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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI – URCA

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS – CESA


CURSO DE DIREITO

ERICK SANTANA BATISTA

DIREITO E REVOLUÇÃO
A tradição revolucionária como manifestação e fonte do Poder Constituinte e seus
efeitos na ordem constitucional brasileira

CRATO – CE
2021
ERICK SANTANA BATISTA

DIREITO E REVOLUÇÃO
A tradição revolucionária como manifestação e fonte do Poder Constituinte e seus
efeitos na ordem constitucional brasileira

Monografia submetida à Universidade Regional do


Cariri para obtenção do título de bacharel em Direito.
Prof.ª Orientador: Jaires de Sa Vieira Filho

CRATO – CE
2021
TERMO DE RESPONSABILIDADE AUTORAL
Dedico ao meu filho por nascer, Davi Lucas.
AGRADECIMENTOS

Antes de tudo, agradeço ao Prof. Jaires de Sa por sua urgente e providente orientação desta
monografia.

Agradeço também a Betânia pela sua prontidão e a Ivanna Pequeno pelas sugestões que me
ofereceu e que muito enriqueceram o presente trabalho.

Finalmente, agradeço a minha família que me apoiou nos momentos difíceis e de angustia por
que passei, principalmente minha mulher, Antonilda e pais, José e Maria.
“Acho que a história do Brasil é um romance sem heróis”. Raymundo
Faoro
RESUMO

Este trabalho focaliza a influência da revolução no ordenamento jurídico-constitucional


brasileiro. Seu objetivo é verificar se há alguma influência e em que forma se dá. Para a
realização do trabalho foi feita a revisão interdisciplinar da literatura de juristas, historiadores,
sociólogos e cientistas políticos buscando alcançar-se uma síntese para a verificação da
influência da revolução no ordenamento jurídico brasileiro. O trabalho está dividido nos
seguintes capítulos. No capítulo 1, busca-se algumas características sociológicas do processo
revolucionário em geral e os seus principais fundamentos políticos e filosóficos,
especialmente das revoluções liberais e socialistas. No capítulo 2, examina-se o processo
histórico concreto de três revoluções: a americana, francesa e russa; além de verificar algumas
influências no debate constitucional. No capítulo 3, analisa-se algumas consequências e
concepções da revolução no ordenamento jurídico e constitucional trazendo as contribuições
dos capítulos anteriores. Finalmente, afirma-se conclusivamente que no Brasil as revoluções
liberais influenciaram seu ordenamento constitucional com valores como a liberdade, embora
a revolução socialista não tenha influenciado da mesma forma, sendo até repudiada; enquanto
que a palavra revolução é muitas vezes usada para qualificar juridicamente os golpes de
estado; além de ter sido verificado que no Brasil prevalece o sentido kelseniano de revolução
em que qualquer mudança do ordenamento jurídico caracteriza-se por revolução jurídica.

Palavras-chave: História das Revoluções, História do Direito Constitucional, Direito


Constitucional, Poder Constituinte Originário e Revolução Jurídica.
ABSTRACT

This work focuses on the influence of the revolution on the Brazilian constitutional legal
system. Your goal is to verify if there is any influence and in what form. To carry out the
work, an interdisciplinary review of the literature of jurists, historians, sociologists and
political scientists was carried out, seeking to achieve a synthesis to verify the influence of the
revolution in the Brazilian legal system. The work is divided into the following chapters. In
chapter 1, we seek some sociological characteristics of the revolutionary process in general
and its main political and philosophical foundations, especially the liberal and socialist
revolutions. In chapter 2, the concrete historical process of three revolutions is examined: the
American, French and Russian; in addition to verifying some influences on the constitutional
debate. In chapter 3, some consequences and conceptions of the revolution in the legal and
constitutional order are analyzed, bringing contributions from the previous chapters. Finally,
it is conclusively stated that in Brazil the liberal revolutions influenced its constitutional order
with values such as freedom, although the socialist revolution did not influence it in the same
way, being even repudiated; while the word revolution is often used to legally describe coups
d'etat; in addition to having been verified that in Brazil the Kelsenian sense of revolution
prevails, in which any change in the legal system is characterized by legal revolution.

Keywords: History of Revolutions, History of Constitutional Law, Constitutional Law,


Original Constituent Power and Legal Revolution.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10
1 REVOLUÇÃO. ASPECTOS SOCIOLÓGICOS E FUNDAMENTOS DAS
REVOLUÇÕES.......................................................................................................................13
1.1 ASPECTOS SOCIOLÓGICOS DA REVOLUÇÃO..........................................................13
1.1.1 O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO.........................................................................13
1.1.2 CONCEITO SOCIOLÓGICO DA REVOLUÇÃO, VIOLÊNCIA
REVOLUCIONÁRIA E UTOPIA REVOLUCIONÁRIA..................................................16
1.2 FUNDAMENTOS POLÍTICOS E FILOSÓFICOS DAS REVOLUÇÕES.......................19
1.2.1 O PENSAMENTO ARISTOTÉLICO SOBRE A REVOLUÇÃO E A
CONCEPÇÃO TOMISTA SOBRE O DIREITO DE RESISTÊNCIA.............................19
1.2.2 OS FUNDAMENTOS CONTRATUALISTAS E LIBERAIS POLÍTICOS DAS
REVOLUÇÕES.......................................................................................................................21
1.2.3 O TERCEIRO ESTADO DE SIEYÈS, O POVO FRANCÊS..................................24
1.2.4 FUNDAMENTOS DA REVOLUÇÃO MARXISTA RUSSA, OS CAMARADAS
MARX E ENGELS.................................................................................................................27
2 PARÂMETROS HISTÓRICOS: REVOLUÇÃO AMERICANA, REVOLUÇÃO
FRANCESA E REVOLUÇÃO RUSSA................................................................................32
2.1 REVOLUÇÃO AMERICANA E OS FEDERALISTAS...................................................32
2.1.1 HISTÓRICO DA REVOLUÇÃO AMERICANA......................................................32
2.1.2 OS FEDERALISTAS E A REVOLUÇÃO, A RESTAURAÇÃO DA SEGURANÇA
...................................................................................................................................................37
2.2 REVOLUÇÃO E CONTRA REVOLUÇÃO FRANCESA................................................40
2.2.1 REVOLUÇÃO FRANCESA E A REVOLUÇÃO CONSTITUINTE.......................40
2.2.2 O DEBATE ENTRE BURKE, DE MAISTRE E PAINE, REVOLUÇÃO E
CONTRARREVOLUÇÃO....................................................................................................42
2.3 REVOLUÇÃO RUSSA, “TODO PODER AOS SOVIETES”..........................................45
2.3.1 PROCESSO HISTÓRICO DAS REVOLUÇÕES RUSSAS......................................45
2.3.2 CRÍTICA E AUTOCRÍTICA, JURÍDICA E CONSTITUCIONAL, SOVIÉTICA
...................................................................................................................................................48
3 EFEITOS JURÍDICOS E CONSTITUCIONAIS DAS REVOLUÇÕES NO BRASIL53
3.1 3.1 REVOLUÇÃO E SEUS EFEITOS JURÍDICOS E CONSTITUCIONAIS.................53
3.1.1 ANTINOMIA, INEFICÁCIA ANÔMICA E A REVOLUÇÃO JURÍDICA...........53
3.1.2 REVOLUÇÃO: CONCEITO JURÍDICO E EFEITOS NA CONSTITUIÇÃO......56
3.2 AS REVOLUÇÕES NO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO.
REVOLUÇÃO COMO EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE NO BRASIL E FONTE
HISTÓRICA DO DIREITO CONSTITUCIONAL..................................................................61
3.2.1 DA INDEPENDÊNCIA AO GOLPE CONSTITUCIONAL MONÁRQUICO.......61
3.2.2 O NASCIMENTO DE UM NOVO REGIME, O REPUBLICANO.........................63
3.2.3 OS GOLPES DITATORIAIS MASCARADOS DE REVOLUÇÃO, “A CULPA É
DOS COMUNISTAS”............................................................................................................66
10

INTRODUÇÃO

Entre os autores constitucionalistas que se debruçam sobre o tema, do ponto de vista


jurídico, Paulo Bonavides e Paes Andrade o abordam com ênfase histórica na História
constitucional do Brasil; Manoel Gonçalves Ferreira Filho em seu Poder constituinte aponta
principalmente o aspecto sociológico; Nelson Saldanha em O Poder constituinte passa
rapidamente pelo tema, Luís Roberto Barroso no Direito Constitucional detém-se sobretudo
no liberalismo. Essas abordagens são importantíssimas, mas isoladamente necessitam ser
complementadas e sintetizadas. Lourival Vilanova por meio de seu artigo Teoria jurídica da
revolução tem uma visão mais interdisciplinar do tema e aponta para as múltiplas dimensões
da revolução, semelhante ao que ocorre com o direito como apontado por Miguel Reale, mas
ele apenas aponta um caminho para a construção de uma teoria jurídica da revolução, porém
não desenvolveu mais além o tema. Em sua dissertação de doutorado, José Guilherme Fraga
trata do tema de forma bastante abrangente e discorre muito bem sobre os principais autores
que trataram da relação do direito com a revolução, mas chega a uma conclusão
decepcionante após de ter realizado um estudo jurídico: a revolução é fato extrajurídico.

Diante da interdisciplinaridade apontada por Lourival Vilanova e da visão abrangente


de José Guilherme Fraga têm-se os melhores exemplos de como se abordar o tema revolução
no âmbito do direito constitucional. Aquele traz à baila o fato de que a revolução não é um
fato isolado da política, da sociologia, da história ou qualquer outra ciência, mas um fato
complexo. O segundo traz as opiniões de diversos estudiosos de diferentes índoles e
confronta-as de maneira dialética para chegar às suas conclusões. A dialeticidade e a
interdisciplinaridade são as duas constantes que acompanharão o trabalho, partindo destes
dois autores. A abordagem, contudo, será mais próxima do direito constitucional do que da
teoria geral do direito de que os dois mais se aproximaram. O método utilizado, então, é o
bibliográfico, com a realização do confronto das opiniões dos diversos autores e a observação
histórica do processo revolucionário.

E as perguntas principais que se fazem e que se busca responder na presente


monografia a partir de um estudo inicial da revolução são sobre a existência da influência das
revoluções no exercício do poder constituinte nacional e, secundariamente, em que grau e
forma foi o poder constituinte originário influenciado, se houve tal influência. Reconhecer
11

esse fato pode fornecer ao jurista melhor compreensão do processo constitucional originário e
do comportamento do direito constitucional em face do processo revolucionário que
acompanhou a Idade Moderna e acompanha de alguma forma o mundo contemporâneo.
Identificar, distinguir e explicar a influência da revolução no ordenamento constitucional do
Brasil é uma forma de relembrar aos cidadãos as conquistas alcançadas pelos antepassados,
nos precaver de golpes de estado e atos perigosos de grupos autoritários e fornecer parâmetros
e referenciais para o processo constitucional atual.

O primeiro capítulo irá expor os aspectos sociais, filosóficos e políticos da revolução,


principalmente da revolução liberal e socialista. Inicialmente se apresentará a faceta
sociológica da revolução principalmente a partir da obra de Piotr Sztompka. Justifica-se o
autor pela sua abrangência do tema da revolução e por seu referencial teórico amplo
compilado de maneira didática. A abordagem política e filosófica da revolução liberal e da
revolução socialista apresentará alguns dos principais estudiosos dos movimentos
revolucionários e pensadores primordiais do processo revolucionário. Após esses dois
aspectos haverá elementos suficientes para se compreender o processo histórico da revolução.
O objetivo específico desta seção será expor alguns pressupostos elementares das revoluções
liberais e socialistas.

O segundo capítulo narrará os acontecimentos históricos que culminaram em três das


revoluções mais conhecidas: a Revolução Americana, a Revolução Francesa e a Revolução
Russa. Foram escolhidos os três processos revolucionários para servirem de parâmetros da
influência das revoluções na constituição, três revoluções que tiveram destaque na história e
causaram emoções e reações intelectuais fortes em quem participou. Mas se reconhece um
problema deste expediente, o de parecer discricionário nas escolhas. Mas a escolha das
revoluções apresentadas não é aleatória, reflete-se na maior referência dos principais autores
consultados desses processos revolucionários. A Revolução Francesa, Americana e Russa são
as principais revoluções consideradas como tais. Além disso, estas são as que de algum modo
atraem maiores atenções no debate público. As vantagens desse procedimento é que nos
limita a uma análise de poucas revoluções, mas que são majoritariamente tratadas como
revoluções de verdade; e também não se precisa estender muito além das revoluções que
tiveram consequências políticas, sociais e jurídicas mais expressivas formando as principais
tradições revolucionárias. Neste capítulo se buscará expor algumas das consequências das
revoluções para o debate constitucional.
12

Por fim, o terceiro capítulo trará algumas das principais relações do direito com a
revolução e algumas opiniões a respeito dos efeitos da revolução no mundo jurídico; e a
aplicação das observações feitas ao Brasil, de forma a verificar a existência de autênticas
revoluções brasileiras e de que forma as revoluções afetaram o ordenamento constitucional do
Brasil. Serão observadas principalmente a elaboração da Constituição do Império, da
Constituição de 1881, da Constituição de 1934, da Constituição de 1937 e o Ato Institucional
de 1964. Estas decorreram de momentos de intensa convulsão e algumas se proclamaram
revolucionárias, daí se justificar a análise histórica destas. Entre os dois autores mais
importantes da parte histórica nacional, Paulo Bonavides e Paes Andrade foram os mais
importantes.
13

1 REVOLUÇÃO. ASPECTOS SOCIOLÓGICOS E FUNDAMENTOS DAS


REVOLUÇÕES

1.1 ASPECTOS SOCIOLÓGICOS DA REVOLUÇÃO

1.1.1 O processo revolucionário

Por ser um movimento por vezes utópico, por buscar a construção de uma sociedade
perfeita ou ao menos melhor, associa-se muitas vezes, a revolução, como um movimento anti-
científico, irracional, sem método. Não é, contudo, a revolução um movimento que nasce do
desconhecimento da realidade ou do desprezo da sociedade, embora não seja possível negar
que por vezes os líderes revolucionários possam extrapolar os limites do bom senso e cometer
atrocidades. Karl Marx e Joseph Sièys não desprezaram o estudo e a disciplina científica e
filosófica, embora tenham participado ativamente da formação da “tradição revolucionária”,
ao mesmo tempo que influenciaram a filosofia e a ciência. Vladimir Lênin e Leon Trotsky
participaram da Revolução Russa não somente no plano político, mas no plano intelectual e
teórico também.

Não é a revolução algo não planejado, sem método, mas antes se trata de um
movimento que conta com líderes e intelectuais que ocuparam-se de desenvolver formas para
se tomar o poder, confrontar a soberania e mudar o estado e sua constituição, apesar, é claro,
de que no calor do momento e no caos social seja impossível se calcular os melhores
movimentos, o que acaba acarretando uma precipitação do uso intenso da violência,
característica muito ressaltada para se criticar as revoluções. Basta observarmos a Revolução
Francesa, Revolução Americana, Revolução Russa, Revolução Cubana etc., que contaram
com líderes e intelectuais que desenvolveram os ideais e aspirações que iriam insuflar os
grupos a se oporem ao regime que os oprimiam, que percebe-se o quanto as revoluções são
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antecedidas de um preparo intelectual. As massas em um momento de insatisfação e


indignação, ao lado de políticos e intelectuais conscientes dos novos ideais e aspirações para a
sociedade, pouco a pouco vão acumulando rancores ao regime até alcançarem um momento
em que a situação torna-se insuportável e qualquer faísca explode a revolução.

Freyre (2009, p. 385) afirma que, enquanto ao sociólogo cabe estudar o processo e a
forma da revolução (sendo seu objetivo o estudo dos processos sociais e alterações culturais e
psicossociais violentas), ao estudioso do Direito, assim como ao economista ou ao psicólogo,
cabe o estudo da substância revolucionária que é extra sociológica. E a partir dessa noção de
que a forma ou processo revolucionário é do estudo da sociologia tentou-se identificar as
características processuais da revolução1. Características essas que mudam de estudioso a
estudioso, pois a depender do cientista, por exemplo, em relação ao período revolucionário,
alguns consideram que a Revolução se prolongou ao longo de todo o século XX e outros que
se encerrou no regime de Stálin.

Entre as diversas formas de mudança social, Sztompka (2005, p. 505-506) expõe, a


partir do estudo de diversos autores que investigaram a revolução como perspectivas diversas
(sociológicas, comportamentais, psicológicas, históricas), cinco características da Revolução
que sinteticamente citam-se aqui: mudanças que atingem os diversos aspectos da sociedade;
as mudanças são radicais e alcançam a estrutura e funcionamento social; destacam-se pela
mudança repentina diante da lentidão histórica; também são memoráveis alcançando destaque
na história; deflagram emoções e reações intelectuais fortes em quem participou do processo
revolucionário.

Prado Jr. (2000, p. 26), em plena ditadura militar conceituou a revolução em termos
marxistas de conflito de classes:

“Revolução” em seu sentido real e profundo, significa o processo histórico assinalado por reformas e
modificações econômicas, sociais e políticas sucessivas, que, concentradas em período histórico
relativamente curto, vão dar em transformações estruturais da sociedade e, em especial, das relações
econômicas e do equilíbrio recíproco das diferentes classes e categorias sociais.

Destaca o autor os seguintes elementos revolucionários em sua definição que em


1 O motivo metodológico exposto não é uma forma de tratar a revolução como duas partes, uma formal e
outra material, mas sim de facilitar o estudo pela divisão de seus componentes, pois o processo revolucionário
não é na realidade algo tão bem distinguível dos ideais e da substância revolucionária. Não há processo
revolucionário sem objetivos ideais como não há revolução sem práticas concretas que a buscam. Os princípios
práticos do processo revolucionário, por vezes são distinguidos como se fossem algo completamente diferente do
ideal revolucionário. Essa visão leva a crer que as atrocidades cometidas são decorrentes não dos objetivos da
revolução, mas das contingências históricas e da necessidade confrontada pela tirania. Mas a posição oponente
vê no próprio ideário revolucionário o germe da sua violência.
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muito se concilia com as características de revolução apresentada por Sztompka (2005): A


natureza processual, ou seja, um conjunto de etapas da revolução; a curta duração que é
relativa, pois não há um período estabelecido que possamos identificar como um prazo
revolucionário; e a transformação, a mudança da sociedade, com especial destaque para as
relações de caráter econômico e a relação das classes e categorias. Mas essa conciliação
revela apenas elementos bem genéricos que são a mudança repentina e a transformação social.
Percebe-se que a essência da revolução é a mudança, mas não qualquer mudança, pois deve
estar associada a alguns adjetivos como intensa, rápida, ampla, radical etc., o que nos impede
de considerar uma simples mudança de um governante por outro, como no caso da
independência do Brasil com a mudança de um imperador por outro, por exemplo. Contudo
também não basta verificar a intensidade ou violência da mudança para que observe-se uma
revolução, senão uma guerra, poderia ser considerada como revolução. Além disso, é
necessário observar a qualidade da mudança (ampla e estrutural) para distinguir a revolução
de outras mudanças sociais. Nem tudo que parece revolução o é.

A revolução, defendem os marxistas, deve passar por etapas. E essa natureza


processual da revolução já foi motivo de discussões entre socialistas. Entre os estudiosos da
revolução, existem fases revolucionárias, sendo que Sztompka (2005) compilou as seguintes
fases da revolução defendidas por diversos estudiosos da revolução: (1) há um situação de
desordem, descontentamento e reivindicação de causas econômicas ou fiscais, e vivida mais
intensamente pelas classes emergentes; (2) os intelectuais promovem suas críticas reformistas,
panfletos, doutrinas filosóficas e políticas, o “espírito revolucionário” é difundido; (3) o
regime vigente reage realizando reformas parciais, mas infrutíferas; (4) há uma “paralisia do
Estado”, o que cria a oportunidade para os revolucionários tomarem o poder; (5) o velho
regime colapsa e a euforia toma de conta dos revolucionários; (6) dissidências internas
surgem entre os revolucionários: conservadores, moderados e radicais; (7) sobrevêm então o
mal-estar pós-revolucionário causado pela contradição entre as aspirações das massas e a
tendência dos moderados em manter as instituições e organização do antigo regime; (8) os
radicais e extremistas amparados pela massa frustrada com os resultados dos moderados
exploram a situação e mobilizam essa massa; (9) o estágio conhecido por “terror” que busca
eliminar todos os resquícios do antigo regime oportuniza aos militares a tomada do poder sob
a alegação de acabar com a agitação social; (10) estabilidade é iniciada com a troca da
mudança social pelo progresso econômico.

