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Apesar das intenções de democratizar a língua portuguesa, o modelo quase não tem apoio
científico. De acordo com a linguística: substituir masculino e feminino por um gênero neutro não
é algo que funciona na língua portuguesa. Pelo menos não do modo como é discutido pelos
movimentos sociais.
Origens
Segundo pesquisadores da área, usar o gênero masculino para se referir a um grupo de
pessoas, homens e mulheres, não é uma forma de preconceito. A origem desse uso estaria no
latim – que lançou as bases da língua portuguesa e de outras línguas latinas, como o francês e
o espanhol.
Assim, se o que é visto como gênero masculino, na verdade é um gênero neutro, não há
prevalência do masculino nos discursos - o ponto que seria criticado ao sugerir a substituição de
“o” por “x”, por exemplo. O único gênero que recebe marcação na língua portuguesa é o
feminino.
É isso que aponta o linguista Joaquim Mattoso Câmara Jr., em pesquisas sobre linguagem
desenvolvidas desde a década de 1940. No artigo “Considerações sobre o gênero em
português”, um dos principais trabalhos produzidos no Brasil sobre o tema, o linguista explica
que o gênero feminino é, em português, uma particularização do masculino. Essa
particularização é feita pela terminação “a”, que é diferente da terminação neutra “o”.
Recentemente o pesquisador e professor da Unicamp Sirio Posseti destacou que a única
marcação de gênero é o feminino. “Os nomes [substantivos] com marca de gênero, em
português, coincidem exatamente com os que estamos acostumados a considerar femininos. Os
outros casos, todos, seriam considerados sem gênero (inclusive os nomes considerados
masculinos)”, diz.
“É por isso que dizemos ‘o circo tem dez leões’ mesmo que tenha cinco leões e cinco leoas,
mas não dizemos, no mesmo caso, que tem dez leoas. Também é por isso que se pode dizer
que ‘todos nascem iguais em direitos...’, o que inclui as mulheres, mas não se incluiriam os
homens se a forma fosse ‘todas nascem iguais em direitos...’.”, explica Posseti.
Essa regra, chamada por pesquisadores da área de “masculino genérico”, surge nas origens da
língua portuguesa. No latim, as palavras podiam receber três marcações de gênero: feminino,
masculino e neutro – este último com a terminação “u”. Na transição do latim para o português,
a semelhança entre masculino e neutro fez com que ambas as categorias fossem resumidas em
uma só, que hoje entendemos como masculino.
Polêmica global
Uma discussão similar acontece na França: o movimento “Écriture Inclusive” (“Escrita Inclusiva”,
em português) defende que a língua francesa é intrinsecamente machista e reivindica a adoção
de gênero neutro como uma tentativa de combater o suposto preconceito.
Um dos grupos por trás do movimento, “Mot-Clés” (“Palavras-chave”), diz que o francês é uma
“língua falocêntrica” por favorecer o uso do masculino genérico. De acordo com o grupo, a
mudança no uso da língua francesa seria um modo de “realmente mudar as mentalidades” das
pessoas no país.
No país, as críticas ao movimento apontam o caráter pouco prático de uma mudança profunda e
artificial em uma das línguas mais faladas no mundo. A L'Académie française, organização
encarregada de julgar assuntos relacionadas à língua francesa e que funciona de modo similar à
Academia Brasileira de Letras, declarou que a escrita inclusiva representa um “perigo mortal”
para a língua francesa.
“Frente a essa aberração ‘inclusiva’, a língua francesa está agora em perigo mortal, pelo qual
nossa nação é responsável agora para as gerações futuras”, declararam os imortais da
L'Académie française.
“Já é difícil aprender um idioma, como será se o uso acrescentar formas secundárias e
alteradas? Como as gerações futuras crescerão com intimidade com nossa herança escrita?
Quanto às promessas de um mundo francófono, elas serão destruídas se a língua francesa se
enfraquecer com este aumento de complexidade, beneficiando outras línguas que se
aproveitarão para prevalecer no planeta”, completou a entidade.
