima, pelas rampas íngremes rumo a
norte e leste. O grande tambor de Calembel soou pelas reitrâncias das colinas, e voou pelos
prados altos, juntamente com o som estridente dos chifres dos pastores. Assim que
galgaram a primeira colina, Isildur virou-se na sela e olhou o grande vale verde de
Lamedon, tornando-se pequeno a suas costas.

- Calembel... – murmurou, a palavra aconchegando-se em seus lábios.

- Um lugar agradável, não é, Ohtar? – disse o Rei – Ás vezes penso que poderia ter sido que
um homem mais feliz se tivesse nascido e crescido como um pastor em tal lugar. Então
viveria sem as sombras que me atormentam. Osgiliath seria apenas um nome nos contos de
viajantes, e o Inimigo apenas uma assombração com que assustar as crianças. Eu
pastorearia minhas cabras e criaria minha família em paz, deixando o mundo e seus
cuidados passar por sem marcas pela estrada abaixo. Não seria uma vida ruim.

- Mas Majestade, - discordou Ohtar - se não fosses Rei, não seria eu seu fiel escudeiro.
Estaria eu condenado a viver nas pedras do Emyn Arnen?

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Isildur soltou um grande sorriso.

- Não, não, isso nunca. Eu temo que nós estaremos unidos até que se cumpra nosso destino
Ohtar, seja pela riqueza, ou pela destruição.

Naquele momento eles avistaram um homem muito grande, que seguia a passo rápido por
um caminho que descia as encostas ao lado da estrada. Ele usava vestimentas de couro
típicas dos pastores. Sua barba era enorme, e emaranhada. As sobrancelhas grossas e
eriçadas sobressaíam por baixo de um chapéu de couro de cabra ajustado por cima de suas
orelhas. Em um movimento rápido, o homem ergueu uma grande lança cuja ponta de
madeira parecia enegrecido por fogo. Ele postou-se sobre uma pedra, bloqueando a
passagem. Olhou com um olhar feroz para a hoste que seguia pela trilha, e parou
firmemente no caminho, suas pernas fortes destacando-se da túnica de pele que usava.
Quando os primeiros cavaleiros se aproximaram ele gritou.

- Os tambores de guerra de Calembel soaram, e venho em resposta para deparar-me com


estranhos armados em nossas terras. Diga depressa: são amigos ou inimigos de Lamedon?

Isildur elevou sua mão, detendo a coluna de cavaleiros fortemente armados. Os homens
encararam com surpresa o bárbaro solitário, mas o rei respondeu-lhe calmamente.

- Nós somos amigos desta terra e de seus habitantes. Viemos a pouco de uma reunião com
seu Mestre, Ingold - disse.

O gigante estava imóvel na estrada, e seu olhar dirigiu-se para o Rei, com seu alto elmo.
Finalmente ele grunhiu.

- Aye, eu acredito. Você pode passar – E pôs-se de lado na estrada.

- Nós lhe agradecemos por sua confiança, - disse o Rei, e esporeou Fleetfoot adiante. A
hoste marchou novamente. - Os tambores chamam os homens de Lamedon à guerra contra
os poderes do leste. Nós vamos combater o Inimigo – disse Isildur.

O pastor observou a estrada para Calembel.

- Eu irei então, - ele disse - Eles podem precisar de minha ajuda. – E apressou o passo pela
ribanceira próxima a estrada sem nem mesmo um olhar para a longa coluna de homens
armados que marchavam a passo pesado.

Isildur olhou para Ohtar e devolveu um sorriso.

- Homens robustos estes pastores de Lamedon. Eu desejaria saber o que ele teria feito se eu
tivesse dito que éramos os inimigos. Você viu o tamanho dele? Ele é quase um gigante. –
Disse o escudeiro do Rei.

- Eu não lhe disse que não devíamos nunca menosprezar povo da colina?

52
- Aye meu Rei – murmurou Othar.

A estrada inclinou-se abaixo pelo ombro largo das montanhas. De vez em quando imergia
em um vale profundo, onde as encostas pedregosas se alargavam em desalinho. Em uma
brecha especialmente funda a estrada saltou por uma ponte de pedra alta, adornada por
muitos arcos, sobre um ruidoso córrego. No parapeito da ponte, figuras de pedra disformes,
arredondadas por muitos anos de desgaste e cobertas por um líquen verde-alaranjado,
observavam os cavaleiros. As figuras representavam seres robustos, de pernas grossas, que
se sentavam com pernas e braços cruzados. Pareciam humanos, mas tinham algo de
estranho em suas formas. Eles eram Os Antigos. As figuras haviam sido moldadas por um
povo desaparecido há tanto tempo que nem mesmo as lendas lhes mantinham na lembrança.
Seu nome era Púkel. Este povo havia desaparecido sem deixar nenhum rastro, deixando
para trás apenas um punhado de pontes enormes calçadas, e viadutos pelos vales mais altos,
mais distantes. E apesar da idade avançada, estas estruturas mantinham-se incólumes, sendo
utilizadas pelos povos locais. Muitos estudiosos questionaram a identidade deste povo
antigo, que construía estradas planas em uma época em que os homens da Terra Média
seguiam apenas rastros de animais selvagens. Mas os Púkel haviam desaparecido mesmo
antes dos pais do Edain terem vindo para as orlas da Terra Média. Que tipo de povo eles
eram, de onde tinham vindo e para onde haviam ido, ninguém poderia adivinhar. Talvez até
mesmo as pedras silenciosas tenham esquecido.

Dois dias após terem deixado Calembel, a hoste desceu caminhos tortuosos pelo vale do
Ringlo. Nas margens deste rio estava Ethring, um pequeno povoado composto por apenas
algumas habitações ásperas espalhadas pelos vaus. Assim que adentraram o vilarejo, uma
pequena multidão de mulheres e crianças juntou-se, seguindo de perto os cavalos e
murmurando. Isildur parou e acenou para um ancião que segurava uma criança pela mão.
Ambos encolheram-se lentamente sob a sombra do enorme corcel preto, claramente
temerosos do homem que sobressaia-se a eles. A criança olhou para cima com olhos
arregalados. Mas o rei sorriu amavelmente.

- Boas pessoas, não tenham medo de nós. Não os machucaremos nem os roubaremos. -
disse o Rei.

A face enrugada do velho abriu-se em um sorriso.

- Oh, eu sei Majestade. Um cavaleiro de Calembel chegou ontem, e agora todos os nossos
homens estão montando sobre as colinas, alertando as outras aldeias. Ele disse que você
estava vindo, e o que eu queria mesmo era que o menino o visse. - Ele se ajoelhou,
segurando o menino que examinava a bota de Isildur calçada em um estribo enfeitado com
jóias.

- Uri, este é um rei de verdade - disse o velho, enquanto o menino encarava o Rei, montado
em seu cavalo.

- Meu nome é Isildur - murmurou o Isildur. O menino o fitava maravilhado, enquanto o


ancião esboçava outro sorriso desdentado.

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- Bem-vindo a Ethring, meu senhor - ele disse. - Amanhã ao meio-dia deveras ver duzentos
homens prontos a montar rumo a Linhir. Esperamos que isso o agrade senhor.

- Muito obrigado, e vida longa para você, bom homem. - Respondeu Isildur - Me agrada
realmente. Os arautos de Calembel fizeram bom trabalho. Minha bênção e meus
agradecimentos à cidade de Ethring - clamou. Então as pessoas se alegraram e os cobriram
de desejos de sorte enquanto a coluna passava pela aldeia.

De Ethring a estrada virou para sul e escalou um caminho íngreme. Podiam ver os cumes
das Ered Nimrais, poderosos, cintilando ao longe, em relances brancos no norte, atrás deles.
Os cumes pareciam perdidos em montes de nuvens cinzentas.

O exército acampou aquela noite entre dois cumes arredondados. Assim que levantaram
acampamento, pela manhã, o sol surgiu por detrás de uma nuvem no leste e lançou longos
raios pelas largas terras de Lebennin aos seus pés. Era uma terra de colinas ondeantes e
campos verdes, com extensos bosques de carvalho. Braços de sol vagaram gradualmente
entre as nuvens, até que eles puderam ver, nos confins das vastas terras aplainadas a sul, o
cintilar distante do mar. Lá e cá, esquálidas colunas verticais de fumaça rósea riscavam o ar
imóvel, revelando cabanas isoladas, escondidas nas dobras da terra. A estrada foi se
alargando enquanto descia as colinas, e a terra tornou-se mais povoada. Os homens
marchavam agora entre terras cultivadas, e as pessoas se apressaram pelos campos para
observá-los.

Eles aproveitaram e apertaram o passo, cobrindo muitas milhas pelas boas estradas da
região. Ao entardecer, acamparam no campo de um vilarejo. Quando os homens
despertaram na manhã seguinte gaivotas chorosas circulavam acima do acampamento,
anunciando a proximidade do mar. Eles se apressaram novamente, e logo viram os
primeiros sinais dos muitos homens que preparavam-se para unirem-se a eles em Linhir,
perto das bocas do Gilrain.

Era uma cidade considerável. As muralhas triplas feitas de terra foram organizadas na
forma de uma estrela, de maneira que se um inimigo assaltasse uma parede, teria que dar as
costas à outra murada. Os montículos não eram altos, mas muito íngremes no seu lado
exterior, e suas cristas escondiam trincheiras para seus defensores. Os lados internos se
inclinavam com suavidade, de forma que se uma muralha fosse tomada, seus defensores
poderiam se retirar para a próxima. Dentro das muralhas, sobre as bocas do rio uma ponte
larga podia ser operada por muitos homens que a recolhiam ou a posicionavam através de
um mecanismo de roldanas. Estas defesas haviam sido preparadas alguns anos antes,
devido a ameaça dos piratas que tinham começado a invadir a costa novamente. O Gilrain
era neste lugar largo e rápido, mas não muito profundo, facilmente trafegável em muitos
pontos perto da cidade. Mas nas marés de enchente de primavera, o rio corria mais
profundo, principalmente na confluência do Serni, e então tornava-se de difícil tráfego, até
mesmo nos vaus.

O povo de Linhir estava enfileirado nas muralhas para saudar o Rei. A coluna trepidou pela
ponte de madeira e entrou na cidade, enquanto as mulheres apoiavam-se nas janelas

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superiores para lançar guirlandas sobre Isildur. Uma delas conseguiu acertar a asa de seu
elmo, e o Rei retribuiu um sorriso a menina que o saudava do alto de um sobrado de pedra.

No centro da cidade os cavaleiros entraram em um grande pátio aberto, onde foram


recebidos por um homem velho, com uma grande barba acinzentada. Ele vestia uma longa
bata azul, e um volumoso medalhão prateado pendia de seu pescoço.

- Saudações, Rei Isildur – ele clamou em um tom alto, mas bastante rouco. - Sou Guthmar,
Ancião de Linhir e guardião do Ethir Anduin. Já tivemos notícias de Lamedon, e sabemos
de suas necessidades. Durante os últimos dois dias nossos homens têm se preparado para
unirem-se a vocês. O povo de Lebennin está com você, Majestade, e todos nossos recursos
estão à sua disposição. Bem-vindo a Linhir.

Isildur desmontou e apertou a mão de Guthmar.

- Palavras justas para uma cidade justa, Guthmar, o Ancião. Muito tempo se passou desde a
última vez em que eu visitei Linhir, e é uma alegria voltar e encontrar o povo leal, como da
última vez que aqui estive. Possam vocês estar sempre em prosperidade.

Guthmar curvou a cabeça e os conduziu por um corredor que terminava em um longo


quarto de pedra com teto alto e curvado, sustentado por colunas arredondadas. Eles olharam
para o aposento com maravilha, pois as paredes sobre as galerias estavam forradas com
imensas tapeçarias. Os motivos eram maravilhosos com gaivotas e litorais rochosos
contrastando com vivas cores de mar e céu. Os trabalhos eram magníficos mas os olhos de
Ohtar foram dominados por uma tapeçaria enorme, pendurada no final do corredor, atrás de
uma grande mesa de carvalho esculpida e coberta por muitas velas.

Na tapeçaria predominavam tons azuis e cinzas, mas havia também um fino trabalho com
fios de ouro que mostravam uma bela cidade, construída sobre um precipício alto e áspero,
que dominava uma baía coalhada de navios. Entre as encostas que sustentavam a cidade
podia-se ver dezenas de bandeiras tremulando com a brisa marinha. Ohtar virou-se em
assombro para Guthmar.

- Que cena magnífica! Trata-se de um lugar real ou é apenas o sonho de algum artista? -
Guthmar sorriu e abriu a boca para responder, mas para a surpresa de todos, foi Isildur
quem falou.

- Neste lugar tudo era muito real, Ohtar. É Rómenna, um grande porto de Númenor, que
hoje já não existe mais. Vê a marca naquela praia sombria lá em baixo das árvores
inclinadas? Diz-se que Elros Peredhil, fundador de Númenor e de minha linhagem, pisou
pela primeira vez na ilha de Elenna exatamente naquele lugar, quando a nova era ainda era
jovem.

- Ah, Rómenna, mais justa de todas as cidades dos homens. Quisera eu poder caminhar
novamente em suas ruas largas. Mas agora, apenas os polvos andam sobre essas pedras, e
apenas cardumes de peixes cruzam as portas e janelas de suas torres. Cidade que me deu à
luz. Quisera eu poder devolver-lhe este presente, e traze-la novamente para a vida. Tentei

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fazer Osgiliath a sua imagem, mas agora minha cidade jaz nas mãos do inimigo. Mas não
para sempre, eu juro isto. - Seus olhos vagaram de detalhe para detalhe da grande imagem,
e estavam cheios de tristeza.

Guthmar bateu palmas para seus criados.

- Meu senhor, estou arrependido... não fazia idéia, vou mandar cobrir isso.

Mas Isildur retrucou.

- Não Guthmar, não é necessário. Causa-me tristeza, é verdade, mas é também um deleite
ver Rómenna novamente, de uma maneira que jamais pensei que voltaria a fazer. Mas como
veio esta peça parar aqui?

- Este trabalho foi feito há muito tempo por Fornen, o maior artesão de nossa cidade. Linhir
foi fundada por marinheiros de Númenor, assim como Pelargir, Anglond e Umbar, mais a
sul. Entretanto, esta última cidade perdeu sua antiga glória. Embora haja poucos agora com
o puro sangue Dúnadan, ainda olhamos com orgulho para nossa herança Númenoreana.
Fornen viveu em Rómenna antes de emigrar para cá. Em sua velhice ele criou, usando
apenas a memória, esta maravilhosa tapeçaria.

- De memória? - exclamou Isildur - Eu vivi naquela cidade durante trinta anos, e não pude
recordar todas estas torres. Contudo eu posso jurar que elas estavam da mesma maneira em
que o artista as descreveu. Esta imagem realmente deve ser antiga, porque mostra apenas
dois diques no porto. Contudo havia três, há duzentos anos atrás, quando eu era apenas um
menino. Esta tapeçaria é inestimável Guthmar. Proteja-a bem.

- É protegida dia e noite Majestade, porque é uma herança de todo o nosso povo. É dito que
enquanto sua integridade estiver preservada o reino estará seguro.

- Então, que seus guardas nunca adormeçam, bom Ancião. Porque nós temos necessidade
de toda ajuda nestes tempos perigosos.

O grupo dirigiu-se então para uma mesa, onde uma refeição os aguardava. Quando se
sentiram saciados Guthmar perguntou sobre a jornada a que estiveram envolvidos. Ele
mostrou-se muito surpreso ao ouvir sobre ataque dos Piratas em Anglond, porque Linhir
sempre esteve temerosa desta possibilidade, e Anglond era uma cidade mais forte e
distante, entretanto mais adiante da proteção da frota de Gondor a Pelargir.

- E assim Anglond temeu enviar seus homens com você, meu Rei? - ele exclamou - Nossos
vigilantes também estão sempre espreitando por velas negras no horizonte. Mesmo assim
nós lhe ofereceremos quantos homens pudermos dispensar. Mas me diga Majestade, os
homens de Anfalas não se juntaram a sua bandeira? -

Isildur concordou tristemente.

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- Não. E esta é a pior notícia de todas, Guthmar. No segundo dia de Nörui, nós partimos de
Anglond, subindo a sul, por sobre as colinas do Pinnath Gelin. Na tarde do terceiro dia
chegamos ao profundo vale de Nanbrethil, onde a estrada coroa as colinas e começa a
deixar Anfalas. Lá nós observamos, vindo em nossa direção, um grupo de pessoas, homens
e mulheres, jovens e velhos. Eles vinham a pé, caminhando lentamente. Entretanto não
levavam nenhuma bagagem. Então uma das mulheres que vinham a frente do grupo elevou
os olhos e, quando nos viu, soltou um grito agudo de terror. Os outros nos viram e tentaram
fugir debilmente, as mulheres subiam nas pedras que costeavam a estrada, enquanto os
homens puxavam as espadas, formando uma linha de defesa. Havia uma determinação
horrenda nos olhos deles, mas nenhum vislumbre de esperança. Nós nos movemos
cautelosamente a frente, sem fazer nenhum sinal hostil. Eles estavam sós, contra nosso
grupo, muito superior numericamente. Paramos a uma pequena distância. Elevei meu braço
em saudação, mas no mesmo momento um dos andarilhos gritou, "A Árvore Branca!",
enquanto sacudia um homem grande que vinha a seu lado, e dizia apontando para nós,
"Olhai, Turgon! Veja a bandeira deles. Eles empunham a Árvore de Gondor!". Eu respondi-
lhe de volta, "Vocês vêem a Árvore de Gondor e o seu Rei, porque sou Isildur Elendilson, e
se vocês são amigos desta terra, não tem nada que temer de nós".

- Então os homens embainharam as espadas e consolaram as mulheres. Eles pareciam muito


aliviados, mas eu não vi sinais de sorriso ou alegria quando nos aproximamos. Entretanto,
dirigi-me ao homem grande, que usava roupas ricas, mas muito rasgado e manchadas.
"Você é chamado Turgon?", perguntei. "De que cidade é você?". Ele me dirigiu um olhar
duro. "De nenhuma cidade, meu senhor", ele respondeu severamente. E então uma das
mulheres virou-se com um soluço abafado. Respondi-lhe "Você me confunde com esta
resposta. Não estás vestido como um camponês. Seguramente deves ser de Ethir Lefnui ou
de alguma outra cidade nestas partes". Então Turgon respondeu-me entre lábios, "Nós
somos o povo de Ethir Lefnui, mas já não há cidade com este nome".

- Então alguns de meus homens reagiram, "Não há Ethir Lefnui? Ele está louco?". Um
homem jovem que estava ao lado de Turgon caiu de joelhos, sua espada tombou no pó da
estrada enquanto ele murmurava, "Turgon fala a verdade. Eles destruíram nossa cidade.
Ethir Lefnui está morta. Seus jardins estão desertos, seus campos queimaram, e suas
paredes jogadas ao chão. Eles assassinaram nosso senhor, mataram nossos amigos e
familiares, eles destruíram nossos templos e lugares sagrados. Nós não temos mais casa,
não temos dinheiro, nós estamos mortos!".

- Nós o contemplamos com piedade e horror, mas os seus companheiros responderam nosso
olhar sem compaixão para com as lágrimas do rapaz, que estava agora estendido na estrada,
em desespero. Então Turgon me olhou e disse, "Ele viu o pai, a mãe e duas irmãs serem
assassinados. Sua família teve morte relativamente rápida. Outros aqui não foram tão
afortunados!". Eu olhei em seus olhos e pude ler todos os horrores pelos quais aquela gente
havia passado.

- "Lefnui destruída?" - Murmurei. - "Mas suas muradas eram altas, e seu povo numeroso e
valoroso. Seguramente não há orcs em quantidade suficiente em toda a Ered Nimrais para
por abaixo uma cidade tão grande". E então um outro homem me disse, enquanto avançava
em minha direção, "Orcs, meu senhor? Não foram orcs que fizeram isto, mas homens.

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Homens de alta linhagem, que reivindicaram parentesco direto com Elros. Dúnedain meu
senhor, como você!". Seus olhos flamejavam como se quisesse ter cuspido estas palavras
em meu rosto. E eu pensei por um momento que ele fosse fazê-lo, mas Turgon segurou-o
pelo braço dizendo, "Meu senhor, perdoe. Ele está quase fora de si, e não sabe o que diz.
Foram os piratas meu senhor, os homens de Umbar. Que eles apodrecem em vida".

- Então, lancei meu capote para trás e desmontei. "Os Piratas realmente são Dúnedain, mas
nossa linhagem foi separada a muitos séculos atrás. Meus antepassados, os Fieis Senhores
de Andúnië, estabeleceram-se entre vocês há centenas de anos atrás, e fundaram Pelargir no
Anduin. Aquela cidade sempre manteve aliança com vocês. Eles trouxeram paz e
prosperidade para uma terra que antes nunca as tinha conhecido. Fomos nós que lhes
ajudamos a elevar Ethir Lefnui nos Anos Escuros, quando todo o resto da Terra Média nada
mais era do que um deserto habitado por nômades", argumentei. "Aye, os piratas são
Dúnedain como você diz, mas eles foram tocados há muito tempo pela mão do Inimigo.
Eles desprezam os Uialedain da Terra Média, a não ser para o saque e para a escravidão. O
estupro de Ethir Lefnui não está em mãos Numenoreanas, mas sobre as mãos de Sauron.
Mas ainda digo que estou orgulhoso de minha herança. Minha família trouxe unidade e
muitos anos de paz para todas as terras do Oeste. Fomos, durante muito tempo, amigos e
aliados dos Uialedain. Nos permita que nossos inimigos comuns nos dividam agora, quando
nossa necessidade é maior", implorei.

- O homem fitou-me, deu um passo atrás e, gaguejando, respondeu-me "Perdoe-me meu


Senhor...". - Olhei-o e disse, "Você perdeu muito e agüentou muito. Eu sei o que é perder
sua pátria. Eu sei o que é ver seus entes queridos assassinados. Ficamos gravemente
magoados, desejamos vingança. Mas voltem sua ira contra o verdadeiro inimigo. Deixem
que Sauron sinta a sua ira. Não nós, que compartilhamos sua dor. Montem agora e juntem-
se a nós, para que possamos vingar seus mortos".

- O homem baixou sua cabeça murmurando entre dentes, "Meu senhor, eu o servirei até o
fim". Então Turgon ergueu sua espada aos céus e soltou um forte grito, e todos os seus
companheiros fizeram o mesmo. Foi uma visão valente, mas lastimável.

- Então, chamei Turgon e lhe disse que havíamos planejado ir até Lefnui e depois para
Ringlond. Perguntei-lhe se ainda poderia haver sobreviventes na cidade? Ele negou
convincentemente, "Ninguém mais vive lá salvo os lagartos e os ratos. Os piratas nivelaram
a cidade ao chão. Não há pedra sobre pedra. Ethir Lefnui está morta. Até mesmo a memória
da cidade está envenenada para nós. Se um dia a reconstruirmos, será em algum outro
lugar, e terá outro nome". Eu entendi os sentimentos deles. Virando então para meu
escudeiro eu determinei que não seguiríamos mais pela Estrada do Sul, mas para o leste,
seguindo as bordas das montanhas, rumo a Erech, no vale do Morthond. Assim nossa
jornada seria encurtada, e nós poderíamos chegar a Osgiliath dentro do tempo determinado.
Amaldiçoados sejam os Umbardrim! Eu havia pensado que poderia reunir um exército
poderoso, mas agora temos poucos mais do que os que iniciaram esta jornada, dois meses
atrás. - Finalizou Isildur.

- Estas são realmente notícias terríveis Majestade. - Disse Guthmar - O povo de Anfalas, e
especialmente os tecelões de Ethir Lefnui, foram por muito tempo nossos amigos. É duro

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acreditar que eles se foram. Eu cuidarei para que meu povo lhes preste um cuidado
especial. - Exclamou, distribuindo ordens imediatamente para seus subordinados.

Depois, ele e Isildur sentaram-se e falaram até tarde sobre os tempos idos, e sobre os feitos
que o poderoso povo do oeste havia realizado no passado. Guthmar era um sábio, ávido do
conhecimento dos dias antigos. Sua sabedoria era grande, e Isildur não poderia desejar nada
melhor naquele momento do que compartilhar seu interesse pelo passado.

Eles falaram longamente sobre os feitos dos heróis de antanho: de Tuor e Barahir, e de
Eärendil o Marinheiro. Explanaram sobre amantes famosos: de Beren Maneta e Lúthien
Tinúviel; de Idril e Tuor. Havia muita cerveja e riso pelos quais Ohtar também se
interessou. Ele notou que enquanto Guthmar falava, os olhos do rei vagavam pela
magnífica tapeçaria que emoldurava aquele aposento. Pouco depois todos cediam ao sono,
e a cidade mergulhava em um justo sossego.

Eles passaram a manhã seguinte em descanso, passeando pelos ricos pomares de Guthmar.
Na grande praça da cidade, eles testemunharam as fartas feiras, repletas de comerciantes
que chegavam a Linhir vindos de todas as direções. Eles vinham em grupos pequenos,
raramente superando três pessoas: caçadores das terras altas do Gilrain, alçapadores de
pássaros dos pântanos do Ethir Anduin, lavradores e pastores de Dor-en-Ernil e das terras
largas sobre o rio Serni. Então, ao cair da tarde, uma coluna maior de cavaleiros
aproximou-se pelo norte, conduzida por Ingold de Calembel, e Isildur foi recebê-lo

- Então você veio como prometeu, valente Ingold - Disse o Rei assim que os homens
desmontaram, e conduziu-os para o seu grande acampamento, a frente dos grandes portões
da cidade.

- Aye, meu senhor, mas eu poderia achar mais cinco centenas entre Lamedon e aqui, mas
nenhum deles são temperados como guerreiros, eu temo. Muitos de nossos homens mais
capazes responderam mais cedo à chamada de seu pai, e estão com ele em Gorgoroth.
Muitos dos que agora vão segui-lo são apenas adolescentes imberbes, novos demais para
terem seguido Elendil anos atrás. Será muita sorte se eles não tropeçarem por cima de suas
próprias espadas. Mas, são fortes e ansiosos, e lutarão enquanto precisarem deles. - Disse o
cavaleiro.

- Você fez muito bem, Ingold. Coragem e força colocarão um homem em bom lugar durante
as batalhas, seja o soldado um novato ou um veterano. Há muitos mais como eles neste
acampamento, e mais ainda chegam a cada hora. Vá a eles depois que montarem suas
barracas, e os forme em companhias de acordo com as províncias das quais vieram. Deixe
que cada companhia eleja um líder que os conduza em batalha. Um homem a quem eles
seguirão, e que possa manter a cabeça lúcida quando o calor de batalha se acirrar. Devemos
ter ao menos um guerreiro experiente em cada companhia.
- Então seria bom que cada companhia confeccionasse um estandarte representando sua
província. Assim eles poderão marchar sob as cores de sua pátria. Um capitão confiável e
uma bandeira tremulando sobre suas cabeças incutirão doses de força e determinação que
podem surpreender os nossos inimigos. Um homem luta com mais ferocidade quando está

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ao lado de seus compatriotas, e sob a sua própria bandeira. A visão de seu estandarte o faz
lembrar da casa amada e dos motivos pelos quais ele luta.

- Sim. E quando tudo isso tiver sido preparado, cuide para que cada capitão de companhia
compareça hoje à noite à praça no centro da cidade, na décima segunda hora. Ohtar, você se
encarregará dos armamentos. Fale a Guthmar, e veja se ele pode achar armas em
quantidade suficiente para todos os homens. Eu vejo muitos empunhando foices, forcados e
manguaças, quando espadas ou lanças os serviriam melhor. - Opinou o Rei

No início da noite, quando o sol se refletiu nas torres de Linhir com uma tonalidade rósea,
Isildur reuniu seus novos capitães na grande praça de Linhir. Ele usava seu alto elmo dos
Reis dos Reinos no Exílio, e Ohtar sustentava ao seu lado o grande pavilhão de Gondor.
Quando eles apareceram, com Guthmar, as portas do tribunal da cidade, a multidão de
soldados e cidadãos explodiu em alegria, pois lhes parecia estarem vendo um dos grandes e
antigos reis de além mar. Isildur estendeu suas mãos, procurando conter os aplausos, e
clamou ruidosamente, sua voz soando pela praça.

- Homens das Terras do Sul! Não homenageiem a min. Todos os elogios e honras devem ir
a vocês. Eu luto para recuperar meu próprio reino, e vingar males pessoais. Mas vocês, que
estão deixando suas tranqüilas casas e seu amado reino para lutar ao meu lado, merecem
todas as saudações! - Novamente a turba ressoou com vivas!

- Vocês todos sabem contra quem nos opusemos. O Senhor Escuro foi um inimigo para os
Homens desde que não passava de um criado de Morgoth, o Maldito, fonte de todo o mal
na Terra Média. Com a força e o poder de todos os povos livres do Oeste, e com grandes e
irreparáveis perdas, foi subvertido Morgoth, afinal. E os dias antigos do mundo chegaram
ao fim. Muitos pensaram que o mal tivesse sido destruído, mas ele criou raizes e se
ramificou enquanto nossos antepassados declaravam que uma Nova Era havia começado
livre das aflições do passado. Era uma Idade Nova, iluminada com esperança e promessas
de paz. Mas era também um início triste, despido de inocência. Soubemos então que os
elfos, os primogênitos que criaram tantas belezas no mundo, estariam nos deixando, que as
maravilhas do mundo estariam fadadas a desaparecer. Ainda assim eles tiveram paz, e o
mundo pareceu-lhes novamente verde e jovial, como não havia sido para muitos durante os
longos anos nos quais Morgoth reinou. E ainda assim, uma sombra permaneceu,
desconhecida por todos.

- Sim, Morgoth havia sido expulso, mas seu criado, Sauron, havia escapado a ruína de
Thangorodrim. Ele fugiu em exílio para o leste, e lá se deitou, alimentando seu ódio e
ressentimento, planejando a sua vingança. Ele aperfeiçoou as antigas artes ensinadas pelo
seu mestre, e as borrifou sobre coisas que só os Valar deveriam despertar. Ele criou raças
que nunca estiveram no princípio, nas canções dos Valar: os orcs, cruzas amaldiçoadas, e
espíritos que nunca deveriam ter existido. Quando julgou que sua força era suficiente,
surgiu de novo, e abertamente fez guerra no Oeste. Ele atacou e destruiu Eregion, mais
amado de todos os reinos élficos; ele pilhou as cidades de Rhûn; conquistou os reinos dos
Uialedain e escravizou seus reis, anexando ainda as regiões longínquas de Harad. Mas seu
mais maligno estratagema veio mais adiante, quando ele seduziu os poderosos reis de

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Númenor, e provocou a queda daquele grande reino causando a morte de milhares de
inocentes.

Sauron é um inimigo poderoso. Nós nem mesmo sabemos de que matéria ele é feito. Não é
um homem nem um elfo, mas uma criatura completamente amaldiçoada, desejoso apenas
da destruição de tudo aquilo que é bom e livre. Sauron é imortal, mas pode ser esmagado, e
seu poder pode ser quebrado. O poder armado de Gondor e Arnor, com a ajuda de nossos
irmãos elfos, foi bem sucedido no avanço sobre a Terra Negra, e no grande cerco a fortaleza
de Barad-dûr. Mas o alcance do inimigo ainda é longo. Os piratas saqueadores de Umbar
seguem seus desígnios, e os cruéis Haradrim trabalham em seu propósito quando atacam
seus vizinhos. Os tentáculos negros do Inimigo estão até mesmo agindo aqui nas terras do
sul arrebanhando seus vizinhos das montanhas. Os Eredrim viraram as costas para seus
amigos, e nos recusaram ajuda.

Um murmúrio de indignação surgiu entre o povo. A maioria ainda não tinha ouvido esta
notícia. Um capitão entre a hoste de Ingold gritou do meio de seus homens.

- Mas eles não juraram lealdade a vocês, e vocês as tribos de Erech, a longos anos atrás?
Pois tal é o que se conhece por todos.

Isildur concordou severamente.

- Aye, eles juraram, mas a palavra deles foi como o pó ao vento. Eles venderam sua honra
ao Negro Senhor
do Escuro.

Então muitos homens clamaram em raiva. - São traidores! Nós não deveríamos deixa-los a
nossa retaguarda. Deixe-nos assaltá-los nas suas colinas antes de partirmos. Eles desonram
todos os povos do sul. Nós lhes ensinaremos o preço da deslealdade!

- Não! - Gritou Isildur, e sua voz era forte e dominante, ecoando pelas paredes e abafando
todas as outras. - Não! Eles não nos servem, mas não nos atacarão. Eles se esconderão nas
profundezas de suas grutas, e nunca novamente participarão das coisas de nossa gente, a
menos que se cumpra o juramento. Eu pus uma maldição sobre este povo, e ela não será
quebrada!

Então, todos os homens olharam em maravilha para o seu Rei, porque eles viram que os
seus olhos perfuravam o desconhecido, por regiões esquecidas e poderes aprendidos em
terras distantes que já não mais existem. Muitos estremeceram frente ao tom irreconciliável
em sua voz, e se sentiram confortados por terem respondido de boa vontade ao chamado
dos Dúnedain.

- Não, nós não marchamos para norte contra os Eredrim, - ele gritou - mas a leste, contra a
fonte do mal que nos ameaça. Primeiro vamos para Pelargir, para unirmo-nos lá com outros
aliados, e então para Osgiliath, onde mais forças se unirão a nossa hoste. Lá, no Dia de
Midyear, será realizado um grande conselho composto por chefes de muitos povos. - Disse
enquanto sacava sua espada e a erguia sobre sua cabeça coroada.

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- E então nos reuniremos em uma força que fará tremer o próprio Trono Negro. E não
desistiremos até que derrubemos ao chão a Torre do Inimigo, e a transformemos em pó!

E então, todos os homens ali presentes brandiram suas armas, e rugiram em aprovação. -
Isildur! - Eles gritavam - Por Isildur, por Gondor e pelo Sul!

CAPÍTULO 5
PELARGIR
 
Ao longo do dia seguinte o exército dedicou-se a preparar homens e equipamentos, e a
organizar as cadeias de comando. O acampamento era uma colméia repleta de atividades.
Por todos os lugares pessoas se ocupavam no acondicionamento de materiais e provisões.
Guthmar providenciou imensas carroças puxadas por bois, e o bom povo de Linhir os
abasteceu de grãos, frutas e carnes salgadas. Finalmente, quando tudo estava pronto, os
homens desabaram em suas camas, esgotados.
Eles haviam dormido por apenas algumas horas quando as trompas soaram, rasgando o
fresco ar da manhã, em Linhir. Na primeira hora depois do amanhecer, Ohtar ergueu o
pavilhão e, cavalgando ao lado do Rei, iniciou a marcha para a alegria do povo que se
aglomerava nas muralhas e nos prédios da cidade. O grupo guiado por Isildur era, afinal,
um verdadeiro exército. Atrás da companhia do Rei vinham os cavaleiros de Ithilien,
seguidos pelo lanceiros de Calenardhon e Angrenost. Então, liderando a infantaria,
marchavam um punhado de marinheiros e pescadores de Anglond, e os poucos
sobreviventes do horrendo massacre de Ethir Lefnui, com sua bandeira de cerúleo e
zibelina sempre erguida entre seus homens. Logo atrás, um grande contingente de
cavaleiros. Eram os homens das colinas de Lamedon, com Ingold a liderá-los. A seguir,
uma coluna longa marchava sob as cores de Dor-en-ernil e até mesmo da distante Belfalas,
no sul. Na retaguarda vinham alguns milhares de fazendeiros, pastores, tecelões e
comerciantes de Lebennin, todos armados com machados, foices e até forcados.
Finalmente, fechando a hoste, uma longa caravana de provisões, puxada por bois, deixava
os portões de Linhir, rumo a leste, para Pelargir.
O primeiro dia de viagem não foi muito proveitoso, visto que, para muitos dos novos
soldados de infantaria, a jornada era exaustiva. Eles mantinham um passo lento e fixo, e
cruzaram apenas uma dúzia de milhas quando a escuridão começou a se aproximar. A hoste
montou acampamento, levantando uma longa fileira de barracas abaixo da estrada, onde
mantiveram-se juntos, já que a campina estava alta e escondia muitos pântanos traiçoeiros.
Cada companhia alimentou sua fogueira, enquanto os vagões com provisões eram
remexidos pelos cozinheiros, que prepararam a primeira refeição compartilhada pela hoste.
Já era tarde quando os últimos homens serviram-se nos ranchos, e mais tarde ainda até que

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todas as parelhas de animais estivessem soltas afim de que os animais se alimentassem no
campo.
O exército viajou assim por muitos dias, por baixas colinas e campos largos pontilhados por
flores selvagens, até que a estrada começou a tornar-se gradualmente mais íngreme, e eles
viram-se viajando por uma região de altos e baixos. Então, no décimo dia, quando as suas
sombras prolongavam-se diante de seus olhos, a hoste de Isildur chegou ao cume de uma
colina e, muito abaixo, tiveram o primeiro vislumbre da bela cidade de Pelargir, cintilando
sob os raios do sol, que brilhava a oeste.
Era uma cidade de grande beleza, que coroava uma colina alta, aconchegada entre dois rios
grandes. Era protegida por uma muralha robusta, guarnecida por muitas torres construídas
com um granito rosa pálido que refletia a luz do sol violentamente, como se estrelas
cintilassem dentro da pedra. No interior de suas muralhas, a cidade era alta e bem
proporcionada. Muitas casas sustentavam telhados planos onde podiam ser vistas as
mulheres exercendo seu trabalho diário, debaixo de toldos coloridos. Aqui e lá destacavam-
se cúpulas curvadas, feitas de mármore branco ou madeira dourada. E à crista da colina
uma torre esbelta e alta se erguia, com um telhado cônico e sacadas que se precipitavam
para o coração da cidade. A grande torre havia sido totalmente construída com mármore
azul-celeste, extraído das minas altas das Ered Nimrais, e arrastado, com muito trabalho,
em trenós e barcaças para a cidade.
Um grande portão escarrava-se como uma boca na murada a sudoeste, e uma avenida larga
conduzia a estrada até o cais. Um longo rio movia-se lentamente, encostando-se nas docas
repletas de mercadores. Ali, sobressaindo-se entre todas as belezas da cidade, estavam os
mastros brancos dos grandes navios da frota de Pelargir, com suas velas da cor das águas
profundas.
O gelado rio Sirith, que escorria pelos campos nevados das Ered Nimrais, e rolava sobre as
paredes ocidentais de Pelargir, formava um braço protetor. Ele fluía por debaixo de uma
ponte larga, protegida por torres fortificadas, sendo ali o único ponto debaixo das
montanhas no qual um homem poderia cruzar o Sirith em segurança. Naquela confluência o
Sirith rendia-se, afinal, entregando suas límpidas águas azuis à inundação marrom do
poderoso Anduin, maior de todos os rios da Terra Média, e ambos uniam suas forças para
desaguar no mar.
Os homens de Pelargir construíram e fortaleceram aquela ponte mil anos atrás, e ela nunca
havia ficado desprotegida um dia sequer, pois era a única rota por terra ao sul de Anórien.
Devido à cidade de Pelargir haver protegido esta importante ponte que vencia o Anduin, o
local passou a ser conhecido ao longo de Gondor como o Portão do Sul. Era um título do
qual os homens de Pelargir eram justamente orgulhosos, já que, em todos esses séculos,
nenhum inimigo logrou passar por Pelargir.
Assim que a hoste apontou na direção da ponte, colina abaixo, um cavaleiro, saído da
primeira torre de proteção, cavalgou veloz em sua direção. Enquanto se aproximava, os
homens do Rei puderam ver que o cavaleiro trajava armadura negra e um elmo alto,
adornado com uma plumagem azul. Ele vinha a galope rápido, e parecia tão resoluto e feroz

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que alguns começaram a duvidar de suas intenções. Mas Isildur controlou Fleetfoot, e
aguardou sua chegada.
O cavaleiro negro aproximou-se tão rapidamente que, ao aproximar-se do Rei seu cavalo
estancou de súbito, empinando as patas da frente e relinchando alto, enquanto uma sombra
fantasmagórica de pó assomava do chão, dominando a cena. O cavaleiro saltou velozmente
para o solo, e tirou o elmo. Ele era um homem jovem, com uma face forte e nobre, e seus
olhos cintilavam com orgulho.
- Isildur, meu rei - ele clamou curvando-se com imponência. - Eu tenho a honra de lhe dar
as boas-vindas a Pelargir, em nome de Barathor, Senhor de Pelargir e Guardião do Portão
do Sul. Sou Duitirith, seu filho e herdeiro.
Isildur saudou-o dizendo, - Nós lhe agradecemos, Duitirith, filho de Barathor. Embora você
não saiba disso, nós já nos encontramos no passado. A última vez que estive na corte de
Barathor você era apenas uma criança no colo de seu pai.
Duitirith ruborizou-se. - Muitos anos se passaram desde a última vez que nos honraste com
sua presença Majestade. - disse - Como podes ver eu cresci em sua ausência. E ainda me
lembro de você, Majestade, porque era a sua visão e palavras amáveis que sempre serviram
como meu modelo e minha inspiração. -
O riso de Isildur soou forte.
- Então é assim? Bem, meu jovem Duitirith, suas justas palavras complementam bem sua
abrupta aproximação. Fico feliz em vê-lo novamente e encontrá-lo um homem feito. Nos
conduza agora a seu pai, que precisamos falar-lhe o quanto antes.
Duitirith curvou-se.
- É minha honra e também meu prazer, Majestade. Vamos, a cidade está preparada para lhe
saudar e desejar-lhe as boas-vindas. - Disse, enquanto apontava abaixo para a grande ponte.
A guarnição da cidade havia se enfileirado em ambos os lados da ponte, e agora
observavam a hoste com atenção. Seus braços acenavam, altos, enquanto suas couraças e
elmos cintilavam ao sol. Uma trombeta soou sobre as suas cabeças, e as bandeiras de
Gondor e Pelargir se derramaram por todas as torres da cidade.
Enquanto cavalgavam rumo as portas de Pelargir, Isildur perguntou ao jovem príncipe.
- Duitirith. Seu nome significa o Guardião do Rio, na língua Eldarin. És então o chefe desta
guarnição, o encarregado de manter as defesas da ponte?
Duitirith riu.
- Eu sou, realmente, o encarregado desta honra Majestade. E comando uma excelente
companhia. Eu escolhi e treinei cada um deles. Mas meu nome não se refere ao Sirith, mas
sim para o próprio Anduin. Um dia eu regerei Pelargir e guardarei o Grande Rio para
Gondor. Podes estar seguro Majestade, que nenhum inimigo jamais passará por esta cidade
quando eu usar o Anel de Senhor desta cidade.

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- Não duvido disto, - sorriu Isildur enquanto observava os homens de Duitirith, enfileirados
nos parapeitos com as suas lanças erguidas ao alto. Então eles se aproximaram dos portões
da cidade, que ainda estavam fechados. A coluna deteve-se. Uma voz chamou abaixo dos
parapeitos, sobre o portão.
- Você que se aproxima de Pelargir, sobre o Anduin. Declare seu nome, sua terra e o nome
do senhor a quem serve.
Duitirith dirigiu-se ao rei.
- Não se trata de nenhum desrespeito Majestade. Nós sabemos bem quem és. Mas este tem
sido o modo tradicional de recebermos a todos os viajantes que atentam cruzar esta ponte
durante os últimos mil anos. Ninguém pode entrar na cidade sem responder
satisfatoriamente.
- Nós não estamos ofendidos, bom Duitirith. Nos agrada ver o Portão do Sul bem guardado
contra nossos inimigos. Conheço muito bem à tradição. Eu respondi a esta pergunta pela
primeira vez há muitos anos, quando meu povo veio pela primeira vez a esta cidade,
fugindo das tempestades e tumultos causados pela queda de Númenor. - Então o Rei
levantou-se nos estribos e elevou sua voz clara e forte.
- Sou chamado Isildur Elendilson, de Gondor, e sirvo ao meu Senhor, Elendil, Alto Rei dos
Reinos no Exílio.
- És então um amigo desta cidade, - clamou a voz por detrás dos portões. - Entre em paz,
Isildur de Gondor - Os grandes portões rangeram lentamente abrindo-se aos poucos
enquanto as sombras cediam vez a luz que vazava sob as sombras do alto muro. Do outro
lado, um grupo de cavaleiros aguardava.
- Estes homens o escoltarão para a Torre Azul, Majestade. Tenho que me desculpar, porque
não posso acompanhá-lo. Não posso deixar meu posto até que seja rendido pela outra
guarnição. Veremos-nos novamente no jantar. Adeus e boas-vindas novamente - E girou o
cavalo rumo a ponte.
Trompetes soaram novamente, enquanto Isildur e seu exército trotavam pela cidade
saudados pela alegria de milhares de pessoas. O povo se vestia com cores fortes e
luminosas, e as barracas dos mercadores se espalhavam, luxuosas pelas ruas. Pétalas de
rosa e elanor tremulavam sobre os homens, lançadas das sacadas de cada prédio, enquanto
os trovadores acionavam cítaras e alaúdes. As faces das pessoas estavam cobertas de alegria
por contemplaram seu bem amado Rei. Freqüentemente, nos dias antigos, antes da guerra,
Isildur subira a bordo da balsa para visitar Pelargir e caminhar entre o povo com o
semblante aberto e seu grande sorriso. Poucas destas pessoas alguma vez haviam visitado
Osgiliath, e Isildur tinha sido para eles o símbolo do poder real de Gondor. Agora eles lhes
davam as boas-vindas como um amigo que retorna após uma longa ausência.
Como o avançar da coluna pelas ruas da cidade, a alegria contagiante começou a se
esparramar entre os soldados, e a marcha terrivelmente longa foi se transformando em uma
parada jovial. De algum lugar um barítono elevava uma canção a qual logo outros se
juntaram em uma bela mistura de vozes. Era uma antiga canção de volta ao lar. As palavras

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eram cantadas na língua ancestral destas pessoas das terras do sul, e elas tratavam dos dias
anteriores da vinda do povo do Oeste. O Dúnedain, entretanto, pode entender algumas das
palavras, já que o sentimento da canção, erguido ao som de dezenas de milhares de vozes,
lhes era clara em sentimento. A língua dos Uialedain expressa-se mais bela em canções
líricas e poesia, e principalmente em muitas vozes misturada em coro.
E assim eles entraram afinal, sob o entusiasmo das canções, na Torre Azul, no coração da
cidade. Lá, foram introduzidos ao grande tribunal, onde os aguardava Barathor, Senhor de
Pelargir. Ele se sentava em um trono alto, adornado pelas asas de um pássaro do mar, como
se o assento estivesse a ponto de levantar vôo. Era fixo com azulejos e incontáveis pedras,
cada uma de uma diferente tonalidade azulada. O chão também era de mosaico azul, com
faixas largas de ouro que se radiavam do centro. Barathor usava um longo capote de penas
brancas, e em sua mão destacava-se um anel de mithril, o Anel do Senhor de Pelargir. Seu
cabelo era cinza, e sua face afilada. Seus olhos fixaram-se como lanças em Isildur, a quem
ele levantou-se em saudação.
- Bem-vindo, Isildur, meu Rei e meu amigo.
Os dois abraçaram-se.
- Assim Barathor, nós nos encontramos novamente. Entretanto o mundo mudou muito
desde a última vez que festejamos em seu palácio.
- Aye, o mundo mudou, mas você não meu Senhor. As folhas de dez anos murcharam e
caíram, mas seu olhar permanece da mesma maneira. É seu sangue real. Os herdeiros de
Elros sempre foram uma linhagem duradoura.
Naquele momento uma mulher notável, com os cabelos vermelhos como o fogo, surgiu das
sombras, aproximando-se de Barathor. Ele levou sua mão a dela e dirigiu-se a Isildur.
- Espero que não tenha se esquecido de minha senhora?
Isildur sorriu.
- Como poderia me esquecer da adorável Heleth? Eu falei com seu filho, senhora, e o seu
porte e semblante são um elogio a você.
Ela sorriu.
- Você é amável, Rei de Isildur. Nós realmente estamos orgulhosos dele.
- Mas venha, - disse Barathor, - Você deve estar cansado. Primeiro tens que tomar um
banho e descansar. Então, hoje à noite nos sentaremos junto a grande mesa e tudo será
novamente como antes.
Isildur chamou seu escudeiro.
- Venha, Ohtar, um banho nos chama. Vamos esfregar a poeira de Lebennin de nossos
corpos.

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Depois de lavarem-se e vestirem-se com trajes limpos, jantaram com Barathor e sua
família. Foi um banquete nobre, muito bem-vindo depois dos meses cansativos de marcha
pesada. Quando afinal as travessas foram limpas eles se sentaram e bebericaram bom vinho
ao som de música. O som do alaúde em acordes doces e puros acalmou os corações dos
nobres. Barathor pediu a taça de Isildur, afim de renová-la.
- Meu Rei, - disse - você marcha com um grande exército a suas costas, e ficamos contentes
em ver as bandeiras de nossos aliados próximas as nossas muralhas nestes tempos tão
conturbados. Mas eu temo que sua incumbência não seja a defesa de Pelargir. O que está
ocorrendo?
Isildur devolveu o olhar de Barathor.
- Nós marchamos rumo a Osgiliath, para reunirmo-nos a nossos aliados, os elfos. Lá será
reunido um exército tão poderoso que os servos do mal cederão ante nosso poderio. Então
Ithilien será liberta afinal, e eu me sentarei mais uma vez no trono de Minas Ithil.
- Este também é nosso desejo, meu Rei. – Disse Barathor. - Nada alegraria mais nossos
corações do que vermos os campos de Ithilien limpos da sujeira dos orcs. Eles são uma
praga também para nós. Nossas aldeias mais próxima ao rio são invadidas freqüentemente
por bandos vindos do sul Ithilien, mas eles implementam suas barbáries e rastejam para
seus buracos antes que possamos alcançá-los. – Isto está enlouquecendo Duitirith. –
exclamou - Nós poderíamos detê-los se pudéssemos guarnecer todos os antigos postos de
guarda ao longo dos bancos do Anduin. Mas nós não ousamos usar os homens da frota
devido ao perigo dos piratas. Estamos esmagados entre dois problemas, e não podemos usar
todas as nossas forças contra o inimigo, pois os piratas de Umbar tem saqueado nossas
aldeias pesqueiras e navios. Nós nunca sabemos onde eles vão atacar. Durante os últimos
anos eles levaram o saque e a morte a dezenas de nossos portos menores. Nossos navios
patrulham a costa, mas em raras vezes os encontramos no mar. Os piratas velejam navios
menores, nenhum com mais de duzentos homens. São barcos de fácil manuseio,
diabolicamente rápidos. Nós os perseguimos, mas eles sempre acabam levando vantagem
na velocidade. Nós os perseguimos furiosamente, mas em vão, e nos frustramos sabendo
que eles levam nossa gente em escravidão.
- Todos os anos os piratas parecem se tornar mais poderosos e mais corajosos. Os seus
ataques, no ano passado, chegaram até o Ethir Anduin, há menos de vinte léguas daqui. Há
quem diga que eles poderiam até mesmo tentar um ataque a nossa cidade, entretanto
acredito que eles não seriam tão tolos. Mas quem pode nos garantir que eles não se
aproximam agora mesmo de nossas costas?
- Eles bem podem estar, - disse Isildur de repente. – Eles bem podem...
Heleth ficou pálida, e agarrou a mão do marido, enquanto os convidados olharam-se de
soslaio, compartilhando um temor comum.
- Nós não tivemos nenhuma notícia de piratas por nossas costas neste semestre – protestou
Barathor.
- Pois eu os vi com meus próprios olhos. - Respondeu Isildur.

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Barathor disse, olhando para o Rei.
- Parece que há muitas histórias estranhas aqui. Se os Piratas estão novamente em nossas
costas, gostaria de saber tudo o que você pode me contar.
- Aye, há uma história realmente, entretanto não é uma história agradável. Como sabes, nós
marchamos ao redor do toda a Ered Nimrais em busca de aliados para nossa luta contra o
Senhor do Escuro. Mas cruzamos todo o Calenardhon com pouca ajuda, e fomos
desencorajados. Quando viemos até Anglond, tudo parecia em paz, e muitos mostraram-se
ansiosos em montar conosco até Ithilien. Mas no mesmo dia em que nós chegamos, os
Piratas de Umbar se abateram sobre a cidade e nós fomos sitiados. Eles chegaram em
muitos navios, e puseram os campos e as fazendas em chamas, até que o céu foi escurecido
com o fumo. O povo fugiu rapidamente, e a maioria alcançou a segurança das muradas,
mas os velhos e os mancos, estes foram ceifados como trigo ante nossos olhos. –
Relembrou o Rei enquanto Heleth escondia a face em suas mãos.
- Por duas semanas ficamos sitiamos, enquanto por toda à parte os piratas saqueavam a
terra e levavam tudo que poderiam carregar. Os resto foi queimado. Por diversas vezes eles
acossaram as muradas, mas nós resistimos. No fim, se retiraram e velejaram para o sul.
- Eles mantiveram o cerco durante duas semanas? – Exclamou Barathor. – Realmente me
estranha esta notícia. Normalmente eles golpeiam depressa e realizam seu trabalho em
apenas algumas horas. Não é do feitio dos piratas de Umbar um cerco a uma de nossas
cidades, fortemente guardadas.
- Aye, - concordou Ohtar – o povo de Anglond não estava preparado para um ataque tão
pesado. Havia pouca alegria quando eles partiram afinal, pois muitos haviam morrido, as
colheitas da primavera estavam destruídas, e o gado abatido. Receamos que eles passem
por uma época dura no próximo inverno. Nós permanecemos com eles até que os mortos
fossem enterrados e suas defesas reerguidas, mas quando deixamos aquele lugar triste,
poucos dos valentes cavaleiros de Anglond marchavam ao nosso lado. Muitos precisaram
ficar para reconstruir a cidade e as fazendas, outros para labutar nos campos e para juntar o
que poderia ser reunido antes de outono.
- Estas são, realmente, notícias sérias. - Lamentou Barathor – O povo de Anglond é nosso
amigo e aliado, e nós sempre mantivemos relações comerciais com eles em tempos mais
seguros que os de hoje. Que eles consigam retomar suas vidas em paz. - Ele permaneceu
calado por um instante, para depois olhar Isildur novamente.
- Mas você diz ter recebido pouca ajuda em Calenardhon? O que houve com os valentes
senhores dos vastos prados? Não se reuniram a você?
Isildur concordou com um aceno de cabeça.
- As planícies de Calenardhon realmente são vastas, mas poucas pessoas vivem por lá. A
única cidade está na grande fortaleza de Angrenost, na extremidade meridional das
Montanhas Nebulosas. O exército de Gondor manteve por muito tempo uma guarnição ali,
porque é uma terra selvagem e estranha, fronteiriça as terras selvagens de Dunland e a
Floresta de Fangorn. As montanhas sempre foram perigosas, mas isso piorou nos últimos

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tempos. Orcs e imensos lobos vagam pelas florestas escuras, e diz-se até mesmo que as
árvores caminham pelas entranhas de Fangorn. Isto não se pode jurar, mas os orcs são
bastante reais, porque observamos vários grupos isolados no breve período em que
estivemos lá. A guarnição em Angrenost já era reduzida desde os primeiros chamados para
a guerra no leste, mas eles puderam nos ceder alguns homens. Vieram conosco alguns que
provaram ser guerreiros ferozes e cavaleiros sem par.
Duitirith golpeou a mesa com o punho.
- Amaldiçoados sejam todos os servos do mal! Eles nos acossam por todos os lados. E não
havia mais ninguém que pudesse juntar forças a seu exército em todas as províncias do
norte?
Isildur tremeu a cabeça tristemente.
- Não. Nós tínhamos esperado mil ou mais, além de muitos outros de Anglond, mas isso
não aconteceu.
- Então todos os homens que o seguem agora são das terras do sul? - Perguntou Duitirith. –
Ainda assim, deveria haver mais homens.
- Eu ainda não contei o pior. - Disse Isildur, enquanto Heleth elevava seus olhos onde as
lágrimas brotavam. – E estou arrependido de ser o portador destas notícias doentias
senhora. Mas vivemos tempos ruins.
- Conte-nos tudo Majestade. - Disse Barathor.
- Depois de deixar Anglond, marchamos para Ethir Lefnui, em Anfalas. Mas no caminho,
deparamo-nos com as sobras dos sobreviventes desta cidade. Os Piratas saquearam Lefnui e
destruíram-na totalmente. - Heleth emitiu um gemido de dor, e passou a respirar com
dificuldades durante o resto do encontro.
- Não havia mais de trinta sobreviventes. Os outros foram assassinados. A cidade foi
totalmente destruída. E assim nós apertamos o passo pelas terras altas e cruzamos o rio
Lefnui, nas proximidades de sua fonte, não na altura de sua boca, como havíamos
pretendido. Uma semana de marcha dura nos trouxe até os bancos do Morthond. Lá nós
tomamos a estrada que segue o rio para cima de Ringlond, na costa. Virando para norte,
atravessamos o grande Desfiladeiro de Blackroot com o rio rugindo e espumando mais
abaixo, e emergimos afinal no vale alto de Erech. Minha esperança principal se voltou para
os Eredrim, uma nação forte e aliada a nós por juramento.
- Reunimo-nos com o seu senhor, Romach, e eu os chamei a cumprir o juramento. Mas eles
recusaram, apesar da palavra empenhada. Suas mentes já haviam sido envenenadas por
emissários de Umbar.
- Novamente os amaldiçoados Piratas Negros – Clamou Duitirith. – Lhe imploro
novamente, meu pai, deixe-nos velejar contra nossos inimigos e derrotá-los para sempre no
mar! – Disse, ouvindo os clamores de aprovação de alguns dos cavaleiros mais jovens.
Barathor mexeu a cabeça negativamente.

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- Não podemos ousar desta forma. Estamos muito debilitados pela guerra. Tudo que
podemos fazer é mantermo-nos unidos na cidade.
- Eles são as ferramentas do Senhor da Escuridão. - Disse Isildur. - Eles trabalham para os
seus desígnios, pensando vaidosamente que regerão ao seu lado quando nós formos
destruídos. No entanto serão varridos impiedosamente quando não tiverem mais nenhuma
serventia. Temos que nos unir para golpear Sauron primeiro, então navegarei com alegria
junto a vocês contra Umbar.
A sobrancelha de Barathor franziu-se com preocupação.
- Mas agora me parece que temos outros inimigos as nossas portas. Os Eredrim são muitos
e ferozes em batalha, e Romach é um líder inteligente e experiente. Se eles marchassem
sobre nós, poderíamos passar por momentos difíceis para contê-los.
- Eu não acredito que os Eredrim os ataquem. - Replicou Isildur. - Eles nos recusaram
ajuda, é verdade, mas duvido que levantem armas contra nós. Romach espera esconder-se
em baixo das montanhas até que a guerra tenha terminado, para então aliar-se ao vencedor.
Eles juraram-me vassalagem muitos anos atrás, e não devem tão facilmente se esquecer
disso a ponto de insurgirem-se. Romach escolheu a segurança das montanhas. Mas
permanecerá mais tempo lá do que havia imaginado, porque eu lhes desvendei os mistérios,
e lhes arranquei o destino. Permanecerão nas montanhas para além da morte, até que
cumpram seu juramento. - E se calou, pensativo e terrível.
Então todos os presentes observaram Isildur em maravilha e temor, pois novamente
depararam-se com a estranheza e o poder deste homem, vindo de lugares distantes do
ocidente perdido. Os que o conheciam melhor leram em seus olhos uma raiva avassaladora.
A quebra do juramento dos Eredrim havia lhe golpeado profundamente, o último e cruel
golpe sobre os seus planos de vitória. Os Senhores da Aliança aguardavam que uma imensa
hoste de aliados os alcançasse em Pelargir. E suas maiores esperanças haviam sido
colocadas sobre os Eredrim. O Rei pensou em Malithôr, em sua herança orgulhosa,
vilmente submetida às incumbências de Sauron, e apertou com força o copo de chifre, cheio
de vinho.
Então Isildur se deu conta do longo silêncio que havia se abatido sobre o grupo, e que todos
os olhares estavam fixos, temerosos, sobre ele.
- Mas basta de histórias tristes e aflições. - Disse. - Nenhum de nós deve suportar mais os
insultos de nossos inimigos. O tempo se esgota para o golpe decisivo. A necessidade é
grande e o tempo é pequeno. Meu Senhor Barathor, necessito de todos os homens e
equipamentos de guerra que puderes me ceder.
Barathor encarou a mesa, de cabeça baixa, e esperou certo tempo antes de responder.
- Eu aguardava seu pedido, Majestade, e sofro com vergonha quanto à resposta que tenho
que lhe dar. Posso oferecer talvez quinhentos homens fortes, meu senhor. Mais que isso não
posso ceder.