Essa graduação de fases do processo revolucionário não devem ser tomadas como no
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sentido marxista de maneira dogmática, pois a revolução possui aspecto camaleônico que
dificulta seu enquadramento regular em teorias ou sistemas racionais perfeitos. As tentativas
de assim proceder, no entanto, não são totalmente inúteis, apenas são às vezes incompletas e
outras vezes extrapolam, pelo que delimitar revoluções específicas se mostra mais útil do que
a criação de teorias genéricas que podem excluir fatos históricos relevantes ou incluindo e
assemelhando todo tipo de fato como de igual relevância, como assemelhar a Revolução
Francesa com os golpes de estado praticados no Brasil.

1.1.2 Conceito sociológico da revolução, violência revolucionária e utopia revolucionária

Salienta Bonavides (2000), para quem a revolução tem diversos conceitos para as
várias ciências humanas, que é difícil dissociar o aspecto político da revolução do aspecto
jurídico estando os conceitos interpenetrados, e aponta para a própria natureza da revolução
como causa para essa interpenetração. O cientista político trata de diversos conceitos da
revolução: o histórico-cultural: revolução seria a descontinuidade histórica, presentes, por
exemplo, nas revoluções científicas que geram novos períodos históricos; o sociológico: seria
a revolução uma mudança não de governo apenas, mas principalmente da estrutura social ou
de classes, como na revolução socialista; o jurídico: seria esse conceito relacionado com a
mudança na ordem jurídica decorrente da mudança pelo poder constituinte originário; e
Político: revolução, nesse sentido, seria algo relacionado a uma mudança institucional ou, de
forma semelhante ao conceito jurídico, uma mudança constitucional, daí este se confundir
com o conceito anterior.

No campo sociológico, do qual a doutrina retira alguns dos fundamentos do conceito


jurídico de revolução, Tilly (1978, p. 198 apud Sztompka, 2005, p. 512), desconsidera como
revolução a substituição extralegal e repentina de governantes, a “revolução palaciana”; ou
“rebelião”, “insurreição”, “levante” que são atividades massivas, violentas que resultam em
transformações não-revolucionárias; já quanto ao “motim”, trata-se de desobediência de
grupos subordinados sem intenções de mudanças necessárias; “putsch” é tomada de poder
pelas forças armadas, exército, grupos militares; “guerra civil” seria o conflito armado de
grupos dentro de uma mesma sociedade; assim como não é revolução “guerra de
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independência”, um conflito de grupos dependentes contra seu colonizador, conquistador; e


por último “distúrbio”, “tumulto”, “perturbação da ordem social” são apenas expressão de
descontentamento e frustrações sem foco e aspirações para mudança definitiva. Se se leva ao
extremo essas distinções, quase não sobram revoluções na história, inclusive a Revolução
Americana e as Revoluções Latinas poderiam ser excluídas do rol de revoluções por terem
tido guerras civis em seu interior e terem sido também um movimento de independência.

O conceito moderno de revolução, segundo Sztompka (2005), deriva da tradição


histórico-filosófica e da tradição sociológica. Na primeira tradição o conceito de revolução
está relacionado com uma ruptura radical no curso histórico, exemplo seria a visão marxista
de “revolução social” em que há um salto qualificativo para uma fase mais elevada de
desenvolvimento, como se da água para o gelo. Nesta tradição, o papel do indivíduo é menos
importante. Seria a tradição socialista, a mais próxima desta. Já na segunda tradição seria a
revolução relacionada com movimentos de massa que ameaçam usar a coerção e a violência
contra os governantes a fim de obter conquistas duradouras. Enquanto que na primeira
tradição dá-se mais importância à estrutura global do processo revolucionário, aos elementos
objetivos, na segunda tradição dá-se mais importância aos agentes revolucionários e aos
meios que as pessoas possuem para mudar a sociedade, elementos subjetivos.

Cita Sztompka (2005) três grupos de definições elaboradas por essas tradições
revolucionárias. O primeiro grupo considera como foco a amplitude e profundidade da
mudança, denotando as revoluções como mudanças repentinas, radicais ou extensas. O
segundo grupo enfatiza a violência, a luta e a velocidade da mudança que será pela violência,
pela força ou pela tomada do aparato governamental. E o terceiro grupo mescla os aspectos
anteriores, e por isso são mais úteis suas definições por suprirem-se as limitações das
correntes anteriores tomadas isoladamente. Como conceito do terceiro grupo do qual Giddens
(2008, p. 443) faz parte, por exemplo, revolução é o “acto de derrubar uma ordem política
existente através de um movimento de massas, recorrendo à violência”. Este conceito é
bastante extenso, mas pouco específico, pois golpes de estado que são de grande número na
história podem facilmente se enquadrar nele.

Sztompka (2005) resume os pontos de encontro acerca dos componentes constitutivos


da Revolução entre os estudiosos do assunto: mudança fundamentais, abrangentes e
multidimensionais que tocam o cerne da ordem social; envolvimento de grandes contingentes
humanos, não sendo consideradas revoluções mudanças impostas pelos governantes;
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envolvimento de violência e coerção, sendo este o ponto mais crítico, haja vista que não é
ponto pacífico, pois há, por exemplo, o gandhismo, a “revolução pacífica” e a “revolução de
veludo” que não tiveram a violência como parte do processo de mudança, embora a ameaça
de violência estivesse presente. Em relação à violência, há quem despreze-a como essencial
para o conceito de revolução, como Arendt (1988). Já outros como Burke (1982) e De Maistre
(1955) destacam a violência para atacar a legitimidade revolucionária. O Terror, a Guerra
Civil, o Domingo Sangrento são os episódios destacados para deslegitimar o método
revolucionário entre os contra-revolucionários. Mas não se resumem as revoluções à
violência. Não é esta a sua essência, embora seja inegável que a acompanhe. A sua essência é
a mudança ampla e drástica que pode ser considerada como rápida. Dessa rapidez parece vir a
violência que vai de encontro com a inércia daqueles que resistem à mudança.

A historiadora Fitzpatrick (2017, p. 18-19), atenta para a violência e utopia


revolucionária, bem como à inexperiência política, assim como Burke e De Maistre em
relação à Revolução Francesa, não vê com otimismo esse impulso revolucionário como se
pode observar na seguinte citação:

Todas as revoluções têm liberté, égalité, fraternité e outros slogans nobres inscritos em suas bandeiras.
Todos os revolucionários são entusiastas, ou até fanáticos; todos são utopistas, com sonhos de criar um
novo mundo do qual a injustiça, a corrupção e a apatia do velho mundo sejam banidas para sempre. São
intolerantes com a divergência; incapazes de concessões; fascinados por metas grandiosas e distantes;
violentos, desconfiados e destrutivos. Os revolucionários são irrealistas e inexperientes em governar; suas
instituições e procedimentos são improvisados. Eles têm a inebriante ilusão de personificar a vontade do
povo, o que significa supor que o povo seja monolítico. São maniqueístas, dividindo o mundo em dois
campos: luz e trevas, a revolução e seus inimigos. Desprezam todas as tradições, a sabedoria herdada, os
ícones e as superstições. Acreditam que a sociedade pode ser uma tábua rasa na qual a revolução será
escrita.

Já Ortega y Gasset (1923), para quem a revolução era uma rebeldia contra os costumes
e começava antes nos espíritos que na rua, pensa de maneira menos violenta a revolução,
maneira de pensar usada principalmente para atacar as revoluções. Importava-lhe mais o
aspecto ideológico da revolução. Mas a visão dele também é negativa em relação a seu
utopismo, sendo que a revolução tem como resultado sua irmã, a contrarrevolução, tão
utópica quanto ela. Há uma contínua luta entre os dois movimentos até que as ideias que as
empolgaram se embotam e enfraquecem, até perceberem os participantes dos dois movimento
antagônicos, ciosos de seus objetivos ideais, que não deve a vida ser condicionada e moldada
pelas normas, ideias ou instituições, mas o oposto, a vida humana deve ser o molde para
aquelas. O homem é o fim, não o meio para os ideais.
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1.2 FUNDAMENTOS POLÍTICOS E FILOSÓFICOS DAS REVOLUÇÕES

1.2.1 O pensamento aristotélico sobre a revolução e a concepção tomista sobre o direito


de resistência

A resistência do povo contra a tirania foi estudada por pensadores antigos e medievos
como Aristóteles, Platão, Tomás de Aquino. Embora não sejam eles precursores da revolução,
no sentido moderno, forneceram material e argumentos pró e contra a revolução para autores
posteriores como Burke, De Maistre, Thomas Paine, Locke e Rousseau, Thomas Hobbes, para
citar alguns. Nota-se que na História Moderna e Contemporânea existem basicamente ao
menos duas tradições revolucionárias que deter-se-á mais atenção: a revolução burguesa (ou
liberal) e a revolução socialista (ou social). A primeira ocorreu na França e nos Estados
Unidos, e por várias vezes é acusada de ter excluído algumas classes de menor poderio
econômico. A segunda seria a socialista, para alguns já ocorrida na Rússia e para outros ainda
em andamento. Na verdade essa distinção pode também causar confusão e fazer crer que
sempre foram inimigos a burguesia e o proletariado, os liberais e os socialistas, mas a história
é mais complexa que isso. Alianças e trapaças se deram entre essas duas tradições.

Aqui apenas se expõe o pensamento de alguns pensadores correntes como precursores


do ideal revolucionário e dos fundamentos de algumas revoluções. Outra importante nota é a
de que embora as revoluções aqui estudadas se propagaram a partir de um momento histórico
específico (início do processo revolucionário americano e francês), não se pode compreender
bem os seus fundamentos sem a consulta e o contraste de autores antigos e fatos da
Antiguidade, pois há um intenso fluxo e refluxo de ideias e influências entre os séculos, e isso
é observável por exemplo, nos Federalistas que traçam comparações com os antigos, bem
como no pensamento revolucionário de Karl Marx que estudou a história antiga para chegar a
sua Teoria da Luta de Classes, fundamental para sua doutrina revolucionária. Escolheu-se os
pensadores e líderes mais representativos das obras consultadas para apresentar o discurso e o
conhecimento científico revolucionário.
20

Aristóteles discorreu sobre a revolução2 em seus estudos políticos e para o autor a


causa da revolução nas democracias é a igualdade absoluta. O problema está em que alguns
homens por possuírem ascendência nobre julgam-se rebaixados pela igualdade de privilégios.
Podem haver duas mudanças possíveis entre as duas tendências, a democrática e a
aristocrática: 1) a revolta contra o governo induz os cidadãos a estabelecerem nova
constituição, como da democrática para a aristocrática e vice e versa; 2) a revolta é promovida
com a intenção dos revoltosos de eles mesmos governarem, o que ocorreria na oligarquia e
monarquia. Pode também haver revoluções que na verdade são mudanças parciais, como
reformas ou abolição de instituições. Nas oligarquias, as principais causas da revolução
seriam 1) a opressão dos chefes contra o povo; 2) a vontade de libertar o povo entre setores da
própria oligarquia; 3) outras questões comezinhas como conflitos familiares. Outra causa de
revoluções é a falta de harmonia entre democracia e oligarquia, nas repúblicas; ou de
república e oligarquia na aristocracia. Tal harmonia é da própria constituição desses governos
para o estagirita. Tal fórmula lembra a harmonia dos poderes de Montesquieu que é tão
importante no sistema jurídico-político moderno.

Tomás (1995), ao tratar da conveniência e utilidade do governo dos reis e do governo


tirânico, acompanhando à sua argumentação trechos bíblicos, filosóficos e registros da
história antiga, prescreve que o rei deve tomar cautelas para não se corromper ao ponto de
chegar a ser um governante tirânico que se afasta da justiça e busca os próprios interesses.
Argumenta, o santo, que a amizade entre súditos e o governante é o fundamento que explica a
estabilidade de um reino, ao contrário do que ocorre num governo tirânico em que o temor é o
princípio pelo qual o tirano mantêm fragilmente o poder que a qualquer momento pode sofrer
o revés da multidão. Ao tirano que deveria buscar ser um governante justo, um rei, e não o é,
explica o teólogo, a justiça do homem e a divina lhes oporão. A ira de Deus permite que
tiranos governem a multidão, mas também age em sentido contrário, intermediada pela
insurreição dos súditos que é a causa da deposição do tirano. Daí a legitimidade da resistência
do povo contra a tirania, legitimidade com fundamento religioso e que busca conciliar
narrativas bíblicas opostas: a que assume que a tirania é uma punição aos pecados do povo 3, e
a outra que afirma não ser duradoura todo governo injusto e ilegítimo.

2 Na verdade, revolução é a tradução para uma mudança de governo ou golpe de estado em sentido
diferente do que hoje se tem, algo mais próximo de uma rebelião ou conspiração, mas que já possui em si um
germe do sentido moderno da revolução. De acordo com Arendt (1988), uma palavra usada inicialmente por
Platão e estudada por Aristóteles em suas divagações sobre a mudança de governo era μετάβολαί.
3 Veja-se o livro de Neemias: Essa terra multiplica suas messes para reis estrangeiros, que no momento
nos tiranizam por causa de nossos pecados e dispõem a seu arbítrio de nossas pessoas e de nossos animais. Sim,
estamos numa grande aflição (BÍBLIA, Neemias, 9, 37).
21

Tomás (1995) consegue conciliar as duas narrativas e apresentar uma justificativa para
legitimar a deposição dos governantes injustos. Mas apesar disso não parece que haja aqui um
fundamento para a atividade revolucionária tal como a que se formou a partir da Idade
Moderna, pois o que há de patente na abordagem tomista é um direito de resistência 4, direito
de resistir a um governo injusto, mas não a busca por uma mudança mais ampla que atingiria
inclusive a forma de pensar e os modelos de governo e produção de uma forma mais rápida e
ampla, este o tipo de mudança mais próximo da revolução no sentido moderno. O máximo
que esse direito de resistência pode representar para o pensamento sobre a revolução moderna
é como um dos elementos necessários ao movimento revolucionário, sendo que para o Santo
da Igreja, aquele direito existe em uma dialética necessária entre a ira de Deus em face do
pecado do povo e em face da injustiça do governante.

Vale ressaltar que essa associação de Deus e revoltas esteve presente na Revolução
Americana, por exemplo, havendo nos discursos revolucionários referências à proteção de
Deus. Essa invocação, é claro, não é obrigatória, pois há revoluções secularizadas e que
inclusive possuem doutrina que recusa a invocação divina como a revolução socialista
científica. Outro ponto importante é que embora as explicações científicas por argumentos
religiosos comecem a ser afastadas no mundo moderno, não são desprezadas no uso político,
inclusive são mantidas as invocações divinas pelos teóricos e políticos. Tal uso ainda se
mantém, basta observar os preâmbulos das Constituições. Os elaboradores de constituições e
os agentes das revoluções, por mais secularizados que sejam não deixam de citar a proteção
divina, seja por demagogia, seja por crença real. Os representantes constituintes do povo no
Brasil costumam estar “sob a proteção de Deus” ou “sob a invocação de Deus”.

1.2.2 Os fundamentos contratualistas e liberais políticos das revoluções

O contratualismo foi um importante movimento político que teve influência sobre o


pensamento político. Segundo Reale (1998, p. 7), o contratualismo foi uma “arma de
renovação social” de grande valor histórico, apesar das críticas feitas quanto à tese
contratualista do ponto de vista lógico. Para o jurista:

4 O direito de resistência, direito controverso para alguns, pode ser visto como algo presente na
Revolução, mas não se confunde com esta.
22

O contratualismo é um grande movimento ideológico-sentimental que não pode ser posto de lado, sem
mais nem menos, como um conjunto desarrazoado de afirmações. Vistas no sistema geral da cultura em
que se desenvolveram e vicejaram, as teorias de Locke e Rousseau alcançam um alto significado,
representando conjuntos admiráveis de idéias-força de grande sucesso no plano da ação política.

Pensador político essencial, Locke (1998), para quem os governados apenas abdicam
da sua liberdade que lhe é natural em seu próprio benefício, considera esse consentimento
dos governados como o fundamento da comunidade. Deve o cidadão então aceitar a
determinação da maioria que são quem devem decidir conforme o pacto original
(contratualismo) estabelecido entre os indivíduos. A conservação da propriedade, da vida e
da liberdade seriam os principais objetivos dessa união. E caso os governantes não estejam
buscando atingir os fins desejados pelo poder supremo que é o povo, então pode este
substituí-los por outros5. Vê-se na Revolução Americana a evocação das ideias de John Locke
relativas ao contrato social e a necessidade de proteção da propriedade e liberdade.

Rousseau (1991) defendia a existência de duas desigualdades: natural (ou física) e a


moral (ou política). A primeira se refere à diferença biológica dos indivíduos, como altura,
idade, cor. Já a segunda seria a que se refere à diferença de riqueza e de privilégios
estabelecidas convencionalmente pelos indivíduos. Entre essas desigualdades e a igualdade há
um caminho evolutivo que o pensador retrata. O homem em estado de natureza, o homem
despojado de toda a civilização, aprendeu e adaptou-se a viver na terra selvagem, sendo os
mais fracos fadados à morte. O homem selvagem era fisicamente, em relação ao homem
civilizado, muito mais robusto e habilidoso a sobreviver no ambiente primitivo, e as suas
preocupações eram imediatas e limitadas à sua sobrevivência. A única desigualdade existente
nesse estado entre os homens era a natural. Das dificuldades da vida na natureza, os
indivíduos foram pouco a pouco progredindo nas técnicas, ciências e exercícios. Percebem os
homens, cada vez mais numerosos com os avanços alcançados, que eram superiores aos
outros seres.

A linguagem, para Rousseau (1991), tornou a comunicação e a assistência mútua


possíveis. Mais avanços fizeram o humano criar a civilização, cada vez mais desigual em seu
interior. As desigualdades tiveram como principais causas em progressividade: 1) a
propriedade que a uns tornou ricos e a outros pobres, bem como deflagrou uma série de vícios
como a rivalidade e a ambição; 2) a criação da magistratura que permitiu a desigualdade do
poder político que foi sempre justificada com argumentos falsos e equivocados, mas que é um

5 Aqui Deus não se apresenta com sua ira em face dos homens como São Tomás tratava. Na verdade, a
legitimidade do governante nem sequer se baseia em Deus, pois é dada pelo povo. A causa da insatisfação
popular é o desvio de finalidade praticado pelos governantes.
23

poder estabelecido pela convenção dos governados, o que dá legitimidade aos governantes; 3)
o despotismo, o poder arbitrário que criou a diferença entre senhores e escravos. Aqui se
observa um processo revolucionário descrito por Rousseau, tendo a desigualdade como sua
causa. Essas desigualdades são também parte da evolução e do progresso da humanidade. No
último estágio desse progresso, o despotismo, a revolução torna-se emergente e legítima ante
a corrupção do governo tirânico e violento que gera um novo estado natural em que todos são
iguais. O que conclui Rousseau é que a desigualdade não é legítima, e somente no estado de
natureza havia autenticidade, liberdade e virtude, diferentemente do que ocorre com o homem
moderno que vive da reputação e dos vícios, na opressão. A revolução então é considerada
pelo autor como “jurídica” e a sua legitimidade baseia-se apenas na força e violência que os
oprimidos possuem para depor quem contra eles foi violento.

Hobbes (2003) acreditava que a guerra dos homens entre si, cada um pensando em si,
era uma condição permanente que exigia o estabelecimento de um governo que imporia pela
força a ordem. O problema é que há uma certa incoerência do pensador ao afirmar que a razão
impunha a todos a busca pela paz e, no fracasso dessa, a preservação própria, inclusive por
meios violentos. Ao não ser que ele se refira a uma dialética entre essas duas leis da razão em
confronto com um instinto de violência, não há como achar coerência nos fundamentos de
Hobbes para a criação do Estado em tal estado permanente de guerra ao mesmo tempo
convivendo com o desejo da paz, pois a guerra é movimento destrutivo que destrói ou
constrói para destruir, o que levaria todos à autodestruição e auto corrosão social. Que
contrato é possível entre estes indivíduos que se atacam e se defendem contínua e
mutuamente? Quem assegurará ao contrato sua validade? Nenhuma constituição
verdadeiramente estável seria possível e o corpo político seria exageradamente mutável ou
inexequível, pois não haveria interesse real de estabilidade e de paz, pois o interesse próprio
individual acabaria por sempre prevalecer.

