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‘ A
AMAZONIA
A FRONTEIRA AGRÍCOLA20 ANOS DEPOIS
Philippe Léna
Adélia Engrácia de Oliveira
(Organizadores)
Belém-Pará-Brasil
1991
GOVERNO DO BRASIL
SCTICNPq
MUSEU PARAENSE EMI'LIO COELDI
PRESID~NCIADA REP~BLICA
Prcsidcntc: Fcrnando Collor dc Mello
SECRETARIA DA C I ~ N C I AE TECNOLOGIA
Sccrctiirio: Edson Machado dc Souza
CONSELHO NACIONAL DE DFSENVOLVIhlEhTO CIEhTI'FICOE TECNOLdGICO
Prcsidcntc: Marcos Luiz dos Marcs Guia
MUSEU PARAENSE EbliLlO GOELDI
Dirctor: Josd Guillicrmc Soarcs Maia
Vicc-Dirctor dc Pesquisa: Pcdro L. B. Lisboa
Vicc-Dirctor dc DifusIo Científica: Dcnisc HamÚ
ORGANIZADORES:
Philippc L h a
Addlia Engriicia dc Olivcira
COMISSÃO DE EDITORAÇAO
Prcsidcntc: William L. Ovcral
Editor-Associado: Lourdcs G. Furtado
Equipc Editoral: Lais Zumcro, Graça Ovcrall c Lairson Costa
-
ISBN 85-m~8-028-0
I.CONDIÇÕES ECONÔMICAS - Brasil - Amazbnia. 2. COLONI-
Z A Ç Ã ~- Brasil - AmazBnia. 3. CONFLITO SOCIAL
Brasil - AmazBnia. I. Una, Philippc, org. II. Olivcira, Addlid E., org.
CDD: 330.9811
338.09811
325.811
301.6309 811
INTRODUÇÃO
Notas sobre expansgo de fronteiras e desenvolvimento na Amazônia
Philippe Léna; AdLlia Eqrúcia de Oliwira ............................. 9
9
Mus. Poro. Eniílio Geldi: Colc(-no Eduardo Galwlo, I991
pressão sobre as terras utilizadas pelas populações locais e, por isso, continua me-
recendo uma atenção especial.
Essa escolha não significa em absoluto o esquecimento da complexidade dos
fenômenos abrangidos pelo conceito de “fronteira” quando aplicado à Amazônia.
A literatura sobre o assunto revela essa complexidade e heterogeneidade quando acres-
centa à palavra “fronteira” uma grande quantidade de predicados destinados a defi-
nir com mais precisão o aspecto estudado: fronteira extrativista, especulativa,
capitalista, garimpeira, tecnológica, etc. Nesse sentido, a fronteira agrícola repre-
senta um dos múltiplos aspectos do movimento de ocupação da região, que não po-
de mais ser entendido sem analisar suas interaçöes com os outros processos em curso
(urbanização, garimpo, grandes projetos). Constitui tão somente uma porta de en-
trada (portm fundamental) para a abordagem da problemática de fronteira.
Para evitar confusões, achamos conveniente estabelecer uma diferença entre o
“conceito de fronteira” (Oliveira Filho l979), ferramenta heurística aplicada a uma
região concreta no intuito de entender melhor uma strie de fenômenos com caracte-
rísticas comuns supostamente devidas à situação específica de fronteira, e a “fren-
te” enquanto objeto empírico envolvendo um tipo de atividade, “uma combinação
concreta de forças produtivas e relações de produção que se introduz em uma Area
de fronteira” (Sawyer et al. 1990). Essa formulação, altm de representar uma ten-
tativa de trazer mais rigor metodológico para a a abordagem dos fenômenos especí-
ficos em estudo e facilitar sua teorização, permite retratar melhor a heterogeneidade
crescente do espaço amazônico, devido à justaposição, sobreposição, interaçã0 e
evolução diferente de frentes as mais diversas. Assim podemos explicar melhor a
não linearidade da progressão, a não contigüidade das áreas de expansão, bem co-
mo os fenômenos locais de crescimento e refluxo que ocorrem em escala interme-
diária, conforme as diferentes frentes observadas. O conceito de “fronteira” diz
respeito a situações mais gerais e mais abrangentes, em que ocorre uma desconcen-
traçã0 espacial de certas atividades econômicas, que encontram condições favonl-
veis num espaço onde elas estavam antes ausentes ou pouco representadas (Sawyer,
op. cit.). Portm, temos que adotar uma definição mais restritiva para podermos fa-
zer uma distinção entre as dinâmicas econômicas desaglomerativas simples e a ex-
pansão de fronteiras que 6, antes de mais nada, um fato político. Assim, todos os
fenômenos de desconcentração não entram na categoria de fronteira; seria um abu-
so, por exemplo, caracterizar dessa forma a extensão a Nagoya ou Osaka de ativi-
dades industriais outrora unicamente presentes em Tokyo. No entanto, a colonização
agrícola da ilha de Hokkaido, incentivada pelo governo japonês no final do sdculo
passado e no início deste, pode entrar nessa categoria. Portanto, o enquadramento
de uma situação particular no conceito de fronteira exige a presença de outras ca-
racterísticas: em primeiro lugar, trata-se da integraçã0 sócio-econômica, no âmbito
de uma sociedade nacional, de espaços em geral pouco povoados, cujos habitantes
muitas vezes não pertencem à mesma cultura, e/ou apresentam um quadro econ6
mico que difere daqueles que caracterizam as regiões mais dinâmicas do país. fi
um fenômeno interno, que se desenvolve dentro das fronteiras políticas existentes,
já que não há mais espaços não integrados a um Estado (a não ser a Antártida).
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Nesse sentido, constitui muitas vezes a Última fase do processo de incorporação das
populações que não tiveram a força, representatividade e organização suficiente pa-
ra serem consideradas nações com direito a um Estado. A definição inclui também
uma noção de escala e de integração; a simples instalação de alguns enclaves para
mineração, ou a exploração da mão-de-obra local através de um sistema de avia-
mento, não são suficientes. Enfim, implica o deslocamento permanente de popula-
ções, para participar do desenvolvimento das novas atividades. Se esse processo fosse
conduzido exclusivamente por populações locais, falar-se-ia em desenvolvimento
regional, não em expansão de fronteira. A origem externa à região dos agentes eco-
nômicos, bem como a defasagem cultural, técnica e econômica que acarretam, são
essenciais para entender a profunda ruptura, e o trauma, gerados pela expansão de
fronteiras. S6 p d e ser comparado com o choque da colonização. A expansão da
fronteira exige a ausência de populações ou a presença de populações que, demo-
grácca e politicamente, não tenham condições de se opor ao processo ou de conduzi-
lo. E preciso ressaltar também o papel fundamental do Estado no incentivo, viabili-
zação e gestão das operações de integração territorial. Por todas essas razCies, deve
ser considerado um fenômeno moderno, excluindo da definição a expansão espacial-
demográfica de povos tradicionais, bem como a expansão das fronteiras políticas
dos reinos e impérios do passado, realizada através de conquistas territoriais. De
fato, durante séculos, tratou-se menos de dominar e integrar espaços do que povos,
cujo trabalho permitia pagar impostos e enriquecer o poder central. Desde a dpoca
da procura do ouro das Américas e, sobretudo, a partir da revolução industrial até
hoje, as problemáticas nacionais e internacionais orientaram-se para o domínio dos
recursos naturais e dos espaços potencialmente produtivos (diretamente no caso na-
cional, e através de vários tipos de contratos e tratados no cenário internacional).
A existência de povos mal integrados nesses espaços constitui mais um empecilho
do que uma riqueza, a não ser que não disputem o espaço com as novas formas
de ocupação e possam ser utilizados como mão-de-obra a serviço dos novos em-
preendimentos. Na época contemporânea, as Américas são, portanto, o lugar privi-
legiado para encontrar formas de ocupação que se enquadrem no conceito de fronteira,
devido ao caráter relativamente recente do povoamento por populações de origem
européia: oeste norte-americano, pampa argentino, cerrados brasileiros e, hoje, Ama-
zônia (principalmente no que diz respeito ao Brasil mas, também, em escala menor,
para os outros integrantes do Pacto Amazônico). Outras partes do mundo, porkm,
apresentam tambdm fenômenos de integração e ocupação territorial de grande porte
que correspondem à nossa definição: A Sibéria, a Indonésia (Kalimantan) e a Aus-
trália são os principais. Apesar de ?presentar vários casos de colonização agrícola
dirigida, é pouco provável que a Africa venha sofrer um tal processo em grande
escala na medida em que as expansões atuais, mesmo quando promovidas pelos
governos, se dão num espaço já ocupado por populações de mesmo nível, sem defa-
sagem cultural, técnica ou econômica muito forte. Poucos casos preenchem as con-
dições para integrar-se à nossa definição.
O fato de se tratar de regiões de um país, e não de um país, confere à problemá-
tica do desenvolvimento características particulares; entre outras, a quase inexisdncia
11
Mus. Para. Eniilio Goeldi: Coleçdo Eduardo Galvdo. 1991
de freios à açã0 do Estado ou da empresa privada, bem como o fato das atividades
econômicas serem implantadas em função de interesses nacionais e não prioritaria-
mente regionais. Isso agrava os aspecto importado e sobreposto das ações de desen-
volvimento, que podem ser implementadas sem as pesadas modificações que sem
dúvida sofreriam se existisse uma sociedade civil regional forte e organizada. As
técnicas de produção locais são pouco produtivas e geram uma poupança demasiado
pequena para poder aplicar em tecnologia com melhor desempenho, ou mesmo ge-
rar tecnologias locais. Daí o fosso existente entre os pacotes tecnológic,os oriundos
do Sudeste do pais ou do estrangeiro e a estrutura produtiva regional. E o caso dos
enclaves minerais, das hidrelétricas e de certas agroindústrias. Utilizam pouca mão-
de-obra da região e, mesmo assim, principalmente desqualificada.
Diante deste quadro, muitos colocam sua esperança na agricultura, principal-
mente camponesa, tendo em vista sua capacidade para repartir a renda e formar uma
base produtiva sólida. Porém, é preciso saber que tipo de agricultura tem chances
de se desenvolver na Amazônia e como ela se situa frente aos problemas de locali-
zação dos mercados e custos de transporte. Fala-se muito em agriculura camponesa
sem definir o que ela é e quais são suas exigências, como se qualquer atividade agri-
cola em pequena escala fosse camponesa ou tivesse condiçks de induzir o desen-
volvimento por suas próprias forças.
Em primeiro lugar parece essencial fazer uma diferença entre a agricultura de
subsistência e a agricultura camponesa. A agricultura de subsistência é uma ativida-
de inserida num contexto social e cultural complexo, onde a solidariedade entre os
membros do grupo e entre as geraçGes, através da filiação e das alianças matrimo-
niais, permite uma repartiçä0 do trabalho e do produto equilibrada. As regras são
mantidas graças à força das representações, mitos, rituais, etc. A comunidade C per-
feitamente auto-suficiente a nível de uma unidade demograficamente ampla. Trata-
se de um modo de reprodução antônomo, ao contririo do que Ocorre com a socieda-
de camponesa. Os membros são agricultores, mas não camponeses, já que não há
outro segmento social com o qual eles se relacionam. Hoje, na Amazônia, um tipo
puro de agricultura de subsistência (ou modo de produção doméstico) só C encontra-
do entre as comunidades indígenas isoladas.
Embora as sociedades camponesas tenham mantido muitos traços da agricultura
de subsistência, elas se diferenciam pela relação a um mercado que permite as tro-
cas com outros segmentos sociais não agrícolas. Elas pertencem a um conjunto so-
cial maior, caracterizado pela presença da cidade, que se opõe ao campo, daí o nome
de camponês. O trabalho é essencialmente familiar e o auto-abastecimento está pre-
sente em grau variável, mas continua fundamental, tanto para a alimentação como
para os insumos e ferramentas. Contudo, a sociedade camponesa carrega uma série
de contradições internas, que faz a sua riqueza e diversidade, mas que a abre Bs
influências externas. Por motivos históricos diversos, conforme as regiões e Cpo-
cas, ela perdeu as características sociais que permitiam sua reproduçäo equilibrada
no tempo, em parti,cularas características institucionais que mantinham a solidarie-
dade econômica entre as gerações (Geffray, 1990). Portanto, a unidade de produção
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Notas sobre expansdo de fronteiras e desmvoli~inientona Aninidnia
encontra-se reduzida à família, mesmo que ampla, o que a torna sensível às varia-
ções temporais da relação entre a quantidade de trabalho familiar disponível e o vo-
lume do produto, bem descritas por Chayanov (1966). Além do mais, seu crescimento
econômico faz com que as famílias camponesas se tornem cada vez mais dependen-
tes do mercado, podendo, no entanto, voltar ao auto-abastecimento integral por um
tempo, em caso de crise ou de preços baixos, e expandir de novo o volume de pro-
duto vendido em períodos favoráveis. Na ausência dos mecanismos da economia
de subsistência, os camponeses procuram compensar essa carência através de soli-
dariedades, mutirões, organizações de vários tipos e, enfim, através do crédito agrí-
cola ou da cooperativa, sem conseguir, contudo, acabar totalmente com esse
desequilibrio estrutural.
Suas características permitiram que a forma de produção camponesa sobrevi-
vesse através dos tempos e dos mais diversos regimes políticos. Enquanto a produ-
tividade do trabalho urbano, não agrícola, ficou baixa, a condição camponesa não
se distinguiu por um nível de pobreza particular. Mas, com o desenvolvimento da
indústria, tornou-se necesslirio fazer crescer também a produtividade do trabalho
agrícola, primeiro para obter um excedente maior a fim de alimentar o número cres-
cente de não agricultores e, mais tarde, para evitar a deterioração dos termos de
troca da agricultura familiar com as outras atividades econôniicas, condição do de-
senvolvimento rural. Ao se desenvolver, o mundo camponês perde parte da sua ori-
ginalidade e, sobretudo, sua relativa autonomia: deseja bens de consumo iguais aos
da cidade, tendo, por isso, de aumentar seu poder aquisitivo, o que o coloca em
posição dependente para abastecimento de sementes, produtos químicos, máquinas,
etc. Paradoxalmente, o sucesso da modernização camponesa implica o fim da socie-
dade camponesa e o surgimento da figura do produtor agrícola, capitalizado, cuja
produtividade e modo de vida se assemelha ao do produtor urbano. A condição des-
sa evolução está na possibilidade de gerar uma renda cada vez maior através da co-
mercialização de um valor de produção crescente, o que não B possível sem
consideráveis ganhos de produtividade do trabalho.
Uma outra forma que vale a pena ser mencionada na medida em que possui
uma importância marcante para a Amazônia, é o aviamento. Neste caso, há comer-
cialização de um ou vários produtos (em geral um número reduzido, e em pequenas
quantidades), mas não há relação com um mercado anônimo. A transaçã0 é efetuada
com um comerciante com quem são mantidos laços personalizados. Surge normal-
mente como intermediaçã0 entre agricultores de subsistência e um mercado longín-
quo, mas pode abranger agricultores individuais (indios deculturados ou imigrantes)
que não estão em condições de ter um acesso direto ao mercado por causa da disdn-
cia, e não niais usufruem da segurança que era proporcionada pela economia do-
mBstica de subsistência, o que representa, sem dúvida, uma situação extremamente
difícil. Nesse sistema, parte do trabalho é desviado para a procura ou cultura do
produto valorizado por esse mercado, sem alterar profundamente os modos de vi-
da. O aviamento não transforma os agricultores de subsistênciaem camponeses (falta
uma relação aberta e direta com o mercado) mas pode eventualmente ser um passo
nesta direção. Devemos constatar, porém, que a agricultura nos lugares pouco
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Mus. Para. Emilio Goeldi: Colccdo Fduardo Gnlruio. 1991
14
formas específicas de comercialização características das áreas de fronteira, Eles
estão confiantes de que, de acordo com o modelo que sempre funcionou no Brasil,
a “civilização” (infra-estruturas, transportes, comércios, cidades.. .) acompanhará
seus passos com suficiente rapidez para que eles possam aproveitar as vantagens
proporcionadas pelo fato de estarem entre os primeiros que chegaram no local (o
que podemos chamar de “ganhos de fundador”, mesmo que em pequena escala).
Esta esperança, esta fé no futuro e no progresso linear constitui um dos maiores
motores do fenômeno de fronteira. Devemos nos perguntar, contudo, se esse mode-
lo ainda é válido para a Amazônia; isto é, retornando a nossa problemática inicial,
se algum dia existiu uma verdadeira fronteira agrícola na Amazônia.