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- Quinhentos? - Exclamou o rei em desânimo. - Eu necessito de dez vezes isso. Barathor,
conheces bem as nossas necessidades.
Barathor observou tristemente e ofereceu suas mãos vazias.
- Meu Rei, posso lhe dar mantimentos, 500 braços, e alguns dos outros materiais que
necessitas. Mas não lhe posso dar mais que isso. Seis mil de nossos homens marcharam
com Belrund para unirem-se a seu pai em Dagorlad. Já se passaram sete anos desde então, e
eles não retornaram. Sentimos falta destes homens, pois somos ameaçados por todos os
lados, e continuamente somos hostilizados. Somos uma cidade grande, com campos largos
e produtivos, e muitas aldeias a nossa volta. Temos muita dificuldade para proteger o que
temos. E, além disso, somos encarregados com a guarda da ponte e do Grande Rio, assim
como precisamos efetuar patrulhas pelas miríades de canais do Ethir Anduin e por toda a
costa, até Linhir. Temos feito tudo isso com apenas cinqüenta navios, todos com pouca
tripulação Meus capitães constantemente imploram por mais homens, mas não há homens
para lhes enviar. -
- Nossos homens são necessários aqui em Pelargir, meu Senhor, ou o Portão do Sul será
apenas uma porta aberta para nossos inimigos. Com uma força reduzida nós poderíamos
defender a ponte, e talvez até rechaçar uma força de orcs, mas não posso ousar reduzir a
frota, sob a pena de não mais poder responder pela segurança do Anduin. Como você nos
falou, os Piratas estão a navegar por nossas costas. Eles poderiam surgir a qualquer hora. Se
Pelargir cair, poderá se transformar em uma base segura para um ataque futuro a Osgiliath.
Será pouco proveitoso para todos nós conquistarmos a vitória em Mordor, para em nosso
retorno encontrarmos toda Gondor nas mãos dos Piratas.
Isildur respondeu duramente ao Senhor de Pelargir.
- Barathor, temos sido amigos por muitos anos. Nunca houve uma decepção entre nós. Eu
sei que você fala a verdade, e que a segurança de Pelargir e Gondor são, realmente, sua
única preocupação. Mas eu lhe digo que nas próximas semanas estaremos expostos à vitória
ou a derrota total. A vitória pode estar dentro de nosso alcance, mas só se agirmos agora,
em um golpe combinado. A Aliança passa por necessidades imensas, e necessita como
nunca de sua ajuda. Gil-galad e meu pai consideraram todas as opções cuidadosamente, e
eles estão a par dos perigos que você enfrenta. Mas eles consideram também que o risco
deve ser corrido. Sem sua ajuda, temos pouca esperança. O destino do Oeste está em suas
mãos. Eu lhe falo com toda a sinceridade que a situação em Mordor vai além do que se
imagina.
- Não duvido meu Rei. Mas o Senhor do Escuro não se calou dentro de sua torre? Você,
pelo menos, sabe onde seu inimigo está, e pode golpeá-lo ou preparar-se para o golpe dele.
Mas nós temos inimigos em todas as direções, e temos que guardar todos os nossos
interesses. Você está em uma posição de poder em Gorgoroth, enquanto nós não podemos
fazer mais do que esperar.
Isildur concordou.
- Nós cercamos Barad-dûr, é verdade, mas não pense que Sauron é nosso prisioneiro. Nós
somos tão prisioneiros quanto ele. Sua torre é inconquistável; nós descobrimos isso a muito

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custo. Não podemos entrar, e não podemos forçá-lo a sair. O longo assédio parece não lhe
causar distúrbios. Seus escravos e recursos são ilimitados, e o tempo não tem nenhum
significado para ele que tem vivido na terra por eras incontáveis. Sauron espera
confortavelmente em seus próprios corredores, enquanto nós suportamos o deserto, lutando
e morrendo diariamente, e ficando mais fracos a cada dia. Sete anos! Sete longos anos,
senhores, e nós não demos um passo a mais rumo a vitória desde o primeiro dia de sítio
sobre aquela torre amaldiçoada. A verdade meus amigos, é que nós não podemos derrotá-lo
com as forças que temos. Reforços significativos devem ser reunidos. Um exército novo
para atacá-lo onde e quando ele não espera. Não posso dizer mais nada neste momento, mas
é minha obrigação reunir todos os homens disponíveis para esta investida. Outras forças
também estão sendo reunidas em Osgiliath, para um grande conselho no dia do solstício de
verão. Lá tudo será revelado. Eu vaguei por muitas terras em busca de homens. Pelargir é
nossa última esperança. Não há mais ninguém a ser chamado.
Barathor se sentou com a angústia estampada na face.
- Isildur, meu rei, eu não o amo como a um irmão? Meu coração não lamenta sua tragédia?
Dói-me o coração imaginar que você possa me tomar por um aliado desleal ou por um
covarde. Minha riqueza, minha honra e minha vida, dou-te alegremente. Mas você me pede
uma coisa que eu não posso lhe dar. Não posso lhe dar minha cidade, porque ela não é
minha. Pertence ao nosso povo, aos nossos antepassados que morreram para erguê-la, e aos
seus descendentes, que aqui vivem em paz. Se eu os enviasse a guerra com você, Isildur, é
quase certo que achariam apenas ruínas em sua volta. É isso que você me exige? -
Isildur o encarou muito tempo, e então tocou o braço do amigo.
- Eu não duvido da coragem ou da lealdade tanto sua como do povo de Pelargir, Barathor.
Eu conheço bem todos os perigos que você enfrenta. E sei que você está agindo como sua
consciência exige. - Ele se sentou um tempo em profundo e sombrio pensamento, então
olhou o amigo novamente.
- Mas talvez ainda haja uma saída. Outros eventos estão acontecendo agora mesmo pela
Terra Média. Eventos que podem solucionar este dilema. – Disse o Rei, levantando-se e
sussurrando no ouvido de Barathor. - Você confia em todos nesta sala, a ponto de podermos
falar de coisas que poderiam significar a vida ou a morte para Pelargir e até mesmo para
toda Gondor?
Barathor olhou sobre a mesa, procurando cada face. E então concordou com a cabeça.
- Não há nenhum perigo aqui, Majestade. São todos amigos e cavaleiros de Pelargir, cuja
lealdade já foi provada há muito tempo.
- Então eu posso lhe confiar um segredo conhecido apenas por mim e pelos Senhores da
Aliança, e que não deve chegar aos ouvidos do Inimigo, sob pena de sermos condenados a
derrota total. – Confidenciou Isildur. - Você diz que precisa de seus homens para guardar o
Grande Rio contra os Piratas. Mas o que me diria se o rio fosse defendido por outras forças,
e que você pudesse estar certo quanto à segurança de Pelargir? Então meu pedido não
poderia ser reconsiderado?

72
Todos na sala o encararam com assombro. Duitirith foi o primeiro a reencontrar a voz.
- Mas Majestade, não podemos contar com soldados inexperientes para a guarda do Rio, e
nem para tripular nossos navios. Não podemos substituí-los por soldados ou fazendeiros.
De que outras forças poderíamos dispor? É uma brincadeira?
- Isildur não brinca com assuntos sérios, Duitirith. - Disse seu pai. - Eu lhe digo, Isildur,
que se o Rio fosse defendido, e defendido, preste atenção, de forma que nenhum inimigo,
por maior que fosse sua força, pudesse cruzar nossas pontes, então nós não temeríamos
nenhum ataque. Nossas muradas e nossa ponte são fortes. Algumas centenas de soldados
experientes poderiam defendê-los, até mesmo contra um inimigo mais forte. Mas o Rio é o
ponto fraco em nossa defesa. E não há nenhuma outra frota poderosa o bastante, em toda a
Terra Média, capaz de deter os Piratas se eles deveriam em toda a sua força.
Isildur sorriu severamente.
- Nenhuma outra? O que me diz da Frota Branca de Lindon?
- Os Elfos? - Gaguejou Duitirith. - Elfos velejando por estas águas? Nós já ouvimos os
contos sobre os poderosos elfos marinheiros de Lindon, mas nunca, nem mesmo dos lábios
de nosso mais idoso ancião, ouvimos falar dos navios-cisnes enfrentado os mares do sul.
Em verdade, muitos de nós passamos a vêlos como lendas em histórias antigas. Mas diz-se
que são marinheiros habilidosos, e guerreiros poderosos.
- Se os contos são verdadeiros, - dito Barathor, - eles realmente são. Mas os contos também
nos falam que os Abrigos Cinzentos estão distantes, no longínquo norte, uma viagem de
muitas semanas ou meses. E até mesmo se eles estivessem dispostos e capazes a vir
imediatamente à nossa ajuda, levariam semanas para preparar e provisionar os seus navios.
Não podemos contar com eles até antes do meio-inverno. A ainda assim, teríamos que
organizar e provisionar toda a nossa frota. E você diz que nos quer em Osgiliath no dia do
Solstício de verão? Isso é daqui a uma semana.
Isildur concordou.
- Tudo o que você diz é verdade, meu senhor. - Disse. - E ainda assim eu lhes digo, povo de
Pelargir, - e elevou sua voz para que todos pudessem ouvir, - enquanto conversamos aqui,
neste momento, a Frota Branca de Lindon está no mar, e neste momento deve estar se
aproximando das Bocas do Anduin.
O salão estourou em uma grande confusão, onde todos falavam ao mesmo tempo.
- Os Elfos? Ele disse que os Elfos estão vindo par cá? – Gritavam.
- Mas como...? - Gaguejou Barathor. - Como pode ser?
Isildur ergueu sua mão direita, pedindo silêncio, e o tumulto foi perdendo força
gradualmente.
- Vocês sabem que nós cavalgamos por todas as extensões das Ered Nimrais, e reunimos
todos os homens que pudemos. Mas não estamos sós. No mesmo momento em que

73
deixamos Gorgoroth rumo a esta longa jornada, outros também partiam rumo a outros
objetivos. Gildor Inglorion, um dos maiores capitães élficos, montou rumo ao norte, sob
ordens de seu senhor, Gil-galad. Ele foi em busca de ajuda das terras de Lothlórien e
Khazad-dûm. E então seguiu até, Cirdan, em Mithlond. As ordens de Gil-galad eram para
que Cirdan colocasse a Frota Branca em prontidão e velejasse imediatamente a Osgiliath,
com todos os navios de que pudesse dispor. -
- Mas teria ele alcançado Mithlond? - Perguntou Guthmar. – O local fica a mais de
quatrocentas milhas daqui.
- Já se passam mais de dois meses desde que partimos juntos de Barad-dûr, e os Elfos
montam muito rapidamente quando há necessidade. A Gildor foi ordenado que agisse com
máxima rapidez, de forma que eles pudessem estar em Osgiliath para o Conselho. Eles
devem estar chegando muito em breve.
- Mas esta notícia ultrapassa todas as nossas esperanças, - disse Heleth, seu adorável sorriso
começando a surgir pela primeira vez. - Pensar que os Elfos velejariam toda esta distância
para nos ajudar. Elfos! Eu nunca os vi. Elfos para nos proteger! Oh, sinto-me como se um
grande peso fosse retirado de mim!
- Aye, - concordou Barathor. - Com os Elfos ao nosso lado, não temeríamos nenhum
inimigo. - Mas então dirigiu a Isildur um olhar sagaz. - Mas eles não foram chamados aqui
para proteger Pelargir. Suspeito que a Aliança tenha outros planos para os elfos-marinheiros
de Cirdan. Não é assim, Majestade?
Isildur concordou.
- Os Senhores da Aliança pensavam enviar os Elfos de Círdan contra Mordor, conosco. Mas
em verdade eles serão usados de maneiras mais sutis. Com os piratas acossando nossas
costas, eles seriam melhor utilizados na proteção das cidades costeiras, e na defesa do
Anduin. Então, se Pelargir for liberada destas obrigações.... - E olhou significativamente
para Barathor.
Barathor, por sua vez, olhou para os seus capitães, e julgando as reações de cada um deles,
falou.
- Eu lhe digo, Majestade, que se a Frota Branca é tão poderosa quanto as lendas que se
contam sobre ela, e se os Elfos guarnecerem as bocas do Anduin e os pontos estratégicos ao
longo da costa, estaríamos bastante seguros. Então, os homens de Pelargir se reuniriam sob
a sua bandeira e o seguiriam até onde fosse necessário, até os confins da terra.
Os homens na sala vibraram em exclamações de aprovação. E Isildur percebeu o quão
divididos eles estavam, entre a sua lealdade ao Reino, e o seu dever para com a sua cidade e
as suas famílias. Livres, afinal, da ameaça dos Piratas, eles pareciam estar ansiosos para
juntarem-se aos seus aliados. Então, o Rei olhou cada uma daquelas faces, com afeto.
- Então vocês montarão comigo quando Cirdan chegar? – Perguntou, e todos os homens
reunidos naquela sala ajoelharam-se aos seus pés, jurando total lealdade, enquanto os olhos
de Isildur enchiam-se de lágrimas.

74
Mas Barathor parecia preocupado.
- Este mensageiro, Gildor, de quem falastes. Sua estrada é longa e perigosa, - disse, e os
mares que Cirdan tem que navegar, não menos. Como marinheiros, conhecemos todos os
perigos dos ventos e mares que eles enfrentariam para chegar a Pelargir. E sabemos de
todos os atraso aos quais eles estariam ameaçados. Eu não posso lhe ceder homens até que
os Elfos cheguem.
- Mas nós não podemos esperar, - disse Isildur. - Devem ser feitos muitos preparativos caso
vocês montem conosco. E Cirdan só poderá chegar a tempo para o Conselho de Osgiliath.
Se nós esperamos até que ele apareça, será muito tarde para marcharmos até lá. Não podes
ao menos começar a reunir suas forças?
Barathor pensou por um momento.
- Isto é o máximo que eu posso fazer, Majestade. Eu trarei a frota de volta ao Anduin,
tirando-os das costas e da a Baía de Belfalas. Os assentamentos litorâneos não gostarão
disto, mas com sorte eles estarão seguros em alguns dias. Com todos os navios no Rio,
poderemos preparar tudo em menos de um dia, a partir do momento em que os Elfos
cheguem. Enquanto isso, nós começaremos os preparativos para que estejamos prontos a
montar com você assim que os navios-cisnes se aproximem.
- Assim seja. – Disse Isildur, aliviado.
Então, Barathor dirigiu-se a um homem alto e escuro.
- Telemnar, - chamou, - envie os sinais. Contate todos os navios nas proximidades. Deixe-
os no Ethir Anduin. Quero apenas quatro exploradores navegando pela baía, os barcos mais
rápidos que tivermos. Tenha os melhores vigias nos mastros. Quando os Elfos chegarem,
contate-os imediatamente e instrua-os sobre as ordens de Isildur. Veja para que eles formam
uma força suficiente e ordenada para ser enviada ao Ethir. Então, todos os navios devem
voltar a Pelargir em máxima velocidade. - O homem curvou-se e saiu com pressa.
- Duitirith! – Continuou Barathor. - Envie arautos a todos os cantos do nosso reino. Todo
homem capaz de lutar deve se armar e vir o mais rápido possível para a cidade. Nós
seguiremos para a guerra com nosso Rei!

Durante os três dias seguintes, a cidade transformou-se em uma colméia repleta de


atividades. Os comerciantes e cidadãos paralisaram seus negócios preparando-se para juntar
armas ao Rei, e até mesmo as mulheres e os muito jovens tentavam ser aceitos na hoste.
Companhias de soldados marchavam até os postos de recrutamento e eram reunidos em
lugares seguros, nos bancos do Anduin. Outros grupos marchavam, subindo o Rio rumo a
acampamentos improvisados, empunhando compridos remos como armas. Grande carroças
puxadas por bestas seguiam, carregadas de víveres, para todas as direções. Os mercados
fervilhavam, tentando suprir a demanda de comida, armas, roupa e mantas. Pequenos
grupos de fazendeiros e pescadores das aldeias circunvizinhas também começavam a

75
chegar, entrosando-se com as multidões nas ruas e aumentando à confusão. Mas ainda sim,
nenhum sinal dos Elfos..
No terceiro dia, Isildur e Ohtar caminhavam pelas ruas de Pelargir, para encontrarem-se
com Barathor. Cruzaram a cidade, passando por grandes praças, e pararam para assistir uma
companhia de meninos adolescentes, que marchavam de um lado para outro, suando sob
pesadas armaduras, de um tamanho muito grande para eles. Estavam sendo treinados em
manobras básicas de infantaria, por um velho soldado que gritava exasperado.
- Pisem com firmeza! - Esbravejou. - Tentem se parecer como soldados, ao invés de jovens
tolos. Você! Para onde você está marchando? Dentro de uma semana estarão guarnecendo
as muradas, e não quero velos caindo pelas ameias!
Isildur e Ohtar sorriram um para o outro, e se apressaram.
O grande salão da Torre Azul estava abarrotado com mensageiros, pedintes, e pessoas
aguardando ordens e instruções. Pareciam estar afogando Barathor e seus administradores
com perguntas, decisões e disputas. Uma das maiores necessidades era para a aquisição de
mensageiros. Tinham utilizado todos os arautos em serviço, mas ainda sim Barathor
aguardava por respostas ou precisava esperar pela volta de um mensageiro, para logo enviá-
lo a outra missão. Enquanto Isildur aproximava-se, um menino jovem, com não mais do
que dez ou doze anos, passou correndo por ele, ajoelhando-se aos pés de Barathor...
- Mais mensagens, Senhor? – Perguntou, ofegante. Barathor empurrou um papel para as
mãos do menino.
- Sim. Leve isto a Carlen, o mestre da guilda dos carroceiros. Ponha a mensagem nas mãos
dele, note, e não na de um de seus aprendizes. Você conhece a casa dele?
- Sim, senhor. - Respondeu o menino. - Está no Rath Gelin, perto da praça da Fonte do
Leão. - Disse resfolegando, como se fosse dar o último suspiro.
- Isso. Vá depressa agora. - Mas Barathor voltou seu olhar para o garoto e perguntou
novamente. - Eu já não lhe dei várias mensagens hoje?
- Sim, senhor. - Respondeu o exausto mensageiro. - Quatro mensagens. Eu tenho corrido
desde que amanheceu.
- Já lá se vão mais de quatro horas Você deve estar exaurida, pobre criança. Descanse um
pouco, e consiga algo o que comer. Deixe que outro menino leve esta mensagem. - Disse
enquanto olhava pela sala, mas não havia nenhum outro mensageiro presente.
- Por favor, meu senhor, - implorou o menino, - eu posso correr todo o dia se for necessário.
Quero ajudar. Meu pai diz que sou muito jovem para lutar, e é provável que a guerra
termine antes que eu tenha minha chance. Bem, eu farei o que puder para ajudar de outra
forma então. Mas adoraria encontrar aquele Senhor Escuro, velho e ardiloso. Imagino o
golpe que iria lhe acertar. Ele se arrependeria de ter espiado por cima de nossas montanhas.
Alguns dos que estavam nas proximidades sorriram, mas Barathor o olhou gravemente.

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- Bem, - ele disse, - vejo que você é maior do que nós havíamos imaginado primeiramente.
O Senhor Escuro terá então mais do que pensar já que não terá você a se enroscar sob suas
pernas. Vá então. Mas economize suas belas palavras. Você precisará de todo o seu fôlego
para mais esta corrida. - E o menino correu porta afora, ardente de orgulho.
Então, Barathor viu Isildur e veio ao seu encontro.
- Bom dia, Majestade. A bandeira de convocação foi içada em todos os postos de vigia ao
longo das costas. Alguns dos navios estão começando a retornar, mas muitos ainda estão rio
abaixo, distantes. O primeiro não estará aqui antes do início da noite.
- Que força você pretende deixar nas Bocas do Anduin?
- Normalmente temos entre dez e vinte navios estacionados na Baía de Belfalas e
patrulhando a costa entre Ringlond e Harondor, e muitos outros piquetes no Rio. Você sabe
que o Ethir Anduin é um labirinto de ilhas e canais traiçoeiros, e nós precisamos de muitos
barcos para patrulhar toda a área. Planejo deixar a metade das embarcações no porto. Ah, aì
vem meu filho. - Disse Barathor desviando o olhar por cima do ombro de Isildur. - Ele
regerá a cidade em minha ausência, você sabe.
Duitirith adentrava o grande salão acompanhado por um jovem cavaleiro. Eles se curvaram
a Barathor e a Isildur.
- Me chamou, meu pai?
- Sim. Você passou o comando da ponte para Foradan?
- Sim. - Disse Duitirith, olhando para a face de seu companheiro.
- Eu montaria com você, senhor. - Disse Foradan imediatamente, encarando Barathor. - Eu
estaria com ao seu lado quando se aproximasse de Osgiliath. Sou um guerreiro.
- Realmente você é. - Disse Barathor, pondo uma mão em seu ombro. - Mas você deveria
sentir-se honrado, e não desprezado frente a sua nova tarefa. É verdade que eu montarei a
Osgiliath. Mas enquanto estivermos enfrentando o inimigo no leste, não devemos temer
inimigos no oeste. Nem os homens devem estar preocupados com a segurança de suas
famílias, em Pelargir. A defesa da ponte foi o dever dos maiores guerreiros desta cidade,
desde que foi fundada. O pai do seu pai teve esta missão por mais de 40 anos. Você a
deixaria desprotegida agora Foradan?
O jovem cavaleiro curvou-se profundamente.
- Nenhum inimigo cruzará a ponte enquanto eu viver, meu senhor. - Disse. - Pode contar
comigo.
- Nós todos dependemos realmente de você, Foradan. - E virou-se para seu filho. - Nós
estamos dependendo de todos os que permanecerão aqui. A segurança da cidade está em
suas mãos. Você escolheu bem seus homens?

77
- Fiz como você sugeriu, meu pai. Mantive apenas os homens mais jovens, mas também um
soldado experiente em cada companhia. Eles conhecem seus deveres, meu senhor. Mas são
muito poucos. Nós não poderemos resistir a um ataque combinado.
- Lembre-se, você estará atrás da parede de proteção da Frota Branca. Com o Rio seguro e
você no comando, Duitirith, eu não me preocuparei.
Naquele momento Barathor espiou um homem idoso, usando uma casaca de capitão de
navio, entrando pelo grande salão e perscrutando a multidão que ainda enchia o local.
Barathor chamou-o, sua voz sobrepujando todo o alvoroço.
- Caladil! Você está aqui afinal. Com licença, Majestade, - disse a Isildur - Um de meus
capitães em Tolfalas acaba de chegar. - E apressou o passo de encontro ao marinheiro,
emitindo ordens antes mesmo de se aproximar dele.
Isildur virou-se para Ohtar.
- Parece que Barathor tem tudo sob controle aqui. Melhor que voltemos ao acampamento e
cuidemos de nossos próprios afazeres. Barathor! - Gritou.
O Senhor de Pelargir ouviu o aviso de Isildur, de que eles estariam no acampamento, e
despediu-se do Rei, voltando a dar ordens a Caladil. Isildur e Ohtar ganharam caminho por
entre a multidão e voltaram ao acampamento, debaixo do portão ocidental.
Lá eles observaram Ingold de Calembel, que acabava de surgir do interior de um barracão
de ferreiro. Com ele estava o gigante que haviam encontrado na estrada de Calembel. Os
dois estavam discutindo com o ferreiro, um sujeito musculoso, dotado de uma espessa
barba negra, que parecia estar tentando explicar algo que eles não compreendiam.
- Eu passei toda a noite consertando pontas de lanças, e ferrando cavalos. - Dizia o ferreiro,
enquanto Isildur e Ohtar se aproximavam. - Então, quando as primeiras luzes da manhã
surgiram, alguns rapazes de Lebennin vieram e levaram emprestada minha carroça. E ainda
não a devolveram. Não sei onde posso adquirir este material. Teria que cruzar toda a cidade
para achar, e não tenho tempo. Mas eu tenho minha forja e todas as minhas ferramentas
aqui mesmo, e se você quer seu eixo consertado, basta trazer sua carroça até aqui.
- Eu não posso trazer o maldito vagão até aqui. - Trovejou Ingold, exasperado, apontando a
longa rampa, no final da qual uma imensa carroça quebrada estava abandonada nas
proximidades de uma das bordas do Sirith. - Precisaria de pelos menos quarenta homens
fortes para movê-la. O eixo esta quebrado em dois, teremos que levar a sua forja até lá
embaixo.
O ferreiro e Ingold estavam, nariz com nariz, berrando em altos brados.
- Eu já lhe falei, - gritou o ferreiro - não tenho como levar e nem quem leve meu material
rampa abaixo. Como você acha que nós levaremos minha forja e todas as minhas
ferramentas para lá? - Disse apontando para uma grande quantidade de ferramentas
espelhadas pelo chão do barracão.
Ingold deu uma olhada nas ferramentas e na forja.

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- Não podemos levar isto nós mesmos? - Perguntou, com mais suavidade.
O ferreiro jogou as mãos para cima.
- Oh, meus companheiros e eu podemos levar as ferramentas, certo, e eu aposto que você e
seus homens podem levar os berros, mas quem vai levar a bigorna? Eu não posso reparar
seu eixo sem uma bigorna, e preciso de quatro homens fortes apenas para descarregá-la de
minha carroça.
Ambos encararam em desânimo a enorme bigorna que descansava na sombra da barraca.
Então, o gigantesco pastor falou pela primeira vez.
- Aquele bigorna ali? - Perguntou em tom conciliador, e ambos os homens fizeram que sim,
observando-o. O pastor foi até a bigorna e, agachando-se, fechou os enormes braços ao
redor de sua base. Emitindo um grunhido baixo e rouco, levantou-se lentamente, girou nos
calcanhares, e começou a descer a rampa, rumo a carroça, a imensa bigorna embalada em
seus braços como se fosse um bebê. Todos pararam, boquiabertos, olhando-o maravilhados.
Então, o ferreiro e seus ajudantes começaram a juntar as ferramentas.
- Eu rezo para que nunca precise entrar em disputas com ele. - Murmurou o ferreiro, por
baixo de sua respiração. Ele ergueu sua caixa de ferramentas e cambaleou na trilha do
pastor. Então Ingold viu o rei.
- Isildur! Saudações, meu Rei. Um bom dia para você, Ohtar.
- Um dia bom, Ingold. - Respondeu Isildur. - Você tem um amigo forte. Ele domina uma
espada tão bem quanto carrega uma bigorna?
- Para falar a verdade, Majestade, ele não gosta de espadas. Ele usa apenas uma grande
lança de madeira.
- De madeira? - Perguntou Ohtar.
Ingold encolheu os ombros.
- Ele disse que o seu povo sempre lutou desta forma. A sua lança é uma herança antiga. É
endurecida no fogo, e muito afiada. Eu o vi certa vez introduzir a lança completamente pelo
corpo de um enorme lobo cinzento, e fixá-lo ao solo. De fato, se não fosse por ele, eu hoje
não estaria aqui.
- Quem é ele? Você o conhece?
- Orth é o seu nome, Majestade. Mas eu não sei onde fica sua casa. Ele vem ao mercado de
Calembel poucas vezes durante o ano, e fala pouco. Eu não creio que alguém o conheça a
fundo. Ele parece perfeitamente adaptado em sua vida solitária, nos altos vales, entre suas
cabras. Mas, se o tambor de alarme de Calembel soar, ele estará lá. Quem dera ter cem
homens como ele em minhas tropas.
Então, Ingold apanhou os berros e seguiu os outros, abaixo, para o vagão onde Orth havia
acabado de depositar a pesada bigorna.

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Isildur, Ohtar, e os outros oficiais passaram o dia acompanhando às preparações, e ajudando
os homens de Pelargir no que podiam. À noite Isildur e Ohtar escalaram um sentinela para
a murada meridional, construída rio abaixo, cuja visão para o mar era excelente. Grupos de
aldeãos vestidos com gibões de couro e capacetes de cobre luminoso apertavam o passo
pela estrada, rio abaixo, rumo ao portão. O pó levantado pela passagem destes grupos subia
ao ar e permanecia imóvel sobre a estrada, como uma névoa. Mas abaixo de onde eles
estavam, podiam ver os homens de Foradan patrulhando a ponte, fiscalizando homens,
cavalos, e materiais que chegavam a cidade. Em todos lugares, nuvens róseas de pó subiam
aos céus, e se misturavam ao clamor de homens, mulheres, e cavalos, ao tinido do martelo
do armeiro e do estrondoso malho dos ferreiros.
Em fim, o sol iniciou sua longa descida por cima das colinas de Belfalas, e as estradas
começaram a se assombrear. As multidões aglutinaram-se ordenadamente, e cada grupo
iniciou a montagem de seu acampamento. Os lampejos de centenas de pequenas fogueiras
surgiram pelos campos, e o entardecer caiu sobre toda a região.
Mas, antes que escurecesse por completo, uma voz sobrepujou as demais. Ohtar olhava
para trás, rio abaixo, e então, apertando os olhos gritou.
- Um navio!
Isildur perscrutou a direção apontada por Ohtar, tentando distinguir algo na penumbra da
tarde. Um navio realmente parecia estar se aproximando, suas longas varreduras subindo e
descendo, e rasgando as águas deixando para trás espumas brancas e compactas.
- Não vejo a cabeça de nenhum cisne. – Comentou Ohtar.
- Nenhum cisne. Ainda assim, podem trazer notícias. – Comentou o Rei enquanto
observavam o navio aproximar-se do cais, onde uma multidão se aglomerava em
expectativa. O navio ancorou, mas nenhum mensageiro surgiu. Então, Isildur e Ohtar
desceram e caminharam rumo a Torre Azul.
Lá, no Grande Salão, foram reunidos muitos dos anciões e capitães de Pelargir. Barathor,
sentado em seu alto trono, conversava com um homem encorpado, cujo longo cabelo
cinzento caia, em uma trança, por suas costas.
- Ah, Isildur. – Disse Barathor, vendo a aproximação do Rei - Eu estava a ponto de mandar
chamá-lo. Este é Luindor, meu Almirante. - O homem se curvou a Isildur, olhando-o
seriamente.
- Acabo de chegar de Ethir. – Ele disse. - Tenho mantido patrulhas constantes o mais longe
que me foi possível fazê-lo. Meus barcos exploradores navegaram por mais de dez milhas
costa afora, e não avistaram nenhuma frota. - Luindor calou, como se um tom de acusação
pairasse no ar.
Ohtar quebrou o silêncio.
- Cirdan deveria ter chegado ao Anduin ontem, ou hoje. Ele pode já estar se aproximando.
Luindor bufou.

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- Ele poderia, mas ele está? Nós nem mesmo sabemos se ele realmente está vindo. – E
dirigiu-se a Barathor. - Meu senhor, eu não gosto da atual disposição da frota. Os piquetes
estão espalhados em grupos pouco numerosos. Não quero desrespeitar o Rei, mas acho que
esta situação é deveras perigosa para a cidade.
As sobrancelhas de Barathor eriçaram-se.
- Luindor, você está indo muito longe! Ninguém questiona sua lealdade ou seu amor por
Pelargir. Mas Pelargir é uma cidade de Gondor, e nossa submissão para com nosso rei deve
ser sempre suprema.
Luindor ruborizou-se, olhando de vislumbre para o Rei. Aprumou-se, e endureceu sua face.
A maioria dos homens teria se amedrontado, mas Luindor tinha sido por muitos anos o
Capitão de Pelargir, e carregava as cicatrizes de muitas batalhas. Estava determinado a
dizer o quê achava.
- Meu senhor, - ele começou, - podes me destituir do comando da frota caso me julgue
desleal, mas eu tenho algo a dizer. Eu sou um marinheiro. Minha face esteve voltada para o
mar por toda a minha vida. Talvez eu possa ter prestado pouca atenção as coisas do reino e
de nossa capital, no leste. Não entanto, sei bem que a sombra cresce a volta de todos nós.
Mas, minha responsabilidade principal é para com a segurança de Pelargir, e hoje não posso
garantir que a frota possa defender a cidade. Agora que a frota está sendo reunida, os postos
de vigia estão desguarnecidos, flancos inteiros estão desprotegidos. Em todos os anos nos
quais Pelargir foi encarregada de proteger Anduin, isso nunca aconteceu. Nós não
deveríamos estar atracados aqui, deveríamos estar em alto mar. -
Barathor fitou-o, a face fachada, tensa. Estava claro que ele mantinha a mesma opinião que
Luindor. Quando Isildur havia falado primeiramente dos Elfos, Barathor sentiu-se aliviado,
mas agora, um grande medo apossava-se dele. Com a hora da partida se aproximando, e
sem notícias de Cirdan e sua frota, ele estava menos seguro de sua decisão.
- Você não será destituído de seu dever, Luindor. - Disse Isildur. – Eu não o considero
desleal. É sua lealdade que o faz questionar minhas ordens. E eu não faço gosto algum em
vê-lo desorganizando suas defesas. Mas a situação em Mordor é séria. Os Senhores da
Aliança esperam tudo de nós, para o golpe decisivo contra Sauron. Esta é a melhor
esperança de proteger Pelargir e todo o Oeste. Se tivermos sucesso, a guerra chegará ao
fim. Se falharmos, Pelargir, como todo o resto será varrida da terra. Você não esta só contra
O Inimigo.”
- Humph! - grunhiu Luindor, sem estar convencido. - Então os Senhores da Aliança lhe
pediram que nos deixassem despojados, nús? Eles ordenaram que nós deixássemos o Portão
do Sul escancarados?
- Não. - Admitiu Isildur. - Os Senhores da Aliança pensaram que eu teria um grande
exército as minhas costas quando alcançasse Pelargir. Afinal, antes de aqui chegar percorri
Calenardhon, Anglond e Anfalas, além das províncias meridionais. A Pelargir caberia
apenas enviar os homens que pudesse poupar. E eles não sabem sobre as recentes ousadias
dos Piratas. O Inimigo contrariou nossos planos de todas as formas.

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- Então talvez os planos precisem ser mudados. Você não pode enviar emissários aos
Senhores em busca de novas instruções?
- Não há tempo para isso agora. O destino de Pelargir, e de todo o reino, é apenas um
pedaço de uma grande máquina que foi posta em movimento. Tudo estará sendo discutido
no Conselho de Osgiliath, daqui a seis dias. Nós devemos estar lá, e em força suficiente
para sermos efetivos, ou toda a esperança estará perdida.
- Mas Senhor... - começou Luindor.
- Luindor! – Cortou Barathor em tom duro. - Nós somos amigos há muito tempo, e
pensamos da mesma forma em relação a segurança de Pelargir. Mas eu também conheço
Isildur, e o seu amor por nossa cidade e por nosso povo. Eu sei que ele não nos exigiria
isso, caso houvesse outra opção. Se ele diz que Cirdan está vindo, então ele virá. E se ele
diz que nós temos que marchar até Osgiliath, então nós marcharemos.
- Eu não duvido disto, meu senhor, mas ainda temo deixar nossas orlas desprotegidas
mesmo que por um breve momento.
- Você fala por todos nós, Capitão. – Disse Isildur. - Mas estes são tempos difíceis, e nossas
escolhas são duras. Não podemos pensar com nossos corações. Eu esperava deixar
Osgiliath no mais tardar hoje à noite, mas agora nós teremos que atrasar a partida ao menos
por outra noite. Temos que partir amanhã cedo, aconteça o quê acontecer. Rezemos para
que Cirdan chegue durante a madrugada.
Não havia nada mais a ser dito, e todos voltaram as suas tarefas. À noite, Isildur e Ohtar
visitaram a torre novamente, e contemplaram de suas alturas as ruas da cidade. Seus olhos
observaram os telhados e chaminés de Pelargir, e além das muradas, o largo Anduin
cintilando fracamente no crepúsculo. Por toda aquela extensão, repleta de atividades
durante o dia, não havia nada que se mexesse agora. A maior parte da frota e todos os
navios mercantes estavam ancorados no cais, ou nas proximidades do Sirith.
A cidade descansava, sossegada. Todas as provisões necessárias para a viagem haviam sido
reunidas, divididas e acondicionadas. Todos os homens estavam armados e organizados em
companhias. Agora estavam fadados a pior tarefa: a espera. Contrastando com o céu, tênues
linhas de fumaça dançavam por sobre a cidade, vindas das centenas de casas e
estabelecimentos. No oeste, o horizonte escarlate e púrpura ia perdendo forma sob a luz das
primeiras estrelas. Olhando para baixo, eles puderam ver outros grupos caminhando pelos
parapeitos, apertando os olhos rumo ao mar, na esperança de ver chegando a frota élfica.
Um por um, foram deixando as muradas, em busca de um pouco de descanso, deixando
apenas os vigias com sua tarefa ingrata.
Isildur parecia determinado a esperar toda a noite. Ohtar acompanhou-o, mas afinal sentou-
se sob uma ameia, embrulhado em seu capote, e dormiu. A última visão que teve foi de
Isildur, que se elevava ao seu lado, alto contra as estrelas, perscrutando o oeste.

82
Parecia ter se passado apenas alguns momentos quando Ohtar despertou com Isildur
sacudindo-o levemente pelo ombro.
- São os elfos. - Disse suavemente. Ohtar levantou-se depressa espantando os sonhos, e
olhou para o oeste. A lua já havia percorrido um bom caminho, e agora fixava-se além do
Rio, que jazia coberto por reflexos de diamantes. Por um momento ele não pode ver nada.
Entretanto, no limite de sua visão, Ohtar demorou a distinguir algo. Até que, ainda como
uma forma vaga, vislumbrou o que poderia ser esboço de um navio, um ponto negro contra
o cintilar prateado que a lua imprimia sobre o mar. Estava vindo pelas bocas do rio, na
direção da cidade, o vento noturno gentilmente inflando suas velas.
- Seus olhos são melhores que os meus, Majestade, - disse Ohtar – é Cirdan, afinal?
- É um navio élfico, estou seguro. Um dente da engrenagem, acredito, um de seus navios
mais rápidos. Talvez tenham velejado mais rapidamente do que o resto da frota.
Naquele momento, um grito ecoou do parapeito logo debaixo deles. Os vigias também
haviam visto o navio. Eles ouviram um debate rápido, então o som de passos apressados,
levando a notícia ao Senhor da cidade. Um sino soou em uma torre distante, enquanto o
navio aproximava-se da orla distante, apontando para a cidade. Eles podiam ouvir gritos
lânguidos agora, abaixo, no cais, e viram lanternas que se moviam revelando pernas que
corriam rumo as docas.
Isildur ainda observava o oeste.
- Onde está o resto? - Murmurou entre dentes. – Onde estão os outros?. – Então, girou em
seus calcanhares e apressou o passo pelos degraus sinuosos. Ohtar tropeçava ofegante atrás
dele.
Depararam-se com Barathor nas proximidades do portão, conduzindo um grupo montado,
equipado com tochas ardentes. Atrás dele, na escuridão, seguia um grupo de cidadãos,
amarrotados e sonolentos, além de um grupo de soldados. O portão rangeu enquanto era
aberto.
- Aí está você, Majestade, - Disse Barathor vendo Isildur. - Trouxe cavalos.
Montando, eles partiram imediatamente estrada abaixo, rumo ao Rio. Enquanto
aproximavam-se do cais, o navio entrava na segurança do porto. Uma multidão já estava
reunida nas docas, mas um temor se estampava em cada face, e eles olhavam, calados, para
uma bandeira branca que flutuava do mastro do navio, que se aproximava lentamente. Era
um navio branco, baixo e longo, mas largo a meia-nau. Em sua proa, uma escultura alta e
curvada terminava na cabeça de um cisne esculpido. Asas brancas abrigavam as figuras que
surgiam pelo convés. Pelo alto mastro subiu rapidamente uma grande lanterna oval, como
uma gaiola de mithril, de onde uma luz branca e fresca inundou por um instante a face da
multidão.
A vela foi retirada rapidamente, e várias figuras começaram a dobrá-la. O navio parecia
uma sombra que deslizava pelas águas calmas do porto, como em um sonho. E realmente,
para a maioria dos que ali estavam, ver o povo belo era como vivenciar as antigas lendas.

83
Eles sabiam da sua existência, nas terras longínquas, mas nunca haviam ouvido falar em
elfos velejando pelo Anduin desde que a cidade foi construída, mais de mil anos atrás.
Podiam ver figuras pálidas trabalhando pelo convés, e movimento de um lado para outro,
mas nenhum som podia ser ouvido, exceto o gentil ruído da quilha cortando a água
delicadamente.
Repentinamente o navio assomou diante deles, e aproximou-se do cais, iluminado pelas
estrelas e pela lanterna que balançava no alto do mastro. Os elfos que estavam mais
próximos olharam para baixo durante alguns segundos, entretanto a voz áspera de um
marinheiro soou abrupta.
- Vocês estão congelados, rapazes? Peguem as amarras rapidamente. Recolham estas
cordas! - E o feitiço partiu-se. As cordas foram recolhidas por mãos ansiosas e todos
ajudaram a puxar o navio para a segurança do cais. Uma prancha foi lançada, e uma figura
alta, envolta em um capote cinzento, desembarcou. Era esguio, e possuía um longo cabelo
dourado, preso por uma tiara de prata que refletia a luz da lua e lançava reflexos aos pés
dos marinheiros mais próximos. Então, Isildur avançou.
- Bem-vindo a Gondor, Gildor Inglorion. Elen síla lúmenn omentilmo. - O elfo abraçou o
rei afetuosamente, sorrindo. Apesar de ser alto, Isildur precisava olhar para cima para
encarar o rosto de Gildor.
- Isildur, amigo dos elfos. – Disse ele. E a sua voz era suave como o suspirar de folhas ao
crepúsculo. – Eu me regozijo em nosso encontro. Longos e perigosos foram nossos
caminhos desde que nos separamos no trovão das Quedas de Rauros.
- Fico também contente em revê-lo, meu amigo. Mas onde está Cirdan e o resto de sua
frota?
Gildor sorriu, acalmando às faces ansiosas que o observavam.
- Não tema, bom povo de Gondor. Enviaram-me na vanguarda para que lhes trouxesse mais
rapidamente as boas novas de nossa chegada. Os Elfos de Lindon estarão em Osgiliath para
o Conselho na hora designada. A Frota de Cirdan está muito próxima.
Estas palavras foram ouvidas por muitas pessoas e um grito de alegria surgiu entre os
Pelargrim.
- Cirdan esta perto! Os elfos estão aqui! Estamos salvos! – E a notícia espalhou-se
rapidamente pelas pessoas que se aproximavam do cais. Os gritos de alegria se espalharam
pelos portões, pelas muradas, e logo a cidade inteira estava acordada enquanto os sinos
repicavam pelas muitas torres. Gildor parecia surpreso com a grande reação de alívio
daquelas pessoas.
- Nós reunimos menos homens do que havíamos esperado, - explicou Isildur - e os Piratas
tem realizado ataques a costa novamente. O Senhor desta cidade empenhou sua ajuda, mas
não deixará o Portão do Sul aberto para os piratas de Umbar. Ele não montará conosco até
que os navios de Cirdan estabeleçam defesas no rio.

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- Nós não vimos nenhum sinal desta frota Pirata, nem pelo mar nem enquanto cruzávamos a
baía. - Disse Gildor - E a Frota Branca deve chegar hoje. - Então os elfos foram anunciados
na cidade em uma parada que cruzou as avenidas. Eles acompanharam Isildur até o
acampamento, onde se sentaram ao redor de uma fogueira, trocando notícias de suas
jornadas. Isildur lhes falou sobre as dificuldades e decepções que havia encontrado em sua
viagem ao redor do Ered Nimrais. E falou amargamente da traição do Eredrim.
- São tempos ruins quando os amigos nos negam ajuda. Eu encontrei o mesmo quando
visitei os Anões em suas grandes habitações em Hadhodrond, as quais eles chamam em sua
própria língua, Khazad-dûm. Eles mantém salões realmente majestosos ali, repletos de
Anões de diversas tribos. Havia pensado que dez mil anos os unisse a nossa causa. Eles
ouviram meus argumentos, reuniram-se em assembléias, mas decidiram por fim que a
guerra contra Sauron não era a guerra deles, e nos recusaram ajuda. De todo o Anões,
apenas um punhado da linhagem de Durin pareceu propenso a unir-se a nós.
- Essa é mais uma grande decepção. – Disse Isildur. - Os Anões são guerreiros ferozes e não
cedem em batalha. Mas não estou surpreso. Eles tem mantido-se indiferentes a guerra. A
antiga linhagem de Durin sempre foi mais amigável aos Elfos e aos Homens. - Disse
Isildur, abafando um bocejo.
- Agora estou cansado. - Disse. - Se me dá licença, Gildor, sinto grande necessidade de
algumas horas de sono. Espero que Cirdan chegue pela manhã, e o dia será cheio. - Os
Elfos o deixaram e então passaram o restante da noite caminhando pelas ruas da cidade,
vendo os edifícios e trabalhos dos Homens.
Mas amanhecer veio e o sol subiu alto e imóvel, iluminando o barco cisne que flutuava
elegantemente no cais. Barathor convocou um conselho no Grande Salão. Todos os chefes
Pelargrim estavam lá, assim como Isildur e Ingold e os líderes de suas muitas divisões.
Então todos os olhos dirigiram-se para a entrada principal, onde Gildor e os elfos do mar
acabavam de entrar. Eles se aproximaram e curvaram-se perante Barathor e o rei. Depois
sentaram-se e observaram os homens presentes com grande interesse. Barathor abriu o
conselho e deu a Gildor a palavra.
- Gildor Inglorion de Lindon, em nome do povo de Pelargir lhes dou as boas vindas. Desejo
há muito esta visita.
- Obrigado, Senhor Barathor. De minha parte, trata-se de um retorno a uma terra que
visitava freqüentemente no passado. De fato, eu visitei esta mesma colina certa vez, antes
de sua cidade ser construída. Já devem ter se passado mais de doze yéns agora, pois isso foi
antes da primeira guerra com Sauron.
Os homens olharam Gildor com surpresa, pois sabiam que um yén significava cento e
quarenta e quatro anos. E isso significava que Gildor havia estado ali muitos séculos antes
da cidade ter sido fundada, há cerca de mil anos atrás. Eles mal podiam acreditar que Isildur
possuía mais de cem anos de idade, mas o comentário casual daquele Elfo sorridente
desnorteou-os.
Gildor pareceu não notar o silêncio súbito que caiu entre os ouvintes.

85
- Esperemos que possamos trocar visitas mais freqüentes no futuro.
- Nos daria grande prazer ter pessoas justas como vocês como nossos convidados. - Disse
Barathor. - Mas você é especialmente bem vindo agora. Estávamos muito ansiosos, devido
aos Piratas de Umbar, especialmente por termos retirado nossa frota da Baía de Belfalas.
Nós não estamos acostumados a ficar tão expostos a um ataque. Temos que lhe pedir uma
estimativa mais concreta sobre a chegada de Cirdan a Pelargir. -
Gildor se curvou ao Senhor, respondendo.
- A frota estava terminando os últimos preparativos quando velejei de Mithlond no décimo
primeiro dia deste mês. - Ele disse. - Os últimos navios ainda estavam sendo carregados.
Eles seguramente teriam velejado no máximo em um dia ou dois. Meu navio viaja um
pouco mais rápido que a frota, é claro. Eu considero que eles devam estar chegando ainda
hoje, ou no mais tardar amanhã.
Todos relaxaram visivelmente, e Barathor abriu um sorriso largo, o primeiro visto em sua
face nos últimos dias.
- Suas notícias são muito bem-vindas, Gildor. - Disse Barathor. - Nestes tempos, boas
notícias tem sido muito raras, e minha mente não ficou sossegada por ter que deixar o Rio
desprotegido. Agora, afinal, nós teremos aliados fortes em nossa retaguarda, de forma que
podemos avançar sem receio. Estamos praticamente prontos. Montaremos com Isildur a
Osgiliath assim que Cirdan surja no horizonte.
Então Isildur falou.
- Meu senhor, o tempo é muito precioso. A cada dia que permanecemos aqui, o inimigo
ganha tempo para inteirar-se de nossos planos e conspirar contra nós. Só por um golpe
rápido e unido poderemos derrotar as forças que se reúnem contra nós. Muitos povos e
exércitos estão se movendo pela Terra Média enquanto nós estamos sentados aqui, e eles
estarão reunindo-se em Osgiliath daqui a apenas quatro dias. Nós temos que partir amanhã
pela manhã se quisermos alcançar Osgiliath a tempo.
- Então esperemos, - disse Barathor - que quando o sol escalar os topos das montanhas
amanhã de manhã, possamos ver uma centena de cisnes no horizonte. - E Muitos entre os
Pelargrim murmuraram em acordo.
Naquela noite Isildur não foi para a Torre Azul, deixando a vigilância para outros. As
muradas e parapeitos estavam forrados de olhos ansiosos, cada um desejando ser o primeiro
a avistar a esquadra élfica. Isildur deixou ordens para ser despertado assim que a primeira
vela fosse vista, mas nenhum chamada veio, e a noite passou lentamente. A manhã chegou
revelando o Rio vazio, e as pessoas com uma grande preocupação em seus rostos. - Eles
nunca virão? - Era a pergunta em todos os lábios. Após terem desfrutado de um desjejum
frugal, Isildur e Ohtar foram para o Grande Tribunal em busca de Barathor. Eles o acharam
nas câmaras internas, onde confabulava com Duitirith e Luindor.
- Barathor. - Disse isildur em voz baixa. - Senhor, o tempo urge. Tenho que montar esta
manhã para Osgiliath. Você montará comigo?

86
Barathor olhou de soslaio para Luindor, e disse.
- Meu Rei, alguns entre meus capitães aconselham-me que espere até que as forças de
Cirdan cheguem.
Isildur dirigiu-se para Luindor.
- Eu entendo seus medos, Capitão. - Ele disse. - Mas não podemos esperar nem mais um
segundo. Grandes acontecimentos estão prestes a eclodir. Gildor assegura que Cirdan está
próximo, talvez esteja entrando agora mesmo com seus piquetes no Ethir. O tempo da
precaução é passado. Você permitiria que hordas de orcs se derramem sobre suas terras,
queimem suas lavouras e matem sua gente antes que possam atacá-los?
- Não, Majestade. Respondeu Luindor, contrariado. - Mas nossos homens são necessários
aqui em Pelargir. Nós temos uma boa ponte, muradas altas, e uma frota forte.
Completamente tripulada, podemos proteger as terras do sul contra as hordas de Mordor.
Mas nós temos que ter os homens. Muralhas vazias não deterão os orcs por muito tempo.
Você nos despojaria de nossas defesas e descobriria nossos peitos para as setas dos Orcs?
- Seu sarcasmo não vai ser uma arma contra o mal que nos afronta. Pelargir e todas as terras
do sul podem ser rasgadas ao meio pelas garras de Sauron. Eu lhe digo que o tempo de
golpear é agora. Posso lhe assegurar que neste momento olhos escusos observam nossos
movimentos. Talvez eles já saibam que eu estou aqui. Mensageiros podem estar
apressando-se rumo a Mordor com estas notícias. Logo Sauron estará ponderando sobre o
significado destas notícias, e talvez adivinhando onde nosso golpe se abaterá, para então
fortalecer estas posições. Nós não devemos demorar mais. Grandes forças estão se juntando
em Osgiliath, e nós devemos estar lá.
- Mas, Majestade, - replicou Duitirith - seguramente não poderá haver nenhum conselho até
o próprio Cirdan chegue. Nós não podemos esperar e montar com ele rumo a Osgiliath?
Os olhos de Isildur flamejaram.
- Novamente eu lhes falo que não. Não podemos esperar por ninguém, nem mesmo por
Cirdan e seus elfos marinheiros. Nós vamos marchar agora rumo a capital para nos
encontrarmos com outros senhores, cujos poderes são até mesmo maiores que os de Cirdan,
e toda a sua magia élfica. Não pode haver nenhuma demora adicional. Os eventos que estão
em andamento mudarão para sempre o mundo, para bem ou para mal. O tempo das
conversas se esgotou. Capitão, a quem você serve?
Luindor gaguejou, surpreendido pela pergunta. Mas se recompôs.
- Eu sirvo ao Senhor de Pelargir. - Disse firmemente.
Isildur dirigiu-se então a Barathor.
- E você, Senhor? A quem serve?
Barathor prostrou-se imediatamente de joelhos.

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- A você, meu Rei. Pelargir tem sido sempre leal ao Rei de Gondor. Eu farei agora como
deseja o coração de meu rei e comandante. Montaremos hoje mesmo rumo a Osgiliath!
Isildur repousou sua mão sobre o ombro de Barathor.
- Bem dito, velho amigo. Eu sabia que você não me deixaria agora. Montemos então!
Barathor levantou-se e imediatamente começou a distribuir ordens aos seus mensageiros.
Isildur enviou Ohtar para o acampamento, com ordens de levantar acampamento. A cidade
explodiu em agitação com homens apressados em toda direção. Barathor dirigiu-se a seus
capitães.
- Vocês não devem deixar que os nossos inimigos percebam a falta de homens. Duitirith,
você tem que tentar manter o número habitual de guardas em nossas muradas. São a
primeira coisa que chamará a atenção. Qualquer alteração no número de guardas será
notada imediatamente. Use todos os homens disponíveis, e se for necessário, vista mulheres
e velhos com armaduras e lanças. Veja que haja sempre mudanças nas ameias. Faça com
que lhes levem tochas à noite. Dê a impressão de que nossas defesas estão atentas e bem
preparadas. Depois do anoitecer, faça com que grupos deixem as muradas e ascendam
fogueiras sob as ameias. Um bom grupo de meninos poderia manter cem fogueiras
queimando por toda a noite, o quê pode fazer crer a um observador distante que mantemos
mais de mil homens acampados perante nossas muralhas.
- Luindor, reúna os marinheiros que nos restarem e tire, sempre que possível, um navio do
cais. Veleje algumas milhas rio abaixo, e então, na volta ice uma vela de coloração
diferente. Podemos duplicar a frota aos olhos do inimigo desta forma. Eles não devem
perceber o Rio esta desprotegido. Faça o que você puder. Antes que os orcs e os piratas
percebam que nós partimos, os Elfos estarão aqui. Vá agora, e instrua seus homens. - Eles
curvaram-se e partiram, cruzando nos corredores com os escudeiros de Barathor, que
chegavam com suas vestes de combate sobre os braços.
Logo, tudo estava preparado. As barracas haviam sido desmontadas e alojadas nos vagões,
e o exército marchava lentamente em direção a Estrada do Rio, ao longo do banco oriental
do Sirith, escondido dos olhos dos inimigos, que estavam fixos no banco ocidental do
Anduin. Isildur montou com Ohtar e Gildor para encontrar-se com Barathor nos portões de
cidade. Eles esperaram alguns momentos em silêncio. Então, ouviram um trovão de
cavalgada surgindo da sombra do portão, e Barathor surgiu à frente de uma longa coluna de
cavaleiros de Pelargir. Eram uma força vistosa, suas armaduras negras, delineadas em
detalhes dourados, cintilavam ao sol. Do elmo de Barathor destacava-se uma longa
plumagem, e ao seu lado, os arautos empunhavam sua bandeira, emblemada pela afamada
matiz da Torre Azul de Pelargir.
Lado a lado, grupos de quatro cavaleiros, avançaram pelos portões, suas lanças apontadas
para o céu, e o som dos cascos dos cavalos soando em oposição as ondas que quebravam
sobre as pedras de Anfalas. Isildur esporeou Fleetfoot, galopando para a vanguarda de sua
coluna. Ohtar soou o grande chifre dos Eredrim, e os homens formaram em marcha junto
aos Pelargrim. As forças fundiram-se afinal em um só exército, com Isildur e Barathor
montando na linha de frente, para o norte.

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No alto da Torre Azul, Duitirith e Luindor assistiram o grande exército sumir lentamente de
sua visão. Muitas horas se passaram até que as últimos carroças desaparecessem nas nuvens
de pó. Finalmente, a estrada ficou vazia.
- Eles se foram. - Disse Duitirith. – Que a boa fortuna esteja com todos eles.
- Aye. - Concordou Luindor. – Que nós agüentemos esta situação. - Eles olharam para
baixo, para a cidade, e viram as praças vazias, as lojas e mercados fechados. Aqui e ali,
solitárias figuras se apressavam ao longo de ruas silenciosas. Na direção do cais, os navios
balançavam serenamente na corrente. As águas marrons do Anduin, normalmente
congestionadas com o incessante tráfego marítimo, estavam vazias. Eles perceberam pela
primeira vez o quanto a cidade estava quieta, sem os seus sons habituais. As vozes e gritos,
o estrondo de rodas, a batida dos martelos - tudo havia quedado em silêncio. Após o
alvoroço da partida do exército, a cidade parecia ter caído em um estado de letargia. Eles
contemplaram Pelargir por alguns momentos, e então voltaram as suas muitas tarefas.
Alguns homens tripularam um navio de guerra, equipando o convés com lanças que
simulavam estar sendo empunhadas por soldados. Então, navegaram rio abaixo. Algumas
horas depois, navegando de forma irregular, o navio cruzou o Sirith novamente, rumo a
uma doca diferente. Parecia, a primeira vista, um vaso de guerra, mas Luindor viu da torre
que o ardil seria descoberto a média distância. A maioria das lanças havia sido derrubada
pelo vento e pelo balanço do navio. Da mesma forma, do lado de fora das muradas, as
fogueiras não estavam cercadas por multidões de guerreiros, mas por punhados de homens
velhos em armaduras mofadas, arrastadas dos sótãos. Luindor rangeu os dentes ao ver a
situação patética em que se encontrava o orgulhoso exército de Pelargir.
- Os Elfos nunca virão? - Ele murmurou, ao mesmo tempo em que as sentinelas nas
muralhas, e as pessoas em suas casas. Mas o dia chegou ao fim, e o sol afundou sob o mar
sem que nenhuma vela surgisse no horizonte. Pouco antes do escurecer, os marinheiros de
Luindor uniram-se aos três marinheiros élficos que permaneceram na cidade, para outra
viagem de patrulha rio abaixo. Eles viajaram velozmente, esperando avistar as velas de
Cirdan, mas acabaram retornando sem novidades.
Após a escuridão ter se abatido sobre a região, vários grupos de meninos deslizaram para
fora da cidade, iluminando as fogueiras do falso acampamento. Mas, para Duitirith, que
assistia a tudo da Torre Azul, também este ardil parecia apenas uma pálida lembrança de
um acampamento militar.
- Se o orcs têm um cérebro em suas horrendas cabeças, eles saberão que nós estamos
fingindo. - Ele pensou. – Nós apenas podemos esperar que esta estratégia tenha eficácia a
distancia. – A lua já havia percorrido um grande caminho no céu antes que o herdeiro de
Pelargir procurasse por descanso, e mais ainda antes que ele dormisse
Pouco depois ele foi despertado por um som seco de batidas contra a sua porta. Ele se
sentou, confuso, pois ainda era escuro.

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- Capitão Duitirith, acorde, acorde! – Gritava seu escudeiro. - Os Elfos se aproximam
afinal!
Completamente desperto ele saltou da cama, vestindo-se o mais rápido que pode.
- Você está certo disto, homem? - Gritou por detrás da porta fechada. - Não quero enganos a
respeito deste assunto.
- Aye, meu senhor. As sentinelas os avistaram há poucos minutos. Eles os localizaram
claramente contra a lua. Muitos navios estão se aproximando.
Duitirith surgiu pela porta.
- Venha então. - ele chamou. - Desperte os arautos e mensageiros, desperte os cozinheiros,
acenda os fogos. Comida deve ser preparada. Os Elfos vem de longe, terão fome.
Chamberlain onde está Luindor? Ele já foi chamado? Desperte meu escudeiro. Traga minha
armadura. Mande que aprontem meu cavalo. Nós iremos recebê-los no cais.
O palácio estava em alvoroço, com pessoas que se apressavam em várias tarefas, algumas
carregando tochas, outros vestindo suas roupas enquanto corriam. Cavalos estavam sendo
reunidos no pátio. Os grandes candelabros haviam sido abaixados no salão principal, e
mulheres ocupavam-se ascendendo todas as velas. Duitirith chegou ao Grande Salão
enquanto seu escudeiro empurrava um pequeno carrinho de madeira, carregado com suas
armas e armadura.
- Ah, Arador, aí está você, - disse ele – vista-me com o que tenho de melhor para que possa
encontrar os Elfos a altura deles. Traga as bandeiras de Gondor e Pelargir e os estandartes
de minha casa também. Temos que saudá-los com todas as honras.
Armado e pronto, afinal, Duitirith e os seus oficiais cruzaram o portão da torre, apressados
rumo ao cais. Agora, pela primeira vez, eles podiam ver a frota se aproximando. Na
confluência do Sirith com o Anduin, uma longa linha de luzes vermelhas subia e descia ao
sabor das ondas, marcando o avanço de muitos navios. Eles estavam agora perto da orla,
não longe das filas de navios de guerra vazios, estacionados no cais. Os marinheiros de
Luindor estavam movendo um navio afim de abrir espaço para a aproximação do primeiro
dos navios élficos. Outros cidadãos da cidade estavam caminhando rapidamente pela
estrada, rumo ao Rio, gritando com alegria. Os homens de Luindor os saudaram com
exclamações de triunfo. Duitirith e os seus homens alcançaram os deques sobre a orla e
começaram sua descida quando os primeiros navios começaram a se aproximar do cais.
Mas, dos vasos que calidamente se aproximavam, não veio nenhuma corda para atraque,
mas sim uma chuva de setas que cruzaram o céu, assoviando em mil silvos. Os homens
gritaram e tombaram na água, com setas negras cravadas em seus peitos. Então, o som
característico das catapultas fizeram-se ouvir enquanto bolas de peles, inflamadas de óleo,
formavam arcos flamejantes pela noite, até explodirem em fortes rugidos, entre as pessoas
no cais, ou sobre os navios atracados. Imediatamente, meia dúzia de navios arderam em
chamas.

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Na estrada sobre o porto, Duitirith e o seu séqüito pararam horrorizados. Eles observaram,
sem acreditar, como os navios de Pelargir simplesmente eram tomados pelas chamas. Em
meio aquela cena horrível, o céu sobre o cais iluminou-se como se fosse dia. De baixo
vieram os gritos roucos dos feridos. Nas docas, homens trepavam por sobre os mortos e
moribundos, tentando escapar da chuva mortal que ainda vertia do céu, impiedosamente.
Os primeiros navios chegaram à orla e grandes ganchos metálicos voaram, mordendo a
terra de Pelargir. Mais catapultas sacudiram, e o céu foi novamente listrado por caminhos
de fogo. Com um rugido estarrecedor, mais navios estouraram em chamas. Os vasos de
Pelargir estavam atracados lado a lado, e as chamas saltavam de um navio a outro, de modo
que em pouco tempo, a outrora poderosa frota de Gondor estava brilhando sob as labaredas.
As velas e os cordames queimavam rapidamente, e através da iluminação causada pelo
incêndio, os agressores puderam ser vistos afinal. Seus navios eram estreitos e compridos, e
suas velas, da cor da noite. Então cada sobrevivente no cais soltou um grito lamuriento,
pois reconheceram imediatamente os seus inimigos.
- Os piratas! – Gritaram. - Os Piratas de Umbar estão sobre nós! Estamos perdidos! – Os
que estavam nas proximidades do cais entraram em pânico e começaram a retroceder,
colidindo uns contra os outros. Mas então, uma voz clara soou por sobre o tumulto.
- Povo de Pelargir! - Gritou Duitirith. – Para trás, para trás, rumo a cidade. Nós já não
podemos salvar os navios, mas temos ainda uma forte muralha. Faremos com que paguem
claramente sua deslealdade. Soem as trompas! Todos para dentro das muradas!
Então, os que ainda podiam, fugiram em terror por sobre a estrada que haviam percorrido
tão alegremente minutos antes. Duitirith fez com que seu cavalo retrocedesse e chamou seu
escudeiro.
- Arador! Espere um momento!
Arador colocou-se ao lado de seu Senhor e eles olharam para baixo, vendo a ruína da frota.
Cerca de uma dúzia de navios negros haviam se aproximado da praia, e os piratas saltavam
ao solo, subjugando as últimas resistências da fraca defesa que os Pelargrim mantinham nas
docas e na orla. Alguns piratas começavam a desembarcar suas enormes máquinas de
guerra, dotadas de grandes rodas de madeira. Pelo Rio, mais navios surgiam, ávidos por
merecerem a sua parte na pilhagem.
- Este não é nenhum grupo de saqueadores. – Disse Duitirith – Mas a frota de Umbar, em
todo o seu poderio. Nós não poderemos conter um ataque tão forte.
- Mas os Elfos. – Clamou Arador. - Onde estão os Elfos?
- Eles devem ter encontrado os Piratas nas proximidades da boca do Rio. - Respondeu
Duitirith. - A frota élfica deve ter sido destruída.
- Então estamos condenados.
Duitirith apertou o braço de Arador.