Em setembro, Rosa Laura, ativista da causa trans, não binária, gravou um vídeo em seu
Instagram explicando como utilizar a linguagem neutra no dia a dia. O vídeo rapidamente
viralizou, tanto pelo didatismo de Rosa Laura quanto pela revolta de usuários das redes sociais
que consideraram a proposta um capricho do ativismo trans. Em Portugal, o tema também está
quente: o Ministério da Defesa, em 18 de setembro, produziu uma diretiva que recomenda o uso
de linguagem neutra e inclusiva em certidões e registros civis. Em vez de "nascido em", usar
"data de nascimento"; em vez de "os políticos", usar "a classe política".
A linguagem neutra, ou linguagem não binária, não é obrigação imposta por nenhum movimento
da causa LGBTQI+, mas uma discussão que propõe uma modificação na língua portuguesa
para incluir pessoas trans não binárias, intersexo e as que não se identificam com os gêneros
feminino e masculino. A ideia é criar um gênero neutro para ser usado ao se referir a coletivos
ou a alguém que não se encaixa no binarismo. Para além do universo preto-no-branco das
redes sociais, essa discussão vem crescendo nos últimos anos entre acadêmicos de linguística
e estudos de gênero. Uma crítica comum é a dificuldade em implementar esse sistema na língua
portuguesa e seus efeitos na aprendizagem e alfabetização. Afinal, por que a linguagem neutra
é considerada tão importante, e qual seria o problema em adaptar a língua portuguesa para
incluir uma parcela inviabilizada da população?
Não é capricho
A proposta de criação de um gênero neutro na língua portuguesa e de mudanças na forma com
que nos comunicamos nem sempre é aceita, e costuma ser vista como "capricho". Para
Monique Amaral de Freitas, doutoranda em Linguística pela USP (Universidade de São Paulo),
apresentadora do podcast "Linguística Vulgar" e colunista no blog "Cientistas Feministas", o
debate está longe de ser irrelevante. "Há dois problemas com esse tipo de afirmação. O primeiro
é que ela pressupõe que a língua seria apenas um reflexo da sociedade, o que, a essa altura,
no campo das ciências da linguagem, já sabemos que não é verdade. A relação entre língua e
sociedade não é de mão única. As coisas que dizemos são, por elas mesmas, ações no mundo,
elas têm consequências. O segundo problema é que refletir sobre a linguagem não nos impede
de agir a respeito de outras questões", explica. A implementação da linguagem neutra seria uma
forma de inclusão de grupos marginalizados, acredita Jonas Maria, de São Paulo, criador de
conteúdo LGBTQI+ e graduado em Letras.
"Não é uma simples mudança gramatical, mas uma mudança de perspectiva", afirma. "Quando
falamos em linguagem neutra, estamos falando sobre gênero, relações de poder. Sobre tornar
visível uma parcela da sociedade que é sempre posta à margem, que são as pessoas
transgêneras", disse Maria ao TAB.
O masculino genérico A discussão sobre um gênero neutro na linguagem deriva do uso do
gênero gramatical masculino para denotar homens e mulheres ("'todos' nessa sala de aula
precisam entregar o trabalho") e do feminino específico ("[Clarice Lispector] é incluída pela
crítica especializada entre os principais autores brasileiros do século 20"). Na gramática, o uso
do masculino genérico é visto como "gênero não marcado", ou seja, usá-lo não dá a entender
que todos os sujeitos sejam homens ou mulheres — ele é inespecífico. Por ser algo cotidiano, é
difícil pensar nas implicações políticas de empregar o masculino genérico, mas o tema foi
amplamente discutido por especialistas como uma forma de marcar a hierarquização de gêneros
na sociedade, priorizando o homem e invisibilizando mulheres. O masculino genérico é
chamado, inclusive, de "falso neutro".Entretanto, essa abordagem não é unânime no campo da
Linguística. Para muitos estudiosos, a atribuição sexista ao masculino genérico ignora as
origens latinas da língua portuguesa. No latim havia três designações: feminina, masculina e
neutra. As formas neutras de adjetivos e substantivos no latim acabaram sendo absorvidas ora
por palavras de gênero masculino. A única marcação de gênero no português é o feminino. O
neutro estaria, portanto, junto ao masculino. Vivian Cintra, professora de língua portuguesa,
coordenadora pedagógica e mestre em Linguística pela USP (Universidade de São Paulo),
lembra que a língua também é influenciada pela cultura e pela época em que vivemos. O uso ou
a negação do masculino genérico pode ser político, sempre dependendo do contexto e do
objetivo do interlocutor.