A região já tem uma longa história de tentativas frustradas de desenvolvimento
agrícola. De modo geral, a literatura especializada faz do meio natural o grande
responsável por esses fracassos. Sem negar que o meio apresente problemas especí-
ficos, até hoje não resolvidos, acreditamos que o principal motivo foi o malogro
dos poderes públicos em estruturar um mercado em escala regional, o que prova-
velmente foi dificultado pela imensidão da região e a fraca densidade demográfica.
Daí as políticas de povoamento e imigração que si0 uma constante desde o período
colonial até o presente. Essas tentativas, porém, nunca atingiram a “massa crítica”
que teria permitido alcançar esse objetivo. Os estrangeiros assentados na Amazô-
nia, mesmo oriundos de uma região de agricultura camponesa no seu país de ori-
gem, não conseguiram vencer as condições sociais de produção desfavoráveis e se
mudaram para as cidades ou para outras regiões do país, evitando submeterem-se
As relações de produção do aviamento. A concorrência do Nordeste e, logo depois,
do Sudeste, não deu chance de reverter a tendência que levou a firmar a Amazônia
como periferia. Não que a região não tenha produzido nada (basta lembrar o “ciclo
agrícola” do século XVIII, baseado no cacau, cafk, cana-de-açúcar, etc.) mas as
formas sociais e técnicas de produção apresentavam um quadro atrasado (a maior
parte do cacau exportado durante o século XVIII era de origem extrativa - Santos,
1980 -) e não conseguiram adaptar-se à evolução da demanda bem como às trans-
formações políticas e econômicas.
As fronteiras agrícolas recentes se expandiram nos espaços contíguos às regiões
dinâmicas do país, em conformidade com a lógica econôniica de expansão espacial
das atividades agrícolas em resposta ao crescimento da demanda. Vale ressaltar que
os espaços abrangidos eram relativamente pequenos e, portanto, mais facilmente
dominados. Devido ao tamanho da região e ao caráter obrigatoriamentelinear e pouco
difuso das infra-estruturas de transporte, a expansão nos cerrados já mostra diferen-
ças: a ocupação do espaço não é mais contínua (mesmo se uma parte está numa si-
tuação de contiguidade e continuidade em relação às áreas de expansão anteriores)
e depende sobremaneira dos grandes eixos de penetração. As necessidades de ex-
portação da soja explicam melhor essa fase de expansão do que uma continuação
das dinâmicas anteriores. Com a Amazônia o problema é ainda maior. Trata-se da
metade do território nacional, sem ligações com a região Sudeste, e com uma dis- ’
tância máxima dos centros consumidores e produtores do país. Em termos da eco-
nomia espacial clássica, somente atividades extremamente extensivas, com custos
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de produção baixíssimos (compensando assim custos de transporte elevados), pode-
riam competir com as regiões mais centrais, tais como atividades de mineraçä0 (pe-
lo menos as que apresentam condições favoráveis em termos de custos de produção
e competitividade), pecuária extensiva, extrativismo vegetal, etc. Elas, entretanto,
dificilmente trazem desenvolvimento local, pois criam poucos empregos, os quais
são em geral mal remunerados.
As tentativas de colonização oficial procuraram reverter esse quadro. Obede-
cendo aos princípios dos modelos da economia espacial, concentraram os pequenos
produtores ao longo das estradas (em faixas de I O km de largura) e reservaram as
áreas mais afastadas à pecuária; tentaram induzir fenbmenos aglomerativos e de cen-
tralidade através da criaçäo de núcleos urbanos a intervalos regulares. Porém, CO-
mo toda a região possui as características de uma periferia, torna-se muito mais difícil
gerar as dinâmicas almejadas. Basta retirar as ajudas e subsídios públicos para que
a artificialidade do processo apareça.
O fenômeno é ainda agravado pela própria transformação da agricultura do Sul,
que substitui gradativamente as dinâmicas espacialmente expansivas pelo crescimento
“vertical” (aumento dos rendimentos e ganhos de produtividade). Próxima dos mer-
cados e dos fatores técnicos de produção, aproveitando um mercado de trabalho bem
estruturado, ela se torna capaz de competir inclusive com produtos para os quais
a região Norte deveria, em princípio, desfrutar de uma renda natural (produtos re-
gionais como a borracha, por exemplo). Por outro lado, vários autores já ressalta-
ram que, no Nordeste, a baixa umidade relativa do ar (que impede a difusão de pragas)
e a intensa insolação, tornariam aquela região favorável para a cultura de plantas
originlirias da Amazônia, se convenientemente irrigada.
Sem dúvida, a maior riqueza da Amazania são seus recursos minerais mas, a
madeira, enquanto recurso natural renovável, pode ser chamada a ter um papel ain-
da mais importante a médio e a longo prazo. Principalmente quando se considera
o esgotamento rápido dos,recursos das outras regiões produtoras de madeiras tropi-
cais (Sudeste Asiático e Africa). Sua exploraçäo atravds do manejo sustentado al-
cançaria dois objetivos ao mesmo tempo: a preservação da biodiversidade e a geraçäo
de renda e empregos estáveis. O reflorestamento, com a utilização da biomassa pa-
ra fins energéticos ou de produção de celulose, constitui uma opção, já que precisa
de grandes espaços, mas sofrerá a concorrência das florestas energéticas do Centro-
Oeste, e não pode ser recomendada em larga escala por acabar com a biodiversida-
de. Deveria ser limitada a áreas de pastagens degradadas. A criação de gado, pelas
mesmas razões e por ser insustentável com os padrões técnicos atuais, ou de renta-
bilidade duvidosa com padrões mais intensivos, deveria tambCm sofrer sérias res-
trições. Apesar da redução dos desniatamentos efetuados por fazendas (o setor
apresenta um refluxo na região), ainda é superior aos desmatamentos crescentes rea-
lizados por pequenos agricultores (crescimento devido ao prosseguimento da imi-
gração, mesmo em ritmo mais lento, e à adoçã0 da criaçäo de gado como estratégia
mais segura de sobrevivência e acumulação). Portanto, a reconversão das fazendas
para outros tipos de produção (reflorestamento, plantações de dendê, etc.) repre-
sentaria um importante passo no sentido da preservação.
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Tendo em vista o perfil atual da agricultura brasileira, seria errado dizer que
os desmatamentos na Amazônia são destinados à alimentação do povo brasileiro ou
são necessários ao seu desenvolvimento. No entanto, 6 verdade que, mesmo descar-
tando as populações tradicionais, cuja participação no desflorestamento global C in-
significante, uma determinada quantidade de desmatamentos permite a certas camadas
da população imigrante encontrar sua subsistência na ausência de outras opções.
Constitui, antes de niais nada, um problema social e, secundariamente, um proble-
ma econômico e ecológico. Sua soluçäo pode estar tanto na agricultura como em
outros setores (a oferta de emprego de setores como a construção civil exerce um
apelo muito forte sobre esses segmentos da população rural). Contudo, profundas
modificações devem ser incentivadas ao nível dos sistexas de produçäo campone-
ses para torná-los ecológica e economicamente sustentáveis. Tendo em vista as res-
trições já expostas, a tarefa é sem dúvida árdua. Ela é complicada pelo fato de se
encontrarem na Amazônia praticamente todos os tipos de agricultura, desde a agri-
cultura de susbistência até a agricultura empresarial, passando pelo aviamento e a
agricultura camponesa em diferentes momentos do processo de integração/moder-
nização, tornando necess5rio o implemento de políticas diferenciadas.
As reservas indígenas, por exemplo, cuja demarcação C urgente, não podem,
nem devem, ser consideradas áreas de preservação do meio ambiente (o que signifi-
ca que as necessárias áreas de preservaçä0 devem ser consideradas à parte). Além
de ser uma noção discriminatória, ela C infundada. Algumas popu1açõe.s indígenas
já estão em relação com o mercado e a tendéncia é a intensificação desta relaçäo,
que já leva à venda de madeira, procura $e ouro, caça e pesca para fins comerciais,
etc., fatos amplamente docufnentados. E o exercício do seu direito e constitui um
processo quase inevitável. E preciso evitar, entretanto, a exploraçä0 desenfreada
de terceiros, a qual, em geral, leva a problemas de sadde e de desestruturação sócio-
cultural extremamente graves, como no caso recente dos Yanomami. A proposta
de ajudar a desenvolver, nessas áreas, atividades rentáveis (desde que requeridas
pelos indios) que não acarretem o esgotamento dos recursos naturais, introduz uma
problemática bem semelhante à da passagem do aviamento à agricultura camponesa
ou da modernização dessa última.
O problema é semelhante no caso das “reservas extrativistas”. Plenamente jus-
tificadas como meio de defender um grupo social e dar para ele o tempo e as condi-
ções para dominar suas transformações, elas dificilmente podem ser consideradas
Breas de preservação (a não ser que se retire a esse grupo a liberdade, duramente
conquistada, de decisão e escolha). Uma conseqüência lógica dessa liberdade C a
tendência ao reforço da agricultura (e da pecuária) presente, e freqüentemente do-
minante, nesses grupos. E de fato pouco provhvel que o extrativismo venha a con-
tribuir de maneira significativa no crescimento da renda. O setor da borracha está
em crise e, se se recuperar, são as plantações (em particular as de São Paulo) que
estarão em condições de atender a demanda. A castanha-do-pará começa a ser plan-
tada mas, mesmo assim, sua coleta representa ainda uma fonte de renda interessan-
te, que pode ter efeitos locais através da disseminação de pequenas usinas de
processamento. Entretanto, éuma perspectiva limitada. Quanto aos outros produtos,
17
Mus. Para. Eniilio Gncldi: CnkCflo Edimrdo Gilwln, I991
18
As áreas já desmatadas (em torno de 4 15.000 km*) são teoricamente suficien-
tes para obter unia produção agricola (ou de bioniassa) considerável (se não levar
em conta os empecilhos ligados à distância e aos custos de transporte). Acrescen-
tando 800.000 kni2 para manejo sustentado da floresta (com possibilidade de enri-
quecimento) e niais os impostos sobre a produção mineral, a região poderia oferecer
empregos para uma população de oitenta milhões de habitantes (ou seja, quatro ve-
zes a população atual) deixando dois terços da Amazônia como reserva de biodiver-
sidade e banco de gens. Os fatos, provavelmente, não acontecerão dessa maneira.
Trata-se somente de uni exemplo destinado a mostrar que a devastação não C uma
necessidade e que o desenvolvimento pode se dar de outras formas.
Hoje o consenso C cada vez maior (inclusive e, talvez, sobretudo, entre as or-
ganizações camponesas, indígenas e extrativistas) sobre a idCia de que a Amazônia
não pode resolver os problemas sociais de outras regiões, acolhendo os excluídos
e os gananciosos. Porém, deixando de lado os fenômenos de caráter especulativo,
que poderiam ser resolvidos por lei, é inegável que existe uma forte ligação entre
o nível de vida da população de baixa renda e a procura por terra na Amazônia.
Dito de outra maneira, mesmo uma agricultura de baixa rentabilidade pode repre-
sentar uma solução para certas camadas da população, o que significa uma tendên-
cia à expansão das frentes agrícolas não capitalizadas. Da mesma forma, o garimpo,
apesar de oferecer condições extremamente difíceis, atrai 600 a 800.000 pessoas
para a Amazônia, surgindo como uma opção alternativa à procura por terra. Essas
frentes entram em choque com as populações indígenas e invadem suas reservas,
difundindo doenças e trazendo prejuízos de todo tipo. No entanto, alCm das medi-
das imediatas a serem tomadas, acreditamos que a Única solução definitiva C o de-
senvolvimento, regional e nacional, que constitui a melhor forma de tornar a base
produtiva e o crescimento econôniico nienos dependentes dos recursos naturais e
mais moderados no seu uso.
A região está atualmente profundamente dividida entre tendências opostas e con-
traditórias tais como: os fenômenos de polarização e concentração inevitavelmente
ligados ao desenvolvimento, versus as dinâmicas centrífugas, de dispersão e des-
concentraçäo próprias da fronteira; a defesa do modo de vida local, da identidade,
versus a sociedade complexa, o mercado, os processos não locais (a comunidade
contra a sociedade, as relações mecânicas contra as relações orgânicas, nos termos
de Durkheim); a reconhecida necessidade de preservar o meio ambiente versus a
destruição do capital natural para sobreviver ou alcançar a rentabilidade de um em-
preendimento, etc.
A luta pela apropriação, dominação e controle de frações do espaço amazônico
se desenvolve através de um intenso processo de territorialização que abrange todos
os atores (Estado, forças armadas, empresas plibiicas e privadas, posseiros, garim-
peiros, indios, etc.. .) e que leva à espacialização dos conflitos sociais. De um lado,
o Estado se reforça à medida que procede à estruturaçã0 e ao controle do espaço
nacional; do outro, os diferentes grupos conquistam ou redefinem sua identidade
e seu espaço político atravCs do estabelecimento ou questionamento dos limites
19
territ6riais que os separam. Tais dinâmicas, reforçadas e diversificadas pelas mdlti-
plas estraegias postas em prática, constituem a base das novas relaçiies de poder,
bem como da estruturação do campo político-social e do espaço regional.
Os textos a seguir tratam das modalidades e conseqüências da expansão da fron-
teira em várias regiões da Amazônia, ressaltando os aspectos conflitantes e as ques-
tões tdcnicas levantadas pelas dinâmicas em curso. Nossa esperança d que eles possam
contribuir para o aprofundamento da reflexão sobre os difíceis problemas enfrenta-
dos pela região.
BIBLIOCRAFlA CITADA
SANTOS, R.A.O. 1980. Histisria cconhiica da AmazAnia (1800-1920). ed. T.A. Quciroz, S o Paulo,
358p.
SAWYER, D.R. et alii. 1990. Frontciras na AmazBnia: significado c pcrspcctivas.'Rclat6rio CEDE-
PLARIUFMG, l84p.
20
PARTE I
A FRONTEIRA E AS POPULAçõES
REGIONAIS
SOLDADOS DA T E R M : TERRITORIALIZAÇÃO
IND~CENAE REVERSIBILIDADE BQ SABER
SQBRE A FRONTEIRA
Priscila Faulhaber'
RESUMO - Trata-sc dc um cscrcício dc intcprctaçiio antropldgica do pro-
cesso dc dcmarcaçiio das terras ind&cnas no Mldio Solimõcs/AM, no qual os
indios tivcrani unia participação ativa.
Na tcntativa dc examinar as cstmtlgias de apropriaçfio c uso da tcrra a par-
tir do ponto dc vista dos indios, obscrvanios quc estas estratégias são infornia-
das por cddigosjurídicos rcgulados scja por costumc, seja pela Ici escrita, a fini
dc dclincar a discussão descnvolvida pclas cidncias sociais das difcrcntcs con-
ccpçõcs dc frontcira.
Este artigo tem como objetivo a comprccnsiio da tcrritorialidadc ind@nh
em uma situação histdria singular como um processo rclacionado com prfiticas
discursivas e niï0 discursivas dc outros atores da soeicdade nacional.
PALAVRAS-CHAVE: Demarcação, Tcrras indígcnas, Tcrritorialidadc, Fron-
teira, Processo jurídico.
ABSTRACT - This paper is an cxercisc o f anthroplogic?l intcrprctdon o f
the demarcation o f Indian lands in thc Middle Soliniõcs (AM) as a social pro-
cess in which the Indian thenisclvcs had an active participation.
Wc try to examinc the estratcgics o f appropriation and use o f thc land from
thc Indian 's point o f view. Those stratcgics arc informcd by juridicial codcs rc-
gulatcd cithcr by custoni or thc law. All this Icd us to huniblys sketch out a dis-
cussion of the differentconccptions O f frontierdeveloped by thc social scicnccs.
Our aim is thc undcrtanding o f thc Indians tcrritoriality as a proccss, in a
singlc historical situation, relatcd to discursive and non-discursivc practices of
others actors o f tlic notional socicty.
KEY WORDS: Indian lands, Dcmarcation, Tcrritoriality, Fronticr, Juridical
proccss.
23
Mus. Pmo. Enillio Goeldi: Coleç&doEdiurd0 CalwTo, I991
INTRODUÇÃO
24
Soldados da Terra
Embora a demarcação das terras indígenas tenha sido efetivada pela FUNAI
com a participação indígena, a demarcação ainda não foi homologada pela Presi-
dência da República. Este impasse, que tem implicaç&s práticas, indica que exis-
tem diferentes instâncias de construção do discurso jurídico. Trata-se, aqui, da
construção de uma linguagem antropológica a partir deste discurso sobre a apro-
priação fundiária.
Trata-se de examinar as categorias pelas quais os atores se designam, as regras
atraves das quais os atores em oposição se relacionam, os códigos nos quais todos
se apóiam e, em suma, o discurso jurídico que fornece a perspectiva unificadora
de questões que aparecem tanto na esfera costumeira quanto na esfera judicial (Da-
vis, in: Moura 1988:25). Estas diferentes ordens de categorizaçãopodem ser infor-
madas por relações sociais não legitimadas oficialmente, e mesmo por formas
oficiosas de apropriação da terra.