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- Cavalgue, Arador! - Ele clamou. – Corra como o vento, e tente alcançar Barathor. Se ele e
Isildur puderem ser alcançados a tempo, ainda haverá uma faísca de esperança. Eu só rezo
que eles viajem lentamente. Vá agora, e não falhe, pois em verdade o destino de Pelargir
depende somente de você esta noite.
Duitirith esporeou seu cavalo portão a fora. Arador olhou novamente para os Piratas que
enxameavam os caminhos colina acima. Então, acionou suas esporas, e mergulhou em
galope pela Estrada de Rio. Mas o trovejar dos cascos de seu cavalo perderam-se em meio
ao crescente rugido das hordas que avançavam.

CAPÍTULO 6
O ENCONTRO DOS EXÉRCITOS

No trigésimo dia do mês de Lothron, e no centésimo vigésimo primeiro ano do seu reinado,
Isildur Elendilson retornou a Osgiliath depois de uma ausência de muitos anos. Então,
Meneldil, o Regente, fez com que soassem as trombetas, e que o Rei fosse saudado pelos
arautos.
- Vejam, Isildur, filho de Elendil, Senhor de Ithilien e Rei de Gondor, se aproxima.
E o Portão Ocidental da cidade foi aberto para que o Rei adentrasse suas muradas, a frente
de uma longa coluna de homens armados. Suas bandeiras ondularam ao sol, anunciando a
presença dos orgulhosos homens de Calenardhon e Angrenost, dos altos guerreiros das
costas de Anglond, Ringlond e Linhir, e dos corajosos homens de Pelargir, o Poderoso
Portão do Sul. Eles penetraram na cidade, chamando a atenção da população, que saiu as
ruas para olhá-los, maravilhados, pois muito tempo havia se passado desde a última vez em
que um exército tão grande havia estado em Osgiliath. As pessoas nas ruas entretiam-se
com aqueles rostos de povos tão diferentes, e com suas bandeiras e estandartes, sabendo
que todos eles estavam ali por uma causa comum.
No entanto, entre os mais informados, soube-se claramente que aquela companhia era ainda
menor do que se esperava. E quando a bandeira de Ethir Lefnui surgiu, com sua torre preta
sobre ondas azuis, eles viram marchar sob ela apenas algumas dezenas de homens, cuja
aparência mostrava claramente os sinais do sofrimento e da dor, e se calaram. Quando o
último soldado cruzou o portão, os homens nas ameias disseram uns aos outros.
- É este o exército? Onde estão os Eredrim? Porquê a águia de ouro dos Eredrim não flutua
entre as bandeiras do Rei?
As legiões desviaram-se então, e começaram a montar acampamentos nos largos campos
verdes, no interior das muralhas de cidade, ao longo do banco ocidental do rio, mas o Rei e
seus capitães continuaram até o Salão da Cúpula das Estrelas. Lá, em seu pátio, homens da
Guarda correram rumo as rédeas dos cavalos, para que os recém-chegados desmontassem e
subissem os largos degraus que levavam ao Salão. De suas portas, Meneldil, o sobrinho do

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Rei, surgiu e ajoelhou-se diante de Isildur, oferecendo-lhe o cetro branco, símbolo do
governo.
- Meu Rei, - Disse ele. – O Regente de Gondor lhe implora que aceite o cetro. - E lhe
estendeu o artefato. Mas o Rei tocou-lhe o ombro e disse.
- Você ainda é o Regente, Meneldil. Mantenha o cetro e governe a cidade em meu lugar,
como tem sido nestes últimos anos, desde que seu pai, Anárion, e eu, montamos rumo a
Mordor. Porque eu não venho para ficar, mas apenas para voltar a guerra novamente. -
Então o Regente levantou-se e conduziu o Rei e sua comitiva para dentro.
O Salão era longo e alto, com um teto ovalado, apoiado por poderosas colunas de
mármore ouro-venoso. No centro do Salão, o teto se elevava ainda mais, formando uma
cúpula redonda, de pedra profundamente azulada. Toda a superfície da abóbada era
adornada com pedras preciosas e semi-preciosas que refletiam a luz do sol, que entrava por
orifícios cuidadosamente ajustados, de modo que durante o dia, o interior do salão parecia
iluminado por milhares de estrelas. E, em maravilha, os membros da comitiva do Rei, que
nunca haviam estado em Osgiliath, foram informados pelo Regente que as pedras mais
brilhantes haviam sido ajustadas de modo a representar o céu, como visto do ápice do
Monte Meneltarma, na antiga Númenor. Esta era a Cúpula das Estrelas, renomada por toda
a Terra Média.
Em baixo da Cúpula das Estrelas, estava localizado, sobre um patamar, os dois
tronos de Gondor. A Oeste estava o assento de Anárion, Senhor de Anórien, e era adornado
por um sol dourado. Mas o assento estava coberto por um pano branco, e a face do sol
também havia sido amortalhada em linho. O trono oriental, coroado por uma lua crescente
prateada, era de Isildur, Senhor de Ithilien. Então, saindo das sombras do trono, um homem
jovem e alto, vestido com uma armadura prateada, aproximou-se de Isildur.
- Olá...
Isildur olhou-o maravilhado, por um momento.
- Elendur! – Clamou enquanto dirigia-se para o jovem. Então o Rei abraçou em alegria o
seu filho primogênito, suas armaduras colidindo uma na outra e ressoando metalicamente
pelo grande Salão.
- Mas como pode você estar aqui? - Perguntou Isildur. - Pensei que você estivesse com seu
avô, em Gorgoroth.
- Ele me enviou, para que pudesse estar com você. Eu vim com um pequeno corpo de
cavalaria, por Cair Andros, há uma semana atrás.
- Mas isso é maravilhoso. E os seus irmãos? Você teve notícias deles? Eles também estão
vindo para o conselho?
- Não, eles permanecem em seus postos, mas estão bem.
- Mas por que motivo você foi enviado? Sua presença não é necessária a frente dos
lanceiros de Ithilien?

93
- Eu passei o comando para meu lugar-tenente. Para ser sincero meu pai, implorei para o
Grande Rei para que me deixasse vir a você.
Isildur olhou seu filho e, embora ainda pensasse nele como um menino, viu diante de seus
olhos um homem confiante, forte, de apenas trinta e oito anos, mas endurecido por doze
anos de guerra, oito destes comandando mais de mil homens. Elendur retribuiu o olhar de
seu pai.
- Você quer Minas Ithil não é? Você quer estar lá. – Perguntou o Rei.
- Mais que qualquer coisa, pai. Eu era apenas uma criança quando tivemos que fugir de
nossa casa, mas ainda me lembro dos gritos de terror, dos corpos espalhados pelas ruas,
enquanto fugíamos para salvar nossas vidas. Sempre em meus sonhos vejo a cidade
novamente. Não posso suportar a idéia de orcs conspurcando nossa casa. Quero viver lá
novamente, ajudar a limpá-la do fedor deles. Quero mostrar para meus irmãos seus altos
prédios e salões. Ciryon tinha apenas quatro anos; ele se lembra apenas de resquícios
daquela noite de terror. E Valandil nem mesmo conheceu a sua pátria. E penso ainda que
minha pobre mãe jamais voltará a sorrir, ao menos que veja sua casa, livre novamente.
- Aye. - Concordou Isildur. - Nós concordamos a respeito disto. Talvez tenhamos nossa
chance agora, afinal.
Isildur ajoelhou-se brevemente ante ao assento amortalhado de seu irmão, e então dirigiu-se
ao Trono da Lua, onde tomou lugar. Elendur estava ao seu lado. Meneldil, o Regente,
sentou-se em um banco de pedra, aos pés do Rei.
Isildur olhou para os capitães e líderes de Gondor, reunidos ao seu redor. Eles o olhavam
esperançosamente, aguardando ordens.
- Muitos males se abateram sobre a nossa terra, - ele começou, - e muitos de nossos
companheiros foram abatidos. Mas a guerra não terminou. Muitas ações ainda serão
levadas adiante, e muitos outros de nossos compatriotas cairão antes do fim. No entanto,
podemos ter esperanças de que o fim esteja próxima agora. - Ele olhou para cada um de
seus capitães, cada face marcada pela guerra e por uma determinação notável.
- Aye, - continuou Isildur - para o bem ou para o mal, o fim está próximo. Então, as velhas
dívidas serão saldadas. – Disse, olhando para o trono vazio de seu irmão. - Os exércitos do
Oeste estão se reunindo agora, em Osgiliath. Eu trouxe muitos aliados, mas muitos outros
estarão chegando em breve. Alguma notícia sobre os Galadrim?
- Aye, Majestade. - Disse Meneldil. – Batedores nos informaram que eles cruzaram o
Mering Stream na noite passada. Devem estar aqui a qualquer hora.
A face do Rei clareou.
- Ah, boas notícias afinal. Alguns pontos de nosso plano parecem estar funcionando. Então
poderemos iniciar o Conselho assim que os outros cheguem.
- Os outros, Majestade? - Perguntou Meneldil. – Isto significa que os Eredrim estarão
chegando em breve?

94
Os olhos de Isildur flamejaram.
- Nenhum deles! - Disse severamente. - Os Eredrim nunca virão a Osgiliath. Eles já não
podem ser contados entre os homens honrados. Eu os convoquei, e eles recusaram-se diante
de mim. Estão amaldiçoados!
Os homens de Osgiliath ficaram surpresos e preocupados.
- Oh! - Lamentou Meneldil. – Estas são, realmente, más notícias. Nós contávamos que os
senhores dos Eredrim trouxessem muitos milhares de seus valentes guerreiros, para nos
auxiliar em nossas necessidade. Não posso acreditar que eles quebraram o Juramento de
Karmach.
- Seu líder, Romach, foi influenciado por servos de Sauron, que abertamente ameaçaram os
Eredrim. Romach não teve a força nem a firmeza necessária. Mas você ouvirá tudo quanto
ocorreu quando todos os aliados estiverem reunidos e o Conselho se iniciar. Por agora, veja
para que todos os homens sejam alimentados. Alguns marcharam centenas de milhas, e
estão realmente cansados. Hospede os senhores e capitães aqui na Torre, e não poupe nada,
pois são homens valorosos, e vieram lutar ao nosso lado.
O amanhecer estava próximo, mas a luz havia apenas começado a rastejar pelo céu, sobre o
Ephel Dúath, quando os vigias das muralhas perceberam os ecos distantes de canções vinda
do escuro norte. Podia-se perceber o som de muitas vozes em conjunto. As vezes, uma voz
clara se elevava das demais, perfurando a noite como a primeira canção de de um pássaro
ao amanhecer. Os homens apertaram seus olhos e observaram o norte, ainda envolto na
escuridão. Então, vislumbraram um cintilar longínquo, entretanto não puderam dizer se era
a luz das estrelas refletida na estrada, ou algum outro fenômeno que não podiam identificar.
A música e a luz foram se aproximando lentamente, e então puderam ouvir o som de
marcha, e couraças cintilando. A própria estrada parecia arder; entretanto nenhuma lanterna
podia ser vista. A luz estranha aproximou-se do portão. Então, abruptamente, a canção
cessou e todos ficaram calados. No mesmo momento o sol escalou as encostas da Ephel
Dúath, revelando diante dos portões de Osgiliath um grande exército élfico.
Altos e terríveis eles eram, com longos cabelos negros. Entretanto, aqui e lá, alguns cabelos
dourados fluíam por debaixo dos elmos, revelando a nobre e antiga linhagem de Finrod.
Eles usavam capotes cinzentos ou verdes pálidos, entretanto suas armaduras sobressaiam-se
por baixo da vestimenta. Em suas mãos havia lanças afiadas, cujas pontas tinham a forma
de folhas douradas, e levaram arcos esbeltos, presos as suas costas. A hoste era conduzida
por três cavaleiros altos, de porte real.
Em um grande corcel negro estava Celeborn, Senhor de Lothlórien. Seu capuz foi lançado
para trás, revelando uma coroa dourada. Ao seu lado, em um garanhão branco, vinha
Galadriel, Rainha dos Galadrim, e a mais justa das mulheres. Usava um longo capote verde,
tão longo que quase se arrastava no solo. Seu cabelo dourado estava preso por uma tiara
adornada por pedras verdes. Com eles montava Elrond Peredhil, senhor das tradições, e
portador do panteão de ouro de seu soberano, Gil-galad, Rei de Lindon.
Então Elrond dirigiu-se aos portões e convocou em voz alta.

95
- Veja, os Galadrim estão em Osgiliath. Queremos encontrarmo-nos com seu Rei.
Os portões foram abertos, e as trombetas soaram novamente. Meneldil saudou-os, dando-
lhes as boas-vindas em nome do Rei. Então, conduziu-os pelas ruas, rumo a Torre, onde
Isildur, Elendur, e Gildor já desciam os degraus largos para os saudar.
- Meu Senhor e Senhora, - disse Isildur em voz grave, - sejam muito bem vindos a nossa
cidade. Meu povo lhe agradece a oferta de ajuda nestes tempos maus. Creio que conhecem
meu filho primogênito, Elendur, e aqui está Gildor, de Lindon. Elrond, meu amigo e
parente, meu coração se alegra em vê-lo em Osgiliath.
E Celeborn respondeu.
- Bom encontrarmo-nos novamente, Rei Isildur. Saudações, Elendur. E saudações para você
também, amigo Gildor Inglorion. Assim os dois viajantes estão novamente unidos. Que os
seus esforços possam gerar frutos, afinal.
Alguns dos guardas de Meneldil conduziram os Galadrim aos campos cercados no banco
ocidental do rio, onde acamparam próximos aos homens o sul. Mas Isildur conduziu os
Senhores élficos ao Grande Salão, oferecendo-lhes assentos de honra sob a Cúpula das
Estrelas. Após alimentarem-se e compartilharem notícias, os Elfos expressaram grande
interesse pela cidade, que muitos entre eles jamais haviam visitado antes. Isildur os
conduziu para os andares superiores aa Torre de Pedra, onde através de uma sacada alta,
puderam ter uma bela vista da cidade, que se espalhava, grandiosa, por ambas as margens
do grande Rio Anduin.
Por todos os lados, o sol cintilava nos edifícios brancos e nos telhados de azulejos
vermelhos. Muitos edifícios e torres altas elevavam-se rumo ao céu, revelando o centro
comercial da cidade. Para o sul, entre a última rua residencial e as altas muralhas da cidade,
estendiam-se os campos verdejantes, agora cobertos por filas de barracas coloridas e
bandeiras que traziam os símbolos de muitas terras. Mas, a leste do Rio, o cenário não era
tão belo. Lá, via-se muitas paredes abrasadas, enegrecidas, e algumas das torres ostentavam
setores em ruínas. Janelas ocas e casas queimadas revelavam os efeitos da guerra, que
cobrou seus frutos naquela parte da cidade durante a primeira investida dos orcs. Pelo meio
da cidade fluía o Anduin, com suas plácidas águas marrons, cortadas pela Ponte Dourada,
que se curvava sobre o espelho d´água. Em dias melhores, a ponte fervilhava com pessoas e
carroças, uma artéria imprescindível para a vida da cidade. Agora estava vazia, com
barricadas guardadas por grupos de fortes soldados. Nas proximidades do Rio, as casas e
lojas estavam abandonadas, e um passadiço áspero havia sido construído através dos
telhados, formando um parapeito, e uma espécie de murada secundária caso o inimigo
tentasse irromper pela ponte novamente.
Das ruas abaixo da Torre, ouvia-se os gritos dos vendedores, e o estrondo das carroças. O
mercado, na praça central, estava tomado pela população, como em um dia normal. Ouvia-
se ainda, vez em quando, o som de um riso. Mais abaixo, um ferreiro saia de sua barraca
enquanto uma mulher carregava duas crianças pelos braços. Além das muralhas orientais da
cidade estava a terra dominada pelo Inimigo, e agora essas paredes marcavam a fronteira.
Mais além, a leste, erguiam-se as Montanhas da Sombra, assomando altas e escuras, mesmo
sob a luz matutina, lançando longas sombras que se assemelhavam a dedos que tateavam no

96
escuro, em busca de Osgiliath. Grupos de nuvens cinzentas se espalhavam sobre os montes
distantes, anunciando tempestades.
Entre a cidade e as montanhas estava a terra de Ithilien, o antigo bastião de Isildur. No
entanto, agora, a região estava lançada na escuridão, e nenhum movimento ou vida podiam
ser percebidos. Apenas para olhos mais atentos, podia-se notar, longe afora, em um vale
alto, as fumaças lânguidas das fogueiras nas quais os orcs preparavam algum alimento
repulsivo, proveniente de criaturas desafortunadas as quais eles conseguiam lançar mão a
noite.
Por longo tempo os Senhores observaram em silêncio, então, afinal, Celeborn falou.
- Esta é uma cidade nobre, que você e seu povo construíram, Isildur. Embora ainda seja
nova, tem o potencial para a grandeza. Eu me lembro que este já era um local justo antes do
Edain retornarem a Terra Média, mas seus trabalhos trouxeram grandiosas belezas para cá.
- É mesmo bela, não? - Disse Isildur ternamente. - Pretendíamos que ela nos recordasse a
antiga Rómenna, em Númenor. Gostaria que você visse Osgiliath antes de ter sido
parcialmente destruída. Poderias ver belas e orgulhosas torres onde agora tudo parece
queimado e enegrecido. – Disse enquanto olhava tristemente para as partes arruinadas da
cidade. - Eu temo que estes danos nunca sejam totalmente recuperados. Será possível que
uma terra conspurcada por Sauron possa um dia voltar a ser limpa?
Entretanto Galadriel falou, e sua voz era como o luar refletido sobre águas calmas.
- Não são as pedras brancas que fazem sua cidade nobre, Isildur, mas as pessoas. Grande é
o valor do povo de Gondor, que tem sido uma muralha de proteção e defesa para o Oeste,
contra nossos inimigos. Nós os honramos.
E Elrond completou.
- E se nossos planos correrem bem, novas torres podem subir em Osgiliath. -
- Tal é meu sonho. - Respondeu Isildur. – Entretanto, muitos poderiam julgar este um
desejo impossível nestes dias escuros.
- Não, Majestade. - Disse Meneldil. – Somente o desespero é tolo. Seguramente, com estas
boas pessoas como aliados, poderemos ousar ter esperanças novamente. Os olhos élficos
não perfuram o futuro? Não há nenhuma vitória luminosa diante de nós? Vocês não pode
ver isto, meus senhores?
Celeborn suspirou.
- Não. Nossos olhos podem ver além dos olhos mortais, mas o futuro não pode ser visto,
com certeza, por nenhum olho, nem mesmo pelo Olho de nosso Inimigo. No futuro
repousam nossos medos e esperanças. Temos que construir nosso próprio futuro com as
ferramentas que trazemos nas mãos.
Isildur absorveu avidamente aquelas palavras, olhando Celeborn, e tentando decifrá-las.
Galadriel observava o Rei, e quebrou o breve silêncio.

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- Aye, nós mantemos nossa aliança, e seguimos para a guerra por Gil-galad. E não viemos
de mãos vazias. – Disse, fazendo uma breve pausa. - Entretanto, esta não é a hora e nem o
local para discutirmos tais coisas. Por agora, descansaremos de nossa longa jornada. Adeus.
Então, subitamente, o Senhor e a Senhora de Lothlórien deixaram a torre, rumo aos seus
aposentados, previamente preparados. Isildur dirigiu-se para o Grande Salão, quando viu,
encostado a uma grande janela, a figura de Elrond, que observava a cidade. Os dois
trocaram um olhar, e Elrond dirigiu-se ao Rei.
- Isildur, você sabe que a Senhora se referiu aos Anéis de Poder. Ela é a portadora de
Nenya, o Anel da Água. Maravilhosos são, realmente, os poderes que tal artefato oferece ao
seu portador. É importante que você também esteja a par destes segredos. – Disse enquanto
puxava uma corrente de ouro que trazia a volta de seu pescoço, revelando, preso a ela, um
anel cintilante de ouro polido, adornado por uma única e imensa safira, que brilhou com
uma luz azul clara quando foi exposto nas mãos de Elrond.
- Este é Vilya. - Disse Elrond. - O Anel do Ar, o mais poderoso dos Três.
Isildur cravou seus olhos no anel, que parecia cintilar e arder como uma auréola a volta do
sol. Então, Elrond deixou que a corrente escorresse novamente para dentro de sua túnica.
- Foi entregue aos meus cuidados por Gil-galad, quando ele partiu para a guerra. Pediu-me
que o mantivesse até o seu retorno. Mas ele também me pediu que evitasse utilizá-lo
enquanto a guerra durasse, pois seria muito perigoso.
- E realmente é. - Disse Isildur. - Sauron forjou o Um Anel especialmente para atrair os
Três, para que ele pudesse absorver os seus poderes. Caso caíssem em suas mãos, Sauron
seria infinitamente mais forte, e todos os maravilhosos trabalhos feitos com o auxílio deste
poder seriam destruídos.
Elrond concordou.
- Aye. A intenção inicial era que os Três permanecessem separados, longe de Mordor, e que
não seriam utilizados contra Ele.
- A não ser em uma necessidade extrema. – Disse o Rei. - E esta necessidade se apresenta
agora a nós. Esta deve ser a batalha final contra Sauron. Se cairmos, não haverá força
bastante em toda a Terra Média para detê-lo. O tempo nos obrigará a utilizarmos nossas
últimas armas.
- Eu sei disso. - Concordou Elrond - E acredito que Galadriel está pronta a correr este risco
usando Nenya em nossa causa. Mas ela teme por Vilya. Por ser o mais poderoso dos Três,
seu portador será, certamente, submetido mais fortemente a Sauron. Nós não sabemos o
verdadeiro poder do Um Anel, mas supomos que ele poderia, até mesmo, sentir a presença
dos Três a certa distância, saber que eles se aproximam.
- Ainda assim, nós não temos outra escolha a não ser fazermos esta tentativa. E Vilya é o
anel de Gil-galad. Ele o usou por longos anos, e construiu muitos trabalhos maravilhosos
através de seu poder. Se ele puder dirigi-lo contra Sauron, então o Inimigo será forçado a

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sair de Barad-dûr. Talvez, se ele distrair-se com a presença de Vilya, nós possamos destruí-
lo.
Então, os dois Senhores ouviram uma balbúrdia súbita nos degraus da Torre, e um guarda
surgiu, afobado, no Salão, caindo de joelhos defronte a Isildur.
- Seu perdão, Majestade, - ele ofegou - um mensageiro veio de Pelargir. Ele busca uma
audiência urgente, Majestade. Diz que Pelargir está sob ataque.
Isildur saltou adiante, alarmado.
- Pelargir atacada? Eu o verei na Cúpula de Estrelas, imediatamente.
- Aye, Majestade. - O guarda correu para a escada, mas Isildur lá estava antes dele, saltando
os degraus sinuosos como uma cabra. Os outros seguiram-no como puderam.
O grupo chegou ao Grande Salão no mesmo momento em que um guarda conduzia um
homem desfigurado aos pés do trono de Barathor. De início, foi difícil reconhecer seus
trajes e as cores que ostentava, coberto como ele estava pelo pó da estrada. Sua face pálida
parecia forrada pelo esgotamento, e ele parecia pronto para sucumbir. Isildur se aproximou,
pedindo vinho, para que o homem pudesse limpar sua garganta, mas o mensageiro negou
com a cabeça.
- Rei Isildur, - murmurou, - nós estamos sendo atacados. Pelargir foi sitiada por um grande
exército. O inimigo está sobre nós. Fogo e morte estão em nosso portão. Você tem que
voltar antes de seja muito tarde.
- O inimigo, você disse? Você viu seus estandartes?
- Aye, Majestade. Eles usam escarlata e negro, e ostentam a bandeira de Herumor. São os
Piratas de Umbar Majestade.
Isildur golpeou o punho contra a própria testa.
- Como isto pode ser verdade? Nós partimos há cinco dias atrás, e os Elfos estavam a um

ou dois dias de viagem. – Disse levantando-se e caminhando de um lado a outro. - O que

pode ter acontecido? Não havia nenhum sinal de ataque. Os navios ainda estavam em

guarda em Ethir Anduin.

- Perdoe-me Majestade, - disse o mensageiro – mas não há tempo a ser perdido. O ataque
estava a caminho quando eu parti. A cidade já pode ter caído.
Isildur aproximou-se dele, seus olhos petrificados e duros. Ele não estava acostumado a ser
ordenado, principalmente por um soldado. Mas, então, o homem sucumbiu ao cansaço, e
teria caído se Elrond não estivesse por perto para acomodá-lo novamente a cadeira.

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- Sim, é claro que você tem razão. – Reconheceu o Rei, chamando alguns oficiais. - Você!
Localize o Senhor Barathor e faça com que ele venha até aqui imediatamente. Elrond,
chame o Senhor e a Senhora, e Gildor também. – Então dirigiu-se a um soldado. - Ache
Ohtar, e diga-lhe que traga todos os nossos capitães. Nós temos que reunir o conselho
imediatamente. Vá depressa!
O Salão ficou repentinamente vazio, a não ser por Isildur e o mensageiro, que estava
afundado em uma cadeira, a cabeça baixa. O Rei ficou por um momento a olhá-lo enquanto
pensava e calculava distâncias e velocidades de marcha.
Barathor surgiu depois de alguns minutos, acompanhado de seus oficiais. Ele ainda estava
endireitando as roupas, e parecia irritado com a convocação tão repentina.
- O que é? – Exclamou com uma ponta de irritação. – Por que a pressa súbita? - Então o
mensageiro viu seu Senhor, e cambaleou até os seus pés.
- Arador? É você? O que está fazendo aqui? – Disse Barathor, surpreso. Mas então, vendo o
olhar do mensageiro, seu coração gelou dentro do peito. - O que é, homem? O que
aconteceu?
Arador arrastou-se até Barathor, ajoelhando-se diante dele.
- Oh, meu senhor. Perdoe este pobre mensageiro. São os Piratas, meu senhor. Eles
queimaram a frota. Estão sitiando Pelargir.
Barathor pareceu encolher. Sua face tornou-se subitamente branca. Então aprumou-se
novamente.
- Por todos os Valar. – Disse, fazendo com que uma cadeira fosse trazida a Arador. – Conte-
nos o que aconteceu.
Neste momento, Elrond entrou no salão, acompanhado pelos senhores élficos, que
depararam-se chocados com as faces crispadas de todos quantos estavam no local.
- Já se passam dois dias, - Arador começou, - uma grande frota entrou no Rio, na escuridão,
rumo ao cais. Nós os fomos saudar, pensando tratar-se de Círdan e sua frota. - Ele olhou
Isildur depressa, e então continuou. - Como você nos tinha dito, Majestade. – Entretanto,
setas voaram e bolas de fogo foram arremessadas sobre os nossos navios e então nós vimos
que os navios eram negros, e estavam repletos de inimigos. Eles caíram sobre nós, e
mataram muitos nas docas. As trompas soaram, na esperança de fazer com que todos
retornassem a cidade, mas muitos já estavam muito próximos ao porto, e foram chacinados
antes que pudessem ganhar os portões. Meu senhor Duitirith enviou-me para que buscasse
socorro. Eu montei sem parar um segundo, na esperança de alcançá-los ainda na estrada.” -
Os Pelargrim olharam-se em horror.
- Como estava a situação quando você partiu? - Perguntou Barathor.
- Um grande número de pessoas havia ido até o cais para saudar os navios. Muitos
morreram nas docas e ao longo do cais, mas a maior parte estava fugindo, rumo ao portão,

100
com Duitirith e alguns cavaleiros protegendo-lhes a retaguarda. Eles devem ter alcançado o
portão. Os Piratas ainda estavam desembarcando, e descarregando suas máquinas de cerco.
- Quantos eram eles? - Perguntou para Gildor.
- Eu não sei. Mas eram muitos. Eles chegaram em muitos navios grandes. Ainda era escuro
quando eu parti, difícil de ver em meio a fumaça e confusão. Mas quando eu alcancei o
topo da estrada, olhei para trás. Eu pude ver ao menos três dúzias de biremes no rio, e
talvez uma dúzia de grandes navios de guerra.
- Mas então me parece toda a frota de Umbar! - Exclamou Barathor. - Poderiam ser pelo
menos vinte mil homens, talvez trinta.
- Você disse que ainda era escuro quando partiu. - Retrucou Gildor. - Como pode estar tão
seguro da quantidade de navios?
Arador olhou o rei com um olhar frio.
- Eles eram uma visão clara naquele momento, Majestade. O rio estava totalmente
iluminado pelo fogo que consumia nossos navios.
- Todos os navios? - Perguntou um dos capitães Pelargrim. - Nenhum escapou?
- Nenhum. Tudo aconteceu tão de repente. Os Piratas lançaram peles ardentes de óleo entre
os navios. Todos se incendiaram em poucos momentos. Se qualquer homem tentasse conter
o fogo, morreria na embarcação, ou atingido pelas setas inimigas.
- Poderá Duitirith proteger as muralhas contra os inimigos? - Perguntou Meneldil.
Arador olhou orgulhosamente nos olhos do Regente de Osgiliath.
- Ele os deterá, ou morrerá tentando. Seus homens são bem treinados, e estão lutando pela
vida de suas famílias. No entanto, são muito poucos. E os Piratas têm máquinas de guerra.
Não acho que eles possam resistir mais do que alguns dias.
Barathor tremeu ao pensar nos Umbardrim ao redor das muralhas de Pelargir, e em seu
filho lutando uma batalha desesperada, a cidade em chamas, as mulheres aterrorizadas e as
crianças escondendo-se nos sótãos e porões das casas.
- Mas o que houve com Círdan? - Ele gritou. - Não estava guardando o rio?
- Não, meu senhor. Não vimos nenhum sinal dos Elfos.
Barathor voltou seus olhos para Isildur.
- Você disse que os Elfos estariam lá! Você disse que o Rio seria guardado! – Rosnou ao
Rei, que o encarava impotente.
- Ah, minha cidade! - Lamentou Barathor. - Meu filho! – Gemeu, balançando o corpo,
como um urso enjaulado, impossibilitado de alcançar sua presa. - Por que eu parti? Oh, Eru,
por que eu parti? O que estamos fazendo aqui enquanto Pelargir queima?

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- Todos nós viemos para defender Gondor. - Disse Ingold de Calembel, que havia entrado
no Salão com outros capitães enquanto Arador estava terminando o seu relato.
- Sim! Nós viemos para defender Gondor. Nós protegemos Osgiliath e deixamos Pelargir
desprotegida. Mas todo o tempo as ameaças de ataque eram destinadas contra Pelargir, não
Osgiliath. Oh, Isildur, o que fez você a nós? E agora Pelargir será destruída. Eu traí a
confiança de meu povo e entreguei-o nas mãos de nossos inimigos. Que meus antepassados
me perdoam, porque eu não terei nenhum descendente! -
Então Arador falou:
- Não se desespere, meu senhor. O Capitão Duitirith não me enviou para trazer notícias de
derrota, mas para buscar ajuda. Eu montei até a morte de meu cavalo, e tive que roubar
outro, mas não pude alcançá-lo na estrada. Por todo o caminho pedi aos deuses para que
visse a hoste e sonhei que voltaríamos pela estrada a toda velocidade. E em todos os
momentos tive diante dos meus olhos aquele última visão da cidade. Agora eu o achei
afinal. Não montará imediatamente rumo a Pelargir? A cidade ainda pode estar resistindo!
Então Barathor olhou Isildur, e levantou-se com a cabeça curvada.
- Arador tem razão, Majestade. - Disse Barathor. - Nós cometemos um erro terrível vindo
aqui. Mas ainda podemos salvar Pelargir. E isso já não for possível, - continuou em tom
severo - nós vingaremos nossos mortos
Mas então Meneldil pisou adiante, tocando o ombro de Isildur.
- Meu Rei, você não deve deixar Osgiliath agora. Se Pelargir realmente caiu, os Piratas não
permanecerão muito tempo lá. Eles golpearão aqui em breve. Podem estar agora mesmo
subindo o Rio para nos assaltar. Pelargir pode ser apenas o prelúdio de um ataque
combinado a sul e a leste. É muito tarde para salvar Pelargir, mas não Osgiliath. Você tem
que permanecer conosco.
Barathor olhou o Regente, seus punhos apertavam sua face, negra de raiva.
- Minha cidade está queimando, e meu povo clama por ajuda, Meneldil. Você acha que
ficaremos aqui enquanto eles morrem? Você não pensa em nada mais a não ser Osgiliath?
Para você Pelargir é apenas um vilarejo a ser sacrificado?
Meneldil deu um passo atrás, mas não estava intimidado.
- Eu sou o Senhor de Osgiliath, Barathor, e esta cidade deve ser sempre minha primeira
preocupação. Mas eu também sou o Regente de Gondor, e nós temos que pensar agora
juntos, em oposição aos nossos inimigos, antes que sejamos todos varridos. Pelargir é um
aliado forte, e o seu povo é nosso irmão. A família de minha esposa está lá, e meu irmão.
Meu coração esta tomado pela dor. Mas esta não é hora para precipitações e ações
impensadas. Pare por um momento e pense no que isso pode acarretar.
Se Pelargir realmente foi subjugada, então não só o Anduin estará desprotegido. O Rio
Poros também estará aberto aos Piratas. Se as guarnições das torres do Poros já não
existem, eles seguramente avançarão. Nós soubemos que os Haradrim estiveram
fortalecendo suas hostes a sul. Eles podem estar, agora mesmo, se aproximando por

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Harithilien, marchando para nos atacar. Os Úlairi, os mais poderosos dos servos de Sauron,
dominam Minas Ithil, a menos de dez milhas daqui. Estamos ameaçados por sul e leste. Se
o exército deixar Osgiliath agora, rumo a sul, para Pelargir, também seremos destruídos. É
possível, como você diz, que um grande erro tenha sido cometido. A história decidirá isso,
caso haja alguém para escrevê-la.
- Você é muito rápido em determinar a destruição de Pelargir, Meneldil. - Replicou
Barathor. – Contudo, se minha cidade ainda resiste, então um avanço rápido de nossas
forças poderiam salvar parte de minha gente, ou mesmo derrotar os Piratas. Então o Rio
poderia ser guardado, e Osgiliath estaria novamente protegido de ataques do sul. Temos que
montar imediatamente.
- O ataque já teve início há dois dias, - disse Elendur – levará mais dois dias para
voltarmos. Pelargir poderia suportar quatro dias contra tantos inimigos Senhor Barathor?
Mal armados, e com sua frota destruída? Eu imagino sua agonia, mas será possível que
Pelargir ainda esteja de pé?
- Meu povo é valente e feroz em batalha, Príncipe Elendur, e é conduzido por meu filho,
Duitirith. Lutarão até o último homem. Eles podem estar ainda defendendo as muradas. E
nesse caso, agora mesmo, devem estar olhando sobre os ombros, para a estrada do Rio,
ansiando pelo nosso retorno. Você simplesmente beberia outra taça de vinho e os
sacrificaria sem ao menos tentar uma ajuda? Não! Eu irei imediatamente, mesmo que tenha
que montar só.
Barathor dirigiu-se a Isildur, que ainda não tinha falado.
- O que me diz, meu rei? - Ele perguntou. - Não montará conosco?
Então Isildur levantou a cabeça, fitando os olhos de Barathor, Arador e dos outros
Pelargrim. Seus próprios olhos estavam cheios de angústia e dúvida.
- Meus amigos, - disse - esta é uma escolha amarga. Como posso escolher entre duas
cidades que amo? Osgiliath é minha própria capital, o coração de meu reino. Mas Pelargir
também é parte de Gondor, e também sou responsável por sua segurança. O povo de
Pelargir deu-me as boas vindas, e acolheu-me anos atrás quando meus navios foram
lançados a costa, nas asas das tempestades. Eles me cederam esta terra, na qual estamos, e
ajudaram a arrastar as pedras que levantaram esta torre. Agora, Pelargir encontra-se em
perigo mortal. Eu posso ignorar os seus pedidos de ajuda nesta hora de grande necessidade?
Como posso recusar minha ajuda para qualquer cidade?
- Pensemos! – Clamou Meneldil. - Esta é sua própria cidade. Foi concebida por você e por
meu pai. Se nos deixa agora, estarás descartando nossa única esperança. Durante onze anos
lutamos com a certeza de que o sopro dos Valar estaria conosco no final. Mas sabíamos
também que não poderíamos resistir a um ataque combinado. Com nossos reis e a maioria
de nossos homens lutadores em Gorgoroth, que esperança podemos ter contra um ataque
que irrompesse de Ithilien?
Foi uma espera ansiosa. Agora, finalmente, estás de volta entre nós, e com um exército que
poderia expulsar o inimigo para além de Ithilien, e quem sabe, até mesmo, lançar ao chão a

103
própria Torre Negra. Pela primeira vez em anos, nós sentimos verdadeira esperança. Agora
que a Mão Negra está estirada adiante para nossas gargantas, você partiria? Não deixe a
agonia de Pelargir o tirar de seu verdadeiro dever. O ataque principal, quando vier, será
contra a sua capital. Seu lugar é aqui, em Osgiliath.
Então o rei levantou-se, alto e terrível.
- Não me diga qual é o meu dever Meneldil! És meu Regente, não meu mestre. Eu sou o
Rei de Gondor, e obedeço apenas a Elendil, Grande Rei dos Reinos no Exílio.
Meneldil deu um passo atrás, curvando-se. Muito tempo havia se passado desde a última
vez em que ele havia se curvado perante outro homem. Mas o sangue em suas veias era
forte, era um herdeiro de Númenor.
- Não tive a intenção de lhe dizer os seus deveres meu Rei. Mas esta é uma decisão
angustiante. Nosso destino pode repousar sobre ela. Talvez se pudesses consultar seu pai... -
Comentou, as últimas palavras soando fracas e baixas, como se não devesse tê-las dito
diante de tantos estrangeiros.
- Sim, - disse Isildur - os planos dos Senhores do Oeste foram contrariados agora, e nós
temos que planejar novamente. Eles devem ser alertados sobre o que aconteceu.
- Mas Majestade - adiantou-se Barathor - nós temos que montar imediatamente, ou Pelargir
estará perdida.
- Temos meios de falar com Elendil em Gorgoroth, até mesmo daqui, na Torre, Senhor
Barathor. Eu lhe digo que se prepare para montar imediatamente rumo a Pelargir.
Comunicarei-lhe minha decisão dentro de uma hora.
Barathor encarou-o por um momento, sem entender, para então girar em seus calcanhares e
sair dos aposentos apressadamente, com Arador e os outros Pelargrim seguindo-o logo
atrás. Isildur os observou com olhos angustiados.
- Meu coração me diz para segui-los Ohtar. - murmurou reservadamente. - Mas Meneldil
tem razão. Meu lugar está na capital. – Disse, enquanto olhava para os Elfos que se
levantam. - Meus Senhores, - prosseguiu – temos que aconselharmo-nos com Gil-galad e
meu pai. E temos que ser rápidos. Venham, sigam-me até meus aposentos particulares.
Ohtar, vá ao acampamento e veja para que tudo esteja pronto para uma partida rápida.
Meneldil, verifique às defesas da cidade. Dobre os guardas ao longo do cais e das margens.
Os Piratas podem aparecer a qualquer momento. O orcs também podem tirar proveito de
nossa confusão para atacar imediatamente. A guerra está sobre nós, decida eu partir ou
ficar!
Então Isildur e os Eldar se apressaram rumo aos aposentos do rei, atrás da Cúpula de
Estrelas. Ele os conduziu a um quarto escuro, pequeno e sem janelas. O local era iluminado
apenas por uma diminuta luminária que pendia do teto. A única mobília era um pedestal
marmóreo, localizado no centro do quarto. Sobre ele, apoiava-se algo de forma
arredondada, coberto por um tecido de ouro. Eles se reuniram a volta do pedestal enquanto
Isildur fechava a porta. Então, o Rei aproximou-se e, cuidadosamente, puxou o pano. Sobre
a coluna estava um grande cristal redondo, tão grande quanto a cabeça de um homem.

104
Apesar da escuridão do quarto, parecia que algo movia-se em seu interior, como um fogo
que queima sem chama dentro de uma mortalha de fumaça. Eles encararam o artefato,
maravilhados.
- Este é um tesouro sem preço. - Sussurrou Celeborn.
- É um Palantír. - Disse Isildur. - Uma das sete Pedras de Visão. Herança de minha casa.
- Os Palantíri foram criados pelas mãos de meu tio, o próprio Fëanor Espírito de Fogo, em
Aman, quando o mundo era jovem. - Murmurou Galadriel. – E representam toda a estima
que os Eldar mantém por sua casa, Isildur. Foram presenteados a Amandil, seu parente.
- Eles eram uma ajuda e um conforto a nós, Fieis de Númenor. - Respondeu Isildur. - Meu
pai os trouxe para a Terra Média, onde nós os usamos para comunicarmo-nos nas vastas
distâncias que nos separam. Esta é a Pedra Mestre, que pode falar a todas as demais.
Mantínhamos outra em Minas Ithil, mas retirei-a de lá quando fomos forçados a abandonar
a cidade, no começo da guerra. Meu pai tem-na agora no acampamento, em Gorgoroth.
Esta é a pedra que temos que contatar.
Então, ele repousou suas mãos sobre o globo. Imediatamente, as névoas rodopiaram em seu
interior, enquanto um brilho avermelhado surgiu, iluminando a face de Isildur. Ele
aproximou seu rosto da pedra, concentrando sua mente em seus companheiros, nas
planícies de Mordor.
Os outros assistiram calados, enquanto a névoa parecia formar imagens que se distorciam e
se dispersavam novamente, dentro do globo. Logo, imagens começaram a se formar.
Minúsculas elas eram, como se fossem vistas de uma grande altura. Cada paisagem de
nuvens formava-se para, momentos depois, deformaram-se como fumaça ao vento. Então, a
luz tornou-se mais forte, e as imagens passaram a ficar mais nítidas. Havia montanhas nas
nuvens; bestas negras acionando um grande engenho em forma de moinho. O brilho
vermelho pulsou, como se um coração de fogo batesse em baixo das nuvens. Então, outro
pináculo escuro surgiu, mas não era nenhum pico rochoso. Para as alturas erguia-se, mais
alta do que as montanhas, com paredes negras e uma coroa dentada. A imagem aproximou-
se, e eles puderam perceber uma fortaleza poderosa, com ameias e parapeitos, muitas
torres, e uma miríade de minúsculas janelas de cujo interior bruxuleavam sobras
alaranjadas e vermelhas.
- Veja, é Barad-dûr. - Murmurou Isildur, suavemente. O quarto parecia reverberar friamente
ao eco deste nome.
A imagem cresceu, tornando-se maior e maior, até que encheu todo o globo, e era como se
eles estivessem descendo pelas nuvens, sobre a Torre. Finalmente, a Pedra mostrou a terra
rasgada em um imenso precipício. Uma tonalidade cinza e sombria parecia tomar conta de
toda a paisagem. Lá e cá, a terra era rachada por fissuras por onde línguas de lava corriam
velozmente. Então, viram a um canto da paisagem, surgindo como as únicas cores a diferir
daquele assolamento sombrio, um grupo de remendos luminosos e coloridos, como pedaços
de panos multicores, bordados em um grande manto de pesadelos. A visão continuou
descendo e crescendo, e eles viram que a praça luminosa era de fato uma enorme cidade de
barracas e pavilhões, o abrigo para um vasto exército, que agora começava a ser visto.

105
A imagem do globo migrou para uma das barracas maiores, um pavilhão de ouro e seda
branca. Houve um momento de desorientação, como se a visão atravessasse o telhado da
barraca. Então, como num piscar de olhos, a imagem transformou-se, e eles passaram a ver
um grupo de guerreiros em armaduras. O vulto de um homem alto, com um longo cabelo
prateado que lhe caia sobre a face, encheu o globo. Ao modo de Isildur, ele usava sobre a
ampla testa uma tiara, adornada por uma única pedra preciosa que ardia em reflexos de luz.
Era Elendil, Grande Rei dos Reinos no Exílio, primogênito de Homens.
- Ah, Isildur, meu filho, - disse, sua voz soando clara em todas as mentes sem que nenhum
som emergisse do Palantír – vejo que não estás só. Aí estão Elrond e os Galadrim.
Preparam-se para o grande conselho? Elendur chegou seguramente?
- Sim, meu Senhor. Mas uma sombra de mau se abateu sobre nós. Pelargir esta sendo
assaltada pelos Piratas. -
A face de Elendil mostrou-se em desânimo.
- Umbar? Oh, númenorianos matando outros de seu próprio sangue. Amaldiçoados sejam

seus negros corações. Surpreende-me que eles tenham ousado assim. A frota deve ser um

grande desafio para os Piratas. -

- A frota de Pelargir está destruída, Majestade, é a cidade que está ameaçada. É possível
mesmo que tenha caído.
Os olhos de Elendil luziram.
- Por que? As patrulhas não puderam alertar nossos navios? Eles não foram preparados para
o ataque? Onde estava Barathor?
- Meu Senhor, Barathor e a maioria dos seus guerreiros e marinheiros estão aqui em
Osgiliath. Sob meu comando.
- Você lhes disse que deixassem o Portão do Sul aberto a nossos inimigos? Mas por que?
- Porque eu precisava deles aqui. Tu me enviaste para que percorresse todo o Reino em
busca de homens. Nós esperávamos ter de quinze a vinte mil soldados em nossas hostes
quando adentrássemos Osgiliath. Mas a toda volta fomos contrariados. Eu lhe falei da pedra
de Orthanc que Calenardhon e Angrenost nos forneceram poucos homens. E a Anglond e
Ethir Lefnui, os Piratas se lançaram, matando muitos. Ambas as cidades tiveram pouco a
oferecer.
Até mesmo Romach e os Eredrim nos recusaram ajuda. Não éramos mais de três mil
quando alcançamos Pelargir. Lá encontramos Gildor, de Mithlond. Ele nos falou que a frota
de Círdan estaria em Pelargir em um ou dois dias. Assim, Barathor concordou em retirar a
frota e enviar todos os homens disponíveis conosco, para Osgiliath. Parecia um risco
necessário por um ou dois dias. – Murmurou Isildur, desanimado.

106
A face de Elendil parecia fitá-lo severamente do globo.
- Oh, meu filho, estas são realmente novidades terríveis. - Disse afinal.
- Meu Senhor, eu sabia da importância de nossa missão aqui. Que esperança teríamos
atacando Minas Ithil com três mil homens, mesmo com a ajuda dos Elfos? Julguei essencial
que Barathor montasse conosco, embora deixando Pelargir despojada de forças. E o Loëndë
estava se aproximando rapidamente. Os navios de Círdan poderiam guardar o Rio, mas nós
não poderíamos esperar por ele. Senhor, meu julgamento foi errado?
- Não, Isildur. – Disse Elendil. - Você não julgou errado. Foi uma decisão arriscada, e
necessária. Suponho que teria feito o mesmo em seu lugar. É uma prova do amor e da
lealdade de Barathor que ele tenha deixado Pelargir abandonada em nosso auxílio. Mas
você estava correto: se você não contar com forças suficientes para marchar rumo a Minas
Ithil, o plano inteiro falhará, e nós estaremos perdidos, certamente. Qual é a situação agora?
- Nós ficamos sabendo do ataque a pouco, e Barathor está voltando a Pelargir. Eu lhe urgi
que permanecesse, mas ele decidiu que voltaria imediatamente, e eu não encontrei
argumentos para demovê-lo desta idéia.
- Não, claro que não.
- Ele me pediu que cavalgasse com ele, de volta a Pelargir, com todo o exército. E como ele
partiu apenas sob as minhas garantias de proteção a sua cidade, sinto-me responsável pelo o
que está acontecendo agora. -
Elendil olhou o filho com compaixão nos olhos.
- E você sofre pela dúvida do que fazer?
- Sim. Se fico aqui, é quase certo que Pelargir cairá. Se já não caiu.
- E se você seguir com Barathor, Sauron poderá atacar Osgiliath.
- Sim. Se Pelargir foi tomada, os Piratas estarão em poucos dias sob os nossos portões. Eles
poderiam até mesmo atacar enquanto nós regressamos pela estrada. Qualquer escolha
poderia terminar em desastre. – Disse Isildur, observando seu pai, que pensava, com um
sorriso amargo apertado nos lábios.
- É nestas ocasiões que a coroa pesa sobre as nossas cabeças, não é? - Ele disse. - O que
pretende fazer?
- Eu deixarei que parta, mas permanecerei aqui, com o resto de meus homens. Nós
continuaremos com o plano, como melhor pudermos.
- Sim, esta é, provavelmente, a melhor decisão. Você não deve deixar Osgiliath
desprotegida. Poderias achar Pelargir saqueada, voltar, e encontrar Osgiliath em chamas, e
provavelmente Minas Anor também. Mas não é uma tarefa fácil deixar nossos amigos a
deriva. – Comentou, balançando a cabeça tristemente. - Mas os Poderes estão com você, e
com os Pelargrim.

107
- Meu senhor, - adiantou-se Galadriel - Gil-galad está perto? Gostaria de falar-lhe a respeito
de um assunto diferente, entretanto não menos negro.
- Aye, ele está aqui. – Disse Elendil, enquanto um Elfo imponente surgia na imagem volátil
do Palantír. Vestia um longo capote azul celeste, e uma tiara prateada prendia-lhe os longos
cabelos. - Galadriel, - disse com um sorriso - saudações a você prima. Torna-se mais linda a
cada yén.
- Elen síla lúmenn omentielvo. - Ela respondeu. - É bom vê-lo bem meu rei. Fiz como você
me pediu. – Disse, estendendo sua mão direita. Nenya refletiu como uma estrela. - E Elrond
meio-elfo também está aqui, com Vilya. Nós agora aguardamos que Círdan chegue com
Narya.
- Bom. Então os Três estão reunidos afinal, como nunca estiveram desde o dia em que a
deslealdade de Sauron foi revelada.
- Esta é a minha preocupação. Disse Galadriel. Talvez você tenha razão, e o tempo de usar
os Três contra Ele tenha chegado. Mas é sábio reuni-los? Não era este o seu propósito nesta
guerra? Atraí-los para tomá-los?
- Pode ser assim, Senhora. Mas nós não sabemos se ainda temos forças para enfrentá-lo.
Mesmo os grandes exércitos que mantemos podem ser insuficientes para fazer-lhe frente,
caso saía de sua Torre em todo seu poder. Precisaremos de todas as nossas armas quando
isso ocorrer.
- Mas e se falharmos? E se ele se apoderar dos Três?
- Então tudo estará perdido, e o Oeste tornar-se-á impotente.
- Exatamente. Valerá corrermos este risco?
- Nós debatemos há pouco sobre isso, Senhora. Nosso pensamento é que, se ele souber que
os Três estão próximos, sairá de sua fortaleza, e nós poderemos testar nossa força afinal.
Estamos doentes e cansados por todos estes anos de espera. Tem sido muito difícil,
principalmente para nossos aliados Homens.
- Você arriscaria tudo neste confronto?
- Nós não o derrotaremos esperando aqui. Ele não tem pressa. Pode esperar até que nós
estejamos debilitados. Temos que arrancá-lo de sua Torre agora!
- Mas será necessário utilizarmos os Três? Eu levarei Nenya, e nós lutaremos juntos, ombro
a ombro, como fizemos contra Morgoth. Mas deixemos Vilya e Narya aqui, caso sejamos
derrotados.
Gil-galad discordou.
- Nós já consideramos esta hipótese. Tememos que qualquer um dos Três seja insuficiente
contra o Um. Além disso, pode acabar se mostrando uma isca pouco apetitosa.
- Mas revelar os Três! É uma atitude desesperada.

108
- Realmente é. Uma atitude desesperada para tempos desesperados.
Galadriel curvou sua cabeça.
- Temos grandes reservas sobre o caminho que você escolheu, Gil-galad. Mas faremos
como decidiu.
- Obrigado, Senhora. Obrigado também a Celeborn. Eu sei bem o que estamos arriscando
trazendo seus anéis aqui.
Celeborn curvou sua cabeça severamente.
- Sim. Todo o bem que fizemos na Terra Média, através do poder dos Três, poderia ser
desfeito em um momento. Lothlórien deixaria de existir. Mas nós deixamos esta decisão em
suas mãos.
- Elrond, uma palavra. - Disse Gil-galad.
- Majestade? - Respondeu Elrond, pisando adiante.
- Peço-lhe que traga Vilya até mim. Mas o acautelo contra seu uso, salvo pela necessidade
mais crítica. É o mais poderoso dos Três.
- Será feito como você diz, Majestade. - Respondeu Elrond.
Subitamente, os Senhores do Oeste ouviram o soar de trompas.
- Barathor está preparando-se para partir. - Disse Isildur.
- Sim, - respondeu Gil-galad - e você tem que vir ao nosso encontro tão depressa quanto
puder. Os tremores de Orodruin aumentam a cada dia. Suspeitamos que Sauron esteja
preparando um ataque. Mas Eru está contigo.
- E com vocês, Senhores. Adeus.
A pedra emitiu um brilho nublado novamente, e a luz enfraqueceu. Então, Isildur cobriu-a
novamente.
- É como eu pensei, - disse a Elrond - meu braço deve estar em Osgiliath. Ainda assim, se
estivesse livre desta obrigação, voaria rumo a Pelargir tão rápido quanto Fleetfoot pudesse
correr.
Eles voltaram à Cúpula das Estrelas, passando sob o pórtico que levava ao Grande Salão.
As nuvens escuras que haviam visto ao amanhecer, agora cobriam todo o céu. Entretanto,
aqui e ali, o sol forçava passagem e formava colunas de luz que desciam como pilares
dourados, formando torres brancas na paisagem. No momento em que eles deixaram o
Grande Salão, Barathor surgiu na praça, já em montaria, acompanhado por Arador e alguns
outros dos capitães de Pelargir. Eles trotaram até a escada da torre.
- Nós estamos prontos a marcha, Majestade. - Disse Barathor de cima de sua cela. - Não
virás conosco? Precisamos de sua força.

109
Isildur olhou o Senhor de Pelargir tristemente.
- Meu amigo, temo que sua decisão esteja condenada desde o início. O ataque em Pelargir
pode ser apenas o primeiro golpe do avanço de Sauron sobre as terras de Gondor. Nesse
caso, não passará muito tempo antes que estas planícies estejam negras com as hostes de
orcs. Osgiliath também precisa de sua força. Eu o desejava aqui quando este ataque viesse.
Mas não posso mais me opor a sua vontade. Em seu lugar faria o mesmo.
Eu o amo como a um irmão Barathor, filho de Boromir, mas não posso montar ao seu lado.
Meu lugar é aqui. Se tens que ir, lhe imploro que nos separemos como amigos e aliados. E
quando sua tarefa em Pelargir estiver terminada, esteja aliviado ou vingado, lhe peço que
volte para cá. Pois a mente que dirigiu o ataque a Pelargir não está naquela cidade, mas no
leste.
- Eu entendo, Majestade. - Disse Barathor. - E voltarei assim que puder. Adeus Isildur
Elendilson.
- Adeus, Barathor. Monte mais rapidamente que o vento, e possa você encontrar o
estandarte azul marinho tremulando sobre as paredes de Pelargir.
Elevando sua espada Barathor clamou.
- Montem, Homens de Pelargir. Montem como nunca montaram antes. - Seu cavalo ergueu
as patas, desafiador, emitindo um relincho grave, como um chamado para guerra. Então, a
hoste inteira mergulhou rumo a estrada, pelo portão sul. Os cavaleiros pareciam envoltos
em uma nuvem de pó, enquanto o trovão dos cascos ressoava pela cidade.
Isildur observou-os até que sumiram nas curvas da cidadela. Então, ele e seu grupo subiram
as escadas e retornaram novamente ao Grande Salão. Eles caminharam para uma sacada,
olhando a cidade, embaixo. Isildur estava afundado em pensamentos sombrios. Sua face
mais séria e vincada do que jamais estivera.
- Minha mente está muito preocupada. - Disse sem se dirigir particularmente a ninguém. –
Terei eu agido com correção? Fico aqui e sentencio Pelargir a destruição e ao saque, para
que Osgiliath possa ser protegida. Agora Barathor leva a maior parte de minhas forças. Mas
mesmo estas podem ser insuficientes para salvar Pelargir. Deveria eu ter tentado detê-lo?
Não teria sido melhor permanecermos unidos para a proteção de Pelargir ou Osgiliath?
- Não, - disse Galadriel – você não deve se culpar. Não poderias abandonar Osgiliath, assim
como não poderias deter Barathor. Ele não teria sido contido por qualquer palavra sua ou
nossa, e você não pode manter um aliado contra seus interesses. Fizestes bem em preservar
a aliança. Talvez ele ainda volte a tempo.
Isildur olhou à Senhora tristemente.
- Suas palavras me consolam, Senhora, mas meu coração ainda está intranqüilo. Ele voltará
a tempo apenas se Pelargir e todo o seu povo tiver sido destruído. Mesmo então, levará ao
menos cinco dias para voltar, muito tarde para nos ajudar. E eu temo por Círdan. Nossa
preocupação voltou-se apenas para Pelargir, mas pouco pensamos sobre o por que de sua
demora. Se ele estivesse na Baía de Belfalas quando a Frota Negra chegou ao Anduin,

110
poderia ter detido o inimigo. Os Elfos de Lindon são marinheiros poderosos, inigualáveis
em navegação, mas estão destreinados na guerra marítima. Os Piratas, por sua vez, tem sido
os mestres nestas artes por mais de mil anos. Seus navios são impulsionados por muitos
escravos, levam catapultas que lançam peles de óleo inflamado a grandes distâncias.
A Frota Branca é forte, mas se eles se depararam com tão poderoso inimigo em mar aberto,
especialmente se o vento estivesse inconstante, eu temeria o resultado da batalha. Nós
sabemos que ambas as frotas deveriam ter estado ao mesmo tempo na baía. E apenas uma
apareceu. Não gosto disto.
- Tive estes mesmos pensamentos. - Prosseguiu Celeborn. - E ainda um mais: se Círdan
realmente caiu frente aos Piratas, não poderia esta notícia estar sendo levada agora mesmo
a Sauron?
- Aye, - disse Isildur, sua face tornando-se ainda mais sombria - se fosse assim, todos
nossos planos seriam contrariados antes de serem iniciados. A maré parece fluir contra nós.
Buscamos ajuda ao longo do oeste, mas os Eredrim e os Anões a recusaram. Os homens de
Minhiriath e Anfalas não puderam vir, e agora, as vésperas da batalha, nos são negadas até
mesmo as valentes legiões de Pelargir. Se Círdan também está perdido, nos faltará forças
até mesmo para nos defendermos aqui. Aflição para nós, e para tudo quanto amamos e
buscamos preservar! – Lamentou, e o seu pesar estava escrito em sua face.
- Não devemos desesperar. - Consolou Galadriel. - O exército da Aliança é poderoso, e
guarda o inimigo dentro de seu último refúgio. Os exércitos de Gondor e Lothlórien são
fortes e aguerridos. Nós estamos vivos; nossos poderes estão completos. Há ainda
esperança. Enquanto o sol brilhar, há esperança.
Naquele momento, o som de muitas trompas reverberou novamente pelas muralhas da
cidade. Nos campos do Westbank, os homens de Pelargir estavam formando uma coluna
longa. Da sacada da torre, podia-se ver agora Barathor e seus capitães, a frente da hoste. As
grandes portas estavam abertas, e o Senhor de Pelargir conduziu seu exército para fora da
cidade.
Por um momento um raio de sol cintilou por entre as nuvens, roubando um brilho fulgente
do elmo de Barathor, iluminando os estandartes de Pelargir, que balançavam ao vento.
Então, uma nuvem ignorou o sol e uma brisa soprou forte vinda do leste. O escudeiro de
Barathor soou sua trompa, mas a chamada já parecia lânguida na distância. Então, uma
chuva fria caiu de súbito, e os cavaleiros se perderam na distância. Isildur contemplou as
nuvens ameaçadoras, e repetiu as últimas palavras de Galadriel.
- Enquanto o sol ainda brilhar. – Murmurou.

111
CAPÍTULO 7
A CHEGADA DA FROTA BRANCA

- Senhor Amroth, uma luz foi vista à frente!