"Em uma sociedade patriarcal, fazer questão de utilizar o feminino para dar visibilidade,
discursivamente, a mulheres, configura uma forma de resistência para elas. Talvez, para as
pessoas que têm a preocupação de usar formas mais neutras para se expressar, manter-se
empregando o masculino genérico seja uma postura de aceitação da dominação masculina na
nossa sociedade ou da lógica binária segundo a qual homens só podem se expressar no
masculino, e mulheres, no feminino", explica Cintra. 'Você é mi namorade' As primeiras
propostas foram trocar "o" e "a", que em português são vogais-morfemas que definem o gênero
das palavras, para "x" ou "@". Por exemplo: "você é linda" ficaria ""você é lindx" ou "você é
lind@".
'Você é mi namorade'
As primeiras propostas foram trocar "o" e "a", que em português são vogais-morfemas que
definem o gênero das palavras, para "x" ou "@". Por exemplo: "você é linda" ficaria "você é
lindx" ou "você é lind@". No entanto, esses sistemas foram contestados por serem
exclusivamente escritos e também atrapalharem a leitura de pessoas com dislexia. Atualmente,
o uso do "x" perdura em algumas iniciativas de inclusão de LGTBQIs, mas o que parece ser
mais adaptável é usar a vogal "e" no final de palavras como adjetivos. Ficando assim: "Você é
meu namorado" para "Você é mi namorade". Sempre que a proposta da linguagem neutra
reaparece nas redes sociais, também ressurgem alguns argumentos contra essa
implementação. O argumento de Cintra, entretanto, destaca que já existem outros termos e
adaptações que também não seriam necessariamente inclusivos.
"Quando nos comunicamos pela internet, é comum usarmos abreviações como 'pq', 'vc', 'tbm',
'rsrsrs' entre outras, que tampouco são decifradas por softwares de leitura de tela para cegos,
nem são ensinados nas escolas. Imagino que poucos adolescentes encontrem dificuldade para
dominar o 'texting'. Mas isso não costuma gerar tanta polêmica quanto linguagens não binárias.
Talvez a solução de leitura desses softwares precise considerar não apenas as linguagens não
binárias, como diversas outras manifestações linguísticas que hoje ainda não são
contempladas", explica Cintra.
Questões linguísticas
O Brasil não é o único país onde a linguagem neutra é discutida. Alguns setores acadêmicos ,
instituições de ensino e ativistas dos EUA já consideram usar pronome neutro para se referir a
todos, em vez de recorrer à demarcação de gênero binário.
Especialistas avaliam que a modificação gramatical em línguas latinas pode ser muito mais
complexa e custosa do que no inglês ou no alemão, onde já está em uso o gênero neutro,
porque a língua em si já oferece essa opção.
"Esse tipo de inovação é mais fácil de ocorrer no inglês, em que, com exceção daquelas
palavras herdadas do latim, como 'actor' (ator) e 'actress' (atriz), a flexão de gênero não altera
os substantivos e adjetivos. No caso do português, essa transformação não depende apenas da
alteração de um pronome, porque a flexão de gênero afeta todo o sintagma nominal. Assim, a
flexão de gênero é demarcada pela vogal temática (a/o) (como em "pesquisadoras brasileiras")
e/ou por meio do artigo (a/o) (como em "a intérprete")", explica Amaral sobre a adaptação.
Mesmo com os desafios morfológicos, a linguista afirma que não é impossível pensar em
proposições mais inclusivas. E isso não necessariamente significa que há uma tentativa de
"destruição" do português. "A história de uma língua sempre conta muito sobre a história de
seus falantes, de modo que as coisas que falamos hoje em dia não brotaram da terra ou vieram
prontas, mas dependem de nossa história como humanidade. (...) Nesse sentido, as propostas
já existentes seriam primeiros passos nesse movimento, e não uma forma final a ser imposta a
todos os falantes", afirma.
No caso do Brasil, a proposta de linguagem neutra exige, além de vontade política dentro da
área da educação e da sociedade em geral, uma soma de forças de diversos setores da
sociedade para assim desenvolver um sistema que possa ser aprendido por brasileiros já
alfabetizados e pelos que estão em processo de alfabetização.
"A resistência que ocorre, seja dentro ou fora da universidade, geracional ou não, não diz
respeito à viabilidade dessa mudança, pois não existe nenhum empecilho estrutural nos
sistemas que estão sendo propostos. O sistema "elu/delu" é só uma sugestão, mas poderia ser
qualquer outro. Essa mudança é possível linguisticamente, em todos os sentidos, mas a
discussão se dá por conta do grupo social que está propondo e do que está sendo discutido",
opina Jonas Maria.
Todxs e todes: estudos indicam que a língua neutra diminui preconceitos Imagem: Getty Images
Do TAB Em São Paulo 15/08/2019 13h51 Repensar a linguagem para que ela vá além do
binarismo homem/mulher e não trate nomes e pronomes masculinos como padrão realmente
tem algum efeito na sociedade? Pesquisas indicam que sim. Estudiosos da Universidade de
Washington desenharam bonecos simples, sem gênero, com um balão de pensamento cheio de
interrogações e outro cheio de exclamações. Em seguida, separaram 3.900 suecos em três
grupos para criarem histórias com os personagens. Um grupo podia usar apenas pronomes
femininos, outro apenas masculinos e um terceiro poderia usar termos neutroscomo "hen", um
pronome não-binário usado na Suécia. Os participantes do terceiro grupo criaram histórias
menos centradas em palavras masculinas e mais inclusivas com minorias.
O termo "hen" é uma alternativa sem gênero a "hon" (ela) e "han" (ele). Ele ganhou visibilidade
no vocabulário sueco em 2012 quando o autor Jesper Lundquist empregou-o no livro infantil
"Kivi e o Monstro Cachorro". Na obra, o protagonista não tinha gênero. A palavra "hen" já havia
sido criada na década de 1960 e foi inspirada no "hän", dos finlandeses, que cumpre a mesma
função. Após o lançamento da obra, um linguista publicou em um jornal sueco que a vida devia
imitar a arte, sugerindo que todos adotassem o pronome. Os suecos passaram a discutir, alguns
veículos baniram o termo e outros o abraçaram. Após dois anos de vai e vem, o Conselho da
Linguagem Sueco reconheceu oficialmente o pronome sem gênero. Hoje a palavra é comum no
país e usada no dia a dia. Ainda há quem se oponha, mas o número é cada vez menor.
Como o termo não era usado antes de 2012, não há como comparar com testes anteriores.
Ainda assim, os resultados indicam como criar novos termos ajuda a mudar a cultura. "[Hen] É
uma palavra sem associações biológicas. Ela vem do zero. E está funcionando do jeito que
disseram que iria funcionar", diz Efrén Pérez, pesquisador de psicologia política na Universidade
da Califórnia, à revista Wired. "Essas linguagens podem empurrar as pessoas em direções que
alguns consideram dignas".
Pérez publicou um estudo na revista Nacional de Ciências dos Estados Unidos revelando que
linguagens mais inclusivas fazem com que opiniões de massa sejam mais igualitárias em
relação a gêneros e LGBTs. "Você não percebe diferentes realidades, mas coloca mais ou
menos ênfase em diferentes aspectos", diz. Novos termos que abracem outras possibilidade de
gênero, como o "hen" sueco ou os "todes" e "todx" em português, funcionam no sentido oposto
da censura: em vez de apagar ideias da cultura, simplesmente contribuem trazendo mais
opções e alternativas. Fique por dentro de comportamento e cultura seguindo o TAB no
Instagram e tenha conteúdos extras sobre inovação, tecnologia e estilo .
comunicação por meio da voz e de símbolos, o ser humano passou a inventar, reinventar e
renovar línguas a todo o momento, em uma atualização constante e ininterrupta. Apesar de ser
um processo gradual e orgânico, de acordo com costumes e neologismos de cada época, uma
internet: o “gênero neutro”, proposta que prega a adição de sentido não-binário a palavras que
sejam marcadas pela dicotomia masculino/feminino, substituindo os artigos A e O, que definem
gênero na nossa língua. A mudança é defendida por grupos identitários, principalmente em prol
tupiniquins. Estudos realizados pela Universidade de Washington, nos Estados Unidos, com 3,9
mil falantes suecos indicam que a linguagem neutra de fato diminui preconceitos. Enquanto isso,
observatório de palavras online e retirá-lo do ar três dias depois, após “confusão” entre
internautas. A companhia aérea Japan Airlines (JAL) anunciou que irá abolir o termo “senhoras
e senhores” do chamamento de seus voos. Outras empresas do setor aéreo como Air Canada e
Aqui no Brasil, o início do debate trazia elementos como X e o @ à tona, que seriam usados
ativista Rafaela “Rafuska” Queiroz, do Movimento Estamos Todes em Ação (META Brasil), os
termos gráficos, por provocarem a exclusão de pessoas com deficiência. “O problema foi
principalmente apontado por pessoas cegas ou com baixa visão, que fazem uso de leitores de
tela em aparelhos eletrônicos. Aplicativos com essa finalidade dão erro ou leem a palavra de
forma errada quando marcamos o gênero neutro a partir do @ ou do X”, descreve Rafuska.
Para contornar as características excludentes, novas formas de uso de gênero neutro para o
português foram criadas. O Manual para o Uso da Linguagem Neutra em Língua Portuguesa,
Oeste do Paraná (Unioeste), identifica quatro sistemas usados na linguagem neutra: Elu, Ile, Ilu
e El. “Decidi juntar tudo o que tinha encontrado em um único local, para poder estudar e me
adaptar. Daí surgiu o manual”, narra Gioni, que se identifica como pessoa não-binária e atende
O uso do gênero neutro vem se tornando uma realidade entre pessoas não-binárias. É o caso
de Mar Facciolla, de 21 anos, estudante de Psicologia de São Caetano do Sul, São Paulo, que
se reconhece enquanto transgênero não-binárie, e pede que seja referide a partir do sistema
Elu. Para Mar, a consequência mais importante da adoção de linguagem neutra na língua
dia, nossa existência não está incluída na sociedade. Essa dicotomia que atravessa nossos
Para e estudante de Psicologia, o pronome é uma demarcação social. Mar explica que, ao
Candidate não eleite a uma cadeira na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro em 2016 e
2020, Indianarae Siqueira construiu sua última campanha política fazendo uso integral da
linguagem neutra. Em posts no Facebook, Indianarae conta que, após percorrer “todo o caminho
da transição”, se encontrou sem gênero. “Nesse momento, tenho peitos, pau e barba. Tô em
paz”, relata.
“Subverter a língua é também romper com padrões, amores. A língua portuguesa atribui gênero
padrão para tudo é usar ‘o’ (masculino), e não o ‘a’ (feminino)? É por isso que escrevemos todos
os materiais dessa campanha lindE usando a letra “e” que elimina o gênero das palavras que
são ‘generificadas’ com ‘o’ ou ‘a’: assim qualquer pessoa pode se enxergar ali”, escreveu
Mar Facciolli: “O pronome é uma expressão de gênero, então quando utilizam pronomes femininos ou masculinos para se
referirem a mim, estão me colocando em um lugar que não é meu” (Foto: Arquivo Pessoal)
portuguesa
O manual da linguagem neutra surgiu porque Gioni Caê, interessado no tema, encontrou
informações espalhadas na internet, sem organização. “Na academia não achei nada”, conta. O
manual, lançado em maio do ano passado, apresenta artigos, pronomes, adjetivos, preposições,
quantificadores e palavras irregulares sob a ótica dos diferentes sistemas de linguagem neutra.