A figura da aldeia indígena, reconhecida enquanto tal por interferência de agência
do Estado data, no MCdio Solimöes, de 1928, quando o Serviço de Proteçã0 ao fn-
dio (SPI) reconheceu as áreas indígenas de Miratu e MCria, tendo sido demarcada
a aldeia do MCria em 1929. No relatório da 1? Inspetoria Regional do SPI, apare-
cem diferentes categorias de apropriação fundiária, grifadas por mim, que dizem
respeito a diferentes códigos de categorização:
“A inspetoria do SPI - Estado do Amazonas e Território do Acre.. . pede pelo
delegado da aldeia de MCria (Isidoro Sampaio) município de*TefC,baixo Solimões,
que suste o arrendamento do lugar denominado Muratu, distrito do Uariny, do Mu-
nicípio de TefC.. .” Segundo Isidoro Sampaio, os Miranhas aí estão aldeados há 30
anos. Hoje são 40 indios semi-civilizados, sendo tuxaua J. Trovão, vivendo todos
25
Mus. Pam. Eniílio Goeldi: Coleqao Eduardo Galvdo. 1991
26
Soldados da Terra
27
Mus. Pam. Emilio Goeldi: Cole@o Eduardo Galvdo, I991
28
Soldados da Terra
29
Mus. Para. EmNio Goeldi: Cole@o Eduardo G a l ~ o1991
,
TERRITORIALIDADE INDÍGENA
E SITUAÇÃO HIST6RICA
Diferentes concepções de ferra e estratégias
30
Soldados da Term
31
Mus. Pora. Emilio Giuldi: Colecao Muardo GalWo, I991
32
Solciados da Terra
Quando foi realizada a pesquisa de campo que levantou os depoimentos examinados neste artigo, os
Lndios mantinham com a FUNAI apenas relaçtcs espridicas. Com a implantaçä0de uma m a dc trhsito
e com a presença constante de um funcionario da FUNAI cm Tcf6, a partir dc 1988, seguramente
Ocorreram transformaçdes nas relações entre os Indios e a agência tutelar. Em outra pesquisa de cam-
po, em abril e março de 1989, obscrvci que as estrategias dos Indios face à atuaçäo da FUNAI varia-
vam entre a aproximaçZo e a rejciçäo, por6m 1120
tcnho clemcntospara avaliar critcriosamcntc a siwaçäo
atual destas relações.
33
Mus. Para, Eniilio Goeldi: Colecao Eduardo Gahao, 1991
CONCLUSAO
A politização dos movimentos indígenas tem implicado uma real mobilização
dos indios na luta pela garantia de seus direitos. Neste processo, eles têm constituí-
do formas de sociabilidade de tipo novo, com as alianças horizontais entre grupos
Ctnicos diferentes, que representam uma estratdgia alternativa à verticalidade das
relações patemalistas de sujeição-dominação que caracterizam a estrutura social tra-
dicional (Faulhaber 1987:231).
Neste sentido, a territorialização e a afirmação da identidade dos indios estão
associadas à luta pelo reconhecimento de seus direitos enquanto cidadãos, como se
pode ler no seguinte depoimento de um jovem Cambeba da Barreira da Missão:
“Somos donos da terra. Somos soldados aqui mesmo na terra. Porque
esta terra não foi doação. Foi só uma ajuda que o governo deu para n6s
garantirmos a nossa terra”.
A afirmação que os indios são “soldados da terra” deve ser entendida como
um enunciado que se repete na formação discursiva dominante, constituída histori-
camente a partir das guerras de conquista entre os Estados coloniais.
AtravCs dos tratados coloniais, a guerra foi “prolongada por outros meios” (Fou-
cault 1981:176). A formação dos Estados nacionais latino-americanos representou
a territorialização dos povos indígenas dentro das fronteiras nacionais.
A territorialização indígena emerge em processos políticos que não podem ser
analisados, de maneira simplista, como se tratasse unicamente de episódios de “guerra
declarada”, como os que resultaram no extermínio de inúmeras etnias indígenas.
O contato interdtnico implicou a disseminaçãode mecanismos de poder - pr6prios
à sociedade nacional, como a patronagëm, cujo exercício 6 visto como natural e
parece perpetuar as relações de sujeição-dominação.
Os grupos indígenas reivindicam o lugar, que lhes C previsto por lei, que lhes
permita organizar-se social e espacialmente, enquanto grupos etnicamente diferen-
ciados, no interior do Estado Nacional. Esta reivindicação C apresentada dentro do
34
Soldados da Terra
3 Segundo depoimcnto de indios Caxinaui do Rio JordiolAC, na fronteira com o Peru, em pcqquisa
por mim realizada em 1980, eles eram considerados e se considcravam como “guamiçäo de frontei-
ra”. Esta categorizaçZo do indigenismo militar de Rondom era acionada pelo seringueiro Caxinaui
com um sentido inverso ao atribufdo pela doutrina positivista, que visava “integrar os Indios 8 comu-
nhäo nacional”.
35
Mus. Para. EniNio Goeldi: Cole@ Muardo Galvdo, 1991
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36
TERRAS INDÍGENAS, POLÍTICA AMBIENTAL E
GEOPOLÍTICA MILITAR NO DESENVOLVIMENTODA
AMAZ~NIA:A PROP~SITODO CASO YANOMAMI
Bruce Albert‘
RESUMO - A deliniitação das tcrras dos indios Yanomami na drca do Projeto
Calha Norte tem constituído um caso emblcmdtico da política indigcnista e am-
biental do governo da “Nova República” (1985-1990).Este artigo analisa o que
o caso Yanomami revelou, no períbdo, tanto da perpetuação do controle militar
sobre o descnvolvinicnto aniazônico quanto dos renianejanientos jurídicos e po-
liticos impostos a scu excrcício pelas conquistas do movimento democrdtico na
Constituiçãode 1988 e pela pressão das ONGs ambientalistasc indigcnistas in-
temacionais.
PALAVMS-CHAVE: A d n i a , indios Yanomami,Terras Indígcnas, Política
Ambiental, Militares, Dcsenvolvimcnto, Calha Nortc, Mineração.
ABSTRACT - The delimitation of Yanoniami Indian lands within the scope
of the Calha Norte Project epitomizes the official indigenist and environnicntal
policies of the “New Republic” (1985-1990). This article fmusses on the
Yanomam‘case and what it reveals of that period in terms ofthe on going m’lihy
control over the development of Amazonia. It also analyzes the lcgal and political
constraints over such nlifitaiycontrol as a result o f both the democratic movcment
that led to the 1988 Constitution, and the pressure of international NGOs
concerned with the environment and indigenous peoples.
KEY WORDS:Amazonia, Yanomami Indians, Indigenous Lands, Environmcntal
Policy, Military, Development, Calha Nortc, Mining.
INTRODUÇÃO
37
Mus. Para. Emilio Goeldi: ColeçOo Eduardo Gulw?o, 1991
Silva 1967). Esta política, inspirada pela doutrina da segurança nacional (Comblin
1980), constitui-se, nos anos 60 e 70, de sucessivos planos regionais (Operação
Amazônia, Plano de Integraçã0 Nacional, Polamazônia) visando a desenvolver irifra-
estruturas (estradas, aeroportos, telecomunicações),alocar incentivos fiscais e linhas
de crédito subsidiado a fim de atrair empresas na região, abrir programas de
colonização pública e, finalmente, implementar grandes projetos agropastoris,
minerais e florestais (Allen 1990:12-20; Mahar 1989: 9-45). Nos anos SO o peso
da dívida externa brasileira contribui para acentuar drasticamente o papel da região
amazônica como fonte de recursos primários para exportaçä0 e espaço de
implementaçã0 de projetos de desenvolvimento que atraíssem um fluxo de
emprdstimos internacionais, particularmente no setor mineral (Becker 1990: cap.
4). Ao longo da dbcada, a preocupação geopolítica dos militares continuou a ser
um parâmetro essencial da política de desenvolvimento da Amazônia (Mattos 1980,
1983), especialmente durante o governo civil da “Nova República” (1985-go), cuja
desastrosa política ambiental e indigenista provocou intensas campanhas de protesto
nacionais e internacionais (Albert, org. 1990).
A Amazônia legal conta com aproximadamente 63% dos 220.000 indios do Brasil
e os seis estados da Região Norte englobam por si só 78% dos 745.000 km2 de
terras indígenas do país (CEDI/Museu Nacional 1987: 12,23). Os governos militares
integraram, portanto, no seu planejamento do desenvolvimento da região amazônica,
políticas indigenistas destinadas a liberar os recursos naturais das terras indígenas
à exploração em grande escala e a administrar as conseqüências sociais do avanço
desta nova fronteira econômica. Estas políticas concretizaram-senuma sucessão de
disposições legais e administrativas resultante de uma complexa dinâmica de confronto
entre interesses militar-empresariais embutidos no aparelho de Estado, mobilização
dos movimentos sociais nacionais e influência da mídia e das Organizações Não-
Governamentais (ONGs) internacionais.
Este artigo examina uma configuração recente desta dialdtica entre politica
indigenista oficial e pressões sociais nacionais e internacionais, durante o período
da “transição democrdtica” (1985-go), analisando atravds dela os remanejamentos
impostos ao discurso e a estratdgia desenvolvimentista dos militares na Amazônia,
tanto pelas conquistas do movimento indígena e indigenista nacional na Constituição
de 198SY2quanto pela influência das ONGs ambientalistas internacionais sobre as
fontes externas de empréstimo.
Começaremos por apresentar uma breve retrospectiva da política oficial relativa
ao reconhecimento legal das terras indígenas entre 1967 e 1987. Passaremos depois
para um estudo de caso: o da delimitação das terras dos indios Yanomami (1988-89),
situadas ao longo da fronteira Brasil-Venezuela (Amazonas e Roraima). Tentaremos,
enfim, mostrar, primeiro, de que maneira o caso Yanomami revela uma estratdgia
O artigo 231 da nova Constituiçäo dB, em particular, uma definiçäo extensa do conceito de tcrra indigena,
inclufndo não somente as Breas habitadas, mas tambCm todas as ilrc is nccessilrias às atividades sociais
e econ6miCas tradicionais das comunidades indfgenas, bem como as Breas neccssiirias seu crescimento
demogrBfico (Allen 1989; Carneiro da Cunha 1990; Coelho dos Santos, 1989; Santilli 1989a).
38
Terra$ indígenas, politiea e gcopolitica niililar
39
Mus. Para. Eniílio Goeldi: CokqAo Eduardo GalvAo, I99I
As assemblbias indigenas organizadas, desde 1974, pelo Conselho Indigenista Missionirio tiveram um
papel de destaque neste processo.
Cf.Miyamoto 1987 sobre o papel do CSN.
40
Terras indígenas. polirica e geopolítira militar
41
Mus. Para. Emilio Goeldi: Coleçdo Eduardo Galvdo, 1991
Portaria da FUNAI nP 1817/Ede 08/01/85 que delimita o territdrio efetivamente ocupado pelos
Yanomami (9.419.108 ha) como medida administrativa preliminar 1 criação do Parque Indígena
Yanomami.
lo Tais como definidas pelo Decreto nP 94.946 de 23/9/87: kcas “ocupadas ou habitadas por silvícolas
não aculturados, ou em incipiente processo dc aculturação”.
42
Terras indígenas, política e gropolfiica miVIar
12 Sobreo que precedecf. Caigo Florestal (Lein? 4771 de 15/12/65), art. 5; IBDFlFBCN 1982 20-21,
25-26; Rcgularncnto dos Parques Nacionais do Brasil (Decreto n? 84.017 de 21/9/79), Estatuto do
fndio, art. 22 e Portaria FUNAI n? 745 (6/7/88). Ver tambdm Gaiger 1989b: 20-21 para comentários
jurfdicos sobre a incompatibilidade entre FLONA, PN e terras indfgenas.
43
Mus. Para. Emílìo Goeldi: Coleçdo Eduardo GulruTo, 1991
44
Terras indfgenas, politica e geopollrica milirar
física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Cercando apenas conjuntos
de malocas plotadas durante um Único levantamento efetuado em 1988 - portyto,
somente Breas habitadas naquele m o m e n t ~ ‘- ~ a delimitação das 19 Areas
Indígenas da Portaria 250 não leva em conta as áreas efetivamente ocupadas e
utilizadas a longo prazo pelos Yanomami, conforme os imperativos de sua
organização econômica e s6cio-política específica. O conceito de “terras
tradicionalmente ocupadas” 6, portanto, usado nesta Portaria num sentido deturpado
a fim de burlar as disposições constitucionais sobre as terras indígenas.
As Breas subtraídas ao território tradicional Yanomami permanecem registradas
como áreas de preservação ambiental nos mesmos moldes que na Portaria 160, fora
um acrdscimo da FLONA do Amazonas qye aumenta a superfície das unidades de
conservação (71,5%) em relação à das Areas Indígenas (28,5%). Entretanto, a
garantia do uso econômico exclusivo destas unidades pelos indios, legalmente
pressuposta pelo reconhecimento da posse indígena sobre o território que as engloba,
j B enfraquecida na Portaria 160, 6 totalmente anulada na Portaria 250 com a
eliminação do conceito de “Terra Indígena Yanomami” (parágrafo IV).Essa garantia
encontra-se substituída pelo mero reconhecimento do “uso preferencial” concedido
aos Yanomami sobre os recursos naturais das FLONAs, noção que carece de qualquer
fundamento jurídico e constitucional.
Finalmente, define-se que o desenvolvimento de atividades econômicas não-
indígenas nestas FLONAs será unicamente submetido à autorização da FUNAI e
do IBAMA (parágrafo IV). Convkm notar aqui, para medir as conseqüências desta
disposição, que o IBAMA (então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal)
elaborou, em julho de 1988, uma proposta de’ regulamento das FLONAs,
possibilitando a exploração mineral nestas Breas de proteção ambiental (artigo 1 P,
parágrafo 33’’ e que uma lei de julho de 1989 submete ao mesmo IBAMA a
concessão de permissão de lavra garimpeira nas unidades de conservação que ele
administra (Lei nP 7.805 de 18/7/89, art. 17). Isto significa que, por via destas
medidas, 50% das terras Yanomami, transformadas em FLONAs pela Portaria 250,
podem ser diretamente cedidas Bs empresas de garimpo ou às mineradoras pelo
IBAMA, com o acordo da FUNAI. Elas instauram, assim, uma forma de contornar
uma outra disposição fundamental da nova Constituição: o imperativo de submeter
a decisão de exploração de recursos minerais em terras indígenas ao Congresso
Nacional e aos próprios indios (art. 49-XVI; 176, parágrafo 1P e 231 , parágrafos
3P e 7P).
Em resumo: a Portaria 250 anula a criação da “Terra Indígena Yanomami”
eara manter apenas a configuração de sua divisão interna: um arquipdago de 19
Areas Indígenas incrustadas no coração de três zonas de proteção ambiental. O
l4 Na realidade, nem mesmo inclui todas as dreas habitadas; pc10 menos 23 comunidades foram deixadas
fora das 19 Áreas Indfgenas.
l5 Memorial 107/88IBDF/DE, encaminhado pelo Diretor do Departamento de Economia Florestal ao
Presidente do IBDF.
45
Mus. Para. Enillio Goeldi: Colep?o Eduardo Galw70. 1991
dispositivo de esbulho das terras Yanomami embutido nas suas disposições é, assim,
muito mais direto que o previsto na Portaria 160. Desta vez, não se prevê nenhuma
etapa de “transição ecológica” no processo de integraçã0 das terras indigenas à esfera
do mercado dos interesses minerários. Subtraindo à condição de terra indígena 71,5%
do território tradicional Yanomami e registrando essa área na forma de unidades
de conservação, a Portaria 250 permite sua abertura direta a empresas de garimpo
e a mineradoras por meio da simples manipulação do regulamento destas unidades.
-
l6 Decretos n? 97.512 a 97.530 de 17/2/89 (19 AIS) e n? 97.545 97.546 de 1/3/89 (2 FLONAs).
l7 Exposição de Motivos n? 8/89, Decreto n? 97.627 (10/4/89). Alkm disso, a lei n? 7.805 de 18/7/89
sobre o de regime de permissão de lavra garimpeira menciona a criação de “8reas de garimpagem”
(art. 13).
Decretos n? 98.890 de 25/1/90, n? 98.959 e 98.960 de 15/2/90 (“drcas de exercicio de atividade
de garimpagem” de Santa Rosa, Uraricocra e Catrimani-Couto de Magalhães).
46
Terms indígenas, poIirica e gropolirica niilirar
A fim de “manter o ambiente necessirio h vida das populaç&s silvicolas” (C6digo Florestal, art.