Amroth observou o manuscrito no qual esteve escrevendo. Seu servo Iorlas estava parado à
porta da cabine, sua cabeça abaixada sob as luzes do deque. – Que tipo de luzes?
- Eu não sei. Ainda não podemos vê-las do deque. Melhor vestir um manto. O Sol ainda não
surgiu e o ar está frio e úmido. Continua soprando fortemente.
Apressadamente colocando um manto, Amroth seguiu Iorlas escada acima em direção ao
deque. O vento continuava constante e forte a estibordo. As ondas severas e tempestades
tornaram-se mais calmas, varrendo-se invisivelmente pela escuridão. Como se cada mar
houvesse passado por sob eles, o navio subiu à crista de uma onda por um instante, então
desceu novamente para a posição inicial. O recentemente reparado casco gemeu e
estremeceu com a marulhada. Amroth parou e observou-o por um momento, mas parecia
que estava suportando e velejando bem. Observando o deque, viu que os danos provocados
pela tempestade haviam sido quase totalmente reparados. Trabalhando sem descanso por
aproximadamente três semanas, os habilidosos elfos do mar consertaram, ataram e
substituíram os danos mais sérios produzidos pelas terríveis intempéries. Como parte do
povo Sindar, ou elfos-da-floresta, ele e Iorlas foram poupados de trabalhos tão habilidosos,
e até mesmo desencorajados a ajudar. Passou então grande parte da última semana em sua
cabine, fora do caminho dos verdadeiros marinheiros. Sentiu o ar e pensou que poderia
haver um ligeiro sinal de terras firmes, mas sabia bem que seu olfato de elfo da floresta não
era tão rápido para sentir sensíveis mudanças quanto o dos marinheiros. Foi até a proa e
encontrou um grupo de elfos-do-mar lá reunidos, observando o mar à frente adentrando-se
na noite, e conversando silenciosamente. Ouviu a profunda voz de Círdan entre eles.
Amroth observou à frente dentro da escuridão, mas nada pôde ver exceto as ondas,
constantemente sendo arremessadas para longe de ambos os lados.
- O que foi, Senhor Círdan – Perguntou. Círdan parou sobre a viga, segurando uma corda,
seu corpo balançando suavemente conforme o balanço do próprio barco. Ele olhou para
baixo e fitou o horizonte novamente.
- Há uma luz, Amroth. Os observadores crêem que seja algo queimando à frente, porém
confesso que nada vejo.
- Ali, Senhor – Chamou um dos marinheiros, na direção a que apontamos - Amroth
reconheceu a voz grave de Gilrondil, o mestre-velejador.
- Eu a vi dessa vez! – disse Círdan – É como um brilho, muito baixo no horizonte, pode ser
visto apenas quando sobre as cristas. Ali! E ali novamente. O que acha disso, Gilrondil?
O mestre-velejador estudou o brilho bruxuleante por alguns minutos. – Não é uma luz
diminuta, acho, mas uma grande chama distante. Vê como o céu sobre ela parece pulsar
com a chama?
- Sim, eu vejo agora. Quão distante acha que estamos?

112
- É difícil dizer, Senhor. Não menos que oito léguas, diria. – Calou-se, conforme a visão
subiu muito acima da proa. – Que pode nos dizer, Lindir? – Uma voz respondeu da
escuridão: - É mais de uma agora, mestre. Há dois fogos. Não, três! Um mais à direita. –
Estão em terra, você acha? – Não estou certo, mas diria que estão ou no mar ou talvez
encalhados. Parecem estar baixos. Outro! Quatro, quatro fogos queimam no mar.
- O brilho está logo à frente, - disse Círdan. – Devemos chegar a eles antes do amanhecer –
Todos pararam observando aqueles incandescentes brilhos vermelhos.
- Isso é um mau presságio, temo eu. – disse Círdan – Podem ser as chamas da guerra que
vemos.
- Não poderiam ser sinais? – sugeriu Amroth – Talvez o povo de Gondor tenha acendido
faróis nas costas para guiar-nos.
- Houve uma vez um farol no cabo norte de Ethir Anduin, - Disse Gilrondil, -Mas há muito
está ele apagado. Em tempos de guerra tais luzes guiam tanto inimigos como aliados. Não,
se fogos queimam em Ethir isso só pode significar mal. Devemos ver o que o amanhecer
nos revelará.
Conforme a longa noite prosseguia, as luzes ao leste gradualmente sumiam, e uma a uma se
apagavam. Então uma luz branca apareceu exatamente no mesmo lugar. Amroth estava para
apontá-la aos outros, mas logo que surgiu acima do mar foi reconhecida como Eärendil, a
luz da manhã, precedendo a alvorada. Depois, um brilho suave tomou o mesmo horizonte e
os mares reaparecendo ao redor dele tornaram-se grandes formas acinzentadas. Então veio
uma luz amarela e brilhante, e subitamente o Sol surgiu por sobre o horizonte. Atrás deles e
em ambos os lados haviam as esquadras dos grandes navios de Mithlond, suas proas
rachando os mares cinzentos. Alguns já estavam alterando seus cursos suavemente para
aproximar-se o navio que carregava a bandeira que informava a formação a tomar pelo dia.
O novo Sol tornou seus cascos como conchas rosadas, e em diamantes os pingos e espumas
batendo contra seus cascos. A esquadra parecia forte e orgulhosa, embora somassem apenas
dez navios, treze barcaças, e meia dúzia de pequenos barcos, e em cada um deles
encontrava-se o emblema dourado da estrela de oito pontas dos Noldor. Em cada grande
mastro encontrava-se a bandeira de Galathilion, a Árvore Prateada.
Por trás da esquadra assomava-se a negrura de Tolfalas, a ilha dos penhascos, por onde
haviam passado, invisível durante a noite. À frente estavam as colinas e penhascos brancos
de Belfalas. Estava visível agora na névoa que se dissipava lentamente uma baixa linha
negra.
- O que é aquela praia negra à frente de nós? - Perguntou Amroth.
- São os salgueiros de Ethir Anduin, - respondeu Gilrondil. – Entre essas árvores imensas, o
poderoso Anduin corre entre muitas fozes para o mar.
Conforme o dia clareava e a linha de árvores aproximava-se, muitas entradas começaram a
surgir, marcando passagens entre ilhas. Foram então rumo ao norte, entre os próximos
desfiladeiros do Cabo Norte, que era a rota mais larga e menos atribulada, quando as marés
estavam altas. Conforme aproximavam-se, Amroth subiu o deque e procurou nas costas
algum sinal de vida.
- Que vê você, Amroth? - Perguntou Gilrondil, da proa. - Há algum barco?

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- Não, não há nada.
- Isto não é bom sinal, os homens de Pelargir sempre mantém muitos barcos nas Ethir.
Deviam ter-nos interrogado há um bom tempo. As Ethir nunca ficam desprotegidas dessa
forma. Mantenha a vigilância.
Em um momento veio um chamado de um barco próximo. – Algo flutua na água, Senhor
Círdan. Logo à frente de nós. - Círdan subiu ao deque e respondeu: - Vá a ele, Hithimir, e
veja o que é. – O outro barco rapidamente desfraldou suas velas e lentamente, mas
firmemente tornou-se uma onda em alto mar. Amroth pôde ver marinheiros correndo à
frente observar algum objeto negro subindo e descendo na água.
- Parece ser lixo, Senhor. – Veio o chamado.
- Gilrondil! – Gritou Círdan. – Dê sinal para todos os barcos direcionarem-se até lá. Leve-
nos para junto do barco de Hithimir - Uma fileira de bandeiras surgiu e os elfos correram às
cordas para ajustar u curso conforme o vento. Momentos depois o barco flutuava para o
barco de Hithimir. Logo todos puderam ver o objeto negro flutuando na clara água azulada.
Inicialmente Amroth não pôde distinguir o que era. Parecia ser um emaranhado de lenhas
enegrecidas, distorcidas e entremeadas por videiras. Porém repentinamente Amroth notou
que estava olhando os restos de um grande barco. Um mastro cruzado com cordas e velas
estava misturado com madeiras do casco. Então com um choque de horror viu um corpo
nos vestígios, flutuando com a face voltada para baixo, os longos cabelos castanhos ao
redor. Tudo estava queimado e enegrecido, mas o mastro principal estava inteiro e alguns
pés abaixo da superfície uma bandeira jazia sob as águas: Uma cidade dourada sobre
campos azulados.
- É a bandeira de Pelargir. – disse Círdan.
- Não há nenhuma dúvida, - disse Gilrondil. – Os aliados de Gondor estão destruídos e as
Ethir, tomadas. Maldita seja a tempestade que nos trouxe atraso! Chegamos muito tarde!
- Esta só pode ser obra dos corsários de Umbar. Pelargir pode já estar destruída. - Disse
Gilrondil com uma voz desesperada.
Círdan respondeu: - As chamas estavam acesas aqui há cinco horas atrás. Os corsários
podem ainda não ter alcançado Pelargir. Eles ainda devem estar no rio.
- Podem estar escondidos entre as ilhas, esperando por nós. – disse Gilrondil.
- Não creio. Se eles soubessem que estamos aqui já nos teriam atacado na área aberta da
baía. Nunca permitiriam ser acossados rio acima, conosco como empecilho. - Gilrondil
estudou as ilhas e aberturas entre elas. Apontou para o Cabo Norte. – Poderíamos vigiar
aquele local e atacá-los quando retornassem. Se atacarmos quando tentarem passar, ficarão
sem possibilidade de ação.
Mas Círdan disse: Gil-galad nos enviou para ajudar Gondor contra seus inimigos. Se
Pelargir está para ser tomada, seria de pouca ajuda para seu povo combater seus atacantes
depois que a cidade cair. Devemos tentar prevenir seu ataque, não vingá-lo. Não, nosso
caminho é o Anduin acima, quão rápido quanto pudermos.
- Meu Senhor, - disse Gilrondil, - é improvável que possamos alcançá-los, pois têm pelo
menos cinco horas de dianteira. Pelo farfalhar das folhas pela costa oeste o vento está

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instável rio adentro, e teremos que lutar contra ele, enquanto eles podem prosseguir com
seus remos mesmo se os ventos morrerem completamente. Além disso, se ousarem atacar
Pelargir devem estar com força total e provavelmente nos superam em número. Mesmo que
pudéssemos alcançá-los no Rio, a corrente está a seu favor. E eles têm grande experiência
em combate em águas estreitas. Perseguindo-os estamos deixando todas as vantagens
estratégicas.
- Essas coisas são todas verdadeiras, Gilrondil, e é seu dever apontá-las a mim. Porém é
meu dever ajudar a defender Pelargir. Com seus barcos destruídos, é muito provável que a
cidade ignore o perigo que se aproxima. Não temos escolha a não ser tentar avisá-los e
darmos a assistência que pudermos. Os Corsários devem em breve encontrar-se com a frota
principal dos Pelargrim, que é poderosa e experiente nessas águas. Não importa sua força,
não podem passar por Pelargir sem sofrerem grandes baixas. É provável que ambas frotas
já estejam em batalha. Se aparecêssemos de súbito à sua popa, estariam presos entre nós e
os Pelargrim. E teríamos o mais hábil dos aliados, a surpresa, a nosso lado. Agora devemos
nos apressar antes que seja tarde. Se os Corsários derrotarem a frota dos Pelargrim antes de
chegarmos, teremos uma batalha difícil a travar. Dêem os sinais para avançar e preparar-se
para a batalha. É improvável que os avistemos antes que eles a nós, portanto devemos
atacar tão logo isso aconteça.
Gilrondil curvou-se e levantou sua poderosa voz: - Içar velas! Avante! Avante! – Os elfos-
do-mar correram às cordas e os barcos adiantaram-se rapidamente, impulsionados pelos
ventos. A frota entrou em formação e tomou o rumo da boca norte do Anduin.
Tão logo os barcos zarparam, e as cordas foram amarradas, os elfos desceram e pegaram
seus belos arcos e flechas, e espadas longas e poderosas. Foram guardadas para esse
propósito, abaixo dos deques. As partes de pequenas catapultas foram trazidas e colocadas
nos deques à proa. Longas lanças foram ajustadas apontando para fora e malhas para
aportar-se foram afixadas entre elas. Amroth trocou suas vestes por armaduras. Preparou
seu arco e deixou suas flechas à mão e colocou seu cinturão e bainha para sua espada.
Conforme esticava seu arco, Gilrondil o chamou –Você fará melhor uso de nossos arcos
longos, Senhor Amroth. Seu curto arco Sindarin não será suficiente para os disparos
distantes necessários no mar.
Amroth observou a arma longa que Gilrondil trazia. –Não estou acostumado com seus
arcos Noldorin, mestre. Temo que eu daria muitos disparos às ondas- Riu. –Meu arco
derrubará muitos oponentes, é pequeno, leve e manuseado facilmente, pois foi criado para
caçadas nas matas da Grande Floresta Verde. Quando corretamente manuseado, é mais
preciso que seus arcos longos, e mais útil em combate corpo-a-corpo.
Gilrondil respondeu: - Muito bem, Senhor. Talvez você esteja certo. Mas para mim levarei
meu arco longo. Me serviu bem por muitos yéns.
Ambos esticaram seus arcos, puseram flechas e afrouxaram as cordas diversas vezes. – A
que distância acha que será? - Amroth perguntou. – Não conheço batalhas entre barcos,
quando terei que atirar?
Gilrondil baixou seu arco e voz. –Na verdade eu não sei. Não travamos batalhas como esta
desde que esta nova era teve início. Muitos de nós não havíamos nascido quando o último
navio de Mithlond lutou. Mas as distâncias podem ser traiçoeiras no mar. Quando
abordarmos outro navio, percebo que parece uma eternidade para que possa atirar com o

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arco, e repentinamente estão lado a lado. Você pode tentar um tiro quando notar que pode
acertar seu alvo, mas eu diria que exceto por um ou dois disparos de sorte, pouco dano
pode-se infligir até que os navios se encontrem. Então em uma batalha tão próxima mais
valem nossas espadas que os arcos. Se os Corsários já desembarcaram, diria que é melhor
também desembarcar a certa distância, formar companhia e travar uma batalha em terra.
Temo que no mar os piratas teriam vantagem sobre nós, pois cruzam os mares com
centenas de escravos remando. Poderiam facilmente nos deixar para trás, especialmente se
os ventos estiverem brandos. Seus navios são longos e estreitos e creio que não manobram
facilmente, principalmente em águas estreitas. Se pudéssemos chegar a algum estreito,
creio que estaríamos equiparados, pois poderíamos virar-nos e atacar seus flancos. Meu
maior medo seria a calmaria, aí estaríamos à sua mercê. Eles têm lanças abaixo do nível da
água, que podem rasgar facilmente o ventre de um navio em segundos. Então nem seu arco
ou o meu nos valeriam muito, Amroth. Um elfo não nadará muito longe trajado de
madeiras. Reze para que o vento permaneça forte e constante.
O vento foi constante, e eles alçavam grandes distâncias no Anduin hora após hora. O
Grande Rio neste ponto media várias milhas de costa a costa, e se não fosse pela água
calma até pensariam que estavam de volta ao mar. Léguas e léguas passavam sob seus
barcos, e o dia passava, mas nunca a visão de outra embarcação.
Pouco antes do anoitecer aproximaram-se da confluência do rio Poros, que junta-se ao
Anduin pelo Sul, trazendo as águas das temidas Ephel Dúath através de muitas léguas de
areias quentes. O Anduin estreitou-se consideravelmente logo sobre o Poros. Círdan
concluiu que os Pelargrim deviam ter recuado para os estreitos, portanto as galerias
deveriam estar impedidas. Esperava encontrar uma batalha em curso ali, ou melhor, os
barcos dos Corsários jazendo sob as cores de Pelargir. Mas os rios e praias estavam
silenciosos e vazios. Os observadores cerraram os olhares em busca de algum mastro pelo
Poros, temendo uma emboscada e passaram, mas não havia embarcação de qualquer tipo,
nem ao menos destroços. Era difícil acreditar que estas terras estavam em guerra. Poderiam
portanto apenas concluir que os Corsários zarparam sem oposição para Pelargir. Mas
ninguém podia explicar por que os Portões do Sul estavam abertos.
Passaram pelo Poros e os bancos do Anduin fecharam-se ao redor deles. Passavam agora
por uma terra achatada, os bancos entremeavam-se entre salgueiros e algodoeiros,
quebrados aqui e acolá pelo Sol forte. Era uma terra adorável e pacífica, fresca e
acolhedora, mas notaram quão lentamente os bancos corriam por eles, indicando a forte
corrente contra eles. Finalmente a noite caiu e algumas horas depois a Lua surgiu no rio por
trás deles. Contrário à sua vontade, Círdan foi forçado a reduzir a velocidade para navegar
com segurança pelas muitas curvas do rio na escuridão.

Os marinheiros temiam que a noite traria consigo ventos contrários, como diziam, mas
manteve-se a favor e até intensificou-se, então eles avançaram rapidamente rio acima.
Mesmo com ventos mais brandos, seu progresso parecia maior à noite, e eles podiam ouvir
as águas do Anduin batendo nos cascos e indo até as costas, e não puderam ver a paisagem
assustadora passando, conforme o rio lentamente direcionava-se para o Norte.
A frota seguiu durante a noite, partindo as águas negras em nuvens de espuma. As grandes
lamparinas da proa não foram acesas, então os outros barcos meramente formavam ondas
brancas à frente, sem preocupar-se com a formação. Os barcos menores ficaram para trás da

116
formação, porém Círdan foi cuidadoso para não deixar os navios maiores avançarem
demais e dividirem a frota.
Amroth ficou no deque, atrás de dois elfos e seus lemes. Gilrondil ficou na galeria
posterior. Depois subiu os deques.
-Estamos desenvolvendo uma boa velocidade, mestre. - Disse Amroth.
-Sim, - Disse ele. – Quase oito nós, mesmo com ventos abrandados, mas o Rio deve estar
tomando três para si. Devemos chegar a Pelargir antes de meio-dia, se não encontrarmos
batalhas antes disso.
- Não é estranho que os Corsários encontraram tão pequena resistência? – Perguntou
Amroth. – O rio está ermo. Navegamos através do coração de uma das maiores e mais
populosas nações da Terra-Média, mas nós poderíamos estar em alto-mar, se contássemos
os sinais de vida que avistamos. Onde poderia estar a frota de Pelargir?
- Não posso dizer. O rio deveria estar repleto de barcos. Além de sua frota principal, seus
patrulheiros nas costas e demais barcos pelas Ethir, há muitos menores que sempre
patrulham o rio, protegendo o comércio a prevenindo travessias de orcs que agora infestam
Ithilien sul. E sempre há muito tráfego comercial pelo Anduin, não apenas no Portão Sul de
Gondor, mas também cargueiros de Pelargir e Lebennin, e até mesmo algumas de suas
terras ao norte, com portos ao redor das quedas do Rauros. O rio nunca está vazio, ou não
deveria.
- Não gosto disso, - Ele disse. – Os piratas não poderiam ter livrado todo o rio de seu
tráfego tão rapidamente. Não há sinal de batalha, não há destroços. É como se toda a nação
de Gondor foi erradicada para a Lua. Não, há muito que não sabemos aqui, e isso me deixa
bastante apreensivo.
Baixou sua voz, então os tripulantes não podiam ouvir. – Tenho outro pensamento que me
perturba, mas temo dizê-lo, pois envolve grande mal.
- Fale, meu amigo. –Disse Amroth. – Devo conhecer seus temores, pois talvez podem
tornar-se verdadeiros no final.
- Pois bem, então. E se os corsários já tomaram Pelargir há algum tempo? E se dominam
Pelargir e suas frotas guardam o rio, isso explicaria o vazio de embarcações e pessoas nas
costas.
O coração de Amroth gelou, e puxou seu manto para mais perto de seus ombros. – Então
estaríamos nos apressando para encontrar nossa desgraça. Mas e os fogos de ontem, os
destroços que vimos?
- Se os Corsários têm a cidade e o Rio, não teriam seus próprios barcos as Ethir? E se
barcos Pelargrim tivessem voltado após alguma longa viagem, desconhecendo o perigo?
- Ah, - Disse Amroth, vendo novamente madeiras enegrecidas, nas águas. – Estariam
despreparados para os inimigos que os aguardavam as Ethir.
-Sim, e eles teriam produzido as luzes que vimos.
- Mas não vimos patrulheiros, Corsários ou outros.

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- Mas chegamos à alvorada entardecer, observando o Sol nascendo. As luzes teriam nos
mostrado a eles antes que pudéssemos ver as Ethir claramente. E se um guardião corsário
visse uma frota élfica aproximar-se? -
- Não nos teriam atacado ao entrarmos no rio?
- Alguns poucos barcos patrulheiros seriam tolos a nos atacar. Mas esconderam-se nas ilhas
das Ethir e nos permitiram entrar no rio, poderiam estar agora em nosso encalço,
esperando-nos encontrar sua frota principal. Estaríamos então presos entre eles.
- Se isso é verdade, - Disse Amroth – então a armadilha já foi armada, e já estamos entre
suas presas. Nada poderíamos fazer.
- Sim, - Ele disse – e é por isso que quando todos os olhos olham rio acima, olho para o
outro lado.
Amroth olhou à popa sentindo um tremor e imaginou galeras corsárias, surgindo á frente
com seus remos, forçando e destruindo os barcos élficos. - Ah, Gilrondil, - disse – Você não
iluminou muito essa noite para mim.
Virou-se e desceu às galerias novamente. Mas em um momento vieram gritos de muitas
vozes, e o céu à leste estava pulsante.
- Pelargir! – gritavam os marinheiros. – A cidade deve estar em chamas! Os Corsários
atacaram e não estão muitas léguas à frente! Avante! Avante! Por Pelargir!
Gilrondil subiu as escadas num pulo e observou o pulsante brilho vermelho nas nuvens à
frente.
- Nossos amigos foram atacados – dizia ele – E até nisso temos certo conforto, Amroth.
Meus temores eram infundados. Pelargir continua em pé, e chegamos desconhecidos. Ainda
há esperança.
As chamas de Pelargir lhes serviram para uma coisa: podiam agora ver o curso à frente.
Círdan ordenou que armassem as velas e pequenas velas triangulares surgiram. Sua
velocidade intensificou-se bastante.
Por todo o resto daquela noite observaram apenas o céu a frente. Os ventos variaram e
voltaram-se ao Sul. Temeram que poderia então acalmar-se, mas então estabilizou-se
novamente. Mantiveram o curso e o barco aproveitou a brisa fraca. Águas marrons corriam
pelos flancos do barco.
Conforme o céu clareava-se pelo amanhecer, uma grande nuvem de fumaça pôde ser vista
subindo à frente, então o Sol assumiu uma cor vermelho-sangue maligno. Do outro lado, a
luz crescente revelava baixas colinas, verdes com árvores e prados. De vez em quando
passavam por pequenas casas no banco esquerdo, cercadas por plantações e uma ou duas
redes de pesca imersas nas águas, mas sem sinal de vida ou movimento. Continuava não
havendo sinais de danos, e os elfos suspeitaram que o povo de Lebennin fugiu de seus lares
por medo, conforme as frotas Umbardrim passaram.
Os ventos continuaram contrários, para o Sul, mas como o rio estava com seu curso agora
mais ao norte, os elfos conseguiam navegar bem. O Sol escalava os céus no leste e tinha
agora um brilho amarelo-avermelhado nos destroços de batalha quando ouviram gritos
vindos dos barcos à esquerda. O navio mais próximo acenou.

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- Senhor Círdan! – chamou seu capitão. – Os navios reportam que Pelargir vêm à vista ao
rodearmos aquele ponto, distante talvez três léguas.
Círdan pegou seu clarim para falar e respondeu. – Comunique-os para aproximar-se do
flanco, Hithimir. Se formos pelos bancos ao leste podemos preservar nossa furtividade o
máximo que pudermos. Quão longe está a cidade?
Hithimir virou-se e falou com o próximo barco, que estava firmemente atracado ao seu. Os
navios começaram a aproximar-se do navio-bandeira, de Círdan. Houve então uma breve
conversa, e Hithimir voltou-se novamente a eles.
- Pelargir ainda não parece estar em chamas, meu Senhor, apesar de haver um a grande
coluna de fumaça que sobe de algum ponto próximo do rio. O próprio Anduin parece claro
até onde podemos vê-lo.
-O quê? Não há navios em nenhum dos lados? Onde estão eles?
Hithimir levantou suas mãos – Disseram que nenhum barco pôde ser visto, Senhor.
Círdan baixou o clarim e voltou-se a Gilrondil. – Que pensa disso, mestre-marujo? Onde
está a frota de Pelargir?

O mestre acenou com a cabeça. – Não sei. Talvez foram pegos desprevenidos e não tiveram
tempo de fugir. Ou talvez haja patrulhas no rio e guardiões pelos bancos. Há alguma
fatalidade ou mal aqui que não conhecemos.
- Não haverá mais fatalidades por hoje! – respondeu Círdan – Abram espaço! Deixem os
arqueiros prepararem-se.
Então todos correram para suas funções. Lançadeiras e peles foram trazidas aos deques e
fogos foram acesos abaixo. Escudos redondos foram usados então por facções de
guerreiros. Elfos que não estavam às velas foram aos deques. Trouxeram baldes d’água e
estes foram posicionados pelas facções, e molharam peles no rio, para combater chamas.
Ganchos foram preparados e presos a cordas.
Finalmente todos estavam preparados. A frota posicionou-se contra o banco leste e formou-
se em duas colunas. Nenhuma palavra foi dita enquanto rodeavam a última curva e teve-se
visão completa da cidade de Pelargir.
Perante eles, entre dois rios, estava uma colina redonda coroada por uma grande cidade
murada. Bandeiras tremulavam em torres e em seu ponto mais alto uma lança fina parecia
fender os céus. Uma grande ponte arqueada sobre um rio menor estava à esquerda. Na parte
leste da ponte, sob um promontório próximo às muralhas ocidentais, a frota de Pelargir
estava agrupada no cais. Porém estavam em chamas, e uma grande coluna de fumaça negra
subia, e línguas de fogo subiam até a altura das muralhas. Pelos bancos à direita, várias
galeras e outros barcos estavam parados nas areias. Rugidos de muitas vozes e sons de aços
conflitantes reverberavam pelas águas.
Círdan foi diretamente para os bancos, e com o vento mais livre, as águas voltaram a seus
cursos. Agora podiam ver homens nas praias, como uma tempestade negra saindo das
galeras e através das estradas para a cidade. Perto de suas pontas podiam ver aríetes sendo
levados à frente: equipamentos levados por milhares de escravos.

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Continuavam navegando sem serem perturbados. Podiam agora perceber um grupo de
homens nos navios; oficiais, supunha-se, pelos seus elmos altos. Todos olhando a cidade e
as máquinas subindo lentamente para os portões. Pareciam não ter olhos para o rio às suas
costas.
Finalmente, quando os elfos estavam a quase meio caminho, alguém deve ter-se virado e os
avistado. Uma trombeta solitária soou alto e claramente por sobre o tumulto. E os homens
de Umbar viraram-se ao som e contemplaram a Frota Branca de Lindon, vindo para eles
trazendo a guerra, e foram então tomados por grande medo. Círdan soou então todas as
trombetas e os elfos deram grandes gritos e bateram em suas armaduras juntos, criando um
terrível clamor.
As legiões de Umbar voltaram-se e correram para seus navios, desprovidos de comando. Os
escravos que puxavam os aríetes largaram suas cordas e fugiram na confusão. Muitos dos
barcos fugiram desesperadamente para o rio para encontrar o inimigo, suas fileiras de
remos movendo-se violentamente. Outros hesitaram, esperando pela tripulação retornar.
Aqueles voltando aos bancos pulavam no barco mais próximo, então muitas galeras partiam
com apenas um guerreiro a bordo, e outros com tantos que não havia espaço para ficar em
pé. Os escravos com os remos, ouvindo as trombetas e o tumulto não podiam ver o que
acontecia, entravam em pânico e cruzavam seus remos e os marinheiros não conseguiam
manter seus cursos.
A ruína reinou em meio à frota negra conforme cada barco voltava-se para encarar o
inimigo. Navios colidiam com navios e homens eram lançados às águas. Remos
conflitavam-se e navios vizinhos tentavam manobrar-se. Uma grande galera ficou
encalhada atravessada nos bancos e foi atingida por vários outros barcos que tentavam
mover-se para longe das costas.
Mas os Corsários eram experientes homens do mar e logo trazendo seus barcos sob
controle. Em momentos uma vintena ou mais de galeras com birremos e seis ou oito
maiores com trirremos, saíram da confusão. Acima das águas veio o reverberar de tambores
e silvos de chicotes, e uma vastidão de inimigos começou a elevar-se e unir-se como um.
Pareciam grandes pássaros predadores, seus remos batendo como asas. Rapidamente
formaram um extenso arco, com seus flancos ligeiramente mais à frente do centro,
enquanto moviam-se para encontrar o inimigo.
Conforme aproximavam-se, os elfos puderam distinguir melhor sua aparência. Os cascos
eram longos, finos, e baixos, os remadores protegidos por capas de couro, portanto apenas
os remos podiam ser vistos. Estreitos andaimes corriam ao longo dos navios, repletos de
homens armados. As proas curvavam-se formando cabeças de dragões e outras bestas, mas
as proas terminavam em grandes aríetes de bronze, de cantos dentados em ambos os lados.
Círdan ordenou que deixassem passar seus ventos para os outros da frota formassem em
cunha. Os guerreiros pararam imóveis, agarrando suas armas e observando em fascinação
os dois mil remos negros molhados e movendo-se penosamente, e a frota dos Corsários
ganhando velocidade.
Quando as frotas estavam separadas por não mais do que a distância de dois cabos, os
arqueiros élficos mergulharam suas flechas nos potes flamejantes e enviaram uma contínua
chuva de fogo sobre as galeras que avançavam. Muitas velas foram tomadas pelas chamas e
homens caíam dos andaimes, enquanto eram perfurados pelas flechas flamejantes, mas a

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linha não cessava, e os remos continuavam mergulhando e subindo em uma regularidade
terrível.
Quando os barcos aproximaram-se Círdan deixou uma trombeta ser tocada e os barcos
élficos voltaram-se aos flancos inimigos, fechando-se ao redor deles. Mas o navio-bandeira
foi diretamente ao centro, bem em direção à maior galera, um trirremo gigante com um
deque fortificado. Algumas flechas esparsas começaram a desces entre eles, mas com pouco
efeito. Os arqueiros Corsários foram presos entre seus escudos pela fúria das flechas
flamejantes dos elfos, e a fumaça fluía agora por uma centena de pontos do casco.
Círdan tinha o leme voltado levemente a estibordo, expondo seu arco bombordo ao aríete
cruel. Agora a menos de cem jardas à frente. A galera voltava-se lentamente para manter o
aríete apontado para o arco. Círdan deu algumas ordens rápidas e manteve sua mão sobre a
cabeça. Os barcos apressaram-se, todos a tremenda velocidade. Então, quando uma colisão
parecia inevitável, Círdan baixou seu braço. O barco foi voltado fortemente quando o leme
foi jogado com violência a bombordo. A grande vela foi armada com uma chuva de
fragmentos de tecidos rasgados. O barco sacudiu e gemeu, mas foi quase totalmente parado
pela pressão súbita do vento que veio à frente da vela.
O arco a bombordo balançava preciso à frente do inimigo. Seu aríete estava a apenas alguns
pés do arco inimigo quando, com terrível destruição, todos os remos ao lado estibordo
despedaçaram-se pelo casco branco. Então seu deque estava ao lado de Amroth quando ele
parou à popa. Observou o comandante sentado num assento alto como um trono. Inclinava-
se à frente, gritando com seus timoneiros, mas antes que ele pudesse falar, Amroth
atravessara uma flecha em seu peito, prendendo-o a seu assento. Rapidamente ajeitou outra
e derrubou um de seus oficiais e Gilrondil atrás dele derrubou outro, mesmo conforme
passavam do alcance da popa, destruída e em chamas. Os elfos comemoraram enquanto
corriam às cordas, enquanto outros carregavam os feridos para baixo. Perderam apenas dois
homens e três foram feridos, e a maior galera foi destruída.
Quando o barco aproximou-se da costa, Gilrondil voltou-se a Amroth. – Belos disparos,
Senhor Amroth. Você mandou duas flechas direto aos alvos antes que eu pudesse enviar
uma.
O elfo-da-floresta sorriu: - Talvez meu pobre e curto arco Sindarin não seja inútil ao mar,
mestre. – Mas ele achou que Gilrondil ainda não estava convencido enquanto voltava-se às
suas flechas. Um jovem elfo correu, seus braços cheios de flechas, enchendo suas aljavas.
Voltavam-se agora à batalha e encontraram um bravo momento para observar. Várias
galeras jaziam sem movimento na água, tomadas por chamas, e homens pulavam no rio,
apenas para encontrarem-se em meio à massa de navios que manobravam e aríetes afiados.
O rio estava repleto de destroços de barcos e vários cascos brancos jaziam divididos e
quebrados. O barco de Finarthin havia sumido, e os de Linroth, e Belcarnen flutuavam sem
leme e em chamas.
Então no tumulto e fumaça, duas galeras surgiram e vieram diretamente ao navio-bandeira.
Um parou logo à frente e o outro os seguia de perto a bombordo. Os elfos novamente
lançaram sua chuva de flechas de fogo, e em um momento quase limparam o deque do
líder.

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- Os timoneiros! - Amroth gritou. – Mirem os timoneiros do segundo navio! –Uma dúzia de
elfos de olhos precisos lançou de uma vez e um timoneiro caiu ao deque. Outro pulou em
seu lugar logo que o segundo agarrou seu peito e caiu ao rio. Uma última saraivada limpou
o deque e a galera foi à frente sem mãos para guiá-la. Vendo isso, Círdan voltou seu leme a
estibordo e voltou-se a seu arco da proa. A galera líder voltou-se a perseguí-los, e a outra
atravessou-lhe o flanco. O navio entrou muito na proa do outro, jogando homens ao rio e
deixando o outro em destroços.
Círdan veio para perto dos cascos cruzados. Pediu então pelos ganchos e três deles voaram,
agarrando os barcos inimigos. Muitas mãos raivosas agarravam as cordas. Enquanto os
arqueiros lançavam flechas nos guerreiros agarrados a seus deques, Gilrondil e alguns elfos
pularam o parapeito. - Elbereth! – gritavam, -Elbereth a Manwë! – Então arremessaram-se
ao barco inimigo e forçaram uma trilha sangrenta pela ponte guerreira com suas lanças e
espadas.
Aos pés da escada que levava ao deque, foram parados por defesas desesperadas. Lá estava
parado um homem, alto para sua raça, usando um elmo de capitão, e rodeado por seis
cavaleiros. Levavam longos sabres curvos e seus olhares eram duros e destemidos.
Gilrondil parou e disse: - Estão derrotados, homens de Umbar. Baixem suas armas e suas
vidas serão poupadas. – Mas o capitão deu uma risada sombria.
- Malditos elfos intrometidos! Poupar minha vida? Mas eu prefiro tomar a vida de um
imortal! – E ele curvou seu sabre sobre sua cabeça para descer sobre Gilrondil, mas caiu
perfurado por sua lança. Os cavaleiros do capitão caíram sob os elfos violentamente, mas
em alguns momentos de fúria mortífera todos caíram espalhados pelo deque, mas dois elfos
jaziam abaixo deles. Então Gilrondil tomou o sabre do capitão e com um golpe arrancou a
bandeira negra de Umbar de seu mastro e ela afundou no rio. Voltaram ao seu deque e
soltaram os ganchos.
Seus companheiros saudaram seu retorno triunfante com homenagens, mas estas morreram
em suas gargantas, pois naquele momento um trirreme passou e lançou-lhes mortífero
fogo.Os elfos ao redor de Amroth caíram ao deque, perfurados por longas flechas de penas
negras. Gilrondil caiu gemendo, com uma flecha através de sua coxa. Um dos timoneiros
caiu e outro tomou-lhe o lugar. A galera afastou-se e aproximou-se novamente para atacá-
los. Amroth tomou uma pontaria cuidadosa e pôs uma flecha através das costas de seu
capitão. O navio clamou e os tambores pararam. Os remos hesitaram brevemente, e naquele
momento um elfo do deque trouxe a catapulta e lançou uma grande pedra à galera. Caiu
através do escudo de couro para dentro dos deques dos escravos e devia ter penetrado
exatamente até o fundo, pois os remadores daquele lado largaram os remos, puxaram o
escudo e pularam às águas.
Os elfos não tiveram tempo de atendê-los. Deixaram o navio mutilado mortos nas águas. O
resto foi açoitado e obrigado a voltar à batalha. Perto do navio estava o barco de Hithimir.
O deque estava em chamas e cobertos pelos mortos. Porém havia alguns poucos para guiá-
lo, e estava voltando para a batalha ao lado de Círdan. Lado a lado foram encontrar-se.
Conforme aproximavam-se, uma galera veio a seu encontro. O fogo varreu seus deques e
causou grandes perdas, mas seus homens estavam firmes e não estremeciam, mas
mantinham-se e pagaram flecha por flecha. Então sua catapulta gemeu e lançou uma grande
bola de fogo ao navio de Hithimir. Inflamou as velas e o óleo flamejante encharcou os

122
deques e aqueles que estavam neles. Amroth pôde ver elfos rolando pelos deques e batendo
em suas roupas, mas logo todo o navio estava tomado por labaredas. Muitos pularam ao rio
mas não puderam ser auxiliados, a galera estava quase acima deles agora.
Círdan tentou um velho truque, lançando seu leme e guardando as velas. Voltou-se a
bombordo e o navio-bandeira voltou-se excessivamente, perigosamente próximo. Mas o
capitão inimigo foi rápido e virou seu arco a apontar ao lado exposto. Podiam ouvir agora
os tambores do mestre dos escravos num ritmo cada vez mais veloz e viram os guerreiros à
sua ponte batendo suas espadas em seus escudos e gritando tomados pela loucura da
batalha.
Seguraram-se para a colisão inevitável, mas no último momento surgiu ajuda inesperada
em uma forma infernal. Entre os dois navios veio uma ardente torre de fogo. Por um
instante puderam ver Hithimir ao leme de seu barco em meio às chamas Suas roupas
estavam queimadas e enegrecidas, de seus cabelos saía fumaça, mas parecia não sentir suas
mão cheias de bolhas agarrando ao leme. Então veio uma ensurdecedora e destruidora
colisão e um grande aríete negro veio das chamas e parou a alguns poucos pés de seu lado.
O barco ardente de Hithimir subiu e caiu num rugido sobre a galera negra, empalada em
sua própria perdição. Círdan circulou os navios em chamas, mas daquele inferno ninguém
saiu com vida, homem ou elfo.
- Leme à frente! - gritou Círdan. – atrás deles! - Amroth observou os navios que
queimavam e viu uma galera negra deixando a batalha, indo às costas ao leste. Estava
passando perto da popa quando começaram seu rumo. Olhando atrás, viu um grupo de
homens altos trajando negro em seu deque, nem a cinqüenta jardas de onde estava. Logo à
frente deles, um grupo de homens do mar estavam organizados ao redor de algum
maquinário que ele não pôde determinar o que era, mas uma coluna de fogo subia dele. Eles
subitamente afastaram-se pulando para trás, e com uma estrondosa explosão, uma bola de
fogo alçou vôo diretamente a Amroth.
Ele teve apenas tempo de gritar em aviso e atirar-se para o lado Ouviu um rugido profundo
e sentiu uma onda de calor quando o projétil voou sobre seu ombro, então veio a colisão
atrás dele. Virando-se, viu que a bola havia atingido a grade do deque inferior, e mandou
uma onda de chamas acima e ao lado do barco. Instantaneamente uma dúzia de elfos
saltaram à frente, golpeando as chamas com suas peles encharcadas. Ouviu gritos de triunfo
atrás e voltou-se para ver os oficiais Umbardrim os escarnecendo. Um deles, mais alto que
o resto, foi à amurada e mostrou o punho a eles. Tinha uma face aquilina e um nariz curvo.
Por um instante seus olhares encontraram-se, e Amroth foi atingido pelo puro ódio de seus
olhos flamejantes.
Círdan voltou-se novamente, dirigindo-se à praia atrás deles. Os que iam desembarcar
foram ao deque, prontos a saltar à terra. Figuras saíam agora da galera quebrada, pulando
dos arcos ob descendo pela massa destruída de remos ao lado. A maior parte parecia estar
em pânico, tentando chegar em terra, mas um grupo ao redor do arco parecia manter-se ao
comando dos oficiais. Uma prancha desceu às areias. Várias figuras saltaram a ela para a
fuga, mas foram impedidas pelos oficiais. Então os elfos viram o porquê. Um grande cavalo
negro, bufando e lutando de medo, era levado para baixo. De alguma forma conseguiram
levar o poderoso corcel para baixo em meio à confusão e gritaria. A proa do navio chegou
às areias a cerca de cem jardas da galera.

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Gritando - Elbereth Gilthoniel! - os que aportariam saltaram abaixo. Amroth seguiu-os,
com seu arco e sua curta espada prontos. Após mais de duas semanas no mar, a terra parecia
pedregosa sob seus pés. Cinqüenta poderosos elfos formaram-se e começaram a dirigir-se à
galera encalhada.
Apesar das chamas lambendo ao redor deles, os elfos logo trouxeram o navio de volta para
a perseguição à galera fugitiva. Com o barco próximo, os ventos felizmente afastaram as
chamas das velas e cordames. Logo uma mangueira foi trazida e a bomba usada, e o fogo
foi extinto. A galera dirigia-se contra os ventos sul, então os elfos foram forçados a
enfrentá-los, perdendo terreno a cada jarda. Estavam com talvez duzentas de distância,
quando chegaram à costa oposta a Pelargir migraram diretamente para a praia a toda
velocidade. Seu mastro tombou à frente, batendo sobre as fileiras de remadores. Todos à
bordo foram lançados ao chão do barco, mas os oficiais logo levantaram-se e correndo à
frente, subindo nas costas daqueles que lutavam para livrar-se da confusão de cordames que
cobria a parte posterior do navio.
O cavalo estava na praia agora, e os oficiais foram ao redor dele. Amroth viu um montar o
cavalo, e reconheceu novamente aquele rosto sinistro que o havia fitado. Ele olhou-os
rapidamente, e esporeou o cavalo viciosamente e ele saltou à frente, lançando jatos de areia
a cada passada. Dirigia-se a uma abertura nas árvores atrás da praia. Os elfos foram à sua
esquerda para interceptá-lo. Não foi à esquerda, mas diretamente a eles. Vários elfos
atiraram flechas e preparavam-se para derrubá-lo, mas ele foi rapidamente ao seu flanco
direito. O cavalo simplesmente atropelou dois e o corsário golpeou com sua espada,
matando outro elfo que alcançava as rédeas. Uma dúzia de flechas zuniam ao redor dele,
duas rebatendo em sua malha, mas então ele se foi. O cavalo mergulhou numa íngreme
inclinação de areia, e foi embora por entre as árvores. O viram por último cavalgando
rápido, não para seus aliados ao sul em Harondor, mas para o norte, para as montanhas de
Mordor. Gritos de vitória vieram dos Corsários quando viram seu mestre escapar. Os elfos
voltaram-se e avançaram contra eles e a batalha recomeçou em um instante.
Muitos feitos de bravura ocorreram nos próximos minutos, e muitos bravos homens e elfos
morreram ali, seu sangue se esvaindo nas areias. Mas em não mais que dez minutos a
batalha estava terminada. Muitos dos escravos recusavam-se a lutar e ficavam em um grupo
aterrorizado à beira d’água. Mas os Corsários lutaram bravamente e bem, não cedendo
território. No fim restaram dois de seus oficiais, dando-se as costas por entre o círculo de
seus camaradas mortos. Não desistiram, observando o anel de elfos a seu redor, esperando
pelo fim. Mas então um elfo pegou um pedaço de rede e jogou por cima deles.Vários elfos
saltaram à frente e os derrubou, desarmando-os e atando-lhes as mãos. Iraram-se e
amaldiçoaram seus captores, como se, poupando-lhes, estivessem lhes insultando.
Círdan chamou os aterrorizados escravos, dizendo: - São agora homens livres. Se quiserem,
os levaremos a Pelargir. Se derem sua palavra de nunca atacar a nós ou a Gondor, veremos
o que pode ser feito para retorná-los a seus lares.
O pobre grupo comemorou levemente, e todos deram sua palavra. Gilrondil levou dois a
seu navio, e alguns momentos depois mais deles saíram, e todos retornaram à batalha no
rio.
Mas encontraram apenas navios brancos. Por todo lado navios queimavam e cascos virados
jaziam nas águas agora sujas, repletas de corpos, e uma fumaça marrom nublava o lugar. O

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cheiro da batalha lhes queimou as narinas. Após a gritaria e o tumulto da batalha, o rio
estava novamente quieto, salvo pelos destroços de navios em chamas.
Pararam em silêncio, observando o que havia sido momentos antes duas orgulhosas frotas.
A frota negra de Umbar estava acabada, mas dos quarenta barcos que partiram de Lindon,
duas e vinte nunca partir o rio azul de Lhûn, e muitos dos elfos que viveriam por ainda
longas eras nunca veriam seus lares à oeste.
Finalmente Círdan soou sua trombeta e os remanescentes da frota branca foram atrás dele.
Giraram os lemes e dirigiram-se aos portos de Pelargir.
Uma batalha ainda ocorria entre os portões da cidade e a ponte à frente. Apesar de sua frota
estar destruída os homens de umbar não estavam derrotados. Aqueles que não puderam
voltar a seus barcos determinaram-se a lutar. Assim que os defensores da cidade viram a
frota aproximando-se, avançaram sobre seus inimigos frustrados. Os homens de Umbar,
com seus meios de fuga destruídos e tropas em grande confusão e desordem, rapidamente
encontraram-se na defensiva. Seus escravos, ignorados e sem liderança, largaram suas
armas e ou fugiram do campo ou baixaram-se em rendição. Seus então mestres voltaram-se
contra os portões e reagruparam-se, formando dois pequenos quadrados de arqueiros e
guerreiros nas bordas, formando uma murada. Estavam agora determinados através da
ponte a caminho de Lebennin. Mesmo agora estavam próximos às torres leste da ponte.
Os defensores Pelargrim continuavam a proteger a ponte, mas pareciam poucos e menos
numerosos. Estava claro que apenas poderiam postergar, mas não deter o avanço dos
Umbardrim.
- Círdan! - Chamou Amroth. – Deixe-me descer no banco oeste com uma guarnição e
defenderei a ponte!
Ele voltou-se surpreso. – Não é acostumado a batalhas, Sindar? Ou talvez queira mesmo a
terra sob os pés?
Amroth sorriu e apontou o leme sobre ele. – Seu leme nos serviu bem neste dia, Senhor,
mas não vou sentir demasiado sua falta. Prefiro solo mais firme enquanto luto.
- Que seja, então. Curulin! Estibordo com seu leme! Leve-o ao banco logo ao lado oeste da
ponte. Nosso elfo-da-floresta aqui quer desembarcar. E não muito próximo das rochas.
Gilrondil, dê sinal à frota de nossas intenções. Vamos deixar que todos os que queiram
seguir Amroth tenham sua chance.
A pequena frota alterada pela guerra tomou o caminho para as areias. Amroth pegou mastro
e bandeira e saltou para a praia, seguido por alguns arqueiros. Então mais e mais
marinheiros saltaram, até que os navios estivessem quase vazios.
Finalmente até Círdan saltou atrás de Amroth. Deu um breve sorriso – Parece que devo
seguir se quero continuar a liderar. Travemos a batalha juntos em terra como foi nas águas.
Tomou então o mastro da bandeira. – À frente agora! – Gritou. - Por Elbereth! Elbereth e
Gil-galad!
- Elbereth! – Vieram os clamores de muitas vozes. - Gil-galad nosso rei!
De todos os navios elfos desciam até que uma grande companhia de várias centenas
posicionaram-se às praias estreitas. Subiram os bancos para a estrada, formaram-se

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novamente, e marcharam para a ponte. Estavam ali duas fortes torres com um arco entre
elas. Mas os parapeitos estavam vazios. Muitos dos arqueiros élficos escalaram as torres e
posicionaram-se nos vãos e nas janelas. Aqueles com espadas e lanças ajoelharam-se pela
estrada, formando uma barreira tripla. O resto ficou atrás com flechas já em seus cordões.
Alguns minutos de espera, então veio um grito triunfante e um homem de armadura veio
sobre a crista da ponte arqueada. Suas cores eram negras e seus rostos selvagens e ferozes,
sujos pelo suor e fumaça sob os elmos dourados. Um levava uma bandeira com um barco
sobre um mar vermelho. Estavam vindo correndo e olhando para trás, rindo e escarnecendo
de seus perseguidores. Quando viram o bloqueio élfico na estrada pararam, amaldiçoando e
olhando também para os homens vindo atrás deles.
Círdan deu um passo à frente e chamou-os em voz alta. – Homens de Umbar! – Gritou. –
Desistam, pois foram subjugados. Não façam de viúvas suas esposas!
Mas o que carregava a bandeira cuspiu à frente e gritou. – As mulheres de Umbar preferem
ser viúvas que esposas de covardes! – Então correu para frente com um clamor rouco atrás,
seguido por todos os seus guerreiros. Uma centena de cordões de arcos soaram como um, e
nenhum dos Corsários atingiu as linhas sem ser ferido. Seu líder, perfurado por muitas
flechas, bramiu seu estandarte como um machado, atingindo vários elfos, e então
desapareceu sob uma chuva de flechas velozes. Em um momento estava terminado.
Nenhum cavaleiro de Umbar permaneceu vivo.
Então veio outra companhia de homens correndo pela ponte, mas estes levavam plumas nos
elmos e escudos azuis. Pararam quando viram os elfos parados sobre os Corsários mortos.
Círdan e Amroth avançaram para encontrá-los ao centro da extensão da ponte. O que
carregava o estandarte baixou sua bandeira e seu capitão levantou seu elmo e ajoelhou-se
perante Círdan. Tinha a pele clara e cabelos escuros, e semblante sério e orgulhoso. Tinha
certa semelhança com Isildur e Elendil, mas aos olhos élficos de Amroth parecia-se mais
com outros Númenorianos que curvam-se aos mesmos.
- Muito bem vindos, primogênitos. – disse o homem. - Sou Duitirith, filho de Barathor, o
Senhor de Pelargir. E digo a vocês: Pelargir é sua, pois hoje pagaram com seu sangue
imortal. Venham à cidade, Pelargir fará o que puder para recebê-los com honra e gratidão.
Mas Círdan o fez levantar-se, dizendo: - Não, levante-se, Príncipe Duitirith, pois hoje vocês
mostraram que podem ficar contra todas as possibilidades. Sou Círdan, e viemos não para
aceitar sua cidade, mas para auxiliá-los em sua hora de necessidade.
- E realmente, - Disse Duitirith, levantando-se, - A hora havia chegado a nós, Senhor
Círdan, pois não poderíamos suportar uma hora mais. Venham todos, bravos elfos, e
visitem a cidade que preservaram. Festejaremos em sua honra.
E ele levou os homens e elfos juntos de volta à cidade. Conforme aproximavam-se, podiam
var que as muralhas estavam enegrecidas e danificadas pelo fogo. Os grandes portões
estavam quebrados e rachados, e o imenso aríete de bronze jazia afundado sob a estrada no
meio das pilhas dos que caíram.
Chegaram aos portões e pararam. Uma voz veio da muralha acima. – Vocês que vêm a
Pelargir pelo Anduin! Digam seu nome, sua terra e o Senhor a quem servem!

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Círdan deu um passo à frente e disse. – Sou chamado Círdan, Mestre dos portos de
Mithlond e Guardião de Lindon em nome de meu Rei Ereinion, Gil-galad. Esses são meus
amigos e aliados, de muitas terras dos elfos.
- São então amigos desta cidade - respondeu a voz – entre em paz, Círdan de Mithlond. –
Os portões vagarosamente abriram-se com um grande ruído, pois suas dobradiças foram
torcidas e a madeira rachada. Adentraram a cidade e os moradores de Pelargir os saudaram
dos telhados e varandas.
Círdan olhou com surpresa conforme lentamente andava pelas ruas
- Vejo muitas mulheres e crianças, Príncipe Duitirith, mas poucos homens. Onde está o
restante de seus guerreiros? -
- Tínhamos menos de mil homens nos exércitos, no total, quando os Corsários caíram sobre
nós. Ainda não sei quantos restaram, meu Senhor.
- Como pode ser? - disse Círdan. - Pelargir é uma grande cidade, com campos férteis e
muitos vilarejos. -
- Sim. Semana passada, meu Senhor, tínhamos mais de seis mil homens, mas eles foram
com Barathor a Osgiliath para auxiliar o Rei de Gondor.
- O Rei? Isildur esteve aqui? Quando?
- Montou de Linhir e das terras do oeste, a apenas cinco dias atrás. Trazia histórias sinistras
e tempos terríveis e pediu nossa ajuda para combater Mordor. Mas meu pai estava relutante
em ceder tantos guerreiros enquanto corríamos perigo de um ataque dos Corsários. Então
de seu povo veio Gildor, dizendo que estavam apenas a um dia atrás, e Barathor partiu com
o exército de Pelargir, deixando-os para manter a cidade enquanto vocês chegavam.
- Estaríamos aqui há dois dias atrás, mas fomos atrasados por uma tempestade que nos
afastou do leste e carregou-nos a muitas léguas das costas. Vocês sofreram muitas perdas
por nosso infortunado atraso?
- Precisávamos de cada homem nos muros, então ousamos não deixar homens nas frotas.
Perdemos muitos no cais quando eles chegaram pela noite, mas a maioria conseguiu chegar
às muralhas. Mantivemos alguns barcos rondando nas Ethir, mas também devem ter sido
destruídos.
- Sim, eles foram. - Disse Círdan. – Vimos os fogos à manhã passada, mas não pudemos
chegar em tempo de auxiliá-los. Não encontramos sobreviventes.
- Os Corsários não deixam sobreviventes. É como temíamos. Muitos bons homens
morreram.
- Morreram sem curvar-se, Príncipe, pois em seu mastro do navio quebrado vimos as cores
de Pelargir. Pereceram em uma luta sem esperanças, mas não em vão, pois os fogos de suas
mortes nos chamaram em seu auxílio. Não se aflija demais, Duitirith. Sua cidade ainda está
em pé, seu povo continua livre. Minha frota permanecerá aqui com você e meus
marinheiros e construtores estão à sua disposição. Guardaremos as Ethir e as costas até que
sua frota esteja pronta mais uma vez. E com a frota negra destruída, deve-se ter pouco
medo de um ataque. Longos tempos passarão até que Umbar erga-se novamente contra
Pelargir.