Além disso, o guia também dá dicas de como reformular frases, suprimindo o uso de gênero.
“Enquanto estava escrevendo, percebi que muitas pessoas poderiam estar na mesma situação
que eu: querendo saber mais sobre a linguagem neutra, mas confusas com o que estava pela
internet. Isso me fez querer disponibilizar esse material online, com todas as referências que
encontrei”, acrescenta
inserção do “gênero” está na quebra do fluxo contínuo da língua. “Não conheço um processo de
mudança linguística que não tenha se dado de baixo para cima. Mudanças linguísticas impostas
geralmente não acontecem e, quando acontecem, sofrem as resistências normais da língua. Por
exemplo, quando o império romano impôs a sua língua (o latim) sobre a Península Ibérica, não
foi a língua imposta que se estabeleceu por lá com o tempo. O latim veio como uma língua por
cima, que chamamos ‘superstrato’, mas as línguas de ‘substrato’, que vieram por baixo,
A discussão sobre o assunto deve seguir na agenda dos brasileiros nos próximos anos. Para
Gioni Caê, só o tempo dirá se a linguagem neutra vai ganhar visibilidade acadêmica e a
popularização dos termos na sociedade em geral. “Não dá para colocar nada à força na vida de
ninguém. É sempre importante termos respeito com todas as pessoas, e eu vejo a linguagem
O respeito também pauta as atividades da ativista Rafuska Queiroz, responsável pelas redes
sociais do META Brasil, onde faz uso da linguagem não-binária desde a criação do movimento
no país. “Quando falamos em gênero neutro, falamos em respeito a outra pessoa. Socialmente
podemos inserir o que é novo, e acho que ainda estamos nesse processo inicial. É um desafio
usar o gênero neutro na linguagem, mas incluir não é simples, seja por não ser comum ou por
não fazer parte da nossa vida. Mas é possível. Talvez para chegar até as normas da língua
portuguesa seja necessário um novo processo, quase uma reforma ortográfica. Mas, nas nossas
redes sociais e ao nos comunicarmos com não-bináries, podemos utilizar a linguagem neutra”,
argumenta.
Apesar de já fazer uso da neutralidade na língua, Mar Facciolla acredita que a luta por direitos
de pessoas trans não-binárias e intersexo precisa avançar mais antes de ser possível visualizar
não-binário e intersexo no sistema enquanto identificação pessoal, como já ocorre com feminino
Para Mar, essas alterações precisam ser institucionalizadas primeiro. “Para que depois que as
pessoas tiverem conhecimento da nossa existência, a gente consiga fazer com que as
mudanças linguísticas ocorram. Se a gente não existe para o Estado, como podem fazer uma
reforma linguística pautada em quem não existe?”, questiona. O raciocínio é acompanhado pelo
professor André Conforte. “A gente precisa mudar a sociedade. Em mudando a sociedade, pode
ser que a língua acompanhe isso, que é o que geralmente acontece. A história interna da língua
língua portuguesa.
Sexo
Orientação sexual
Escala Kinsey.
biológico oposto e por indivíduos cuja identidade seja oposta à sua própria. Já
sexo biológico e por indivíduos cuja identidade seja idêntica à sua própria.
Identidade de gênero
Cisgênero é a pessoa que se identifica com o gênero que lhe foi atribuído. As
pessoas não-cissexuais são aquelas que não se identificam com o gênero que
como é útil distinguir sexo biológico de identidade de gênero – como foi feito
delimitação entre cada nível de análise, desde os mais físicos, que estudam
Sintaxe e Semântica.
Não há relação entre sociedades mais avançadas no que diz respeito aos
direitos das pessoas não-binárias e a língua falada por eles. Ter à disposição
neutralidade no que diz respeito aos direitos das mulheres e das minorias.
neutro.
uma resposta para a pergunta “por que as línguas mudam?”, não sendo
possível, portanto, detectar qual seria o fator social responsável, por exemplo,
competentes do que eu, como a Bárbara Rocha, explicaram como e por que
ambos “@” e “x” não funcionam nem na teoria nem na prática. Neste texto, me
Português.
criação desse morfema seria uma saída válida, já que o “e” como morfema
o assunto, por ser pronunciável, o “e” se mostra uma alternativa mais efetiva
espinhoso, pois depende da alteração de não apenas um item gramatical, mas sim
(…) uma oração como “Minha professora é uma ótima pesquisadora” se tornaria
sistema gramatical do Português nos mostra por que nenhum deles funciona.
sintático dos NPs (Noun Phrases) desde o Latim Vulgar, passando pelo
eficaz.
Com a queda do caso nominativo, suas formas plurais “-ae” (1ª declinação) e
“-i” (2ª declinação) cedem espaço às formas “-as” e “os” do caso acusativo.
“desejo” têm a mesma vogal temática “o” (2ª declinação). Outros nomes, como
“a morte”, “o nome” e “a saúde”. A vogal temática “e”, por não ser um morfema
de gênero, está presente tanto em nomes masculinos quanto em nomes
femininos.
“as formas neutras dos substantivos e adjetivos latinos foram absorvidas ora pelas
gramatical feminino e pelo morfema zero (Ø) para o gênero gramatical masculino;
ou seja, não marcado por morfema algum, assim como ocorre com o plural em
português, que possui o morfema –s para o plural e morfema zero para o singular.”
latinas, que são as três vogais temáticas “a”, “e” e “o”. Sabemos também que
duas vogais temáticas têm morfema zero (Ø) para gênero, o que equivale a
dizer que substantivos e adjetivos que não estão no feminino concordam tanto
com o masculino quanto com nada. No limite, podemos afirmar que a língua
(1)
a. Aqui é bom.
A vogal temática “e” dá conta de determinar que um nome não está fazendo
marca ao “e”, já que as vogais temáticas “e” e a “o” não estão em oposição
com a vogal “a”; o que acontece é que nomes com “e” e “o” são substantivos e
(2)
masculino.)
feminino.)
Em (2) c., temos uma forma não marcada que abarca todos os sexos; não é
são a., b., e d., sendo d. a única forma plural a apresentar essa função. A
português moderno, nomes que apresentam a vogal temática “a” tendem a ser
do gênero feminino, assim como nomes que apresentam a vogal temática “o”
feminino “mia” determina o nome “senhor”, cujo morfema para gênero é zero
Conclusão
zero, restando apenas as vogais temáticas “e” e “o”) causam estranheza por
nosso cotidiano.
O erro principal cometido pelos que defendem uma língua mais inclusiva como
quando essa língua não é machista; é errado acusar uma gramática de não
citadas aqui; estas tão genuínas, porém que não poderiam estar mais
Referências
https://cromwell-intl.com/turkish/nouns.html
BILEFSKY, D. (25 de Abril de 2012). Europe. Fonte: The New York Times:
http://www.nytimes.com/2012/04/26/world/europe/women-see-worrisome-shift-i
n-turkey.html?_r=1
Guardian:
https://www.theguardian.com/world/2017/nov/23/its-just-the-start-lgbt-communi
ty-in-turkey-fears-government-crackdown
FREITAS, M. A. “Brasileirxs e Brasileires: Um Ponto De Vista Da Linguística
cientistasfeministas.wordpress.com/2017/10/10/brasileirxs-e-brasileires-um-po
nto-de-vista-da-linguistica-sobre-genero-neutro/.
<http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/cltl/article/view/7204/6204>.
doi:http://dx.doi.org/10.17851/0101-3548.7.13.33-52.
Kinsey Institute. (s.d.). The Kinsey Scale. Fonte: Kinsey Institute (Indiana
University):
https://www.kinseyinstitute.org/research/publications/kinsey-scale.php
Antigo.