3 Item g.).
20 A inconstitucionalidade do uso do conceito de FLONA na delimitaçãodas terras Yanomami estabelecida
na Portaria 250 foi atestada num Inquérito Civil hfbficoda Procuradoria Geral da Rcpdblica (3/10/89).
21As ColBnias Indlgcnas são Areas “ocupadas ou habitadas por indios aculturddos ou em adiantado processo
de aculturação” (Decreto n? 94.946 de 23/9/87). A Portaria FUNAI n? 1.O98de 6/9/88 define os
critkrios de avaliação do grau de aculturação dos grupos indigenas.
22 Sobre o projeto de FLONA Waiãpi, cf. Parecer FUNAI 193/88 de 15/9/88 e Informação n?
015/89-SUAF/FUNAI.
47
Mus. Para. Emilio Goeldi: Colepio Muardo Gulwïo, 1991
23 Com o novo nome de Conselho de Defesa Nacional (CDN) o ex-Conselho de Segurança Nacional
(CSN) conserva, na Constituiçäo de 1988, muitas das suasatribuiçöcs anteriores. O artigo 91, parigrafo
1?-IIl da nova Carta confere, assim, ao CDN a competPncia de “propor os critérios e condições de
utilizaçäo de drew indispensdveis ? segurança
i do territdrio nacional e opinar sobre seu efetivo uso,
espccialmentc na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservaçä0 e a cxploraçiio dos rccursos
naturais de qualquer tipo”.
24 Decreto nP 95.859/88 e97.596/89. Tomando em consjdcraçäo um outro decreto de 1982(n? 87.571),
o total de terras sob domlnio do Exfrcito na AmazBnia e de IO. 132.215ha. Todas estas terras reservadas
encontram-se em regiões consideradas “problemdticas”: ZOMS de fronteira, de conflitos fundidrios
e dreas indlgcnas (cf. Folha de S. Paulo, 27 - 29/9/89 e Tempo e Presença, 244/245:31).
25 Vimos que a intromissb da Secretaria Geral do CSN na definiçäo das tcrras indigenas foi oficializada
atravds do Decreto n? 94.945 de 23/9/97.
26 Ver o estudo da Secretaria Geral do CSN n? 007/3? Scçäo11986: “A questiio IndIgena e os Riscos
para a Soberania e a Integridade do Territdrio Nacional” (extrato publicado em Schor, 3/11/87).
48
Term ind&wa.v, polilica e geopolitica militar
27 Cf.a carta da União das Naçöes IndIgenaslNorte aos coordenadores do PMACI e aos representantes
do BID de 01/05/88 (CSQ 1989:44); O Estado de S. Paulo, 17/09/88 e o Jornal do Brasil, 28/09/88.
28 Cf. BID Cable OD9/BR-665/88 de 8/12/88 e Memorandum do Envimnment DcfienseFund sobre
a reuniä0 PMACI no BID do 26/4/89; Jornal do Brasil, 1/4/89 e Correio Braziknse, 6/9/89.
49
Mus. Para. Emilio Goeldi: Colecdo Fduardo Guhdo, 1991
29 Deia 1988; Veja 9/11/88 e 23/11/88. A árca dcsmatada na Amazbnia legal (4.988.939 km2) está
atualmente avaliadaem 344.706 km2 (8.4%)para as ánas dc Ilorcsta (4.127.087 km2) e de 238.163
km2 (27,6%)para as ireas de cerrado (861.852 h2), o que d i um total de 582.869 km2 (1 1.7%)
(Fearnside 1989: 9).
30 Uma Comissão Parlamentar de InquCrito foi instalada em março de 1989, tendo como objetivo "apurar
as denúncias sobre a dcvastação da hilCia amazbnica e a participaçEo estrangeira nestas denúncias"
(Correio Braziliense, 1/3/89).
31 Foi tamMm suspensa, na ocasião, a aprovaç20 de novos incentivos fiscais e de ckditos a projctos
agropecuLios na Amazdnia por 90 dias (Dccrcto n? 96.943 de 12/10/88) e recomendadas pela
Presidencia da República ao MinistCrio da Fazenda a proibição das exportações de madeira em toras
e ao MinistCrio da Reforma e do Desenvolvimento Agrbio a adaptação da Iegislação referente à reforma
agrária às normas ambientais da nova Constituição (MEM PRISADEN N? O01 c O02/88).
32 Anexo à ExposiçHo de Motivos/PR n? O01 do 12/10/88.
50
A divulgação desses resultados deu-se em abril de 1989 na forma de um
verdadeiro show ecológico orquestrado pela SADEN para a imprensa nacional e
internacional (no qual o caso Yanomami foi, novamente, citado como exemplo, cf.
IBAMA 1989b: 15). Este evento foi, significativamente,precedido por uma violenta
campanha dos militares contra a ameaça de “internacionalização da Amazônia”
supostamente embutida nos protestos a~nbientalistas~~, numa interessante inversão
retórica das denúncias esquerdistas dos anos setenta contra a entrega da Amazbnia
às multinacionais pelo regime militar (Ribeiro 1989).
O lançamento do Programa Nossa Natureza teve, também, desdobramentos
diplomáticos na forma de uma mobilização dos países do Tratado de Cooperação
Amazônica pelo governo Brasileiro (Declaração de Quito em março de 1989, reunião
de Manaus em maio), a fim de reforçar, no plano regional, a sua rejeição do debate
internacional sobre a ecologia da Amazônia enquanto ameaça à soberania e à
segurança nacional (Santilli 1989b).
Finalmente, uma vez cumprida a sua função político-publicitária, a maioria dos
projetos de 12s do Programa Nossa Natureza foi votada pelo Congresso entre abril
e julho de 1989. Graças a uma mobilização das ONGs e dos parlamentares da
Comissão do Meio Ambiente, eles sofreram serias emendas, permitindo, assim,
neutralizar os seus aspectos anti-democráticos e suas falhas técnicas @AMA 1989b;
Oliveira & Born 1989). Entretanto, restaram embutidos, no coração deste programa,
mecanismos chaves do dispositivo de expropriação ecológica das terras indígenas
que vimos operar no caso Yanomami.
O’ GTI VÏ do Programa Nossa Natureza (Proteçã0 do Meio Ambiente, das
Comunidades Indigenas e das Populações Envolvidas no Processo Extrativista) tinha
por objetivos fundamentais sistematizar a nietodologia de planejamento económico-
ecológico do PMACI, generalizar o seu modelo de zoneamento e pesquisar possíveis
fontes de financiamento internacional para a implementaçã0 de tais projetos
integrados. Ao contrário de todos os outros, este GTI teve poucos resultados: apenas
uma lei instituindo o Fundo Nacional de Meio Ambiente (Lei nP 7.797 de 10/7/89)
e um memorando ao Ministro da Agricultura determinando prioridade para
implantação de Reservas Extrativistas (cf. Menezes 1990 sobre essas reservas). Além
disso, seus trabalhos foram prorrogados por tempo indeterminado, sua coordenação
confiada diretamente à Comissão Executiva do Programa Nossa Natureza (Decreto
nP 97.636 de 10/4/89 e Portaria SADEN nP 60 de 25/7/89) e o seu orçamento indica
a realização, em 1990, de estudos de ordenamento territorial, no estilo do PMACI,
em nove áreas prioritárias da Amazônia: Xingu/Iriri, Baixo Rio NegrolUatumã; Mé-
dio e Baixo Tapajós; Carajás; Alto Capim e Baixo Tocantins; TocantindAraguaia;
33 Ver as manchctes da imprensa cm março de 1989: Correio Emilicnse 113, 8/3,9/3, 28/3: “Ambien-
te mobiliza os militares”, “Gencral teme campanha”, “Militares rcagem à intcrfer&nciana Amaz6-
nia”, “Cobiça move a campanha pela AmazBnia”; A Critica 8/3, 913, 1313: “Presença militar na
AmazSnia 6 aumentada”, “Militares nZo aceitam interferEncia”. ”ExBrcito esti atento à.s pressdes
estrangeiras”.
51
Mus. Para. Emílio Goeldi: Cole@o Eduardo Galvdo. 1991
Rio Branco; Juruena e Rio Araguari (IBAMA 1989b: 57). Finalmente, os “pressu-
postos econômicos-sociais” indicados pela SADEN para orientar os trabalhos deste
GTI sobre as populações indígenas preconizam submeter a definição de suas terras
- em desconsideração total à nova Constituição - à perspectiva do ‘‘desenvolvi-
mento dessas comunidades visando sua integraçZo total à sociedade regional ” (gri-
fo nosso)34.
Estas informações deixam pensar, portanto, que a SADEN visava transformar
o GTI VI numa agência de zoneamentoecológico/indigenista, diretamente submeti-
do aos parâmetros geopolíticos milita;es, com o fim de sistematizar o seu modelo
de expropriação das terras indígenas (AreaslColôniasIndígenas incrustadas em uni-
dades ambientais) e expandir sua aplicação a toda a Amazônia, sob a cobertura do
nacional-ambientalismo publicitário do Programa Nossa Natureza.
52
Term indígenas, política e geopollrica niilitar
37 Dados de junho de 1987. A validade dos alvarás de pesquisa mincral B dc três anos, renov&vcis,a
dos requcrimcntos B indefinida, permitindo o bloqueio da área (Ricardo & Rocha 1990).
53
Mus. Para. Emilio Goeldi: Colecao Eduzrdo Galwlo, I991
na região estão, assim, afetadas por 560 alvarás e 1.685 requerimentos de pesquisa
mineral e tem 333% da sua extensão total com o subsolo reservado a empresas
de mineração. As empresas de garimpagem atingem, por sua vez, 21 (9%)destes
242 territórios indígenas. Assim, ainda que outros aspectos econômico-políticos pos-
sam ter incidido nesta estratdgia (como os conflitos fundiArios), a, questão mineral
tem, certamente, contribuído de maneira fundamental para motivar o projeto de ex-
pansão pan-amazônica de um modelo de ordenamento territorial sob controle mili-
tar, associando a expropriação ecológica das terras indígenas à instalação de uma
rede de glebas reservadas ao Exército em Areas “críticas”.
CONCLUSÃO
38 Cf. o capftulo VI da nova Constituiçäo sobre a questä0 ambiental c o capltulo VIlI sobre a questão
indígena.
39 Os ambientalistase indigenistas sä0 regularmente denunciadospelos militares como subversivos mo-
vidos por “interases inconfas6veis”, visando “excrcer uma influência indevida na AmazBnia” (cf.,
por exemplo, Correio Braziliense, 28/11/88 e 24/2/89).
54
T e r m indígenas, polllica e geopolítica niiIiIar
AGRADECIMENTOS
O autor agradcce C. Andujar, D. Buchillet, A.R. Ramos e K.1 Taylor por seus valiosos comcntdrios
sobre verscies antcriores deste artigo.
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Term indígenas, política e geopolítica mililar
57
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58
MILITARES, ÍNDIOSE FRONTEIRAS POLÍTICAS
AittBitio Carlos de Souza L i d
Não C hoje mais nenhum segredo, nem constitui novidade se apontar a,relação
existente entre indios, militares e fronteiras politicas. Desde que se tornou conheci-
do da opinião pública, em outubro de 1986 (quase um anos após sua aprovação pela
Presidência da República, e ao início efetivo dos trabalhos) e oficialmente divulga-
do ao Congresso Nacional, em outubro de 1987 (Oliveira Filho 1988:3-4), o assim
chamado Projeto Calha Norte põe em evidência a intensa preocupação dos estamen-
tos militares com a região Norte-Amazônica e a incidência direta dessa preocupa-
ção sobre a situação concreta dos povos indígenas aí localizados.
Se dúvidas restarem, uma breve leitura do Projeto (1988) sem dúvida demons-
trará a grande visibilidade do tema e, at& a preocupação de divulgá-lo de forma
intensa.
De fato, para aqueles que acompanham a situação das terras indígenas no Bra-
sil, a intervenção militar na esfera indigenista não surpreende desde os desdobra-
mentos que se seguiram ao Decreto nP 88118/83, que alterava o processo
jurídico-administrativo de regularização das terras de posse dos indios, colocando-o
sob o controle de um Grupo de Trabalho Interministerial do qual fazia parte o então
Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários (MEAF), locus, a partir do qual
se disseminava a ação militar sobre os assuntos fundiários (Oliveira Filho 1983).
59
Mus. Para. Enillio Goeldi: ColeçUo FAuardo Gnhulo, 1991
Sobre o conceito de Nação, seu aspecto de construct0 idcol6gic0, ver Mauss (1970); Weber (1972)
e Reis (1983).
Miliurres, hdios e fìnteims polilicas
61
Mus. Para. EniflioGocldi: Coleglo Eduardo Galwlo. 1991
Em Lima (1987~)procurei mostrar como tais relaçks s b constitutivas tanto do sabcr antropl6gico
quanto da prDica indigenista. No mesmo sentido ver Faria 1984, 1988; Menezes 1987a.
É sempre bom lembrar que a pesquisa entre indios no Brasil 6 condicionada B aprovaçiio do Estado
tutor, que vem de ser recentemente objeto de nova regulamentaçiocom a Portaria N? 745, de 05/07/88,
da PresidEncia da FUNAI. Ver Oliveira Filho (1988b).
62
Militares. hdios efronleims polirieas
Frente a este quadro, supor que a definição da área de terras ocupadas por um
povo indígena resulta apenas de determinações internas a ele 6, no mínimo, inge-
nuidade.
*
No que se refere à discussão que motiva esse simpósio - sobre a expansão de
fronteira agrícola, em especial na Amazônia -, poderíamos localizar aí outra lacu-
na fundamental no tratamento do trinônimo proposto.
O processo de penetração territorial brasileiro, e o contato entre seus agentes
e as populações indígenas em território nacional têm sido pensados pelas Ciências
Sociais no Brasil, em especial pela Antropologia, principalmente através de algu-
mas noções, como as de frente de expansão, frente pioneira e fronteira.
No verbete do Dicionário de Ciências Sociais sobre a noção de frente de expan-
s b , Velho (1986: 493-494) aponta Darcy Ribeiro como responsável pela introdu-
ção da expressão em texto de 1957, onde seu objetivo não estava em constituir ‘‘um
objeto e sim para estabelecer distinções”, como entre as frentes extrativistas, pasto-
ris e agrícolas, não tendo uso sistemático, alternando-se com outros termos e,
situando-se, dentro do esquema evolucionista que embasaria mais tarde os textos
de Ribeiro, na qualidade de etapas de desenvolvimento.
Tais noções seriam retomadas e trabalhadas por Oliveira (1972) no âmbito das
discussões sobre a fricção interétnica, asociando-se tambdm à noção de colonialis-
mo interno. Apropriando-se do pensamento do geógrafo Leo Waibel, Olivera pro-
p% a distinção entre frente pioneira e frente de expansão, além de aproximar tais
noções das de “fronteira demográfica” e “fronteira econômica”, apresentadas, tam-
bém na qualidade de distinções por Arthur Hell Neiva em texto de 1949. Vale des-
tacar, aqui, que tais noções me parecem marcadas pelo seu “local” de origem, isto
6, o campo político.
Chamando atenção para o fato de que à parte tais preocupações sistematizado-
ras, a questão da expansão territorial esteve presente no pensamento de outros pro-
dutores intelectuais, Velho apresenta Martins (1975) como tendo sido um dos mais
recentes interessados em refletir sobre a questão, fazendo-o à luz do materialismo
histórico.
A relação fundamental, para tal autor, estaria na apropriação diferencial da ter-
ra, sendo na frentepioneira a implantação da propriedade privada, enquanto na frente
de expansão esta estaria ausente.
Como Velho destaca, o texto de Martins demonstra a desvinculação a que se
procede entre contato interétnico e frentes de expansão enquanto problemáticas pa-
ra o pensamento intelectual. Critica ainda Martins apontando, de sua Ótica, o cará-
ter questionável da visão deste autor que colocaria as frentes de expansão enquanto
exteriores a uma formação capitalista, absolutizando a “propriedade privada enquanto
indicador da penetração do capitalismo no campo”. (Velho 1986).
63
Mus. Para. Emilio Goeldi: Cole@a Eduardo Gah.do, 1991
64
Milimres, hdios c fronreiras polificas
Ap6s a lei do orçamento de 1918, a verba atinente àLocalização de Trabalhadores Nacionais passaria
a outm serviço do Ministkrio da Agricultura, Indhstria e Comércio.
O texto passaria, posteriormente, à parte II do livro Os indios e a Civilizapio, publicado durante O
exilio de Ribeiro. Para uma versIo renovada, porCm herdeira do compromisso ao culto rondoniano,
ver Gomes (1988), texto que inielizmente s6 nos chegou às mbs quando cste trabalho@ se achava
em redação.