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- Sim, meu Senhor, nossos corações estão realmente alegres em meio à tristeza. Há muito
vivemos à sombra do medo. É difícil entender que finalmente terminou. Devemos festejar
nessa noite, uma noite que jamais veríamos a horas atrás.
Chegaram a um grande salão em uma grande torre espiralada azul e entraram. Um homem
surgiu para encontrá-los, a cabeça com uma atadura e o braço com o sangue estancado.
- Senhor Círdan, - disse o Príncipe. – Este é Luindor, Capitão dos navios de Pelargir. Ele
executou grandes feitos neste dia.
Luindor curvou-se a Círdan e surpreendeu-se quando Círdan curvou-se em retribuição.
- Todo o povo de Pelargir fez muito hoje. - Respondeu Círdan.
- Obrigado, Senhor. - Disse Luindor. – Por todas as pessoas de Pelargir, obrigado. Salvou
nossa cidade e nossas vidas. Vi sua batalha nos campos próximos aos portões, e nunca vi
manobras navais tão habilidosas. -
- Os atingimos desatentos de despreparados. Se estivessem totalmente a postos e tivessem
tempo a preparar-se para nós, o dia poderia ter um final bem diferente.
- Apesar disso, fizeram uso de suas vantagens e reagiram com grande prontidão.
Inteligentemente, Senhor. Parabenizo-lhe, de um comandante naval a outro. – trouxe sua
espada ao peito em saudação. Então sua face escureceu. – Mas esqueci-me de mim mesmo.
Não sou mais um comandante naval, pois uma cidade sem barcos não precisa de um.
- Será um comandante enquanto puder comandar um deque, Luindor. - Disse Duitirith. – A
frota será reconstruída imediatamente. Não nos disse diversas vezes que precisávamos de
navios mais novos? Está sempre trazendo inovações a incorporar a nossos próximos barcos.
Difícil terminar algo e você logo quer mudar os planos.
- Mas todos se foram, meu Senhor. Todas as minhas belas embarcações: Míriel, a querida
Indis, a honrada Melian... todas. Por muito tempo, não haverá navios tão belos a agraciar o
Anduin novamente.
- Talvez não muito tempo, capitão. –Disse Círdan. – Entre meu povo estão muitos
construtores e marinheiros, e todo o comércio marítimo, pois estivemos construindo barcos
em Mithlond por toda esta era. Eles deverão permanecer aqui para ajudá-lo a reconstruir. E
eu enviarei nossos barcos a rondar as Ethir e patrulhar as costas, então os portões sul de
Gondor permanecerão seguros enquanto seus barcos são construídos.
A face de Luindor resplandeceu rapidamente. –Eu ficaria muito feliz em conversar com os
arquitetos que construíram suas barcaças, meu Senhor. Nunca pensei eu que navios tão
grandes manobrariam em sua extensão, mas juro que o vi ocorrer mais de uma vez na
batalha. Com alguns navios como aqueles poderíamos manter a Baía de Belfalas livre de
todos os inimigos!
Duitirith sorriu pela face ansiosa de Luindor. As águas do cais ainda ardiam, e Luindor já
tinha vinte navios planejados.
Estavam sentados em longas mesas em um grande e amável salão. Bandejas de comida,
apressadamente preparadas, eram trazidas com garrafas de vinho e outras bebidas. Então
uma linda mulher surgiu e curvou-se perante os senhores élficos. Usava um longo vestido
verde que acentuava seus longos cabelos avermelhados. Dirigiu-se a Duitirith e lançou seus

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braços a ele. Segurou-o fortemente, como se quisera crer que ele realmente sobreviveu à
batalha. Duitirith a beijou e sorriu a seus convidados.
- Senhores, lhes apresento minha mãe Lady Heleth. Mãe, estes são Círdan de Mithlond e
seus senhores e aliados. - Círdan apresentou seus companheiros, e os olhos dela brilhavam
a cada nome. Finalmente derramou lágrimas de alegria.
- Bem vindos a Pelargir, Senhores. - Disse ela, secando os olhos. – Perdoem-me, mas não
pude me conter. Desde as primeiras horas vimos nossos navios queimar, nosso povo morrer,
nossos portões quebrarem-se. Vimos apenas a morte antes do amanhecer. Digo-lhes,
senhores, que quando vi seus navios da Torre Azul, pensei ter visto Eärendil retornando dos
céus para nos salvar. Sempre estaremos em débito para convosco.
- Bela dama, - respondeu Círdan. – Apenas sinto não chegarmos antes e poupá-la deste dia
de horror.
- Senhor Círdan, nos livrou de um horror que surgia sobre nós por toda a vida. Pagamos um
terrível preço, mas se a força de Umbar está quebrada, este foi bem gasto.
Então voltaram-se à sua comida e todos comeram com apetite, pois ninguém havia tido
desjejum naquele dia. Homens e elfos riram e conversaram juntos e trocaram histórias de
seus papéis na batalha. Amroth sentou-se entre dois capitães, um de Pelargir e um de
Mithlond. O elfo contou sua manobra dirigindo-se a um grande trirreme, usando a própria
tática corsária de aríete contra eles.
- Mantive o leme levemente virado, - Disse – e então voltamos a eles assim. – Virou dois
pães no ar, voltando um oposto a outro. – Nos viram chegando e avançaram fortemente seu
leme. Pude ouvir o mestre dos escravos ribombando tão forte quanto podia. Se houvessem
avançado muito, poderiam ter escapado, mas os remos foram largados na água parados. Foi
como se houvessem desistido e esperado por nós.
- Então os remadores do nosso lado arrancaram sua proteção de couro e levantaram-se,
gritando e balançando os braços. Pensei que estavam em pânico, mas antes de batermos,
pude ouvir o que gritavam. Estavam saudando-nos, chamando “Gondor! Gondor!
Gondor!”. Então entendi que deveriam ser cativos levados de Gondor. Estavam sendo
forçados a atacar sua própria cidade, e então não atacariam os navios de Umbar. - Balançou
sua cabeça severamente. – Os cortamos em dois. Os cortamos em dois e tive que deixá-los
ali na água, e continuaram saudando-nos. Nunca esquecerei isto.
O capitão de Pelargir silenciou um momento. – Sempre foi assim quando lutamos contra os
Corsários. – Disse – Sabíamos que tínhamos nossa gente nos remos, mas o que faríamos?
Temos que fazer o melhor que pudermos para afundá-los, sabendo que nossos irmãos ou
filhos podem estar a bordo. Muito mais homens bravos de Gondor morreram hoje do que
lutaram em Pelargir.
- Nenhum foi mais bravo que a guarnição da ponte. – Disse um homem sentado ao outro
lado. – O jovem Foradan tinha apenas vinte homens para manter a ponte sobre o Sirith.
Muitas das galeras Umbardrim aportaram além do Sirith e suas companhias tinham que
cruzar a ponte para chegar aos portões. Vi a batalha do topo do portão. Os homens de
Foradanformou uma linha através da estrada à torre mais próxima, porém centenas de
inimigos já estavam à ponte. Não tinham chance e sabiam. Foi uma terrível batalha

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sangrenta e breve, claro, pois cada um deles caiu onde estava. Ninguém recuou um passo. –
Balançou a cabeça tristemente. – Jovens, todos, ninguém tinha mais de dezoito anos.
Apesar da conversa entre eles ser séria, muitos outros no salão estavam alegres, e risos
eram ouvidos de vez em quando. O povo de Pelargir sentiu-se como que livre de uma
sentença de morte, e os eldar estavam em terra novamente após uma viagem longa e
perigosa. E todos sentiam a estranha alegria culpada que o soldado sente após uma batalha
mortal quando percebe que, apesar de estar vivo, muitos morreram.
Duitirith parecia particularmente com bons espíritos. Ofereceu torrada após torrada a
Círdan e aos outros senhores élficos. Sua jovem face brilhava vermelha com prazer e
comida. Subitamente seu riso claro correu o salão. Estava em pé, levantando seu chifre-
caneco.
- Apenas gostaria de ver o rosto de meu pai, - disse – quando retornar em urgência e
encontrar-nos não sitiados, mas festejando!
Círdan voltou-se a ele em surpresa. - Senhor Barathor retorna a Pelargir? Você enviou
mensagem a ele?
- Sim, há muitas horas atrás. Ao primeiro ataque pirata, enviei meu escudeiro a montar o
mais rápido que pudesse atrás dele.
- Mas isso não é bom, - Disse Círdan. – Se o que disse sobre a sorte de Isildur é real, a
perda dos homens de Barathor deixará Osgiliath fracamente resguardada.
- Mas a batalha está terminada, - Disse Duitirith, subitamente sóbrio. – Os Corsários foram
destruídos e o Portão do Sul está seguro. Nós vencemos.
- Acha que porque derrotamos sua frota derrotamos Umbar? Umbar ainda é poderosa. Tem
outros navios. Tem grandes forças em terra, e tem aliados: os homens de Harondor e do
Harad Distante correm com a bandeira de Herumor. E Umbar é apenas uma arma no arsenal
de Sauron. Mesmo que o império de Umbar estivesse destruído e enterrado, ele poderia
descartá-lo como a um arco com o cordão partido e simplesmente tomar outro. Não, este foi
apenas um treino antes que a verdadeira batalha tenha início.
Duitirith empalideceu-se e o salão ficou em silêncio.
- Os senhores do Oeste decretaram que um conselho de todos os nossos aliados deve
ocorrer em Osgiliath em apenas três dias. Se Barathor não estiver lá o conselho pode ser
adiado e nosso ataque tão planejado falhar. A guerra pode voltar-se com este destino.
Porém, pode ter sido este o verdadeiro propósito do ataque Corsário – não tomar Pelargir,
mas atrasar o conselho. – Sentou-se um momento, pensando profundamente.
- Duitirith, Lady Heleth. - disse - Agradecemos muito por sua hospitalidade. Faz muito
tempo desde que nos sentamos com amigos e rimos. Mas devemos partis a Osgiliath com
toda velocidade possível.
- Agora? – Perguntou Duitirith espantado – Mas acabou de sair da batalha. Você mal
comeu. Descanse aqui hoje, e pela manhã...
- Não podemos aguardar pela manhã. Você não conhece tudo o que está em jogo aqui. Se
nossos planos não ocorrerem e falharmos, você encontrará um perigo maior que os

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Corsários de Umbar à seus portões, e não haverá aliados para ajudá-lo. Cardur! Quando
podemos ter um navio pronto?
O capitão-sênior sobrevivente de Círdan levantou-se rapidamente, com uma bandagem em
sua perna ferida. – Não há um navio perfeito a rumar, meu Senhor, - disse – mas em
algumas horas, se nós...
-Bom. Luindor! Quanto tempo levaria um navio a chegar em Osgiliath?
- São sessenta e cinco léguas, Senhor Círdan, contra as correntes. Três dias, no mínimo.
- E se cavalgarmos?
- A estrada tem cinqüenta léguas. Um dia e meio, talvez.
- Então devemos cavalgar. Assim também temos chances de interceptar Barathor. Príncipe
Duitirith! Pode nos prover seis cavalos velozes?
- Claro. Glamrod, cuide disso. Leve-os aos navios dos elfos. E dêem-lhes provisões, para
que nunca seja dito que um convidado do Senhor de Pelargir partiu faminto.
- E Senhor Círdan, - continuou –quando encontrar meu pai, ele irá querer vir ajudar-nos.
Ele não deve. Apresse-o a retornar e Osgiliath com vocês, pois a maior necessidade está ali.
Assegure-o de que estamos bem e com a ajuda de seus elfos-do-mar estamos seguros e
reparando nossas defesas.
- Meu Senhor, -disse Círdan, - Irei fazê-lo. Está claro a mim que você gerencia uma
situação difícil admiravelmente. Será um grande Senhor um dia.
Duitirith sorriu com orgulho e prazer ante este cumprimento.
- Cardur, - disse Círdan. – Deixo-o encarregado da frota. Observe primeiramente o reparo
dos navios. Quando uma dúzia estiver pronta, mande-as rápido às Ethir e guarde para que
mais nenhum visitante indesejado entre no rio. Luindor,terá de fazer uso total de seus
recursos. Use-os para começar a reconstruir sua frota. Amroth, Gilrondil, vocês irão
comigo. Tragam seus escudeiros. O resto de vocês, dêem todo auxílio necessário aos
homens de Pelargir. Se forem atacados, mantenham a linha do rio a todo custo. Agora,
deixem-nos partir. Adeus a todos, povo de Pelargir.
E com isso Círdan deixou o salão. Houve um momento de silêncio, e então todos
levantaram e foram a seus deveres. Amroth despediu-se apressadamente de seus novos
amigos e correu atrás de Círdan.
Conforme passavam pela cidade viram pessoas ocupadas por todos os lados. Alguns
tratavam dos muitos feridos, outros continuavam apagando os fogos ateados pelas
catapultas dos Corsários. Uma carroça levava várias figuras jazendo sob escudos. Havia
muita emoção no ar, um misto de pesar e alegria. Muitos guerreiros choravam abertamente
pois quase todos perderam amigos e camaradas na batalha. E mesmo assim Amroth pôde
ver em muitas faces uma luz de alegria, pois a batalha estava ganha e a cidade salva, ao
menos pelo momento. Nos festejos também havia sido atingido por toda a alegria de muitos
jovens homens e mulheres que ali estavam, que há apenas horas atrás estavam preparando-
se para morrer e deixar o mundo para sempre. Por sua parte, Amroth sabia que os eventos
desse dia – o medo e horror da batalha, os amigos mortos – estaria em seu coração por

131
milhares de anos. Amroth pensava enquanto observava agora como as emoções dos homens
parecem fluir a eles mais rapidamente do que nos elfos.
Teve tempo também de notar a cidade ao redor deles. Foi sua primeira visão de uma cidade
dos homens. Havia ouvido histórias da bela Annúminas, a cidade de Elendil ao lago
Nenuial, mas nunca a visitou, imaginando-a como uma imitação crua de Mithlond ou Caras
Galadon. Mas agora via que havia subestimado os homens. Pelargir era uma cidade muito
mais nova do que mesmo o mais recente povoado élfico, porém sem dúvida seu povo
achava mil voltas solares um grande tempo. E não foi construída com a arte dos
Primogênitos. Foi construída com pedras, sem magias ou poderes para mantê-la segura,
aqueles que eram plenamente mortais. Quantas breves vidas de homens foram levadas para
cortar estas pedras e trazê-las, e erigir esta cidade, para construir suas colunas, pintar seus
afrescos, pavimentar as ruas? E cada artesão sabia que não poderia viver o bastante para ver
o trabalho completado. Construíram-na para si, para seus filhos, ou com algum outro
propósito? E percebeu que gostaria de retornar a essas terras em tempos mais felizes, se
pudesse voltar novamente. Desejou saber mais sobre esta curiosa raça, viver por algum
tempo entre eles e conhecer seus caminhos.
Chegaram aos portões e aguardaram apenas alguns minutos para que eles pudessem ser
arrastados para abrirem, então apressaram-se aos navios. Pegaram seus pertences e
chamaram seus escudeiros, Círdan dando ordens a seus oficiais todo o tempo. Tinham
apenas terminado quando o servo de Duitirith, Glamrod surgiu com seis belos cavalos
- São nobres animais. - disse Amroth, batendo no pescoço de um deles. – São do próprio
estábulo de Duitirith's, meu Senhor. - disse Glamrod. – Os carregarão com a velocidade dos
ventos.
Círdan saltou à sela do primeiro cavalo. – Serão tratados e trazidos novamente a seu Senhor
assim que pudermos. Nossos agradecimentos a você, e ao seu mestre.
- Sigam a estrada da ponte, meu Senhor. - Glamrod chamou. – Tome a estrada mais larga a
cada curva, e a duas alvoradas devem acharem-se diante das muralhas de Osgiliath. Uma
boa jornada a vocês.
Estão os escudeiros correram, continuando a mastigar seus jantares, e começaram a atar as
bolsas às selas. Gilrondil subiu, sua ferida presa em uma bandagem branca. Montou sem
precisar de ajuda. Amroth voltou-se ao povo de Pelargir que havia descido ao cais para
observá-los.
- Agradecemos a todos, bom povo de Pelargir.Fizeram-nos sentir em casa em uma terra
distante.
- Que Eru os abençoe e à sua cidade. - disse Círdan. – Agora, montemos.
Esporearam seus cavalos e foram à estrada, viraram à esquerda, e galoparam por uma longa
subida. No topo pararam e olharam para a cidade. As torres altas de Pelargir brilhavam
contra o céu do entardecer. Um pouco de fumaça continuava subindo do vale do Sirith logo
atrás.
- Uma bela cidade. - disse Amroth. – Não gostaria de vê-la uma cidadela do Inimigo.
- Nem eu. – disse Círdan. – E se não for seu destino, devemos galopar como que carregados
por águias.

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Voltaram-se e correram vale abaixo rumo à longa estrada que ia pelas planícies.

CAPÍTULO 8
O CONSELHO DE OSGILIATH
 
Os elfos descansaram apenas algumas horas antes de serem acordados por Círdan. O céu a
leste estava relampejante, mas algumas nuvens estavam sobre os picos pontiagudos das
Ephel Dúath, alertando da tempestade que viria mais tarde naquele dia. Eles comeram
alguns bocados de lembas, então montaram seus ainda cansados cavalos e partiram
novamente. Conforme passou o tempo, quando o Sol surgiu em meio às nuvens eles
estavam nas planícies de Anórien sul. Era uma bela e agradável terra de pastos e florestas,
com muitos campos de feno. Esta era a região em que foram criados os robustos cavalos
pelos quais Anórien era famosa. Eles passaram por algumas pequenas vilas de algumas
dúzias de casas agrupadas ao redor de um moinho. Moradores alertas os observaram
galopando. Seus olhos abertos maravilhados com os elfos altos em suas armaduras
brilhantes e bandeiras estranhas de outras terras.
A estrada foi gradualmente descendo ao extenso vale do Anduin, com algumas fazendas e
vilarejos aqui e acolá. Muitos pareciam quase abandonados, mas podiam ver alguns grupos
nos campos, já ceifando o trigo matutino. Isso fez Amroth perceber o quão longe foram ao
sul. Pois em Lindon o trigo não estaria pronto por um mês ou mais.
As Ered Nimrais, primeiramente uma linha de picos brancos ao norte, gradualmente
aproximava-se. O final leste da cadeia montanhosa terminava abruptamente em um enorme
pico de pedra azul-acinzentada que surgia sobre as terras ao redor. As várias mudanças de
direção da estrada levaram-nos a norte em direção à montanha, até que ao fim da manhã
estavam cavalgando ao redor de suas colinas mais baixas. Alto em um vale, em uma
profunda fenda puderam ver a brilhante cidade branca surgindo muralha sobre muralha até
a pontiaguda torre branca. Um fazendeiro que encontraram à estrada lhes disse que a cidade
era chamada Minas Anor e a montanha Mindolluin, "Torre da cabeça branca". Chegaram a
uma bifurcação, à esquerda a estrada serpenteava em direção a Minas Anor. Viraram à
direita, descendo mais abruptamente em direção ao rio.
Eles não viam o Anduin desde o entardecer anterior, pois ele distanciou-se ao leste,
enquanto sua estrada levava-os a nordeste, diretamente a Osgiliath. Poderiam traçar a rota
do rio por uma linha de árvores negras distantes à direita em meio aos campos verdejantes.
Além do rio, ainda confusas na distância, subiam as colinas verdes das Emyn Arnen.
Cavalgaram sem parar até que o Sol passou sobre eles, então tiveram uma pausa sob as
copas de árvores de cedro aromáticas para comer parte da comida preparada a eles pelos
Pelargrim.
- Devemos avistar Osgiliath dentre as próximas horas caso o mapa esteja correto. – disse
Círdan. – É uma pena que os cavalos estejam tão cansados ou poderíamos chegar em menos
tempo. Não quero ceder nenhuma hora.

133
- Onde pode estar Barathor? - Perguntou Amroth. – Certamente deveríamos tê-lo visto até
agora.
- Ainda há alguma distância até Osgiliath. E mesmo depois que o mensageiro chegou,
devem tomar algum tempo até marcharem. Mas devemos encontrá-lo em breve.
- Apenas espero que ele não tenha ido pelo rio, pois então certamente o perderíamos.
- Eles virão por terra. Mesmo com a corrente favorável, o rio é o maior e mais longo
caminho. Barathor irá viajar tão rápido quanto possível.
Círdan os tinha montando novamente em menos de um quarto de hora. Amroth estava
continuamente movendo-se à sela. Estava desacostumado a montar e agora mais ainda pela
sensação de um deque sob seus pés novamente.
As nuvens gradualmente cobriram o céu conforme o dia passava, até que na metade da
tarde o Sol brilhava em grandes raios diagonais de buracos rasgados em um cobertor de
nuvens. Uma leve brisa veio do leste, trazendo o cheiro da chuva. O ar frio em suas faces
foi calmante, e os cavalos foram capazes de apressar o passo ligeiramente. Amroth seguia
trotando, seus olhos ao céu baixando, quando um elfo perto dele gritou.
- Cavaleiros! Cavaleiros aproximam-se à frente, meu Senhor.
Amroth ficou em pé em seus estribos, e em uma elevação pôde ver uma longa linha de
cavaleiros descendo a um vale baixo e achatado. Círdan levou sua gente à crista da
elevação e parou, observando a aproximação da coluna. Havia quatro à frente, cavalgando
fortemente, seus cavalos brilhando com suor. À frente uma bandeira azul tremulava ao
vento de sua passagem. Apenas poderiam ser os Pelargrim.
Os cavaleiros líderes viram os montadores armados no topo da colina e refrearam suas
montarias. Um levantou seu braço e trouxe a coluna a uma parada precisa, trazendo uma
nuvem de poeira. Um grupo de cavaleiros rapidamente moveu-se em ambos os lados da
estrada. Houve uma breve conversa entre os líderes. Então uma dúzia dos cavaleiros mais à
frente cavalgaram à colina e pararam a vinte jardas dos elfos. Seus mantos pingavam e os
longos cabelos estavam escorridos, mas se era de chuva ou do suor da forte cavalgada,
Amroth não estava certo. Seus rostos eram sérios e imutáveis, e seus olhos tinham algum
brilho frio e forte. Seu líder era um grande homem trazendo armadura negra e dourada.
Uma longa pluma azul saía de seu elmo.
- Quem são vocês, estranhos que cavalgam armados em Gondor? – Chamou. – E se vêm de
Pelargir, que sabem de seu destino?
Então Círdan apressou seu cavalo à frente. Os olhos do homem se abriram quando notou
que estava falando com não homens, mas elfos.
- Pela sua pressa, senhor, - disse Círdan com um sorriso – suponho que seja o Senhor
Barathor. Sou Círdan, chamado de Armador, Mestre de Mithlond na terra de Lindon. E
quanto à sua cidade, está salva.
A gente de Barathor clamou maravilhada. A surpresa e a mudança em seus rostos era bela
para se contemplar.

134
- Mas... - Barathor gaguejou, com falta de palavras. – Mas ouvimos que a cidade havia sido
sitiada. Cavalgamos com imagens de fogo e chacina ante nossos olhos. Temíamos que já a
houvéssemos perdido.
- A frota está destruída, é verdade, mas sua bandeira ainda trêmula da torre azul. As
muralhas estão enegrecidas e vários defensores caíram, mas seu filho e seu povo
mantiveram as muralhas até que chegássemos.
- Você viu meu filho? - Perguntou Barathor, sua voz firme com a tensão. Pausou, como se
temeroso a perguntar a próxima questão.
- Ele está vivo e são. Deixamos-lhe festejando em graças há dois dias atrás. Sua dama
estava com ele.
O alívio de Barathor era evidente em sua face, mas rapidamente perguntou: - E os
Corsários?
- Caímos sobre eles pela traseira, conforme atacavam a cidade. Estão completamente
destruídos. A frota negra não lhe trará mais problemas.
- Então a face negra de Barathor tornou-se um grande riso claro. Desembainhou sua espada
e arremessou-a girando alta sobre sua cabeça. Ela cintilou e refletiu o sol brilhante antes
que ele a agarrasse habilmente pela empunhadura. Es homens atrás à coluna principal
olharam-no espantados. Sem dúvida pensaram que estava tomado por fúria. Mas dois dos
cavaleiros já esporeavam seus cavalos para contar-lhes a notícia. Em um momento grande
ânimo surgiu nos homens à frente e continuou até atrás conforme a boa nova era espalhada.
Barathor dirigiu seus homens para um campo atrás da estrada e os elfos juntaram-se a eles
para dizer o que sabiam da batalha. O clima era festivo. Galões de vinho foram abertos e
passados adiante. Amroth logo notou que muitos dos soldados eram de fato marinheiros da
frota de Pelargir. Haviam muitas faces tristes quando ouviram sobre a queima da frota, mas
perguntaram aos elfos várias vezes sobre os detalhes das batalhas navais. Riram da
confusão de seus antigos inimigos quando a frota branca surgiu totalmente despercebida à
sua traseira. Mas o humor dos ouvintes tornou-se mais sombrio quando ouviram sobre as
perdas sofridas pelos defensores.
- E quanto ao jovem Foradan? - Perguntou Barathor – ele estava encarregado da ponte
sobre o Sirith.
- Não sei, meu Senhor. - Respondeu Círdan - mas Amroth balançou a cabeça.
- Perdido, Senhor, com todo seu contingente – disse – ouvi a história nos festejos. O cais
estava tão cheio de navios de ambas frotas, muitos em chamas, que alguns dos Corsários
desceram do outro lado do Sirith. Muitos do povo de Pelargir que desceram às docas
estavam correndo de volta aos portões. Se os Corsários vencessem na ponte rapidamente
teriam os alcançado. A situação era desesperadora, pois os portões, é claro, estavam abertos.
Os homens de Foradan mantiveram a ponte tempo suficiente para permitir que o povo
escapasse e fechasse os portões antes que os Corsários os alcançassem. Uma batalha sem
esperanças, mas cada homem deles manteve a posição até a morte. Barraram os Umbardrim
pelo tempo necessário.
Barathor balançou a cabeça tristemente. - Foradan morto? Aquele nobre jovem homem? Ele
estava tão ansioso por cavalgar conosco, mas ordenei que ficasse mantendo a ponte.

135
- No fim das contas, Senhor, ele fez tudo o que podia ser feito.
- Você disse que as perdas foram grandes? Precisam de assistência médica? Tenho vários
homens especializados comigo.
- Não, meu Senhor. - Disse Círdan. – Meus curandeiros estão entre eles agora. Não há
melhor tratamento em nenhum lugar da Terra-média.
Círdan assegurou-os de que seus próprios barcos estariam em breve nas Ethir e patrulhando
o rio, e seu povo ajudando Luindor a reconstruir a frota.
- Então não há necessidade de irmos a Pelargir? – Perguntou Barathor.
- Não há. – respondeu Círdan. – Seu filho disse-me para particularmente dizê-lo de que ele
tinha tudo em ordem. E é verdade. Com o povo que deixei ali e os suprimentos que
trouxemos na frota, não lhes falta nada. O clima da cidade é de gratidão.
- Então devemos retornar a Osgiliath de imediato. As injúrias que sofremos são trabalho de
Sauron. Deixe-nos cavalgar com Isildur e pagar estes débitos. Devemos levar a guerra aos
portões de Sauron e deixá-lo provar seu próprio amargo remédio.
Seus homens gritaram e bateram suas armas em conjunto, agora ávidos por vingança.
- Venham, meus amigos. – Gritou. – De volta à Osgiliath, e de lá à Mordor!
E então a coluna formou-se novamente, da mesma forma que veio. Mas que diferença em
seu modo! Ao invés de galoparem a toda velocidade, agora iam devagar, seus elmos
amarrados às suas selas. Eles riam e conversavam entre si e perguntavam intermináveis
questões aos elfos. Passaram por algumas chuvas rápidas, mas ninguém se importou.
E após uma arriscada viagem e uma longa cavalgada, Círdan e seus elfos finalmente
chegaram à cidade de muitas torres, Osgiliath. Acima de uma pequena elevação, avistaram
abaixo deles a capital de Gondor encerrada em suas muralhas. Era a maior de todas as
muitas cidades que haviam visto. Alongava-se por mais de duas milhas pelos bancos do
Anduin, com ruas e mais ruas de mansões e templos e construções públicas. Domos, torres
e minaretes elevavam-se aos céus. O largo Anduin vagava através da cidade, e em seu
coração ficava uma imensa ponte de vários arcos como nenhuma outra na Terra-média. Era
tão grande que era delineada por casas em ambos lados, cada um com muitas sacadas e
passarelas abobadadas subindo o rio. E além do Anduin a cidade continuava novamente,
prolongando-se para longe à distância.
Amroth estava surpreso com Pelargir, mas observava maravilhado esta imensa cidade,
muito maior até mesmo que Mithlond, e ainda assim tão nova em comparação. Poucas de
suas construções haviam visto seu primeiro yén. Era como houvessem se levantado em uma
noite. Amroth imaginou como os homens mortais poderiam construir tanto em tão pouco
tempo, e tudo sem nem ao menos as mais básicas artes élficas, as quais eles em ignorância
chamam de magia. Esporeou seu cavalo e alinhou-se a Círdan, agora avançando um pouco
afastados dos outros.
- Meu Senhor. – Disse ele. – Esta cidade que os homens construíram é uma maravilha a se
observar.
- Sim. – Ele concordou. - Isildur e Anárion conseguiram muitos progressos em alguns
curtos anos. E a cidade de Elendil em Annúminas é quase tão grandiosa.

136
- Não lhe surpreende, Senhor, que criaturas tão efêmeras quanto os Atani possam encontrar
em suas breves vidas tempo suficiente para criar tamanha beleza, e em tal escala? Gerações
devem ter trabalhado e perecido para que seus descendentes - e eles nunca saberiam –
pudessem ter um belo lar. É como se esquecessem que são mortais.
Os olhos de Círdan fitaram a cidade, demorando-se de detalhe em detalhe. Cada torre
parecia mais amável do que a anterior, cada casa, mais majestosa, cada monumento e arco
mais impressionantes.
- Talvez seja devido à noção de sua mortalidade que constroem tão fervorosamente. – Ele
meditou. – Apesar de partirem, os construtores serão lembrados enquanto as próprias
construções permanecerem. Talvez seja sua maneira de agarrarem-se às eras que são nossa
infância.
Amroth considerou. – Pode estar certo, meu Senhor. – Disse. – Mas já se perguntou que, se
nossos papéis fossem inversos, os Quendi fariam o mesmo?
- Isso jamais saberemos. A Dádiva dos Homens nos é para sempre negada.
- Os Atani não chamam de Dádiva dos homens a morte, mas sim Maldição dos Homens.
- Isto é porque eles não sabem tanto sobre a vida e a morte quanto nós Quendi. Vêem a
morte como um fim, e são relutantes em terminarem-se. E quem é mais afortunado, me
pergunto? Sua experiência de vida é breve, mas por isto menos intensa? Os Atani morrem
depressa, mas também vivem depressa. Movem-se e modificam-se mais facilmente do que
nós. Não têm nossa antiga sabedoria, mas são espertos e adaptáveis. Carregam filhos
quando são eles mesmos pouco mais do que crianças, em suas poucas dezenas de anos, até
mesmo em sua adolescência. Crescem constantemente em número, enquanto nós não. E
enquanto tomamos a estrada direta para fora dos círculos do mundo, eles deverão
permanecer.
Amroth pensou nisso por algum tempo. – Pensa no que será do mundo quando todos nós
Quendi já navegarmos para longe e o mundo for dominado pelos homens?
- Apenas Eru sabe disso. – Respondeu Círdan. – Mas acho que será um lugar mais triste e
menos belo quando as tradições, a arte e música dos elfos passar para fora do mundo. Fico
feliz de não estar mais aqui para ver isto. Mas por enquanto, os Atani são leais e aliados
valiosos contra o Inimigo. São nossa única esperança de derrubarmos Sauron, como
deveríamos ter feito quando seu mestre foi para sempre expulso dos círculos do mundo.
Então estavam aproximando-se do portão e voltaram sua atenção à cidade. Os portões
abriram-se e montaram rumo às boas-vindas do povo de Osgiliath, pois haviam visto os
elfos entre os Pelargrim e sabiam o que isto significava. Barathor guiou-os pela cidade até
as escadas do grande salão onde o rei morava. O próprio Isildur desceu para encontrá-los.
Observou desde Círdan até a face sorridente de Barathor.
- Meu Senhor Círdan. – Disse. – Que novidades de Pelargir?
- Chegamos apenas algumas horas após o início da ocupação. – Respondeu Círdan. - Eru
olhou-nos e nos deu a vitória. Os Corsários foram derrotados e a cidade, salva. Deixamos
nosso povo ali a nos viemos a Osgiliath com toda velocidade possível, pois soubemos que
Barathor havia sido convocado. Temia que a aliança houvesse sido dissolvida.

137
- Boas notícias, finalmente. - Disse Isildur, em pé e com um sorriso radiando em seu rosto.
– Bem-vindos, senhores, a Osgiliath. Nossos eternos agradecimentos a vocês por seu
auxílio na hora mais escura.
- Todos sabemos quão negras nossas horas podem ainda ser, Isildur. Vencemos uma batalha,
mas a guerra está para ser decidida.
- Isto é verdade, mas ainda estamos animados por Pelargir estar salva. E muito felizes por
ter nosso amigo Barathor e seus bravos homens conosco novamente.
Isildur e Barathor apertaram as mãos. Amroth observou-os, sorrindo pelo alívio em cada
rosto. Então uma figura alta desceu as escadas atrás de Isildur e, para a surpresa de Amroth,
ele reconheceu um amigo.
- Elrond Peredhil! – Chamou. – Você também está aqui? - Ele olhou para Amroth e sorriu.
- Este é mesmo o Senhor Amroth? – Ele disse.
- Sim, e um elfo diferente me encontra, pois naveguei pelo mar e meu coração está
comovido.
- O mar é sempre perigoso aos Noldor. - Disse Elrond. – Bem-vindo a Osgiliath. Aqui você
encontrará muitos que conhece, alguns até de sua terra natal. Há certo número de Sindar
entre nós. – Curvou-se a Círdan.
- E boas-vindas a você, Senhor Círdan. Parece que teve uma viagem tumultuada.
- E tivemos. É bom vê-lo novamente, Elrond. Eu o vi pela última vez marchando de Lindon
na hoste de Gil-galad, há dez voltas do sol atrás.
- Sim. – Ele disse. – Muito foi feito desde aquele dia, mas nem tudo o que esperávamos.
- Vejo que teremos muitas histórias para contar. - Disse Isildur. – Agora venham ao meu
salão se quiserem, senhores, e nos empenharemos em fazê-los sentirem-se bem-vindos. – E
liderou o caminho escadaria acima até seu salão.
- Esta é uma admiravelmente bela cidade, Isildur. - Disse Amroth. – Nos maravilhamos
muito quando a vimos. As torres parecem fender os céus. -
- Há mais maravilhas em seu interior. - Disse Elrond. – Vocês estão para ver o Domo das
Estrelas. Nunca vi um salão mais belo. Você pensa estar em Eldamar.
- Uma visão que adoraria ter. - Disse Amroth, mas Barathor tomou sua licença, dizendo que
gostaria de entregar ele próprio as boas notícias àqueles de seu povo que haviam
permanecido em Osgiliath.
- Adeus, senhores dos primogênitos. – Disse. – E a vocês e aos seus vai a honra e louvores
de um povo grato. Não serão esquecidos enquanto Pelargir estiver sobre sua colina.
- Seus agradecimentos não são necessários, Senhor Barathor. - Disse Círdan. – Seus
inimigos são nossos. Pois não somos nós aliados em uma causa em comum? Sua resoluta
coragem é conhecida até mesmo na distante Lindon, e todos sabemos que você viria em
nosso auxílio se necessário. E você pode realmente ter muitas oportunidades nos dias
vindouros.

138
- Adeus, Barathor. - Disse Isildur. – E o conselho será no Domo das Estrelas à segunda hora
amanhã.
- Estarei lá, pode estar certo. Adeus, meu rei. – E Barathor liderou seus homens de volta aos
campos próximos ao portão sul de onde desmontaram acampamento algumas horas antes.
Isildur mostrou aos outros seu salão, e lá foram recebidos por Celeborn e Galadriel, ambos
trajados completamente em branco. Celeborn usava uma simples tiara de mithril em sua
testa, e a Senhora tinha uma grinalda de flores entremeada em seus cabelos. Ela sorriu à
visão deles e veio à frente com os braços abertos.
- Bem-vindos, meus primos. – Disse com sua voz melodiosa. - Elen síla lúmenn omentilmo.
Senhor Círdan curvou-se profundamente. – Certamente, amável Senhora. – Disse. – Uma
estrela realmente brilha sobre nosso encontro. Estou contente em vê-la e seu povo aqui em
nossa necessidade comum. Fazem vários yén desde nosso último encontro.
- Realmente, Armador. - Disse Celeborn. – Nenhum de nós viajou tanto quanto nós uma vez
viajamos, desde que estes dias cruéis cobriram o mundo. Tudo deve ser em breve como foi
uma vez.
- E Amroth, - disse Galadriel ao senhor Sindarin. – nosso vizinho de antigamente. Por
muito tempo esteve distante da Floresta Dourada.
- Sim, Senhora. – Respondeu. – Tenho viajado muito desde que deixei meu lar em
Lothlórien, e vi muito do mundo. Parte bela e outra horrível para se observar.
- Há algo belo na Floresta Dourada que sente saudades da sua visão, Amroth. - Disse
Galadriel com um sorriso.
Amroth ruborizou-se. – Como está minha Nimrodel? – Perguntou.
- Mais amável que nunca. - Disse Celeborn. – E quando qualquer viajante vêm à floresta ela
pergunta por novidades suas.
- Gostaria de poder ir a ela novamente, mas esta guerra leva-me cada vez para mais longe.
Não devo retornar a Cerin Amroth até que ou Sauron esteja derrotado ou eu jazer morto.
- Vamos orar para que seja o primeiro. – Disse Celeborn. – E que não demore. Por muito
tempo a cria de Morgoth profanou a terra. Também nós viemos a Osgiliath para
terminarmos com isto.
- E eu. - Disse Círdan.
- E todos nós. – Disse Isildur. – Mas isto é para amanhã. Hoje vamos descansar, comer
beber vinho, tais confortos posso lhes oferecer.
- Sim, certamente. - Disse Amroth. – Mas primeiramente deixe-nos ver a câmara da qual
Elrond exalta tão consideradamente.
Isildur levou-os por diversas passagens largas até que chegou a um par de grandes portas de
carvalho que alongavam-se até o grande teto abobadado. Pôs sua mão em uma das portas e
ela abriu-se silenciosamente e sem esforço. Adentraram então ao Domo das Estrelas. E
pararam, atingidos pela beleza a seu redor.

139
Ficaram em silêncio, com as cabeças voltadas para trás, lentamente voltando-se para ver
todo o céu.
- Olhe ali. – Disse Amroth, apontando. – Lá está Menelvagor o espadachim com seu cinto.
Como a estrela brilha em sua mão estendida. Deve ser um grande rubi.
- E acima dele está Remmirath. - Exclamou Círdan. - Isildur, observei as estrelas por
milhares e milhares de noites, mas elas nunca pareceram mais belas do que estas. Sua
beleza rivaliza com a da natureza.
- É um desenho de meu pai. – Sorriu Isildur – Construiu-o para honrar as estrelas por
guiarem-nos com segurança de volta a Terra-média após a queda de Númenor. As estrelas
estão como eram vistas do pico de Meneltarma ao centro de Númenor.
- Este é um grande tesouro, Isildur. – Disse Círdan.
- Outros tesouros o povo de Gondor têm neste salão. - Disse Celeborn. - Isildur nos
mostrou o grande palantír-mestre de Fëanor.
- Há rumores de que está entre as maiores de todas as obras criadas pelos elfos nos dias
antigos. - Disse Círdan. – Seria permitido vê-lo?
- Claro. – Curvou-se Isildur. – A tenho em meu santuário interior. E talvez seja um lugar
mais seguro para discutir outros assuntos mais importantes em nossos corações.
Um relance passou pelos senhores. Eles acompanharam Isildur para uma pequena câmara
escura iluminada por uma única lâmpada pendurada. Em seu centro estava uma curta
coluna de mármore coberta por um veludo escuro. Isildur retirou o pano, revelando um
globo de cristal.
- Esta é a Pedra-Mestra – Disse Isildur. – O único palantír que pode comunicar-se com cada
um dos outros. Observem o globo. – Ele parou à coluna e pousou suas mãos em ambos os
lados. Todos eles ficaram ao redor e observaram conforme a escuridão do cristal rodopiava
e clareava. Pequenas formas pareciam mover-se e formarem-se em meio à névoa. Então
Amroth encontrou-se olhando de um lugar alto sobre as muralhas da cidade. Ela agarrava-
se a uma inclinação íngreme no topo de um vale montanhoso. Decrescia passo a passo,
cada nível cercado por suas próprias muralhas. Uma estrada convergia abaixo nível a nível,
finalmente emergindo de um espesso portão e estendendo-se por uma grande terra. À
distância pôde ver uma cidade ainda maior, com muitas torres e um rio a cruzando.
Subitamente reconheceu aquela cidade distante.
- Ora, aquela é Osgiliath! – Disse. – Estou sobre uma fortaleza da montanha, mas posso ver
Osgiliath à distância. Posso distinguir o domo do salão no qual estamos.
- Deve estar vendo a pedra de Anor, Senhor Amroth. - Disse Isildur. – Aquela é a cidade de
Minas Anor à oeste, nas Ered Nimrais. Deve tê-la visto abaixo ao aproximar-se de
Osgiliath.
- Vejo um grande vale rochoso. - Disse Galadriel, olhando para a pedra do outro lado. –
Uma poderosa torre de rocha negra eleva-se em seu centro. Apenas pode ser Orthanc, no
vale de Isengard. É como se eu estivesse voando sobre ele.
- Vejo algo diferente. – Disse Elrond. – Vejo uma extensa terra de colinas marrons com
florestas esparsas. Um monte, sozinho, é coroado por uma torre de pedra. Pareço voar de

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encontro a ela. Ora, certamente é Amon Sûl, não distante de meu lar em Imladris. Que
estranho vê-la do alto.
- Vejo uma grande cidade murada atrás de um lago. – Disse Celeborn. – Apenas pode ser a
cidade de Elendil, Annúminas, ao Lago Nenuial.
Círdan ficava em silêncio, então murmurou fracamente. – Vejo além deste mundo mortal,
para as montanhas de Eldamar, distante lar élfico além-mar.
- Deve ser a visão das Colinas das Torres. – Disse Isildur. – Às bordas oeste do reino de
meu pai, Arnor. Daquela pedra pode Eldamar ser vista da Terra-média.
Isildur também olhou a pedra, mas viu através da pedra de Ithil, agora nas planícies de
Gorgoroth, o não falou sobre o que viu. Então afastou suas mãos da pedra e andou para trás,
e a pedra voltou a tornar-se negra.
- Nos mostrou grandes maravilhas, Isildur. - Disse Círdan. – Mas acredito que esta pedra
talvez não seja o maior tesouro nesta câmara hoje.
Galadriel olhou-o gravemente. – Então trouxe seu fardo conforme Gil-galad pediu,
Armador?
- Eu o trouxe. – Respondeu Círdan, mostrando de seu manto uma pequena bolsa de couro
numa corrente. Alcançando-a, retirou um anel dourado com um grande rubi brilhante que
parecia resplandecer com sua própria luz na câmara escura. – Aqui está Narya, o Anel do
Fogo, mantido em segredo desde que foi me dado por Celebrimbor a mais de vinte yén
atrás.
Amroth olhou-o em maravilha. Havia ouvido dos Três Anéis do Poder, claro, mas estavam
ocultos por tanto tempo e sua localização manteve-se em um segredo tão bem guardado,
que ele nunca pensou em ver um deles. Crescia tanto na história dos elfos e conselhos que
de alguma forma ele estava surpreso em ver apenas um anel afinal, apesar de ser o mais
amável que já havia visto.
Então Galadriel retirou uma fina corrente de prata em seu peito, e levava um grande anel de
mithril com um único diamante branco que refulgia como a estrela da manhã. – E aqui está
Nenya. – Ela disse – O Anel da Água.
Amroth parou observando, chocado com a visão de tamanho poder reunido em um só lugar.
Então para seu espanto, seu amigo Elrond atrás dele mostrou uma corrente similar ao redor
de seu pescoço. Também levava um anel, este com uma safira azul, com a cor de um céu de
verão. – E aqui está Vilya. – Ele disse. – O Anel do Céu, o mais poderoso de todos, o qual
carrego por meu rei, Ereinion Gil-galad.
Os Portadores dos Anéis elevaram-nos e a pequena câmara foi preenchida pela combinação
da luz dos Três, suas cores mesclando-se em uma radiação que tremeluzia e cintilava,
iluminando duas faces enquanto permaneciam olhando em admiração.
- E então os Três estão juntos novamente. - Disse Galadriel. – Como não acontece desde o
dia em que Sauron forjou o Um e sua perfídia foi revelada.
- São lindos. – Suspirou Amroth
- Realmente lindos. - Disse Celeborn. – E também poderosos, pois encarnam o poder
imbuído sobre nós Quendi pelos Valar no início dos dias.

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- Lindos e poderosos. - Disse Galadriel. – Mas também muito perigosos, pois tudo o que
construímos no mundo foi feito através deles. Se forem perdidos, todo o bem que já
fizemos será desfeito. O destino do mundo jaz nestes Três Anéis, meus amigos, e naquele
Um agora na mão de Sauron.
- Lembrando-se da voz que Celebrimbor ouviu no dia em que o Um foi forjado. – E sua
amável e clara voz tornou-se áspera e cruel:
Ash nazg durbatulûk,
Ash nazg gimbatul,
Ash nazg thrakatulûk agh burzum-ishi krimpatul!
Todos olharam em horror à mudança que parecia tomar Galadriel a estas palavras. Sua voz
tornou-se como o crocitar áspero de alguma enorme ave carniceira. Círdan afastou-se
horrorizado, as mãos de Elrond foram a seus ouvidos. Mas Galadriel estava imutável, e sua
voz retornou ao normal conforme traduziu.
Um Anel para a todos dominar,
Um Anel para encontrá-los,
Um anel para a todos trazer, e na escuridão aprisioná-los!
- Vêem, - continuou, ignorando seus olhares espantados, - Sauron deseja que os Três sejam
trazidos a ele, então poderá fundi-los com seu próprio e absorver todo seu poder para si.
Este tem sido o coração de todos os seus planos e estratagemas desde o início. Lembro-me
bem das palavras de Celebrimbor no dia em que nos deu os Três. “Tome estes Anéis, cada
um para suas terras, e guardem-nos bem. È melhor que não sejam usados, pois quando o
forem podem atrair o olhar de Sauron para eles. Acima de tudo, nunca devem ser reunidos
novamente, pois em consenso são mais bem percebidos. Gostaria de nunca tê-los feito, ou
que pudessem ser desfeitos. Não posso ficar com eles, pois Sauron sabe que estão aqui e
mesmo agora prepara um ataque contra mim, um ataque que temo ser impossível aplacar.
Mas os entrego às mais sensatas mãos que podem ser encontradas deste lado do Grande
Mar”. O ataque que ele temia veio em breve, e ambos Celebrimbor e toda sua terra de
Eregion não mais existem. Sauron procurou pelos Três desde este dia, em vão. Pergunto-
lhes então: Não estamos nós em suas mãos levando os Três a Mordor? Ele não regozijaria
ao saber disso?
Círdan balançou tristemente sua velha e sábia cabeça. – Aqueles forem realmente dias
negros, Senhora. Mas temo que estes sejam ainda mais. Por muito tempo mantivemos os
Três escondidos, e Sauron é mais forte do que nunca. Ele agora aguarda dentro de sua Torre
enquanto gradualmente enfraquecemo-nos, até que em algum momento nos têm
suficientemente desamparados. Então cairá sobre nós como fez no passado. Ele esteve
temerário quando atacou Eregion, submisso finalmente e levado por Tar-Minastir e Gil-
galad. Ele está mais cauteloso desta vez. Mas nosso tempo está próximo finalmente. Nossa
força jamais será maior. Podemos apenas desistir e diminuirmos. Agora mesmo navios
navegam de Mithlond, levando os elfos de volta pelo mar. Não virá mais nenhum. Sauron
sabe que disso e aguarda seu momento. Se há alguma esperança de derrotá-lo, devemos
atacar agora, unidos aos Homens, e usando todas as armas que possuímos. Se os Três não

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puderem derrotá-lo juntos, como podemos esperar levantarmos contra ele sozinhos? É
muito perigoso, mas não podemos nos dar ao luxo de não usar os Três.
- Você fala sabiamente. – Respondeu Galadriel. – Mas a probabilidade é grande. Se
falharmos, todo o oeste está perdido, os Atani serão escravizados, e a luz dos Quendi deverá
para sempre passar do mundo.
- São razões pelas quais não devemos hesitar ou ser cautelosos demais, Senhora. - Disse
Elrond. – Lembre-se dos Dias Antigos, quando lutamos contra Morgoth nas Thangorodrim.
Fomos então muito cautelosos, e isto de nada adiantou. Somente a coragem imprudente do
homem, Beren Maneta, finalmente trouxe-nos o domínio. Se ele não se arriscasse nos
túneis das Thangorodrim, e novamente, cruzando as sombras, poderíamos estar todos a
congelar nas desolações geladas de Angband, e encarando um Inimigo muito maior.
Galadriel acenou a cabeça. - Sauron era então senão um servo de Morgoth. Ai! Quisera que
o tivéssemos agarrado então nos destroços das Thangorodrim e expulsá-lo com seu mestre.
Não podíamos imaginar o mal que viria da fuga daquele pobre infeliz. - Suspirou. – Sim,
meus amigos, sem dúvida estão corretos. Estamos apenas terminando uma tarefa que teve
início há muito. Devemos ver além do amargo fim, não importa o risco. Devemos limpar o
mundo da última sombra de Morgoth.
- Muito bem. - Disse Isildur. – Agora está ficando tarde e devemos nos retirar para nosso
descanso. O conselho será pela manhã e ali muito será revelado. Até lá, dou-lhes a todos
boa-noite. – Separaram-se então, Isildur para seus sonhos, os Quendi ao silêncio meditativo
que lhes serve de sono.
A noite, às vésperas do meio do ano, passou veloz, e o primeiro corvo encontrou Amroth na
torre sobre o Domo das Estrelas. Sentou-se em descanso, pensando nas estrelas que sumiam
no brilho crescente do sol, trazendo à sua mente o inevitável desaparecimento dos Quendi
conforme eram suplantados pelos mais terrenos Atani. Suspirando profundamente,
levantou-se e observou a vasta cidade dos homens que acordava.
Distante abaixo dele, no pátio, viu Celeborn e Galadriel vagarosamente andando juntos,
como têm feito por tantas milhares de noites. Ele imaginou que tipo de pensamentos
dividiam as vésperas de tamanha batalha, que poderia significas o fim de tudo, para aqueles
que trabalharam pelas eras. Se alguém realmente sabia o terrível perigo em que estavam
embrenhando-se, eram eles. Se Nenya fosse destruído, a Floresta Dourada, sua cidade de
Caras Galadhon, toda Lothlórien rapidamente apagaria-se e morreria. E como deviam temer
um pelo outro, quando iam à batalha juntos. O amor que dividiam tornara-se ainda mais
lendário conforme longas eras passavam. Amroth tentou imaginar seus sentimentos se
soubesse que sua amada Nimrodel estivesse caminhando à batalha atrás dele.
Vendo o povo da cidade começando a movimentar-se, desceu a torre. Encontrou Círdan na
câmara do palantír, olhando através da pedra de Emyn Beraid, e de lá para as torres
distantes de Eldamar, para onde um dia iriam todos retornar. Foram juntos ao salão de
refeições, onde encontraram Elrond e Gildor Inglórion e o Senhor e Senhora já à mesa.
Falaram pouco entre si, cada um perdido em seus próprios pensamentos.
Mal tiveram seu desjejum antes que mensageiros vieram a eles, pedindo-lhes para vir ao
Domo das Estrelas, pois o conselho estava para começar. Foram recebidos por um

143
atarracado homem negro com seus cabelos e barba dispostos em longas tranças. Vestia uma
túnica de um leve verde sobre uma malha, e saudou os elfos, curvando-se profundamente.
- Meus Senhores e Senhora. – Disse. – Sou Ohtar, escudeiro do rei, e lhes dou as boas-
vindas ao Grande Conselho de Osgiliath. Peço-lhes que sejam pacientes por mais alguns
momentos, pois nem todos os convidados chegaram.
Foram mostrados lugares à grande mesa, que tinha a forma de uma lua crescente. Ao centro
da curva estavam dois tronos altos de ébano com muitos detalhes graciosos em mithril, um
coberto por uma mortalha branca. No outro sentou-se Isildur, todo vestido de branco com
uma pedra branca em sua testa. Levantou-se para saudar seus convidados.
- Bem-vindos, primogênitos. – Disse ele. – Peço que tomem seus assentos em ambos os
meus lados. Os outros estão chegando.
Sentaram-se em altas cadeiras e olharam senhores e capitães de várias terras entrarem no
salão e tomarem seus assentos, cada um vestido com as cores e estilos de suas regiões. Lá
estava Barathor, quem eles já conheciam, mas muitos outros. Amroth não havia notado
como a raça dos Atani tornara-se variada através das eras. Havia homens altos de
ascendência Númenoriana, como Isildur. Seu filho Elendur era o maior deles. Outros eram
menores e mais largos, com longos cabelos amarelados e belos rostos, tendo de certa forma
a coloração dos Noldor. Ainda outros com faces coradas e cabelos com cor de cenouras,
enquanto outros eram bastante marrons ou negros, com cabelos negros e encaracolados.
Um grupo de anões entrou e curvou-se bastante a Isildur, suas longas barbas varrendo o
chão. Um arauto anunciava cada um dos nobres que entrava:
- Thardûn, Capitão de Angrenost. Ingold, Mestre de Calembel. Súrion, Guardião da Ilha de
Cair Andros. Bergil, Regente de Minas Anor. Halgon, Mestre dos Navios de Harlond.
Barathor, Senhor de Pelargir. Turgon de Ethir Lefnui.
Cada um olhou para os elfos ao entrar, alguns em maravilha, outros em espanto, alguns em
aberta perplexidade. Alguns nunca haviam visto elfos antes. Os nomes continuavam vindo,
mas Amroth logo se perdeu nos muitos nomes e títulos e terras. Alguns ele conhecia. Um
era magro, com aparência de um estudioso, sobrinho de Isildur, Meneldil, Príncipe de
Anórien desde a morte de seu pai. Finalmente todas as cadeiras foram ocupadas e o salão
ficou em silêncio. Isildur levantou-se e falou.
- Senhores, os saúdo e lhes dou as boas-vindas a Osgiliath. Estamos reunidos em resposta a
uma convocação dos Senhores do Leste: Meu pai, Elendil, Alto Rei dos Reinos do Exílio, e
Gil-galad, Rei dos Eldar. Fomos chamados para decidir questões de grande importância
hoje, decisões que mudarão o curso do mundo. Por muito tempo mantivemos nossos planos
ocultos, para que não cheguem aos ouvidos do Inimigo. Mas agora o tempo de segredos
passou, a hora para ações decisivas chegou. Mas para tomar tais decisões devemos saber
dos riscos e custos, o que pode ser ganho, e perdido, e saber como chegamos a esta
situação. A história de como este conselho veio a ser chamado é longa, mas deve ser
conhecida por todos aqui, os quais a vida e destino jazem no balanço. Muitas histórias irão
adentrar-se na formação dessa história, E cada um contará sua parte por vez. Começarei eu
mesmo.
- Todos sabem da história desta guerra com Sauron: como suas forças atacaram sem aviso
minha cidade de Minas Ithil no ano de 3434. Seus mais infames servidores ainda têm minha

144
cidade e muita da bela terra de Ithilien, e constantemente nos incomodam aqui em Osgiliath
e em incursões ao Anduin. Seus aliados e agentes em outras partes assaltam nossos portos e
navios e vilas, assassinando nosso povo e destruindo aquilo que não puderem carregar.
Sauron não cessará seus ataques até que Gondor e todas as terras livres do oeste estiverem
sob seu domínio.
O bom povo dos Eldar, que vocês chamam elfos, uniu-se a nós em nossa luta contra
Sauron. Gil-galad tem sido por muito tempo um leal amigo de nosso povo, e muitos dos
guerreiros élficos perderam suas vidas em batalhas ao nosso lado. Vocês vêem aqui alguns
dos maiores Senhores desta nobre raça, que nos vieram oferecer assistência e suporte.
Primeiramente todos foram pelo Exército da Aliança. Unidos aos elfos, destruímos as
melhores tropas de Sauron, derrubamos seu Portão Negro e tomamos toda Udûn e muito
das arrasadas planícies de Gorgoroth. Cercamos-lhe em sua Torre Negra, Barad-dûr, mas é
imensuravelmente forte, e nosso cerco tem sido de pouco proveito. Por agora sete anos
mantivemos o cerco, com grandes custos a nós mesmos. Muitos caem em batalha, outros
morrem de sede, calor ou fraqueza, ou ainda dos vapores venenosos que são vomitados pelo
chão. Diariamente nossos companheiros caem ao nosso redor, e pouco dano levamos ao
inimigo. Eles riem de nós enquanto nos desperdiçamos em suas muralhas intransponíveis.
Levamos Sauron de volta a seu último refúgio, mas nada mais podemos fazer, e pode ser
dito que mantendo o cerco estamos na verdade perdendo a guerra, pois nossas forças
diminuem e as dele não.
- Ano passado meu irmão Anárion pensou fazer uma última grande tentativa aos portões de
Barad-dûr. Ele projetou uma enorme estrutura coberta em rodas que continha uma ponte de
madeira que poderia ser abaixada pela brecha e um imenso aríete para forçar o portão. Ele
projetou um modelo e mostrou-o aos reis. Parecia um plano atrevido, mas possível. A
permissão foi concedida e a construção da máquina foi iniciada. Centenas de árvores
enormes tiveram que ser cortadas nos vales do norte das Ered Lithui, arrastadas e trazidas
com imenso trabalho por muitas milhas de terreno acidentado. Depois de muitos meses, foi
completada a máquina e os homens treinaram. No dia designado, toda a horda levantou-se
num assalto a Torre Negra por todos os lados. Anárion conduziu os seus homens com sua
máquina para o portão. A ponte enorme foi abaixada com sucesso no lugar e a máquina
avançou aos portões poderosos. Mas mal a ordem foi dada para usar o aríete quando as
hordas de Sauron soltaram uma chuva terrível de pedras enormes e ardendo vermelhas de
calor. Dentro de momentos a máquina de invasão foi golpeada por um imenso pedregulho e
à dianteira desmoronou. Muitos homens e elfos foram apanhados dentro, sentenciados à
morte certa sob a chuva de projéteis. Anárion correu adiante com alguns homens e
empreendeu livrar aqueles presos sob os destroços. Quando estava assim, dobrando-se para
ajudar a livrar um homem ferido abaixo, uma grande pedra, lançada de alto na Torre, o
golpeou na cabeça quebrando capacete e crânio de uma só vez. Gildor e eu cruzamos a
ponte agora trêmula e livramos alguns de nossos homens, e eu levei de volta o corpo de
meu irmão. Quase não tínhamos alcançado o solo novamente quando a estrutura inteira
inclinou, gemeu, então desmoronou nas profundezas sem fundo e levando consigo cem ou
mais de nossos valentes soldados. O ataque foi cancelado e o exército retirou-se a uma
distância segura. Dentro de alguns terríveis momentos, tinha morrido um rei de Gondor e
muitas centenas de nossas pessoas, nossa máquina de ataque foi destruída, e com isto foram
todas nossas esperanças de quebrar a Torre Negra. Todos nós percebemos afinal que nós

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poderíamos sitiar a Torre, mas nunca poderíamos tomá-la. Sauron e os seus criados
pareciam possuir quantias ilimitadas de comida e exércitos. Nós não soubemos se a torre
era cheia com vastos armazéns de suprimentos ou se estava sendo suprida por algum
subterrâneo, ou até mesmo meios mágicos.
Isildur pausou e olhou ao redor às faces horrorizadas que escutavam a seu redor. - Muitos
que não foram a Mordor poderiam ter a ilusão que Sauron está preso e impotente dentro de
sua Torre. A verdade é, porém, que ele não se aborrece a olhar-nos. Ele esperou pela vitória
por milhares de anos, ele pode se dispor a esperar dez ou vinte mais enquanto nós nos
desgastamos contra suas muralhas.
Havia murmúrios no salão. Foram trocados olhares escuros. Muitos até pouco não tinham
percebido quão horrenda a situação em Gorgoroth tinha se tornado.
- Os Senhores do Oeste deliberam entre si para determinar nosso curso de ação. Era um
encontro sombrio e desesperado, podem estar certos. Muitas propostas foram avançadas,
discutidas, e abandonadas. Afinal Gil-galad expôs uma idéia que ele tinha abrigando em
segredo. "Se nós não podemos entrar na Torre,"ele disse" então nós temos que atrair Sauron
para fora.
Nós não poderíamos estar certos disso, claro, mas esperávamos que poder melhor enfrentar
as forças de Sauron em uma luta a céu aberto. Mas nosso grande medo é a outra fortaleza
perdida a ele, minha própria cidade de Minas Ithil, nas montanhas das Ephel Dúath. É agora
governada pelos Nove Reis, os Úlairi. Os poderes deles também são muito grandes, porque
eles levam os Nove Anéis dos Homens, forjados há muito tempo pelos Noldor mas há
muito corrompidos pelo Um Anel de Sauron. Os Nove são como lâminas às nossas costas.
Nós sempre teremos que manter uma parte de nossas forças estacionada na estrada das
Ephel Dúath, para que eles não nos ataquem por trás. Nós nos tornaremos de fato dois
exércitos de costas um ao outro, e a divisão certamente debilitará cada um. Nós não
ousamos lançar um ataque completo contra qualquer fortaleza, pois a outra não pode
permanecer desprotegida atrás de nós.
O que Gil-galad planeja então é isto: elevar um terceiro exército longe de Mordor e dos
olhos espiões do Inimigo; trazer este exército secretamente contra Minas Ithil do oeste;
arrancar aquela cidade dos Úlairi antes de Sauron saiba que é assaltado. Então todos os três
exércitos unir-se-iam contra Barad-dûr. Espera-se que a perda de Minas Ithil e seus mais
estimados criados enfureçam Sauron, assim ele tornar-se-ia precipitado e cairia sobre contra
nós. Despojado de seus aliados e suas muralhas, estaria mais fraco e nós mais fortes. Lá,
nas planícies de Gorgoroth, a destruição do mundo seria lançada em um único teste
poderoso de exércitos.
Isildur parou e examinou os senhores reunidos. - Deve estar agora claro a vocês o que
juntamos aqui é este terceiro exército. Mas antes de falarmos da campanha próxima, nos
vamos ouvir como o plano de Gil-galad deve ser entendido. A maior dificuldade, claro, era
localizar de alguma maneira tantos guerreiros quanto possível, recrutá-los em nossa causa,
e lhes trazer para Osgiliath em segredo. Para este fim, foram enviados três mensageiros de
Mordor: Elrond Peredhil para Lothlórien e os Vales do Anduin; Gildor Inglórion para
Eriador e Lindon; e eu para as terras ao redor das Ered Nimrais e Pelargir.
Agora vamos ouvir como cada um seguiu. Eu descansarei agora e deixarei os outros contar
suas histórias. Eu chamarei Elrond Peredhil, conhecido como Meio-Elfo primeiro. Para os

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que não o conhecem, ele é grande entre os sábios e antigos. Ele é o filho de Eärendil o
Marinheiro, o maior herói dos Dias Antigos. Elrond mora em Imladris, um vale longe ao
norte nas rampas ocidentais das Montanhas Nubladas, não longe do reino de meu pai em
Arnor. Ele foi muito tempo um amigo e uma ajuda a nós Exilados, pois o irmão dele era
Elros, o fundador de Númenor e de minha própria linhagem, assim ele é um antepassado
vivente a mim e para muitos de nós aqui. Bem-vindo, Mestre Elrond, Por favor nos conte
sua jornada.
Isildur sentou-se enquanto Elrond levantou, e os Homens olharam o elfo com maravilha,
porque ele era mais antigo que seu conhecimento, e era dito que seu pai havia sido elevado
aos céus como a Estrela Vespertina pelo próprio Manwë. - Nós três mensageiros, - começou
Elrond, - partimos de Gorgoroth no décimo nono dia de Víressë. Nós montamos juntos
pelos portões do Morannon que ainda jaz em ruínas. Atravessamos os pântanos de Dagorlad
onde tantos de nossos homens caíram no sítio de Morannon. Passamos pelas Terras
Marrons e cruzamos o Anduin perto das Quedas do Rauros. Lá nos separamos, Isildur
voltou-se a oeste pelo campos de Calenardhon, Gildor e eu fomos ao norte e seguimos o
banco ocidental do Rio para Lothlórien, a Terra da Floresta Dourada. Lá nós tivemos
deliberações com o Senhor Celeborn e Senhora Galadriel e recebemos deles o empenho a
unirem-se à nossa causa, como fizeram. - Elrond curvou-se ao Senhor e à Senhora. - Gildor
esperou lá por pouco tempo antes de dirigir-se às estradas altas sobre as montanhas. Por
minha parte, continuei ao norte, viajando as extensões da grande floresta de Taur Galen,
chamada pelos homens de Grande Floresta Verde, sempre buscando amigos para lutar
conosco. Encontrei vários povoados de homens e busquei sua ajuda. Fui bem recebido, mas
disseram que não poderiam nos ceder nenhum homem, pois eram atacados freqüentemente
por orcs e lobos e outras criaturas. Suas vidas eram bastante duras, e não mais os
pressionei.
A norte da confluência do rio, encontrei uma aldeia de pessoas pequenas de uma raça que
eu não conhecia. A meu conhecimento eles não são registrados em qualquer escrita dos
sábios. Eles são tão pequenos quanto anões e como anões vivem abaixo do solo, mas têm
cabelos nos pés ao invés dos queixos. Deram-me também boas-vindas a seus conselhos e
ouviram meus argumentos, mas eles disseram que eram pessoas calmas e não conheciam
nada das artes de guerra. Meus argumentos eram infrutíferos, e parti.
Vim então ao reino de Thranduil, Rei dos Elfos da Floresta, mas ele também estava
comprometido a repelir freqüentes ataques de orcs. Suas fronteiras são fracas e mal
definidas, e ele é obrigado a segurar as margens da floresta. Perdeu muitos de seus elfos nas
profundezas da floresta onde espreitam orcs e grandes aranhas e outras coisas escuras. Não
pôde dispensar mais que um grupo de seus arqueiros trajados de verde. Viajei ao longo de
Rhovanion, mas a história era sempre a mesma. Algumas das pessoas com quem me
encontrei estavam comprometidas defendendo o próprio território e não poderiam dispensar
nenhum homem para a “Guerra dos Homens do Ponente” como disseram.
Finalmente retornei a Lothlórien e ajudei Celeborn e seus elfos a eliminar os inimigos de
suas bordas o melhor que podiam. Então, deixando o reino em boa ordem, marchamos ao
sul e viemos afinal a Osgiliath e chega apenas na manhã passada. Contamos cerca de quatro
mil guerreiros experientes, hábeis com arcos e lanças. Oferecemos nossos serviços a você,
Isildur.

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- Bem dito e bem feito, Mestre Elrond. - Disse o rei. - Esperávamos que mais reuniriam-se
a nós, mas fez tudo que pôde, e agradecemos a você e as pessoas de Lothlórien, e a vocês,
meu Senhor e Senhora. Os Galadrim são aliados bem-vindos nestes ou em qualquer tempo.
Agora gostaria do relato do segundo mensageiro, Gildor Inglórion da Casa de Finrod, o
ajudante do rei Gil-galad. Gildor, sua jornada?
Agora Gildor levantou-se e curvou-se ao rei, e era bastante imponente com seus olhos azuis
e armadura dourada, e sua capa longa feita de tecidos de ouro.
- Meus Senhores, - ele começou, - muitos de vocês viajaram de longe para atender a este
conselho, mas aposto que minha estrada foi a mais longa. Como Mestre Elrond, eu realizei
minha tarefa, mas trouxe bem menos que esperávamos naquele dia na tenda de meu rei em
Gorgoroth.
Quando deixei Elrond em Caras Galadhon na Floresta Dourada, eu escalei as Escadas de
Dimrill a Nanduhirion, o vale alto onde ficam os portões que levam à cidade dos anões de
Khazad-dûm. Para esses que não a conhecem, lá ficam debaixo do coração das Montanhas
Nubladas uma grande cidade subterrânea dos anões, cavada por eles nos Dias Antigos.
Corredor sob de corredor, nível sob nível, a terra é escavada por seus túneis. Um dia as
Pequenas Pessoas eram mais amigáveis com os elfos, e eles estenderam um caminho pelo
lado ocidental das montanhas a unir sua cidade à terra de Celebrimbor em Eregion. Eles
comerciavam com Eregion e Lothlórien, e desta forma todos ganharam.
Entretanto as hordas de Sauron varreram o leste e Eregion foi atacada. Então os anões
fecharam seus portões e recusaram-se a ter qualquer parte na batalha. Eregion foi destruída
e Celebrimbor morto, mas afinal as forças de mal foram escorraçadas novamente pelos
elfos de Lindon. Ainda, os portões de Khazad-dûm permaneceram fechados durante muitos
séculos. Os anões ressentem-se pelos elfos, e culpam Celebrimbor por derrubar a ira de
Sauron sobre todos nós. Eles não nos amam, mas não são um povo mau e odeiam Sauron,
eles se lembram da destruição em suas cidades do norte nos Dias Antigos. Nós não
tínhamos muita esperança em sua ajuda, mas pensamos que tentativa seria válida.
Entrei então em Portão Oriental em Nanduhirion e busquei uma audiência com seu senhor.
Não me seria fácil entrar, mas após muito debate seu rei veio ao Portão. Ele era mais alto
que a maioria de sua raça, e sua barba branca longa pendia a seus pés. "Eu sou Durin" disse
ele, "o quarto deste nome. Por muito tempo só buscamos permanecer em paz. O que
querem agora as Pessoas Grandes de nós?"
"Eu sou Gildor Inglórion de Lindon" eu disse. "Conheci seu pai uma vez enquanto visitava
Eregion. Honro o nome dele e de seu filho. Nossos povos eram amigos nestes tempos mais
felizes."
"Estes tempos se foram" ele disse rudemente, "e também meu pai, não graças aos elfos que
se intrometeram em artes que não lhes concerniram. Nossos portões estão fechados a você a
todo seu Povo Grande. Não precisamos de vocês e seus problemas."
"Meu Senhor Durin" eu disse, "não foi Celebrimbor, mas Sauron quem provocou a
destruição de Eregion e as guerras que a seguiram. E Sauron ainda rege sua Torre Escura.
Nós buscamos derrubá-la, mas somos duramente pressionados. Os Khazad são guerreiros
renomados. Nós temos necessidade de sua força, para que não tenha ele a vitória afinal.
Você nos veria todos escravizados?"

