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Vou dividir minha fala em duas partes. Na primeira vou viajar um pouco no
conceito de cultura, passando pela questão da indústria cultural. Na segunda
vou introduzir a questão do desenvolvimento nesta discussão da cultura, ou o
contrário: a questão da cultura nesta discussão do desenvolvimento.
1. O conceito de Cultura
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Tema de abertura do FÓRUM DE CULTURAL REGIONAL, ocorrido dentro da programação
da III Semana Cultural de Pintadas. Pintadas (BA), 2 de maio de 2004.
polimento da pedra e, antes disso, à concepção do uso da pedra como uma
ferramenta; diz também respeito a todo o trabalho de nomeação do mundo, de
invenção da linguagem, das palavras, dos gestos e dos seus sentidos;
portanto, à invenção do símbolo, do signo e de toda uma segunda natureza
humana, a natureza da cultura.
É assim que, de tanto ouvir a mesma música banal, um dia amanhecemos com
ela na cabeça, e passamos o dia a cantarolá-la aonde vamos. É por isso que
Itamar Assumpção, um músico brasileiro que morreu recentemente sem
nenhum destaque; um músico destes que tem conteúdo e que o “povo” não
conhece, porque a indústria cultural não está interessada em conteúdo, ele
inverte o dito popular e diz que “porcaria na cultura, tanto bate até que fura”.
Este é o hipertexto, a exterioridade que dialoga com as subjetividades e com as
individualidades e formatando-as. Evidentemente cada um singulariza a seu
modo esta formação e há, sobretudo, os que fogem disto, os que traçam linhas
de fuga e preferem produzir e consumir coisas que estão fora desta indústria.
Enfim, temos que ter consciência de que também o conceito de “gosto popular”
é cheio de armadilhas, especialmente quando buscamos fazer o chamado
“resgate da cultura popular autêntica”. É importante ter presente que tem muita
coisa atrás da fala: “é disso que o povo gosta”. O sistema almeja que a arte e a
cultura sejam quietas e acomodadas; a indústria cultural hegemônica está
engajada na produção da idiotice e na reprodução de modelos estereotipados,
para anular o potencial transformador da arte. Entretanto, os indivíduos e as
classes sociais comprometidos com a construção de um outro mundo possível,
precisam da promoção cultural que ajude a alterar estas regras.
A indústria cultural, nos termos formulados por Adorno e Horkheimer, pode ser
compreendida através da metáfora do canto das sereias, que consta na obra
Odisséia, de Homero, onde ele que narra as aventuras de Ulisses, o herói
grego da história. Após a guerra de Tróia, onde lutou ao lado dos gregos,
Ulisses precisa voltar da ilha de Ogígia – onde ficou prisioneiro da deusa
Calipso, durante sete anos – para Tróia, por ordem de Zeus. No entanto ele é
alertado pela feiticeira Circe sobre o perigo do canto das sereias, fadas que
habitam as três ilhas do golfo de Nápoles, cujo canto é tão belo que jamais
nenhum homem escapou de seus encantos. A fiticeira Circe orienta Ulisses a
tapar os ouvidos dos seus remadores para que não ouçam nada e, se ele
quiser desfrutar a beleza destes cantos, deve se amarrar ao mastro de sua
embarcação, para, assim imobilizado, poder deleitar, sem perigo, o canto das
sereias. É exatamente isto que Ulisses faz.
Esta metáfora nos diz, segundo Adorno e Horkheimer, que é que a arte é
alienada pela primeira vez e é onde há a primeira divisão social da arte, sendo
convertida em um artigo de luxo, que somente alguns privilegiados podem ter
acesso, ao tempo em que é também esvaziada de poder transformador. Ao
povo (os remadores) os ouvidos tapados. À elite o direito de deleitar a obra de
arte, com a condição de que o poder transformador desta arte esteja anulado
(Ulisses amarrado).
Discutir a cultura hoje passa por discutir estas questões. Passa, inclusive, pela
análise de como também aquilo que chamamos de “cultura popular” pode ir
sendo apropriada por esta mesma indústria, e ir virando souvenir (lembrança,
recordação, brinde) dentro de uma indústria capitalística do turismo, cheia das
mesmas redundâncias.
2. Cultura e desenvolvimento
Parece-me que é assim que têm feito movimentos artísticos muito importantes
que trazem uma renovação de padrões estéticos e ainda fazem dialogar
passado e presente, cultura popular e uma arte mais elaborada, e ainda
colocam poesia e critica social em suas produções. Expressões artísticas desta
natureza podem ser vistas na obra do pernambucano Chico Science (que
sobretudo se nutre de obras como a de Josué de Castro), denunciando a
miséria do povo do mangue; e em muitos outros trabalhos existentes na
periferia da indústria cultural banalizada e massificada (ou amassada, como
querem vocês). Um exemplo mais recente é o trabalho do grupo Cordel do
Fogo Encantado.
Obrigado!
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA