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REFERÊNCIA 1.00.000.012494/2017-76
1 INTRODUÇÃO
As relações interétnicas entre povos indígenas e agentes econômicos não indígenas são
importantes pilares na atuação da 6.a Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) do
Ministério Público Federal (MPF). Motiva o fato de essas relações, não raramente,
resultarem em violações dos direitos humanos e coletivos desses povos. A compreensão
dessas relações é especialmente importante para instruir a atuação do Grupo de Trabalho
Gestão Territorial e Autossustentabilidade (GTA) da 6.ª CCR. Com tal intuito, o
coordenador desse GT, Dr. Ricardo Pael, solicitou um parecer pericial1 com vistas à
análise dessas relações.
Como informado na solicitação, os povos indígenas estão vulneráveis diante das
pressões econômicas externas que sofrem sobre seus territórios e sociedades, e ainda, em
1
Atendido inicialmente pelo Parecer Pericial N. 368 - CNP/SPPEA (Solicitação de Perícia n. 2467/2020),
aqui complementado por meio da presente solicitação de perícia de n.1905/2021.
2 Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Quadro_Geral_dos_Povos. Acesso em: 18 fev. 2021.
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1
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grande medida, não estão suficientemente instrumentalizados para interagirem com esses
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agentes econômicos. Resulta, portanto, oportuno e necessário, o exame desse contexto de
modo a subsidiar a atuação do MPF para que possa interagir criticamente com as políticas
públicas relacionadas ao assunto, objetivando garantir e promover os direitos desses povos.
A solicitação de perícia indica um roteiro que passa pelo exame de casos concretos,
como a lavoura mecanizada dos Paresi (MT), a produção de café pelos Suruí (RO), a
2
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das temáticas da gestão territorial e da autosustentabilidade.
2 ECONOMIAS INDÍGENAS
3
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histórica, decorrente do estabelecimento de relações interétnicas diferenciadas dos
povos indígenas entre si e com a sociedade nacional nos diversos contextos regionais e
locais. As especificidades geradas nesses contextos tiveram e ainda têm repercurssões
sobre as condições de vida das populações indígenas, como na atual configuração de
diferentes perfis territoriais que, por sua vez, caracterizam oportunidades econômicas
4 RICARDO, Carlos Alberto. Notas sobre economia indígena e mercado no Brasil. 2. ed. São Paulo:
Instituto Socioambiental, 2002, p. 6.
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diferente entre os povos indígenas.
A geógrafa Bertha Becker observou que “[…] a Amazônia, o Brasil, e os demais
países latino-americanos são as mais antigas periferias do sistema mundial capitalista”5.
Explica que seu povoamento e desenvolvimento foram fundados segundo o denominado
por Kenneth Boulding, paradigma da economia de fronteira, no qual o crescimento
5
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composição das economias indígenas varia segundo o contexto local e regional onde um
determinado povo indígena está inserido e às suas especificidades socioculturais.
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que integra as economias comunitárias e que constitui fenômeno ainda muito pouco
conhecido. Esses são alguns exemplos de atividades relacionadas à economia da
sociedade envolvente e que compõem hoje as economias indígenas no Brasil.
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sugere a fixação das economias indígenas a um passado supostamente superado por
uma evolução civilizatória. Se por um lado esses aspectos tornam esse conceito das
ciências econômicas insuficiente para caracterizar as práticas econômicas tradicionais
indígenas, por outro auxilia a caracterizar seus aspectos produtivos nos âmbitos
doméstico e familiar.
7
KUOKKANEN, Rauna. Indigenous Economies, Theories of Subsistence, and Women: exploring the
Social Economy Model for Indigenous Governance. Nebraska: University of Nebraska Press, 2011. 219
p.
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Civis e Políticos e o Pacto sobre Direitos Sociais, Econômicos e Culturais – que formam
a estrutura internacional de direitos humanos, reconhecem o direito de todos povos aos
seus próprios meios de subsistência. A ONU adotou no ano de 2007 a Declaração Sobre
os Direitos dos Povos Indígenas e reconheceu-lhes o direito aos seus sistemas
econômicos tradicionais, bem como o direito de participar plenamente, se o desejam,
8
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração das Nações Unidas sobre os direitos
dos povos indígenas. Rio de Janeiro: ONU, 2008.
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família extensa; trocas não monetarizadas; autoconsumo sobre o comércio; ausência ou
o baixo perfil organizativo de instituições formais de produção e distribuição; pouca
especialização nos processos produtivos; simplicidade na divisão do trabalho,
estabelecido frequentemente pela divisão sexual; conhecimento coletivo e
compartilhado das práticas produtivas; produção multitarefas; circulação de produtos
9
SCHRÖDER, Peter. Economia indígena: situação atual e problemas relacionados a projetos indígenas
de comercialização na Amazônia Legal. Recife: Editora Universitária UFPE, 2003. p. 19-20.
10
Ibid., p. 29.
11
Cultivos mais frequentes na agricultura indígena na Amazônia, do mais ao menos frequente: mandioca
(brava), macaxeira (mansa), tubérculos diversos, milho e banana. As roças indígenas são policulturais,
em média são cultivados 3,3 desses mais frequentes sem considerar abacaxi, amendoim, algodão,
fumo, pimenta e outros. Entre os Guajajara, o tamanho médio da roça para uma família de 4,3 pessoas
é de 1,25 a 3,5ha. A divisão do trabalho mais comum nas roças é: os homens brocam e queimam e as
mulheres plantam e colhem.
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economias mistas outras atividades econômicas não tradicionais também podem ocorrer
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simultaneamente à realização dessas.
Para os Nambiquara, as horas diárias dedicadas às atividades econômicas antes
relacionadas é entre 2,4h a 4,4h12, portanto algo em torno de 28% do período diurno,
contrastando com o tempo médio dedicado na sociedade brasileira para as atividades de
trabalho relacionadas ao sustento, em média de 8 a 10h diárias incluindo os
12
SCHRÖDER, Peter. Economia indígena: situação atual e problemas relacionados a projetos indígenas
de comercialização na Amazônia Legal. Recife: Editora Universitária UFPE, 2003. p. 19-20.
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do esforço como pecado. Essa ética do esforço pavimenta o caminho para se impor
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sobre a natureza, em contraposição com a integração aos seus fluxos.
O tempo de vida distribuído com equilíbrio entre os diversos aspectos da
experiência humana, como fazem os indígenas quando na força de suas culturas, é hoje
no mundo ocidental um dos fatores considerados na análise sobre qualidade de vida,
como brilhantemente o faz o ex-presidente do Uruguai, José Mujica, quando aborda o
princípio da sobriedade13.
13
Disponível em: https://youtu.be/FpfsXQKG8vY. Acesso em: 15 dez 2020.
14
Texto de 1974.
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‘trabalhar como um negro’, na América do Sul, por outro lado, diz-se
‘vagabundo como um índio’. Então, das duas uma: ou o homem das
sociedades primitivas, americanas e outras, vive em economia de
subsistência e passa quase todo o tempo à procura de alimento, ou não
vive em economia de subsistência e pode, portanto, se proporcionar
lazeres prolongados fumando em sua rede. Isso chocou claramente os
primeiros observadores europeus dos índios do Brasil. Grande era sua
reprovação ao constatarem que latagões cheios de saúde preferiam se
15
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado: pesquisas de antropologia política. Tradução Theo
Santiago. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p. 133-135.
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bens16 e dos meios para produzí-los, necessários para abastecer as reservas que
garantem a sobrevivência. Só que a linha de chegada nessa corrida se afasta do corredor
à medida que os recursos vão se escasseando e as necessidades aumentando. Diante de
um futuro assim tão incerto, ameaçador e com condições psicológicas tão adversas, a
ânsia por levar o esforço laboral ao limite, os recursos à exaustão e a eliminação dos
16
Como disse Karl Polany, jamais o ganho e o lucro tiveram tal centralidade na economia humana.
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contemporânea, objeto de uma profunda revisão da teoria neodarwinista.
A colaboração se aproxima da organização social das sociedades indígenas, com
reflexos nos seus alicerces econômicos. As economias indígenas são baseadas no
pressuposto da abundância regulado por necessidades saciáveis. Segundo o antropólogo
Marshall Sahlins, as necessidades podem ser satisfeitas produzindo muito ou desejando
17
LOPES, Luiz Carlos de Oliveira. Imagens de escassez e abundância: o estilo da economia Mbya.
Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 264-302, 2015.
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resultados. Enquanto o pressuposto da escassez leva a economia moderna à retenção da
riqueza – ao ponto de poder desperdiçá-la – para poucos e a escassez para muitos, o
pressuposto da abundância gera nas economias indígenas a circulação da riqueza entre
todos.
Desde o início do contato interétnico, passando por práticas que se tornaram tradicionais
no Brasil contemporâneo, como as adotadas no sistema de aviamento, a interação entre
povos indígenas e mercado é baseada, predominantemente, em relações assimétricas, e
não raro, violentas. Nelas se observou a subordinação da mão de obra indígena,
inclusive por meio da escravidão, da subvalorização de conhecimentos e produtos, do
saque aos recursos naturais de seus territórios e de pronunciados desníveis no
conhecimento e manejo dos instrumentos do mercado, como preços e regulamentos, o
que gerou desequilíbrio em desfavor dos índios.
No século 20 a interação com o mercado foi mediada pelo estado via
indigenismo oficial. Segundo o antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira18, essa
mediação se deu pela adoção do regime de patronato, exercido pelo então Serviço de
Proteção aos Índios e seguido pela Funai, que caracterizou uma forma de colonialismo
interno. Os encarregados dos postos indígenas se estabeleciam como patrões nas terras e
os tratavam como empregados. As relações de patronagem adotadas no Brasil rural de
então foram introduzidas pelos encarregados do SPI, que em sua maioria eram
recrutados em regiões rurais próximas aos territórios indígenas. O mecanismo
econômico desse sistema passava pela adoção de uma genérica renda indígena nacional,
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composta por um fundo constituído pelo resultado de tudo que as economias indígenas
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produziam, cuja distribuição era arbitrada pelo estado via sua organização indigenista.
Tal mecanismo rompia a autonomia indígena e se apropriava da renda produzida
localmente pelas sociedades indígenas, cuja destinação subsequente lhes era alheia.
São muitos os exemplos históricos de como a inserção no mercado, que foi
predominantemente compulsória dentro da experiência colonial e da sua herança
19
CALDEIRA, Jorge; SEKULA, Julia Marisa; SCHABIB, Luana. Brasil: paraíso restaurável. Rio de Janeiro:
Estação Brasil, 2020.
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familiares, comprementendo a segurança alimentar; o abandono de técnicas tradicionais
de produção e manejo ambiental; e a interrupção das cadeias de transmissão dos
conhecimentos tradicionais.
As imagens produzidas pelo pensamento xamãnico auxiliam a iluminar os
desafios dessa interação com agentes econômicos não indígenas, no caso específico,
20
Essa crítica corresponde à que foi feita por Adorno e Horkheimer à razão iluminista de Francis Bacon,
de que o entendimento que vence a superstição deve ser o amo da natureza desencantada.
21
ALBERT, Bruce. O ouro canibal e a queda do céu: uma crítica xamânica da economia política da
natureza. Brasília: DAN/UnB, 1995, p. 10-11 (Série Antropologia v. 174).
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capacidade de fazer, com o saber usar essa capacidade, identificar o significado das
coisas, as leis da natureza e o respectivo sentido da ação. O conhecimento xamãnico
oferece pistas nessa direção.
A interpretação xamãnica revela o tipo de subjetividade subjacente à mercadoria,
constituída pelo processo social que a produz. Subjetividade produtora e consumidora
3 DESENVOLVIMENTO E ETNODESENVOLVIMENTO
SEGUNDO STAVENHAGEN
19
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diversas iniciativas socioeconômicas que tiveram impactos importantes sobre os povos
indígenas e as comunidades tradicionais nesses países.
Nas décadas de 1950-1970 o desenvolvimento correspondia a uma concepção
evolucionista, composta por estágios evolutivos sucessivos e lineares que não podiam
ser pulados23. O mundo foi então dividido entre países subdesenvolvidos, em
23
STAVENHAGEN, Rodolfo. Etnodesenvolvimento: uma dimensão ignorada no pensamento
desenvolvimentista. Anuário Antropológico, Brasília, v. 9, n. 1, p. 11-44, 1985.
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subdesenvolvido passou a significar ser dependente e explorado ou seja, a causa do
subdesenvolvimento deixou de ser atribuída exclusivamente a fatores internos de ordem
sociocultural, mas associada às relações econômicas entre as nações dentro do sistema
capitalista. Nem tudo foi atribuído às relações internacionais, fatores locais e nacionais
também foram identificados como tributários para a desigualdade entre os países24.
21
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hoje associados às denominadas comunidades tradicionais, cujas economias se baseiam
nas unidades domésticas. Exemplo disso foi a tentativa frustada, experimentada por
décadas, de importar modelos agrícolas dos países industrializados de clima temperado
para a implantação nos países tropicais ignorando os conhecimentos e a organização
social dos povos e comunidades tradicionais/camponeses desses países, já adaptados às
26
Ibid., p. 23.
27
ALBERT, Bruce. Situaçãotnográfica e movimentos étnicos. Notas sobre o trabalho de campo pós-
malinowskiano. Revista de Antropologia Social, v. 15, n. 1, 2016.
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são etnocidas em seu conteúdo e nos resultados esperados”28. O autor conclui sua
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análise:
28
STAVENHAGEN, Rodolfo. Etnodesenvolvimento: uma dimensão ignorada no pensamento
desenvolvimentista. Anuário Antropológico, Brasília, v. 9, n. 1, p. 11-44, 1985.
29
Ibid., p. 41.
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Nas décadas de 1980 e 1990 a ideia de desenvolvimento adquiriu uma nova versão, a do
desenvolvimento sustentável, oficializada em 1987 no relatório Brundtland da Comissão
Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU. A partir de então essa
“versão” foi incorporada pelas agências multilaterais. Apesar da sua proposta auspiciosa
em termos da conservação da natureza, não produziu os efeitos esperados na reversão da
30
ABERT, Bruce. Territorialité, ethnogenèse et développement. Note sur les terres indigènes et le
mouvement indien en Amazonie brésilienne. Cahiers des Amériques Latines, n. 23, p. 177-210, 1997.
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referências cosmológicas com elementos do desenvolvimento sustentável e do
ecologismo a eles imputado. A ideia de desenvolvimento sustentável foi especialmente
acionada na resistência ao etnocídio promovido pelas etnocracias nacionais. Apesar de
secundários, esses efeitos do desenvolvimento sustentável podem ser avaliados como
positivos na perspectiva da luta do movimento indígena.
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INDÍGENAS
Em uma avaliação geral da renda dos indígenas, o censo de 2010 constatou que a
maioria dos índios brasileiros não recebia à época qualquer tipo de renda. A taxa dos
que não recebiam rendimento atingia 52,9%31. Tais dados disseram respeito à renda
31
Disponível em: http://noticias.r7.com/economia/noticias/maioria-dos-indios-brasileiros-nao-tem-qualquer-
tipo-de-renda-20120810.html?question=0. Acesso em: 23 mar. 2021.
32
Segundo a Caixa Ecônomica Federal, o Cadastro Único é um conjunto de informações armazenadas
pelo governo federal sobre as famílias brasileiras em situação de pobreza e extrema pobreza, utilizadas
pelo Governo Federal, Estados e municípios para implementação de políticas públicas. Abarca as
famílias de baixa renda que ganham até meio salário mínimo por pessoa ou até 3 salários mínimos de
renda mensal total. Disponível em: https://www.caixa.gov.br/servicos/cadastro-
unico/Paginas/default.aspx. Acessado em 26 de julho de 2021.
33
Disponível em: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/vis/data3/data-explorer.php#. Acesso em: 23 mar.
2021.
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denominador de renda. Não obstante, é também necessário reconhecer que a segregação
etnorracial estrutural, encontrada na sociedade brasileira, tem um importante impacto
sobre a renda e as condições de vida das populações indígenas.
Isso posto, procuramos apresentar a seguir sinteticamente algumas das mais
frequentes formas de geração de renda encontradas hoje nas economias indígenas. Essas
A mais antiga forma de geração de renda pelos indígenas, em interação com a economia
não indígena, e que ainda segue contemporânea, é a participação na exploração
desregulamentada de recursos naturais tais como: minérios, madeira e outros produtos
florestais nos territórios indígenas.
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sociais de origem colonial, como a do aviamento. Destacamos o aviamento devido sua
importância, principalmente no contexto amazônico, como mecanismo de subordinação
do trabalhador indígena por meio do seu endividamento, e da organização do comércio
e do acesso ao mercado por uma complexa rede de relações de interdependência entre
indígenas, regatões (atravessadores responsáveis pela logística comercial e a prestação
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desigual dos benefícios auferidos, sendo comum a retenção da maior parte pelos líderes
indígenas envolvidos, suas famílias e aliados.
Esse tipo de atividade quando exercida sem o controle social das comunidades,
são vetores de desagregação social. Ocorrem à revelia da lei, sem quaisquer tipo de
controle sanitário ou ambiental, expondo as comunidades ao arbítrio da força e da
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diretamente consumidores que estão fora dos circuitos locais, valorize os serviços
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ambientais e as inovações tecnológicas. Uma economia que alcance melhores preços,
fortaleça a autoestima identitária, o interesse dos jovens, crie pontes entre diferentes
visões de mundo e auxilie a manter a integridade dos ecossistemas. E que,
fundamentalmente, reconheça a contribuição intelectual dos povos indígenas para o
desenvolvimento econômico contemporâneo. A exemplo do que afirma Caldeira (2020),
34
CALDEIRA, Jorge; SEKULA, Julia Marisa; SCHABIB, Luana. Brasil: paraíso restaurável. Rio de Janeiro:
Estação Brasil, 2020.
35
BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazonia. Estudos Avançados, São Paulo, v. 19 n. 53, p. 72,
2005.
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regularização das terras indígenas, garantindo aos seus habitantes meios para promover
a integração entre conhecimento tradicional, pesquisa científica e inovação tecnológica;
incrementar os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), parte da Política
Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI)36, com o
objetivo de aumentar a governança dos povos sobre seus territórios, garantindo
36
Instituída em 2012 pelo Decreto n.º 7.747. A PNGATI tem o objetivo de garantir e promover a proteção, a
recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e territórios indígenas.
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desenvolvidas pelos próprios povos indígenas, iniciativas inovadoras que procuram
agregar valor ao conhecimento tradicional e aos produtos da sua sociobiodiversidade. A
título de exemplo podemos citar algumas dessas iniciativas:
• O registro e a expedição do certificado de reconhecimento do nome geográfico37 da
Terra Indígena Andirá-Marau, pelo povo Sateré-Mawé, como denominação de origem
para o "waraná" (guaraná nativo) e "pães de waraná" (bastão de guaraná), nos termos da
37
Como informa Juliana Santilli, as indicações geográficas conferem ao produto ou serviço uma
identidade própria. O nome geográfico utilizado no produto ou serviço estabelece uma ligação entre as
suas características e a sua origem, criando um fator diferenciador entre tais produtos e os demais
disponíveis no mercado, agregando-lhes valor justamente em virtude da sua identidade própria. São
produtos diferenciados, associados a valores simbólicos e a dinâmicas socioculturais locais, que
buscam as suas próprias formas de inserção em um mercado dominado por produtos globalizados e
estandartizados. Disponível em:
https://pib.socioambiental.org/pt/A_valorização_dos_produtos_ind%C3%ADgenas. Acessado em 26 de
julho de 2021.
38
Publicado na revista da Propriedade Industrial n.º 2598, Indicações Geográficas, seção IV, CÓDIGO
395.
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povo Sanöma, que faz parte do povo Yanomami e habita a região de Awaris, Terra
Indígena Yanomami, nas florestas de montanha do extremo noroeste de Roraima.
Caçadores e coletores, os Sanöma tem um grande conhecimento sobre a biodiversidade
de seu território, os cogumelos são um produto do seu sistema agrícola. São os
primeiros cogumelos nativos da Floresta Amazônica a serem colocados no mercado
brasileiro, e contribuem para a geração de renda das comunidades produtoras. São 15
39
Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Lista_de_produtos_e_marcas_ind%C3%ADgenas.
Acesso em: 27 de jun. de 2021.
40
Disponível em: https://www.artebaniwa.org.br. Acessado em 27 de julho de 2021.
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Cerrado;
• A Arte Waimiri Atroari é uma marca que reúne produtos feitos pelo povo Kinja.
Atualmente esse povo tem no artesanato uma das fontes de renda para aquisição dos
artigos industrializados dos quais necessitam. A venda é feita em Manaus por
intermédio do Programa Waimiri Atroari (PWA), programa constituído para mitigar os
impactos socioambientais causados pela construção da Usina Hidrelétrica de
41
Disponível em: https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/provamos-que-e-
possivel-gerar-renda-com-a-floresta-em-pe. Acessado em 28 de julho de 2021.
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desenvolvidas no Brasil pelos povos indígenas, e do pontencial que têm para se
associarem à nova economia baseada no conhecimento e na sustentabilidade da
sociobiodiversidade.
Como visto anteriormente, esse apoio teve sua gênese em uma modalidade de
colonialismo interno, baseado em um sistema de patronagem em que o próprio estado
usava a força de trabalho indígena para explorar os bens de seus territórios e se
apropriar dos resultados por meio da renda indígena. Tal engrenagem era
operacionalizada pela estrutura tutelar, assistencial e burocrática da política indigenista
oficial e sua plataforma, explicitada pelo extinto Serviço de Proteção aos Índios (SPI),
em integrar os índios na sociedade nacional transformando-os em agricultores
nacionais.
As denominadas roças comunitárias tiveram, no início na década de 1970, papel
de destaque dentro dos projetos de desenvolvimento comunitário da Funai.
Caracterizaram-se pela distribuição de ferramentas e sementes – basicamente de milho,
arroz e feijão – e o uso de maquinário e implementos agrícolas na implantação.
Primaram pela falta de consulta, escuta e, conquentemente, aderência às especificidades
socioculturais dos povos indígenas, concretizando o ideal tutelar do “fazer para”. O
próprio conceito de comunitário é exótico para a maioria dos povos indígenas, que têm
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sementes híbridas, tratadas com agrotóxicos, que causaram corrosão genética das
variedades nativas. Da mesma forma foram introduzidas novas espécies alimentares na
dieta indígena, gerando novas necessidades em torno desses alimentos, caso do arroz,
cuja técnica de cultivo os indígenas não dominavam, além de ser mais uma fonte de
carboidrato em uma dieta já rica em carboidratos pela presença de diferentes variedades
36
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incentivar a criação de animais; R$ 351 mil para implementos
agrícolas; e R$ 329 mil para atividades de pesca42 (BRASIL, 2020).
42
BRASIL. Presidência da República. Comunidade indígenas recebem apoio para ações voltadas à
autonomia e geração de renda. [S. l.], 2020. Disponível em: https://www.gov.br/casacivil/pt-
br/assuntos/noticias/2020/setembro/comunidades-indigenas-recebem-apoio-para-acoes-voltadas-a-
autonomia-e-geracao-de-renda. Acesso em: 23 mar. 2021.
43
VILLAS-BÔAS, André J. A. et al. (Org.). Xingu: histórias dos produtos da floresta. São Paulo: Instituto
Socioambiental, 2017. p. 40.
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se expressa na dependência de assessorias técnicas e financiamentos externos, ambos de
forma continuada, exigindo dos povos indígenas e de suas organizações um esforço
extra para se conectar e manter redes de apoio que forneçam tais insumos. Importa notar
que, tais projetos geram internamente aos grupos indígenas novas formas de
diferenciação sociocultural para os membros mais diretamente envolvidos nesses
[…] o que parece estar em jogo não é a autonomia dos índios para sua
sustentabilidade, mas a sustentabilidade dos parceiros, sempre às
voltas para justificar aos financiadores a demora no alcance da
autonomia dos índios. Se para setores da sociedade urbanizada e
industrializada usos e costumes indígenas são referência para se
resgatarem padrões de sustentabilidade ambiental, isso não se aplica
para a sustentabilidade econômica dos parceiros executores quando
olham para o engajamento dos índios na replicabilidade dos resultados
dos trabalhos. Vale lembrar com que frequência, para povos indígenas
e algumas comunidades tradicionais, a noção de sustentabilidade se
confunde com a de sustento, o que os faz estender sua relação de
dependência com o aprendizado das técnicas estrangeiras44 (VILLAS-
BÔAS, 2017).
Voltando ao apoio estatal, vimos que ao longo da história esse cumpriu um papel
ambíguo diante dos direitos e interesses indígenas, alternando entre momentos em que
promoveu sistematicamente a violação desses direitos com outros em que os defendeu.
44
Ibid., p. 108.
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histórico em que a ação estatal ocorre. Avalia que o atual momento histórico, há quatro
décadas dominado pela agenda neoliberal em nível internacional, caracterizado pela
abertura das economias nacionais para capitais especulativos e a realização de reformas
estruturais que visam ao estado mínimo, tem resultado no desmantelamento das
estruturas de proteção social dos estados, resultando em forte concentração da renda e
39
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parcelas procuram defender esses mesmos direitos, caso do sistema de justiça do qual o
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Ministério Público faz parte.
45
Vide anexo A.
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lesivos aos direitos dos índios, retrantando a situação desta terra
indígena […] até os dias atuais grandes porções das terras do povo
Kadiwéu seguem em disputa judicial em função de terem sido
arrendadas no início dos anos 1960 e desde então nunca mais voltaram
ao controle do povo Kadiwéu, exigindo esforços do MPF e advogados
para restabelecimento de um direito originário reconhecido ainda no
tempo do Império como reconhecimento da participação deste povo
na guerra do Paraguai46.
46
Ibid.
47
CORREIA, Jader Figueiredo. Relatório Figueiredo. [S. l.], 1968. v. 24. e arquivo Câmara dos
Deputados. Vide anexos A, B e C.
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fazendo com que ambas as partes possam manter parcerias na forma
de concessão, em consonância com as disposições constitucionais48
[…] (BRASIL, 2017).
A PEC n.o 343/2017 pretende alterar o §4.o do art. 231 da Constituição Federal
redefinindo as prerrogativas de inalienabilidade, indisponibilidade e imprescritibilidade
dos direitos territoriais indígenas, para permitir a implantação de parceria agrícola e
48 o
BRASIL. Presidência da República. PEC n. 343, de 5 de julho de 2007. Dá nova redação ao artigo 231
da Constituição Federal para tratar da implantação de parceria agrícola e pecuária entre a Funai -
Fundação Nacional do Índio, e terceiros. Brasília: PR, [2007].
49
Ibid.
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Sem meias palavras, a PEC propõe a institucionalização do esbulho na forma
largamente praticada no século passado por meio dos arrendamentos das terras
indígenas. Ao propor a parceria agrícola e pecuária entre a Funai e brasileiros, recoloca
a Funai como agente tutelar e patrão dos índios, ao tempo que dispõe as terras indígenas
para os “parceiros”. Vemos na PEC também a possibilidade de acionar o mecanismo de
não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que
restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena ou pelos
silvícolas” (BRASIL, 1973). Em que pese ser ilegal, o arrendamento ainda é praticado
50
em diversas terras indígenas gerando uma série de impactos aos povos indígenas e aos
seus territórios.
50 o
BRASIL. Presidência da República. Lei n. 6001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto
do índio. Brasil: PR, [1973].
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distribuição desigual dos benefícios dentro das comunidades indígenas, pois são
destinados majoritariamente para os grupos vinculados às lideranças que os gerenciam,
o que tem gerado sérios conflitos internos. Outro dano preocupante é o fenômeno da
perda do acesso à terra pelos grupos que não fazem parte das famílias das lideranças que
administram os arrendamentos e/ou não são seus aliados políticos, ficando esses grupos
Caso Paresi
44
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nas demandas das de grande escala
territoriais indígenas (ausência de
(ex.: alegar-se que parâmetros legais);
teriam tanta terra que • Seria melhor buscar
podem até arrendar); diretrizes gerais?;
• Abertura de • Necessidade de se
precedente que observar as
fragilize a proteção das especificidades locais,
45
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TIs;
• Envolvimento do
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Ibama na discussão
dos empreendimentos
de médio e grande
porte; e
• Há diretrizes que
possibilitam tratar
desses casos na
PNGATI.
46
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mel;
• A agricultura
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convencional não
impediu a
continuidade de outras
atividades econômicas;
e
• Agroecologia e
tecnologia não se
excluem.
Fundiário (riscos)
• Risco dos projetos se
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dirigirem para o
arrendamento;
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• Invasão de TIs para
atividades como
garimpo, madeireira e
loteamento;
• Pressão madeireira e
fundiária sobre as UCs
e TIs;
• Somente a atividade
Elaboração do autor.
Caso Kaingang
Resultados negativos Precisa ser melhor avaliado Resultados positivos
Jurídico (riscos) Jurídico Jurídico
• Distinção entre • Formação de
parceria e entendimento jurídico.
arrendamento.
48
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renda dentro de terra agricultura; distribuição justa de
indígena; • Opções de grandes benefícios (Paresi,
• Distribuição desigual do plantações que Nambikawa, Manoki);
lucro entre arrendatário garantem proteção • Modelo de cooperativa
e população indígena; ambiental e podem (Sateré-Mawé);
• Vulnerabilidade contribuir com a • Apesar do
econômica; segurança alimentar; agronegócio, do
• Concentração fundiária; • Novos modelos de arrendamento e das
49
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uniformes; como a CNPI para indígenas;
• Projetar valores da discutir modelos de • Portfólio de projetos
sociedade envolvente desenvolvimento; específicos para povos
para os indígenas; • Projetos-piloto; indígenas e
• Transferir • Política de governo comunidades
responsabilidades do interministerial tradicionais;
estado para os povos (inclusão no PPA); • Empresas públicas que
indígenas; Instar os órgãos a têm produzido
Elaboração do autor.
50
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apenas 12, a metade da primeira. Tanto uma quanto a outra apresentaram praticamente o
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mesmo número de pontos que requerem aprofundamento e melhor avaliação, Paresi 20
e Kaingang 19. A experiência Kaingang apresentou um maior número de resultados
negativos, 22, do que a Paresi, com 19.
Quando comparados os saldos em cada uma delas, entre resultados negativo e
positivo, vemos que a experiência Paresi teve um saldo positivo de cinco, enquanto a
51
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saldo entre pontos negativos e positivos, suscita muitas dúvidas que foram expressas
pelo grande número de pontos a ser melhor avaliados. Ela está sendo ajustada por meio
de um TAC, assinado em 16 de dezembro de 2019, cujos resultados ainda estão sob
avaliação.
Esse TAC tem validade de dois anos prorrogável por mais dois e cobre uma área
51
BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Fundação Nacional do índio. Instrução Normativa
o
Conjunta n. 1, de 22 de fevereiro de 2021. Dispõe sobre os procedimentos a serem adotados durante
o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos
no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor seja organizações indígenas. Brasília: Funai/Ibama,
2021.
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terras indígenas afronta o dispositivo constitucional do usufruto exclusivo indígena
sobre suas terras. Afronta explicitada no art. 5.º da INC, quando diz que cabe à
organização responsável pelo empreendimento a construção da proposta, “respeitada a
sua autonomia de escolha de seus modelos próprios de desenvolvimento […] [e] modos
próprios de tomada de decisão”. Como será possível uma organização mista com a
52
Ibid.
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Segundo o Ministério do Trabalho, em 2017 haviam 75 mil indígenas trabalhando com
carteira assinada no Brasil53. Se aplicamos a taxa anual de crescimento vegetativo da
população brasileira em geral, de 1,24%, sobre os 896,7 mil indígenas recenseados pelo
IBGE em 2010, temos uma estimativa, para o ano de 2017, de uma população de
aproximadamente 977.815 mil indígenas. Desse modo, o número de indígenas com
53
Disponível em: http://www.tst.jus.br/web/guest/radio-outras-noticias/-
/asset_publisher/0H7n/content/reportagem-especial-insercao-de-povos-indigenas-no-mercado-de-
trabalho?redirect=/web/guest/radio&inheritRedirect=true. Acesso em: 17 mar. 2021.
54
CANCELA, Francisco. O trabalho dos índios numa “terra muito destituída de escravos”: políticas
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interétnica. Já na aurora da colonização portuguesa no Brasil, a inserção do trabalho
indígena na economia colonial foi marcada pela exploração e a subordinação da mão de
obra indígena, alcançada por diversos estratagemas que compuseram um gradiente que
ia da imposição violenta da escravidão, passando por relações de vassalagem até formas
mais atenuadas concretizadas por negociações e alianças. Essa marca de origem, ainda
indigenistas e políticas indígenas na antiga Capitania de Porto Seguro (1763-1808). História, São
Paulo, v. 33, n. 2, p. 514-539, jul./dez. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/his/v33n2/0101-
9074-his-33-02-00514.pdf. Acesso em: 15 abr. 2021.
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dos anteriores, não só careciam desse apoio como o estado era um ativo agente da
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subordinação indígena.
No século 20 a maior parte da mão de obra indígena, no sentido da sua
disponibilidade para a economia nacional, foi formada em decorrência do processo de
expropriação territorial e da política indigenista iniciada no período colonial. Isso
resultou na formação de uma espécie de campesinato indígena que em diferentes
55
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Urbanização e tribalismo: a integração dos índios Terena numa
sociedade de Classes. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
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Outro aspecto que mudou esse quadro é a crescente escolarização dos indígenas.
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De acordo com o censo da educação superior, em 2018, havia 57.706 indígenas
matriculados em todo o país, o que representava 0,7% do total de 8,4 milhões de
estudantes. Esse conjunto de estudantes estão se capacitando para ocupar postos de
trabalhos com melhores condições e salários e se inserirem em seguimentos menos
proletarizados do mercado de trabalho, resultando em um progressivo descolamento das
57
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4.5 Artesanato
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O artesanato é a transformação do artefato indígena, ou seja, dos objetos confeccionados
por eles e usados no dia a dia com valor de uso, troca e dádiva56, em objetos com valor
de mercado a partir do estabelecimento de um preço para serem comercializados. Os
artefatos indígenas compõem na antropologia o campo dos estudos da cultura material,
em que esses são analisados como documento histórico, artístico, simbólico e de
56
Quando objetos e alimentos são oferecidos como presentes e geram ao receptor uma dívida de
retribuição junto ao doador, estabelecendo relacionamentos de reciprocidade. Mecanismo descrito por
Marcel Mauss no seu clássico Ensaio sobre a dádiva.
MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. São Paulo: Cosac Naif, 2003.
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os potenciais mercados. Outro desafio passa pelo apoio aos povos indígenas na gestão
da comercialização e na gestão ambiental, no que diz respeito ao uso de matérias-primas
para sua produção.
Por outro lado, o artesanato tem o potencial de articular atividades econômicas
sustentáveis e a valorização cultural e identitária, criando oportunidades de transmissão
4.6 Turismo
57
Comparado a outros países, a atividade turística no Brasil, principalmente na vertente do ecoturismo, é
ainda muito pouco desenvolvida. Essa é a conclusão do Fórum Econômico Mundial. Em uma lista de
136 países o Brasil aparece em primeiro lugar em potencial de recursos naturais, mas perde
competitividade em quase todos os outros 13 itens listados. No ranking geral fica na 27.ª posição. O
resultado está no documento The Travel & Tourism Competitiveness Report 2017, lançado
recentemente pela organização. Desde 2007, a pesquisa monitora o potencial competitivo de recursos e
serviços para o turismo internacional. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-39573246.
Acesso em: 10 mar. 2021.
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indígenas e ao contato com a natureza de seus territórios.
Em grande parte, as atividades de ecoturismo desenvolvidas em terras indígenas
ainda carecem de planejamento que lhes garantam sustentabilidade socioambiental e
econômica, a exemplo do turismo de pesca vinculado a pousadas administradas por não
indígenas, em que se observa, entre outros aspectos, uma concorrência dessa atividade,
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A partir dessas recomendações/parâmetros deve-se investir na avaliação e no
planejamento das atividades de turismo com vistas a dotá-lo de sustentabilidade
socioambiental e evitar danos às sociedades indígenas. Esse processo de instrução e
deliberação deve ser qualificado pela participação indígena. O diálogo e a consulta
deverão ser transversais ao longo do seu desenvolvimento, estabelecendo mecanismos
58
MÜLLER, Regina Polo et al. Manual indígena de ecoturismo. [S. l.]: Instituto Ecobrasil, 1997.
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permitidas? Como os turistas serão preparados? Quem vai ser
responsável por quais atividades do ecoturismo? Quando e como isso
ocorrerá? Como o turismo pode afetar as atividades tradicionais?
Como a renda gerada será distribuída? Como e por quem isso será
definido? 59 (GUIMARÃES, 2006).
O planejamento deve ter como meta a certificação desse tipo de turismo, nos
termos, por exemplo, da ABNT NBR ISO 21401:2020, publicada em janeiro de 2020,
O contato interétnico causou para a maioria dos povos indígenas crises sanitárias
graves, perdas territoriais, exploração e subordinação de sua mão de obra,
desestruturação das suas economias tradicionais e degradação socioambiental. Portanto,
tais impactos causaram desequilíbrios nas organizações sociais desses povos, pondo em
risco sua sobrevivência física. Diante desse quadro, semelhante a um período de pós-
59
GUIMARÃES, Rodrigo Gomes. Turismo em terras indígenas já é fato: quem se arrisca? Revista
Dialogando no Turismo, v. 1, n. 1, p. 15-42, 2006.
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reorganização socioeconômica dessas sociedades afetadas.
As sociedades indígenas nas Américas viveram essa experiência de guerra sem
que a elas tenha sido direcionado qualquer esforço concertado de reconstrução, como o
que foi dedicado aos países europeus no período do pós-guerra. Em vez disso, as
sociedades nativas ainda vivem a continuidade, em menor escala, da guerra de
60
Disponível em: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/ri/relatorios/cidadania/. Acesso em: 23 mar. 2021.
61
Disponível em: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/vis/data3/data-explorer.php#. Acesso em: 23 mar.
2021.
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impacto na renda da Região Norte onde vive a maior parte da população indígena no
Brasil. Naquele ano as despesas previdenciárias corresponderam a 4,2% do produto
interno bruto (PIB) dessa região. No Acre e em Tocantins as transferências da
Prvidência chegaram respectivamente a 6,5% e 6,8% do PIB. Segundo o IBGE, cada
benefício preividenciário favorece em média 3,5 pessoas relacionadas ao beneficiário
62
Devido à dificuldade em obter dados atualizados e específicos para a população indígena, encontramos
essa referência, relativa ao ano de 2002, ilustrativa do impacto desse benefício para a população rural
da Região Norte.
63
Disponível em: https://www.povosindigenas.org.br/pt/Not%C3%ADcias?id=4638. Acesso em: 24 mar.
2021.
64
QUERMES, Paulo Afonso de Araújo. Os impactos dos benefícios assistenciais para os povos indígenas:
estudo de caso em Aldeias Guaranis. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 116, out./dez. 2013.
Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-
66282013000400010&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 24 mar. 2021.
65
Disponível em: https://www.gov.br/previdencia/pt-br/images/arquivos/office/3a_110505-152006-640.pdf.
Acesso em: 25 mar. 2021.
66
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria de Avaliação e Gestão da
Informação. Estudos etnográficos sobre o Programa Bolsa Família entre povos. Brasília: MDS,
2015. Disponível em: https://fpabramo.org.br/acervosocial/wp-content/uploads/sites/7/2017/08/513.pdf.
Acesso em: 24 mar. 2021.
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• Desconhecimento por parte dos indígenas dos seus direitos e dos requisitos para acessá-
los. Dificuldades em cumprir os procedimentos burocráticos para a emissão da
documentação exigida para a concessão dos benefícios;
• Barreiras linguísticas. Muitos servidores públicos não compreendem e/ou falam os
idiomas indígenas, parte considerável dos índios não dominam o português;
• Deslocamento aos centros urbanos para acessar os benefícios. Custos logísticos
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técnica culturalmente qualificada e continuada das iniciativas familiares e coletivas de
produção, distribuição, consumo e comercialização de alimentos, bens e serviços
oriundos da sociobiodiversidade local;
• Apoio institucional às organizações indígenas, como na formação de cooperativas
indígenas que facilitem o acesso a mercadorias e evitar a intermediação dos “patrões” e
a necessidade de deslocamentos para as cidades;
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grandes obras ou empreendimentos, caracterizam-se por não cumprirem, ou só
cumprirem parcialmente, o desiderato de mitigar e compensar os danos socioambientais
que causam.
Isso se deve ao baixo perfil da participação social indígena decorrente do não
cumprimento da consulta prévia, livre e informada, prevista na Convenção n.º 169 da
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Segundo o Relatório de Custos da Coordenação Geral de Meio Ambiente do DNIT, de 2011, nos anos
de 2002-2010, o valor empenhado para contratação dos serviços ambientais não chegou a 1,5% do
montante empenhado para a execução dos projetos de infraestrutura de transporte nos modais
rodoviários, ferroviários e aquaviários, ficando a média em 0,83%. Disponível em:
https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/30999/1/2017_MartonchelesBorgesdeSouza.pdf. Acesso em:
6 abr. 2021.
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Por exemplo, a ponderação das externalidades geradas pela indústria de bebidas
acoólicas, entre os benefícios decorrentes da geração de emprego e renda e os custos
sobre a saúde pública decorrentes do aumento da violência, acidentes de trânsito,
doenças, desagregação familiar etc., ainda não são considerados nos impostos pagos
pelos fabricantes e comerciantes. E que, quando ocorrer, certamente refletirá no preço
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impedir que esses sejam vistos no todo, considerando os efeitos sinérgicos e
cumulativos existentes. Essa perspectiva transforma o dever/direito em mitigar e
compensar em uma corrida de obstáculos, em que o custo socioambiental é tratado
como impedimento a ser superado por meio de uma negociação cujo objeto não é a
solução dos danos, mas a redução do seu “preço”; e em imputar às populações e aos
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serem investidos, de forma estruturada, na mitigação
e compensação dos impactos, esses recursos foram principalmente
utilizados no fornecimento de bens materiais (até março de 2015,
foram comprados 578 motores para barco, 322 barcos e voadeiras, 2,1
milhões de litros de gasolina, etc.), consolidando um inaceitável
padrão clientelista de relacionamento entre empresa e povos
indígenas. Os recursos foram distribuídos por dois anos (de outubro de
2011 a setembro de 2013), na forma de uma espécie de “mesada” no
69
INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Belo Monte: não há condições para a licença de operação. São
Paulo: ISA, [201-]. p. 14. Disponível em:
https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/publications/25D00019.pdf. Acesso em: 4 abr. 2021.
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resultados com baixíssimo perfil de sustentabilidade, tornando a renda disponibilizada
aos índios em potencial geradora de expectativas clientelistas de longo prazo e
dependência do empreendedor, resultado indesejável para todas as partes envolvidas.
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indígenas optarem em permanecer na força de suas culturas e realizar seus modos de
vida. Ao longo de mais de meio milênio de contato interétnico com o mundo ocidental,
elas foram compulsoriamente forçadas, pelo estado e pela sociedade nacional, a
aderirem a um projeto etnocida por meio dos mecanismos da assimilação e/ou da
integração. Ainda não lhes foram garantidas condições para exercerem livremente a
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Brasil, com a prática do bandeirantismo, nos séculos 16 e 17.
A oportunidade em favor dos povos indígenas nessa interação com o mercado,
passa pelo advento da bioeconomia, conceito que engloba sistemas de produção
baseados no uso e na conservação dos recursos biológicos dos ecossistemas por meio de
investimento e aplicação de ciência e tecnologia no uso dos ativos da
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A forma aqui proposta para realizar esse propósito é inusual, mas não inédita70,
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diante do que vem sendo mais experimentado nas práticas indigenistas governamentais
e não governamentais. Trata-se do desenvolvimento, em parceria com o movimento
indígena, de um programa-piloto de governança econômica indígena que englobe a
implantação de uma escola de negócios, uma incubadora e uma aceleradora de startups
indígenas. Tal programa visa formar e capacitar indígenas para o desenvolvimento de
70
Vide a experiência da incubadora de negócios socioambientais - Saúde e Alegria. Disponível em:
https://saudeealegria.org.br/economia-da-floresta/incubadora-negocios-socioambientais/. Acessado em
14 de abril 2021.
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Levantamento socioprodutivo e ambiental em terras indígenas do estado de Mato Grosso, realizado de
2018 a 2019 no âmbito de uma parceria Fepoimt, Instituto Centro Vida (ICV), secretaria de Meio
Ambiente de MT e secretaria de assuntos institucionais de MT.
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atividades já implantadas até novas que se pretendam implantar;
• Capacitar consultores indígenas para apoiarem a realização dos protocolos de consulta e
assessorarem os processos de consultas propriamente ditos;
• Formar técnicos indígenas para apoiarem as organizações indígenas no
desenvolvimento e operação dos seus negócios;
• Capacitar pesquisadores indígenas para desenvolverem e apoiarem projetos voltados ao
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