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"Que me importa o Povo Grande?" Durin respondeu desdenhosamente. "Deixe lhes lutar
entre si. Nossos portões são fortes, temos tudo aquilo que precisamos. Esperaremos a
tempestade passar, seguros em nossas casas, como temos feito durante mais de dezessete
séculos. Aqui estamos protegidos de Sauron."
"Esqueceu-se das lições de Belegost e Nogrod? Não eram elas cidades poderosas de suas
pessoas, cravadas profundamente na pedra vivente das Ered Luin? Eles não tiveram portões
fortes? Ainda assim Morgoth e seu criado Sauron os esmagaram como você racharia um
osso para sugar seu tutano. Muitos anões morreram nas Cidades Perdidas. Você desceria
novamente a seus buracos e esperaria pela ira de Sauron?"
Então os olhos escuros de Durin flamejaram. "Sim" disse. "Muitos morreram nas Cidades
Perdidas. Eles nunca serão esquecidos. Mas foram os elfos que começaram aquela guerra se
intrometendo em artes proibidas e se fixando contra Melkor o Vala. Nossos pais lhes
apoiaram naquela guerra, e para suas dores foram destruídas suas cidades e seu povo morto.
Aprendemos nossa dura lição, mas vocês elfos evidentemente não. Celebrimbor buscou
praticar as artes proibidas novamente e derrubou novamente o mal sobre nossas cabeças.
Mas Sauron observa os Elfos e Homens, mas não tem nenhuma disputa conosco Khazad
contanto que nós não levemos nenhuma parte em sua guerra. Se nós não o incomodarmos,
permaneceremos em paz."
"E se ele não os deixar em paz?" eu disse. "Uma vez nos derrotando, ele seguramente virá
contra Khazad-dûm, pois não pode tolerar pessoas livres."
"Se ele vier, nós o combateremos. Mas nós lutaremos por nosso próprio povo e nossas
próprias casas. Nós não temos nenhum desejo de lutar em terras longínquas e morrer para
que elfos possam viver. Vá embora, Gildor de Lindon, você não encontrará nenhuma ajuda
aqui!" E com isso regressou e os portões foram fechados.
E assim eu me virei e escalei os degraus longos acima da alta passagem de Caradhras.
Embora fosse então início de Lótessë, ainda havia muita neve nas rampas do norte, e a
passagem era difícil. Eu me apressei então abaixo, além do Portão Ocidental de Khazad-
dûm onde uma vez multidões das pessoas de todas as raças passaram para dentro e fora. A
porta está agora fechada hermeticamente, e até mesmo a inscrição, um presente de
Celebrimbor, está enfraquecendo.
Segui a estrada antiga ao lado do rápido rio Sirannon para os pântanos vazios e prados
espessos que eram uma vez os belos gramados de Eregion. Eu ponderei muito conforme
viajei essas léguas solitárias pelas quais tinham sido uma vez terras felizes e prósperas.
Eregion tinha sido construída após a queda de Morgoth e só as terras de Eriador eram
imaculadas de seu mal. Estes Noldor que voltaram das guerras no norte vieram a estas
terras e criaram um belo reino. Pensei na destruição de Eregion, no assassinato de
Celebrimbor e sua família, no rompimento com os anões, e sempre meus pensamentos
voltavam ao mesmo agente - Sauron.
Eu pensei nas pessoas de Lindon e Lothlórien, de Gondor e Arnor, e até mesmo os de
Khazad-dûm, com a mão longa de Sauron estirando-se para os destruir adiante. Esporeei
meu cavalo mais rápido, e finalmente alcancei Tharbad onde a Estrada Real entre Gondor e
Arnor pelo Rio Gwathlo.

149
Certa vez foi uma bela cidade dos Homens, o sul de Arnor, mas o encontrei quase
abandonada, com edifícios queimados e fazendas arruinadas, evidenciando atos de guerra.
As poucas pessoas que encontrei falaram de uma invasão Corsária apenas algumas semanas
atrás. Foram tomados completamente desavisados, pois Tharbad fica a mais de cem léguas
do mar. Deve ter tomado aos Corsários uma semana de difícil remadura para alcançar a
cidade. Nunca antes atacaram tão longe das costas, e ninguém soube por que saquearam
repentinamente uma cidade que nunca foi famosa por sua riqueza.
Ocorreu-me que o valor da cidade era mais provavelmente sua localização estratégica no
cruzamento da Grande Estrada e o rio navegável mais longo no coração de Eriador. Mas
seguramente, eu pensei, Umbar não pôde estar contemplando uma invasão das terras ao
norte. Mas se Sauron estivesse pensando em tal ataque? Não poderia ele enviar primeiro
seus aliados Corsários para destruir Tharbad e cortar ambos estrada e rio? Ou pior, se ele
tivesse notado de alguma forma de nossa incumbência, poderia ter pensado nesta forma de
contrariar nossos planos e talvez até mesmo atacar-me. Nesse caso, golpearam muito cedo
para atingir-me. Mas tinham feito bem o trabalho de seu mestre. Os sobreviventes estavam
assustados e desanimados e muito ocupados na reconstrução de sua cidade para ouvir
minha conversa sobre montar a uma guerra distante. Eu montei sozinho ao norte.
Agora viajava mais depressa, pois estava na Estrada Real que corre de Annúminas em
Arnor pela fenda de Calenardhon até aqui a Osgiliath. Cruzei a região desolada das Colinas
Vermelhas e cheguei afinal ao largo Baranduin. Cruzando seguramente na balsa pequena,
entrei numa região verde e bela de baixios e ar gentil. É uma terra agradável com terra
fértil, mas apenas ligeiramente cultivada por alguns homens que lá vivem. É apenas canto
quieto de Arthedain, como as regiões oeste de Arnor estão para ser chamadas.
Atravessando esta terra com toda a velocidade, eu vi distante no oeste as três torres das
Emyn Beraid que assomam-se altas contra o céu e soube que estava me aproximando de
casa afinal. Ganhando forças pela visão, me apressei e ascendi as colinas para ficar aos pés
das torres, as mais altas de toda Terra-média. Das três, a oeste, chamada Elosterion, é a
mais alta. Cessei minha jornada ali por uma hora de forma que pude escalar a torre e ver
uma vez mais, pela Pedra de Elendil, a visão do lar élfico distante, pelo mar. Esperava
talvez até mesmo ver Varda, como às vezes outros disseram ter feito, levantando-se no
ápice de Oiolossë e contemplando o leste, como se esperando por nós exilados voltarmos.
Mas o cume era oculto em nuvens e a visão apenas nebulosa. Agradeci o Guardião da Pedra
e desci, voltando-me novamente ao oeste.
Das Emyn Beraid a estrada segue abaixo em grandes voltas para o vale de Lhûn. Pela
última volta, vi afinal diante de mim as altas muralhas de pedra dos Portos de Mithlond. Eu
fui saudado calorosamente no portão e fui admitido imediatamente para as câmaras de
Senhor Círdan, onde ele se sentou com um elfo Sindar que não conhecia. Círdan levantou-
se em surpresa quando entrei.
"Gildor Inglórion!" ele disse, "faz muito tempo desde que você partiu com o rei. Saudações
e bem-vindo ao lar. Esta foi uma semana para encontrar velhos amigos retornando de
longas jornadas. Este é Amroth, um Senhor dos Sindar de terras distantes ao leste."
"Honras a você, Senhor Amroth,"eu disse. "Ouvi seu nome. Não viveu uma vez ao na
Floresta Dourada, junto à Senhora Galadriel?"

150
"Realmente sim "ele respondeu." Vivi lá, entretanto por alguns yén agora vago só em terras
distantes, até mesmo para o Norte Distante. Muito vi e aprendi, mas quando retornei
novamente às terras de nosso parentesco, notícias da guerra estavam em toda boca. E assim
vim aqui para oferecer meus serviços a meu amigo Círdan."
"Veio então em um momento oportuno,"eu disse" porque sou venho em busca de ajuda para
nosso rei." E lhes contei então nossa missão. Círdan chamou imediatamente seus capitães e
lugar-tenentes e os pôs a aprontar seus navios tão rapidamente quanto possível. Amroth e
eu viajamos ao longo de Lindon e as terras vizinhas, juntando os voluntários para a armada.
Em três semanas, os guerreiros e materiais estavam vertendo em Mithlond e os navios
estavam sendo carregados.
Já que o momento do conselho era tão próximo, Círdan me deu o serviço de Varda, a
embarcação mais rápida na frota, de forma que eu poderia velejar à frente e assegurar à
aqueles nos esperando ao sul que o alívio estava próximo. E assim, após uma passagem
rápida e monótona, viemos afinal a Pelargir e fomos recebidos no cais por ninguém menos
que o próprio Isildur. Dois dias depois nós montamos aqui para Osgiliath. E assim o conto
de uma longa jornada é contado apenas em alguns momentos.
Dizendo isto, Gildor retomou a seu assento. Isildur levantou-se.
- Sua jornada foi realmente longa e cansativa, meu amigo, mas você teve sucesso, talvez
melhor que tinha pensado. E seus trabalhos em Khazad-dûm não foram completamente em
vão, pois como vê, há representantes dos Khazad neste conselho. Eu apresento a vocês Frár
dos Khazad-dûm. - O líder dos anões se levantou e curvou-se profundamente à companhia.
- Frár, filho de Flói, à sua disposição, - ele disse em sua voz profunda. - Mestre Gildor,
peço desculpas pela recepção que recebeu de meu Senhor Durin em nosso portão. Muito
aconteceu durante os anos para abalar a amizade que uma vez houve entre nossos povos.
Sofremos muito, e muitos culpam os elfos por nossas dificuldades. Mas alguns de nós não o
fazemos, e gostaríamos de ver as velhas feridas curadas, afinal. Todos os Khazad odeiam
Sauron e seus orcs amaldiçoados. E sempre mantivemos boas relações com os Homens de
Gondor.
Depois que nos deixou, nós tivemos muitos debates entre nós mesmos. Eu e alguns de meus
amigos urgimos Durin a reconsiderar e enviar reforços a seu conselho. Mas como sabe ele
não tem o hábito de virar o seu túnel quando uma vez é começado. No fim ele concordou
em nos deixar pedir por voluntários e me permitiu conduzi-los a Osgiliath. Porém, insistiu
que nós não marchássemos sob as bandeiras de Khazad-dûm, e que nós serviríamos ao rei
de Gondor, em lugar de qualquer Senhor élfico. Temos trezentos robustos guerreiros
Khazad prontos para fazer o que ordenar, Isildur.
- Sua ajuda é muito bem-vinda, Frár, e nós o honramos por sua coragem e amizade. Se
puderem cortar linhas de orcs como cortam pedra, serão aliados poderosos, não importa seu
número. Eu estaria honrado e agradecido se você marchasse comigo sob meu estandarte, se
o usasse.
As sobrancelhas fechadas de Frár levantaram-se em surpresa. Ele varreu seu chapéu e se
curvou ao rei. - Isildur Elendilson, - ele disse, - nós muito deveríamos ser honrados para
lutar sob seu estandarte real. Nossos machados são seus para comandar. - E voltou a seu
assento parecendo muito contente.

151
Isildur virou-se e sorriu a Amroth. - E além de Frár, Gildor nos trouxe Amroth, afamado em
canções e lendas como guerreiro poderoso e explorador de terras distantes. Bem-vindo,
Senhor Amroth. Seus feitos de bravura são renomados entre os Homens do Sul.
Amroth teve de rir disso. - Eles realmente são? Mas assim é o Sul afamado no Norte. Mas
não o bastante, eu acho. Pois ao sul digo que não vi nenhuma terra mortal mais bela que
suas províncias de Belfalas e Anfalas. Feliz são estes que vivem junto às muito altas Ered
Nimrais às suas costas e o mar meridional esparramado ante seus pés.
Isildur sorriu. - Belas palavras, Senhor Amroth, e bem-vindas para ouvir até mesmo nestes
tempos. Quisera você pudesse ver Gondor em paz, com as pessoas trabalhando seus
campos e a terra que provê seus frutos. Se a guerra realmente deve cair sobre nós, seríamos
muito honrados se você nos visitar em Belfalas. Eu digo a você que se desejar, concederei
terras em Belfalas nas quais poderia morar em visão do mar.
Amroth curvou-se. - Que me agradaria muito fazer, meu Senhor.
- Agora, - Isildur disse. - Vocês ouviram os relatos dos outros mensageiros. É tempo de meu
relato. É uma história de frustrações e decepções, pois em cada passo estavam nossos
planos contrariados pelo inimigo.
Eu fui primeiro ao grande vale engastado em ferro de Angrenost onde fica a fortaleza norte
de Gondor, a poderosa torre de Orthanc. Esperávamos recrutar a maior parte da guarnição
de lá. Mas quando falei com seu comandante, ele me contou sobre freqüentes incursões de
orcs através das florestas escuras e misteriosas que cercam o vale por três lados. Os orcs
deram freqüentemente dificuldades no passado, mas só em pequenos bandos que atacam
uma casa de fazenda ou um acampamento de caçadores. Mas ultimamente eles adentram-se
sempre em maiores números e acompanhados por lobos medonhos de imenso tamanho. Os
orcs montam nos lobos, e os lobos são claramente inteligentes, pelo menos tão inteligente
quanto os orcs, porque eles falam entre si e para os orcs. Cada ataque é mais corajoso e em
maiores números. No mês antes de nós lá chegarmos, uma companhia de vinte cavaleiros
armados, soldados de Gondor, foi atacada nos estreitos não longe dos portões de Angrenost.
Eles lutaram abrindo seu caminho para a fortaleza, mas não antes de perder seis homens.
Seu comandante ouviu meu pedido e estava ansioso para nos ajudar em nossa causa, mas
sua guarnição estava com apenas metade da força desde a reunião para o Exército da
Aliança, e ele temeu debilitar suas forças. Todavia, separou quarenta cavaleiros corajosos,
todos voluntários sob Thardun aqui, a montar conosco, entretanto temeu que as perdas o
deixassem impossibilitado de enviar patrulhas como tinha sido seu desejo. E assim nós
montamos com, mas quarenta quando tínhamos esperado por quatrocentos. Ainda era maior
ajuda do que eu tinha pensado no princípio, pois eles nos salvaram uma semana depois em
Anglond, como contarei. - Ele gesticulou a um homem poderosamente construído em uma
armadura muito marcada por muitas batalhas, que se curvou respeitosamente ao rei.
- Com os homens de Thardun montamos então de Angrenost à fonte do Rio Anga para
Anglond à sua boca, uma distância de mais de cem léguas. Novamente fomos bem
recebidos. Seu Senhor nos ofereceu trezentos de seus mais bravos cavaleiros e outros que
imploraram em unirem-se a nós. Mas antes que pudéssemos partir uma frota de navios
negros surgiu do mar e caíram sobre as fazendas externas. As pessoas fugiam em terror para
a segurança da cidade murada, mas muitos foram mortos em sua fuga. Percebendo o ataque
de longe fomos adiante para proteger as pessoas. Esperamos encontrar um bando de

152
selvagens piratas do mar, só interessados em pilhar e saquear, mas encontramos ao invés
disso uma força bem-armada e bem-comandada dos cavaleiros de Umbar. Formaram-se em
ordem de colunas e estavam avançando pelas terras, matando tudo perante eles - homens,
bestas, e colheita. Toda casa e celeiro estava queimando, os poços conspurcados. Era como
se buscassem destruir Anglond e todos seus trabalhos completamente.
Fomos contra eles, apesar de em muito menor número, e corajosamente os homens de
Anglond e Angrenost lutaram. No calor da batalha fui golpeado por uma lança que foi
repelida por minha armadura, mas me desmontou de meu cavalo. Se não fosse Thardun e o
seu forte braço e espada, minha cabeça estaria balançando agora ao mastro de uma galera a
caminho de Umbar. Com sua ajuda eu fui capaz de montar novamente e nos retiramos às
muralhas da cidade, entretanto muitos caíram sem conseguir.
Durante duas semanas fomos sitiados enquanto os Piratas arruinaram todas as terras além
das paredes. A situação era séria, porque nossos suprimentos estavam diminuindo
rapidamente, e eu pude apenas contar os dias até que deveríamos estar aqui neste conselho.
Ainda assim, parecia não haver nada que pudéssemos fazer, porque éramos muito poucos
para tentar outro ataque contra tantos.
Então um dia outra galera Corsária surgiu no rio e uma companhia de homens foi à barraca
onde era a base dos líderes do sítio. Uma hora depois, todos os piratas subitamente
desmontaram suas barracas, voltaram a seus navios, e velejaram embora.
Não imaginávamos nenhuma razão para sua retirada e poderíamos suspeitar de algum
truque ou armadilha. Mas afinal nos aventuramos para fora. Os Piratas haviam partido e
não deixaram nada de uso ou estima em todas as terras das redondezas. Fizemos o que
pudemos para ajudar as pessoas de Anglond, entretanto estávamos forçados pelo calendário
a partir. Tínhamos ido a Anglond em esperanças de muito aumentar nossos números, mas
partimos tristemente com nossos números diminuídos. Agora, mais de uma semana
atrasados em nosso horário, nos apressamos ao sul, a Anfalas onde esperamos achar muitos
guerreiros afinal prontos a nos unir. Ai, o pior estava por vir.
Enquanto atravessávamos as colinas verdes de Pinnath Gelin, perto ao Rio Lefnui, nós
descobrimos um punhado de sobreviventes de uma batida de piratas na cidade de Ethir
Lefnui. Aquela cidade, muito menor e menos guardada que Anglond, poderia fazer pouco
para se defender e em apenas algumas horas foi reduzida pedregulhos fumegantes, quase
todo seu povo morto.
Vários no salão não haviam ouvido estas notícias, e muitos respiraram com dificuldade em
horror e raiva. Havia grunhidos e juramentos de vingança.
- Então estava claro que os Piratas só tinham se retirado de Anglond para se cair sobre
Lefnui, - Isildur continuou. - Era nosso pensamento que a galera solitária tinha trazido
ordens para os piratas e os tinha dirigido para Lefnui ao invés de gastar mais tempo sitiando
Anglond para obter pouco lucro. Acreditamos que alguns traços ou suspeitas de nossos
planos já podem ter chegado ao Inimigo, e que ele está movendo-se com o propósito de nos
contrariar. As pessoas inocentes de Ethir Lefnui pagaram com suas vidas por aquela
suspeita. Turgon lidera o que restou daquele povo. Todos os olhos voltaram-se em
maravilha e se compadeceram ao capitão de rosto severo que tanto havia suportado.
Levantou-se e os observou.

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- Aquilo que era Ethir Lefnui não é mais nada, - ele disse, - salvo uma bela memória em
nossas mentes. Quando o último sol subiu à sua maior altura no solstício de verão, mais de
mil pessoas dançaram nas ruas de Lefnui para celebrar a chegada do Loëndë. Agora somos
apenas trinta, e não haverá mais celebração a nós, a menos que seja dançar sobre ruínas de
Barad-dûr. - E se sentou em silêncio.
Círdan, que se sentou próximo a Amroth, aproximou-se e murmurou, - Aflição ao inimigo
que conhecer aquele em batalha, porque ele busca só a vingança e não teme a morte.
Amroth cabeceou. - Ele é um Homem que poderia concordar que a morte é o Dom dos
Homens.
Isildur então continuou seu relato. - Nós viajamos então a Erech nos vales meridionais das
Ered Nimrais. Encontramos ali com Romach, Senhor dos Eredrim. Quando meu pai e eu
discutimos nossos prospectos nas províncias ocidentais e meridionais, tivemos as maiores
esperanças pelos Eredrim, porque eles são um numeroso e antigo povo bélico, e muito antes
fez a mim um juramento solene de ajuda mútua. Embora tendam a ser reclusos e manter-se
em seus próprios vales, ainda assim foram por muitos anos aliados e amigos de Gondor.
Mas Romach foi evasivo e pediu tempo para tomar sua decisão. Logo nós notamos o
porquê, pois no dia seguinte chegou a Erech um emissário de Umbar.
- O quê? - Vieram várias vozes imediatamente. - Os Piratas ameaçam abertamente os
Eredrim? Eles deveriam ter sido presos por seus crimes!
A voz de Isildur cresceu ainda mais severa. - Foi com pesar que fomos forçados a honrar
sua bandeira de trégua, especialmente, pois penso que é provável que seu emissário era o
mesmo que havia ordenado o ataque as Ethir Lefnui. Malithôr é seu nome, mas o chamei
Boca de Sauron, pois apesar de fingir falar por seu Imperador Herumor, seus pensamentos e
fala são apenas a vontade do Senhor do Escuro.
Eu adverti Romach contra suas ameaças, mas Romach é temeroso e cauteloso em sua idade
velha, ele não nos apoiaria. Eu penso que no fim ele pensou que seria melhor ter Gondor
como um aliado traído que Umbar, pois sabe que não o atacaremos por isto.
E assim quando soei meu chifre e os chamei ao auxílio de Gondor, eles quebraram seu
juramento e esconderam suas faces de mim. Mas a astúcia covarde de Romach não o
ajudou, pois lhe lancei uma maldição e em todo seu povo. Eles permanecerão
imperturbados em seus vales distantes como desejam, mas não crescerão nem florescerão.
Sua linhagem murchará e enfraquecerá e suas determinações e trabalhos entrarão em
desuso e ruína. Eles nunca encontrarão descanso, nem nesta vida nem depois desta, até que
cumpram seu juramento e respondem ao chamado de meu chifre.
O corredor permaneceu calado, em temor e horror a esta maldição. Amroth olhou Isildur
em surpresa. Ele não pôde dizer se Isildur tinha tal poder, mas parecia tão horrendo e
determinado que não o duvidou. Ele sussurrou a Elrond a seu lado. - Este Dúnedain parece
lidar com poderes maiores que muitos elfos centenas de vezes mais velhos. Nós Quendi
tendemos pensar nos Homens como irmãos mais jovens, mas pode chegar um momento em
que eles rivalizarão ou até mesmo nos superarão.
Elrond deve ter pensado muito os mesmos pensamentos, pois sussurrou de volta, - Talvez
com aliados como Isildur, nós realmente prevaleceremos contra o inimigo.

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Enquanto estavam assim lidando com seus pensamentos, Isildur tinha prosseguido como
relato do conselho a Pelargir e seu retorno a Osgiliath. Quando terminou ele chamou
Círdan, que contou sua viagem, a tempestade no mar, sua corrida furiosa Anduin acima, e a
batalha a Pelargir. Considerando que Amroth tinha levado parte nestes aventuras, ele estava
dando pouca atenção enquanto esquadrinhava as faces no salão. Entretanto Círdan disse
algo que chamou sua atenção.
- E próximo ao fim da batalha, - Círdan dizia, - quando estava claro que os Piratas não
poderiam ter a vitória, uma galera libertou-se e apressou-se à orla oriental. A perseguimos e
alcançamos, mas não antes de um de seus oficiais tomar a um grande cavalo negro e
escapar. De todos os homens de Umbar naquela frota, acredito eu que ele foi o único que
escapou vivo.
- Senhor Isildur, - Disse Amroth. - Você falou de um emissário de Umbar que veio a Erech.
Qual era seu nome?
- Malithôr.
- E qual sua aparência?
- Muito alto e escuro, com uma face longa e um nariz enganchado como um falcão.
- É o mesmo homem! - Exclamou Amroth. - Nossos olhos se encontraram quando sua
galera passou por nós. Tal uma face, e nela tal olhar de ódio, eu o reconheceria em qualquer
lugar.
- Em qual direção montou ele? - Perguntou Isildur rapidamente.
- Leste e norte, para Mordor, meu Senhor. Nós notamos isto na ocasião.
- Voltando a seu verdadeiro mestre, sem dúvida, - Isildur disse. - Quisera você o tivesse
pegado. Nosso empreendimento inteiro depende de surpresa. Se ele notou ou adivinhou
nossos planos e os leva a Sauron, nós temos apenas poucas esperanças de sucesso.
- Então nós temos que nos mover rapidamente, - Disse Galadriel, falando pela primeira vez.
Todos voltaram-se ao som de sua voz, como água que desaba de fonte em uma noite calma.
- Eu urgiria com maior velocidade possível, - ela continuou. - Nós ouvimos as razões para
este conselho e como fomos convocados. Este Malithôr ameaça o plano de Gil-galad.
Nossa única esperança é golpear antes que ele possa alcançar Barad-dûr. Que diria para
fazermos, Isildur?
Isildur cabeceou. - Todas os nossos relatos estão contados. Agora é tempo de cumprirmos
nossa parte dos atos finais da guerra. Os Senhores do Oeste nos licitaram a cruzar o Anduin
e assaltar Minas Ithil usando todas as armas a nossa disposição. Nossa tarefa é golpear
rapidamente e derrotar as coisas de carne putrefata e suja que agora regem a Torre da Lua
antes que possam enviar um emissário a Barad-dûr clamando ajuda. Temos que assegurar a
cidade tão depressa quanto possível, então nos dirigirmos ao leste sem demora e nos
unirmos a ele em Gorgoroth. Temos razões para acreditar que Sauron perceberá logo que a
cidade foi atacada. Ele será compelido a vir nos atacar adiante. Gil-galad e Elendil farão
tudo o que puderem para o barrar quando está em sua Torre. Se a fortuna estiver ao nosso
lado, eles terão o sobrepujado antes de nós chegarmos. Se não, estaremos ali para derrotá-
lo. Esta é minha missão por meu rei e pai. Eu cumprirei meu dever, mesmo que tenha de

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montar só. Mas a maioria de você não são servos de Elendil. Vocês não são compelidos e
têm que escolher. Eu lhes pergunto a todos, vocês montarão comigo?
Turgon levantou-se. - Meu rei, se você vai assaltar Mordor, para a morte eu o seguiria!
- Assim também dizem os homens de Pelargir, meu Senhor, - Disse Barathor. - O Inimigo
tentou destruir nossa cidade. Estamos ansiosos a devolver o cumprimento.
- Os homens de Angrenost, - Thardun disse, - sempre servirão a nosso rei, por dever e amor.
- Nós servimos a nosso rei, - Círdan também disse, - pois Gil-galad nos rege desde que o
mundo foi mudado, e sempre lutamos contra o mal. Nós faremos como ele solicita.
- Os Galadrim, - Disse Celeborn, - também reconhecem Gil-galad como Alto-Rei dos
Exilados. Não fugiremos ao nosso dever.
- Meu Senhor Isildur, - Súrion disse, - os homens de Cair Andros também lhe servirão.
- E do Harlond, - Gritou Halgon.
- E Linhir! - E Calembel! - E Emyn Arnen! - E Minas Anor! - Então todos estavam
gritando, proclamando seu apoio. Isildur parou sorrindo a eles. Gradualmente os gritos
cessaram.
- Meus amigos, meu coração é movido por sua lealdade e confiança. Temos uma tarefa
difícil diante de nós. Eu jurei matar Sauron e lançar sua Torre no abismo. Mas agora com
sua ajuda nós seguramente teremos afinal a vitória e eu cumprirei aquele juramento.
Então uma grande alegria saiu de muitas gargantas: - Isildur! Isildur! Isildur! - também
havia muitos gritos de - Elendil! - e - Gil-galad! - Isildur reconheceu os clamores com um
sorriso, entretanto ele elevou sua mão para o silêncio.
- Meus amigos, - ele gritou, - com tal aliados, como podemos falhar? Nós estamos armados
e prontos. Nós devemos nos mover o mais cedo possível.
- Um momento, Isildur, - Disse Galadriel, subindo sua voz suave cortando muitas vozes no
salão. - Um conto mais deve ser contado aqui hoje. Se este bom povo está arriscando tudo
para lutar conosco, eles deveriam estar a par de todas as forças que entrarão na batalha.
Você não concorda?
O sorriso de Isildur enfraqueceu. Ele a olhou seriamente, então às faces de vigilância.
- Sim, minha senhora. O tempo para segredo é passado. Você falará, já que o conhece
melhor?
Ela curvou-se graciosamente em aceitação, então voltou-se ao salão. - Meus amigos, - ela
começou, - o que eu relatarei agora é conhecido a muitos dos elfos aqui, mas
provavelmente para poucos dos outros. O conto começa há muito tempo, mas se vocês
forem pacientes, penso que verão que tem grande importância à nossa empreitada.
Há muito tempo como os Homens vêem os anos, em Ost-em-Edhil, a cidade dos elfos de
Eregion que não mais existe, um dos maiores de todos os forjadores dos Noldor,
Celebrimbor filho de Curufin, trabalhou em sua forja. Depois de muitos yén, achou um
modo de forjar ouro e incorporar no metal os poderes das grandes artes dos Eldar, esses
com os quais criamos e mantemos as belezas maravilhosas que nos cercam em nossos
próprios reinos e que nos fazem lembrar de nossa casa nas terras imortais pelo mar. Estas

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são artes só parcialmente entendidas até mesmo por estes de nós que as praticam. A maioria
dos Homens os chama magia. Celebrimbor descobriu os meios de destilar a essência destes
poderes e misturá-la com o metal fundido. Com este processo, Celebrimbor forjou muitos
anéis de poder, anéis que deram a seus portadores o poder para alterar o mundo ao redor
deles. Com cada anel, aumentou sua habilidade, até que ele criou os maiores de todos, os
Três Grandes Anéis: Nenya, Narya, e Vilya.
Usando os Três, os Noldor construíram muitos lugares belos na Terra-média e os deram
alguma da beleza eterna de Valinor. Grandes trabalhos foram feitos e muito bem foi
realizado. Muitos lugares conspurcados por Morgoth nos Dias Antigos foram limpos e
feitos belos novamente. Mas sempre Celebrimbor buscou fazer maiores anéis para realizar
ainda mais.
Celebrimbor também buscou outros grandes forjadores com quem poderia compartilhar seu
conhecimento e de quem poderia aprender e melhorar suas habilidades. Muitos mestres
forjadores vieram à suas forjas e fundições em Eregion. Os anões da próxima Khazad-dûm
especialmente enviaram muitos para dele aprender.
Então um dia que uma figura estranha apareceu à fundição de Celebrimbor. Ele deu seu
nome como Annatar, que quer dizer Senhor dos Presentes e era um grande forjador à sua
própria maneira. Ele se tornou o estudante mais capaz de Celebrimbor e assistente, então
seu colega, porque suas habilidades eram quase iguais às do mestre. Juntos eles trabalharam
na forja, dia e noite, ano após ano, suas habilidades sempre aumentando. Juntos eles
forjaram outros Grandes Anéis, especialmente criados para o uso de Homens e anões, como
os Três eram para elfos, e Celebrimbor os deu livremente aos reis dessas raças, e eles
poderiam os usar para o bem de seus povos.
Então um dia Annatar não pôde ser encontrado. Ele tinha partido sem uma palavra, e
ninguém soube onde ele tinha ido ou por que. Celebrimbor foi muito afetado, porque ele
sentia que aquele Annatar estava perto de alcançar grande sucesso, até mesmo além de seu
próprio. Então alguns meses depois, Celebrimbor em um sonho subitamente viu seu antigo
estudante cercado por chamas. Ele estava sustentando um anel de ouro claro, sua face
transformada por triunfo em uma máscara trançada de mal. Annatar sustentou o anel e disse
um feitiço medonho. Embora o idioma fosse severo e horrível, Celebrimbor entendeu seu
significado:
Um Anel para a todos governar,
Um Anel para encontrá-los,
Um Anel para a todos trazer, e na escuridão atá-los!
Então Celebrimbor conheceu a mente e vontade de Annatar, e toda sua deslealdade foi
revelada afinal. Então ele soube que seu antigo aluno era Gorthaur, também chamado
Sauron, o Inimigo, que tinha sido o criado mais poderoso de Morgoth - um Maia das
origens dos dias, mas voltado completamente ao mal. Todos tinham pensado que ele havia
se perdido na queda das Thangorodrim quando o mundo foi mudado. E Celebrimbor
também soube naquele momento terrível que Sauron tinha tido sucesso em seu desejo de
forjar um Grande Anel de Poder. Trabalhando nas Sammath Naur, as Câmaras de Fogo
dentro do vulcão Orodruin em Mordor, ele não só tinha forjado um anel mais poderoso que
os Três, porque continha muitos de seus próprios grandes poderes, mas lhe deu a habilidade

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para perceber as mentes e ações desses que carregam os outros anéis. Como um pescador
que lança uma rede, o UM poderia trazer a si aqueles que usavam os outros Grandes Anéis.
Horrorizado, Celebrimbor enviou os Três imediatamente em esconderijo e proibiu seu uso.
Foram enviados para longe, porque ele soube que quando Sauron percebeu que sua traição
era conhecida ele atacaria Eregion para adquirir os Três à força. E assim veio a acontecer.
Eregion foi atacada e o próprio Celebrimbor caiu em sua defesa. Tenho certeza que todos
conheçam a guerra que se seguiu, na qual Eregion foi destruída e toda Eriador infestada,
entretanto todos nós Exilados lutamos em sua defesa. Nós fomos duramente pressionados
até mesmo a defender a própria Lindon, e buscamos a ajuda de Tar-Minastir, rei poderoso
dos Homens de Númenor. Ele veio com grandes navios cheios de guerreiros e juntos
varremos a Terra-média levando as hostes de Sauron à nossa frente. Sauron fugiu ao leste e
não foi visto novamente por muitos longos yén. Por fim ele teve sua vingança em Númenor,
enganando seu rei Ar-Pharazôn a assaltar Valinor, e toda a terra de Númenor foi destruída,
entretanto o próprio corpo de Sauron pereceu na ação.
Agora ele levanta-se mais uma vez, e ainda carrega o Um Anel, buscando os outros
Grandes Anéis. Dos Sete dados aos anões, alguns foram consumidos por dragões, mas
outros foram afinal tirados por Sauron e seus donos mortos. Dos Nove dados aos reis de
Homens, estão todos agora em seu poder. Os reis que os levavam eram uma vez guerreiros
corajosos e poderosos, usando seus anéis como lhes aprouvera, alguns melhor, outros pior.
Mas um por um eles foram levados a deixar as próprias terras e montar para Mordor.
Podemos apenas supor suas razões. Alguns sem dúvida obtiveram suas fortunas, outros
poder ou fama. Alguns talvez em sua loucura até mesmo pensaram em combater com
Sauron e o derrubar, e como Beren de antigamente eles seriam cantados como heróis. Mas
todos foram derrubados pelo próprio orgulho vão e apenas a eterna escravidão a serviço de
Sauron encontraram. Tornaram-se coisas nem mortas nem tão pouco vivas e vivem muito
mais que os anos dados aos homens, mas já não são seus próprios mestres, pois eles são
agora os escravos mais poderosos de Sauron. Eles são os Úlairi que agora regem Minas
Ithil.
Houve murmúrios no salão a isto.
- Minha Senhora, - Disse Barathor. - Se vamos enfrentar este Úlairi temos que conhecer
nosso inimigo. Que tipo de poderes lhes dão os anéis?
- Não sabemos a completa extensão de seus poderes, Senhor Barathor, - Respondeu
Galadriel. - Até mesmo Celebrimbor que fez os Nove não conheceu os encantamentos com
que Sauron os deve ter imbuído secretamente. Mas as almas desses que os usam foram
estiradas e puxadas até que são ligadas a corpos que deveriam ter há muito partido da terra.
Lutamos contra coisas de ar e éter então? - Disse Barathor. - Nossas armas irão mordê-los?
- Eles ainda vivem como homens, - Disse Isildur, - entretanto passaram muito da idade
concedida a até mesmo o maior dos Homens de Númenor. Suas armas devem os matar. Mas
quando eles lançaram seu ataque surpresa a Minas Ithil os guardas nas muralhas foram
golpeados por um terrível medo irracional. Eles chamaram a isto de Sombra dos Nove.
Alguns homens valentes jogaram-se ao chão as armas e se caíram, em lugar de resistir à
vinda dos Nove. Outros estavam firmes, mas me foi dito que tremeram de medo e mal
puderam elevar suas armas, tal é o pavor que segue diante deles.

158
Muitas vozes elevaram-se em preocupação. Eles estavam prontos assaltar qualquer
exército, mas como poderiam esperar combater os mortos?
- Se seus poderes são tão grandes, - Disse Ingold de Calembel - como podemos esperar os
derrotar?
Galadriel olhou Isildur, e ele cabeceou. Círdan e Elrond, em ambos lados da Senhora,
levantaram-se. Então todos os três puxaram correntes de seus pescoços e todos puderam ver
coisas como jóias brilhando.
- Contemplem os Três. - Disse Galadriel.
Um silêncio assombrado recaiu sobre o salão, pois todos sabiam que estavam na presença
de um poder além de toda a compreensão.
- Por muito tempo os Três estão ocultos, - Disse Galadriel. - e nunca desde sua fabricação
estiveram juntos na mesma terra, para que Sauron não os tomasse. Agora a ocultação teve
seu fim, e os Três irão para guerra.
- Mas não é perigoso ao extremo trazê-los aqui? - Disse Meneldil, o Senhor de Osgiliath.
Eles não atrairão Sauron a Osgiliath?
- Cremos que Sauron não os pode perceber até que coloquemos os anéis e usemos seus
poderes, - Disse Galadriel. - Não obstante, é como você diz, perigoso ao extremo.
Celebrimbor deu Vilya, o maior dos Três, a Gil-galad, e esteve a seus cuidados desde então.
Mas quando o rei partiu à guerra em Mordor, julgou inseguro levar Vilya com ele e o
deixou em Lindon. Agora à sua ordem Elrond o trouxe aqui.
- É a esperança dos Senhores do Oeste, - Disse Isildur, - que os Três nos darão a força para
derrotar os Úlairi em Minas Ithil.
- Mas seguramente, - Ingold disse, - você está propondo seguir os passos daqueles que se
tornaram os Úlairi. Nossos Portadores dos Anéis poderiam não ser enlaçados como eles
foram? Se o propósito de Sauron é trazer os Três a ele, seguramente é loucura levá-los de
boa vontade a seus portões.
- Realmente é uma chance perigosa, - Galadriel respondeu. - E nós só damos este passo
desesperado porque todos os outros falharam.
- Nós esperamos os usar apenas contra Minas Ithil, - Disse Celeborn. - Esperamos que os
Nove não terão poder sobre os Três, que nunca foram tocados pelo mal de Sauron. Se
obtivermos sucesso ali, é nossa esperança que o Exército da Aliança destruirá Sauron antes
que ele possa aproximar-se dos Três.
- Mas não pensem, - Disse Galadriel, - que os Três tornarão seus portadores guerreiros
invencíveis. Eles não são armas e não podem ser usados para danificar, nem eles nos
protegerão dos ataques de nossos inimigos. Mas esperamos que ao menos dispersem a
sombra de temor que cerca os Nove. Os Úlairi serão vistos como realmente são, despojados
de todos os feitiços e ilusões. Então será a tarefa de lâminas e setas os destruir, não os Três.
- Mas Sauron não perceberá os Três se nós os usamos contra os Úlairi? - Perguntou
Meneldil. - Não estaremos dando a chance a Sauron de tomar aquilo que há tanto procura?

159
- Sim, é. - Admitiu Isildur. - E isso é a outra parte do plano de Gil-galad. Só a isca dos Três
poderia tirar Sauron de Barad-dûr. Se ele sabe que os Três estão tão à mão em Mordor,
espera-se que ele não poderá resistir a tentar os tomar.
- Então nós - todos nós - seremos usados como isca, a atrair todas as forças de Sauron
contra nós?
- Sim, - Galadriel disse quietamente. - É por Isso que pensamos que vocês têm que
conhecer os Três, apesar de temermos os revelar abertamente.
Houve outro silêncio. - E o que acontecerá se Sauron avançar adiante e os reis não o
puderem parar? - Perguntou Turgon. - E se ele vier contra nós? Os Três nos ajudarão contra
ele? Se ele é um Maia, pode mesmo ser morto?
- Em verdade, - Disse Isildur, - nós não sabemos. Talvez os Três tenham a força para
dispersar a aura de desespero que parece cair sobre qualquer um que se aproxima dele. E
temos outras armas de grande poder. O lâmina de meu pai, Narsil foi forjada nos Dias
Antigos por Telchar de Nogrod, maior dos forjadores dos anões, e foi carregada por todos
os nossos pais desde então. A lança de Gil-galad, Aeglos, foi forjada em Eldamar para ser a
arma a matar o próprio Morgoth. São encantados ambos, para ser a ruína de Sauron, e
nenhuma coisa má pode resistir à sua vinda. Estas armas devem ter a força para perfurar até
mesmo a carne profana de Sauron, se puderem ser trazidas contra ele.
- Então você acredita o Três podem superar os Nove? - Perguntou Barathor.
- É nossa esperança, mas não podemos estar certos até que façamos a tentativa. Os Nove
são apenas os escravos do Um. Seu poder está no terror, não por grande força mágica.
- Sua Sombra é grande por isso, -Disse então Elrond. - Eu lutei contra eles no Portão Negro,
e senti medo. No meio de nosso ataque, repentinamente cederam nossos guerreiros mais
corajosos. Elfo e Homem corriam em confusão e os cavalos ficaram furiosos. Vendo nossa
desordem, os Úlairi conduziram suas forças para fora em uma poderosa investida contra
nós. Mas Gil-galad conduziu uma coluna ao redor em um ataque flanqueando rápido atrás
deles e foi pelo lado aberto e assim tomou o Portão. Até mesmo em sua derrota, a Sombra
dos Nove foi diante deles, e nós não pudemos prevenir sua retirada por Udûn e então de
volta a Minas Ithil.
Temo que eles aprenderam a loucura do longo ataque a Dagorlad. Se tivessem permanecido
nas muralhas eles ainda estariam lá. Eles não repetirão aquele erro em Minas Ithil.
- Não, - Concordou Isildur. - Nós temos que assaltar a cidade, temos que quebrar os
portões, e temos que destruir os Úlairi, tudo em uma grande pressa. Nós não podemos
esperar os sitiar, não enquanto eles carregam os Nove. Não deve haver nenhuma demora,
ou Sauron poderá mover outras forças contra nós. O golpe deve ser rápido e completo.
Meia vitória significa derrota.
- Sim, - Disse Círdan. - Nós Portadores dos Anéis iremos cada liderar uma coluna. Quando
percebermos a Sombra colocaremos os Três em nossas mãos e a combateremos. Nós
esperamos dispersá-la ou ao menos diminuí-la e forçá-la a recuar. Então vocês devem fazer
o resto.
- Você diz que combaterão os Nove, - Disse Barathor, - mas como tal luta parecerá a nós
mortais?

160
- Os Anéis nos mudarão conforme os usarmos, - Respondeu Círdan. - Entraremos naquele
Crepúsculo que não é deste mundo. Elfos nos perceberão, mas vagamente, como formas em
uma névoa, e Homens não. Nós não conhecemos o Úlairi, mas acreditamos que a eles
ficaremos mais claros de repente, porque eles sempre moram no Crepúsculo. Nesse caso,
seremos alvos claramente visíveis a eles, e em um mundo pouco conhecido a nós, mas lar
deles. Será um momento muito perigoso.
- Mesmo assim, - Disse Galadriel. - Não se espantem com nosso desaparecimento, mas
avancem adiante com toda a velocidade, pois nós podemos estar impossibilitados de lutar
enquanto estivermos usando os Anéis.
- E o se vocês caírem enquanto naquela escuridão? - Perguntou Súrion.
- Se cairmos vocês não o verão, exceto que a proteção dos Três estará perdida. Vocês têm
que continuar a lutar.
- Mas o que aconteceria a vocês? - Ele persistiu.
- Como você deve saber, - Disse Galadriel num sussurro, - quando um elfo morre ou é
morto neste lado do mar, ele se reunirá a seus amigos além do Véu ao término deste mundo.
Mas é dito que um elfo que morre no Crepúsculo pode não atravessar o Véu, mas para
sempre será perdido.
- Então você arrisca mais, talvez, até mesmo que nós mortais. - Súrion olhou Galadriel
tristemente, com seu cabelo dourado e sua face de formas amáveis. Jovem e bonita ela
parecia, mais que qualquer outra mulher que tenha vivido.
- Diga-me se quiser, - Disse ele depois de uma pausa. - É necessário que uma donzela élfica
tenha que carregar um dos Três em batalha? Entre os Homens, mulheres não conduzem
exércitos à guerra. Não gostaria de vê-la perdida ao mundo.
Galadriel riu. - E como eu poderia agir, Súrion? Você me elogia como uma Senhora, mas
me insulta como comandante. Não sou desacostumada a vestir armaduras, você sabe.
Conduzi um exército dos elfos de Beleriand contra a fortaleza de Morgoth nas
Thangorodrim. Lutei na primeira guerra contra Sauron e ajudei a expulsá-lo de Eriador.
Não sou uma donzela temerosa e protegida.
- Minhas desculpas, Senhora, - Gaguejou o jovem capitão de Cair Andros, sua face
ruborizada. - Eu sou novo aos modos dos Eldar. Você é bela e adorável e não parece mais
velha que minha irmã que viu apenas vinte invernos.
Muitos dos elfos sorriram a isto. Galadriel riu e disse, - Você realmente é novo a nós,
Capitão. Pensa que tenho vinte? Tenho mais de quarenta, e não em anos, mas yén. Sou a
mais antiga de nossa raça na Terra-média. Vinte anos! Ora, eu havia visto vinte séculos
antes de deixar Eldamar, e o sol deu quase quatro mil voltas desde então.
Súrion fitou descrente, e Isildur riu-se.
- Você ainda teme seguir tal jovem menina em batalha, Capitão?
- Não, Majestade, - Engasgou. - Sou honrado, minha Senhora, e eu a seguirei para a vitória
ou para a morte, embora ainda eu tema por sua segurança. Tal beleza não deveria perecer.
Ela sorriu a ele. - Você é amável, Capitão, mas não fique ansioso por mim. Só pense na
vitória e ela seguramente virá.

161
- Agora todos os relatos estão contados! - Disse Isildur, levantando-se novamente. - É
tempo de agir. Há aqui alguma dúvida da necessidade ou da sabedoria do plano de Gil-
galad? - Houve alguns gritos de "Nenhum!" e "Vamos atacar depressa!".
- Então apenas precisamos planejar nosso ataque. Considerando que a velocidade e surpresa
são nossos aliados, sugestiono uma aproximação direta. Cruzaremos a Grande Ponte
adiante em Osgiliath Oriental e avançar com toda velocidade possível pela estrada principal
para Minas Ithil. Significará cruzar dez léguas de território ocupado, sob clara visão clara
de seus espiões. Nossa única esperança é então viajar mais rapidamente que os espiões e
chegar a Minas Ithil antes que qualquer palavra possa chegar à cidade. Como muitos de
você sabem, ela jaz bem sobre um vale montês sinuoso. Com alguma sorte eles devem ter
pouco tempo para preparar suas defesas. Então nós teremos que vencer as muralhas. Elas
são ambas fortes e altas, pois lhes construí para resistir um até mesmo um ataque de
qualquer ameaça que poderia vir de fora de Mordor.
Mas desde que minha família foi levada para fora de Minas Ithil eu sonhei com sua
reconquista. Planejei muito em como poderia ser melhor feito, e penso que sei o modo. A
cidade está em uma proeminência rochosa no lado meridional do vale, e seu portão
principal fica a norte com uma torre forte em ambos lados. O portão fica entre os pés das
torres, assim os atacantes se encontram em um tipo de pátio, à mercê de arqueiros nos
ameios sobre os portões e torres. O portão seria muito difícil de tomar por qualquer força e
as perdas seriam terrivelmente altas. No centro da cidade está a fortaleza da cidadela,
dentro de suas próprias muralhas, com a Torre da Lua em seu coração. Não devemos deixar
os Espectros do Anel retirarem-se à fortaleza ou será realmente difícil os desalojar.
Há três portos na parede exterior, mas estes também são fortalecidos e por certo guardados
fortemente. Uma passagem é deixada no topo das paredes ao longo das quais os homens
podem mover-se a qualquer ponto de ataque, completamente protegidos dos inimigos.
Aquela passagem é em todos os lugares larga o bastante para que quatro homens podem
caminhar lado a lado, exceto em um certo ponto. A torre ocidental do portão é construída
perto da extremidade de um banco íngreme sobre um córrego, quase sem espaço para um
homem ficar pé. Foi construído assim de propósito assim seria difícil vir por ele. Mas por
causa do declive, fui forçado a estreitar a passagem sobre a parede mais alguns pés, assim
os defensores têm que passar em fila indiana, entretanto isto não é aparente de fora.
Por causa da rampa íngreme, esta torre parece inconquistável daquele lado. Estou
esperando que menos defensores estejam posicionados lá, especialmente pela passagem
estreita impedir que muitos juntem-se naquele lado da torre. Eu proponho que façamos um
forte ataque ao portão e concentremos nossas forças ali, mas sem nos permitir entrar no
mortal pátio da frente antes do próprio portão. Esperançosamente isto atrairá muitos
defensores para essas partes das paredes mais próximas do portão.
Ao mesmo tempo, grupos de arqueiros montados poderiam varrer ao redor da cidade, e
montar próximos sob as paredes em ambos lados. É difícil ver ou atacar inimigos movendo-
se rápido contra as muralhas. Estes grupos então escalariam as colinas atrás da cidade e
lançariam o fogo mais pesado possível aos defensores nas muralhas. Isto deveria distrair os
defensores mais adiante e os desencorajar a pôr suas cabeças a olhar para baixo das
muralhas.

162
Conforme os cavaleiros passam ao longo do caminho estreito pela torre ocidental, um
pequeno grupo desmontaria. Eles tentarão escalar a torre com a ajuda de ganchos atirados
por bestas. Se puderem chegar ao topo e tomar a passagem, pode então ser defendida
facilmente em ambos os lados por causa da proximidade. Com a passagem mantida, um
homem corajoso e ágil poderia entrar na torre por uma janela pequena que lhe dá passagem.
Dentro da torre há o mecanismo dos portões. Têm por contra-pesos pedras enormes que
descem dentro da torre. Toma-se apenas um toque para os abrir.
- Um plano corajoso realmente, Majestade, - Disse Ingold. - Mas quem escalará as paredes?
- Não eu, me dói dizer, - Isildur respondeu. - pois serei procurado no campo de batalha. O
inimigo me conhece bem, e se eu que conduzo o ataque no portão não sou visto, poderiam
suspeitar de um truque. E ainda deveria ser alguém que conhece as muralhas, e o
mecanismo do portão.
- Eu abrirei os portões, - Disse uma voz quieta e todos voltaram-se ao som. Elendur, o filho
de Isildur, tinha falado.
- Elendur, não. - Disse Isildur. - Deveria ser um líder mais velho, mais experiente. Você
ainda é muito jovem.
- Jovem e ativo bastante para escalar uma parede. - Respondeu Elendur. - Eu conduzi os
lanceiros de Forithilien nestes últimos três anos. E conheço aquela torre e os mecanismos
do portão bem, pois brinquei ali quando menino. Nasci em Minas Ithil. Serei o Príncipe de
Ithilien depois de ti. Não me negue isto, pai, pois o que é um príncipe sem uma terra?
- Ah, você golpeia profundamente, Elendur. Conhece minha própria dor. O que dizem
outros aqui? Confiaremos nossas vidas e fortunas a este rapaz?
- Sim, - Disse Meneldil. - Elendur tem razão. Ele conhece a cidade melhor que qualquer um
de nós.
- Aye, - Disseram muitas vozes. - Dê-lhe sua chance. Ele não é nenhuma criança.
- Assim seja então, Elendur, - Disse Isildur. Entretanto todos podiam ver que não estava
contente com a decisão. - Escolha um destacamento corajoso, não mais que uma dúzia, com
conhecimento de Minas Ithil.
- Levarei meus próprios homens que montaram comigo de Gorgoroth. Crescemos juntos, e
muitos foram os dias em que defendíamos a torre ocidental contra inimigos imaginários do
rei. Lutamos juntos desde que a guerra começou, e conhecemos os modos um do outro.
- Muito bem. Preparem-se bem. Peguem o que precisarem do arsenal. E amanhã à noite
poderão novamente encontrar-se dentro da cidade de seu nascimento.
- Amanhã? - Exclamaram alguns dos senhores. Devemos marchar tão logo?
- Nós devemos, - Respondeu Isildur. - Nós esperamos ter a surpresa deles, mas pode ser que
aquele Malithôr já esteja lá. Se ele lhes disser que um grande exército está reunido aqui,
eles adivinharão onde é provável que o ataque se caia. Assim nossa única esperança está na
velocidade. Eles esperarão que lutemos uma batalha longa e sangrenta à ponte, então
mover-se cuidadosamente por Osgiliath Oriental e Ithilien e arraigar os orcs de toda
edificação, antes que os ataquemos em Minas Ithil. Mas eu digo que alguns orcs espalhados

163
podem causar pequena dificuldade se tomarmos Minas Ithil. Não nos aborreçamos com
eles, mas dirijamo-nos diretamente para seu ninho.
- Meu plano é montar o máximo de nossos guerreiros quanto possível. Temos seis mil
cavaleiros montados agora. Se corrermos a cidade e todas as aldeias próximas, ainda
poderemos achar quatro mil cavalos capaz de correr. Eles não precisam ser corcéis de
guerra, nem os cavaleiros qualificados em lutas ao dorso de cavalos. Assim que a ponte
estiver tomada, deveríamos nos dirigir imediatamente para Minas Ithil. Nós poderemos ter
dez mil homens diante de seus portões antes que os Úlairi saibam que a ponte é assaltada.
São apenas trinta milhas. Se a infantaria mantém uma marcha fixa, serão apenas algumas
horas atrás da cavalaria.
- Mas Majestade, - Disse Meneldil. - As defesas à ponte são fortes. Pode nos tomar muito
tempo sobrepujá-los. Se levar três horas, um mensageiro terá chegado a Minas Ithil e nossa
vantagem será perdida.
- Isto é verdade. Mas proponho enviar um grupo hoje à noite pelo Rio através em barcos e
aportar próximo às paredes ao sul da cidade onde há muitas docas e construções comerciais
vazias. Se eles puderem mover-se despercebidos pela cidade e alcançar a ponte à primeira
luz do dia, estarão atrás dos defensores quando atacarmos. Presos entre nossas forças, os
orcs serão impotentes.
- Este parece um bom plano, Isildur. - Disse Elrond. - Se puder ser levado a cabo sem
descoberta, será um golpe brilhante. Você planejou bem.
- Tive doze anos com pouco mais em minha mente. - Disse Isildur com um sorriso triste. -
Nós não falharemos agora.
- Senhor, - Disse Turgon de Ethir Lefnui. - Um detalhe, se permitir. Deixe-me conduzir este
grupo de barco. Passei a maior parte de minha vida em rios em todos os tipos de barcos
pequenos. E tenho uma grande dívida a cobrar.
- Pois bem, Turgon. Calculo que cinqüenta homens serão o bastante. Escolha seus homens
cuidadosamente, pois em um empreendimento deste tipo a vida de cada homem dependerá
do outro.
Amroth levantou-se. - Eu também peço permissão para ir com Turgon. Conheço bem
barcos pequenos. E um elfo pode mover-se silenciosamente onde um homem não pode. Eu
levaria alguns elfos corajosos de Lothlórien comigo. Espreitadores de cervos, acostumados
a mover-se furtivamente à noite.
- O que diz você, Turgon? - Disse Isildur. - Você teria Amroth a o acompanhar?
- Seria uma honra, Majestade. Eu lhe dou boas-vindas, Senhor Amroth.
- Todos estamos de acordo então? - Perguntou Celeborn. - Atacaremos amanhã, como
Isildur propôs?
- Sim! - Gritaram muitas vozes. - Por muito tempo sofremos seus insultos e suas batidas
duraram o bastante. Deixe-nos levar a guerra a seus portões para variar.
- Pois bem. - Isildur disse. - Por muito tempo esperei por este dia. Thardun, Ingold, vão
com seus homens e consigam tantos cavalos e selas que puderem encontrar em Osgiliath.
Meneldil, envie homens a todas as aldeias periféricas e consiga toda besta capaz de trotar

164
aos campos perto dos portões. Halgon, nós precisaremos de seis ou oito barcos perto das
muralhas do sul ao pôr-do-sol, as menores e mais leves que você puder encontrar. Barathor,
espero que seus homens possam montar tão bem quanto fazer o arado com seus cavalos.
- Eles podem aprender. - Riu Barathor.
- Bom. E os Galadrim? A maioria de sua hoste está a pé. Eles estão familiarizados com
cavalos?
- Nós montamos cavalos antes que os homens foram ao Oeste, - Disse Gildor. - Os cavalos
são nossos amigos.
- Então? - Disse Isildur. - Nós veremos. Não nos deixemos desperdiçar mais nenhum tempo
falando. Há muito para ser feito. Amanhã vamos à guerra!

Capítulo 9
Minas Ithil

Quando os últimos reflexos do sol tinham desaparecido atrás do Monte Mindolluin e o


solstício de verão havia findado, um grupo tenso reuniu-se em um armazém na parte mais
ao sul da cidade. Meneldil o Regente ali estava, e Bortil, o mercador dono do prédio. Diante
deles estava um grupo de Elfos e Homens trajados com capas negras e cinzas. Seus capuzes
estavam lançados para trás, pois o armazém ainda estava quente devido ao longo dia de
verão. Em volta nas paredes, sobre grandes prateleiras de madeira, jazia uma dúzia de
pequenos botes arredondados, empilhados como tigelas. Eles eram leves e toscos, feitos de
couro de boi estendido por sobre uma estrutura de carvalho. No meio do piso havia uma
abertura escura levando a um grupo de pedras úmidas e cobertas de musgo. Abaixo delas
podia-se ouvir as águas lambendo gentilmente as pedras. O armazém estendia-se por sobre
o Rio para facilitar a carga e descarga dos botes que vinham pelo Rio das vinícolas de
Emyn Arnen.

- Estes botes, – disse Bortil – outrora eram usados como jangadas para descarregar vinho
antes de eu ter construído a doca sob o armazém. Eles são pequenos e não feitos para
velocidade, mas cada um acomodará dois homens e meia-dúzia de ânforas. Eu ouso dizer
que seis homens poderiam se acomodar em cada um deles, se permanecessem abaixados.

- Estes servirão bem, - disse Amroth. – Nos dias de outrora usávamos engenhos parecidos
com estes na corrente do Nimrodel, em Lothlórien. Dois seguirão à frente em fila. Os
outros se manterão abaixados, imóveis e fora de vista.

- Mas esta escada é segura, Bortil? – perguntou Turgon. – Ela poderia ser uma entrada para
sua cidade. É sábio mantê-la desguarnecida?

- O portão das águas é fechado por uma porta corrediça na extremidade externa, Senhor
Turgon. Em dias mais alegres ela evitava que gatunos viessem colher amostras de minhas

165
colheitas, mas serve para manter Orcs afastados também. Eu a levantarei quando vocês
estiverem prontos.

- Estamos prontos agora, - disse Turgon. – Meus homens estão sedentos não pelo seu vinho,
mas por sangue orc escorrendo de suas lâminas.

- Teremos o bastante disso, eu temo, - disse Amroth. Ele via o desejo por vingança nos
olhos de Turgon e seus homens de Ethir Lefnui. – Mas não deixe que ninguém faça um
movimento imprudente. Nossa missão esta noite não é matar Orcs, mas abrir o portão da
ponte. Devemos estar em posição quando o sol mostrar sua face de novo. Galdor, verifique
a hora. A luz se foi totalmente?

Galdor, um dos condutores de bote de Lady Galadriel, olhou por sobre uma janela
empoeirada. – Sim, Lorde Amroth. O sol se pôs. A lua, crescente já está alta. A noite espera
por nós.

- Seria melhor aguardar até que a lua se ponha, - disse Amroth. – Mas temo que não
possamos esperar tanto. Temos uma grande porção de terra a cobrir antes do amanhecer.
Vamos começar. Turgon, vá primeiro. Avance através do Rio e procure por um lugar isolado
para atracar. O mais silencioso que puder, mas esteja pronto. Não sabemos se os Orcs
mantém sentinelas vigiando o Rio ao longe sob a ponte. Se você for atacado, solte um grito
para alertar o resto de nós, então retorne imediatamente. Não podemos ter esperanças de
forçar um desembarque nestes frágeis botes.

O primeiro bote foi carregado pelas escadas e posto nas águas lamacentas que se moviam
preguiçosamente. Muitas mãos o seguravam enquanto, um por um, Turgon e cinco de seus
homens embarcavam. Dois remos foram passados.

- Mantenham seus capuzes sobre as faces e ocultem suas armas, - disse Turgon. – Não
deixem metal a mostra, pois ele poderia refletir o luar. E por Eru não ponham a ponta de
suas lanças no fundo do barco.

- Não deixem que os remos atinjam a lateral do barco, - disse Bortil. – Eles ressoarão como
tambores.

Os homens embrulharam suas armas em capas sobressalentes e as acondicionaram


cuidadosamente, então deitaram-se ou encolheram-se no fundo do barco. Os dois
remadores acenaram. Bortil e alguns dos Elfos deitaram mãos em um grande sarilho e
ergueram a porta corrediça a gotejar do Rio. Bolos de lama negra caiam de volta às águas
com espirros úmidos e suaves.