Ao se observar os contratualistas Rousseau (1991) e Locke (1998), eles consideram


que o poder soberano de quem governa somente é legítimo pela convenção, acordo, contrato
dos governados, o que acaba conferindo à constituição um caráter de contrato dos súditos ou
cidadãos com o(s) governante(s). Mas essa natureza contratual parte de princípios
contestáveis e de uma analogia um tanto criticável. Primeiro, se se observa os princípios de
que partem os autores acima, verifica-se a impossibilidade e incoerências de alguns de seus
raciocínios para uma explicação científica da legitimidade constitucional. Locke (1998)
acredita em um contrato entre governantes e governados, mas essa analogia de sucesso
24

efetivo, embora seja eficiente para um discurso político contra a tirania ou teocracia ao tirar
Deus e a vontade discricionária individual da legitimidade e colocá-la na mão do povo, é falha
no sentido que as vontades de todos os governantes não é vinculada ao governante como num
contrato entre particulares, e os termos deste contrato podem ser injusto para aqueles que não
decidiram escolher os seus termos, o que nos leva a crer que essa analogia não explica a
legitimidade de forma suficiente, embora louvável ou tolerável ante o contexto histórico de
Locke.

Rousseau (1991) inicia seus argumentos acerca do contrato social a partir de uma
constatação não provada, a do “bom homem selvagem”. Para a ciência da época este até
poderia ser plausível, mas não mais se sustenta nos dias atuais. Diante disso, percebe-se que o
princípio de que parte Rousseau vicia na fonte todo seu argumento posterior ao criar uma
novela de formação do contrato social a partir de um arquétipo inexistente, assim como
Hobbes ao afirmar a existência de um estado de guerra constante. A analogia do contrato leva
a crer que as partes estão em situação de igualdade e que há um meio de garantir sua eficácia,
mas nem sempre isso se dá. Tal argumento até pode ser louvável e ter seus méritos retóricos
quando utilizado para justificar que o poder não é uma concessão divina a um homem ou
grupo de homem e atacar a tirania. Mas Hobbes também usou desse argumento para defender
a monarquia e sua arbitrariedade, bem como não descartou a possibilidade de um
representante de Deus entregar o poder a um homem. Então não é o contratualismo um
argumento sempre contrário a monarquias e tiranias. A constituição como contrato ainda hoje
tem força persuasiva, talvez por ser uma forma simples de explicar algo complexo por meio
de um conceito vulgarmente conhecido. Mas esse raciocínio contratualista por seu próprio
método de simplificação da realidade é o seu vício.

1.2.3 O Terceiro Estado de Sieyès, o povo francês

Sieyès (2001), precursor dos estudos sobre o poder constituinte, propôs a resolver três
perguntas: primeiro, o que seria o Terceiro Estado; por segundo, o que era na ordem política
antes da Revolução Francesa; e por último, o que ele, o Terceiro Estado, pedia. Às perguntas
responde que o Terceiro Estado é tudo, antes era nada e pedia para ser algo. Em seguida,
25

examina se essas são as respostas certas, algumas questões importantes para que o Terceiro
Estado seja algo e outras questões importantes no período que antecipa o ápice revolucionário
francês. À pergunta do que é necessário para a subsistência e prosperidade da nação responde,
os trabalhos particulares (a agricultura, a indústria, o comércio e os serviços liberais,
científicos, entre outros) e as funções públicas (compostas pela Igreja, os militares, a
Administração estatal e a classe jurídica).

Criticou, Sieyès (2001), a classe privilegiada, ocupada pela nobreza, que afastava o
Terceiro Estado das funções públicas, privando-a da livre concorrência, sob o fundamento de
que era útil o privilégio de ordens. Indagava-se o que seria o Terceiro Estado sem as ordens
de privilégios, e a resposta dada foi: tudo, pois seria aquele indispensável para a sociedade e
sem os privilegiados a sociedade seria melhor. Apresentava a nobreza, a ordem dos
privilegiados, como uma casta de ociosos que consumia o que o povo produzia, um povo à
parte da nação, cujos direitos políticos eram exercidos também à parte da nação, com
procuradores que em nada satisfaziam o interesse geral, mas tão somente o interesse
particular. Em conclusão, para Sieyès (2001, p. 4-5), que exclui a nobreza do conceito de
nação, este como um “corpo de associados que vivem sob uma lei comum e representados
pela mesma legislatura”, o “Terceiro Estado abrange, pois, tudo o que pertence à nação. E
tudo o que não é Terceiro Estado não pode ser olhado como pertencente à nação. Quem é o
Terceiro Estado? Tudo”. Logicamente, o conceito de nação é injustificável, pois exclui a
nobreza do Terceiro Estado ao mesmo momento que considera este como tudo, mas a
argumentação é artifício estilístico e político para deslegitimar a nobreza.

Sieyès (2001) afirma a impossibilidade de a nação ser livre sem que o Terceiro Estado
também o seja. E não seria por privilégios, mas por direitos pertencentes a todos os cidadãos
que haveria liberdade. Ataca, o abade, a aristocracia, que se via como de sangue nobre e era
privilegiada por certas leis, exceções da lei comum aplicada aos não privilegiados, a qual para
ele implica na necessidade pela classe desprivilegiada de suportar vários infortúnios por não
terem privilégios. E exclui aqueles que obtêm o título de nobreza 6 ou cuja nobreza seria
recente, favorecidos pelos mesmos privilégios dos nobres de sangue, da ordem comum, do
interesse geral, do povo. Os privilégios se opõem ao direito comum.

Sieyès (2001) não via, tanto no Poder Legislativo como no Executivo, qualquer
representação do Terceiro Estado. No legislativo, como no executivo, a usurpação do poder
6 A nobreza podia ser adquirida mesmo sem que houvesse um passado ou sangue nobre. Muitos
burgueses ricos adquiriam esse tipo de nobreza.
26

pela Igreja, os militares e juízes gera uma “aristocracia” que reina. Além disso, o regime não
era, na verdade, monárquico, pois quem reinava verdadeiramente e quem exercia a função
pública eram os membros da corte que compunham a aristocracia francesa. Via Sieyès (2001,
p. 12) “A aristocracia, sozinha, combatendo ao mesmo tempo, a razão,a justiça, o povo, o
ministro e o rei (...)”. E concluiu que os direitos políticos do Terceiro Estado eram nulos, pois
não haviam representantes para o povo.

Três pedidos são feitos por Sieyès (2001, p. 16-25) em nome do Terceiro Estado, o
primeiro é “Que os representantes do Terceiro Estado sejam escolhidos apenas entre os
cidadãos que realmente pertençam ao Terceiro Estado”. O segundo pedido é que “seus
deputados sejam em número igual ao da nobreza e do clero”. Pede por último em favor do
Terceiro Estado a emissão de votos “não por ordem mas por cabeças”, pelo que desejava
assim que o povo tivesse semelhante influência que possuem os privilegiados, mas reconhece
que estes não estão interessados nessa igualdade política. Para Sieyès (2001, p. 45),
insatisfeito com o esquema político francês em que os privilegiados apenas defendiam seus
próprios interesses, também era contrário às tentativas de imitação da constituição inglesa
defendida por alguns como adequada. Clamava ele para que os franceses tomassem uma
constituição que servisse de modelo para as nações e assim interrogava:

Em toda nação livre — e toda nação deve ser livre — só há uma forma de acabar com as diferenças, que
se produzem com respeito à Constituição. Não é aos notáveis que se deve recorrer, é à própria nação. Se
precisamos de Constituição, devemos fazê-la. Só a nação tem direito de fazê-la. Se temos uma
Constituição, como alguns se obstinam em afirmar, e que por ela a assembléia geral é dividida, de acordo
com o que pretendem, em três câmaras de três ordens de cidadãos, não podemos, por isso deixar de ver
que existe da parte de uma dessas ordens uma reclamação tão forte, que é impossível avançar sem julgá-
la. E quem é que deve resolver tais divergências?

Para responder, Sieyès (2001, p. 46-48) discorre primeiro, tratando o “mecanismo


social” como uma “máquina ordinária”7, acerca das três épocas que compõem a formação das
sociedades políticas: 1) a da associação, em que os indivíduos sentem a necessidade de unir-
se formando então a nação com todos os direitos e originando o poder; 2) a da ação da
vontade comum quando há necessidade de “dar consistência à sua união; querem cumprir seu
objetivo”, e por último 3) a da ação da vontade comum representativa em que o número
exagerado de associados faz com que sejam confiados a alguns o exercício de porção da
vontade nacional originando o “governo exercido por procuração”. Em seguida concebe a
constituição de um corpo político como “a organização, formas e leis próprias para que
preencha as funções às quais quisermos destiná-lo”.

7 Havia na época uma visão pelos intelectuais em ver o mundo como uma máquina, o mecanicismo, pelo
que Sieyès também usa essa analogia para explicar a sociedade.
27

Vê-se em Sieyès uma busca da igualdade política, diante da expressiva desigualdade


na França, onde alguns tinham privilégios e outros deviam se submeter aos ônus de tais
privilégios. O poder de influenciar a decisão política deveria ser, para o abade, da classe que
sustentava toda essa rede de privilegiados que arrotavam às suas custas, classe essa
reconhecida como o Terceiro Estado, aquele que deveria decidir os rumos da nação. Mas para
chegar a tais conclusões, Sieyès partiu de noções construídas antes mesmo dele, como a de
contratualismo e de nação. E foi da tradição revolucionária da qual fez parte que ele chegou à
conclusão de que ao povo devia ser dado todo poder, noção similar é encontrada hoje em dia
em muitas constituições, como a nossa que diz: “todo poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente”.

1.2.4 Fundamentos da revolução marxista russa, os camaradas Marx e Engels

Segundo Gilissen (1995, p. 221-224), o sistema político e jurídico da Rússia soviética


seguiu a base filosófica marxista-lenilista, sendo que o regime soviético seria concebida por
seus componentes como uma fase de transição até o “comunismo integral”. E apesar de Marx
ou Engels não terem aprofundado acerca dos problemas jurídicos do estado de transição ao
fim socialista, todo sistema jurídico é baseado no pensamento destes e nas adaptações feitas
principalmente por Lênin, Stálin e Trotsky que se viram na “necessidade de adaptar a doutrina
marxista a um país agrícola cercado por países capitalistas”.

Afirma Garaudy (1967, p. 53-54), biógrafo de Marx, três fontes da qual o filósofo
alemão se serviu para o seu pensamento: a filosofia alemã, a economia política inglesa e o
socialismo francês. E a chave do pensamento de Marx é “a noção de alienação do trabalho à
qual convergem as três fontes”. Mas pode-se ainda discernir quatro fontes do conceito de
alienação, “o problema da relação entre a atividade humana e os objetos e instituições que ela
criou”: 1) a fonte econômica, proveniente dos economista e que considera alienação “a
transmissão a outra pessoa de uma propriedade”, como a venda; 2) a fonte jurídica que trata
da alienação como “a perda da liberdade originária, sua transferência à sociedade pelo
contrato social”, no sentido dos contratualistas; 3) a fonte filosófica, advinda de Fichte, para
28

quem a “alienação é o ato pelo qual o sujeito estabelece o objeto”; e 4) a fonte teológica que
trata a criação do mundo por Deus como alienação8.

Do conceito de alienação sobrevém a necessidade de revolução socialista de Marx,


pois seria pela revolução que o humano se libertaria da alienação em todos os sentidos acima.
Para Marx (2008), há uma luta de classes em curso. As condições econômicas tornam a
população de uma nação em trabalhadores que associados formam a classe proletária que
busca defender seus interesses de classe. Do outro lado, a burguesia, outra classe que evoluiu
no período monárquico e feudal, após destruir os pilares desses dois períodos, construiu uma
nova sociedade, sendo ela a detentora das forças produtivas e que por isso alienou a classe
proletária. A classe oprimida, no caso moderno, a classe proletária, a classe produtiva e
revolucionária estão em luta contra a burguesia, que antes oprimida pela realeza tornou-se a
classe opressora.

Marx e Engels (2005, p. 42-45) acusam a burguesia como responsável por destruir as
“relações feudais, patriarcais e idílicas” e fazer “da dignidade pessoal um simples valor de
troca”. Remete, os pensadores socialistas, a um passado em que havia liberdades diversas,
antes da revolução burguesa, mas que foram substituídas pela liberdade comercial tão
somente. Acusam aos burgueses de diversos males: “Fez do médico, do jurista, do sacerdote,
do poeta, do sábio seus servidores assalariados”; “rasgou o véu do sentimentalismo que
envolvia as relações de família e reduziu-as a meras relações monetárias”. Trata-a como
classe exploradora que busca enraizar-se em todo o planeta e que criou por isso a
interdependência comercial, cultural e industrial entre as nações, cada vez mais dependentes
do capitalismo burguês. “A burguesia submeteu o campo à cidade”, suprimiu “a dispersão dos
meios de produção, da propriedade e da população”, “criou forças produtivas mais numerosas
e mais colossais do que todas as gerações passadas em seu conjunto”. Mas em seu tempo, os
socialistas acusam o sistema burguês em crise, com o objetivo de se recuperar das crises, de
destruir violentamente a própria força produtiva, os operários, bem como de conquistar mais
mercados explorando mais intensamente os antigos mercados.

Marx e Engels (2005, p. 46-51) alertavam que a própria burguesia produziu os seus
coveiros, os proletários, estes brutalizados pela burguesia industrial da época. Primeiro
vitimados pelos fabricantes, depois explorados por “outros membros da burguesia: o senhorio,
o varejista, o penhorista etc.”. Passavam os explorados por diferentes etapas: primeiro

8 Daí Deus ser tratado como o ópio do povo por Marx.


29

lutavam isoladamente, depois uniam-se os operários de uma fábrica contra o patrão, após isso
formavam associações em defesa do salário, contra a depreciação causada pelas instabilidades
do capital e o uso mais comum das máquinas. Os motins e insurreições alastraram-se então. E
a união dos revoltosos era o verdadeiro triunfo proletário que avançava graças aos próprios
avanços da indústria humana, a ferrovia e o telégrafo. Também aproveitavam-se os operários
da cisão e luta constante da burguesia contra a aristocracia, dos burgueses de nações
diferentes e com burgueses não-industriais contra industriais. A própria burguesia e o lúmpen-
proletariado perdiam membros para a classe revolucionária, a classe proletária 9. Classe esta
que considerava o direito, a moral e a religião (superestrutura) como “meros preconceitos
burgueses, atrás dos quais se ocultam outros tantos interesses burgueses”; cuja missão para
conseguir o poder seria “destruir todas as garantias e seguranças da propriedade privada”, o
que confrontaria diretamente o liberalismo econômico; e que em cada nação deveria liquidar a
burguesia nacional.

Marx e Engels (2005, p. 51-59), acerca dos comunistas, destacam que seus interesses
são os mesmos do operariado, distinguindo-se apenas porque sempre defendem os interesses
operários independentemente de nacionalidade e fase revolucionária. Defendem-nos, também,
das acusações de abolição da pátria, da religião, da família, do direito e dos costumes.
Prevêem a espoliação de todo o capital burguês pelos proletários. E é da revolução proletária,
segundo os marxistas, a única forma de acabar com a opressão capitalista, que surgirá a nova
sociedade, uma sociedade sem classes, portanto, sem opressão. Esse sentido da revolução irá
superar a visão liberal anterior e irá demarcar uma nova forma de enxergar a revolução. De
Karl Marx e Friedrich Engels provém a forma de pensar predominantemente o processo
revolucionário socialista na Rússia, onde se operou uma revolução socialista, mas que não
seguiu uma ordem propugnada por Marx.

Trotsky (1980, p. 36-37) adverte que o regime soviético de sua época não era sequer
“socialista, mas transitório entre o capitalismo e o socialismo, ou preparatório para o
socialismo”. Pois socialista é o regime anterior ao comunista, este o estágio final em que não
haveria mais lutas de classes, pois cessadas a desigualdades. Cabe à constituição socialista ser
uma norma com o fim último de alcançar aquele estado de coisas em que Karl Marx
acreditava, a humanidade há de alcançar necessariamente, pois decorre de uma necessidade
histórica.

9 Camadas mais baixas da velha sociedade


30

Outro ponto importante para o marxismo foi a do parceiro intelectual de Karl Marx,
Engels (1984, p. 191) que tinha a seguinte concepção do estado que em muito influenciou o
regime soviético:

O Estado não é, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é "a
realidade da idéia moral", nem "a imagem e a realidade da razão", como afirma Hegel. É antes um
produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de
que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por
antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes
com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril,
faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o
choque e a mantê-lo dentro dos limites da "ordem". Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima
dela se distanciando cada vez mais, é o Estado.

Com tal concepção é que Lênin (1970, p. 9) se insurgiu asperamente contra aqueles
que considerou terem desviado o marxismo, como o socialista Kautsky. Ele acusava estes de
terem tomado o estado como “órgão de conciliação das classes”, o que para o líder socialista
era inconciliável com a doutrina marxista que, tomando a concepção engelsiana, não pode
aceitar o estado como capaz de conciliar os interesses de classes distintas, mas apenas atenuar
o conflito que não pode ser resolvido senão pela revolução proletária. O líder soviético buscou
seguir os ensinamentos marxistas, defendendo o socialismo em âmbito político e intelectual.
Em sua defesa do regime socialista implantou uma ditadura, acreditando, assim, estar
realizando a ditadura do proletariado, o que em sentido marxista seria uma democracia, o
governo da massa de trabalhadores. No entanto, essa ditadura acabou se revelando mais uma
das atrocidades históricas que a humanidade foi capaz de realizar.
31
32

2 PARÂMETROS HISTÓRICOS: REVOLUÇÃO AMERICANA, REVOLUÇÃO


FRANCESA E REVOLUÇÃO RUSSA

2.1 REVOLUÇÃO AMERICANA E OS FEDERALISTAS

2.1.1 Histórico da Revolução Americana

Wood (2013, p. 24-34) narra que em 1763 o “Tratado de Paris selou a supremacia
britânica sobre a metade oriental da América do Norte” e pôs fim à Guerra dos Sete Anos;
entre a metade e meados do século XVIII, o crescimento e os movimentos populacionais cada
vez mais rápidos tornaram-se a base da mudança de postura com que a Grã-Bretanha via as
suas colônias, além disso, a faixa de solo usada no Leste das colônias americanas inglesas
começou a dar sinais de exaustão, o que fez aumentar o número de colonos em todas as
classes a buscarem terras ao Oeste. As consequências disso foram a falta de controle do
estado sobre os colonos migrantes, o que ocasionou o predomínio de ilegalidades, e a
“fragmentação de lares, igrejas e comunidades”.

A lacuna do poder estatal da França e Espanha de terras americanas com o Tratado de


Paris tornou a Grã-Bretanha a responsável pelo trabalho de pacificação entre indígenas e
colonos. Ocorre que os colonos desejosos de terra e os comerciantes de pele possuíam
interesses divergentes dos índios, logo o conflito tornou-se incontornável. Atrocidades foram
cometidas pelos indígenas descontentes com os colonos e como reação a guerra contra
aqueles foi consumada, causando grande número de mortes.. Outro resultado da expansão
demográfica foi o enfraquecimento da “legitimidade das autoridades constituídas”. Grupos
armados rebeldes realizavam atos de violência no início da segunda metade do século XVIII,
o que ocorria por causa da “falta de representatividade e o distanciamento do poder político”.
33

Conta Wood (2013, p. 34-33), acerca da expansão econômica anglo-americana, que


em meados do século XVIII fez aumentar o nível social dos americanos, que por causa da
explosão do preço dos produtos agrícolas tiveram imenso aumento de suas riquezas, foi a
"revolução do consumo”. Além disso, o crédito obtido da Grã-Bretanha e Escócia aumentava
ao longo do século XVIII e a manufatura colonial se expandia. “As novas forças demográficas
e econômicas minaram a tradicional estrutura paternalista da sociedade colonial”. A
instabilidade religiosa também era vultosa, e várias denominações novas surgiam com
insatisfação das igrejas luxuosas e soberbas. “É difícil acreditar que alguém, em meados do
século XVIII, soubesse como controlar as poderosas forças econômicas e sociais que
moldavam o mundo anglo-americano”.