65
Mus. Para. Eniilio Goeldi: ColCCdo Eduardo G d v d o , 1991
De fato, o período final da história do SPI (extinto em 1967 quando criada a FU-
NAO, é dos mais obscuros, bem como marcado por denúncias de corrupção e conflitos.
No entanto, o retrato da primeira categoria só C aceitável se nos colocarmos
como “herdeiros” de Rondon, ou se nos abstivermos de pesquisa e reflexão’. Um
esforço no sentido de ultrapassar ambas as limitações pode desvendar um quadro
bastante distinto do reproduzido ainda hoje pelos que citam Darcy Ribeiro acritica-
mente, ou pelos que fogem de enfrentar o fantasma do “Marechal Rondon”, um
dos mitos da nacionalidade brasileira. Com isto teremos a profundidade histórica
necessária à percepção de descontin~idades.~
*
As preocupações que vinculam indios e fronteiraspoliticas podem ser facilmente
remontadas ao período colonial, notadamente às medidas pombalinas, voltadas so-
bretudo para a Amazônia (sobre elas ver Beozzo 1983; Farage 1986). Ou pode-se
ver precursores de medidas atuais nas sugestões de JosC Bonifácio de aldear indios
próximo a contingentes militares estacionados (Silva 1965), nas idCias de Couto de
Magalhães de “civilizar” os indios atravCs do aprendizado da língua portuguesa
através de intérpretes militares (Magalhães 1975), ou no estabelecimento de ‘‘colô-
nias agrícolas” no Império, onde missionários investidos de patentes militares e vin-
culados ao Ministério da Agricultura do Império aldeavam indios. Este tipo de
construção trans-histórica deixa de lado as relações sociais concretas, as práticas
sobre as quais se elaboram discursos muitas vezes delas discrepantes.
8, assim, durante o período republicano, em que se tem um Estado-Nação em
expansão, estabelecido formalmente separado da Igreja, que se poderá ver melhor
delineada a relação entre militares (como agentes diretos e planificadores), {ndios
e fronteiraspoliricas. O ‘‘local’’ para tanto seria o Serviço de Proteçã0 aos Indios
e Localização de Trabalhadores Nacionais e as Comissões Telegráficas, dentre as
quais se eternizou a já referida Comissão Rondon.
Foram, primordialmente, e~genbejros-mi~i~ares os ocupantes das unidades de
ação do SPILTN, bem como das Comissões Telegráficas. No caso do SPILTN, a
presença de militares à frente de suas unidades de açã0 foi inclusive objeto de defe-
sa por parte dos quadros dirigentes da agência, quando o Ministro da Guerra, por
requisição de novembro de 191 1pede o retorno de oficiais do ExCrcito ao serviço
regular. Em texto enviado como relatório do SPILTN ao Ministro da Agricultura,
JosC Bezerra Cavalcanti (1912), diretor de fato (embora apenas substituto de direi-
to) da agência, não só pontua como para o Serviço essa presença era importante,
como tamMm assinala o seu sentido para o ExCrcito.
* Nä0 6, pois, de se estranhar que um conhecido antropdogo tenha se referido em rcuniäo no Museu
do fndio, em 1985, aos pcrIodos francamente ditatoriais da histdria brasileira recente como os mais
propfcios aos indios. Ver Lcitc & Lima (1987) sobre o assunto.
Ver Lima (1988b) para uma consideração minuciosa do “principal” texto biogriifico sobre Rondon,
isto 6 Viveiros (1957). O trabalho faz-se acompanhar de uma ficha com dados objetivos sobre a traje-
tdria do biografado.
66
Militures, hidios e fronteiras poliricas
lo O SPI atuava em escala local, atravB dos Postos Indlgcnas; em escala regional, atravds das Inspcto-
rias Regionais; em escala nacional, atraves da Diretoria Gcral.
Ver, sobre as pr6tica.s de ufrugTo e pueifimgTo, a proposta de anilise de Erthal (1986).
I2 Ver Lima (1985: capltulo 6) e hite & Lima (1986) sobre a transformaçä0 dos Indios em “trabalha-
dores nacionais”.
13 Sobre as diversas propostas de substituiçzo do braço escravo e dc entrada de imigrantes como temas
“raciais”, ver Skidmore (1976).
67
Mus. Para. Eniilio Goeldi: Cole@o Eduardo GalvtTo, 1991
68
Militares, fndios e fionteims polificas
fi certo que seus quadros dirigentes eram constituídos por elementos formados
sob a ideologia positivista (sobre tudo por alguns dos aspectos veiculados pelo Apos-
tolado Positivista do Brasil), que se destacava por uma dada proposta de estabeleci-
mento de uma ordem social autoritária no Brasil (Lima 1985: 374-393). Dentro desse
projeto as comunicações detêm, evidentemente, um papel significativo.
Não foi, pois, uma coincidência a criação a 19 de abril de 1890, do Ministério
da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, para o qual foi nomeado como seu pri-
meiro titular, Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que assumiu a pasta a 22
de junho de 1890 (Lins 1967: 386), o que está por trás é a proposta pedagógica
- lato senso - positivista que se deveria realizar a nível nacional.
A Repartição Geral dos Telégrafos iria, mais tarde, para o Ministério da Indús-
tria, Viação e Obras Públicas.
A proposta de criação da Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas do
Mato Grosso ao Amazonas (CLTEMTA) teria surgido, segundo Rondon, de um
projeto de Francisco Bhering (Pardal 1985: 1 19) apresentado ao Clube de Engenha-
ria a 13 de dezembro de 1904, intitulado “O vale do Amazonas e suas comunica-
ções telegráficas” na Revista do Club de Engenharia 1905. A 3 I de maio de 1906,
teria surgido uma carta não assinada no Jornal do Comércio sobre o assunto. Em
9 de dezembro de 1906, Bhering voltaria - com o concurso de opiniões de Eucli-
des da Cunha - a defender suas idéias, em matéria do Jornal do Commercio. A
6 de janeiro de 1907, o Eng. Leopoldo I. Weiss consideraria tal tarefa inexeqiiível
( Jornal do Commercio).
O fato é que seria no ano de 1907 que a referida Comissãoseria instituída pelo
decreto n? 6370, de 14 de fevereiro.
O trecho seguinte, extraído da introdução do relatório do supracitado ministé-
rio, desse mesmo ano, fornece os dados necessários a caracterizar os pressupostos
implícitos em tal empresa:
“No intuito de unir todos os Estados da República pelo TelCgrafo
Nacional, e, ao mesmo tempo, dotar o território do Acre de meios mais
fáceis de comunicação com o resto do país e com os estrangeiros, auto-
rizou V.EX. a construção, mediante o concurso de tropas federais, de
uma linha telegráfica que partindo de Cuiabá se dirija a Santo Antonio
do Madeira, ponto inicial da E.F. Madeira ao Mamoré e dai se bifurque
por um ramo, em demanda das sedes das prefeituras do Alto Purus e
Alto Juruá, e, por outro, Manaus. A Comissão incumbida de construí-
la, deverá estudar ramais para pontos convenientesda Fronteira e, bem
assim, proceder ao reconhecimentogeral da zona, sob o ponto de vista
estratdgico, geográfico e econômico, promovendo, ao longo da linha,
a formaçãode colônias de indios wnvjzinhas das estações. Todos esses
trabalhos devem estar terminados em pouco mais de três anos, já tendo
sido providenciadoa respeito do pessoal e material necessários à execu-
ção do serviço” (Brasil 1907:24).
69
Mus. Para. Emilio Goeldi: Colcc¿lo Eduardo GaIv¿lo, 1991
Ou, como ficaria mais claro nas palavras do próprio Rondon, escritas aposferiori:
“Desbravar esses sertões, torná-los produtivos, submetê-los à nossa ati-
vidade, aproximá-los de nós, ligar os extremos por eles interceptados,
aproveitar a sua feracidade e as suas riquezas, estender at6 os mais re-
cônditos confins dessa terra enorme a açã0 civilizadora do homem.. .
eis a elevada meta de uma política sadia e diligente, eis a obra de um
estadista que tenha a compreensão nítida das necessidades primordiais
do desenvolvimento material desta Pátria, bem merecedora de ser mui-
to amada e carinhosamente servida”. (Rondon (s.d.:5)
Reconhecimento estratégico, geográfico, econômico e estabelecimento de co-
lônias de indios deveriam ser os pontos básicos para um esforço de desbravamento
e vinculação interna do território de forma a torná-lo produtivo. Tal poderia ser
pensado dentro dos quadros mais vastos de busca de expansão do Estado-Nação (Reis
1979) naquele momento, que se representava, nos termos da ideologia positivista
da Cpoca, como a “missão” que o “cidadão armado”, isto é, o soldado deveria
levar a cabo: “civilizar os sertões” era demarcar e solidificar as fronteiras - a uni
tempo simbólicas e empíricas - da nação (Leite & Lima 1985).
Assim, as Instruçöespelas quais se deveráguiar o chefe da Comissão Consfru-
tora da Linha Telegráfica de Mato Grosso ao Amazonas determinavam que:
“( ...)
TI - A comissão determinará as coordenadas geográficas de todas as es-
tações que inaugurar e dos pontos que julgar conveniente ao longo da
linha telegráfica.. .
Fará igualmente a medição e demarcação das fazendas nacionais
de Caissara e Casal-Vasco, no Estado do Mato Grosso, pertencentes ao
Ministério da Guerra.
III - Para execução desses diferentes trabalhos terá a comissão, além
do chefe, cinco ajudantes, quatro auxiliares, os engenheiros praticantes
que forem designados pelo Ministério do Guerra, um pagador, um en-
carregado do depósito de víveres e material, dois mtdicos, dois farma-
cêuticos, os empregados da Repartição dos Telégrafos indispensáveis
ao serviço da construção e conservação, os trabalhadores paisanos ne-
cessários à construção de casas e pontes, ao serviço de transporte de
material e custeio das boiadas de carro e de corte, e um contingente de
350 praças, com a respectiva oficialidade.
IV - (...) No fim de todo serviço será organizado um relatório geral em
que venham mencionados, não só o serviço executado, como também
informações gerais no sentido de esclarecer os Ministérios respectivos
sobre o valor do terreno explorado, sua topografia e estatística, espe-
cialmente relativa às nações de indios da zona que a linha atravessar.
(...)
V - O chefe da comissão poderá entender-se diretamente com o presi-
70
Milirares, hdios e fronreiras pollticas
71
19991
Mus. Para. Emilio Goeldi: Colecdo Eduardo Gal~~ao,
72
$ 3?. As autoridades militares atenderão às requisições de forças devi-
damente justificadas, feitas pelos serventuários do Serviço de Proteçã0
aos fndios, para a defesa da vida dos indios e do patrimônio nacional
e ind@ena a cargo do referido Serviço.” (Oliveira 1947: 168). (Grifos
meus).
Note-se a associação entre educação e nacionalização. Ao longo de todo o re-
gulamento propõe-se uma verdadeira “pedagogia da nacionalidade” e do < ‘civis-
mo” (p. ex., Art. 17, c, 5, dentre outros).
O discurso da nacionalizaçãocontinua, pordm, assente sobre a id6ia de estágios
distintos, já que o Decreto n? 5484, de 27/06/1928, responsável pelo estabeleci-
mento de uma categorização relativa ao grande contato, cerne da “proteção” (Lima
1987a), era ainda vigente, e pela própria retórica do regulamento na qual se dava
menos ênfase a uma categorização dos ccaborígenes”,não deixava de pensá-los co-
mo inferiores e diferenciados evolutivamente em função do contato. Por exemplo,
falando acerca dos dois tipos de postos indígena^'^ com os quais deveria contar o
SPI, prevê para os Postos de Atração, Vigilância e Pacificação:
“ 1. Aproveitar essas circunstâncias [hostilidades partidas dos próprios
l4Sobre as tarefas gerais dos PIS, os “estigios sociais” de que tratavaq e as priticas adequadas aos
mesmos, ver o artigo 5P do “ n o regulamento.
73
Mus. Pam. Emilio Goeldi: Coleqdo Eduardo Galvdo, 1991
1947: 160-61), propostas que seguem fielmente os modelos formulados pela Socie-
dade Nacional de Agricultura para a açã0 de um Minisdrio da Agricultura frente
aos trabalhadores nacionais e agricultores, em 1901, e implementado pelo MAIC,
a partir de 1910”, e presentes nos regulamentos anteriores nas partes referentes aos
trabalhadores nacionais: A inovação fica por conta do aspecto militar, consoante
a tônica do regulamento presente, que determina:
“.. . educação física e instrução militar, organizando-se para esta ins-
trução nas terras de fronteiras e nas de Sertão linhas de tiro, sempre
que a população indígena for suficientemente densa e que seu estado so-
cial o permita.” (Oliveira 1947: 161). (Grifos meus).
O posto de Assistência, Nacionalizaçãoe Educação deveria proceder pedagogi-
camente, no sentido amplo do termo, ao se estabelecer sobre as bases de um orde-
namento espacial distinto do indígena, que comportasse um serviço de saúde, e uma
forma de organização da lavoura e da pecuária de modo a servir de exemplo, exer-
cicio e fonte de subsistência ao grupo. O texto frisa, ainda, a importância do “culto
12 bandeira”, das noções de civismo e de história do Brasil a serem ministradas.
Se estas são as duas principais unidades executoras do SPI, o regulamento pre-
vê, ainda, de acordo com o Decreto nP 24.700, de 12/07/193416,a criação de nd-
cleos militares com o objetivo de cumprir melhor a tarefa de “nacionalização das
fronteiras ou ao desenvolvimento e policiamento dos sertões habitados por indios”
(Oliveira 1947: 153), os quais deveriam ser destinados a “reservistas, trabalhadores
nacionais e mesmo a indios” (idem) com a condição de não alienarem os lotes que
lhes forem consignados.
De fato existia ainda a categoria, não mencionada no Regulamento, de posfos
indfgenasde fionteira,(Vasconcelos 1939: fotograma 20-26),responsável pela atração
para o território nacional e fixação dos povos indígenas situados na região das fron-
teiras políticas do Brasil.
Não 6 gratuito, pois, que este mesmo regulamento previsse explicitamente que
“a proteção, assistência, defesa ou amparo” deveriam ser dados na terra habitada
pelos indios, “salvo. .. enchente, secas, epidemias ou outras calamidades e motivos
Lima (1985: capftulo 5); Santos & Mcndonça (1986). “Rcprcscntaçôcs sobre o trabalho livre na crise
l5
do escravismo fluminense, 1870-1903”. Comunicação apresentadaao Congresso da ANPUR, 1985;
Mendonça (1986).
l6 O Decreto nP 24.700, de 12/07/1934 diz em seu artigo 4P: “O Ministbrio da Agricultura, por intcr-
m u i o das Repartições competcntcs e dentro dos scus recursos orçamentirios, prestarii ao Ministerio
da Guerra todo o concurso que o mesmo precisar para o desenvolvimento da lavoura e da criação
de animais domhticos nos núcleos militares e povoaç6es indigenus, fornecendo miiquinas, instru-
mentos e ferramcntas agrkolas, plantas, semcntes e animais reprodutores adequados a cada região,
bem assim (sic) o pessoal tecnico neccssiirio à organização e oricntação dos trabalhos e sua especiali-
dade” Oliveira (1947:145).
74
Mililnrcs, hdios c fronteiras poliricos
justificáveis ...” (Art. 2P. In: Oliveira 1947: 149) pois interessava que os grupos in-
dígenas se mantivessem nas regiões onde se encontravam de forma a povoar os ser-
t&s e guarnecer as fronteiras, prevendo o artigo 6P que o SPI deveria atuar no sentido
de impedir e corrigir ‘‘O pendor para o nomadism0 urbano”. Por outro lado, vale-
ria h pena perguntar em que medida 24 anos de açã0 indigenista servira para acu-
mulação de um certo saber prático sobre os grupos indígenas que desmentia o
simplismo dos pressupostos positivistas.
Expressa-se não só a idéia de terras próprias às sociedades ind&enas, mas tam-
bém a visão de um território ind&ena pretérito e de um cálculo econômico distinto.
Creio que a primeira id6ia poderia ser remetida ao centro mesmo do Regulamento,
isto 6, a de “nacionalização”: 6 bom lembrar que para o discurso protecionista (e
não só a ele) o indio 6 a “origem” da nacionalidade brasileira. Reconhecer-lhes
terras próprias é reconhecer à própria nação o direito ao território que ocupa; na-
cionalizar os indios é assegurar o controle sobre os rincões mais isolados desse ter-
ritório. Da mesma forma esta explicação se aplicaria h idéia de um território anterior
à ocupação presente: é preciso lembrar que não fazia 20 anos dos últimos litígios
em torno das fronteiras internacionais; que as guerras em que o Brasil se envolveu
no século passado fazem parte presente do imaginário militar ainda hoje, determi-
nando uma preocupação tambtm presente com a “guarda das fronteiras”.