- Vão em boa sorte. - sussurrou Bortil, e os remadores deram umas poucas remadas fortes.
O volumoso pequeno bote bateu contra a doca de novo, então girou pesadamente para a
correnteza e foi levado rio abaixo, para fora da vista. Todos buscavam por gritos ou pelo
som agudo de cordas de arcos, mas havia somente o suave lambido das águas nas pedras.
Era difícil de acreditar que apesar do silêncio, a grande batalha já havia começado.

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- Rápido, agora. Rápido, - sussurrou Amroth. Um por um seis outros barcos foram cheios e
lançados. Então ele subiu no último. Era muito apertado no fundo do bote, e o fundo
arredondado fazia todos estarem constantemente batendo uns nos outros. Bortil e seu
aprendiz o empurraram do deque de pedra. Então eles saíram do túnel. A noite estava limpa
e iluminada, límpida demais para o gosto de Amroth. A lua estava apenas quatro dias de sua
plenitude e levantava-se próxima a seu apogeu. Longe do brilho da lua, estrelas reluziam na
escuridão. Amroth levantou sua cabeça o suficiente para olhar a frente e ver os outros
barcos como sombras redondas na água. Eles contornaram uma longa curva à medida que a
correnteza os arrastava rio abaixo.

Os Elfos nos remos começaram uma remada mais firme, esforçando-se para manter o bote
apontado para a margem oriental. De início suas tentativas de conduzir somente
conseguiram fazer o bote girar, mas logo aprenderam o truque de coordenar seus esforços.
A correnteza era apenas moderada, mas os botes estavam tão lentos e pesados que podiam
ver as torres dos muros meridionais da cidade aproximando-se antes deles avançarem sob
as sombras dos edifícios que se estendiam ao longo da margem. Agora eles eram alvo fácil
para o arco de quaisquer guardas no banco leste, mas nenhum som exceto do Rio chegou
aos seus atentos ouvidos.

Turgon e os outros barcos foram pegos em um redemoinho adiante de uma coluna de


pedras que saia da água. O bote de Amroth teve que remar duramente para alcançá-la antes
que fossem atirados para longe. Por fim alcançaram águas mais calmas. Nenhuma palavra
foi dita. Turgon silenciosamente apontou para uma pequena baía entre duas proeminentes
construções, e sem uma palavra todos para lá se dirigiram. Ali a correnteza era muito fraca,
e eles deslizaram sem barulho pelas sombras, suspirando de alívio.

A construção maior, aparentemente outro armazém, era parcialmente erguida sobre as


águas, eles se aninharam entre pilares ocultos. O odor de limo e de peixe apodrecido era
forte naquele espaço fechado.

- Todos estão aqui? - sussurrou Amroth.

- Sim. Oito botes. Vamos.

Um dos Elfos encontrou uma velha escada de madeira em um dos pilares e a arrastou até
uma passagem estreita de madeira que circulava o edifício. Levou algum tempo para
descarregar cada bote, pois eles tinham que levar o bote até a escada, apanhar as armas e
pacotes, erguê-lo, então tirá-lo do caminho e acomodá-lo em segurança antes que o
próximo pudesse ser movido. Mas em menos de meia-hora eles estavam juntos no fim de
um beco estreito, suas capas os encobriam, suas armas firmemente seguras em suas mãos.

- Com cuidado, com cuidado, - sussurrou Amroth. – Permaneçam junto dos muros e vigiem
janelas e entradas. Acima de tudo, devemos vê-los antes que nos vejam. Se formos
descobertos, tentem abatê-los antes que possam dar o alarme. Se não nos virem, deixem-
nos ir. Teremos nossa chance de lutar em breve. Ele ainda estava preocupado com os
homens de Turgon, ainda que eles se movessem com ordem e disciplina.

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- Precisamos continuar nos movendo para o norte, - disse Turgon. – É lá que se encontra a
ponte.

- E os Orcs, - alguém replicou amargamente.

Por quase uma hora moveram-se silenciosamente de sombra para sombra. Não havia sinal
de vida. Todas as construções estavam escuras e silenciosas. Aparentemente aquela parte
inteira da cidade estava deserta. Estimaram que deviam estar se aproximando do lado
oriental da Grande Ponte. Então, à medida que se aproximavam de outra encruzilhada
puderam ouvir o som de pés marchando, desapareceram silenciosamente entre entradas e
arcos. Amroth arrastou-se em frente e espreitou cautelosamente ao redor de uma borda
esfarelada de uma velha construção de tijolos.

Uma companhia de talvez vinte Orcs estava se aproximando. Eles eram acocorados e
arqueados, mas muito poderosos, de peitos largos, pernas encurvadas, curtas e musculosas,
e longos braços que quase tocavam o solo. Estes orcs eram de muitas diferentes raças e
terras, e suas faces mostravam isso. Uns eram a semelhança de abutres esguios, coisas com
pesados bicos curvos. Outros eram bestas peludas com focinhos como o de babuínos.
Alguns vestiam grotescas botas de couro, outros trotavam descalços a passos largos triplos.
Vestiam armaduras negras de ferro não polido e empunhavam espadas com longas lâminas
dentadas. Eles trotavam em um bom passo, mas sem sinal de atenção. Obviamente não
sabiam que invasores estavam ali. Amroth mergulhou em uma entrada escura.

Os Orcs viraram a esquina na direção deles e os cavaleiros seguraram suas armas mais
fortemente. Mas os Orcs entraram em uma construção no meio do caminho. Seus passos
pesados ressoavam numa descida de escadas. Então se foram. Depois de um momento
Turgon se apressou.

- Eu arriscaria dizer que aquela é a guarnição que faz a vigília da ponte retornando para
seus alojamentos, - ele sussurrou – Orcs preferem dormir abaixo do nível do solo se
possível. Se eles acabaram de deixar a vigília, provavelmente dormirão até perto do
amanhecer.

- Devemos continuar em direção a ponte ou tentar capturá-los? – perguntou um dos


homens.

- Não. A vigília da noite está apenas começando e eles estão descansados. Qualquer som
agora os faria vir correndo. Daremos a eles uma hora para ficarem sonolentos e
descuidados. Mas podemos vigiar as saídas daqueles alojamentos. Se pudermos mantê-los
lá em vez de lutar com eles será muito melhor.

Meia dúzia de Elfos silenciosamente avançou e examinou os alojamentos em todos os


lados. Havia quatro pequenas janelas ao nível do solo, mas elas eram tão baixas que nem
mesmo um Orc poderia se esgueirar por elas. Havia uma segunda entrada no fundo do
prédio, ainda que estivesse trancada e aparentando não ter sido aberta por um longo tempo.
Alguns dos homens de Turgon encontraram umas vigas de madeira em um terreno uma
quadra abaixo e cuidadosamente as calçaram contra a porta. Deixando dois homens ali e

168
seis outros na entrada frontal, o restante moveu-se pela esquina e desceu pela rua seguinte.
Era uma suave declive em direção ao Rio.

Uma pequena praça se abriu diante deles, dominada do outro lado por duas arredondadas
torres de pedra. Entre elas jazia o portão da Ponte, bloqueado por uma barricada de madeira
enristada por lanças nas extremidades. Quatro de cinco Orcs apoiavam-se preguiçosamente
pela barricada, conversando com vozes baixas e ásperas. Uma janela na torre norte revelava
um bruxuleante brilho rubro. A medida que espiavam das sombras, eles foram
surpreendidos pelo ressoar de vidro quebrado, seguido de um guincho de dor e do rugir de
uma gargalhada grotesca. Conseqüentemente a maioria dos vigias se retiraram para a torre
para uma bebida ou duas, deixando somente um punhado na barreira.

Amroth sinalizou para os outros se retirarem junto com ele para um pequeno pátio fora da
praça. – Eles são poucos. – sussurrou um dos Elfos. – Poderíamos abatê-los facilmente.

- Assim parece. – respondeu Amroth, - mas não vamos nos deixar enganar.

- Sim, - disse Turgon – Estas construções ao redor da praça podem estar cheias de Orcs. Se
assim for, um único som daria o alarme e a praça se tornaria uma emboscada.

- Sim. Precisamos descobrir quantos há ao redor da praça. Se nos separarmos em pequenos


grupos e nos movermos com cuidado, podemos vasculhar todas as torres que fazem frente
com a praça. Vejam se conseguem determinar onde os Orcs estão. Acima de tudo, devemos
evitar qualquer contato com eles antes do amanhecer, pois com certeza há centenas de Orcs
na vizinhança. Não podemos esperar lutar com todos eles. Se tiverem que atacar, sejam
rápidos e silenciosos. Depois de vasculharem suas torres, posicionem-se em lugares
elevados acima da praça de onde possamos agir com eficácia quando Isildur chegar ao
amanhecer. Vamos.

Eles desceram até um beco estreito que seguia por detrás dos edifícios que faziam frente a
praça. A cada entrada três ou quatro entravam e começavam uma busca silenciosa. Turgon e
dois Elfos esgueiraram-se por uma grande casa e desceram sem ruído por um longo saguão.
Era evidente que outrora fora uma nobre mansão com piso de mármore e paredes com
painéis de madeira, ainda que agora tudo estivesse quebrado e imundo. Ao se aproximarem
de uma porta fechada, eles puderam ouvir altos roncos vindo detrás dela. Rápida e
silenciosamente deixando-a para trás, eles encontraram o restante do andar vazio, assim
como o andar acima. Então conforme eles ascendiam as escadas para o terceiro andar eles
pararam imóveis em seus caminhos, pois um baixo tom de voz pode ser ouvido acima. Não
ousando chegar até lá sem saber quantos realmente poderiam estar ali, eles esconderam-se
em uma pequena sala próxima as escadas para aguardar o amanhecer.

Galdor e Amroth junto com dois outros Elfos entraram pela porta de uma construção cujo
teto era uma cúpula e com uma torre que dava para a praça. A porta estava trancada, mas
encontraram uma janela por onde eles poderiam entrar e logo todos estavam diante de uma
sala escura. Com arcos retesados e flechas em posição, cuidadosamente abriram uma porta
interna. Além dela havia uma larga e elegante sala, talvez um salão de festas, logo abaixo

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da cúpula. Do lado oposto, uma entrada em arco levava para degraus em espiral que deviam
subir até a torre. Todos caminharam silenciosamente pelo chão polido.

Subitamente uma porta rapidamente se abriu, luzes inundaram o salão, e um Orc entrou
carregando um grande saco. Por um momento ele olhou, sua boca aberta e olhos
arregalados, então largou o saco e correu de volta pelo caminho de onde viera. Ainda não
tinha dado três passos quando duas flechas perfuraram suas costas e seu corpo deslizou até
parar na entrada. Os outros esperaram, mas não havia nenhum outro som além de seus
corações pulando.

Arrastaram com dificuldade o corpo para trás de uma coluna e fecharam a porta que
conduzia para uma cozinha. Examinando seu saco, encontraram duas duras crostas de pão,
duas maçãs castanhas, e um frasco de argila cheio de um grosso vinho tinto que cheirava a
vinagre.

- Bom sinal, - sussurrou Galdor, seus lábios quase tocando a orelha de Amroth. – Sem
dúvida provisões para os guardas na torre. Se não forem mais do que dois, nós podemos
abatê-los silenciosamente. Amroth sacudiu a cabeça. Tomando o saco arrastaram-se pelos
degraus espiralados, volta após volta até que perderam o senso de direção. No topo
chegaram até uma pesada porta de madeira. A empurraram suavemente, mas ela estava
trancada ou barrada do outro lado.

Galdor riu. Ele então bateu pesadamente com os pés no chão, então largou o saco diante da
porta. O frasco quebrou com a pancada. Houve comoção do outro lado da porta. Então uma
voz grotesca resmungou.

- Gordrog, seu desajeitado saco de pus! Se você caiu e deixou derramar o nosso vinho eu
arrancarei seus olhos por isso. Gordrog? Está me ouvindo seu verme? - Subitamente a porta
foi aberta com força e um muito nervoso Orc irrompeu pela entrada, ainda praguejando. A
espada de Amroth reluziu em um movimento lateral e a cabeça do Orc rolou escada abaixo,
olhos arregalados e surpresos. Seu corpo caiu pesadamente aos pés de Amroth e ambos
saltaram para dentro da câmara, armas prontas. Mas o quarto estava vazio. Gordrog devia
estar trazendo comida para ele e seu companheiro de vigília.

Era uma sala redonda com janelas estilhaçadas de cada lado. Uma mesa de madeira no
centro, toda suja e iluminada por uma vela gotejante. Vários pedaços de armas e armaduras
jaziam espalhadas pelas paredes. Atrás de uma janela havia um grande cesto de flechas e
dardos. Havia uma grande besta encostada contra a parede. Eles apagaram a vela, então
abriram a persiana e cautelosamente olharam para fora.

Estavam alto acima da praça, olhando para baixo sobre todos os prédios vizinhos. Bem
abaixo deles estava a barricada da Ponte. Sentaram-se para esperar. Mais ou menos uma
hora depois, uma dúzia de Orcs chegou até o edifício oposto e juntou-se a outros na
barricada. Palavras agressivas irromperam, misturadas em uma seqüência de maldições.
Uma disputa surgiu entre dois deles. O líder, um enorme e escuro Orc com um longo bico
em forma de gancho, golpeou um de seus soldados com o cabo de sua lança para restaurar a
ordem. O Orc golpeado caiu sem sentidos no pavimento. Seus companheiros o ignoraram.

170
Tomaram então posições, espreguiçando-se sobre a barricada. Quatro ou cinco agacharam-
se em uma extremidade e começaram a jogar dados, as vezes irrompendo em pequenas
discussões.

Algum tempo depois Galdor puxou a manga da roupa de Amroth e apontou para um
telhado a vista deles. Várias sombras negras passavam rapidamente pelo véu do luar, mas se
eram amigos ou inimigos eles não podiam dizer. A lua se iria em breve, lançando a cidade
na escuridão. Os cavaleiros se recolheram para si mesmos, esperando silenciosamente pelo
amanhecer, ainda que seus olhos estivessem voltados para as formas negras dos edifícios e
muros ao oeste do Anduin.

***

Isildur montava seu cavalo de guerra Fleetfoot e dava uns tapinhas em seu longo e
musculoso pescoço. O espirituoso animal estava arisco, pois ele podia inalar a excitação e a
tensão nervosa nos muitos homens e animais reunidos ao redor dele. Eles desciam
lentamente e tão silenciosamente quanto possível por uma rua estreita e escura. Os cascos
dos cavalos estavam cobertos com trapos. Seguiram esquina por esquina, sempre descendo
em direção a margem do rio. Quando por fim alcançaram uma larga praça que
anteriormente havia sido o agitado local do mercado da beirada das águas se encontraram
espremidos junto a outros cavaleiros armados. Isildur liderava sua própria guarda, os
homens que haviam cavalgado com ele de Gorgoroth, através da pressão. Ohtar cavalgava a
seu joelho, como já havia feito muitas batalhas antes. Por fim saíram da multidão e diante
deles estava uma larga avenida levando até a grande ponte. Estava completamente vazia e
em silêncio, pois haviam proibido a qualquer um que se movesse além da praça.

Os senhores élficos estavam lá: Celeborn, Gildor, Elrond e Lady Galadriel, suas capas
cinzas os cobriam protegendo contra o frio da madrugada. Saudaram-se com acenos de
cabeça, nada mais. Isildur postou-se ao lado da Senhora e contemplaram a longa e reta
avenida até as grades negras dos portões, que marcavam a extremidade ocidental da Ponte.

- O falso amanhecer chegou e se foi a alguns momentos atrás, - disse Galadriel. Uma leve
bruma se levantava de seu capuz enquanto falava. – O verdadeiro amanhecer chegará logo.

- Sim. - disse Isildur, olhando para as montanhas ocidentais. – Há formações acinzentadas


sobre as Ephel Dúath. Breve, vindo do leste, o sol avançará sobre o topo de Orodruin.
Elendil e Gil-galad estarão lá para vê-lo, suas mentes inclinam-se para nós aqui,
ponderando sobre como conseguiremos. E nós cavalgaremos até eles ainda que todas as
hostes de Mordor estejam entre nós.

- E aquelas hostes que nos aguardam lá do outro lado daquele portão. – Disse Galadriel.

Isildur indicou com a cabeça. – Arannon, o portão do Rei, é como é chamado. Outrora não
era nada além de um arco, através do qual em dias festivos procissões marchavam entre as
duas partes da cidade, com meninas espalhando flores diante deles. Arautos se erguiam
acima do arco e trombeteavam com suas longas trombetas de bronze. O sol raiaria sobre as
multidões a você juraria que não haveria dois trajando a mesma cor.

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- Mas então veio a guerra e o inteiro setor oriental da cidade foi arrancado de nós. Somente
através de batalhas ferozes e sangrentas é que nós conseguimos manter a Ponte. Uma forte
muralha foi rapidamente erguida e o arco se tornou um portão. Eles nunca o tomaram,
ainda que tentassem vez após vez. Ocasionalmente abríamos o portão e investíamos contra
eles. Depois de muitos ataques, eles aprenderam a respeitar e temer o portão, pois, aberto
ou fechado, morte era o única coisa que o portão significava para eles.

Eles tentaram atravessar por outros pontos, mas nós derrubados todas as pontes menores e
nossas flechas esvaziavam seus barcos antes que pudessem atravessar. Faz quase dois anos
desde a última vez que eles nos atacaram com grande força. O portão tem sido nosso
escudo todos esses anos, e agora nós nos propomos a arrombá-lo e avançar por ele.

Um escudo que não pode ser carregado é de pouco valor em uma batalha, Isildur, - disse
Galadriel. – Os portadores dos anéis são o escudo de Gondor agora, e você é sua espada.
Nem escudo nem espada podem permanecer atrás dos muros quando os chifres de guerra
estão chamando. Talvez em breve aqueles portões poderão ser arrancados e se tornarão um
arco de triunfo para você!

Isildur sorriu. – Você fala belas palavras de esperança, Senhora. Florescem elas das visões
élficas do que será, ou são apenas as palavras de conforto de uma mulher para confortar um
guerreiro?

- Se há uma diferença eu não sei. Pois não temos nós todos visões do que o futuro possa
reservar? Ademais, palavras de conforto podem fortalecer nossa causa tanto quanto grandes
feitos de exércitos, e trazer tais visões à realidade. Minhas visões não são sobre que virá,
mas sobre o que pode ser. Sauron também tem seus sonhos sobre o que pode vir. É nossa
parte determinar que visão irá prevalecer.

Isildur baixou sua voz de modo que só ela pôde ouví-lo. – Senhora, se podes ver algo no
futuro, me diga: Pode Sauron ser derrotado? Ou cavalgaremos para a morte certa, como às
vezes temo nas mais negras horas da noite?

Um olhar de surpresa passou pela bela face de Galadriel envolta em seu capuz. – É claro
que é possível derrotá-lo. Minha visão vê muitos possíveis futuros, e em algum sem dúvida
ele é derrubado. Mas não me é mostrado como isso pode ser alcançado. É sua visão do
futuro tão curta que não pode ver nem mesmo uma possibilidade de vitória?

- Minha Senhora, nós Homens não compartilhamos das artes élficas. O futuro é
completamente escuro para nós.

- E você suspeita que nossa tarefa é sem esperança?

- Eu nunca diria isso diante de meu povo, Senhora, mas quando eu penso em sua
abominável força e poder, sua brutal crueldade, em verdade, meu coração me deixa
apreensivo.

172
Vocês Atani nunca cessam de surpreender-me, - ela disse. – Nós Quendi sabemos, talvez
melhor que vocês, do terrível perigo para o qual cavalgamos e da tentativa desesperada que
faremos por agir assim. Mas sempre acreditamos que a vitória é possível; que um futuro de
bem nunca está completamente fechado para nós. Mas vocês Homens, desconhecendo tudo
isso, cercam-se de nada mais que esperança cega e cavalgam em direção a escuridão sem
brilho algum. Seu caminho nunca é iluminado, exceto o que fica para trás de vocês, aonde
todos os futuros foram comprimidos em um único e imutável passado. Cavalgamos lado a
lado contra os mesmos inimigos, e ainda quem poderá dizer qual tem maior coragem?

Isildur não teve resposta, mas somente ergueu seus olhos para os picos incubados em trevas
de Mordor, agora perfilados contra um ardente céu rosa. O que haverá lá agora, esperando
por eles? Ele imaginava o que olhos élficos viam naqueles penhascos distantes.

Foi chamado de seus pensamentos pela chegada apressada de Elendur.

- Está tudo pronto, pai. – disse ofegante. – As ruas estão cheias de homens montados por
muitos quarteirões ao norte, oeste e sul. Todos esperam sua palavra.

- Escolheste bem teus companheiros?

- Sim. A maioria é companhia de minha juventude em Minas Ithil. Uns poucos são de
Osgiliath que lutaram ao meu lado quando o inimigo nos atacou no Arannon. E um deles é
um destemido pastor de Calembel, um gigante em homem. Fala pouco, mas veio até mim
quando ouviu sobre nosso propósito e se voluntariou para se juntar ao nosso grupo.

Isildur sorriu. – Eu conheço o homem, acredito. Ele ameaçou não deixar minha coluna
passar até que ficasse claro que estávamos com Ingold. É forte como um boi e parece não
conhecer o medo. Estou contente que esteja com você.

Ele olhou por sobre seu ombro para Mindolluin brilhando atrás da cidade. O sol já estava
dourando seus cumes mais altos. – Quando o sol enviar seus raios sobre a Torre de Pedra
cavalgaremos - disse - pouco antes de alcançarmos o Arannon, faça com que as sentinelas
da ponte abram suas portas, e que nós nunca mais precisemos fechá-los de novo.

- Não tentaremos capturar os setores orientais da cidade. Suas defesas mais fortes estarão
reunidas na extremidade leste da Ponte. Se avançarmos por ali, cavalgaremos direto pela
cidade e subiremos a estrada para Minas Ithil. Conforme a infantaria avançar, eles deverão
se espalhar pela cidade e deixá-la limpa de Orcs. A milícia de Osgilliath retomará as
muralhas e as manterá até nosso retorno.

O exército permaneceu em silêncio, assistindo o crescente amanhecer. A luz arrastava-se


pelas encostas do Mindolluin. Nenhum som podia ser ouvido exceto o gorjear de pássaros
despertando nas calhas dos edifícios.

- Visto que não ouvimos sons de batalha, - disse Elendur, - podemos assumir que Amroth e
seu grupo infiltrado não foram descobertos. Oro para que eles tenham sido bem sucedidos e
estejam agora em algum lugar lá, esperando por nós.

173
Elrond chegou sobre eles. Veja - ele disse - o sol atinge Minas Anor. Eles olharam, e ali,
impulsionada contra o redil púrpura da vasta grandeza do Mindolluin, a Torre do Sol
brilhava como uma chama branca no sol.

- Que o sol brilhe tão intensamente quanto em Minas Ithil - disse Celeborn - pois Orcs não
gostam de luz. Ela machuca seus olhos e os faz temerosos, e abrasará os corações dos
Homens contra a Sombra.

Aguardaram alguns poucos momentos mais, o suspense e a ansiedade cresciam


insuportáveis. Por fim um raio de sol irrompeu pela passagem alta nas Ephel Dúath e
atingiu o brasão branco tremulando bravamente no topo da Torre de Pedra.

- O sol brilha sobre Gondor - disse Isildur – finalmente é chegada a hora. Ele olhou uma
vez mais para Minas Anor e as belas torres de Osgiliath, para as milhares de faces ansiosas
que o encaravam. Então, sem palavra ou sinal, ele deu a volta com Fleetfoot e o incitou
para frente. Por um instante foi a única coisa a se mover em toda a cidade. Isildur galopou
para o centro da rua vazia, os cascos do cavalo batiam ruidosamente no pavimento de
pedra. Então Ohtar, Elendur e os guardas reais de suas casas irromperam adiante e
trovejaram atrás deles, seguidos pelos senhores élficos e Barathor e outros grandes
cavaleiros da terra. Ohtar puxou as amarras do estandarte que segurava e o brasão de Isildur
irrompeu livre e ondulou na velocidade de sua passagem. Atrás dele Elrond e Gildor
fizeram o mesmo, e todos se maravilharam de ver a Estrela de Gil-galad, a Árvore Branca
de Gondor e a Árvore Dourada de Lothlórien cavalgando juntas para o Leste.

Atrás deles, a praça rapidamente esvaziava-se à medida que cavaleiros montados se


apressavam. Então rua após rua, beco após beco, derramava seus milhares de cavaleiros na
correnteza, inchando-a como um grande rio, e parecia que aquela coluna jamais chagaria a
um fim. O trovejar de cascos foi afogado em um rugir de muitas vozes clamando em rouca
e aberta alegria.

Isildur deitou os portões do Arannon, esquecido para o crescente rugir atrás deles. À
medida que os portões se abriam pôde ver diante dele as elevadas montanhas de sua
Ithilien. Então seguiu trotando através da Grande Ponte, as casas vazias a lojas passando
rapidamente de cada lado. Ali diante dele estava uma barricada de madeira e uma dúzia de
Orcs atônitos a contemplar com olhos arregalados. Acima do barulho Isildur pôde ouvir o
áspero chamado de uma trombeta de latão, subitamente interrompido, e Orcs começaram e
jorrar dos edifícios logo após a barricada. Ele não diminuiu seu passo.

- Por Gondor! – gritou desembainhando sua espada. A hoste atrás tomou para si o clamor. –
Por Gondor! Gondor e o Oeste!

***

Quando soaram os primeiros gritos, Galdor e Amroth Saltaram pelas janelas. Orcs estavam
a jorrar da torre de guarda, mas subitamente pararam, boquiabertos em assombro pela
Ponte. Olhando para aquela direção os Elfos viram que os pesados portões estavam sendo

174
lentamente abertos. Através deles cavalgava um cavaleiro sozinho trajado todo em branco e
com uma grande capa voando nas costas, sua espada girando em círculos reluzentes acima
de sua cabeça.

- Isildur está chegando, - gritou Amroth. Um segundo depois uma tropa de cavaleiros
bárbaros, falando alto como dementes, irrompeu do portão, seguidos por senhores e
estandartes de muitas terras, todos cavalgando tão firmemente quanto podiam em linha reta
em direção a barricada. Atrás deles veio uma trovejante coluna de cavaleiros em armaduras,
linha sobre linha.

Os Orcs se lançaram pela barricada. Um ergueu um chifre até os lábios e começou a soprar
em aviso, mas Galdor rapidamente disparou um dardo por seu corpo antes que ele pudesse
tomar um segundo fôlego. Das casas vizinhas veio uma chuva de flechas de derrubou todos
exceto uns poucos Orcs na barricada. Os outros recuaram e correram gritando pela rua,
afastando-se do Rio. A maioria foi traspassada por arqueiros nas árvores e telhados.

Voltando-se para a Ponte, Galdor avistou um segundo grupo de figuras lançar-se de uma
casa e correr para a barricada. Armou seu arco novamente, mas então viu que estes eram
Homens, não Orcs. Então virou-se para atingir um Orc que tentava subir na janela de uma
casa pela rua, voltou-se para ver os homens esforçando-se para mover a barricada. Em
instantes uma dúzia de Elfos se juntou a eles, e juntos eles levantaram e pesada estrutura de
madeira para trás e para o lado. Inclinando-a sobre o parapeito, eles rejubilaram quando ela
estilhaçou-se no Rio abaixo com um imenso estrondo nas águas.

Viraram-se rapidamente em tempo de ver Isildur passar saltando por eles a grande
velocidade. Isildur não olhou nem para a direita nem para a esquerda, mas atravessou a
praça e desapareceu pela estrada principal, ainda sozinho. Então a praça foi subitamente
tomada por milhares de Homens e Elfos armados, bradando abertamente. Galdor e seus
companheiros correram para se juntar a eles, mas Amroth permaneceu na torre.

O grupo de Turgon estava do lado das escadas quando a trombeta soou. Logo Orcs, ainda
grogues de sono e erráticos com suas armas, desceram pelas escadas. Os homens caíram
sobre eles com fúria inclemente e muitos foram mortos, mas demorou um pouco até os
Orcs perceberem que a praça estava tomada e continuaram a correr para o massacre no
fundo das escadas. Quando ouviram os gritos e o bater de cascos do lado de fora,
enlouqueceram de temor e se atiraram novamente contra os homens de faces severas. Um
homem caiu quando um Orc o agarrou vindo do piso inferior, mas foi vingado antes que
pudesse alcançar o andar. Por fim o terrível trabalho estava feito e todos os Orcs estavam
mortos, o sangue deles se espalhava pela cobertura de mármore.

Liderando seus homens até a rua, Turgon percebeu que, apesar de a praça e a rua principal
ter tremido com a passagem da hoste de Gondor, as ruas adjacentes agora estavam
pululando de Orcs amedrontados. Os invasores os caçaram de seus buracos e os
empurraram aos resmungos rua abaixo. Avançando poucos blocos rapidamente, logo
encontraram resistência mais forte. Depois de uma curta mas feroz batalha contra um bando
de Orcs determinados em uma larga intersecção, ouviram os sons de outra batalha logo
após a esquina.

175
Apressando-se, rodearam a esquina e encontraram quatro dos homens que haviam deixado
guardando os alojamentos duramente acossados por um muito grande número de Orcs que
os havia cercado. Ao redor deles jaziam corpos de Homens e de Orcs. Assim que os homens
de Turgon avançaram, um dos quatro foi decepado por um selvagem golpe de uma espada
dentada.

Urrando de ira, eles caíram sobre os Orcs, mas dois outros homens foram mortos antes de a
batalha estar ganha. Pararam ofegantes e contemplaram a carnificina ao redor. Um dos
defensores limpou o sangue de seus olhos e olhou para Turgon.

- Nossos agradecimentos, meu senhor, - ele balbuciou. – Seis de nós contiveram o inimigo
enclausurado naquela cela até que a vanguarda de Isildur passasse. Finalmente eles
irromperam pela porta. Matamos muitos, mas por fim eles mataram um de nós e invadiram.
Aqueles que voces mataram eram os últimos.

- Nós é que agradecemos. - disse Turgon, - Seu valor poupou as vidas de muitos de seus
companheiros. Mas nosso trabalho está longe de terminar. Vamos nos mover de casa em
casa, limpando a cada uma dos vermes que as infestam, até que nenhum Orc vivo
permaneça na cidade. Ao cair desta noite Osgiliath será novamente uma cidade Gondor.

Naquele momento os sons de batalha reiniciada os alcançaram, vindos da praça.


Apressando-se para lá, eles viram que uma grande companhia de Orcs vinda da parte
nordeste da cidade havia chegado até a praça pelo norte, esforçando-se para separar a
infantaria, agora derramando-se através da Ponte, da cavalaria, agora saindo da cidade.

Uma grande batalha tomou conta da praça, ao longo de nuvens de poeira e da comoção de
gritos de ira, dor, e do brandir de metal contra metal. Estes Orcs eram em maior número,
melhor treinados e melhor armados. Trajavam armaduras de aço sobre suas rígidas peles
escamosas. Eles empurraram os homens de volta com sua abrupta ferocidade, golpeando o
caminho e o que estivesse nele com suas pesadas espadas curvas. O líder deles, um enorme
orc esverdeado com uma cabeça chata com a de uma serpente, investia cruelmente contra
seus adversários e então lançava ao alto seus cadáveres para melhor manusear seu tridente
sanguinário. Urrando em triunfo, ele avançava de novo e de novo e pressionava os homens
ao redor dele, tomando uma vida quase que em todo golpe que desferia. Várias flechas o
alvejaram, mas elas sempre eram repelidas por sua pesada armadura. Ele levantava sua
cabeça e rugia, infligindo terror em todos que o ouviam.

De repente seu rugir mudou para um grito de dor, e ele olhou para baixo em horror para as
plumas de um dardo de uma besta projetando-se de seu peito. Então muitas mãos o
agarraram e o puxaram para baixo em meio a reluzentes lâminas. De novo e de novo ele
grunhiu, pedindo morte rápida para os Orcs. Finalmente, sem líder, aterrorizados e
confusos, eles irromperam em fuga choramingando rua abaixo, perseguidos de perto pelos
homens de Gondor.

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Gradualmente o tumulto se desfez e a luta se moveu para outras partes da cidade. Amroth
descansou então e olhou para o leste. Ao longe, uma longa linha negra estava subindo
firmemente em direção ao topo coberto de pinhos das Montanhas da Sombra.

***

Isildur restringiu Fleetfoot para um firme meio-galope, permitindo-o descansar de uma


longa e furiosa corrida. A estrada era suave, larga, e reta, e a cavalaria havia se formado
atrás dele em formações ordenadas. Ao seu lado vinham Círdan, Celeborn, e Galadriel, e na
formação atrás vinham Ohtar, Gildor, e Elrond com os estandartes. Eles haviam
surpreendido vários bandos de Orcs pela estrada, porém estes fugiam aterrorizados ao
primeiro sinal dos guerreiros de faces severas. O sol se erguia alto diante deles.

A estrada chegou até um grande anel de pinhos onde era cruzada pela estrada que vinha de
Harad até Morannon. Como esperado, a Encruzilhada era defendida por uma grande
guarnição de Orcs. Eles já haviam formado uma grande linha ao longo da estrada. Caindo
sobre ele a toda velocidade, a vanguarda rapidamente rompeu a linha, movendo-se então
em círculos para cercá-los. Seguiu-se então um breve porém feroz combate, mas os Orcs
estavam em muito menor número e logo foram sobrepujados. A coluna entrou em formação
novamente e prosseguiu.

A medida que avançavam através da linha de árvores dentro da Encruzilhada, os Elfos ali
viram uma grande estátua de Isildur, sentado em um trono e olhando austero para oeste em
direção a Osgiliath. A estátua havia sido ali posta como aviso ra todos que passassem por
ali de que aquela era a terra de Isildur. O rei estava de volta a seu lar. Isildur não olhou para
o lado como era seu desejo, mas continuou com seus olhos fixos nas alturas acima.

Uma vez deixada a Encruzilhada não havia mais Orcs a serem vistos e a hoste cavalgou
sem obstáculos através de uma floresta esparsa de pinhos e abetos. Ohtar agora cavalgava
ao lado de Isildur. Ele cheirou o ar apreciativamente.

- Cheira a lar, senhor, - ele disse. – Esta parte da terra sempre me lembra Emyn Arnen.
Estou contente de vê-la intacta. Isildur concordou com a cabeça.

- Eu costumava caçar nestas florestas, anos atrás, - ele disse. – Eu me recordo de uma
viagem, com Anárion e meu pai, nós caçávamos um grande e nobre veado bem dentro
daquele bosque na Encruzilhada. Acampamos ali. Eram os primeiros anos de nosso exílio e
Osgiliath ainda estava em construção. Depois da caçada nos postamos ali e olhamos abaixo
para a cidade – era tudo único – edifícios armazéns e estradas sujas naqueles dias. Foi um
bom momento, ver novos trabalhos se elevarem daquele modo.

- Meu pai olhou através das Montanhas Brancas à distância e disse: - ‘Deveria haver
fortalezas sobre estas montanhas e sobre aquelas, para guardar nossa nova capital. Uma
torre ali ao longe naquele grande cume azul poderia visualizar todo o vale do Anduin de
Nindalf metade do caminho até Pelargir. Outra deste lado defenderia todas estas belas terras
do norte, sul ou leste.’

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- Anárion disse então: - ‘Eu viveria naquela montanha, Pai’, - ele disse. – ‘Já a escalei uma
vez e ela é a mais bela visão de toda a terra’.

- ‘De minha parte’, - eu disse – ‘estas encostas escurecidas pelas árvores fazem mais o meu
agrado. São mais bem banhadas pelas águas e aprecio da música de uma correnteza
montanhosa. Deixe que Anárion tenha a montanha. Eu construiria minha fortaleza aqui’.

- Elendil sorriu, dizendo: - ‘Vocês já estão dividindo o meu reino? Trabalhamos duro para
unificar as muitas tribos destes vales. Vocês fariam dois reinos de Gondor?’

- ‘Não, pai’, - disse Anárion com um sorriso. – ‘Mas não seriam duas fortalezas melhor
regidas pelos seus dois filhos? Deixe-nos guiar a construção delas e o senhor decidirá qual
é a mais bonita e forte. E o senhor sempre saberá que olhos amigos estão vigiando Osgiliath
de cima.

- ‘Osgiliath está escassamente murada e vocês já falam de novas fortificações. Mas a


simetria me agrada. Que assim seja’. Ele olhou para ambos os lados, então sorriu. – ‘Veja,
os próprios globos dos céus decretam. Ali, onde o sol começa a corar sobre os altos campos
nevados das Montanhas Brancas, deixe Minas Anor, a Torre do Sol Poente, erguer-se sob a
mão de Anárion. E ali, onde agora a lua se ergue sobre as passagens altas das Montanhas da
Sombra, eu deixo que você, Isildur, construa Minas Ithil, a Torre da Lua Ascendente. Assim
seus nomes, dados tanto tempo atrás em Númenor, serão completos e Gondor será mais
segura’.

- E assim foi feito, ainda que eu tenha escolhido o vale posterior ao sul para minha cidade,
pois ali há tanto águas claras como uma rota antiga que cruza as montanhas em direção a
Mordor. Nós ampliamos a trilha e construímos uma estrada plana sobre a passagem. - Seu
nostálgico sorriso desapareceu. – Não imaginava que a estrada que construí um dia
carregaria inimigos até nossas portas para afligir nossa terra. Mas em breve eles serão
expulsos de volta por esta estrada e para fora de Gondor para sempre.

Ora, eles estavam se aproximando de Minas Ithil e ainda não havia sinal de alarme. Isildur
freou e esperou os senhores élficos e os outros capitães se juntarem a ele.

- Em mais algumas centenas de jardas essa floresta terminará. – ele disse. – quando
sairemos das árvores e chegaremos a ponte sobre a correnteza e contemplaremos a cidade
acima. Preciso que estejam a pleno galope antes que sejamos vistos das muralhas. Mas isso
significa que não saberemos que forças encontraremos lá. Se o inimigo for avisado de
antemão, eles estarão arranjados antes da cidade. Todos devem estar preparados para
combate imediato. Deixem os cavaleiros em formação compacta com lanceiros nas pontas
de cada formação. Se formos muito pressionados, cada divisão formará um anel com os
lanceiros do lado externo. Meus homens de Ithilien estarão na primeira divisão, pois
conhecem a terra.

- Após cruzarmos a ponte, a estrada corre ao longo do vale e sobre as encostas ao sul da
cidade. O portão está na muralha norte. Logo antes de alcançarmos o portão dividiremos
nossas forças. Deixaremos os Galadrim tomar o flanco esquerdo e tentar rodear a cidade

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pelo leste. Barathor, leve seus homens para a direita contornando as muralhas oeste e sul.
Se tudo correr bem voces se encontrarão onde a terra se ergue rapidamente e poderão usar
seus arcos mais eficazmente sobre a muralha. Eu atacarei os portões com todas as outras
companhias. Precisarei ter os Portadores dos Anéis comigo, pois planejo desafiar os Nove
com minha espada e necessitarei de seus poderes.

- E se as divisões se separarem? – perguntou Barathor. – Não deveríamos ter um local


designado para nos reunir?

- Sim, - disse Isildur. – Se nos separarmos, nos encontraremos no sopé da Torre da Lua no
centro da Cidadela.

Barathor abriu sua boca para lembrar que eles teriam que tomar tanto a cidade como a
Cidadela antes que pudessem se encontrar na Torre, mas encarar o olhar determinado de
Isildur fez com que ele fechasse sua boca novamente.

- Tentem permanecer seguindo em direção aos portões não importa o que aconteça, -
continuou Isildur. – Lembrem-se que seu objetivo é fazê-los concentrar suas defesas lá.
Elendur e seus homens cavalgarão com os homens de Pelargir, então separem-se conforme
passarem sob a torre do portão sul. Elendur, seu grupo está pronto?

- Sim, pai, - respondeu Elendur. Ele tinha rolos de corda em seu ombro e ganchos no chifre
de sua sela, ocultos sobre um cobertor. Seus companheiros olhavam austeros, seus rostos
calmos e imóveis.

- Então deixe-nos preparar nossas formações, - disse Isildur. Os capitães cavalgaram de


volta a suas companhias e passaram adiante as ordens do rei. Espadas foram deixadas em
suas bainhas, arcos e aljavas verificados. Em poucos momentos todos estavam de
prontidão. Isildur levantou seu braço, então o baixou, e as companhias incitaram suas
montarias para frente como um.

O som de seus cascos crescia de batidas para um rufar e então para um trovão à medida que
dez mil cavalos se agitaram para frente e irromperam em galope. Então a vanguarda saiu
das árvores e ali ao longo do vale encarou a Torre da Lua.

Ela era branca, reluzindo no sol vespertino em contraste marcante com a rocha escura das
montanhas que a guardavam. Minas Ithil se erguia em um elevado estreito sobressaindo-se
da borda sul do vale. De seu centro erguia-se uma torre alta e esguia como uma agulha de
marfim, brilhando friamente no quente sol como se estivesse enchendo-se até a borda com
o luar. Aos seus pés havia um enorme castelo de muitas cumeeiras e ameias, a Cidadela de
Isildur. A estrada descia dos portões da cidade, seguindo como que descendo das alturas até
alcançar a ponte de arco único. Sirlos, a Torrente de Neve, era como aquele rio era
chamado, pois tinha a sua origem no gelo e na neve dos pinheiros no cume das montanhas.
Olhando a sua esquerda, Isildur estava desgostoso ao constatar que toda aquela floresta
havia sumido, a encostas marcadas somente por tocos. O vale inferior também havia
mudado. Era uma massa confusa de arbustos e espinhos, tendo em uns poucos lugares uma
chaminé escurecida pelo fogo ou uma flor ou rosa selvagem para mostrar que ali outrora

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havia sido o lugar de casas e fazendas, e de humildes habitações de lavradores. Os homens
do Vale de Ithil olhavam em volta tristemente à medida que cavalgavam e cerravam suas
mãos em suas lanças e arpões, determinados a vingar tais injustiças.

O caminho para a ponte estava ladeado por pequenos muros de pedra, além dos quais
jaziam belos prados ponteados com flores brancas. Ora, a vanguarda estava galopando
ruidosamente entre tais muros, ora através da ponte de pedra, ora saltando pela encosta em
direção a cidade. Mas ainda não havia oposição.

Isildur cavalgava a frente da hoste, seus olhos buscavam por sua cidade. Somente então,
quando se aproximaram do topo da encosta e estavam então a poucas centenas de jardas do
portão, é que ele viu algum sinal de alarme. Então ele pode ver figuras escuras correndo
através do topo do muro. Os portões foram fechados, mas uma pequena saída em uma porta
permaneceu aberta. A frente dela, uma companhia de homens e orcs jazia imóvel, mas a
medida que o cavaleiros alcançavam o topo da colina os guardas viram que suas mortes se
aproximavam e se apressaram pela saída, empurrando um ao outro para fora do caminho
até que flechas começaram a chover sobre eles. A porta se fechou no momento em que
trombetas puderam ser ouvidas retumbando freneticamente na cidade.

Os arautos de Isildur soaram suas próprias trombetas em resposta e a hoste rugiu como o
mar revolto. À medida que se aproximavam do portão, a vanguarda se dividia em três
colunas. Os Elfos, liderados por Gildor, viraram para a esquerda, os cascos de seus cavalos
subitamente eram abafados à medida que deixavam a estrada e saltavam pela relva
nascente. Isildur liderava a força principal contra o portão, indicando a esta para se espalhar
e para avançar somente o suficiente para ficar fora do alcance dos disparos vindos das
torres do portão. A terceira coluna, liderada por Barathor, virou para a direita e cavalgava
pela própria sombra dos muros. Os arqueiros orcs não conseguiam mirar e disparar nos
cavaleiros sem se inclinar perigosamente pela muralha, e ao fazerem isso ficavam expostos
a mortal saudação de flechas enviadas ao alto pelos arqueiros de Isildur.

Os flancos se alongavam pela cidade, aqueles à direita foram forçados a cavalgar em fila
única devido a uma súbita queda de terra a poucos metros do sopé das muralhas. Ao longo
deste perigoso caminho Barathor corria em desabalada pressa, ansioso de alcançar as
encostas maiores detrás da cidade. Em minutos o caminho se alargou e começou a subir.
Então ele esporeou seu cavalo e subiu as encostas íngremes, afastando-se dos muros. O
Senhor de Pelargir chegou a um prado nivelado a menos de uma jarda dos muros, mas já
acima deles. Sinalizou para seu arauto soar a ordem para desmontar e começou a ordenar
sua formação de arqueiros. Flechas já começavam a cair duramente sobre eles. Uma passou
zunindo por seu ouvido enquanto desmontava.

Voltando-se para a cidade, ele viu Gildor aparecer de repente ao redor de uma curva da
muralha, galopando firmemente em sua direção. Vários cavalos da coluna élfica agora
estavam sem cavaleiros, assim como não poucos de seus próprios. Mas sabia que alguns
daqueles cavalos agora correndo em confusão e terror no meio da batalha eram do grupo de
Elendur. Ele orou para que estes tivessem alcançado os muros em segurança e sem serem
vistos.

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De fato, Elendur e seus companheiros estavam agora não muito longe daquela curva da
muralha, suas costas pressionadas contra o mármore branco e frio. Haviam esperado
ansiosamente enquanto seus amigos galopavam para fora da vista. Depois da longa
cavalgada do Rio e do excitamento de fazer o coração pular provocado pelo avanço da
cavalaria, permaneciam em silêncio e imóveis, ouvindo, aguardando por projéteis a chover
sobre eles a qualquer momento. Seus arqueiros permaneciam com arcos armados para cima
no muro, prontos para acertar qualquer cabeça que se levantasse para espiar sobre o
parapeito. Para a direita deles se podia ouvir o tumulto da grande batalha que era travada no
portão, milhares de vozes gritando, incentivando e amaldiçoando ao mesmo tempo.

Sem se afastarem do muro, curvaram-se para cumprir suas tarefas. Elendur tomou de seu
ombro um rolo de uma fina corda acinzentada, macia e suave como seda. Feita pelos Elfos
e não mais grossa que um dedo mindinho de um homem, ainda assim era capaz de suportar
o peso de grandes guerreiros de armadura. A seu lado, Orth, o gigante camponês de
Calembel, desamarrou de suas costas uma grande e assustadora besta. Apoiando sua frente
no solo entre seus pés, ele começou a armar a arma. Outro homem prendeu a corda em um
leve arpão de quatro pontas. Então o arco foi passado de mão em mão até Elendur, que
fixou o corpo de seu gancho seguramente em sua trava. A corda foi desenrolada para correr
livremente. Elendur ergueu a coronha da besta até seu ombro. Nenhum homem havia se
afastado mais do que um passo da muralha.

Subitamente Elendur se afastou dos muros, virou-se e atirou. Com um impacto ruidoso, o
arpão subiu e desapareceu sobre o muro. Instantaneamente dois homens agarraram-se a
corda e começaram a puxá-la de volta tão rapidamente quanto podiam. Ela se prendeu, mas
soltou. Se prendeu novamente. Eles deram um forte puxão para fixar o gancho. Elendur pôs
sua mão na corda, mas Orth o parou.

- Espere aqui, - ele disse. E falou com tanta segurança que Elendur, desacostumado a
receber ordens de quem quer que seja, parou e olhou para ele surpreso. Naquele momento o
homem tomou a corda de suas mãos e subiu por ela com surpreendente velocidade, seu
pesado cajado de carvalho balançando em sua cintura.

- Se a corda o agüentou, - disse rindo um dos homens, - deve agüentar o resto de nós
facilmente.

- Sim, - disse Elendur, - e aposto que todos nós poderíamos ir em suas costas sem atrapalhá-
lo muito.

Eles o viram alcançar a ameia, olhar cautelosamente sobre ela e então arrastar-se pelo
entalhe do parapeito e sumir. Um momento depois sua cabeça reapareceu e ele sinalizou
aos outros para que seguissem.

Elendur prendeu a besta em suas costas e começou a subir. Ele descobriu para sua surpresa
que a corda élfica, ainda que leve e suave, era fácil de escalar e subiu facilmente.
Entretanto, quando estava na metade do caminho, ouviu um grito abafado vindo de cima.
Olhou bem a tempo de ver uma figura escura sendo empurrada em sua direção. Antes que
pudesse reagir, a figura passou por ele e atingiu o solo com uma pancada úmida e

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nauseante. Elendur congelou, seu coração pulava. Rodopiando a talvez trinta pés do solo,
ele esperava a qualquer momento que a corda afrouxasse em suas mãos e ele se precipitasse
para a morte certa. Então olhou para cima e contemplou a grande face cabeluda de Orth
olhando abaixo para ele.

- Orc, - ele explicou. – Venha.

Elendur subiu até o topo, então descobriu que não passaria pela fenda no parapeito com a
besta em suas costas. Começou a tentar puxar o arco para o lado com uma mão enquanto se
pendurava com a outra, mas Orth simplesmente agarrou seus ombros e o levantou pela
passagem na muralha. Ainda tremendo rearmou seu arco e desembainhou sua espada no
momento em que Orth puxava o terceiro homem, seu velho amigo Belamon, por sobre o
parapeito. Seus olhos se encontraram.

- Muitas vezes andei por estes muros, - disse Elendur, - mas eles nunca pareceram tão altos.
Belamon, tome sua posição depois de Orth, talvez sejamos atacados daquele lado. Eu farei
o mesmo aqui. – Belamon balançou a cabeça e armou uma flecha em seu arco. Elendur
assistiu ele se espremer para passar pelo camponês, então virou para ver três grandes orcs
apressando-se contra ele, um com uma cimitarra pronta para atacar.

Elendur o bloqueou com sua espada, mas a força do golpe o jogou contra o outro parapeito.
O orc investiu direto em seu peito, seus grandes olhos amarelos brilhavam com
malevolência assassina. Elendur rolou para a esquerda e ouviu a cimitarra bater contra a
pedra. O orc grunhiu com o impacto e virou em direção ao seu oponente, mas ele encontrou
apenas o aço na lâmina de Elendur reluzindo e cortando através de seu largo ombro e se
afundando em seu peito.

Puxando com força para libertar sua espada, Elendur virou-se para encontrar os outros dois
orcs engajados com Orth. Ele saltou para frente para ajudar, mas Orth jogou sua pesada
lança esmagando o lado da cabeça de um orc. O outro recuou amedrontado em surpresa,
apenas para encontrar o seu fim na lâmina de Elendur. Elendur rodopiou, mas não havia
mais orcs a vista. Neste momento mais dois atacantes se juntaram a eles. Gradualmente se
espalharam ao longo da estreita muralha, até que todos os doze ali estavam. Espiaram
cautelosamente por sobre o muro interno.

A cidade estava em um tumulto de agitação, Companhias de Orcs corriam aqui e ali através
das ruas, carregando sacolas de flechas e arcos curtos. Carrinhos rangiam vielas abaixo,
puxados por grupos de barulhentos e praguejantes orcs enquanto chicotes zuniam ao redor
deles. A maioria parecia estar se apressando para o norte em direção aos portões. Acima e
depois das muralhas ocidentais, eles podiam ver os blocos ordenados dos arqueiros de
Lothlórien e de Pelargir, enviando uma continua chuva de flechas naquela parte da cidade.
Nenhum orc pode ser visto nos muros daquele lado.

Então Elendur olhou para a grande praça que se alongava entre os portões até o sopé da
Torre da Lua. Ali, a não mais que uma centena de jardas, um grande grupo de Orcs
abundava ao redor de uma linha de massivas catapultas, trazendo a elas um constante
suprimento de rochas, toras de madeira, até mesmo pedras de pavimento extraídas das ruas.

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Sobressaindo-se entre os acocorados orcs estavam duas figuras altas reluzindo em
armaduras escuras, supervisionando a operação, andando ao redor com chicotes. Protegidos
com cotas de malha e encapuzados eles eram, com elmos altos adornados com coroas
douradas. Terror jazia ao redor deles, pois os orcs se encurvavam e se amedrontavam com
sua aproximação.

- Não gosto da aparência daqueles altos perto das catapultas, - disse Belanom, chegando-se
ao lado de Elendur. – Eles não parecem Orcs, mas ainda assim algo repulsivo paira sobre
eles.

- Realmente, completou Elendur. – É assim. Pois ali caminham os próprios Úlairi, os mais
repulsivos de todas os servos de Sauron.

- Aqueles são os terríveis Úlairi? disse Belanom com admiração. – Então deixe-me por
flechas em ambos enquanto eles ainda estão desatentos.

Levantou-se e estirou o cordão de seu arco até o ouvido. Mas enquanto mirava no peito do
Espectro do Anel, este deve ter sentido o perigo, pois subitamente enrijeceu e olhou em
direção aos parapeitos. Elendur agarrou Belamon pela roupa e o puxou rudemente para
baixo deatrás de uma ameia.

- Abaixado, seu tolo, - sussurrou Elendur, - Assim tu colocarás a cidade inteira no nosso
encalço. Não te esqueças que eles têm sete irmãos dentro destas muralhas.

- Mas..., gaguejou Belamon, - não é o justo que eles morram por todo o mal que
produziram?

- Sim, mais do que justo, e suas mortes estão atrasadas há muito tempo, pois eles têm
vivido muito além da quantidade de anos designada por natureza. Mas não somos nós os
que os derrubarão. Deixe isso para os Elfos e os Senhores da Magia, que agora esperam
além do portão enquanto nós nos demoramos aqui. Se conseguirmos cumprir com o que
nos foi confiado e abrirmos o portão, mesmo que venhamos a perecer em tal feito, os Úlairi
verão suas mortes cavalgarem por aquele portão. Agora, para a torre.

Contraindo-se para evitarem os olhos nas janelas, eles se apressaram para a torre do portão
ocidental. Subitamente um sonoro grito irrompeu alto acima dele, soando aviso em uma
língua grotesca. Elendur olhava para as janelas acima na torre a medida em que corria, mas
não via ninguém. Um homem correndo logo a frente dele subitamente gritou e estirou-se,
tentando tirar uma flecha que entrara em suas costas. Ele caiu e Elendur saltou sobre ele.
Agora haviam orcs em várias janelas e flechas se precipitavam sobre os invasores. Um
segundo homem caiu, então um terceiro. Alguns dos homens mergulharam entre os vãos do
parapeito, buscando abrigo do fogo vindo da torre.

- Oh, oh. – gritou Elendur. – Não podemos deixar que sejamos cravejados aqui abertamente
ou estaremos perdidos. Para a torre, se amam viver. - Naquele momento um dardo cintilou
em seu elmo com uma pancada ensurdecedora. Ele tropeçou e caiu, batendo no muro e
rolando para o calçamento, atordoado. Ele esforçou-se a se por de mãos e joelhos e tentou

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levantar-se, mas sua cabeça estava a girar e o mundo parecia entrar em escuridão. Flechas
batiam nas pedras ao redor à medida que ali ele se esgueirava.

Então alguém o agarrou e o colocou rudemente de pé. Confuso, ele deixou-se levar, quase
que carregado. Ainda surpreso, ele tropeçou em um corpo e quase caiu de novo, mas o
outro homem o ajudou a manter-se de pé. Olhando para baixo ele pôde ver a face de
Belemon branca e olhando aos seus pés. Então chegaram a torre diante deles. O túnel
atravessava a torre e todos se acomodaram lá dentro, arfando e tentando retomar a
respiração. Elendur recobrou-se e levantou, e gradualmente sua visão clareou. Quando ele
levantou a cabeça, ele viu o gigante camponês diante dele.

- Meus agradecimentos a ti, Orth de Calembel, - ele disse. – Tu salvaste minha vida.

Eles olharam ao redor. Somente sete dos doze originais sobraram, um com um horrível
ferimento no braço onde uma flecha havia rasgado. Os outros jaziam estirados sobre o sol,
flechas negras cravejavam seus corpos.

Orth tentou uma pesada porta de carvalho que dava para a torre de dentro do túnel. –
Trancada e bloqueada. – ele disse. – Como entraremos?

- Teremos de entrar por uma das janelas, - disse Elendur. – Temos de usar os ganchos
novamente.

- Como? Há orcs em cada janela agora. – Disse um dos homens.

- Nossa única chance é correr o mais rápido que pudermos com os arcos armados e disparar
tão rapidamente tanto quanto pudermos nas janelas. Quando os orcs recuarem, eu dispararei
a besta na janela mais baixa. É uma tentativa desesperada, mas não vejo outra alternativa. É
apenas uma questão de tempo até chegaram reforços deles e sermos enxotados dos muros.

- Então vamos fazê-lo agora. – disse o homem. Eles prepararam o segundo gancho e o
prenderam na besta. Cada um armou uma flecha em seus arcos com uma mão e segurava
outras duas com a outra. Elendur olhou ao redor e viu que cada homem estava pronto.

- Agora! – ele gritou, saindo sob o sol brilhante. Eles correram todos juntos, viraram-se e
atiraram. Os orcs, tomados de surpresa, recuaram rugindo. Um precipitou-se pela janela.
Elendur ergueu a pesada besta e mirou na janela mais baixa. Assim que seu dedo
pressionou o gatilho um Orc apareceu de repente, seu corpo largo preencheu a abertura,
uma adaga em sua mão erguida. Sem hesitar, Elendur puxou o gatilho e o gancho arqueou-
se pelo peitoril da janela, atingindo o peito do Orc. Ele gritou e caiu para trás, fora da vista,
a adaga caindo aos seus pés.

Orth deu um puxão na corda. Ela cedeu um pouco, então segurou. – Está presa, - ele disse, -
embora eu acredite que você perfurou o peixe.

- Ousaremos escalar com tal fixação? – perguntou um dos homens.

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- Nós devemos! – gritou outro. – Olhe ali!

- Uma linha de Orcs chegava correndo pelo muro vindos de onde eles haviam chegado.
Cada um deles empunhava uma lança curta.

- Rápido! – gritou Elendur. – Precisamos escalar. Segure-os tanto quanto puderem. – E ele
subia pela corda braço a braço. Os outros começaram a atirar nos orcs que avançavam. Suas
flechas eram velozes e mortíferas. Os Orcs estavam numa parte estreita da muralha e
podiam avançar apenas um por vez. Assim que entravam no raio de alcance, eram abatidos
e o seguinte tinha de passar por cima de seu corpo. Mas para cada um que caía o restante
chegava cada vez mais próximo da torre.

Elendur alcançou a janela e rolou pelo peitoril. Caiu esparramando-se sobre o Orc morto, o
corpo pregado no peitoril da janela pelo gancho que irrompera pelo seu peito, fora isso a
sala estava vazia. Saltou pela passagem aberta onde fechou e bloqueou a porta, a fim de
evitar que fosse atacado pela retaguarda. Elendur se apressou de volta a janela no momento
em que o seguindo homem subia por eles e se estirava pelo piso. Desatando o arco de suas
costas, subiu pela janela e começou e enviar disparos mortíferos contra os Orcs que
estavam nas janelas ao lado. Disparando o mais rápido que podia, ele tomou cuidado para
disparar cada dardo direto no alvo. Apenas momentos antes ele e seus homens haviam sido
encurralados lá embaixo enquanto Orcs disparavam contra eles; agora a situação era a
inversa. Um terceiro homem chegou até a sala, sangue escorria de um corte em seu rosto.
Eles rudemente o puxaram por sobre o peitoril e retomaram o febril ataque.

- Este aqui é por Belamon, seus demônios assassinos, - grunhiu Elendur, mandando uma
flecha através do corpo do chefe dos Orcs, que tombou pelo muro e desapareceu com um
guincho. Os Orcs restantes hesitaram, mas vieram novamente, saltando sobre seus
companheiros caídos. Dois homens estavam na corda agora, deixando apenas Orth e mais
um para conter os Orcs. A janela era muito estreita para permitir que mais de um homem
disparasse ao mesmo tempo, mas eles se alternavam, mantendo fogo constante sobre os
Orcs mais adiantados. Mas ainda continuavam a chegar. Orth empurrou o último homem
para a corda, então avançou para o meio deles balançando seu pesado cajado como uma
imensa clava. Os Orcs caiam para trás diante de seu ataque, porém um conseguiu golpear o
lado de Orth com uma lança antes de cair. Mais dois homens alcançaram a janela com
segurança. Olhando de cima, Elendur não ousava disparar enquanto Orth estivesse no meio
deles, mas os Orcs nas janelas da outra torre disparavam no meio do combate, sem se
importar com os companheiros que eventualmente atingiam.

O grande cajado de carvalho balançava como uma foice, ceifando uma terrível colheita de
ossos estilhaçados e crânios esmagados. Volta e meia do estranho combate o homem
recebia ferida depois de ferida, mas continuava a lutando, golpeando um inimigo atrás do
outro a medida que eles pressionavam em direção a passagem estreita. Então uma flecha
negra voou de uma das janelas ao alto, atingindo em cheio as largas costas de Orth. Ele
urrou em dor e fúria e caiu de joelhos, deixando escapar sua lança. Vendo finalmente uma
chance, três Orcs saltaram por sobre o parapeito e pularam precariamente mureta por
mureta, caindo sobre o guerreiro ferido. Elendur derrubou um deles, e Orth golpeou outro
de lado com um golpe de seu imenso braço, mas o terceiro enterrou sua cimitarra em

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sangrento triunfo. Enquanto vociferava em vitória, duas flechas o traspassaram e ele caiu
por sobre sua vítima. Com um grito, os Orcs restantes passaram sobre eles e correram até o
pé da torre. Mas chegaram tarde demais. O último homem caiu arfando pela janela e os orcs
urraram em frustração ao verem a corda subir pela parede e sumir.

- Elendur! – clamou um dos homens à porta. – Eles estão do outro lado. Estão tentando
derrubar a porta! – Pesadas pancadas podiam ser ouvidas vindo do outro lado.