Foi a chegada em 1760 de Jaime III ao trono inglês, para Wood (2013, p. 41-63), que
marcou o fim do delicado equilíbrio anglo-americano. O novo rei ao realizar decisões
políticas erradas, embora bem intencionadas de “limpeza política”, teria causado um
rompimento com as convenções políticas assumidas pelos seus antecessores. Contribuíram
também, para o desequilíbrio, o aumento do caos político inglês entre whigs10 e tories11,
principalmente com a desconfiança contra ministros que fossem apoiados pelo Parlamento, e
sobretudo os whigs, assim como a escolha de líderes, constantemente trocados, que se
mostraram desastrosos, como lorde Chatham. Soma-se a tudo isso o aumento de revoltas
internas na Grã-Bretanha e na Irlanda com reivindicações contra o sistema político vigente.
Tornou-se imperioso algumas medidas do governo em relação às colônias, como a criação de
novos governos na América e da reserva indígena nos Apalaches com o objetivo de aproximar
os colonos do sistema mercantil e proteger a região de invasores, o que não ocorreu. A forma
apressada de reforma fez terras ocupadas por colonos, por exemplo, tornarem-se reservas; e
aumentou a sede de especuladores que negociavam para estender para mais ao Oeste a linha
de divisão das reservas. Além disso, protestantes temiam que o rei pretendesse criar uma
província católica na região. Houve ainda um aumento drástico de leis comerciais
burocráticas, aumento de taxas de alfândega e acréscimo do poder de fiscalização
alfandegário que aumentaram ainda mais as queixas dos colonos. A extensão do imposto
sobre selos sobre papéis como jornais, documentos legais, anuários, entre outros foi o último
golpe ao qual os colonos responderam com mais força.

A partir da primeira década de 1760 inúmeras falências causadas pelas medidas do

10 Partido defensor da linha liberal de governo.


11 Partido de caráter conservador da Grã-Bretanha.
34

ministro Grenville do governo inglês, a baixa no preço do tabaco, seguida de uma crise de
crédito foram incentivos ao descontentamento do povo americano em face da monarquia. A
primeira rebelião organizada ocorreu nesse período em que houve a instituição da Lei da
Moeda (1764)12, Lei do Açúcar (1764)13, a Lei do Selo (1765)14, leis que foram instituídas sem
que fosse dado ao povo americano o direito de opinar, o que tentaram fazer por meio de uma
petição enviada sem qualquer resposta ou consideração pela monarquia. Associações secretas,
como Os Filhos da Liberdade que promoviam encontros para estudar as obras políticas,
protestar por mais direitos, promover campanhas anti-britânicas etc., realizaram protestos e
atos de descumprimento da lei apoiados pelo próprio poder legislativo instalado nas colônias.
Havia questionamentos acerca da relação constitucional entre metrópole e colônia.

Como reação dos ingleses houve a revogação da Lei do Selo e a criação de três
tribunais superiores na colônia, uma secretaria de Estado para os assuntos norte-americanos, o
Conselho Aduaneiro Americano subordinado ao Tesouro e houve a transferência da
concentração do Exército do oeste para a área costeira, sendo os colonos responsáveis por
sustentá-lo. Essa última medida foi infeliz, pois contribuiu para o estado caótico no oeste. No
final da década de 1960 o governo e os colonos atritam-se e ocorrem na colônia atividades
panfletárias15, boicotes, manifestações declarando a inconstitucionalidade das taxações sem
representatividade, conflitos entre tropas e civis16, denúncias diárias contra as autoridades. O
ambiente respirava pólvora. Medidas do ministro Lorde North evitaram a explosão por um
curtíssimo período de dois anos. Contudo, não impediu episódios de resistência a medidas do
governo, declarações de afronta a direitos dos americanos e discussões sobre a independência
das colônias. A promulgação da Lei do Chá que tentava impedir a falência da Companhia das
Índias Ocidentais piorou ainda mais a situação ocasionando a Festa do Chá, a destruição da
carga de chá por patriotas americanos em 1773. Como retaliação da metrópole foram
elaboradas leis limitando o poder político da colônia, exigindo reparos à destruição do chá,
permitindo confisco de propriedades para alojar tropas, eram as chamadas Leis Coercitivas.

Nesse período conflituoso, um grande debate constitucional ocorria. Um deles


referente à representatividade. Os norte-americanos não tinham representatividade de fato,
mas virtual, pois não podiam eleger seus representantes, sendo que os ingleses defensores do

12 Que proibia as colônias de emitir papel-moeda com a intenção de controlar a crise financeira.
13 Impunha adicionais à taxa sobre os impostos sobre o açúcar.
14 Lei que taxou papéis impressos, como cartas, jornais, revistas, livros.
15 Entre os panfletos mais conhecidos ficou Cartas de um seareiro da Pensilvânia, de John Dickinson;
Considerações sobre a capacidade de lançar impostos, de Daniel Dulany.
16 O “massacre de Boston” foi o ponto crucial da presença de tropas inglesas na colônia.
35

regime vigente acreditavam que a representação por cada representante se estendia para toda a
nação e não apenas para a região da qual provinha o representante. Outro aspecto do debate é
sobre a soberania do Parlamento sobre a colônia. Os colonos aceitavam a soberania do
Parlamento, mas não aceitavam impostos sem a participação de sua representação. Uma vez
que os norte-americanos aceitavam a soberania do Parlamento, não haveria, para a metrópole,
sentido em dividir a autoridade imperial sobre alguns assuntos, ou os colonos eram parte da
Grã-Bretanha, sujeitos a sua autoridade ou não, pois não havia como serem sujeitos apenas no
que escolhessem ser, pois estariam se tornando a sua própria autoridade ao escolher em quais
assuntos deveriam ser governados17. Além disso era incompreensível à época a soberania de
dois parlamentos, não sendo possível haver um parlamento americano e outro na metrópole.
Sendo assim, somente a independência poderia garantir uma coerência constitucional, pois se
não era possível dois parlamentos para uma mesma nação, haveria um parlamento para uma
nova nação.

Thomas Jefferson e John Adams em 1774, segue Wood (2013, p. 72), argumentavam
que somente as assembleias legislativas das colônias tinham soberania na América e a única
ligação com a Inglaterra era por intermédio do rei. Nesse mesmo ano, as Leis Coercitivas
tiveram início ao mesmo tempo que surgiram vários entes de governo informais, como
comitês municipais e congressos provinciais, competindo com os governadores reais. Os
colonos organizaram um congresso entre as 12 das 13 colônias (a Geórgia não participou)
chamado Congresso Continental da Filadélfia (Congresso Continental Constitucional) do
qual teve como resultado uma petição de protesto contra o rei Jorge como o destinatário, o
qual embora concedeu alguns privilégios ao colonos, também aumentou o número de
soldados na América. Os colonos e os soldados começaram a entrar constantemente em atrito,
o que resultou em um Segundo Congresso da Filadélfia, de que até a Geórgia participou, e
apenas reiterou a petição anterior ao rei que decretou estado de rebeldia das colônias. Thomas
Paine panfletava seu incendiário Senso Comum que era lido pelos colonos cada vez mais
ávidos por mudanças, separação entre a colônia e o império.

Em julho de 1776 o Congresso da Filadélfia declara a independência documentada na


Declaração da Independência dos Estados Unidos, sendo Thomas Jefferson um dos

17 Era a teoria política inglesa da época crente na ideia de que somente havia uma autoridade
incontestável, indivisível, suprema e final dentro do estado, não sendo possível outra. A Lei Declaratória de 1766
deixa isso bem explícito. Além disso, era inconcebível que o Parlamento se sujeitasse à Colônia, pois era um
ente reverenciado pelos ingleses que o tratavam como um órgão que limitava os excessos da realeza. O que os
norte-americanos não aceitavam era a ideia de que o Parlamento era ilimitado em poderes, apesar de aceitar que
era soberano.
36

principais colaboradores. Manifestações de entusiasmo e atos de vandalismo se espalharam


pelas colônias, após a declaração. George Washington foi incubido de comandar o combate
que se daria pela independência, minutemens18 foram armados para o combate, o Exército
Continental foi organizado por Washington, milícias sabotavam o Exército Inglês,
mercenários alemães foram contratados para lutar. Apesar disso, a Marinha e o Exército
ingleses eram bem equipados e preparados, e a luta não se revelou fácil para os colonos,
sendo que os ingleses em seus atos truculentos uniram mais e mais os norte-americanos.
Somados a isso ainda haviam colonos traidores, indiferentes à luta ou aliados dos ingleses.A
rivalidade européia favoreceu os norte-americanos que tiveram o apoio francês, espanhol e
holandês. A França e a Espanha receberam territórios após a guerra de independência.

Em outubro de 1781 a vitória decisiva foi alcançada e houve o reconhecimento de


nações como a França e Espanha da independência norte-americana. Apesar de independente,
a nova nação não possuía sentimento de nacionalidade, o que seria construído pouco a pouco.
A união ainda era frágil, e dissidências internas surgiram entre os norte-americano. Também
não era algo ainda visto sob o céu, uma nação surgir por um movimento de independência. A
organização interna seria realizada por meio de uma Constituição que teve inicialmente como
base um texto de Benjamin Franklin e tinha como principal problema, entre outros, o grau de
liberdade dado às colônias isoladamente consideradas (sistema federativo ou governo
centralizado forte?). A comissão elaboradora durou quase três anos em meio a
desentendimentos. A Constituição enfim alcançada era uma inovação política e tinha a ideias
de Locke, o pensamento político de Montesquieu, a noção de representatividade popular, o
federalismo como influências principais. Sua abstração e vaguidão de princípios tornou-a uma
Constituição duradoura, vigente até hoje, com a Corte Suprema decidindo as
inconstitucionalidades e constitucionalidades de leis e atos.

A Revolução Americana também foi um processo de independência. Mas diferente do


que ocorreu no Brasil, por exemplo. A independência norte-americana cortou todos os
vínculos com o império e o sistema monárquico de governo. Uma República Federativa
Presidencial surgiu pela primeira vez na história. Por ter havido mudança brusca na sociedade
e no governo, pelas condições de opressão e exclusão da participação política das colônias,
bem como pela violência empregada no processo de independência, sociologicamente, a
independência norte-americana revela também um processo revolucionário. O que, no
entanto, representa fundamental característica revolucionária é a mudança radical na forma de
18 Homens prontos para combater a qualquer minuto.
37

pensar dos norte-americanos que não viam mais no monarca um ser legitimado por Deus,
sendo o protestantismo e o deísmo, ao lado do iluminismo, importantes movimentos no
processo de deslegitimação da monarquia e transferência da titularidade do poder constituinte
para o povo.

Se observa-se o processo de independência norte-americano do ponto de vista


sociológico, vê-se que ele teve as várias fases citadas por Sztompka (2005). Do ponto de vista
das ideias que a fundamentaram, também é inegável a influência revolucionária, sobretudo a
de Locke e Paine, bem como as consequências da revolução sobre o nosso tempo, inclusive
no direito. A Constituição Americana surgiu da necessidade de implantação de um novo
regime político não mais sustentado por uma monarquia. Essa revolução constitucional
somente existiu porque houve uma revolução que a antecedeu. Daí pode-se dizer que, nesse
sentido, foi a revolução que legitimou a Constituição. O poder constituinte originário, o povo,
foi o responsável pela elaboração da nova constituição. O povo manifestou o seu poder
através da revolução.

A Revolução Americana, segundo Karnal et al. (2007), influenciou a Revolução


Francesa, tanto pelo enfraquecimento econômico da França com seus gastos no auxílio aos
americanos, como pelo abalo político ao regime monárquico ante os ideais que inspiraram a
Revolução Americana. Vemos que foi um tiro no próprio pé o que a monarquia francesa fez
ao apoiar os norte-americanos. A revolução acabou se voltando contra o próprio Ancien
Régime francês que se viu atolado em crises financeiras e dificuldades de sustentar ainda os
fundamentos da própria monarquia.

2.1.2 Os Federalistas e a revolução, a restauração da segurança

A primeira constituição escrita do mundo é reconhecida como a americana, elaborada


pela Convenção da Filadélfia, de 1787, e surgida como fato histórico decorrente da
emancipação da colônia em relação à metrópole, mas que levou cerca de dez anos para ser
finalizada. Aponta Castro (2007) que em 1777, ao mesmo tempo que a Declaração de
Independência era redigida, o Artigos da Confederação era também elaborado por outra
comissão paralela. Estes artigos eram insuficientes para manter a união das Treze Colônias,
38

uma vez que tirava do Congresso o direito de instituir taxas e impostos, o que tornava
impossível a manutenção e pagamentos de dívidas da União. Além disso, não haveria
Suprema Corte ou Poder Executivo Federal e então foram feitas reuniões para realizar
emendas.

Após a revolução havia a necessidade de estabilidade do estado instituído que era a


amálgama de vários estados menores sem um sentimento de nação homogêneo. Com a
vitoriosa revolução surgiu um dever posterior, o de elaborar nova constituição. O trabalho de
elaboração da constituição foi para Castro (2007, p. 237) uma busca dos colonos recém-
independentes de “manter a união das antigas Treze Colônias sem ferir o princípio de
autodeterminação que tanto contribuiu para que esta luta saísse vitoriosa”.

Com a revolução, a participação de classes de menor poderio econômico passaram a


ter maior participação na política americana, o que gerava desconfianças e receios nas elites
americanas com esse avanço da democracia. Havia uma necessidade de unir os estados em
torno de uma autoridade central, sob o risco de um processo de desunificação dos estados e
conflitos entre eles. Da leitura de O Federalista podem ser extraídas noções sobre o que
fundamentou a Constituição Americana até hoje vigente e assim também verificar o objetivo
de união das Treze Colônias. Observa-se em várias passagens que o mesmo ideal que levou os
americanos a lutarem por sua independência se separando da metrópole, está presente nos
Federalistas James Madison, Alexander Hamilton e John Jay ao tentarem unir os estados em
uma federação.

O federalista Hamilton (1993, p. 93) acreditava que o povo americano foi destinado a
decidir de forma correta, sob pena de desgraça de toda a humanidade, se “são as sociedades
dos homens realmente capazes de instituir um bom governo a partir da reflexão e da escolha,
ou estão fadadas a depender para sempre do acaso e da força em suas organizações
políticas?”. Jay (1993, p. 98) ao defender a união das colônias lembra ao seus interlocutores
remetendo-os à revolução:

Até hoje prevaleceram sentimentos similares entre homens de todas as ordens e seitas. Para os nossos
propósitos gerais, temos sido uniformemente um só povo, cada cidadão individual gozando em toda parte
dos mesmos direitos, privilégios e proteção nacionais. Como uma nação, fizemos paz e guerra; como uma
nação, formamos alianças, firmamos tratados e participamos de vários pactos e convenções com Estados
estrangeiros.

Jay (1993) também coloca a garantia da segurança, tanto contra contra perigos
externos como internos, como um dos principais fatores que o povo deve dirigir a atenção e
39

argumenta que a união das colônias em um governo nacional torna mais resistente aos perigos
da guerra justa ou injusta e dissidências entre estados vizinhos da América motivadas por
disputas comerciais, pretensões políticas ou pessoais. Toma, o federalista, como exemplo, em
relação à segurança contra guerras externas, a Grã-Bretanha que se não fosse unida não teria a
segurança militar e o poderio bélico que à época possuía, pois as ordens seriam destoantes e
os recursos escassos. Rivalidades internas também são indicadas como perigos contra o povo
ao qual a união da América em um governo uno seria um forte fator da paz e segurança.
Outros pontos importantes levantados são sobre a possível dissidência dos estados por causa
da divisão das terras a Oeste obtidas após a Revolução Americana e revertidas para a
propriedade da União que teriam, com a separação dos estados, que serem redistribuídas; e a
questão do rateio da dívida pública da União entre os estados que provavelmente seria
conflituosa com uns suportando encargos mais pesados que outros. Observa-se uma forte
apreensão quanto à possibilidade de guerras e revoltas deflagradas pela separação dos Estados
Unidos.

A União para os federalistas era vantajosa ao povo americano e deveria ela ser
preservada pela constituição, sendo que conforme Hamilton (1993, p. 201):

Os principais objetivos a serem atendidos pela união são: a defesa comum dos membros, a preservação da
paz pública, seja contra convulsões internas ou ataques externos, a regulação do comércio com outras
nações e entre os Estados, a superintendência de nosso intercurso político e comercial com países
estrangeiros.

Como se nota, na Constituição Americana encontram-se expressas em artigos e


emendas as intenções dos americanos de ter uma união forte o bastante para garantir os
objetivos desejados acima. Veja-se o próprio preâmbulo da constituição americana:

We the People of the United States, in Order to form a more perfect Union, establish Justice, insure
domestic Tranquility, provide for the common defense, promote the general Welfare, and secure the
Blessings of Liberty to ourselves and our Posterity, do ordain and establish this Constitution for the
United States of America.

O que importa salientar aqui é o espírito que insuflou os americanos no momento de


elaboração e interpretação constitucional, a inspiração em princípios do iluminismo e na
experiência política e histórica adequados à nova situação, uma colônia recém liberta da
metrópole, para a elaboração de um novo ordenamento constitucional baseado na razão e nas
aspirações de um povo novo em busca de novas oportunidades ou fugindo às perseguições
religiosas. O mundo depois da Revolução Americana nunca mais foi o mesmo, inclusive em
relação ao direito.
40

2.2 REVOLUÇÃO E CONTRA REVOLUÇÃO FRANCESA

2.2.1 Revolução Francesa e a Revolução Constituinte

Na França do século XVI ao XVIII acreditava-se em leis divinas que os próprios reis
não podiam sobrepor. Mas, como pergunta Gilissen (1995, p. 304-305), “o que fazer se o rei
violasse as leis divinas?”. Uma das soluções para os monarcômacos19 era matar o rei, o que foi
executado algumas vezes20. No século XVIII, tentou-se uma revolução. A Revolução Francesa
teve resultados que tiveram reflexo na experiência constitucional mundial e brasileira, assim
como em muitos movimentos de insurreição. De forma sintética, a Revolução Constituinte
Francesa21 seguiu a seguinte linha temporal:

No século XVIII, conta Vovelle (1994) a França ainda era uma nação camponesa,
feudal, e atravessava um período de carestia e de crise dos meios de subsistência com imensa
população de miseráveis; além disso havia a opressão do imposto senhorial sobre a terra que
incluíam o foro, o champart22, taxas etc.. A sociedade era composta basicamente das
seguintes ordens: o clero, a nobreza23 e o Terceiro Estado (a burguesia 24). O absolutismo,
sistema político em que o Estado representado pelo rei possui autoridade máxima, era
mantido por uma monarquia justificada divinamente e que juntamente com o feudalismo e o
equilíbrio das ordens acima compunham o ancien régime. O monarca também não se
mostrava uma pessoa adequada ao posto que ocupa por suas características: timidez, tibieza,
ausência de carisma. Na década de 1780 houve uma estagnação do preço do trigo e
superprodução vitícola que prejudicaram a economia, assim como um acordo da França com a
Inglaterra que prejudicaram os tecelões franceses.

19 Os que combatem a monarquia tirânica


20 Assassiram-se Henrique III e Henrique IV na segunda metade do séc. XVI.
21 Não se vai além da Revolução Constituinte Francesa, que vai de 1789 a 1791 para não se estender
demais.
22 Direito dos proprietários da terra sobre parte da colheita.
23 Nessa ordem ou classe haviam grupos mais ricos e influentes que outros, sendo que alguns desses
endividaram-se cada vez mais e outros estavam em decadência, embora alguns nobres ganhassem mais dinheiro
com as rendas fundiárias em crescimento.
24 Burguesia que inclui artesãos, comerciantes, fabricantes, empresários, procuradores, advogados,
notários, médicos.
41

Entre 1787 e 1789 ocorreu algo chamado por alguns de ‘pré-revolução’, uma
revolução aristocrática, em que nobres e parlamentares buscaram reformas, mas mais para
manterem seus privilégios do que para manterem a monarquia; nesse período ocorreram
reformas buscando amenizar a situação de crise com entrada e saída de ministros; em Agosto
de 1788 foram convocados os Estados Gerais para maio de 1789. Em março de 1789 foram
realizadas as eleições para os Estados Gerais; em maio foi inaugurada a sessão dos Estados
Gerais. O Terceiro Estado passou por vários nomes: Comunas, Assembleia Nacional e
Assembleia Nacional Constituinte. Em junho de 1789, o Estado ainda tentou restabelecer o
poder sem sucesso, ante a oposição do Terceiro Estado que comprometido em estabelecer a
Constituição lançou as bases de um novo poder.

Em julho de 1789 as tropas concentraram-se em Paris e o ministro Necker, que foi


chamado a fazer reformas e possuía grande popularidade, foi afastado, mas a população
parisiense organizada, que desde junho se armava, interviu, e no dia 14 deste mês toma a
Bastilha, símbolo do arbítrio monárquico, o que acarretou na readmissão de Necker dois dias
depois. Além de Paris, outras cidades pacífica ou violentamente também realizaram suas
“revoluções municipais”. A “revolução camponesa” contra os nobres ocorreu nas zonas rurais
com violência na segunda metade de julho de 1789, o Grande Medo, que é a entrada dos
camponeses na Revolução Francesa, não sem os protestos da burguesia temerosa da violência
provocada.

Em agosto de 1789 o feudalismo é abolido na França, com renúncia da nobreza e clero


dos seus privilégios, e o Ancien Régime tem seu fim na sociedade e nas instituições. Na
década de 1790 a melhora da economia arrefece o clima revolucionário, enquanto a burguesia
lançava as bases para o novo regime que culmina na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão e na nova Constituição. O processo constitucional faz surgir três tendências políticas:
a monarquista (de centro), a patriota (de esquerda) e a aristocrática (de direita). Aqui
paramos, mas a Revolução Francesa continuará… Continuará na produção de efeitos na
França e no mundo. Entre os efeitos está, como observa Gilissen (1995, p. 237-238), a
predominância na estatalidade do direito moderno, “cada Estado tem o seu direito, geralmente
unificado”. E a lei tem uma ascendência em relação ao costume a partir do humanismo, da
Renascença e da Revolução Francesa.

O declínio do direito canônico e romano, o avanço da legislação sobre o costume, a


redução à escrita dos costumes, a unificação do direito por via legislativa, segundo Gilissen
42

(1995, p. 244-249) são aspectos do direito da época moderna que se iniciam no século XIV e
seguem até à Revolução Francesa, ponto de ruptura brutal entre os “tempos modernos e a
época contemporânea”. As consequências mais abrangentes disso são a formação de um
direito baseado na lei, no predomínio da escrita no direito e na unidade do direito dentro de
um estado soberano contemporâneo, algo que pode-se observar muito bem no direito
brasileiro. No Brasil predomina a lei escrita nacional sobre as outras fontes jurídicas.

Foi inspirado nos fisiocratas, na escola do direito natural, na Revolução Americana


que, segundo Gilissen (p. 413-415), os legisladores da Revolução Francesa vão construir o
sistema jurídico do mundo contemporâneo dominantes do Século XIX e XX. Esse sistema é
formado pela teoria da soberania nacional que defende a soberania não mais do rei, mas da
nação; pela teoria do regime representativo que permite a todos ou parte do povo a escolha
dos representantes que irão fixar as regras jurídicas da nação; e a teoria da separação dos
poderes baseada nas três funções no governo da nação distinguidas por Montesquieu que são
de fazer, executar e aplicar a lei. A partir do século XVIII, a lei vai ser a fonte por excelência
do direito. Tal positivismo legislativo chegou ao direito do nosso século e formando a
tradição jurídica até de nações comunistas25.

Percebem-se as características das revoluções já indicadas na Revolução da França:


mudanças fundamentais, abrangentes e multidimensionais que tocam o cerne da ordem social;
envolvimento de grandes contingentes humanos, com mudanças não impostas pelos
governantes; e envolvimento de violência e coerção. Importante ser salientado que o regime
derrubado possuía características econômicas, sociais, jurídicas, administrativas diferentes do
novo regime, portanto houve mudança efetivas que entregaram o poder que foi tirado da
monarquia para a República, o que consiste em uma reviravolta completamente distinta de
uma usurpação do poder em que um pequeno grupo ocupa o lugar de outro. Houve uma
verdadeira mudança no curso da História, característica importante apontada por Arendt
(1988) para identificar a revolução moderna. Essa mudança no curso histórico tem como
importante símbolo o próprio calendário revolucionário que fez da data da execução da morte
do monarca e implantação da República o primeiro ano da nova França.

2.2.2 O debate entre Burke, De Maistre e Paine, revolução e contrarrevolução

25 A União Soviética tem a lei como a única fonte de direito.


43

Como já visto, a revolução tem como outra característica a suscitação de reações


intelectuais fortes. Uma dessas reações foi o movimento anti-revolucionário. Entre os anti-
revolucionários, De Maistre (1955) foi um dos mais importantes 26. Segundo ele, a revolução
foi um movimento do qual os próprios revolucionários não tinham qualquer controle, e a
revolução tratava-se mais de um castigo divino com vistas à regeneração humana 27. Ao
mesmo tempo acusa os revolucionários de praticarem um crime contra a soberania nacional,
ao qual coube a punição pelos contra-revolucionários. Assim, De Maistre considera que a
França, como detentora da missão de educar a Europa, havia falhado e desmoralizado o
continente.

De Maistre (1955) destaca a violência e o regicídio da revolução, ressaltando o fato de


que embora a guerra seja uma constante humana, a Revolução Francesa foi prodigiosamente
mais violenta e homicida que as guerras anteriores. Não acreditava que uma república fosse
também possível na França, diante da experiência histórica28. Em relação à Constituição de
1795 resultante da Revolução Francesa, considerava que o seu principal erro foi a abstração
excessiva, o seu idealismo, ao se destinar não para uma nação específica, mas para todo o
gênero humano. A constituição não respeitava as condições do meio, dos costumes, da
religião e da cultura na França. Além disso, o autor critica o excessivo número de leis que
foram produzidas e a promulgação de três constituições em curtíssimo tempo de governo
revolucionário, indicando fragilidade dos regimes constitucionais provenientes de uma
revolução29. Buscava deslegitimar por tais argumentos a revolução.

Burke (1982), um outro anti-revolucionário, avisa destinatário de sua obra30 que


respeitava a Revolução Gloriosa e a Constituição Inglesa. Depois discorre contra a Revolução
Francesa e sua Constituição alertando para os perigos daquela e os males que causaram para a
França. Insurgiu-se o autor contra o dr. Richard Price e a sociedade da Revolução que

26 O pensamento anti-revolucionário do filósofo estava muito enraizado na tradição política de inspiração


divina da época e em autores da antiguidade, como Plutarco e Licurgo.
27 De modo contraditório, o filósofo, vê na revolução um movimento de natureza satânica.
28 A noção de impossibilidade de uma república, um governo de soberania popular, sobre extensos
territórios até o século XVIII era inconcebível não somente à De Maistre, mas a vários homens da época, sendo a
república francesa, assim como a americana, muito atacada como impossível de se manter.
29 A concepção de De Maistre a respeito das constituições é a de que somente se formam por
consequência de um conjunto de circunstâncias ou por obra de um único autor. Existem certas características que
a gênese das constituições possuem, entre elas: não são as constituições, produto de deliberações ou assembleias;
os homens não passam de um elemento circunstancial na elaboração constitucional; as circunstâncias que
precedem os direitos do povo são necessárias e independente da vontade do soberano; as constituições não
encerram todos os direitos constitucionais; não devem ser prolixas, as constituições; elas não podem dar a
liberdade que já não haja na constituição natural.
30 A obra Reflexões sobre a revolução em França foi inicialmente uma resposta por carta a um jovem
acerca da revolução.
44

pregavam supostos princípios constitucionais e democráticos ingleses, mas que não foram
verdadeiramente recepcionados ou legitimados pela Inglaterra. Tais seriam os princípios de
escolher e depor os próprios governantes, bem como o de estabelecer um governo próprio. Na
verdade o que realmente legitimava o poder do monarca era um direito divino, que inscrito na
constituição, legitimava a transmissão do poder por sucessão hereditária e não por escolha
democrática ou eleitoral do monarca, defende o autor. Exaltava-se Burke com o fato de que
não eram verdadeiramente válidos os princípios constitucionais do ministro Price para a
Inglaterra. Também negava qualquer influência da Revolução Inglesa para a Revolução
Francesa.

Burke (1982) afirma que a Revolução Inglesa de 1688 buscou conservar a


Constituição Inglesa e não mudá-la. A Constituição era tratada como uma “herança” ou
“legado” que devia ser conservada para a posteridade e respeitada como obra dos
antepassados. Nesse ponto, para o autor, a França teria ganho muito mais em apenas reformar
a Constituição que já possuíam e manter a Monarquia do que começar do zero. Ele criticou
severamente a Assembleia Constituinte francesa, atacando principalmente os seus
participantes. Chamou de “chicaneiros” a boa parcela do Terceiro Estado e de “vigários de
vilas” a alguns representantes do Clero, assim como desprezava vigorosamente os
revolucionários que para ele era composta principalmente por pessoas desacostumadas com a
vida política. Preocupava-se o crítico em defender a Inglaterra da influência da Revolução
Francesa.

Em resposta a Burke, no outro lado do Atlântico, o panfletário incendiário da


Revolução Americana defende a revolução e o sr. Price atacado por Edmund Burke.
Inicialmente relata como este ataca a existência dos direitos políticos da nação de eleger aos
próprios governantes, de destituí-los e formar o próprio governo. Referenciando Burke, Paine
(1984) afirma que ele acreditava que esses direitos morreram com a morte do povo de geração
anterior, com a posteridade não há a vigência de tais direitos políticos, e além disso a geração
antiga havia estabelecido o governo da posteridade. Paine (1984, p. 40) nega esse direito de
estabelecer o governo das gerações futuras, essa vinculação entre a geração passada e futura:

Las circunstancias del mundo cambian constantemente, y también cambian las opiniones de los hombres;
y como a quien se gobierna es a los vivos, y no a los muertos, son los vivos los únicos que tienen algún
derecho en él. Lo que puede considerarse adecuado y juzgarse inoportuno en una época, puede
considerarse erróneo juzgarse inoportuno en otra. En esos casos, ¿quienes han de decidir, los vivos o los
muertos?

Ao argumento de Burke de que Luís XVI era um rei moderado, Paine (1984) defende
45

que em nada isso alterava o fato de que o despotismo hereditário da monarquia poderia
ressuscitar em um sucessor. Para este, Burke confundia a revolução como um ataque não ao
despotismo, assim como aos princípios despóticos, mas ao rei que ocupava o poder, a pessoa
titular do poder.

Observa-se nesse breve estudo da Revolução Francesa, entre várias características,


que: a Revolução Francesa se realizou a partir de condições de miséria e insatisfações de
algumas classes com o regime; houve um processo que se iniciou com a formulação de
críticas ao regime e propostas de soluções que culminaram com a convocação de uma
Assembleia Constituinte para elaboração de uma Constituição e implantação de um novo
regime considerado como o legítimo pela burguesia emergente; a Revolução Francesa
assumiu ritmo frenético, chegando a uma luta entre os diversos grupos sociais e a monarquia,
não sem derramamento de sangue e debates entre intelectuais revolucionários e
contrarrevolucionários, como o debate entre Burke e Paine.

A revolução, politicamente, acarreta mudanças na relação de poder, muda quem detém


o poder, isso em curto período, modificando o equilíbrio das classes. Observou-se isso na
Revolução Francesa e Americana, quando os detentores do poder político mudam de um
grupo a outro. Na França, o absolutismo caiu para que a burguesia ocupasse o poder; nos
Estados Unidos, a emancipação política foi alcançada com o poder sendo assumido pelos
americanos que não deviam mais seguir ordens da monarquia inglesa. Ambas buscavam
limitar o poder, pois um poder mais alto se levantava diante do antigo. E foram elas as
grandes precursoras das revoluções que se seguiram em outros lugares na Europa e que
atravessaram os oceanos, chegando inclusive em nosso Brasil por livros e boatos.

2.3 REVOLUÇÃO RUSSA, “TODO PODER AOS SOVIETES”

2.3.1 Processo histórico das Revoluções Russas


46

A Revolução Russa foi um fato histórico fundamental para a deflagração de várias


outras revoluções e tentativas de tomada de poder, além disso foi essencial para o início da
Guerra Fria e dos debates sobre o melhor regime, se o capitalista ou socialista, o que por sua
vez influenciou a doutrina jurídica, inclusive no Brasil. A ascensão da burguesia caminhou
lado a lado com o aumento da miséria proletária e sua indignação. Muitos movimentos
proletários abalaram os séculos que se seguiram à Revolução Francesa, e o mais importante
foi outra revolução de grandes proporções. Relembremos dos seguintes fatos acerca da
história russa e sua revolução:

Segunda metade do século XIX. Há a emancipação legal dos camponeses da servidão.


A classe campesina é influenciada pela intelligentsia e movimentos sem direção central são
realizados. Destes surgem grupos terroristas do qual um deles provoca o assassinato do
imperador Alexandre II em 1881, o que resultou um Estado autocrata repressivo, arbitrário e
manipulador da lei. Nos anos 1880 da intelligentsia emergem marxistas, que tinham na classe
urbana sua principal base de apoio, repudiando o terrorismo e apregoando que o capitalismo é
o único caminho possível antes do socialismo. Na década de 1890 Serguei Witte comandando
o Ministério das Finanças promove a modernização russa e sua industrialização, apesar da
incompatibilidade desse progresso com a elite burocrática e o imperador. Entre 1898 e 1914,
os marxistas organizados ilegalmente como Partido Operário Social-Democrata educavam e
participavam da vida política. Em 1903, no II Congresso, uma disputa entre líderes do Partido
provocou a cisão entre “mencheviques”, mais ortodoxos em relação ao marxismo e influentes
nas regiões não russas, e ”bolcheviques”, mais influentes entre os operários, mais
revolucionários e liderados por Lênin.

Em janeiro de 1904 eclode a guerra contra o Japão por razões expansionistas da Rússia
que avançava seu território para o Extremo Oriente. Durante o ano de 1904 houveram ataques
terroristas, manifestações estudantis e greves operárias, e no fim do ano os liberais russos
realizaram encontros para apoiar reformas constitucionais, as ‘campanhas dos banquetes’. Em
1905, a desordem chegou ao auge com o Domingo Sangrento em 9 de janeiro. Os liberais
unidos aos zemstva31, sindicatos, grupos provenientes de greve, movimentos estudantis e
camponeses acuaram a autocracia que não conseguia mais manter a ordem, o que levou ao
Tratado de Portsmouth, o acordo de paz com o Japão. O ápice da revolução liberal foi o
Manifesto de Outubro (1905) de Nicolau II, o reconhecimento de proposta constitucional e a

31 Órgãos separados da burocracia autocrata que viviam em conflito com aquela e que eram eleitos.
Empregavam no início do século XX, cerca de 70 mil profissionais com simpatias radicais contra o regime.
47

promessa de criação de um parlamento nacional eleito, a Duma. quanto ao manifesto haviam


dois grupos: os outubristas eram favoráveis e os kadeti (democratas constitucionais) eram
formalmente contrários, esperando mais concessões. Os liberais passaram então a se
prepararem para as eleições da Duma, apesar de os operários permanecerem em atividade
revolucionária. Estes organizaram ‘sovietes’, conselhos de representantes eleitos nas fábricas
que eram um tipo de governo municipal de emergência e um fórum político dos operários e
socialistas. Em dezembro de 1905, após uma dispersão de uma operação policial bem-
sucedida, os operários do soviete de São Petersburgo revidaram com violência, foi a
revolução urbana de 1905 que estimulou ainda mais sublevações camponesas que já ocorriam
desde o verão de 1905 mas vinham se enfraquecendo (próximo ao que houve na Revolução
Francesa, quando após a revolução parisiense a revolução camponesa avançou). Isso resultou
em 1906 na lei marcial, com o Exército já restaurado com o retorno das tropas da guerra em
intensa repressão contra o campesinato.

Com a Lei Fundamental de 1906 ficou estabelecida ainda a autocracia, com duas
Dumas que apesar de serem órgãos de consulta do autocrata, possuíam poderes limitados e
foram logo dissolvidas. O que houve de benéfico foi o fato de as Dumas terem servido de
plataforma política, preparando e criando a classe política. A economia russa em foi reforçada
por com um grande empréstimo e a expansão industrial que acarretou aumento da população
operária, mas não com aumento da agitação trabalhista. Entre a revolução e 1917, o regime
político manteve-se, uma classe política liberal desenvolveu-se, os revolucionários
continuavam sendo perseguidos, Piotr Stolípin promovia uma reforma agrária para amenizar
os ânimos (semelhante a tentativa de arrefecimento da ebulição social de Nicker na Revolução
Francesa). Em 1917 a autocracia estava em estado precário, o que se verifica com a
fragilidade da estrutura burocrática e política, assim como a demonstração de tibieza da
própria família real e do autocrata Nicolau, assim como pela pressão da Grande Guerra; com a
queda da autocracia, duas revoluções correm, a da elite e a popular, representadas pelo ‘poder
dual’, o Governo Provisório e o Soviete de Petrogrado, um arranjo provisório à espera da
convocação de uma Assembleia Constituinte.

Do século XI até 1917, conta Gilissen (1995, p. 224-226), a evolução do direito da


Europa Oriental é “bastante semelhante à do direito dos países ocidentais, mas com um atraso
em relação ao Ocidente”. A Rússia que passou por períodos de dominação mongol ficou em
grande parte da idade média e moderna em isolamento do Ocidente, sendo que somente no
século XIX houve a introdução dos ideais liberais da Revolução Francesa. As principais
48

características do direito russo desde a Idade Média são o caráter sobretudo administrativo do
direito, sua erudição e a aplicação dos costumes locais em relação ao direito privado. Estas
características explicam em parte o sistema jurídico soviético mesmo ele sendo um sistema
contrário ao regime político que o antecede. As primeiras medidas tomadas pelos
revolucionários que assumiram o poder foram a “nacionalização das terras e das indústrias, a
supressão do direito de sucessão, supressão global do antigo direito e dos antigos tribunais”.

Em 1918 é promulgada a primeira constituição soviética que tinha uma estrutura


piramidal em que o congresso pan-Russo dos Sovietes ocupava o ápice com o Comitê
Executivo Central sem divisão dos poderes como nos Estados capitalistas, sendo preservada a
unidade e concentração do poder. A partir de 1921 são realizadas algumas mudanças como a
introdução da Nova Política Econômica (NEP), a instauração do princípio de legalidade
socialista e a promulgação de novos códigos. Após 1926, abandona-se a NEP e inicia-se um
processo de coletivização e execução de planos quinquenais. A partir de 1936, ano em que é
elaborada a nova constituição soviética, são adotadas medidas para se manter a ditadura do
proletariado diante do “cerco capitalista” e da “exacerbação dos antagonismos de classe antes
de seu desaparecimento definitivo”.

2.3.2 Crítica e autocrítica, jurídica e constitucional, soviética

David (1978, p. 181-182) escreve a respeito da sociedade russa que a “unidade do


povo russo não tem a sua base no direito”, pois, ao contrário do que ocorre nos países
ocidentais, onde o direito é um complemento da moral e base fundamental da sociedade, na
Rússia, a tradição jurídica é mais nova e o ideal marxista de uma sociedade comunista
fraternal que fundamenta o direito soviétivo encontra “raízes profundas no sentimento moral e
religioso do povo russo”, não sendo estranho aos russos a existência de uma sociedade sem
direito32. Quanto ao que distingue o direito soviético de outros sistemas jurídicos, o autor
mostra-se cético ao ver algo de novo no direito soviético que em boa parte é formado pela
tradição romanística do direito.

32 O próprio autor cita como exemplo a preconização de Tolstoi para o desaparecimento do direito e o
surgimento de uma sociedade baseada na caridade cristã e no amor.
49

Gilissen (p. 227-228), acerca do direito socialista, aponta como suas características: 1)
a concepção instrumental do direito com a função de edificação do comunismo 33, pois o
socialismo é um mero estágio para o comunismo; 2) o monopólio político do partido
marxista-lenilista34, sendo o Partido Comunista da União Soviética o partido exclusivo da
nação socialista; 3) a indissociabilidade do estado e do direito, que ao alcançarem o seu
objetivo que é a construção de uma sociedade comunista, desaparecerão; 4) e a exclusividade
da lei como fonte do direito, sendo a lei a vontade do povo35.

Pasukanis (1989, p. 16), apesar de crítico dos conceitos abstratos e genéricos do direito
ocidental, assume que para o direito soviético eles são importantes e inclusive faz
questionamentos fundamentais acerca da teoria geral do direito e seus conceitos. Acerca da
teoria da norma jurídica de Kelsen, ele é ferino:

Uma tal teoria geral do direito, que não explica nada, que a priori dá as costas às realidades de fato, quer
dizer, à vida social, e que se preocupa com as normas, sem se preocupar com as suas origens (o que é uma
questão metajurídica!), ou de suas relações com quaisquer interesses materiais, não pode pretender o
título de teoria, senão o de teoria do jogo de xadrez. Uma tal teoria nada tem a ver com a ciência. Esta
"teoria" não pretende analisar o direito, a forma jurídica enquanto forma histórica, pois não visa a estudar
a realidade. É, por isso, para empregar uma expressão vulgar, que não há muito que se possa tirar dela.

De pensamento marxista, Pasukanis (1989, p. 18-21), põe como dever da teoria


marxista o exame do “conteúdo concreto dos ordenamentos jurídicos nas diferentes épocas
históricas” e o “ordenamento jurídico como forma histórica determinada”, o que significa
explicar historicamente o ordenamento jurídico como forma e conteúdo, sendo que, para o
jurista socialista e crítico dos próprios pares, “os poucos marxistas que se ocupam da teoria do
direito sucumbiram, igualmente, às tentações da ‘ciência’ escolástica 36”. O autor critica a
esterilidade do método jurídico dessas formulações que são genéricas e estéreis.

Pasukanis (1989, p. 26-29) prescreve que deve o jurista socialista criticar o direito

33 Não há outro valor dado ao direito pelos líderes comunistas que não seja o de executar o plano maior
que é construir a sociedade comunista, sendo pressupostos ao seu advento a extinção das classes sociais, a
abundância material e cultural que satisfaça as necessidades de todos e a elevação da consciência dos indivíduos
para contribuírem espontaneamente com o bem-estar geral. Há uma função ideológica e pedagógica do direito,
assim como uma função organizativa no domínio econômico e social ao estabelecer diretrizes econômicas que
edificam a base técnica e material do comunismo.
34 A Constituição Soviética de 1977 é clara ao estabelecer o Partido Comunista, armado com a ideologia
marxista-lenilista, dirigente da sociedade soviética, existindo e servindo para o povo.
35 Aqui a doutrina rousseauniana da vontade geral soberana, embora seu viés liberal, torna-se um
fundamento plausível para tal posição soviética.
36 Segundo esse método de origem aristotélica, as definições se dão com a identificação do gênero e a
distinção da espécie, da semelhança que o objeto conceituado apresenta com outros e a diferença que o
distingue; como o homem, cujo conceito de animal racional é alcançado tomando o homem como parte do
gênero animal, seu semelhante, e a espécie racional, o que o distingue do animal. O autor citado despreza tal
método conceitual de científico.
50

burguês da mesma maneira pela qual Marx realizou a crítica à economia política burguesa,
sem descartar as generalizações e abstrações, porém descobrindo os seus condicionamentos
históricos. Ele defende que o “desaparecimento das categorias do direito burguês significará
nestas condições o desaparecimento do direito em geral, isto é, o desaparecimento do
momento jurídico das relações humanas”. Ele expõe assim, em linguagem jurídica, o fim da
história, fim da luta de classes e o surgimento do comunismo como o único objetivo
verdadeiramente aceitável para um direito marxista, que deve ser transitório. Essa visão se
estende, no socialismo, para a constituição que não deve ser um fim, mas um meio ao
comunismo.

A busca por uma nova ordem política, instrumentalizada pela Constituição, que
dessem melhores condições às classes emergentes foi importante fator de deflagração
revolucionária e de conflitos sociais e políticos. Mas não quer dizer que o processo
revolucionário se encerra com a convocação da Assembleia Constituinte e promulgação de
uma nova Constituição. Trotsky (1980, p. 188) quando critica a Constituição Soviética de
1936, expressa bem a importância da Constituição para a manutenção da própria revolução:

Fazendo um enorme recuo, recuando dos princípios socialistas para os burgueses, a nova constituição,
cortada e cosida por medida para a casta dirigente, situa-se na linha histórica da renúncia à revolução
mundial em proveito da Sociedade das Nações, da restauração da família pequeno-burguesa, da
substituição das milícias por um exército permanente, do restabelecimento dos postos e das
condecorações do aumento das desigualdades. Consagrando o absolutismo “fora das classes”, a nova
Constituição cria as condições políticas do renascimento de uma nova classe possuidora.

Percebe-se que para Trotsky (1980), a Constituição não era uma verdadeira
Constituição Socialista, resultado legítimo da revolução, mas fermento para a “classe
possuidora”, com sua defesa da propriedade privada e manutenção do sistema trabalhista em
que prevalecia a noção de proporcionalidade do salário com o quantum trabalhado e não com
a necessidade dos trabalhadores contra o qual a revolução insurgiu-se inicialmente. Além das
características já apontadas pela Revolução Francesa, também observa-se aqui que a
dissidência interna é fator importantíssimo que aponta para o nível caótico em que se dá a
revolução, com discussões sobre os caminhos da revolução e acusações de traição
revolucionária entre os participantes. Trotsky, embora agente revolucionário não se contentou
com o regime implantado e realizou severas críticas ao mesmo.

A Constituição da União Soviética de 1936 é “o balanço dos resultados obtidos” pela


revolução. Nela foram traduzidas as aspirações socialistas para a questão econômica, política,
trabalhista etc.. No sistema eleitoral ela é digna de elogios, não fossem o problema de que a
51

igualdade formal nela exposta é uma camuflagem para a tirania do partido único. Pode-se
afirmar que ela é igualitária em relação às eleições, ao prever:

Artigo 135 — As eleições para os deputados serão universais: todos os cidadãos da URSS que tenham
atingido a idade de dezoito anos, sem restrição quanto à raça, nacionalidade, religião ou qualificações de
educação, residência, origem social, propriedade ou passada atividade, têm o direito de participar das
eleições e de serem eleitos, com exceção das pessoas que estejam sofrendo de insanidade mental e de
pessoas condenadas pela Corte à privação dos direitos eleitorais.

Artigo 136 — As eleições para deputados serão equitativas: cada cidadão terá um voto, todos tomando
parte na eleição em bases iguais.

Artigo 137 — As mulheres têm o direito de elegerem e serem eleitas em condições iguais aos homens.

A Constituição da União Soviética de 1936, segundo Kelsen (1957), satisfazia a todos


os requisitos de uma democracia, exceto o de liberdade política, pois, apesar da igualdade
observada na própria constituição, não havia a possibilidade de outro partido, além do
comunista. E apesar de não estar explícita a proibição, o controle era garantido pela
impossibilidade de haver mais de um candidato “disputando” as eleições nos distritos, sendo
que apenas se podia votar em aprovação ou desaprovação ao candidato. A explicação dada
por Stálin para a existência de um único partido era a de que na Rússia não havia mais
antagonismos de classes, havendo apenas uma, e partidos políticos são apenas parte de uma
classe, ou seja, um único partido, pois havia apenas uma única classe. Tal justificativa intriga
o jurista, que acha desarrazoado não haver a liberdade de partidos políticos, haja vista não
haver classes antagônicas, o que não ameaçaria o partido comunista, sendo a única explicação
para tal perseguição partidária a simples tentativa de permanência no poder.

A Revolução Russa, em sua promessa e conclamação de “Paz, Terra e Pão: todo poder
aos sovietes”, também teve seu conjunto de fundamentos político-ideológicos que declaravam
serem o proletário, o campesinato, os revolucionários aqueles que deveriam ocupar o poder,
de maneira a se oporem aos excessos do capitalismo, e que tornaram a luta de classes a seta da
história, com o fim último de se chegar ao fim deste alvo que seria o fim da divisão de classes
e, por conseguinte, o fim da história. Mas não é unicamente a troca de quem ocupa o poder a
nota essencial da revolução, mas são, antes, as respostas às perguntas de “como?”, “para
quem?” e “por quê?” se governa. Essas perguntas exigem a resposta final ao qual o embate
revolucionário chega. Na revolução americana foi por meio do povo, em vista do povo e por
ser ele o poder originário que a emancipação ocorreu, e, por consequência, ela instaurou o
governo “do povo, pelo povo e para o povo”, uma democracia, com suas vantagens e
52

desvantagens. A Revolução Francesa, declarando “Liberdade, igualdade e fraternidade”,


colocou a classe burguesa no poder, tornou-a destinatária de direitos liberais que ela exigia,
assim como tornou todo o discurso liberal que a antecede em um conjunto de argumentos que
a legitimou como meio adequado de se chegar ao poder.
53

3 EFEITOS JURÍDICOS E CONSTITUCIONAIS DAS REVOLUÇÕES NO BRASIL

3.1 3.1 REVOLUÇÃO E SEUS EFEITOS JURÍDICOS E CONSTITUCIONAIS

3.1.1 Antinomia, Ineficácia Anômica e a revolução jurídica

Uma das consequências da revolução é modificar o ordenamento jurídico que pode


confrontar um conjunto de normas estabelecidas pelo regime antigo, ordenamento aqui
tratado como o contexto de várias normas como entende Bobbio (1995). Há então a
possibilidade de surgirem antinomias jurídicas entre os dois sistemas: o do antigo regime que
está sendo confrontado e o do novo regime que busca renovar o ordenamento jurídico. Nesse
caso a revolução vitoriosa poderá atualizar todo o ordenamento jurídico da nação.
Formalmente, para o jurista italiano, as normas jurídicas anteriores à vitória revolucionária
são todas do novo regime, mas materialmente são ainda normas do antigo regime. Isso quer
dizer que embora o direito ainda seja o mesmo em sua maioria, não são legitimados pelo
mesmo poder anterior, mas pelo novo poder que assumiu a direção da nação.

Telles Júnior (2001) formula que quando há contradição entre dois regimes: um velho
e um novo, há então revolução. E explica que essa contradição, uma luta permanente de
tendências contrárias, é um fato normal do processo de desenvolvimento social e uma
negação do que envelheceu, o regime antigo. Essa negação é dialética, pois é a negação não
de tudo, mas do que acabou, e assim o desenvolvimento social se dá pela negação do que
acabou, bem como pela recepção do que é hígido, válido e viável naquilo que é velho. E o
novo regime leva consigo o patrimônio herdado do antigo regime que ainda lhe é bom, ou
seja, recepciona o que é conveniente.

Ao assumir o poder, os grupos revolucionários também podem recepcionar o


54

ordenamento jurídico anterior, o problema é que com isto estão assumindo uma postura
aparentemente condescendente com o regime anterior, haja vista que o Estado possui como
parte de sua identidade o ordenamento jurídico e assim, por óbvio, não renová-lo é continuar
sob o mesmo regime formal. Mas como Bobbio (1995) ensina, a norma não advém de apenas
uma fonte, diante da complexidade da vida social e da história humana. Assim, dessa
possibilidade de mais de uma fonte normativa (pluralismo jurídico), pode haver um choque
entre as normas do ordenamento novo e do antigo. Daí a recepção de certas normas pelos
revolucionários vitoriosos não ser de todo descabida, pois não há impossibilidade de nos
ordenamento jurídicos dois regimes serem concordes em alguns pontos menos fundamentais.
O outro expediente que, conforme o jurista, é usado pelo poder supremo para preencher o
ordenamento jurídico e satisfazer a necessidade de normas da sociedade, ao lado da recepção,
é a delegação. Esta é uma das formas de implementação das normas que parece mais
adequada e fundamental a um governo que se pretende revolucionário, pois é por delegação
que o poder que se instaura irá promover a criação normativa, algo que ocorreu na Revolução
Russa.

Para Vilanova (1981), para quem a reformulação infraconstitucional é menos


importante, a revolução busca mudar fundamentalmente o direito público, o constitucional.
As normas não-excluídas do ordenamento convalescem sem o estatuto do poder pré-
revolucionário. E a descontinuidade constitucional implica por si só na descontinuidade
normativa geral, pois a validade da norma infraconstitucional está baseada na Constituição
que modificada, muda o ordenamento infraconstitucional. A revolução ao atacar a eficácia do
ordenamento ataca também a validade, e diante disso, a norma isolada também não tem
relevância sem seu ordenamento do qual faz parte. E se ao derrubar o regime, a revolução não
derruba o ordenamento jurídico, mantendo-o como antes, não é sob o fundamento de validade
anterior, mas sob um fundamento de validade novo que a ordem jurídica se mantém.

Percebe-se que ao promover a renovação normativa, os revolucionários no poder


encontrarão um regime antigo e irão ter que revogar as normas do ordenamento jurídico
anterior ou conviver com ele. Além disso, pode o novo regime se deparar com grupos que
possuam um conjunto de costumes e normas corporativas que não se harmonizem com o
ordenamento jurídico do novo governo, confrontando-o. Neste caso, Del Vecchio (2005)
explica que há pelo menos dois tipos de direito, o “estadual” e o “não estadual”, sendo aquele
uma fase ou espécie mais importante da categoria do direito. Entre as normas “não estadual”
estariam por exemplo as do direito internacional, corporativo e da Igreja. O “direito estadual”,
55

para o jurista, seria aquele que tem o Estado como o centro de determinação do direito, aquele
com poder sancionador e capacidade de mando. Pode haver então mais de um centro de
determinação jurídica que pode entrar em conflito um com o outro ou se permitir entre eles.
Del Vecchio (2005, p. 32-33) sustenta:

Daí a possibilidade de vários tipos ou esquemas de soluções. Pode a ordem jurídica estadual afirmar a sua
supremacia sobre a outra, que chamaremos corporativa, de forma a destruí-la, a dissolver os seus
elementos (nesse tipo, pode classificar-se, por exemplo, a obra da Revolução Francesa 37, tendo, é claro,
presentes as diferenças entre o fenômeno corporativo do século XVIII e o da idade imediata [entre o
século XIX e XX]). Pode, pelo contrário, a ordem corporativa sobrepor-se ao Estado, paralisando-lhe ou
transformando-lhe o sistema, de forma a tornar-se Estado ela própria (tal é, em substância, o significado
da recente Revolução Russa38). E pode, por fim, verificar-se um terceiro tipo de solução, que consiste não
na dissolução, mas na absorção das organizações corporativas, de forma a trazê-las para a órbita do
Estado e sujeitá-las ao seu real poder, conseguindo, assim, harmonizar-se a atividade normativa exercida
antes em forma espontânea ou autárquica por aquelas organizações, com as expressões diretas da
soberania estadual. Uma semelhante modificação que toca as fibras íntimas e os centros vitais de todo o
sistema regulador não pode, porém, dar-se ex abrupto, mas só por um processo mais ou menos lento,
sempre gradual. Nem é preciso que a modificação se faça ser na maior parte quase invisível tratando-se
não de uma variação superficial, mas do deslocamento (se nos é lícito dizer assim) do centro de
gravidade de um sistema de normas em conjunto. Fora de qualquer metáfora, trata-se de vontades que
tendem a encontrar-se, antes de mais nada, nos ânimos. O sentimento de Estado deve predominar, na
consciência das próprias organizações particulares, sobre o sentimento de classe ou corporativo.

Como já visto, a revolução tem a luta, o combate, a violência como acompanhantes,


disso o Estado que pretenda ser estável deverá fazer predominar o sentimento proposto por
Del Vecchio (2005), sob pena de se tornar a revolução de uma classe contra o Estado uma
possibilidade desde que presentes as condições necessárias. É necessário o consentimento dos
governados. Percebe-se a absorção das organizações corporativas e a predominância do
“sentimento do Estado” ocorreram no Brasil, por exemplo, no período getulista com os
movimentos nacionalistas, como o realizado pelo grupo de apoio do governo, os integralistas,
que pregavam os interesses nacionais acima dos interesses de classe, estes relacionados aos
grupos socialistas; bem como com a introdução de normas e políticas trabalhistas e populistas
para satisfazer as ânsias da classe trabalhadora.

Outro importante aspecto da revolução é sua anomia39 em relação ao direito vigente, o

37 Na Revolução Francesa, logo no início, foi sancionada a Lei de Le Chapelier que sufocava os
sindicatos e greves trabalhistas. Diante disso, a burguesia sobrepunha-se aos trabalhadores, interditados seus
sindicatos, e aos artesãos, com seus grêmios e corporações abolidos.
38 As classes trabalhadoras, os sindicatos, ao contrário do que ocorreu na revolução burguesa na França,
subiram ao poder e tornaram os sovietes o grupo de dominação do Estado.
39 Anomia, fenômeno estudado pela sociologia jurídica e teoria geral do direito, é a falta de normas de
referência em determinado contexto ou, no caso da norma jurídica, um conflito com a norma por convicções:
entre a norma de um grupo e a norma estatal.
56

que cria uma situação de ineficácia anômica do direito. Ineficácia anômica, conforme
Sabadell (2002, p. 88), é o “descumprimento de norma que o indivíduo considera inadequada
ou injusta”, e esse tipo de descumprimento se dá com a convicção do indivíduo ou grupo.
Como exemplo há o próprio caso de grupos que buscam por meio da revolução a mudança do
Estado, da Constituição e do seu ordenamento jurídico, o que ocorreu na Revolução
Americana que tornou os Estados Unidos uma nação autônoma diante das medidas injustas
que a metrópole impunha aos cidadãos americanos. Quando há uma ineficácia anômica da
norma, podem surgir as seguintes respostas pelo Estado, segundo Sabadell (2002, p. 89): o
Estado mantém a norma e tolera sua eficácia, como, por exemplo, o aborto no Brasil em
que as mulheres consideram o aborto, em regra proibido, como um direito; realiza-se uma
reforma legislativa que concilie a norma com os valores da sociedade, o que ocorre
quando, por exemplo, exime-se algumas pessoas por convicções filosóficas, políticas ou
religiosas do serviço militar; fazem-se propagandas que incentivem o respeito à norma,
como nas campanhas anti-drogas; reprime-se mais intensamente a tendência anômica,
como no combate à criminalidade organizada.

3.1.2 Revolução: conceito jurídico e efeitos na constituição

Na doutrina jurídica, a revolução é quase que unanimemente distinguida de golpes


sem explicações profundas. Revolução não é, no entendimento de Telles Júnior (2001), um
golpe armado, golpe de estado ou movimento que objetive fazer emendas. Não seria então
revolução uma mudança, por exemplo, de dispositivos constitucionais por emendas ou
reformas legislativas como a promulgação de um novo código civil, criminal, eleitoral etc.. E
para Bonavides (2000), golpe de Estado é tão somente a mudança de quem ocupava o
governo, e somente há revolução se a mudança alcança a Constituição e a forma de governo.
Nesse sentido, no entanto, o conceito de revolução de que se usa o autor é o de revolução
jurídica. De modo semelhante pensa Vilanova (1981) que não acredita haver uma revolução
jurídica sem que houvesse mudança de Constituição. Mas se observarmos que um golpe de
estado pode atingir resultados semelhantes ao de uma revolução, ficamos em um induvidoso
problema, embora também se possa chegar à conclusão de que o resultado prático não deve
ser critério para definir a revolução.
57

Juridicamente, a revolução, segundo Bobbio (1995), é a substituição ilegítima de uma


ordem jurídica por outra ordem que torna-se fonte legítima do direito. E entre as tentativas de
estabelecer uma definição de revolução jurídica, para o autor, houveram três correntes: a
revolução como fato jurídico e que é em si uma instituição com seu próprio corpo
normativo, seu principal representante é Santi Romano; a revolução como fato
juridicamente qualificado e que é avaliada pelo direito não estatal, o direito internacional,
defende-a Kelsen; a revolução como fato jurídico necessário (qualidade tratada como fonte
do direito) e cuja legitimação é o próprio direito interno quem aufere.

A primeira corrente é resultado do pluralismo jurídico de Santi Romano, daí essa


corrente considerar que o próprio grupo revolucionário possui o seu ordenamento jurídico,
apesar de serem os atos contra o regime vigente ilegais do ponto de vista do ordenamento
estatal. Diante dessa corrente, podemos afirmar que o ordenamento jurídico será o do grupo
revolucionário vitorioso em oposição ao estado vigente. Romano (2008, p. 90), para quem a
revolução constituiria uma instituição, o equivalente a um ordenamento jurídico, considera
que o simples fato de a revolução ser uma organização social é o suficiente para lhe
configurar caráter jurídico:

Toda força que seja efetivamente social e venha conseqüentemente organizada se


transforma por esta mesma razão em direito. O fato desta força, como algumas vezes
acontece, ser exercida contra uma outra instituição pode ser motivo para que lhe seja
negado o caráter jurídico ou para que ela venha a ser considerada como anti-jurídica
por esta instituição, ou seja, pelo ordenamento contra o qual se dirige e onde atua
como força desorganizadora e antisocial. Mas, mesmo assim, quando se prescinde
desta relação e deste ponto de vista, o que se tem é um ordenamento jurídico, sendo,
tal força, considerada em si mesma enquanto rege e disciplina os seus próprios
elementos. Como foi dito, uma sociedade revolucionária ou uma associação voltada
ao crime não constituirão direito para o Estado que querem abater ou do qual violam
as leis, assim como uma seita cismática é declarada antijurídica pela Igreja; mas isso
não exclui que, nestes casos, não tenhamos instituições, organizações, ordenamentos
que, isoladamente tomados e intrinsecamente analisados, sejam jurídicos. Ao
contrário, somente é direito aquilo que possui uma organização social.