A instauração da ditadura getulista traz uma serie de alterações h máquina
burocrático-administrativado Estado brasileiro”, dentre as quais algumas se refe-
rem ao Órgão indigenista.
Assim, o Decreto-Lei nP 1736, de 3/11/1939, subordina o SPI ao Ministdrio
da Agricultura, acentuando
‘‘.. que o problema da profeção aos indios se acha intimamente ligado
a questão de colonizaFão, pois, se trata, no ponto de vista material, de
orientar e interessar os indígenas [sic] no cultivo do solo, para que se
tornem útek ao país e possam colaborar com as populações civilizadas
que se dedicam 3s atividades agrícolas.” (Oliveira 1947: 171). (Grifos
meus).
Deixa-se, pois, o modelo do “guarda-fronteiras” para o do “colono”. De fa-
to, é preciso lembrar que toda a ênfase da retórica estado-novista residia na formulação
da chamada “Marcha para Oeste”’*, na colonização dos sertões, iddia que em si
abarcava a própria visão de controle sobre o espaço territorial brasileiro, notada-
mente de seus limites internacionais, representações produzidas durante a Segunda
Guerra Mundial, quando o controle geopolítico do território ganhava relevo especial.
Sobre isto ver Lima (1980) e Souza, Maria do Carmo Campe10 de. Estudo e Partidos Políticos no
Brasil. %o Paulo, Alfa-dmega, (1976), em particular Capltulo IV.
Sobre o tema ver Velho, Otkio Guilherme. Cupitulimo uutoritdrio e campesinuto. Si0 Paulo, Difel,
(1976); Esterci, Ncide. “O mito da democracia no pafs das bandciras”. Disscrtaçio de mestrado.
Rio de Janeiro, Museu Nacional, (1972) e Lima (1980).
75
MUS. Para. Emílio Goeldi: Coleçdo Eduardo Galvdo, 1991
de histórica da vinculação dos termos; 2) que esta vinculação partia da idéia básica
de vir a incorporar o indio como “trabalhador nacional” e/ou “guarda das
~
76
Militares. hdios efronteiras polilieas
2o Para um estudo da implantação da açã0 indigcnista num contexto regional vcr Oliveira Filho (1986).
77
Mus. Para. Emilio Girldi: Cnlecdn Fduardn &lvdo. 1991
com os indios, o PCN C mudo quanto à temática indígena. Apesar de colocada co-
mo central nos textos de apresentação do projeto, ela não t posta em discussão de
modo sistemático dentro dos mesmos.
Em texto recente sobre o PCN, Olivera Filho (1988: 18) procura mostrar que
uma suposta homologia, aparente nos textos de formulação do Projeto, entre FU-
NA1 - como especializada e tecnicamente competente para tratar de indios - e
Forças Armadas - especialistas na defesa nacional -, resulta não apenas engano-
sa, como tambdm numa completa “inversão”, pois “... o que o PCN parece pre-
tender C assegurar a presença nacional, esquecendo-se de garantir a terra ocupada
pelos indios, 6 aumentar o controle sobre os nativos, não elevar os padrões de assis-
tência. ”
Consoante a genealogia que o autor Oliveira Filho (1988:36) retraça para o PCN
- a que o articula aos Grupos Executivos, como o GETAT e o GEBAM, ligados
diretamente ao Conselho de Segurança Nacional - o projeto se basearia “. .. num
modelo de atuação governamental elaborado nos Últimos anos de governo militar,
como uma forma do Poder Central combater a violência no campo, articulando-se
diretamente com os poderes regionais, obtendo suporte político para o chamado ‘pro-
cesso de abertura’, e a estruturaçã0 localizada de agremiações partidárias que ga-
rantem apoio eleitoral ao governo. No intuito de debelar focos de tensão social,
tamMm dialogam diretamente com movimentos reivindicatórios fornecendo solu-
ções t6picas que lhes possibilitem dividir e manipular lideranças. ” (Oliveira Filho
1988:38-39).
Ao contrário do que as palavras, e os temas que estas veiculam (segurança das
fronteiras, viabilização do extrativismo mineral, integraçã0 do indio 21 vi& nacio-
nal, apaziguamento de conflitos) podem fazer pensar, as coisas são bastantes distintas.
O melhor exemplo estaria em como nesse novo indigenismo o poder se exerce-
ri4 sobre indiose ferritdrios.Refiro-me h figura da “colônia indígena”, Cujas impli-
cações parecem se coadunar perfeitamente com o modelo originário do PCN,
expandido hoje para toda a ação indigenista no país.
Sem propor a “emancipação”, a aferição de ‘‘critdrios de indianidade” (logo,
a necessaria perda cultural para o abandono de sua condição de indio), a nova políti-
ca indigenista se concentra na “absorção de novos padrões” culturais, como defini-
dores do “grau de aculturação” (Oliveira Filho 1988: 30-31). Este indice apontaria
- na esmagadora maioria da população nativa do país - para a aplicação da ‘‘colô-
nia indigena”, de resto nada semelhante k chamadas “colônias agrícolas”, referi-
das acima, primeira aproximação interpretativa realizada por alguns “amigos dos
indios’ ’.
De forma oposta 2I do PI (ou da “Area indígena) a “colônia indígena” opera
nä0 uma coneenfra&o, mas a dspersão de um grupo Ctnico ja que ao mesmo tempo
que libera a terra para a exploração econômica, reduz a unidade de demarcação ao
nível da aldeia, e mantCm a fiqão de um território mais amplo, com a instituição
78
Militares. fndios e fronteiras poliricas
das florestas nacionais em torno das quais estariam dispostas as áreas de posse e
exploração unicamente indígenas. Cumpre, portanto, o papel de pôr fim a conflitos
de terra, na medida em que - implantada sempre após intensas pressões e negocia-
ções com lideranças exaustas de reivindicarem a demarcação de seu território -
destrói potencialmente a base étnica de reivindicações sobre as quais, via de regra,
se apóia a movimentação indigena.
Não há nenhum convite à participação dos indios na nacionalidade ou crença
no valor de sua mão-de-obra. Muito pelo contrário: enquanto engenho de alocação
espacial , estratégia de poder, a “colônia indígena”, operando uma quadriculação
mais perfeita do espaço e da população (logo, uma vigilância e um controle muito
mais estreitos) espelha uma visão fundamentalmente desconfiadaquanto 4 presença
ind&ena, em especial nas áreas de fronteirapolitica. No limite, trata-se da certeza
de que a sobrevivência étnica destes povos constitui-se em obstáculo à exploração
intensiva das regiões em que se localizam.
Ter estas questões em mente 6 apenas o ponto de partida para não se seduzir
pelo jogo dos velhos rótulos para novas garrafas.
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81
Mus. Para. Emilio Goeldi: Coleçao Eduardo Gahdo, 1991
82
PARQUE INDÍGENADO XINGU:
UM ESTUDO DAS RELAÇÕES ENTRE
INDIGENISMO E GEOPOLíTICA
Maria Lúcia Pires Meiiezes
RESUhfO - O Parquc do Xingu exeniplifica uma fornia de apropriação de es-
paço pelo Estado. Neste processo, intcrcsses de ordem gcopolítica constitucm-
se numa força significativa de implcmcntaçrio da referida rescrva indígcna. A
instalação de unia basc adrca militar no Parque do Xingu significou, cm decor-
rência, a intcrdição de vasta ilrea do estado de Mato Grosso, legalniente consti-
tuída como parque nacional, nias de fito administrada como territdrio estatal.
Não sd a aviaçrio nacional e internacional incluíram o Parque do Xingu co-
mo área priniordial a seus intcrcsses conio, atravds de alianças com setores do
indigcnisnio ofieial, a adniinistração estatal inscriu a área na realização de inte-
rcsscs niais vastos das Forças Armadas do Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Parque do Xingu, Territ6ri0, Estado, Geopolitica, Re-
serva Indígena.
ABSTRACT - Thc Xingu Indian Parkis an example o f a specific form o f space
appropriation by tlic State. In thcprocess, gcopolitical interests act as a significant
force in iniplcnicnting this rcscrve. The establishment o f a miiitary airbase in
the Xingu National Park significd that large arca o f the state o f Mato Grosso
has bcen forbidden. This arca, Icgally cstablishcd as a National Park, is in fict
adniinistcrcd as a state territory.
Not only the national and intcrnational aviation have included the Xingu
Park as an arca o f foremost importance to thcir interests but, through alliances
with sectors of the official tliouglit on Indian matters, the state administration
has inserted it in the carrying out of the Brazilian Armed Forces amplcr interests.
KEY WORDS: Xingu Indian Park, Territory, State, Geopolitics, Indian Reserve.
INTRODUÇÃO
Pesquisadora do PETIlMuscu NacionaUUFRJ. Projeto Estudo Sobre Terras Indígenas no Brait. Inva-
sões, Uso do Solo, Recursos Naturais. Mestre em Gcografia pela UFRJ.
83
Mus. Para. EiiiNio Gocldi: Colcçdo Eilriardo Galvdo, 1991
84
POrqrV indigena do Xngu: indigenismo e geopo~lica
85
Mus, Para. Entilio Godili: Colcç~ZoEduardo Gnlw?o. 1991
86
Parque i n d i g e ~do Xingu: indigenism0 e geopollrica
Mundial coloca o Brasil numa posição estratkgica em relação hs rotas atreas alter-
nativas de alcance ao continente europeu. A criação do Ministdrio da Aeronáutica
faz parke de um acordo firmado entre o governo norte-americano e brasileiro que
previa o aparelhamento de um? rota airea que, passando pelo norte e nordeste do
Brasil, permitisse alcançar a Africa. A autorização dada pelo Governo Brasileiro
a Panair do Brasil
“.. .
. na realidade, o fora ao governo norte americano.. na Bpoca (a Pa-
nair era) uma subsidiária da Pan American, controlada pelos cofres pú-
blicos dos Estados Unidos.. . Em muitos casos ela agia como se fora um
Estado soberano...” (Duarte s.d. 133).
AlCm de instalar rotas adreas, formaram-se quadros de pessoal treinados nos
EUA, assim como aquisição de aviões de treinamento, aparelhamentodos aeropor-
tos para operar com grandes aeronaves e a instalação de campos de pouso como
bases auxiliares na condução da guerra z.
O Decreto-lei ri? 2.961 de 20 de janeiro de 1941que’criou o MinistCrio da Ae-
ronautica prescrevia que todo o corpo militar da Arma de Aeronáutica, do ExCrcito
e do Corpo da Aviação Naval, inclusive as respectivas reservas, passavam a consti-
tuir uma corporação única, subordinada ao Ministdrio da Aeronáutica com a deno-
minação de Forças ACreas Nacionais, depois mudada para Força Aérea Brasileira
(FAB) pelo Decreto nP 3.302 de 22 de maio de 1941.
A incipiente atuação da aviação brasileira na guerra e a necessidade de apare-
lhamento do territdrio brasileiro levou a um novo acordo entre o Miniserio da Ae-
ronáutica e a American Air Force (A.A.F.) em 1946. O acordo previa a precisão
de localização de pontos e acidentes geograficos com bases em fotografias adreas.
O levantamento cartográfico e o posterior mapeamento ficará a cargo do Conselho
Nacional de Geografia (CNG) que, na 7? Sessão Ordinária da AssemblCia Geral,
aprovara a Resolução n? 208 de 26/07/46 estabelecendo a triagem de fotografias
adreas do território em regime de cooperação com a A.A.F.
Por legislação, a coordenação das atividades cartográficas no Brasil estava su-
bordinada ao CNG e ao Setor Geografico do ExCrcito. A centralização destas ativi-
dades nos dois 6rgãos supracitados gera uma superposição de comando da prática
cartográfica em relação 21 elaboração da “Comissão da Carta de Mato Grosso e Re-
gi&s Circunvizinhas” sob a coordenação de Cândido Rondon e de Jaguaribe de
Matos 4. A situação C contornada por carta enviada pelo Secretário Geral do IBGE,
O melhor exemplo foi a Base de Natal que, durante a guerra, tornou-se a base fundamental da rede
de scgurança dc d c h a do hcmisftrio, na A d r i a do Sul. TamMm desempenhouo papel de trampolim
para o envio dc pcssoal e material para Breas em conflito de guerra (s.d.: 320-21).
Segundo Meircllcs (1960:155) as fotografm feitas pela A.A.F. foram casualmente descobertas nos
arquivos da Socicdodc dc Gcogmfia pelo cngenheiroda Fundaçä0 Brasil Central, Frederico Hoepken.
Chefe do Serviço dc ConclusrSo da Carta de Mato Grosso. Foi respodvel, tamum, pela elaboração
de um mapa sobrc a proviívcl kea a ser reservada para o Parque do Xingu, extddo da Carta de Mato
Grosso.
87
Mus. Para. Eniilio Goclili: Colqno Eduardo Gal~do.1991
88
Parque indrgcna do Xingu: indigenism0 e geopdtica
distâncias no Brasil Central que pede seja entregue ao engenheiro Frederico Hoep
ken e a Orlando Villas Boas s.
Em meados de 1949 realizou-se uma expedição aeroniiutica ao Brasil Central.
Esta expedição era chefiada pelo, então, Diretor de Material da Aerondutica Ray-
mundo Vasconcelos Aboim, tamb6m Conselheiro da FBC. Aboim convida a im-
prensa. “Da opiniiio dos jornalistas muito depende o bom andamento dos trabalhos
de desbravamento do Brasil Central” (O Cruzeiro 1949). TamUm seguem junto
h comitiva deputados 6, mddicos, engenheiros e altas patentes das Forças Armadas.
O objetivo dessa expedição 6 muito mais veicular e obter apoio politico para o pro-
jeto da rota aCrea Rio-Miami, do que proceder a levantamentos &nicos. A expedi-
ção teve ampla cobertura dos Didrios Associados de Assis Chateaubriand, especial
convidado de Aboim para o evento, que se constitui, tamMm, num preparatório
das atividades que se seguiriam para alcançar a implantação da rota drea.
A questão que se apresenta, naquele momento, era a determinação correta da
linha direta Xingu-Manaus. De posse das sugestões apontadas por MacMillan e dos
vôos e fotografias tiradas por Hoepken, a FBC e o Ministdrio da Aeroniiutica deci-
dem desmembrar a Expedição Roncador-Xingu. Uma frente seguiria rumo h Cole-
toria (PA) as margens do Tapajós, sob o comando de Hoepken. A outra foi liderada
por Orlando Villas Boas em direção fr Serra do Cachimbo. Ambos, com objetiios
de instalar campos de pouso que serviriam de base a futuras instalações de aeropor-
tos para o apoio da rota aCrea para Manaus (Coletoria) e Belem (Cachimbo). Alem
do mais, a distância considerável entre o rio Xingu e o rio Tapajós aconselhava a
construção de um aeroporto intermedidrio que seria o de Cachimbo. A localização
do aeroporto na Serra de Cachimbo obedeceu aos seguintes criterios:
.
a). .divisor de dguas de vários tributArios do rio Xingu e Tapajós, situava-
se, praticamente, sob a rota em abertura e, aproximadamente a meia
disdncia entre o campo do Jacard (Xingu) e o campo General Dutra
(Tapajós). . .
b) alem disso, ela eliminava, acima de certas cotas, quaisquer riscos de
inundação, mesmo nas maiores enchentes, o que não ocorria com mui-
tas outras zonas circunvizinhas tambdm relativamente elevadas;
c) e, finalmente, sua cobertua floristica, escassissima em viirios pontos
e constituída principalmente de cerrados, o que, em comparação hs ma-
tas seculares que a circundam, representava considerdvel vantagem, tanto
em face das exigências tCcnicas da navegação aerea como em face dos
trabalhos de deslocamento, terraplanagem e consolidação da pista em
...
projeto (Meireles 1960:158).
Coordenadas gcogrificcas tiradas por Mac Millan em julho de 1950 que serviriam de base para o avan-
ço da expediçio: confluência rio das Mortes com Araguaia; Diauarum; l? Cachoeira do rio Xingu;
2? Cachoeira do rio Xingu; confluência Sus-Missu-Xingu (Museu... Filme 302 Fotog. 340-345)
fi Entre os deputados estavam Juracy Magalhães e João Caf6 Filho. Presente. tamb6m, o Gal. Borges
Fortes de Oliveira, Prcsidcnte FBC e o &l. Lurival Seroa da Mota, do Estado Maior do Ex6rcit0,
entre outros.
89
Mus. Para. Emilio Goclli: Colccao Eduardo Galvdo, 1991
90
Parque ìndtgena do Xingu: i d g e n ì s m e geoplirìca
nas Breas de difícil acesso, altm do controle mais eficaz que o rBdio transmissor
traria 2s regiks de fronteira.