- Fiquem todos ao redor da porta com arcos prontos. Quando eu der o sinal, ergam a barra.
– Eles fizeram conforme ordenado, dispostos em um firme semicírculo ao redor da porta,
arcos retesados ao máximo. Elendur desembainhou sua espada e acenou, e um dos homens
tirou a barra de seus suportes. A porta se escancarou aberta e três orcs desabaram ao chão
praguejando com surpresa, instantaneamente foram traspassados. Elendur saltou sobre seus
corpos para o lado de fora e abateu outros dois orcs que tentavam fugir. Deixando dois
homens para conter qualquer ataque vindo dos degraus de cima, ele liderou os outros três
pelos estreitos degraus para baixo.

As escadas terminaram em uma grande sala trancada, o salão dos guardas do portão. Dois
orcs olharam surpresos e correram adiante com suas cimitarras erguidas, mas os homens de
Gondor os alcançaram e não se contiveram. Tudo estava terminado em segundos.

Elendur conduziu-os até um imenso sistema de rodas e engrenagens de madeira dispostas


ao longo da parede do salão. Uma enorme corrente de ferro descia das rodas e desaparecia
em um buraco no chão. Levantando uma das várias longas travas de madeira dispostas na
parede, Elendur alavancou um grande gancho que segurava a roda e o lançou para trás.
Com um pesado e ruidoso rangido, a roda começou a girar lentamente. A corrente retiniu no
chão, então houve uma pancada ensurdecedora e a roda trovejou até parar. O portão estava
aberto.

Um som de rugido, um clamor de milhares de homens, chegou até as altas fendas das
janelas na frente da torre e rapidamente cresceu até se tornar um poderoso grito em
uníssono: - Gondor! – eles gritaram, - Para a vitória! Então o som da batalha, do brandir de
metal com metal, chegou mais perto e passou por debaixo de seus pés, afogando a qualquer
outro som. Os companheiros sorriram debilmente uns para os outros. Eles haviam
conseguido.

Mas não havia tempo para celebrar. Eles bloquearam todas as portas, então seguiram de
volta às escadas e se juntaram a seus companheiros. Sala por sala, andar por andar,
varreram sistematicamente a torre, matando cada inimigo que encontravam. Por fim
alcançaram o topo e o acharam vazio. Apressando-se até o parapeito olharam para a cidade
assim como haviam feito quando chegaram no topo das muralhas e viram que muito havia
mudado.

O grande portão abaixo deles jazia aberto e as hostes das terras do Sul continuavam a fluir
por ele. Em todos os lugares havia combate e matança. Em toda esquina, toda passagem,
assim se via, Homens, Elfos e Orcs estavam presos em combate mortal. Na imensa praça
atrás do portão as catapultas haviam sido invadidas pela companhia de Anões de Frar, e a

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luta era feroz e inclemente ali. Os Orcs começaram a cair sob o massacre. Espadas,
machados e lanças se erguiam e baixavam na pressão, e berros e gritos misturavam-se com
os gritos de guerra de ambos os lados.

Então um novo som surgiu acima de todos os outros: um alto e estridente lamento de medo,
de homens caindo mudos em desespero. Elendur olhou para o lado leste da praça, de onde
veio o clamor, e eis que a multidão se derretia como cera diante do fogo, apartada por mãos
não vistas. Ali estavam três altas figuras, cada uma trajando capuz e capa negra sobre
armaduras escuras e empunhando longas espadas. Então eles avançaram como um,
caminhando lentamente para frente, diretamente para a dianteira exército de Gondor. O trio
segurava suas espadas com ambas as mãos e as manuseavam para lá e para cá com
movimentos sem pressa, cortando aliados e inimigos da mesma maneira. Ninguém
levantava uma mão sequer contra eles.

Era uma vista terrível. Ora, de novo um especialmente corajoso homem se pôs diante deles,
apenas para falhar e parar, tremendo como uma criança diante de um lobo, suas armas
caíram esquecidas no chão quando as espadas cortaram o ar em sua direção. A maioria se
atirava ao solo e ali ficava chorando lastimosamente. Mas morte chegava a todos no
caminho dos três. Mais adiante, aonde o terror era menos forte, homens e orcs se viravam e
começavam a arranhar desesperadamente os da multidão ao redor deles, tentando escapar
do destino que se aproximava. Em todos os lugares da praça abaixo havia loucura e horror,
exceto próximo às catapultas, onde reluzia uma brilhante armadura e estandartes coloridos
tremulavam no ar.

***

A face de Isildur estava séria e imóvel enquanto balançava sua espada, mas seu coração
estava a cantar dentro dele. Havia pensado que seu coração explodiria de alegria quando
visse os grandes portões subitamente se abrirem. Sabia também que isso significava que
Elendur provavelmente ainda vivia, e as cinzas de medo instantaneamente foram sopradas
de seu coração. Erguendo sua espada acima de sua cabeça gritaria para a investida, mas
ninguém o ouviria no tumulto. Ainda assim, o exército havia se agitado adiante como um à
medida que os portões se abriam, sem se importar com os dardos e flechas chovendo dos
muros. Eles eram como enxame através do portão, descendo a longa passagem negra
adiante, as paredes ecoavam seus gritos, e propagava para o sol sobre a praça. Ele ansiava
ter tempo para olhar ao redor, a fim de ver o que haviam feito com a sua cidade, mas não
havia tempo para isso. Uma chama feroz de vingança ardia em seu coração. Chamando a
aqueles que estavam próximos dele, cavalgou direto para as catapultas que haviam enviado
aquela chuva mortal no meio de seu exército. Ao lado estavam Frár e seus destemidos
guerreiros Anões.

A luta nas catapultas era feroz e perigosa, pois os oponentes eram Orcs selecionados e
experientes que estavam determinados a manter posição a qualquer custo. Um a um,
entretanto, começaram a ceder debaixo dos ataques incessantes. Então chegou uma hora em
que ficou óbvio a todos os combatentes de ambos os lados que os Orcs estavam perdendo a
luta. Mas não desistiriam. O combate prosseguiu sem cessar, fúria destemida havia nos

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olhos daqueles que não tinham mais nada a perder. Ainda assim era apenas uma questão de
tempo.

Então um grito agudo e sobrenatural ergueu-se acima do tumulto, e o fogo de Isildur em


batalha transformou-se em gelo de medo e desespero. O Orc diante dele voltou-se para o
som e caiu de joelhos. O rugido da batalha lentamente abaixou à medida que os
combatentes um a um sentiam o desespero chegar em corações, enfraquecendo suas
vontades. Qual era o sentido em lutar, quando vitória era impossível e mesmo a morte em
batalha não era nada senão vaidade e zombaria? Tudo ao seu redor, guerreiros desabavam
em seus joelhos ou caiam sobre suas faces. Isildur, lutando contra o terror que o agarrara
subitamente, olhou por sobre as cabeças e encontrou os olhos gélidos dos Úlairi fixos nos
seus, suas espadas ritmicamente subiam e desciam conforme avançavam na direção dele.
Seu coração contraiu-se diante daquela visão, mas ele lutou contra o desespero. Enxugando
as lágrimas, ele viu os Senhores Élficos por perto.

- Meus senhores, - ele clamou, - ali, a leste. Eles estão vindo! – Celeborn seguiu seu olhar.
– Eu vejo apenas três, - ele disse. – Onde estão os outros?

- Ali, meu marido, - clamou Galadriel, apontando para o sul, - próximos ao portão da
Cidadela.

Eles se viraram e viram mais seis das temerosas criaturas avançando firmemente através da
multidão, sem serem barradas pelos guerreiros desesperados que se arrastavam. Eles se
moviam com cruel determinação, suas cabeças cobertas voltadas somente para os senhores
élficos, matando somente para abrir caminho.

- Finalmente chegou a hora, - disse Galadriel. – O tempo de se ocultar agora é passado.


Agora devemos revelar os Três e confiar no poder deles. – Ela desprendeu o colar de seu
pescoço e dele tirou Nenya, o Anel de Mithril. Círdam tomou Narya, o Anel do Fogo.
Elrond hesitou. Ele carregara Vilya somente por seu mestre Gil-galad, e sempre tivera
esperança de que não fosse chamado para usá-lo ele mesmo. Mas não podia recusar.
Tomou-o de seu colar e o colocou em sua palma a tremer. O sol refletia no ouro e na
brilhante safira.

Isildur sentiu sua coragem desvanecer mesmo enquanto observava. Sentiu uma súbita onda
de medo e dúvida. Como poderiam estas ninharias brilhantes parar os terríveis Espectros do
Anel? Não era o cúmulo da tolice mesmo tentar isso? Talvez os Elfos estivessem errados
em depositar fé naqueles pequenos anéis. O que eles sabiam sobre o poder deles, se é que
tivessem algum? Foram feitos há muito tempo atrás e haviam ficado sem uso desde então.
Esses Elfos tolos a pensar que poderiam ainda ser fortes contra tal poder sobrepujante. E ele
fora o maior dos tolos por tê-los seguido para tal armadilha. Agora não havia escapatória
para nenhum deles.

Isildur olhou atrás para os três Elfos, e ali viu os três Úlairi chegando na direção deles.
Altos eles eram, mais altos mesmo que Isildur, pois eles eram nascidos de sangue nobre,
sábios e magos de dias antigos. Seus olhos brilhavam rubros debaixo dos capuzes e
perfuravam os dele, revelando todos os medos e dúvidas em seu ser. Conforme olhava,

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pareciam ficar mais e mais altos, com grandes mortalhas de trevas envoltas neles como
enormes asas. Ele estava vagamente cônscio de seus homens gemendo e contorcendo-se no
chão a seu redor. Seu coração saltitava contra suas costelas. Então uma visão límpida
chegou a ele, mais vívida que a luz do dia. Viu seu corpo esparramado em cinzas sobre uma
poça de sangue, partido quase pela metade.

Então aqui é que morrerei, - pensou. Toda minha vida viajei por muitos caminhos do
mundo e nunca imaginei que terminaria aqui, nesta praça, neste dia, aos pés das lâminas
dos Úlairi. Ele sentiu um desejo sobrepujante de apenas cair no chão, e esperar pela morte
inevitável em paz.

Mas uma voz ao longe chegou cortando seus pensamentos negros: a voz de uma bela
mulher, como o som das águas sobre pedras frias sob a luz do luar, chamando por seu
nome. Ele lutou contra a voz, pois ela o tirava da paz advinda da morte iminente, trazendo
de volta ao mundo de dor, sofrimento e luta. Entretanto, vagarosamente se voltou para o
som. Galadriel estava diante dele, seu cabelo dourado voava livremente sobre a face. Ela
olhou ansiosamente para a face de Isildur, buscando seus olhos.

- Isildur! – ela clamou mais uma vez. – Não te desesperes, meu senhor. É a aura deles que
tu sentes. Não se deixe levar por ela! Contemple o poder dos Três!

Assim que ela falou uma luz rubra incandesceu de sua mão, tão brilhante quanto o sol
poente, enquanto ela parecia desvanecer e sumir. Ele percebeu que podia enxergar os muros
através dela. Então Galadriel desapareceu. Círdan também desapareceu em uma luz branca.
Virando-se, Isildur viu Elrond colocar Vilya em seu dedo, e ele desapareceu em uma bola
de luz azul. A praça inteira ficou cheia de uma irradiação de cores iridescentes que reluziam
e ferviam ao redor do ponto onde os senhores élficos estavam. Subitamente o terror que o
segurava enfraqueceu e ele pode ver claramente mais uma vez.

Isildur olhou para os Espectros do Anel. Seu avanço constante diminuiu e então parou. Eles
se juntaram e permaneceram imóveis, ignorando o sangue e a carnificina ao redor. Então o
mais alto lentamente levantou sua espada, até que todos os Nove Anéis dos Homens
estavam contra os Três. O ar tornou-se impregnado com uma luz cintilante, refletindo
nuanças de muitas cores em constante mutação. Isildur permaneceu parado, sentindo as
correntes de poder que fluíam ao redor e através dele enquanto forças poderosas além de
sua capacidade de compreender travavam invisível batalha no ar. Ele sentiu sua alma sendo
puxada e empurrada por ventos invisíveis.

Mas o medo havia passado. Em todo lugar Homens e Elfos estavam lutando para
lentamente se por em pé, sacudindo suas cabeças, olhando ao redor em confusão. Enquanto
isso a batalha etérea continuava, sem que ninguém desferisse golpe visível algum. Isildur
podia sentir o ar ao redor dele fender-se em tensão.

Seu coração saltou em esperança. Eles haviam sido parados; talvez pudessem mesmo ser
derrotados. Mas os senhores élficos podiam somente conter o avanço dos Uláiri. Eles
estavam arriscando suas almas imortais para conter o terror, mas agora dependia dele
encarar o inimigo, lâmina contra lâmina. Ele devia atacar agora. Sua espada parecia como

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uma barra de chumbo, mas a levantou. Conclamou seus homens ao ataque, mas apenas um
grasnado rouco escapou de sua garganta. Forçando seus pés a se moverem começou a
mover-se lentamente em direção ao senhor dos Espectros do Anel. Sentia-se como se
estivesse com água até o pescoço, tentando correr em sua pesada armadura. Passo a passo
arrastou-se adiante.

Ninguém se moveu, seja para ajudá-lo ou barrá-lo. Sentiu como se não houvesse nada no
mundo exceto ele mesmo e o olhar dos Espectros do Anel. Brasas ardentes acompanhavam
seus passos lentos e dolorosos. Um a um, os braços estendidos deles apontaram para seu
peito, e ele sentiu que a pressão aumentar. Ainda assim pressionou, passo a passo.
Ignorando agora os milhares de espectadores de todos os lados, ele lutava em um mundo só
seu. Sentia o desespero puxando-o de novo, mas fechou sua mente para todo pensamento
exceto para por um pé adiante do outro. Seu corpo doía com o esforço, suor escorria de sua
face e peito.

Trevas se fecharam sobre ele, e podia ver somente nove pontos brilhantes de luz adiante,
sombras de diferentes tonalidades de âmbar e ouro. Manteve o olhar fixo na mais brilhante,
um amarelo puro, brilhando como o sol. O brilho flutuava a dançar diante de sua visão
ofuscada, mas por fim conseguiu chegar perto dela. Sacudindo sua cabeça para jogar o suor
de seus olhos, Isildur se pôs ereto. Ele podia divisar a alta figura encapuzada atrás da luz
brilhante.

- Agora, - ele disse arfando. – Olhai para mim e proves tu mesmo o desespero, criatura da
noite, pois eu sou Isildur, filho de Elendil de Númenor, e aqui vim para matar-te.

A figura lançou para trás seu capuz e aqueles por perto gritaram de horror, pois não havia
cabeça a apoiar a coroa dourada e os olhos reluzentes abaixo dela. Isildur recuou surpreso.
Uma voz oca e profunda ressoou como se viesse de algum buraco profundo.

- Então tu vieste em vão, rebento de Elendil, pois há muito tempo atrás foi profetizado que
jamais serei morto por Elfo ou Homem. Tu vieste aqui buscando minha morte,
Númenóreano, mas encontraste a tua própria! – Enquanto dizia estas últimas palavras, a
espada negra rapidamente subiu e desceu cortando o ar em direção ao pescoço de Isildur.
Mas Isildur levantou a sua própria lâmina e desviou o golpe para o lado em uma profusão
de fagulhas. O Úlairi grunhiu em surpresa ao ver sua espada desviada para o chão. Muito
tempo havia se passado desde que ele precisou dar mais de um só golpe em qualquer
inimigo.

Com um urro de raiva ele ergueu sua lâmina, no momento em que Isildur desceu a dele
com todas as forças de seu ser. Com um impacto de abalar os ossos, as lâminas se
encontraram e a lâmina negra se partiu, ringindo até as cinzas. O Espectro do Anel caiu
para trás enquanto Isildur erguia sua espada para o golpe de misericórdia, mas outra figura
negra saltou para ajudar seu capitão e interceptou Isildur.

Isildur por sua vez caiu para trás, mas então ao seu redor ele pôde ver que outros Homens e
Elfos chegavam para o ataque. Um esforço feroz surgiu, e os Úlairi, privados de sua sombra
de medo, logo foram duramente acossados por muitos inimigos. Incapazes de usar seus

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anéis e forçados a depender de suas lâminas, os últimos vestígios de terror se dissiparam.
Mais e mais Homens avançavam, sedentos de vingar o terror e vergonha a que foram
submetidos. Os Orcs restantes também se ergueram para lutar, e a batalha recomeçou.

Um grande e ruidoso urro veio do outro lado da cidade, e alguns momentos depois os
estandartes de Barathor puderam ser vistos avançando pela praça vindos do leste. Os
Pelargrim irromperam saída daquele lado e abriram uma brecha no muro. Ainda mais
homens se derramavam através dos portões principais, e os arqueiros de Gildor agora
estavam sobre as muralhas, lançando disparos mortais sobre as companhias inimigas. Os
Orcs, cercados por todos os lados, começaram a correr de um lado para outro em confusão,
presa fácil para as espadas famintas de Gondor.

Mas mesmo sem seus poderes aterrorizantes, os Espectros do Anel eram espadachins
destemidos e habilidosos, e muitos bravos guerreiros caíram antes da maré da batalha se
voltar contra eles. Então, como se recebessem um sinal, eles se voltaram para o outro lado,
formando uma cunha ao redor de seu capitão, e lentamente tomaram o caminho de retorno
para a Cidadela.

Isildur percebeu a intenção deles e moveu-se para se antecipar a eles. – A Cidadela! – ele
gritou alto acima do barulho. – Eles estão voltando para a Cidadela! Eles não devem
alcançá-la ou tudo estará perdido!

Guiado pelo desespero, ele despiu-se do cansaço e lançou-se para o combate com espada
revestido de nova fúria. Mas os Espectros do Anel mantiveram a formação e penetraram
através de uma massa de Orcs encolhidos e amedrontados. Isildur lutou para perseguí-los,
mas sempre havia cada vez mais inimigos diante deles. Os Úlairi continuaram a recuar,
cada vez mais perto da segurança da Cidadela.

Então o estandarte de Pelargir pôde ser visto através da barreira por detrás dos Espectros.
Barathor e seus cavaleiros, ainda montados, estavam forçando seu caminho pela entrada da
Cidadela, tentando cortar a retirada deles. Sentindo o perigo, os Úlairi viraram e correram
para enfrentar a nova ameaça, deixando Isildur e seu povo bem atrás para vencer a massa
sem liderança e desanimada dos Orcs.

Os dois grupos se encontraram aos pés do largo lance de degraus de entrada. O Senhor dos
Espectros soltou um inumano grito agudo como o de uma ave de rapina, o mais terrível é
que fora lançado de nenhuma garganta aparente. Eles se lançaram em fúria sobre a
destemida cavalaria de Pelargir. Os cavalos, treinados como eram para batalha, não
conseguiam se manter diante daquelas criaturas desmortas e relincharam em terror. Alguns
cavaleiros foram lançados fora e rapidamente atropelados pela confusão, impulsionada
pelos Homens, Orcs e cavalos. Outros desmontaram e lutaram como puderam na multidão.
Ninguém podia manusear espada por medo de atingir seu parceiro de lado.

Os Úlairi não deram importância e fizeram seu caminho pela tormenta, matando quem se
pusesse na frente, fosse homem, cavalo ou orc, chegando cada vez mais perto das portas da
Cidadela. Isildur viu que um cavaleiro, um dos poucos ainda montado, lançou sua montaria
enlouquecida pelo medo diretamente nos Espectros que avançavam. Ele lançou sua maça

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tingida de sangue na cabeça invisível do Rei dos Úlairi, mas o golpe passou por alto e no
instante seguinte o cavaleiro foi traspassado e caiu.

O rei negro tirou o cavalo do cavaleiro de seu caminho e viu diante dele Barathor de
Pelargir nos próprios degraus da Cidadela, e com ele apenas o seu jovem porta-estandarte.
O garoto não pausou por um segundo, mas baixou seu mastro, e manuseando-o como a uma
lança, avançou direto contra o espectro coroado. A gaivota dourada na ponta do mastro
atingiu o peito revestido com uma cota de malha e quebrou, lançando-o para trás, mas ele
não caiu. O rapaz virou e gritou para seu mestre. – Meu Senhor, - ele gritou, - entre na
cidadela e bloqueie as portas. Deixe Isildur lidar com essa criatura! – E então ele morreu,
atingido por dois dos Espectros ao mesmo tempo.

Barathor olhou para aquilo com horror, então uma revolta descontrolada tomou conta dele e
o fez lançar-se adiante no meio de seus inimigos, caindo entre eles com sua espada. Por
uma única vez seu bom aço afundou na carne desmorta e um alto grito agudo atravessou o
barulho da batalha. Mas então Barathor também foi derrubado, e lâminas negras ergueram-
se e desceram.

Alguns dos cavaleiros de Pelargir haviam ouvido as últimas palavras do arauto, e eles se
apressaram subindo os degraus em direção às portas abertas da Cidadela, gritando em
triunfo. Mas flechas negras zuniram vindas da escuridão, e eles caíram por sobre os degraus
de mármore. Os Espectros saltaram sobre seus corpos e correram através da porta, um deles
segurando firmemente seu braço pendente. Com um alto ruído e colidir de aço, massivas
portas corrediças desceram das trevas acima da entrada. Uma profusão de flechas agitou-se
através das grades de ambos os lados, então as pesadas portas se fecharam com um impacto
sombrio.

A voz de Isildur pôde ser ouvida erguendo-se acima de todos os outros sons: - Eles
escaparam! – ele gritou. – Perdido! Tudo está perdido!

ISILDUR
Capítulo 10 - Barad-dûr

Elendil, o Alto, Rei dos Reinos do Exílio, caminhava inquieto sobre os montes cobertos de
cinzas e escória, seus pés levantando nuvens de fina poeira que enchiam as narinas e
untavam os lábios. Vapores fétidos vindos de alguma grande corrupção moviam-se através
do deserto envenenado e rodopiavam em volta dele em quentes rajadas de vento.
Instintivamente ele colocou uma dobra de sua capa sobre o nariz para proteger das cinzas e
fumaças, mas há muito ele já havia deixado de notá-las. Por sete longos anos havia vivido
neste lugar de morte e decadência, tanto que as memórias das brisas suaves, de correntes de
água e de coisas verdes a crescer eram como um aroma perdido de um belo sonho,
relembrado de maneira turva.

192
Elendil seguia de cabeça baixa mergulhado em pensamentos, até que uma sombra caiu
sobre ele, resfriando o ar impuro. Ele estremeceu então, parou e levantou o olhar. Ali,
agigantando-se acima dele, bloqueando o pálido e débil disco do sol, pairava uma
monstruosa montanha de pedra escura erguendo-se do abismo negro, como se a terra a
tivesse vomitado para fora em algum inimaginável e violento paroxismo. Porém aquilo não
era uma montanha, mas uma coisa feita, erguida através dos séculos pelo tributo de
centenas de milhares de escravos. Muralhas, parapeitos e muitos telhados íngremes em
forma triangular se erguiam camada por camada até estonteantes e altas névoas. E acima
delas uma torre escurecida como um dedo grosseiro apontado em direção ao pálido e triste
céu. Acima de tudo ela era escuridão, mesmo na pálida luz da manhã, uma mortalha de
detalhes que fazia sua vastidão imensa confundir a mente com sua complexidade. Os olhos
não podiam seguir suas linhas, mas se perdiam entre seus incontáveis ângulos,
protuberâncias e sombras impenetráveis. Assim era Barad-dûr, a Torre Negra. E em algum
lugar dentro de sua massa de pedra impenetrável habitava o mal que era Sauron.

Elendil contemplou demorada e silenciosamente aquela monstruosa estrutura, como já


havia feito tantas vezes durantes os sete cansativos anos em que o Exército da Aliança
ergueu o cerco contra ela. Aquele vasto exército jazia disposto a seus pés, como fizera nos
últimos anos, em um enorme semicírculo recuado a curta distância da beirada íngreme do
abismo do qual os alicerces de Barad-dûr subiam lisos e inquebráveis por centenas de
metros. Três estradas convergiam na borda ocidental do abismo. Uma levava para o
nordeste através do Morannon, o Portão Negro de Mordor há muito quebrado e derrubado.
A segunda seguia para o sul e leste através dos montes de escória que se estendiam ao longe
do horizonte turvo, chegando finalmente até ao amargo mar interior de Nûrn. A terceira,
pavimentada com placas de pedra cortada, avançava direto para oeste, deixando o vulcão de
Orodruin poucas léguas para trás, em direção a minas Ithil nas Montanhas da Sombra. Essa
estrada saltava pelo abismo que dava para a Torre através de uma imensa ponte de ferro
desprovida de apoio ou parapeito, terminando no Portão de Adamantium, através do qual
ninguém passava, salvo a mando de Sauron.

Muitos Homens e Elfos haviam morrido tentando cruzar aquela ponte e arrombar os
portões, mas ninguém foi bem sucedido. Agora ela jazia vazia e em silêncio, pois colocar os
pés nela era um convite a uma chuva de enormes pedras vindas das muralhas acima. Elendil
amargamente lembrou de seu filho mais jovem, Anárion, que havia tombado na Ponte de
Ferro, atingido por uma grande pedra quando parou para ajudar um companheiro ferido.
Então, como usualmente, seus pensamentos se dirigiram para seu filho mais velho, Isildur,
que estava constantemente em sua mente nestes longos meses desde que partira em missão.

Elendil temia muito por ele, sabendo bem quão perigosos eram os caminhos que deveria
trilhar. Ele havia se alegrado muito ao finalmente poder ouvi-lo, quando falou através da
Palantíri de Minas Tirith três dias atrás. Mas as notícias de Isildur não eram boas. Parecia
que todo o cuidadoso plano estava sendo desmantelado, frustrado em todos os pontos pela
vontade do Inimigo. Eles haviam conseguido expulsar as forças de Sauron de Minas Ithil e
recuperado o reino de Gondor? Mas agora Pelargir estava sob cerco, e Osgiliath seria a
próxima. O reino estava sob ataque e não havia como defendê-lo. Enquanto seu povo lutava
e morria, ele padecia na planície ardente de Gorgoroth, inerte, inútil.

193
Dois dias atrás havia sido o dia do meio do ano, e se todos os planos tivessem sido bem
sucedidos, Isildur deveria ter atacado Minas Ithil na tarde anterior. Elendil olhou para o
oeste, com desejo ardente de saber o que estava acontecendo lá. Seria bem sucedido o
audacioso ataque de Isildur através de Ithilien? E se eles fossem atrasados? O que seria se
os Espectros do Anel soubessem do ataque e tivessem tempo de se preparar? Eles poderiam
secretamente erguer suas forças em Osgiliath Oriental. Então, quando o Arannon fosse
derrubado pelo ataque de Isildur, os Orcs se espalhariam por Osgiliath. Poderia alguém se
levantar contra a força combinada dos Nove? Ele havia encontrado os mesmos Nove na
Batalha do Morannon, e se lembrava bem da sombra de medo e desespero que o havia
envolvido, cobrindo toda luz, toda esperança. Elendil estremeceu ao imaginar os Úlairi
caminhando sob o Domo das Estrelas, aniquilando tudo diante deles. E quanto aos Três?
Furioso consigo mesmo pelas dúvidas que corroíam sua determinação, virou-se
abruptamente e caminhou de volta ao acampamento. Ele fez seu caminho entre as barracas
até uma grande tenda erguida sobre o monturo mais alto, controlando a visão de toda a área.

Entrando encontrou uma figura alta até mesmo para um Elfo, curvada sobre um mapa. Ele
estava vestido com uma cota de malha de mithril, assim como os outros oficiais, mas seu
manto era do púrpura real. Seu cabelo era da cor de marfim velho, outrora belo e dourado,
agora marcado com listras prateadas. Sua face, salvo pelas delicadas linhas élficas, poderia
ser a de um homem no fim da juventude, um experiente rei-guerreiro, talvez sessenta
invernos tenham deixado suas marcas naquela face. Mas Elendil sabia muito bem que
aquele elfo havia sido o lugar-tenente de Fëanor na Navegação dos Noldor para a Terra-
Média, há mais de quatro mil anos atrás. Em seus olhos cinzentos residia a sabedoria
imperturbável que vinha de muitos séculos de contemplativa existência. Ali também
brilhava uma luz de orgulho e comando, a força confiante da liderança e responsabilidade.
Elendil estava com duzentos e vinte e sete anos de idade, e havia fundado dois poderosos
reinos, mas ele ainda se sentia como uma criança na presença de Gil-galad, Alto Rei dos
Exilados Noldor.

Elendil debruçara-se sobre a mesa. O mapa, muito amarelado e gasto, era de Mordor. Gil-
galad estava a olhar atentamente para a descrição de Minas Ithil, e Elendil sabia que seus
pensamentos também estavam nos eventos que agora ocorriam nas Ephel Dúath.

- Chegou alguma notícia? – perguntou Elendil. Gil-galad virou-se e olhou para o rosto
pálido de Elendil, lendo a preocupação contida ali.

- Não, meu amigo, nada ainda – respondeu Gil-galad - mas dificilmente poderíamos esperar
por algo tão cedo.

- Talvez se enviássemos um pequeno grupo pelas montanhas – disse Elendil - em nossos


cavalos mais velozes. Eles poderiam precisar de nossa ajuda.

Gil-galad chacoalhou sua cabeça. – Eu sei. E teu filho os lidera. Por isso estás tão ansioso.
Mas é exatamente por isso que tenho tanta confiança no sucesso deles. Isildur é um homem
nobre e sábio. Um dia ele será um grande rei de Gondor e seu nome será cantado quando as
montanhas esfarelarem-se em cinzas. Mesmo nós Quendi olhamos Isildur com grande
esperança, pois sabemos que nossa regência sobre a Terra-Média está chegando ao fim, e

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que desvaneceremos ao passo que os Homens aumentarão. Um dia os Homens sozinhos
irão governar e proteger este mundo. Grandes líderes serão necessários, Homens de
coragem, força e sabedoria. Isildur poderia ser o Senhor deles. Ele lhe deu quatro fortes
netos. Se formos bem sucedidos em derrotar Sauron, bem pode ser que tu tenhas fundado
uma dinastia de reis, meu velho amigo. Reis que irão governar esta terra pelas eras por vir.

Elendil sorriu. – Tu me bajulas, senhor, mas suas palavras me trazem conforto – seus olhos
se dispersaram – eu tinha grandes expectativas quanto a meus filhos. Achava que após
minha morte Isildur governaria Arnor e Anárion se tornaria o único rei de Gondor. As duas
terras permaneceriam irmãs em seus reinos, governadas por irmãos, unidas em paz para
sempre. Este sim seria um nobre legado para o desalojado último Senhor de Andúnië deixar
a seu povo. A glória que havia em Númenor poderia viver novamente nos Reinos do Exílio.

A face de Elendil estava iluminada e ele tremeu de emoção enquanto relembrava seus
sonhos. Mas então seu semblante decaiu.

- Mas não era para ser assim - prosseguiu - justamente quando os Reinos estavam chegando
a uma boa ordem e a vida estava se estabelecendo em uma rotina pacífica, Sauron caiu
sobre nós e nos arrancou de nossas terras. Minas Ithil caiu e Isildur e sua família fugiram
para Arnor. – Os olhos de Elendil passaram de tristes para frios.

- E ele roubou de mim o meu maior tesouro: Anárion, o bravo, o gentil. Como pode uma
vida tão cheia de força e vitalidade, tão cheia de promessa, com tanto futuro diante dela, ser
subitamente esmagada sob uma pedra? Como pode uma mera rocha muda apagar uma vida
de tal maneira, criando em um instante um pai e um irmão privados dela, uma viúva e um
órfão em pesar? Por todos os Valar, eu juro que tal ato será vingado. Seja pela força de
poder ou de braços ou sabedoria ou magia eu estarei diante de Sauron, eu o matarei, ainda
que morra em tal feito!

Gil-galad nada disse por uns momentos, vendo a dor de um pai inchando os olhos de seu
amigo. Finalmente ele falou. – A queda de Anárion é uma perda trágica que ressoará na
história. Milhares prantearão ao ouvirem tal conto. Ele era um homem como nenhum outro.
Estava sempre rindo, sempre sorrindo. Os Elfos mais jovens, especialmente, eram mais
achegados a ele. Talvez porque fossem tão parecidos. Elendil suspirou. – Ele tinha grande
prazer na vida. Por isso é tão injusto que esta lhe seja negada. Anárion era o alegre,
despreocupado, pronto para uma anedota. Isildur sempre foi o sério. Ele amava seu irmão
mais novo, mais também o achava... frívolo demais, Isildur assim diria.

- Anárion não era frívolo - disse Gil-galad, com convicção - tive muitas conversas com ele
e ele pensava profundamente, encarava responsabilidades com muita seriedade. O seu jeito
era tão diferente do de Isildur, não o seu caráter. Ele era um excelente príncipe e teria sido
um grande rei.

- Eu sei disso, e Isildur também, tenho certeza. Mas Isildur era sempre tão sério acerca de
tudo. Sua face estava sempre séria.

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- Sua família passou por muitas coisas que os deixaram amargos. A amargura do conflito
civil em Númenor, no qual o teu próprio rei enviou-o ao exílio em Andúnië. E então, é
claro, a Queda.

- Mas Anárion passou por tudo isso também – disse Elendil - aqueles terríveis últimos dias,
as torres desmoronando, as ondas, a tempestade, o naufrágio. – Elendil silenciou,
relembrando novamente aqueles tempos terríveis. – É claro, ele era mais jovem, ainda em
seus vinte e poucos anos. Os jovens são mais resistentes à desgraça, não achas? Mas Isildur
era sempre sério mesmo quando garoto. Ele tinha de ser o melhor em tudo, e não suportava
ser vencido. Tomava qualquer competição como um desafio, sempre tinha de ser o mais
forte, o mais rápido, o mais heróico.

- Mas ele é um herói, e bem que pode ser todas estas coisas. Muitos o reconhecem como o
maior guerreiro do exército. Há também o seu caráter. Ele é tão nobre quanto forte. Seu
idealismo e sua determinação são quase assustadores. Sabes que ele comprometeu-se a
lançar Barad-dûr, pedra por pedra, no abismo?

Elendil teve de sorrir. – Sim, e acredito que assim o fará. Mas não a Sauron, este eu mesmo
vou derrubar, com esta lâmina. – E ele deu um leve tapa no punho da espada ornamentada
que pendia a seu lado.

Gil-galad balançou a cabeça. – Sim, Narsil foi forjada justamente para tal tarefa, ainda que
Sauron tenha sobrevivido a seu criador por muitos yéns. Pobre Telchar, morreu na queda de
Nargothrond e nunca soube que Morgoth, o Inimigo, estava então em suas dores de morte.
Telchar ficaria muito satisfeito se tu matares Sauron com essa lâmina.

- Este é meu maior desejo - respondeu amargamente Elendil - pois ele tem muito pelo que
responder. – Seus olhos se dirigiram ao mapa desenrolado sobre a mesa, para as múltiplas
cadeias de montanhas que eram a faixa conhecida como Ephel Dúath, as Montanhas da
Sombra.

- Mas por agora - Elendil continuou - me contentaria com uma palavra de Isildur e seus
companheiros. Que nenhum dano chegue a eles, pois se falharem restará pouca esperança
para o resto de nós.

Gil-galad concordou com a cabeça. – Se os Três forem tirados deles, não haverá mais
esperança.

- Sei que não tínhamos muita escolha, - disse Elendil - mas ainda passo noites em claro
imaginando se fizemos a escolha certa. Enviar os Três contra os Nove, parece uma tentativa
desesperada.

- E realmente é assim – concordou Gil-galad - e ainda tenho esperanças de sucesso. Os


Grandes Anéis de Poder não são iguais; cada um é diferente dos outros. Os Nove e os Sete
sempre foram menores do que os Três, que foram feitos com as artes de Sauron. Grandes
são os seus poderes, mas eles foram concebidos do poço do mal, e é minha crença que o

196
mal nunca poderá triunfar por completo sobre o bem. Os Três são imaculados; eles derivam
seus poderes da Árvore Branca e da Dourada, expressos através da arte de Celebrimbor.

- Tais coisas ultrapassam minha compreensão - disse Elendil com um sacudir de cabeça –
como se usa os Anéis? – ele perguntou – Como se ativam os seus poderes?

Gil-galad considerou. – É difícil de descrever, meu amigo. Por muito tempo eu conservei
Vilya comigo, e como ele não há nenhum outro objeto na Terra. Estou ciente quando está
perto, mesmo estando afastado dele todos estes anos, freqüentemente penso nele,
imaginando se está seguro. Vilya captura meus pensamentos, sempre os arrastando para ele,
é quase como se estivesse vivo.

- Vivo? Mas afinal de contas ele não é apenas pedra e metal?

- Ele é pedra e metal, sem dúvida, mas é mais do que isso. Eu não quero dizer que ele esteja
realmente vivo, assim como conhecemos a vida, ele certamente não tem consciência. Mas
parece haver uma vontade, uma maldição que o perseguiria se pudesse. O que é tal vontade,
eu não sei, exceto que deve ser boa. Depois de todo este tempo, eu acredito, um Anel do
Poder e seu portador começam a partilhar de um laço. Não há dúvida de que somos
mudados por eles, quanto mais os usamos, mesmo pela mera possessão. Cada um dos Três
parece ter uma vontade e personalidade própria, tanto que, com o tempo, os próprios
portadores passam a ter alguma coisa da natureza dos Anéis.

- Narya é o Anel do Fogo, e ele possui grande força tanto para construir como para destruir.
Ele se sobressai em arrojadas transformações físicas. Com ele Círdam ergueu uma poderosa
cidade em Mithlond, e alguns dizem que a beleza e a perfeição das formas de seus barcos
cisnes, pelo menos em parte, é devido a Narya. Círdan também é forte e determinado, sem
medo, ansioso para seguir em frente. Talvez isto também seja influência de Narya.

- Nenya, o Anel das Águas, por muito tempo tem estado sob a tutela de Galadriel. Ele
promove vida e crescimento. Coisas tocadas pelo seu poder prosperam e perduram, e não
desvanescem. Com seus poderes, a Senhora construiu Lothlórien, a Terra da Floresta
Dourada, onde as folhas nunca caem e o inverno nunca chega. Galadriel também prospera e
perdura, pois ela ainda aparenta ser muito jovem e bela, ainda que seja quase tão velha
quanto eu. Ela tem prazer na vida e nas coisas que crescem, em jardins, árvores e em belos
lugares sombreados. Mas é Nenya ou Galadriel que mudou para se tornarem tão parecidos,
ou ambos mudaram? Não sabemos.

- Vilya, o Anel do Ar, é reconhecido como sendo o mais poderoso dos Três, e ainda assim o
seu poder não é revelado em grandes trabalhos tanto de construtor como de jardineiro.
Como o ar, ele se move silenciosa e poderosamente, porém invisível. É dito que concede
sabedoria, capacidade de julgamento e liderança para seu portador, ainda que isso seja
verdade, eu gostaria de estar mais seguro de minhas decisões. Porém, desde que passei a ter
sua possessão, passei de lugar-tenente de Fëanor para Alto Rei de todos os Noldor. Não
acredito que tenha conscientemente desejado ser Rei, porém aqui estou. Desejei sem saber,
ou foi o desejo de Vilya? Como poderíamos mesmo ser distinguidos?

197
- Parece uma coisa perigosa – disse Elendil - carregar um objeto que pode estar lhe
conduzindo.

Gil-galad sorriu. – Certamente faz o portador considerar com mais cuidado suas ações e
motivos, e até mesmo suas realizações. Porém, por minha vida eu não me separaria de
Vilya. Deixá-lo em casa foi a coisa mais difícil que já fiz. Ele assombra meus sonhos todas
as noites.

- Elrond será capaz de usar Vilya com sucesso?

- Espero que sim. Ele também é sábio e instruído, e seu coração é bom até o âmago. Se
algum outro Eldar pode carregar Vilya com segurança, este alguém é ele. Mas eu ainda
gostaria de estar lá.

- Assim como eu - concordou Elendil - Mas devemos ficar visíveis aqui, a fim de que
Sauron não perceba ou suspeite do ataque aos Nove. E você realmente acha os Três são
mais fortes do que os Nove?

- Ninguém sabe. Eles nunca foram sujeitos a tal teste - ponderou Gil-galad - mas acredito
que são mais poderosos. Se os três forem usados em consonância, podem ser capazes de
fazer frente aos Nove, pois um é complemento do outro, e sua força combinada é maior.
Galadriel e Círdan são ambos instruídos nas mais antigas artes. Eles carregam seus anéis já
por muito tempo e o conhecimento e a coragem deles os guiará. Na pior das hipóteses, os
Três irão aparecer para Sauron como uma ameaça a seu poder e uma tentação para sua
cobiça. Seu único motivo é aumentar cada vez mais sua dominação, e os Três representam
os maiores poderes remanescentes na Terra-média. Qualquer que seja o resultado da batalha
em Minas Ithil, Sauron sairá, estou certo disso.

Gil-galad atravessou a tenda e apanhou uma longa lança com empunhadura de marfim. Sua
ponta tinha a forma de uma folha da árvore dourada, com a lâmina tão afiada que reluzia
azul na luz.

- E devemos contar com isso - disse seriamente, correndo suas mãos pelo dardo – pois
Aeglos foi feita para provar do sangue de Sauron, e assim será, eu juro. Ele conhece bem
essa arma e a teme, pois foi destinada a ser a ruína de Sauron.

Elendil bateu de leve no punho da grande espada ao seu lado. – E se Floco de Neve não
matá-lo, Narsil o fará, pois também foi concebida para derrubá-lo.

Gil-galad olhou pela aba aberta da barraca. – Ainda é manhã, Elendil? Está escuro e cinza
lá fora, mas certamente o sol já está alto.

- Ele está alto, Senhor, mas pouca luz passa pelas trevas. A fumaça e os vapores estão mais
densos do que o usual esta manhã, e uma cinza amarga e nociva se precipita das nuvens
baixas. Orodruin está inquieto.

198
- Assim está também o seu Senhor, eu aposto. – respondeu Gil-galad. – Pois noto que o
vulcão reflete o ânimo de Sauron. Muitas vezes ele tremeu e fumegou logo antes de suas
forças realizarem grandes ataques. Ele está ligado a poderes subterrâneos da terra desde que
forjou o Um nas Sammath Naur, o interior da própria montanha. Talvez ele controle mesmo
as erupções de Orodruin, ainda que eu não imagine como.

- Então talvez – continuou Elendil - essa agitação indique que ele esteja sentindo um
distúrbio no oeste, uma mudança, um movimento nas fronteiras de seus domínios.

- Talvez, mas se assim for - respondeu Gil-galad - deixe-o preocupar-se por um tempo. Isso
irá torná-lo mais imprudente no fim. Acho que ele sairia em medo e ansiedade e suas tropas
estariam todas desordenadas e confusas. Presumo que as nossas estão no mais alto estado
de alerta?

- Sim, cada um está completamente desperto e vigilante. As barricadas e forças na estrada


para oeste foram quadruplicadas.

- Isso está bem. Se o dia está como dizes, Elendil, devíamos estar lá fora para desfrutar
dele. E devemos ser vistos das muralhas da Torre Negra, assim ele saberá que ainda
estamos aqui. Vamos cavalgar pela estrada.

Os dois reis chamaram por seus guardas reais e porta estandartes, e logo estavam
cavalgando pela encosta estrada abaixo. Homens e Elfos armados marchavam lentamente
para um lado e para o outro como faziam todos os dias já por anos. O perímetro do cerco
havia sido estabelecido há muito tempo atrás pelas catapultas de Barad-dûr, pois estava no
fundo de uma encosta estéril em que jaziam espalhados maciços blocos de pedra
arremessados das muralhas.

Eles falaram rapidamente com o capitão élfico daquela sessão do perímetro, e então
voltaram-se para o sul, e cavalgaram devagar ao longo da extensa linha de guerreiros de
faces austeras: Elfos, Homens e, aqui e ali, uns poucos Anões. Os olhos de todos estavam
frios e exaustos, pois eles conviviam com a ameaça de morte iminente por muitos anos. Um
cerco é uma coisa terrível de se manter em ambos os lados da muralha, pois o medo e a
tensão da batalha são prolongados não por horas, mas por anos. Uma coisa é cavalgar para
a batalha sabendo que se pode encontrar a morte antes do fim do dia; outra completamente
diferente é encará-la dia após dia. São o medo e a incerteza da guerra, as privações e o
desconforto de uma campanha militar, mas sem glória, sem retorno ao lar e sem um final a
vista. Era difícil para todos, mas especialmente para os Homens. Muitos dos jovens
Homens haviam gasto uma grande parte de suas vidas ali, naquela planície descoberta,
longe de suas esposas amadas e famílias. Eles sentiam suas vidas passando, sua juventude
desperdiçada nesta vigilância ociosa na espera pela abertura do Portão de Adamantium.
Eles contemplavam aqueles imensos portões dia após dia, esperando vê-los abrir, e temiam
a chegada deste momento.

Os líderes das hostes tinham sempre de lidar com o tédio e com a frustrante ansiedade de
lutar. Havia muitos resmungos e reclamações e todos estavam completamente fartos das
planícies de Gorgoroth e da visão da Torre Negra. Mas todos sabiam que não haveria volta

199
para casa até que a questão fosse resolvida. Somente com enorme custo haviam empurrado
Sauron para dentro de sua fortaleza; e não podiam deixá-lo escapar agora.

Elendil e Gil-galad cavalgaram ao longo do perímetro, ocasionalmente oferecendo palavras


de encorajamento quando passavam por cada grupo de guerreiros. Subiram em um baixo
monte e olharam por sobre a vasta planície pontilhada com filas e filas de brilhantes
barracas coloridas, ainda que na maioria tingidas e poluídas pelas cinzas vulcânicas como
farinha negra que caia constantemente das nuvens. Caminhos bem batidos seguiam por
entre as filas de barracas, e muitas figuras, cavalos, e carroças moviam-se pelas ruas
empoeiradas. Ali estava o corpo principal da Hoste da Aliança, milhares de guerreiros de
todas as raças, de praticamente todas as terras do Oeste.

Pelo meio do grande acampamento seguia uma larga e bem pavimentada estrada, com
muretas baixas em ambos os lados para barrar as cinzas levadas pelo vento que ameaçavam
enterrá-la. A Estrada de Sauron seguia reta e uniforme, cortando colinas de escória e rocha
fendida e saltando sobre abismos negros em massivos arcos de pedra. Ela desaparecia nos
vapores e fumaças de Orodruin, longe ao oeste. À medida que se aproximava de Barad-dûr,
a Estrada passava entre duas filas de enormes imagens esculpidas de formas bestiais e
distorcidas, e se elas representavam reais criaturas de Sauron ou se eram apenas fragmentos
de algum louco pesadelo ninguém poderia dizer. O acampamento estava próximo de tais
bestas, mas não entre elas, pois todos sentiam algo sobrenatural e malévolo naquelas
estátuas. Assim, muitas das mais próximas ao acampamento foram esmagadas ou tiveram
suas faces destruídas, pois poucos podiam suportar por muito tempo aqueles olhos de
pedra.

Onde a Estrada entrava pelo Campo das Bestas, quatro grandes e pesadas barricadas de
pesadas toras de madeira e de pedras rachadas haviam sido construídas, e se alongavam até
o outro lado. Milhares dos mais fortes guerreiros haviam posicionado tais barricadas.
Alguns permaneciam ou caminhavam sobre as próprias fortificações, outros marchavam
pelas travessas entre elas. Ao longo de todas, lanças e dardos brilhavam rubros na
melancólica luz da manhã, como se já estivessem escorrendo com sangue. Sempre estavam
apontadas para além das barricadas, para a Ponte de Ferro e para o elevado Portão de
Adamantium. Se Sauron viesse para fora, este seria o caminho que usaria, e aqueles
guerreiros seriam os primeiros a encarar o peso de seu ataque.

A própria Torre permanecia silenciosa. Nenhum guarda marchava pelos seus parapeitos,
nenhum arqueiro podia ser ocasionalmente visto nas altas janelas, a Torre parecia tão sem
vida quanto uma lápide. Nenhum deles tinha idéia de quais forças Sauron tinha sob seu
comando, nem de onde obtiam a comida e outros suprimentos, indispensáveis a guarnição.
Se estavam sofrendo sob o cerco, não havia sinal disso. Nem do próprio Sauron, ele não
fora visto nem por Elfo nem por Homem desde que escapou da queda do Portão Negro.

A companhia dos reis cavalgou até uma grande barraca próxima a mais distante barricada.
Escudeiros tomaram seus cavalos e os senhores entraram para fazer um desejum. Era o
começo de outro dia, como centenas de outros antes – nada a fazer senão esperar e vigiar.

***

200
A manhã se arrastava, o calor e a luz aumentavam constantemente. A companhia na barraca
refeitório especulava sobre os feitos de seus colegas no oeste. Teriam sido Isildur e os
Senhores Elfos vitoriosos e estariam agora cavalgando ao encontro deles; ou os próximos
cavaleiros a aparecerem seriam os negros, carregando os Três triunfantemente até seu
Mestre? Palpites esperançosos e terríveis possibilidades eram atirados para lá e para cá, sem
uma resolução. Cansado de falar, Elendil saiu e chamou novamente por seu cavalo. Ele
cavalgou pela barricada, conversando com muitos de seus comandantes, Homens que ele
conheceu e lutou ao lado por muitos anos. De fato alguns navegaram com ele de Númenor
na terrível tormenta que destruiu sua pátria.

Então ele novamente virou para o sul e continuou pelo perímetro. Elendil estava temeroso
de, caso Sauron saísse e visse a grande força das barricadas, talvez tentasse passar pelo
lado, sondando por um ponto mais fraco ao longo do perímetro. Era seu trabalho ter certeza
de que não houvesse nenhum. Por toda a linha Homens e Elfos clamavam por ele, ou
acenavam e o saudavam caso estivessem muito longe. Sua aparição sempre servia para
animá-los e dar-lhes coragem e esperança. Elendil meditava na origem de tal força, pois
eles pareciam demandar mais do que ele realmente poderia oferecer, mais do que ele
próprio sentia. Mas suas faces ansiosas e leais o animavam enquanto passava, e assim seu
espírito também era elevado.

Ele cavalgou por não mais do que umas poucas milhas e pôde ver o esporão dentado das
Ered Lithui, onde se precipitavam no abismo que cercava Barad-dûr, marcando o fim do
perímetro dos Aliados. A amarga experiência havia ensinado que as Montanhas das Cinzas
eram inexpugnáveis por qualquer meio, mesmo para os pés leves dos Elfos. Elendil
cavalgou até a própria beirada do abismo e olhou para baixo, nas trevas, pois nenhum
fundo jamais fora visto em tal imensa cratera. Ele conversou brevemente com o capitão da
companhia mais ao sul, dizendo estar pronto para mover seus homens se Sauron atacar o
centro da linha. Então se despediu e virou em direção a Estrada.

Enquanto seu cavalo fazia o caminho descendo uma encosta elevada de cinzas, o solo
tremeu violentamente sob seus pés e Elendil caiu de joelhos com um grito de dor. Saltou e
rolou pela encosta, mas não se feriu, e antes que pudesse se levantar o ar foi rasgado por um
sobrepujante trovão de som, levando-o ao solo com sua violência. Ao seu redor Homens
levavam suas mãos aos ouvidos, tentando em vão proteger-se do barulho ensurdecedor. O
solo sacudiu de novo. A planície desnivelou-se e vários precipícios se ergueram e
deslizaram com um rugido pelo abismo, alguns levando homens com eles. Chamas e
vapores eram expelidos de milhares de crateras escaldando guerreiros e cavalos e
incendiando sessões inteiras do acampamento. Cavalos relinchavam em loucura e
irrompiam a correr de modo selvagem através dos campos abarrotados, juntando-se a
confusão. O céu se virara todo para oeste atiçando fumaça negra misturada com chamas
vermelho-sangue, e uma saudação de cinzas ardentes e fagulhas brilhantes se precipitavam
sobre a hoste em confusão. Em todo o lugar havia tumulto e destruição.

Elendil esforçou-se desajeitadamente para se levantar e olhou ao redor. Todos os homens


voltaram-se para oeste e contemplaram em espanto enquanto Orodruin se retorcia e mudava
diante de seus olhos. Lava era expelida ao mesmo tempo de dúzias de aberturas. Elendil

201
olhou para o tormento da montanha e observou a entrada das Sammath Naur, a grande
caverna onde Sauron forjou o Um. Ela agora brilhava com calor branco, e ele sabia que
estava vendo a Chama de Udûn, criada no Primeiro Dia por Melkor, o Morgoth, fonte de
todo o mal. O que ele – o que qualquer um podia fazer contra forças como esta?

Enquanto tais pensamentos ainda estavam com ele e seu coração se encolhia, houve então
um novo som – um zurro e um clamor de muitas trombetas juntas, erguendo-se até mesmo
acima do resmungo da terra torturada. Não havia mais tempo para medo nem para dúvida...
Sauron estava chegando.

Elendil encontrou seu cavalo a tremer algumas poucas jardas adiante, olhos arregalados de
medo. Ele acariciou sua cabeça por um momento a fim de acalmá-lo, então saltou para a
sela e cavalgou firmemente para trás em direção a Estrada passando por grupos de
guerreiros que jaziam desnorteados e confusos.

- Para as barricadas! – gritou – Ele está vindo! – Mas suas palavras foram afogadas por
novas erupções da montanha. Temendo pelo que poderia encontrar, esporeou seu cavalo até
o topo da última cadeia de montes, além da qual estava o acampamento e a Estrada.
Alcançando o ápice, ele olhou com assombro.

O acampamento ordenado que ele havia deixado uns poucos momentos atrás estava em
ruínas. Muitas das barracas estavam em chamas enquanto fagulhas cintilantes continuavam
a ser derramadas do céu. Fendas enormes haviam sido abertas onde antes era terra firme,
engolindo sessões inteiras do acampamento. Grupos de guerreiros corriam de um lado a
outro desamparados ou se precipitavam pela multidão, com que objetivo ele não podia
adivinhar, pois nenhuma ordem podia ser ouvida naquele barulho. Então veio um tumulto
ainda maior do norte, próximo a Estrada. Uma multidão confusa tropeçava de volta ao sul
do acampamento, trazendo desordem às poucas companhias ainda sob comando.

Elendil levou seu cavalo para a direita, olhando cada face, cada brasão tremulando
esquecido nas cinzas buscando pelo de Gil-galad, mas em vão. Ele cavalgou até a barraca
refeitório onde havia deixado os outros e a encontrou derrubada e carbonizada, como se
tivesse sido atingida por um vento fervente. Um grupo de figuras estava se arrastando dos
destroços, indo então ajudar outros. Elendil desmontou e foi ajudar.

- Gil-galad! – gritou para eles – Vocês viram Gil-galad?

- Ele está naquele monte - disse um Elfo.

Elendil fez seu caminho entre os destroços fumegantes até o topo de um pequeno monte,
onde uma dúzia de Elfos se esforçava puxando outros das tendas que caíram. Uma fileira de
corpos já era formada ali. Uns poucos se esforçavam para se levantar, outros gemiam
febrilmente ou se contorciam em dores, mas a maioria jazia imóvel. Quando Elendil os
alcançou, para seu alívio viu que Gil-galad estava entre eles, ainda que seus trajes
estivessem rasgados e sua face enegrecida e marcada.

- Senhor - ele gritou - estás ferido?

202
Gil-galad se virou e viu Elendil chegando até ele.

- Então sobreviveste também. Esta foi a única boa notícia que tivemos até agora. Tu o
viste?

- Não, senhor. Vi apenas a Chama de Udûn. Eu estava bem para baixo no perímetro sul.
Quisera eu estar aqui ao teu lado!

- Não faria diferença - respondeu Gil-galad com fraqueza e desespero revestidos em sua
face – ele era grande demais para nós, grande demais. Não tínhamos idéia de quão
poderoso ele realmente era.

- Tu o viste?

- Não sua forma, mas somente uma grande escuridão, e sentimos o terror que vinha diante
dele.

- Como ele chegou até vocês?

- A montanha explodiu em partes e todos se voltaram e olharam para oeste. Então veio o
som de milhares de trombetas e nos viramos, e veja! Os Portões estavam abertos. Então
uma grande hoste se derramou por sobre a ponte, orcs, trolls e outras criaturas para as quais
não tenho nome. Assim que elas alcançaram a terra, as barricadas de repente explodiram
com um terrível rugido. Como ele fez isso eu não sei, mas num instante as barricadas e os
homens nelas estavam voando pelo ar. Aproximadamente quatrocentos guerreiros, Homens
e Elfos, destruídos com um só golpe, varridos para o lado como se faz para deixar uma
mesa limpa.

- Então a vanguarda deles estava sobre nós, e com ela chegou um grande terror. Toda luz
pareceu desaparecer do mundo e muitos caíram diante do massacre. Deve ter sido alguma
arma de Sauron, pois de fato eu acredito que o número deles era menor que o nosso. Mas
não pararam para lutar. Deixaram para trás as barricadas estilhaçadas, atravessaram nosso
acampamento e desceram pela estrada oeste, nem mesmo parando para matar nossos
guerreiros, alguns destes apenas inertes contemplando do lado da estrada. Eu o senti
chegando perto, como não sei dizer, mas o centro do mal se aproximou. Avancei com
Aeglos adiante, pensando em fazer frente a ele, mas então veio uma rajada de terrível calor
e tudo se apagou diante de mim. Retomei a consciência apenas um momento atrás.

- Encontramos o rei em sua tenda - disse um dos Elfos, respeitosamente de seu posto. – Ele
não se movia e nós tememos pelo pior, mas então se levantou, isso é mais do que pode ser
dito de muitos aqui.

- Mas não houve realmente uma batalha - continuou Gil-galad – somente o estranho
disparo, então eles passaram e se foram. Para onde ele foi? Viste tu algo?

203
- Nada sei, senhor - replicou Elendil – vejo apenas nossa própria gente, e muitos deles estão
loucos ou mortos. De Sauron e suas criaturas não há sinal. Eles só podem ter seguido para
oeste.

- Sim. E ele só pode ter tomado um único destino. Ele busca os Três!

- Maldito seja! – exclamou Elendil – Ele galopa contra Isildur e os outros, e nós estávamos
incumbidos de segurá-lo aqui. Eles serão esmagados entre Sauron e os Úlairi. Oh, não! Nós
falhamos.

Então um dos Elfos chegou até Gil-galad e lhe entregou em mãos a longa lança Aeglos. –
Pelo menos esta está intacta, Senhor, - ele disse. Gil-galad tomou a lança e se apoiou nela,
contemplando toda a ruína até onde ele podia enxergar. Mas então ele pareceu receber força
do toque familiar da grande lança, e se pôs ereto.

- Assim é - ele disse – minha Aeglos ainda está inteira, e ainda capaz de perfurar o corpo de
Sauron. É ainda capaz de lutar. – Ele tocou a espada no lado de Elendil. – Assim como
Narsil, e em verdade assim como nós, meu amigo.

- Assim é – disseram alguns dos que estavam por perto, lentamente recobrando raciocínio e
coragem depois da rajada atordoante. - Muitos morreram, mas a maioria vive. Para a
estrada, nossa hoste está intocada.

- Mas espere - disse um Elfo segurando contra o corpo o braço esmigalhado - como
podemos esperar prevalecer contra tal adversário? Agora que vimos seu horrível poder, não
seria em vão e uma tolice tentar atacá-lo de novo?

Então Elendil clamou em alta voz. – Nós devemos! Enquanto tivermos vida e força para
lutar, nós devemos! Pois Sauron mais uma vez está livre pelo mundo. Ele se dirige para
Minas Ithil, onde nossos aliados lutam contra seus servos, desatentos a morte que se
aproxima vinda das planícies. Eles foram a isca na armadilha, e Sauron caiu nela. Nossa
tarefa era destruí-lo assim que saísse. Nisso falhamos, e agora ele se apressa para engolir a
isca. Se falharmos agora, nossos amigos serão destruídos e Sauron governará o mundo.
Precisamos cavalgar, cavalgar como o vento!

- Sim! – gritaram alguns – Está certo! Está certo! – disseram outros – Para o oeste!

Os reis chamaram mensageiros e os enviaram por todo o perímetro. Não havia mais sentido
em manter o cerco. Todo guerreiro capaz de cavalgar devia se juntar a eles pela Estrada.
Em menos de uma hora os cavaleiros estavam ajuntados. Mais de mil haviam morrido ou
desaparecido, e quase o mesmo número precisava ficar para cuidar dos feridos e enterrar os
mortos. Mas todos os outros, mais de oito mil poderosos, estavam prontos. As colunas dos
cavaleiros desapareciam na distancia em ambos os lados.

Gil-galad fez sinal por silêncio, então se ergueu em seu estribo. – Vocês viram a força do
inimigo - ele clamou – mas agora toda a vontade dele está voltada para chegar em Minas
Ithil, e a retaguarda de sua hoste pode estar desprotegida. Pelo menos eles não nos

204
surpreenderão de novo. A maior parte de sua hoste está a pé. Se cavalgarmos arduamente
devemos alcançá-los próximo de Orodruin.

- Todos estes anos estivemos esperando que Sauron saísse para que pudéssemos lutar com
ele em campo aberto, sem o abismo e os muros de Barad-dûr para protegê-lo. Finalmente
temos tal chance. A espera terminou. Agora temos uma única tarefa. Devemos perseguir
Sauron e forçá-lo a lutar. Então tudo depende de uma batalha final. Cavalguem comigo pela
Estrada de Sauron, e saibam que a morte espera ao final dela, seja a nossa, ou a dele!

- Para a morte! – clamaram milhares de vozes – Cavalguem para a morte! – Quando os reis
moveram seus cavalos e mergulharam na estrada, foram seguidos por seus cavaleiros e
guerreiros sobreviventes. Lentamente a principio, então sempre aumentando a velocidade, o
Exército da Aliança varreu a estrada e seguiu seus senhores.

Aqueles que permaneceram no acampamento em ruínas assistiram companhia após


companhia trovejar para o oeste, brasões tremulavam bravamente através da fumaça e das
cinzas. Por mais de uma hora eles fluíram pela estrada, até que por fim a última companhia
de Homens dos altos vales do Anduin se embrenhou na nuvem de poeira e sumiram de
vista.

- Para a morte! – veio o último grito, já abafado pela distancia. Então sobrou somente o
som do vento. Então, pela primeira vez em muitos anos, a planície de Gorgoroth ficou em
silêncio.

205

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