Já a segunda corrente, a revolução como fato juridicamente qualificado, é


fundamentada, segundo Kelsen (1982), principalmente pelo princípio da eficácia, em que um
58

Estado, uma ordem jurídica centralizada, é legítimo, confundido este conceito com validade,
se houver eficácia na aplicação normativa. Em relação a um conflito interno de um Estado
contra um grupo insurgente (revolucionário), conforme Kelsen (1982), a sobreposição deste
sobre aquele, com a consequente tomada do território e controle do povo, acarreta na
formação de uma nova entidade que configura algo parecido com um estado. Dois estados não
podem ocupar o mesmo território e possuírem a mesma população, portanto, mantidos esses
dois e modificado, no tempo, o governo por um grupo revolucionário que impõem a sua
ordem, há a formação de um novo estado, desde que haja obediência à nova ordem do
governo. Sendo que a ordem jurídica centralizada, para Kelsen (1982), é o estado. A nova
ordem jurídica, o novo estado, será válida se for eficaz, caso contrário será inválida (princípio
de eficácia). Diante disso, a revolução é sempre uma mudança de ordem jurídica. E como ela
é uma mudança que não se apóia no ordenamento anteriormente vigente, a validade do seu ato
somente se apóia no direito internacional que a reconhece ou não. Mas é a eficácia da nova
ordem jurídica que dá legitimidade ao estado, portanto, um regime que não consegue tornar
eficaz o novo ordenamento jurídico, não é capaz de se fundamentar como um novo estado e
ser assim legítimo.

A última corrente tem a necessidade como o fato que legitima a revolução. Diante
de uma situação insuportável de opressão e miséria, a revolução é inoponível e inadiável,
portanto decorre de um ato necessário. Na tradição revolucionária burguesa, a revolução
decorre de uma vontade do verdadeiro poder soberano que é o povo, portanto o seu
fundamento é mais próximo de um ato de vontade, o que se contrapõe a algo necessário, pois
há na tradição burguesa, uma escolha. Na teoria socialista, principalmente a partir de Karl
Marx e Friedrich Engels, a revolução é historicamente necessária, pois decorreria da luta de
classes, uma constante na história humana, segundo a visão materialista da história.

Silva (2005) cita três sentidos de conceber a constituição: o sociológico, a


Constituição como resultado dos fatores reais de poder, na linha de Lassale; o político, em
que a Constituição é tratada como a decisão política fundamental, e o que não for
politicamente fundamental não é norma constitucional, ainda que presente no texto
constitucional; e o puramente jurídico, sentido kelseniano em que a Constituição é a norma
fundamental, suprema e indeclinável, que não se submete a outra.

Sentido sociológico. Lassale (2006), principal representante deste sentido, buscando


responder à pergunta sobre o que é a Constituição? Qual a sua essência? Baseou-se em um
59

método comparativo, pelo qual buscou localizar a Constituição comparando-a a coisas que
com ela se assemelhavam. Para Lassale (2006), a Constituição não era lei, pois aquela
apresenta-se ao povo como algo que deve manter-se mais estático do que o ordenamento legal
comum; e a Constituição, lei fundamental da nação, também não pode ser criada ao capricho
do legislador; na verdade, os fatores da Constituição são a força coativa disponível do
governo, a influência econômica dos proprietários de terra da nobreza, dos banqueiros, dos
grandes industriais e o povo em estado de opressão e apoiada pela pequena burguesia. Essa
soma tem como resultado a Constituição. Mas a forma com que isso será escrito e convertido
em Constituição escrita é sutil e escamoteada de forma que o poder da classe mais forte acaba
preponderando sempre sobre as outras, o que se trata então, a Constituição, é de uma
constatação de quem tem o poder.

Sentido político. Para Schmitt (1996), não se confundem leis constitucionais com
Constituição, sendo esta um produto de uma decisão consciente do poder constituinte que
adota para si mesma a sua forma, direitos e garantias fundamentais, estrutura e organização, e
da qual depende sua existência política concreta, não sendo a Constituição dependente da
unidade política, que desfeita põe em xeque a Carta política. Já a lei constitucional, assim
como uma lei comum, depende da existência prévia de uma decisão política da autoridade
anterior, não passando de algo contingente e facilmente revogável, ao contrário da
Constituição que é intangível e só pode perder validade completa por uma total mudança da
unidade política. Conflitos constitucionais e o juramento da constituição (declaração
preambular, por exemplo) somente tem relevância para a Constituição, não para as leis
constitucionais que inclusive podem ser incoerentes com o juramento e permanecerem no
ordenamento jurídico apesar de um abalo na Constituição. Para o autor, a formação dos
Estados Unidos da América e da França revolucionária demonstram esse processo de uma
decisão consciente e compromissada do titular do poder que declara na Constituição a forma
como decidiu sua organização e estrutura, aquela decidindo a favor da República na
Constituição de 1775 e a outra pela Monarquia constitucional na sua Constituição de 1791.

Sentido jurídico. Segundo Kelsen (1982), o fundamento de validade de uma norma


jurídica é outra norma anterior e hierarquicamente superior. E a norma de hierarquia suprema
seria a norma fundamental, norma central do ordenamento jurídico. A Constituição seria a
norma fundamental em uma nação por possuir essa característica de superioridade normativa.
Existem duas constituições: formal e material. A primeira seria o documento solene com
normas diversas que para serem modificadas, incluídas ou revogadas necessitam de um
60

procedimento especial mais dificultoso a alterações normativas. A segunda seria as normas


que regulam a maneira de e quais órgãos responsáveis por criarem normas jurídicas gerais,
além de também estabelecerem quais conteúdos devem ou não estarem presentes no
ordenamento jurídico.

Em uma abordagem de complementaridade podemos observar que a Constituição é


um dos documentos mais importantes do Estado, pois ele definirá por uma decisão
fundamental todo o regime político e jurídico do Estado que fundamentará outras normas
jurídicas e a ordem nacional, embora não queira dizer que mudar o texto escrito da
Constituição signifique mudar a sociedade ou o povo, que pode se insurgir contra poderes que
tentam impor uma Constituição, norma fundamental, que não seja legítima ao olhos dos
titulares do poder real. E Como vimos há ao menos três sentidos para se conceber a
Constituição (o sociológico, o político e o puramente jurídico). Diante disso, uma revolução
pelos três aspectos deve mudar profundamente o fundamento constitucional.

O sentido sociológico. Os fatores reais de poder devem ser favoráveis ao grupo que
promove a revolução, assim como favorável ao povo que legitima a revolução, o que exige de
certa forma, mudança profunda na balança do poder. É o que houve, por exemplo, na
Revolução Russa, quando surgiram grupos como os zemstva, os sovietes, e uma nova classe
política liberal que pendiam mais a balança para o lado contrário à autocracia, ainda
sustentada pelo exército, que cada vez mais se enfraquecia, e logo depois os liberais eram
suplantados pelas forças dos socialistas, os operários, camponeses e líderes sindicais; também
ocorreu na Revolução Francesa, quando a burguesia suplantou a força do monarca e por seu
poder econômico manteve a balança favorável ao seu lado.

No sentido político, a decisão política fundamental deve ser alterada, o que houve, por
exemplo, na Revolução Francesa em que a decisão consciente dos parlamentares para decidir
os rumos da França através da Declaração dos Direitos dos Homens e de sua nova
Constituição foi uma decisão que não mais era uma decisão unívoca e monocrática do Rei ou
a aceitação tácita da tradição vigente, mas de um grupo de homens representando o povo (ou a
burguesia), e que reunidos em Assembleia Constituinte lançaram os novos rumos do regime
político e jurídico francês a partir de um plano inspirado em ideias anteriormente
desenvolvidas; situação assemelhada houve na Revolução Americana que realizou algumas
assembleias que decidiram que rumo a colônia deveria seguir.
61

Por fim, em sentido jurídico: a norma fundamental deve ser modificada, o que no
caso, por exemplo, da Revolução Americana foi a introdução de uma Constituição, após a
conquista da emancipação colonial, ou seja, a substituição desta em lugar das leis
constitucionais inglesas, decorrente de uma luta em que o poder das armas deu vitória aos
colonos emancipados a cidadãos. A revolução política e jurídica ou institucional muda a
norma fundamental que no caso americano é a Constituição que permanece vigente até os dias
atuais. A norma que havia perdido eficácia por não mais se adequar ao espírito do povo é
substituída por uma mais adequada, podendo o sistema jurídico passar por diversas mudanças
até chegar a uma situação de estabilidade.

3.2 AS REVOLUÇÕES NO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO.


REVOLUÇÃO COMO EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE NO BRASIL E FONTE
HISTÓRICA DO DIREITO CONSTITUCIONAL40

3.2.1 Da independência ao golpe constitucional monárquico

No Brasil houve várias revoltas, rebeliões e movimentos separatistas e insurretos dos


quais a grande maioria foi derrotada pelo poder do estado ou da classe dominante. Exemplos
foram a Inconfidência Mineira, a Balaiada, a Revolução Pernambucana. Estes movimentos
derrotados acabaram não surtindo efeito no ordenamento jurídico pelo fato da derrota. Se
vitorioso teriam mudado o ordenamento jurídico do espaço que abrangeram em suas
respectivas épocas. As revoluções que foram vitoriosas no Brasil, embora de grande
controvérsia na historiografia como movimentos legítimos e autenticamente revolucionários,
tiveram importante reflexo no ordenamento constitucional por terem o atualizado em suas
respectivas épocas. Por exemplo tem-se a Revolução Republicana que mudou completamente

40 Foi tomada como fonte histórica: “todos os elementos que contribuíram, ao longo dos séculos, para a
formação do direito positivo atualmente em vigor num país dado” GILISSEN, John. Introdução Histórica ao
Direito. Tradução de A. M. Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros. 2ª edição. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1995 p. 25.
62

a forma de Governo e o sistema político brasileiro e a Revolução de 1964 que praticamente


tornou inócuo o Poder Legislativo. O poder constituinte que atuou nas revoluções brasileiras
não possuíam a mesma desenvoltura que as revoluções utilizadas como parâmetros (francesa,
americana e russa), pois a legitimidade é ainda muito contestável entre os autores estudados e
os titulares não foram os mesmos, antes foram grupos específicos, grupos militares ou
paramilitares.

Schwarcz e Starling (2015, p. 133) distingue os vários conceitos de insatisfação social


conhecidos do Brasil no período colonial e que não se confundem com a revolução, embora
exista um sentimento de resistência ao governo injusto já presente na época:

No vocabulário da época, o emprego do termo “insurreição” designava uma população em cólera e com
objetivos concretos e imediatos, à qual por vezes se uniam escravos. “Sedição” era a palavra utilizada
para definir um ajuntamento de dez ou mais colonos armados que tinham a intenção deliberada de
perturbar a ordem pública. Quando esse agrupamento chegava a mobilizar 30 mil pessoas, a coisa mudava
de figura: estava instaurada a “rebelião”, um tipo perigosíssimo de evento em que havia ameaça de
anarquia ou de guerra civil. Uma “assuada” significava uma espécie particular de ajuntamento de colonos
com o propósito de atingir a ordem pública e promover uma ofensa específica a uma autoridade. Um
“motim” congregava muita gente com motivação política e toda sorte de insatisfação. “Tumulto”
caracterizava a revolta do povo — e se usava o termo “povo” tanto para identificar o conjunto da
população de um território quanto para classificar os estratos que formavam a base da pirâmide social da
colônia: o povo miúdo, a plebe, a chusma. A nomenclatura podia variar, mas a natureza dos ajuntamentos
era sempre política.

Os movimentos de insatisfação contra governantes no Brasil foram frequentes, com


alguns deles recebendo inclusive o nome de revolução. Conforme Bonavides e Andrade
(1991, p. 31-32), o “sentimento libertador e anti-absolutista” esteve muito presente na nossa
história e serviram de “pedestal às lutas que se inseriram no processo de independência”
brasileira. O “princípio de uma ordem representativa e constitucional de união das Províncias
antecede a Independência”. Sendo que São Paulo foi o precursor dos atos que viriam a
concretizar a Assembleia Constituinte ao pedir por meio de um documento patriótico, com
José Bonifácio como principal inspirador, ao Imperador Perpétuo do Brasil, a nomeação de
representantes provinciais a fim de advogarem e defenderem os interesses da nação brasileira,
evitando-se assim os atrasos de decisões do Reino. O deferimento do pedido deu-se em 16 de
fevereiro de 1822.

Mas não satisfeitos, continua Bonavides e Andrade (1991, p. 33-37), os representantes


do Brasil desejavam a constitucionalização do Brasil, atacavam o sistema constitucional
português imposto que não era adequado ao Brasil, assim como lembravam que os regimes
foram feitos para o povo e não o contrário. O ambiente do período que antecedeu a
independência era de rivalidade entre os partidários reacionários de Portugal e os que
aspiravam a constitucionalização brasileira. Nesse período ser republicano, posição política de
63

alguns intelectuais e políticos brasileiros, era tão terrível como ser comunista no século XX.
Mas apesar disso foi convocada uma Assembleia Luso-Brasileira em 3 de junho de 1822, por
decreto. A assembleia era tanto constituinte quanto legislativa. Contudo seus trabalhos foram
interrompidos pelo golpe de Estado do Imperador do Brasil em novembro de 1823.

A assembleia atentou contra os princípios da doutrina constitucional liberal ao


concentrar nos deputados provinciais os poderes de constituintes e legisladores. Tal prática foi
consagrada na nossa nação, onde é comum legislar em textos constitucionais. E a má prática
de uma Assembleia ao mesmo tempo constituinte e legislativa acaba tornando-se justificativa
e argumentos para a próxima. O mal se perpetuou com a prática constituinte nacional. A
constituinte, já eivada de vício desde o princípio, foi sabotada por aquele mesmo que havia
prometido defender a constituição do Brasil junto ao seu braço armado. A dissolução da
Constituinte teve como reação vários movimentos de revolta no Brasil, como a Confederação
do Equador, todas sufocadas e reprimidas.

D. Pedro, com receio desses movimentos, acaba por constitucionalizar formalmente o


Brasil, dando-lhe uma fachada constitucional representativa do regime. A Constituição
outorgada era liberal em direitos individuais e autoritária e centralizadora em relação ao poder
monárquico. Não havia muitas diferenças do ponto de vista ideológico entre o projeto
constitucional da Constituinte dissolvida e a Constituição outorgada, com divergências em
relação ao poder concentrado no Poder Moderador e à vitaliciedade do Senado. Em conclusão
ao período constitucional imperial do Brasil, deve-se observar que o Brasil não teve uma
experiência revolucionária como a França, as vizinhas colônias de Espanha ou os Estado
Unidos. Como bem expressa Bonavides e Andrade (1991, p. 38), “Uma constituinte à
semelhança daquela que Sieyès teorizou para a França do século revolucionário não existiu e
nem poderia existir no Brasil de D. João VI e Pedro I”. Na verdade, o caminho que o Brasil
tomou era semelhante ao da Europa da época que se voltava para a restauração do
absolutismo monárquico, o que destoa do que ocorria no restante da América que se dirigia a
regimes de república.

3.2.2 O nascimento de um novo regime, o republicano


64

A elite brasileira ansiava por uma república ao longo da existência da monarquia.


Viviam em um regime contraditório, contradição que se expressava na própria Constituição,
ao mesmo tempo liberal (nos direitos individuais) e monárquica (na forma com que o poder
era distribuído). Isso afrontava a tradição revolucionária de França e Estados Unidos de que
os liberais tanto admiravam, assim como maculava a monarquia de natureza ciosa em relação
ao poder. Essa relação promíscua entre liberalismo e monarquia acabou por gerar um estado
híbrido com uma roupagem liberal que escondia a nudez autoritária. A escravidão afrontava a
liberdade e a igualdade humana, o que havia de liberal nesse regime? Nada. O monarca podia
dissolver quando bem quisesse a Câmara dos Deputados, quem era politicamente livre no
Brasil? Ninguém. O titular do Poder Moderador não tinha nenhuma responsabilidade, qual o
limite dos seus desvarios? Nenhum. O liberalismo brasileiro não se aplicou bem ao regime
monárquico no sentido de criar um regime que representasse o brasileiro. No entanto, o
liberalismo se adequou ao status quo elitista ao assimilar a expressão classista do Estado
liberal quando limitou o sufrágio a patamares de rendas do qual uma classe restrita podia se
adequar. E nesse aspecto, conservadores e liberais, os latifundiários agrícolas e burgueses,
entendiam-se bem. Daí a estabilidade do regime imperial até a década de 1870, o período que
precede sua queda.

Segundo Fausto (2006, p. 217-221) os sintomas da crise do Segundo Reinado foram


“o início do movimento republicano e os atritos do governo imperial com o Exército e a
Igreja”, além do problema da escravidão que colocava em choque o Estado e suas bases de
apoio. Quanto a este problema. O ponto inicial foi a Lei do Ventre Livre que gerou uma certa
expectativa de direitos pelos escravos que era vista com olhares alarmados pelos senhor de
escravos, preocupados com revoltas estimuladas por essas e outras leis que afrouxavam as
correntes da escravidão pouco a pouco. A partir da década de 1880 as campanhas
abolicionistas avançaram com as lideranças de Joaquim Nabuco, Luís Gama41, José do
Patrocínio42 e André Rebouças43. Em 1885 houve a aprovação da Lei Saraiva-Cotegipe, uma
tentativa de evitar o abolicionista radical. Com diversas revoltas ocorrendo, o plano de
imigração é apressado para substituir o regime escravista em franca decadência. Havia fugas
em massa de escravos no Oeste Paulista, os imigrantes ocupavam os postos de trabalho, a
marginalização negra aumentava.

41 Filho de um senhor de família rica de Portugal com uma negra liberta que repudiava o cristianismo,
após ser escravo, livre tornou-se advogado, poeta e jornalista em São Paulo.
42 Proprietário da Gazeta da Tarde e filho de um padre fazendeiro dono de escravos com uma negra
vendedora de frutas.
43 Engenheiro negro que defendia a distribuição de terras entre escravos e a subdvisão dos latifúndios.
65

Conta Fausto (2006, p. 227-229) que haviam dois ramos do movimento republicano,
sendo um liderado por Lopes Trovão e Silva Jardim, defensores de uma revolução popular
como método para se atingir um regime republicano, e outro ramo, o de Quintino Bocaiúva,
defensor de uma transição pacífica para a república. O movimento republicano estava
presente entre profissionais liberais, jornalistas, militares e até conservadores, principalmente
do Partido Republicano Paulista. Os paulistas republicanos preocupavam-se mais com os
aspectos da federação do que com os direitos, preocupação mais presente entre os cariocas. O
dinheiro explica em parte essa preocupação federativa, pois os paulistas em expansão
econômica contribuíam tributariamente mais e recebiam menos do Império, daí a autonomia
federativa ser tão interessante. Na relação entre a Igreja e o Estado começa com as diretrizes
do Vaticano de 1848 que condena as liberdades modernas e em 1870 a infalibilidade papal foi
proclamada dogma da Igreja. Como a Constituição Imperial reservou ao Estado o direito de
avaliar juridicamente os decretos eclesiásticos, houve um cisma entre Estado e Igreja.

Fausto (2006, p. 230-251) narra que os militares após a abdicação de Dom Pedro I
foram perdendo forças, apesar do prestígio nunca ter sido de todo extinto, havendo os liberais
diminuído seus efetivos por receio de surgirem líderes militares que golpeassem o regime. A
doutrina positivista em muito influenciou os militares atraídos pelas ideias de que uma
ditadura republicana era o melhor dos regimes para a época, pelo laicismo do estado e pela
preferência do desenvolvimento técnico, científico e industrial, conforme o pensamento
comtiano. Com a Proclamação da República foi banida a monarquia para a Europa e o Brasil
inaugurou a república de inspiração positivista. A assembleia constituinte foi prontamente
convocada para “garantir o reconhecimento da República e a obtenção de créditos no
exterior”. Em 24 de fevereiro de 1891 foi promulgada a nova constituição, de molde norte-
americano, liberal, republicana e federativa. Os poderes foram divididos no Executivo,
Judiciário e Legislativo. Os estados ganharam maior autonomia. O sistema de governo foi o
presidencialista. O sistema de voto era o direto e universal, sem censo econômico. O Estado
foi separado da Igreja. O monarca foi banido junto com sua família e seu poder de moderar.

Para Bonavides e Andrade (1991, p. 149-255), a proclamação da república e a


promulgação da constituição de 1891 foram uma ruptura com a ordem política anterior e a
instauração de um pacto liberal-oligárquico. Uma federação mimetizada no modelo norte-
americano; um presidencialismo sem atração, tradição ou preparo; uma república sem
privilégios ou nobrezas; e uma ditadura do executivo em oposição à tripartição dos poderes
apenas formalmente assimilada; eis o novo regime constitucional do Brasil. “O direito de
66

propriedade viu-se também com a ordem republicana erguido a sua plenitude máxima”.
Houve a recepção de vários direitos do império: inviolabilidade do domicílio, isonomia,
instituição do júri. O instituto da intervenção federal serviu de meio para o presidente atuar de
maneira discricionária e arbitrária. O presidente era um rei eleito para ser o monarca do Brasil
pelo prazo de quatro anos. Os presidentes não respeitavam a Constituição de 1891, pois com
suas armas, do que valiam papéis? Eles demonstram bem a realidade que Lassale tão bem
apontou sobre a natureza da constituição. Mas na lição de Kelsen, a Constituição de 1891 é
produto de uma revolução jurídica.

3.2.3 Os golpes ditatoriais mascarados de revolução, “a culpa é dos comunistas”

Após a intransigência de Washington Luís de candidatar à presidência Júlio Prestes, o


que quebrava o pacto estabelecido entre os oligarcas do Café com Leite, houve a aliança entre
mineiros e gaúchos com Getúlio Vargas como opositor. Júlio Prestes, vencedor da eleição de
1930, é deposto pela Revolução de 1930, marcando o início de um novo período republicano.
Segundo Fausto (2006, p. 327-236), “os vitoriosos de 1930 compunham um quadro
heterogêneo, tanto do ponto de vista social como político”, o que é comum ao autor na
maioria das revoluções. A ruptura do poder não foi drástica, havendo ascendido grupos
heterogêneos, quais sejam: “os militares, os técnicos diplomados, os jovens políticos e, um
pouco mais tarde, os industriais”. O novo governo era centralizado e as forças oligárquicas
dos estados não determinavam o poder, embora ainda se prestasse das suas benesses. O novo
Estado desejava promover a industrialização e proteger (ou apaziguar) os trabalhadores
urbanos, o que significava promover o capitalismo nacional. Foi no ordenamento jurídico
trabalhista que houve a influência mais destacável do governo getulista, o que se fez por
decretos, mais do que por meio da constituinte, pois o próprio povo não teve a iniciativa, antes
esta foi do Estado. Não é à toa que mais a frente, em 1943, o nome de Getúlio ultrapassou as
décadas junto à Consolidação das Leis do Trabalho do Brasil.

Em maio de 1933 inicia a constitucionalização do Brasil. Em 1934 a assembleia


constituinte promulga a Constituição inspirada na Constituição de Weimar e com pontos
comuns à Constituição de 1891. Os direitos trabalhistas são incluídos na Constituição. A
67

constitucionalização foi precedida de uma Revolução frustrada em São Paulo, a Revolução de


1932. Apesar de frustrada, forçou o governo a agir no sentido de iniciar o processo
constitucional, e a vitória na Assembleia Constituinte Nacional foi das elites regionais dos
estados. O nacionalismo do estado com a nacionalização de recursos naturais, a garantia de
direitos trabalhistas e do ensino primário e da educação religiosa, e o tema da segurança
nacional foram os pontos mais relevantes da Constituição. Conforme Bonavides e Andrade
(1991, p. 321-324) esta foi a Constituição que inaugurou o constitucionalismo social do
Brasil, além de ter inovado na inclusão do mandado de segurança. De certa forma ela é
produto de um governo ascendido por um golpe de estado e uma revolução constitucionalista
frustrada. Elogiam os autores a Constituição de 1934:

É o estado social formalizado no texto da Constituição. É a vitória jurídica da democracia de grupos em


nosso País, buscando emprestar à representação política uma filosofia do poder, volvida menos para o
indivíduo do que para as categorias intermediárias, aquelas que o liberalismo se habituara a converter em
objeto de menosprezo ou indiferença.

Mas não teve tempo suficiente para maturar, tão breve foi sua vigência. Após um
breve período que aparentava uma democracia, em um ambiente ideologicamente carregado,
vem o golpe do Estado Novo, justificado em boatos falsos dos integralistas de um plano
comunista, o plano Cohen. A ameaça forjada de uma revolução comunista foi suficiente para
uma reação do estado e a instauração de um regime autoritário, o que já vinha acontecendo na
Europa. A Constituição de 1937, influenciada profundamente na Constituição da Polônia, foi
flagrantemente ilegítima, haja vista não ter sido o trabalho de representação do poder
constituinte originário. Ela foi outorgada e segundo Bonavides e Andrade (1991, p. 338) “o
fantasma do comunismo foi fonte alimentadora do golpe e, portanto, da Carta de 37”. “A
primeira fraude constitucional estava precisamente no dispositivo que condiciona a
manutenção da lei maior à manifestação plebiscitária da Nação”. Como nunca houve o
decreto que regulariza o plebiscito, a Constituição vingou. Outra fraude foi em relação à
reforma constitucional que era legitimada ao Presidente da República ou Câmara dos
Deputados, este fechado com o golpe. Tamanho conjunto de vigarices se repetiu na ditadura
dos militares que prometeram proteger a Nação e se perpetuaram no poder.

Investido do exercício do Poder Constituinte, a Revolução Vitoriosa com o apoio da


Nação na “quase sua totalidade” com o fim de “assegurar ao novo governo a ser instituído”
editou o Ato Institucional-1 (AI-1) de 1964, semelhante ao antecessor golpe de 1930. O Poder
Constituinte originário da “autêntica” Revolução Vitoriosa manteve e introduziu modificações
à Constituição de 1946. Segundo o autoritário AI-1 de 1964: “A revolução se distingue de
68

outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz, não o interesse e a vontade de um
grupo, mas o interesse e a vontade da Nação”. A vontade da Nação venceu as tentativas de
bolchevização do país pelo governo, segundo os representantes da revolução vitoriosa. A
legitimidade da revolução, declaram, não decorria do Congresso, mas a legitimidade do
Congresso era dada pelo Ato Institucional, alavancado este a status de norma superior. E os
revolucionários não “radicalizaram”! Prova disso é que mantiveram a Constituição e
mudaram apenas a parte que se referia aos Poderes do Presidente da República. E isso não é
nem um pouco radical?!

A Revolução Vitoriosa instaurou a ditadura militar no Brasil, segundo os militares,


para derrotar os comunistas que buscavam uma revolução no Brasil e esse fato faz parte do
debate político até os dias atuais. O termo revolução não fugiu à manipulação política, tendo
sido usada para mascarar, maquiar o golpe ou usurpação do poder, pois quem vence dá os
nomes ao que aconteceu. Golpistas ou terroristas vitoriosos tornam-se revolucionários ao
contar a história, independentemente de serem detentores de um projeto revolucionário ou
apenas desejarem manter o status quo, pois eles qualificam juridicamente o que ocorreu. Para
Fernandes (2000, p. 56-57) que pouco se interessa pelo debate terminológico, existe por
detrás do uso do termo relações de dominação:

(...) Se um golpe de Estado é descrito como ‘revolução’, isso não acontece por acaso. Em primeiro lugar,
há uma intenção: a de simular que a revolução democrática não teria sido interrompida. Portanto, os
agentes do golpe de Estado estariam servindo à Nação como um todo (e não privando a Nação de uma
ordem política legítima com fins estritamente egoístas e antinacionais). Em segundo lugar, há uma
intimidação: uma revolução dita as suas leis, os seus limites e o que ela extingue ou não tolera (em suma,
golpe de Estado criou uma ordem ilegítima que se inculcava redentora; mas, na realidade, o ‘império da
lei’ abolia o direito e implantava a ‘força das baionetas’: não há mais aparências de anarquia, porque a
própria sociedade deixava de secretar suas energias democráticas). No conjunto, o golpe de Estado extraía
a sua vitalidade e a sua autojustificação de argumentos que nada tinham a ver com ‘o consentimento’ ou
com ‘as necessidades’ da Nação como um todo. Ele se voltava contra ela porque uma parte precisava
anular e submeter a outra à sua vontade e discrição pela força bruta (ainda que mediada por certas
instituições). Nessa conjuntura, confundir os espíritos quanto ao significado de determinadas palavras-
chave vinha a ser fundamental. É por aí que começa a inversão das relações normais de dominação. Fica
mais difícil para o dominado entender o que está acontecendo e mais fácil defender os abusos e as
violações cometidas pelos donos do poder.

O autor criticava a ditadura implantada pelos militares na década de 60 e que de um


golpe fez a revolução, na verdade, a interrupção de uma revolução que para o autor seria
legitimamente democrática e, por isso, verdadeira. Mas apesar da especificidade da
declaração, ela aplica-se bem a outras situações como, por exemplo, à Revolução de 1930 e à
69

Revolução de 1932 e a instauração do Estado Novo. Todas utilizaram uma maquiagem


revolucionária com intenções de legitimar o golpe realizado, o que é uma práxis política na
história do Brasil. A Revolução carrega um valor mais alto que o do golpe que possui um
sentido negativo de tomada do poder na marra, mas sem uma legitimação popular ou
democrática. Na América Latina todo golpe é florido com a palavra revolução e todo o
vocabulário revolucionário como se isto bastasse para legitimar o movimento.
70

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As revoluções têm várias facetas, assim como ocorre com o direito. Assim como este
tem mais de uma dimensão, a social, histórica, ética, normativa etc., a revolução também é
analisável pelo ponto de vista sociológico, histórico, ético, jurídico, entre outros. Para
compreender a influência da revolução no direito, uma compreensão dessa natureza e o estudo
desses diferentes aspectos é essencial, sob pena de haver incompletude na compreensão do
fenômeno revolucionário no plano jurídico. O fenômeno jurídico tem seus fundamentos na
dinâmica social, assim como ocorre com o fenômeno revolucionário. Os dois têm como ponto
de encontro a mudança do ordenamento jurídico. A revolução é uma das causas sociais para a
mudança do ordenamento jurídico, principalmente no regime constitucional, onde a revolução
atua preferencialmente.

As revoluções são movimentos sociais que se caracterizam por vários pontos em


comum, como a mudanças radicais na estrutura e funcionamento social e reações intelectuais
e emocionais fortes. Muitos dos movimentos sociais são assimilados como revoluções, mas
não o são de fato, apenas o são por nomeação. A confusão decorre de um estudo parcial da
revolução ou um ardil dos golpistas, o que acaba assemelhando autênticas revoluções com
golpes de estado. E no Brasil, a palavra revolução é facilmente utilizada como sinônimo de
golpe, haja vista qualquer movimento que tenha um plano de mudança e ataque o governo
vigente acabe sendo qualificada de revolução. Para se evitar esse problema, a análise do
movimento social deve ser realizada com o mesmo cuidado que se deve estudar o fenômeno
jurídico, de maneira interdisciplinar. Assim evita-se a confusão de golpes com revoluções,
como a faz Kelsen que considera revolucionário qualquer movimento que modifique o
ordenamento jurídico.

Algumas características que costumam acompanhar a revolução são a utopia e a


violência. Essas duas características são duas das mais atacadas pelos detratores da revolução.
Essas duas questões são fundamentais para a compreensão da legitimidade e eficácia do
poder. A revolução, por diversas vezes ocupar o poder pela força, pode fazer crer que um
ordenamento jurídico é legítimo pelo fato de um grupo ser detentor da força necessária para
renovar o sistema jurídico. Mas afirmar que um ordenamento jurídico é legítimo porque
alguém o inovou pela força é contrário à moral e à doutrina política e jurídica liberal e
71

democrática. A utopia dos revolucionários pode ser observada como uma visão de mundo
irreal, quimérica e disforme da realidade. A revolução seria vista pelos seus detratores como
um movimento que, baseado em falsos princípios, por serem ineficazes ou inexistentes,
levaria à consagração de constituições também ineficazes, sem efetividade real. O que estaria
escrito no papel não seria a constituição de um povo daí não haver por vezes conformidade
dos projetos revolucionários com a realidade. A liberdade inscrita na constituição não a
garantiria por si só, por exemplo.

E apesar dos ataques ao espírito revolucionário, os fundamentos da ordem


constitucional moderna na Europa são baseados em grande parte no processo revolucionário
que teve como fundamento, principalmente, o iluminismo e o contratualismo. Locke,
Rousseau, Montesquieu, Sieyès foram teóricos que em muito contribuíram para formar o
pensamento político da Revolução Francesa e Revolução Norte-Americana. Vários debates
sobre a legitimidade revolucionária, como a entre Paine e Burke, são debates que enriquecem
a doutrina política, o que resvala na doutrina jurídica, por causa da questão da legitimidade e
titularidade do poder constituinte. No direito constitucional, o pensamento político
revolucionário é um dos fundamentos da constituição moderna e as revoluções são fontes
históricas destas. O Brasil adotou vários conjuntos de direitos, a organização do estado e as
formas de poder defendidas no processo revolucionário. O Brasil mesmo foi campo de debate
entre os defensores do liberalismo revolucionário e os defensores do regime monárquico
antigo, e não sendo mais possível negar a força do argumento liberal, a monarquia aceitou
vários de seus princípios na Constituição do Império.

Na União Soviética, a constituição dava poder a um grupo, um partido soviético que


representava o povo e a revolução marxista. Naquela nação o projeto revolucionário socialista
gerou um regime jurídico que garantia a prevalência do grupo que ocupava o poder. Não
foram isentas de críticas as constituições da União Soviética. Trotsky e Lênin, construtores do
novo estado de índole marxista sempre realizaram a autocrítica revolucionária. A constituição
e o direito socialista, ao contrário da constituição e do direito liberal ou democrático, que são
vistos como produtos da dinâmica social, são alguns dos meios para se atingir a sociedade
comunista. Tal concepção está baseada principalmente da obra de Karl Marx e Friedrich
Engels, que combateram o liberalismo e o capitalismo que fundamenta o sistema jurídico da
maior parte do Ocidente. No Brasil, o socialismo de Marx foi tratado como uma perigosa
subversão contra o estado. O partido comunista foi extinto pelo Estado Novo de Getúlio
Vargas. E a revolução socialista nunca foi vitoriosa para criar um regime socialista no Brasil.
72

Campanhas eleitorais sempre exploraram essa possibilidade de o “Brasil virar uma Cuba”.
Pode-se dizer que a elite abomina o regime socialista, provavelmente mais pela dispersão e
mudança do poder do que pelos males reais que um regime comunista possa trazer; e o povo
acredita nas acusações por superstições ou ideologias impensadas.

As revoluções brasileiras foram legítimas 44? Essa é uma pergunta relevante que é
respondida predominantemente com uma negativa. Em relação ao poder constituinte, a
revolução é tratada pela doutrina como manifestação ou exercício legítimo do poder
constitucional. A questão da legitimidade como visto nos contratualistas, por exemplo, é
resolvida no contrato social, com o povo, como parte do grande contrato em que a vontade de
todos é considerada, colocada como o detentor do poder político e jurídico. No Brasil, no
entanto, a legitimidade é difícil de aceitar em revoluções que mais afastaram o povo do
processo político do que o aproximaram, o que não é aceito convencional, afetiva ou
racionalmente pelo povo, restando ao povo aceitar a ordem política e jurídica imposta por
meio revolucionário tão somente por que a força legal nova a impõe. A legitimidade
revolucionária se deu pelo poder de armas, nunca pelo dos argumentos e aspirações do povo,
mais pelo das ameaças, nunca pela assembleia popular.

Aqui houverem mais usurpações do que revoluções, e as revoluções que mais se


aproximaram de um processo legítimo foram derrotadas. Os argumentos legitimadores
também quase nunca foram próprios, antes foram repetições das revoluções européia e norte-
americana. Algo que refletiu na própria linguagem constitucional. As revoluções de índole
socialista também não chegaram a refletir as aspirações da maioria popular, principalmente
por seu conteúdo “subversivo”, em relação ao cristianismo brasileiro e aos seus valores
tradicionais, acusado pelas campanhas anticomunistas. No Brasil, os movimentos de mudança
foram mais para sufocar essas aspirações ou dissimular objetivos escusos, embora ao lado
desses objetivos principais houvessem aderentes alguns idealistas. A Revolução de 1930 e a
Revolução de 1964 implantaram ditaduras, a Proclamação da República implantou na marra
um regime sem participação popular, assim como a independência brasileira não representou
uma mudança de regime, mas apenas uma mudança de monarca que se afirmando
44 Aqui aceitou-se a concepção weberiana de legitimidade: “A legitimidade pode ser garantida das
seguintes maneiras: I. Em uma base puramente subjetiva, ou seja, que se deve a: 1) aceitação meramente afetiva
ou emocional; 2) provir de uma crença racional na validade absoluta da autoridade como uma expressão de
valores últimos obrigatórios, sejam éticos, estéticos ou de qualquer outro tipo; 3) originar-se em atitudes
religiosas, isto é, guiada pela crença de que a salvação depende da obediência à autoridade. II. A legitimidade da
autoridade pode ser garantida também pelo interesse próprio, na expectativa de conseqüências específicas de
uma espécie particular”. WEBER, Max. Conceitos básicos de sociologia; tradução de Rubens Eduardo Ferreira
Frias e Gerard Georges Delaunay. São Paulo: Centauro, 2002 p. 57
73

constitucionalista nomeou-se o moderador dos poderes no Brasil.

O titular do poder constituinte no atual estágio do direito constitucional, onde


predominam os valores democráticos e republicanos, é o povo. Mas já houveram épocas que o
monarca, o imperador ou ditador eram o titular. É inadmissível no direito brasileiro, seja
como ciência ou prática, a aceitação de outro que não seja o povo, como o detentor do poder
constituinte, o que deve ser lembrado constantemente pelos exemplos de nossa triste
experiência constitucional. Ao longo da história constitucional brasileira, a aceitação de que
todo poder emana do povo não foi jamais uma verdade política inconteste. Ao contrário, o
povo foi detalhe, entrave ou massa de manobra dos detentores. Na monarquia não era nada, o
imperador não se importou com a opinião do povo. Na república imposta de cima para baixo
sem qualquer consulta se o povo a desejava, o cidadão é alguém que deve ser tutelado, sendo
com o atraso de um século que se perguntou qual forma de governo e o sistema político que o
brasileiro queria.

Quando os “revolucionários de 1964” tomaram o poder foi para sufocar uma temida
revolução socialista, ainda hoje temida e usada em campanha política, não foi para dar ao
povo o poder que lhe era de direito. Na verdade, foi um golpe contra a democracia que se
desenvolvia. O titular inconteste do poder constituinte ainda é o povo, mas a história brasileira
demonstra que ataques ao regime democrático são sempre possíveis. A Revolução Francesa
colocou a burguesia no poder em oposição ao regime antigo, a Revolução Americana deu aos
cidadãos americanos, ainda que o possam ter sido restritos a classes específicas, o direito de
se governarem. Mas no Brasil, a revolução nunca deu ao povo o seu título, apenas foram
formas violentas ou ameaçadoras de usurparem o poder de uns poucos para outros poucos.

No Brasil prevalece o sentido kelseniano de revolução, ou seja, a revolução como


mudança do ordenamento jurídico e constitucional, a revolução como fato juridicamente
qualificado. O que caracteriza uma revolução no Brasil não se distingue bem de outros modos
de substituição do poder pela violência. Havendo eficácia na substituição do ordenamento
jurídico e qualificação da mudança como uma autêntica revolução pelo próprio grupo
ocupante do poder, há então revolução. A legitimidade não é critério relevante nessa forma de
se enxergar a revolução, portanto a manutenção do poder e da ordem jurídica pelas armas não
é empecilho para se considerar que no Brasil houverem revoluções, em sentido kelseniano ao
menos, e quem as declara como tal são os grupos que ocupam o poder. Veja-se algumas das
declarações presentes nas próprias constituições do Brasil e a história dos golpes brasileiros.
74

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