Mas as.re1açije.sSPI/FAB começam a ficar tensas, quando no Alto Xingu a pre-
sença dos militares e do avião passa a interferir nos seus interesses. fi atravds do
avião que chegam os demarcadores de terras a area reservada para o Parque do Xin-
gu. A informação de Orlando Villas Boas de que agrimensores estavam hospedados
na base do Jacart leva Darcy Ribeiro, então chefe da Sqão de Estudos do SPI, a
se manifestar junto 21 direçã0 do SPI pedindo providências para a
“...grave questão dos contatos indiscriminadosentre o pessoal das ba-
ses da F.B.C. e da F.A.B ...
Da primeira partiu recentemente a epidemia de sarampo.
(...I
Finalmente, faz-se necessario advertir o CNPI dos perigos que pesam
sobre os indios Xinguanos em virtude da forma de funcionamento da
base da FAB instalada naquela Brea e solicitar Aquele drgão o estudo
das medidas mais convenientes para fazer frente a esta situação” (Bra-
sil 1955).
O uso do Parque do Xingu por parte da FAB foi mediatizado por Orlando Vil-
las Boas. O relacionamento deste quando na chefia da expedição, e a construção
do campo na Serra do Cachimbo, resultaram na sua interferência junto ao Ministd-
rio da Aerondutica, pressionando para que este passe a atuar diretamente sobre os
campos de pouso construidos pela FBC Tal atitude nasce da oposição aos atos do
Presidente da FBC, Arquimedes Pereira Lima, que determinou o fechamento dos
campos de pouso no Alto Xingu, inclusive Cachimbo. Esta medida do Presidente
da FBC buscava impedir a criação do Parque do Xingu e conseqüentemente evitar
o controle da Brea por parte do SPI. Pereira Lima, em aliança com o governo de
Mato Grosso, geria a FBC com o objetivo de facilitar os contratos de colonização
e a concessão de terras na Area.
Com a administraç80 dos campos de pouso entregue exclusivamente FAB,
a primeira conseqüência 6 o melhor aparelhamento da Base do Jacare no Parque
do Xingu. Reforçando a aliança de Villas Boas com a FAB, quando da criação do
Parque do Xingu em 1961 e tendo se tornado o seu primeiro administrador, fran-
queia a base do Jacart ao Curso de Operaç%s Especiais (COE) das Forças Arma-
das. O COE realiza no Alto Xingu “adestramento de tdcnicas de ação militar de
tipo não convencional” (Museu 1961). A imprensa logo notifica o fato, denuncian-
do o “aliciamento de indígenas para ações de guerrilhas, treinamento dos indios
no manejo de armas, ...,na construção de pistas, marchas atraves de várzeas e da
selva e evacuação do ar sobre a base do Xingu” (Correio da Manhã 1961).
91
Mus. Para. Eniílio Gocltli: Colqao Eduardo Gulvdo, 1991
92
Parque indfgena do Xingu: indigenism0 e geopalítica
93
Mus. Pam. Etiiilio Gi~clli:Colqdo Eduurdo Gnlv&o. 1991
94
Parque indígena do Xingu: indigenisme geopolllica
8 Paisagem natural ou meio naturd contram-se em geografia ao meio social OU cu~tura~. A mmtruçäo
ideol6gica do mcio natural pressupõe a caracterktica de uma Brea ainda não modificada, por via da
paisagem, pelo homcm (Moreira 1988:23).
95
Mus. Para. Eniilio Gocldi: Colcqdo Eduardo Gulrrlo. 1991
CONSIDERAÇÖES FINAIS
Os grupos indígenas, junto aos quais o Órgão indigenista oficial atuou, foram
pacientes de uma relaçlo de dominação. Relação esta expressa no nível ideológico
e no nível da açã0 (tática), produto das relações sócio-políticas desencadeadas e as-
sentadas numa matriz militar.
Demarcar territhrios indígenas significa invadir estes territórios, ou então, criar
territórios. Isto é: alocar grupos, sedentarizá-los, dar-lhes um lugar que possa ser
locdjzdvel e, portanto, controlado.
A criação do Parque Indígena do Xingu assume para os seus defensores a cons-
trução de um território, cuja função seria a de estado-tampão, expressa claramente
no Anteprojeto de Lei, amortecedor dos choques de contato e disputa para com o
avanço da ocupação destas Areas, por parte da sociedade nacional. Para Lord Cur-
zon a criação de estados-tampão substituiria as chamadasfionteiras de tensão (Mei-
ra Mattos 1979).
A ofensiva das ondas migratórias para Mato Grosso a partir da ddcada de 30,
provoca uma nova ordenação espacial.
i
,“Verifica-se, pois, que a configuração geogrhfica deste processo histó-
rico de desbravaniento vem se realizando em termos de uma compres-
são de forças que - com seus vetores convergindo para o centro do
país - ameaçam levar os grupos indígenas lá existentes a um gradativo
desalojamento” (Oliveira 1955: 176).
A análise dos discursos referentes à criação do Parque do Xingu, oriunda do
indigenismo oficial, está eivada de noçBes e conceitos geopolíticos. Tal como os
supracitados estado-tampão, compressão, forças, desalojamento, etc.
A instalação de postos indígenas dentro da área do parque foi, segundo relata
Bastos (1986), primordialmente localizada a partir das áreas que se ofereciam mais
favoráveis 2 instalaçiío de campos de pouso e à instalação da Base Aérea da FAB,
em 1946. Tal prática supõe-se ter tido um peso considerável na reordenação interna
da área xinguana. A partir de uma abordagem dos dom’nios lingüísticos e geopolíti-
cos, proceder-se-ia a análise de identidade dtnica pelo par de oposição “membros
da tribo do norte do Parque x membros das tribos diferentes do norte do Parque”
(Bastos 1981:49). Tal proposta incluiria a análise da prática dos irmãos Villas Boas
no Parque do Xingu, salientando-se as alianças estabelecidas e as lideranças por eles
1 ‘‘forjadas’ ’.
O Ministério da Aeronáutica foi criado, em 1941,como fruto de alianças entre
o governo norte-americano e o brasileiro, no tocante à posição estratdgica do território
96
Parque indígena do Xingu: indigenismo e geopolltica
97
Mus. Para. Emilio CoeLli: Colcplo Eduardo Gahdo, I991
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99
Mus. Para. Eniílio Gocldi: Colccdo Eduurdo Grrlvdo. 1991
1O0
ENGENHOS NA VÁRZEA: UMA ANALISE DO
DECLÍNIODE UM SISTEMA DE PRODUÇÃO
TRADICIONAL NA A M A Z ~ N I A
Scott Douglas Andersoit‘
101
Mus. Para. Emilio Gocldi: Colq~70Eduardo Gnlvao. 1991
INTRODUÇAO
As mudanças decorridas da ocupação da Amazônia, aceleradas nos Últimos vinte
anos pela política governamental visando ao desenvolvimento da região, conduzi-
ram, entre outras conseqüências, à degradação do meio ambiente e ao desequilibrio
social. Estas conseqüências foram produzidas não só na fronteira agrícola, um dos
principais alvos dessa política, mas tambCm na área já dominada tradicionalmente
por europeus.
Apesar de certa convergência na natureza dos resultados, seria errado supor
que o processo de mudança fosse o mesmo nestas duas áreas rurais. Suas caracterís-
ticas básicas são distintas, e é necessário, a princípio, discernir entre a Amazônia
tradicional e a AmazBnia da fronteira.
102
Engenhos na Vdrzea
103
Mus. Pura. Eniilio Goeldi: Colqdo Eduurdo Gnh.ao. I991
brevemente, a metodologia deste estudo e algumas das implicações dos seus resul-
tados. Os dados e fatos relatados, quando não referenciados, baseiam-se em conclu-
sões, entrevistas e levantamentos de campo realizados no periodo de 1985 a 1988.
104
Engenhos na Vdrzca
Notas da Tabcla 1.
(1) 1920-75: de acordo com o Abnnnack heininert (1927) existiam 16 engenhos em Iganp&Miri em
1927, e com a F o l h du N u m (1janciro 1940, p. 29) existiam 17 em 1940; dados da Prefeitura
de Igarap6-Miri indicam que existiam cm torno de 25 cngcnhos no período de 1950-60e 30 engcnhos
durante o pcriodo dc 1960-75. Na ausencia de dados correspondentes para Abaetctuba, julgou-se
procedente dobrar c arrcdondar os valores de Igarapt!-Miri para obter um total geral para ambos os
municipios, considcrando quc o comportamcnto e porte da agroindllstriaaguardentciranos dois mu-
nicipios vizinhos foi similar, postcriormcnte.
1987: dados dc lcvantamcnto dc campo.
(2) Estimativa í‘cita por moradorcs na rcgilio cm funçlio da capacidade de moagem, em frasqueiras de
cana por dia dc oito horas (uma kasqueira de cana pesa aproximdamcnte 112T.); dal: grande =
60 frasqucirasl dia; mCdio = 40 frasqucirad dia; e pcqucno = 25 frasqueiras/ dia.
(3) Calculado na basc de: (nP dc cngcnhos na classe) X (frasquciras de cana moidal dia) X (dias de
moagem/ ano) / (frasqueiras dc canal ha.) = ha. em cana-de-açllcar.
Considcrou-sc para moagcm: 1920-50 = 100 diaslano; 1950-60 = 150 diad ano; 1960-75 = 200
diad ano; e 1987 = 75 diaskano.
Considcrou-separa produtividadc dc cana: 1920-60 c 1987 = 50 frasqucirasl ha; e 1960-75= 80
frasqueiras/ ha.
(4) Calculado na razio dc: 1frasqueira dc cana produz 24 litros de aguardente; daf, para cada período
calculou-sc: (hcctarcs cm cana) X (rrasqucira de cana/ ha.) x (24 litros dc aguardente/ frasqueira
de cana) = produ~iode aguardcntc.
(5) Estimado na basc dc: 1920-60e 1987 = 1cmpregol3 ha. em cana; e 1960-75: 1emprcgol2,5 ha.
em cana.
(6) Calculado na basc do tamanho do engenho; assim: grande = 14 empregoslano; medio = 10 empre-
gos/ ano; e pequeno = 7 cmprcgos/ ano; para 1987considerou-seem torno da mctade dcsta razão.
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Mus. Pam. Edlio Gocldi: Colqdo Eduardo Gulrulo, 1991
Ha ou 1.000 L
NO de Engenhos IOMX)
9.00o
7.000
€0T S.OC0
5D00
40 4.000
x, 3.000
20 2000
1,000
lot
106
hgenlws na Vdrzea
transporte. Devido ao volume de água que escoa destas terras planissimas, oriundo
dos 2000 mm de chuva que caem anualmente e tambCni dos SO00 mm, ou mais,
de água levados à terra pela mark, todas estas v4rzeas são cortadas por indmeros
rios, furos e igarapks. Portanto, existe uma rede natural de acesso por via fluvial
que, canalizando o fluxo e refluxo da marí?, facilita ainda mais o transporte de pro-
dutos volumosos e pesados, como a cana-de-açúcar.
A produção da cana
107
Eduurdo GrrlvUo, I991
Mus. Pura. Etttllio Goeldi: Cob~-~?o
Industrializaçrlo e coiiiercializaçrlo
Transportada ao engenho por conta do engenheiro, a cana era jogada dos bate-
Iões ao “picadeiro”, lugar onde era empilhada, desordenadamente, para moagem.
As moendas, de três rolos, eram movidas a vapor e alimentadas manualmente. A
“garapa doce”, assim extraída, era bombeada para tanques de madeira para ser fer-
mentada. A fermentação era espontânea, ou seja, através de leveduras encontradas
naturalmente no ar, nas canas, ou pregadas nos tanques de fermentação, demorando
até oito dias. Terminada a fermentação a “garapa azeda” resultante era bombeada
para colunas de destilação contínua. A aguardente obtida era transferida para dor-
nas de madeira, pronta para a venda.
108
Engenhos na V4rzca
O Sistema tradicional
Este sistema agroindustrial era caracterizado pela especialização e dependência
mútua entre os seus componentes: proprietários de terra, canavialistas, diaristas,
engenheiros e regataes. Os canavialistas dependiam dos engenheiros para aviamen-
to, dos proprietlirios para acesso à terra, e concorriam entre si para os serviços de
diaristas, que tinham ainda as opções de trabalhar nos engenhos, de cuidar de pe-
quenos roçados, ou de explorar produtos extrativos locais. Por outro lado, os enge-
nheiros, não produzindo a cana por conta própria, dependiam dos canavialistas para
maGria-prima e, vendendo no porto, dependiam também dos regatöes para comer-
cialização.
O papel do engenheiro no sistema era fundamental, apesar de não dominá-lo
por integraçã0 vertical ou horizontal, devido a sua posição de intermediário entre
os dois ciclos de troca de produtos que moviam o sistema. No ciclo externo, o enge-
nheiro trocava aguardente com os regatóes por produtos agrícolas, peixe, gado e
manufaturados. No ciclo interno, o engenheiro aviava os canavialistas e seus diaris-
tas com estes produtos e, em troca, recebia cana-de-açdcar para produzir aguarden-
te. Estes ciclos eram relativamente fechados, na medida em que os seus recursos,
atividades e produtos tinham origem e fim limitados ao estuário do Amazonas. Os
ciclos só não eram totalmente fechados por causa da entrada de manufaturados de
fora em pequena escala. O sistema de produçiio tradicional, movido por estes dois
ciclos de troca, funcionou em equilíbrio ecológico e econômico durante os trinta
anos em consideraçk
Este sistema agroindustrial, relativamente fechado, inseria-se numa sociedade
igualmente isolada. Os meios de transporte eram limitados a lentos barcos a vela
e navios a vapor da época da borracha que atendiam algumas vezes por mês à região
canavieira. As comunicaç6es restringiam-se ao correio e telégrafo nas sedes dos dois
municípios. No interior, a despeito de tradições paternalistas, alguns engenheiros
exploravam os seus canavialistas e operários de forma até hoje ressentida. Em al-
guns lugares, especialmente nas cidades, havia malária e era comum uma mulher
perder a metade de seus filhos por doença, senão a própria vida no parto. Em re-
trospecto, é importante notar como a diferença na qualidade de vida entre a cidade
e o interior nZo era inarcante nesta época. Tanto a cidade como o interior eram ca-
rentes de assistência médica e igualmente sem luz elétrica. Claro, a cidade podia
ganhar em movimento, mas Ili tudo se pagava em dinheiro. Em compensação, no
1o9
Mus. Pura. Emilio Goeldi: Cdeplo Eduurdo Gulvdo, 1991
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Engenhos na V&rwa
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Mus. Para. Eniílio Gockli: Colqilo E&v‘iloGalnio, I991
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Engenhos na Vdrzca
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Mus. Para. Eniílio Gocldi: Colc@o Eduurdo Galwïo, 1991
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Engenhos na Vdrzea
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Mus. Para. Eniilio Gocldi: Colqdo Eduurrlo Grrlvdo, 1991
116
EngenhosM V6ruw
despercebida pela SUDAM que só nestes dois municipios foram perdidos quase 2000
empregos diretos no setor agrícola, ou seja, mais de 60% de todos os empregos
criados pelos projetos agropecuArios incentivados pela SUDAM em todo o Estado
do Pard nos vinte anos at6 1985.
O Órgão responsjvel pelo setor açucareiro no país, o Instituto de Açúcar e Ál-
cool (IAA), quando presente na região, só fiscalizava a obediência as suas quotas
que restringiam a produçgo de açúcar. Centralizando a pesquisa de cana-de-açúcar
ultimamente, este órgio, controlado pelos grandes usineiros dos centros açucarei-
ros do Nordeste e Centro-Sul, interessou-se pouco em apoiar produtores em outras
regiões, nem mesmo com a expansão da produção na Cpoca do Proálcool.
O Órgão de extensgo rural, EMATER, prestou a maior parte de sua assistência
em áreas de terra firme, acessiveis por carros via estradas, e raramente em áreas
de várzea, acessíveis por barcos via rios, deixando assim os produtores de cana nes-
tas ricas terras fora de seu alcance.
Evidentemente, estes Órgios, encarregados de fomentar e fornecer a assistên-
cia técnica imprescindível a evitar o declínio do sistema de produção tradicional,
foram todos omissos neste caso. Por outro lado, 6rgãos de pesquisa não tão direta-
mente envolvidos, como o CPATU e a Universidade, quando consultados a respei-
to de problemas levantados no interior, responderam em pouco tempo e a baixo custo
com soluções técnicas, ou pelo menos apontando caminhos para soluções.
Mesmo assim, diante dos problemas, porque os mais interessados não busca-
r a m a tempo soluções? Afinal, estavam em jogo o patrimônio dos engenheiros, a
prosperidade dos canavialistas e donos de terra, e os empregos que sustentavam di-
retamente quase quinze mil pessoas. A causa não foi mero conservadorismo ou falta
de visão, pois foram justamente indivíduos desta sociedade tradicional que atende-
ram ao aumento da demanda inicial e expandiram a capacidade produtiva do siste-
ma agroindustrial. Como grupo chave, foram os engenheiros responsdveis pela
introdução de inovações em todos os setores: as novas variedades de cana no cam-
po, o uso de sorrapa na fermentação, e o engarrafamento na comercializaçCo. Por
que este processo de inovação, liderado pelos engenheiros, parou? Como se expli-
car esta passividade, seniio a displicência, dos engenheiros face ao desafio dos pro-
dutores de outras regiões?
117
Mus. Para. Emilio Goeldi: Colepio Eduardo Grr[r.í?o, 1991
11s
Engenhos na Vhzea
119
Mus. Para. Eniilio Gocldi: Colqdo Eduurdo Grrhlo, I991
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
120
&genhas na Y&rzea
121
PARTE II
125
Mus. Para. Enillio Gocidi: Coic@o filuardo Gulwio, 1991
*
Estudos sobre o campesinato de fronteira têm evidenciado a importância de re-
ferências mítico-religiosas em diversos movinientos sociais do meio rural. Profe-
cias, procissões e alegorias traduzem os anseios de posseiros e pequenos proprietarios
em medforas de suas difíceis condições de existência, ritualizando por vezes ele-
mentos do conflito que caracteriza suas relações com outros segmentos sociais. Mar-
tins (1981: 132), por exeniplo, refere-se Bs representações diabólicas do dinheiro
- “a Besta-Fera (personagem do apocalipse) é o dinheiro” - e 2s profecias “de
circulação interna” 2s unidades camponesas, compondo verdadeiro “código (. ..)
e doutrina de ocupação de terras novas”. Tais doutrinas emergiriam “num nível
exterior à sociedade moderna” (Martins 197548) como efeitos do choque de or-
dens sócio-econômicas distintas, desempenhando funções precisas: “. ..há profecias
claras no sentido de que a margem esquerda do rio Araguaia é uma região sagrada,
(...) de terras (...) e homens livres (...). (Por isso) não há mais que se deixar expul-
sar, 6 preciso resistir” (Martins 1981: 133 - 134).
Mas visões do Milênio ou aspirações Utopia nem sempre se deixam apreen-
der em contexto de funçijes tão definidas, como simples expressão de uma resisdn-
cia 3 penetração do capitalismo, e/ou de uma visão de mundo capitalista, no campo.
Não se pode relacionar invariavelmente <Terra de Trabalho, e recusa da proprieda-
de privada ou do papel da mercadoria nas relações sociais. Deve-se lembrar que
“embora a ocupaç50 de áreas de fronteira tenha-se baseado apenas excepcionalmente
em relações capitalistas de produção (...), as chamadas frentes “demográficas” (são)
econômicas tanto em sua origem quanto em seu funcionamento” (Sawyer 1988).
Acrescente-se a isso a dimensHo de ruptura presente na necessidade de adaptação
a estruturas sócio-espaciais em contínua mudança e na emergência de novas opções
e estratigias, dificultando ou impossibilitando a análise de certas representações so-
ciais características de migrantes das regiões de fronteira como tendendo à reprodu-
ção funcional de sociedades camponesas.
É portanto não do ponto de vista de um confronto entre ordens sócio-econômicas
distintas, mas sim levando-se em conta a importância de estratégias sociais diferen-
ciadas - e “diferenciantes” - no seio de uma mesma ordem social, que se tentará
aqui uma apresentação parcial do campo religioso na área estudada, uma área da
Transamazônica, principalmente em torno do Km 180 no trecho Altamira-Itaituba.
Tentaremos mostrar de que maneira esse campo se constitui através da polarização
126
Cnmpo religioso e trajerdriassociais ìm Tmiisaiiiazdirica
127
canlpo re [igioso e rrujcfbriussociuis nu Trmsuniazbnicu
devendo-se precisar se se trata do Kin 120 ‘Lfaixa’’,isto 8,se sua morada 6 próxima
da beira da estrada, ou “travessão sul/ travessiio norte”, caso resida às margens
dos caminhos secundários que, cortando perpendicularmente a rodovia, enfronham-se
pelo interior das terras.
Erguem-se em espaço cedido por u m morador de determinado sítio, igrejas ca-
tólicas ou templos de outras confissões religiosas, construidos pelos migrantes em
dbua ou pau-a-pique. Por vezes, é a própria morada de um colono que serve duran-
te certo tempo como lugar de reuniiio. Estas construções que, no âmbito do períme-
tro, constituem freqiienteniente um espaço Único de convívio social, congregam
regularmente os membros de uma mesma ucomunidadew.
Utilizado sobretudo por leigos e religiosos católicos, o termo de comunidade
aplica-se ao conjunto de católicos que se reúnem periodicamente no seio de uma
mesma capela, participando das atividades promovidas pela Igreja ou executadas
com sua aprovaçiio. Mas para a hierarquia pós-conciliar ,a experiência comunitária
contém em germe um projeto de sociedade cuja concretização C necessária à reali-
zação do Reino. Refletindo os valores cristãos de partilha e de igualdade entre os
homens, lugar de um poder refrakírio a toda concentração excessiva da autoridade,
a comunidade, “escola” na qual o povo aprende a tornar-se sujeito da própria his-
tória, antecipa uma forma nova de vida social. Condição necessária mas não sufi-
ciente: falta dispor de instrumentos concretos capazes de irradiar a Ctica comunitária
2i totalidade das esferas sociais. A metdfora da “Caminhada” em direçã0 de uma
sociedade mais justa simboliza as diversas etapas de uma evolução comunitária em
que a procura coletiva por melhores condiçees sociais de existência, através da or-
ganização de sindicatos locais e da participação em partidos políticos, ganha uma
perspectiva escatológica, orientando a participação voluntarista de padres e religio-
sos nas lutas sociais.
Um líder comunikírio (Km 242 S) descreve assim os princípios diretores da co-
munidade, na 6poca do antigo vigário da paróquia de Uruará (Km 180 ATM-Itaituba):
“O que o padre pensava, e nós com ele, C que não tinha divisão, né? Igreja, sindica-
to, partido político (...). Se na missa você fala PT, sindicato, é oração porque C
uma coisa sadia. (...) At6 que a gente fechou: quem não participa da organização
do sindicato e de cooperativas comerciais locais não tem direito de receber nenhum
sacramento, nem de batizar os filhos’’. A recusa do sacramento batisnial destinava-
se rio raro a orientar os laços de compadrio, excluindo-se certos indivíduos que
não parecessem capazes de integrar-se aos princípios estritos de reciprocidade, aju-
da mútua e principalmentede engajamento político. Em cursos e encontros regular-
mente realizados com a ajuda de leigos, e durante as visitas do padre, interrogava-se
a comunidade sobre o grau de participação de seus membros nas atividades comuns,
encorajando-se a solidez da organização comunitária diante dos problemas quoti-
dianos, e a consistência do engajamento sindical do grupo. No ponto ideal de um
sistema distintivo entre “boas” e “miis” comunidades, ter-se-ia uma sociedade igua-
litííria de pequenos proprietários relativamente autônomos, produzindo víveres em
parte comercializados pelo próprio grupo.
128
olmpo religioso e rmaje16riíissociíiis na Troiisarwzdnica
129
Mus. Pam. EniNio Goeldi: CokpJo Educrrdo GuIvc70, 1991
A retidão do fiel fornece a prova quotidiana de uma real conversão, vivida co-
mo uma experiência súbita e sensível, quando o indivíduo, tocado pela Graça divi-
na, passa a adotar um novo princípio de vida. Milagres e maravilhas constituem
a expressão das manifestações do Espírito Santo entre os homens, que Dele rece-
bem dons diversos (dom das línguas, da profecia etc.). Templo de uma relação não
mediatizada coni o Espírito, o corpo humano deve ser Constantemente purificado.
Deixando o crente de fumar, beber, dançar e evitando toda outra atividade que cons-
purque a pureza do gesto e da intençiio, obtém em troca a intervenção benevolente
de Deus na resoluçiio de suas dificuldades, além do aperfeiçoamento e da multipli-
cação dos dons espirituais a seu alcance.
Quais elementos constituem a base das representações comuns aos grupos que
compõem o universo religioso e, por outro lado, como, a partir destes elementos
comuns, efetua-se a polarizaçiio do campo religioso? Atente-se para o que dizia,
em 1983, um colono da zona açucareira em torno de vila Paca1 (Km 92, ATM -
Itaituba).
“Quem é latifundilirio niio dá valor ao pobre. O rico não gosta de
pobre, não gosta de chegar perto. O agricultor tem condição de viver
em qualquer lugar, porque é acostumado a sofrer, a andar sem dinhei-
ro, a passar fome, acredita só em Deus e na terra. O homem que dá
valor só à cana niio é agricultor, porque a terra produz arroz, feijão,
milho. A cana é lavoura do latifundiário, não do pobre. Sempre lutei
contra a cana e sempre fui criticado. Quem acredita só em Deus vai ven-
cer, quem confia só na cana ni0 vai vencer. N o meu lote tem capim,
lavoura branca, cacau, cana, eu arranco cana e como o que Deus me
dá. Nós temos que mudar de lavoura, mas tem sempre gente repetindo:
minha lavoura é cana. Pobre que se mete no meio de rico só vai morrer
de fome”.
Crer em Deus ou na cana? Surpreendente alternativa, que se deve desde logo
remeter às perspectivas do migrante, quando tenta situar em relação à sua experiên-
cia os dados de uni novo contexto social. O tema da viagem h procura de um terreno
é freqüentemente invocado. Abandonar terras exaustas, escapar à grilagem, deixar
de trabalhar “de meia”, são razões apresentadas como causas da migração para
a Transamazônica, ao termo da qual se espera dispor de uma terra de onde tirar
seu sustento e o da família. A versão da *Terra de Trabalho,, serve todavia, essen-
cialmente, a situar aquele que fala diante do interlocutor: “Eu não quero terra pra
mim ’ta vendendo prá uni e prá outro, eu quero terra prá mim beneficiar o sustento
prá mim”, afirmava uni migrante. Mas, ao legitimar as aspirações do pobre, Único
a merecer o epíteto de agricultor, pois só ele tira da terra produtos imediatamente
utilizáveis no seio da unidade domkstica, a oposição pressentida entre produtos do
rico e do pobre aparenta ir além da simples definição de categorias de pessoas: ela
representa a materializaçiio das naturezas irreconciliáveis do rico e do pobre, base
do confronto entre fortes e fracos no seio de um mesmo universo. A “fraqueza”
do pobre C seguidamente posta em evidência no discurso dos informantes: “o ruim
130
Conrpo religioso e rrujcl6rius sociuis nu ~uflsutiiazcfnica
C que a gente nio tem estudo. A gente que nasceu na roça, a gente não tem estudo,
não tem prdtica. A pessoa que vive na roça, conforme a pessoa fala prá gente, tudo
bem, nC?”
O conflito entre fortes e fracos desenrola-se num espaço progressivamente ocu-
pado pelos primeiros, 2s custas dos segundos - o colono acima se sente assediado
de certo modo pela cana, que parece privá-lo de seu espaço de subsistência: “no
meu lote tem pasto, lavoura branca, cacau, cana, e eu arranco cana e como o que
Deus me dsi” - e parece constituir o desdobramento de um combate, temporal-
mente circunscrito, entre o Bem e o Mal (“Quem acredita sÓ em Deus, vai vencer.
Quem confia só ein cana nIo vai vencer”). Assim, como no caso da cana, a pimenta
representa, aos olhos do informante citado em seguida, uma ameaça iminente à sua
autonomia e integridade. Note-se que se o caldo-de-cana C por vezes utilizado como
adoçante do café coado, e o bagaço na alimentação da criação porcina - usos para
os quais não se necessita de grandes quantidades de p6s plantados - o valor de uso
da pimenta B praticamente nulo:
“Pimenta $ uma coisa muito inútil prá n6s plantar. É só prá des-
truir o povo. E por isso que dsi dinheiro monstro... (...). Só aqui na
Altamira produz pimenta ... Tonié-Açu, Castanha1... e não chega, o po-
vo em cima, atrris. O senhor acha que o povo dava conta de toda essa
pimenta prá comer? Tem um movimento com ela, ela C maligna, não
é aceitável prá n6s. (...) (Ela) nIo vem de Deus. O que vem de Deus
B o milho, o feijGo, o arroz. (...) Mais para o fim dos tempos só vai
ficar aquilo que foi dado graças pa mesa do Cristo” (colono da Assem-
blkia de Deus, ATM-MARABA).
Proliferando incontroladamente, tanto a cana quanto a pimenta parecem assim
perseguir os migrantes de unia regiio, até mesmo de um estado para outro (“lá no
Rio Grande do Norte, muitos fornecedores de cana ficaram sem nada. A cana to-
mou tudo, a usina roubou tudo. Aqui vai acontecer a mesma coisa se tem gente con-
tinuando plantando cana”). Plantados pelo rico, esses produtos, contribuindo a
aumentar sua prosperidade para além do limite legítimo imposto pela necessidade
de alimentar a si e à família, cerceiam o espaço vital do pobre e reduzem-no 21midria.
O tema do assédio pela cana e sua variante, a multiplicação da pimenta que
o informante encontrou em superabunddncia em regiões que percorreu durante a
vida, coaduna-se dificilmente com um contexto em que a terra seja atribuída, e sua
posse garantida, quer seja por uni conjunto de práticas a que o hábito atribuiu força
de lei, quer ainda por um conjunto de normas e instituições em cujo funcionamento
o migrante possa encontrar satisfaçiio. Mas ele tanipouco reflete a visão de um “Bem
Ilimitado” (Velho, 1979:99 - 101; Musumeci 1988:90,92, 108) relacionada 2 exis-
tência de “terras livres” na fronteira.
Deve-se lembrar que a tirea estudada é, originalmente, destinada à colonização
dirigida. Lotes individuais atribuídos aos colonos foram previamente delimitados
pelo INCRA. O afluxo de migrantes para a área não se restringiu, entretanto, às
131
levas organizadas pelo Instituto. Diversas vagas de migração esponanea sucederam-se
em direçã0 à região, mas a preocupaçlo com a “legitimação” do lote adquirido
por ocupação ou compra de direito de posse, manifesta-se no afi demonstrado pelos
migrantes em respeitar as injunções governamentais. Procura-se dessa forma, com
exceções que se pode não raro atribuir B topografia de uma dada área, medir os
terrenos em relaçZo aos marcos deixados pelos técnicos. Em caso de disputa sobre
limites, a conformidade 2s disposições governamentais sobre a organização do es-
paço, embora sendo estas passíveis de interpretações contraditórias no campo, cons-
tituem ainda assim um argumento de peso. Neste sentido, o que está em jogo não
6 necessariamente a tensão entre, por um lado, a idealizaçã0 de uma situação vivida
nos primeiros tempos da colonização em que o direito de posse fosse condicionado
unicamente ao uso de um espaço “aberto” e, por outro, a intervenção de fatores
externos que fixam os contornos da propriedade privada: trata-se de uma contesta-
ção direta das razões da instabilidade do pequeno agricultor. O raciocínio parece
buscar inspiraçä0 nunia “orientaçlo cognitiva” semelhante a que, caracterizando
múltiplos aspectos da sociedade camponesa, oferece ao observador uma “Imagem
do Bem Limitado” como descrita por Foster (1965).
u(. ..) peasants view their social, economic and natural universes - their
total environment - as one in wich all of the desired things in life (...)
exists in finite quantity and are always in short supply (...). It is as if
the obvious fact of land shortage in a densely populated area applied
to all other desired things: not enough to go around. “Good”, like land,
is seen as inherent in nature (...): present, circumscribed by absolute
limits and having no relationship to works (Foster 1965: 296 - 298).
À diferença, no entanto, do camponCs de Foster, não se trata para o migrante
de manter o equilíbrio de determinadas posições sociais em relação a uma norma
de modestos padrões de consumo universalniente aceita, dispondo de um poder coer-
civo próprio a desencorajar todo acúmulo individual. Poder-se-ia mesmo inverter
aqui os termos de seu exemplo. De certa maneira, 6 não como se a penúria de terras
numa área densamente povoada constituísse o ponto de partida de um raciocínio
aplicável a todos os outros bens, mas sim como se a penúria de bens de que sofre
o pequeno agricultor, determinando a precariedade de suas condições de solvência,
constituísse a base de u m raciocínio aplicável à terra.
Atingir certa estabilidade econamica ainda que com modestos padrões de con-
sumo já é motivo de constante preocupaçlo para o colono. Reduzir os gastos com
a aquisição de uma terra C essencial. Ora, em teoria, todo agricultor pode ocupar
um terreno não beneficiado e distante dos eixos rodoviários - visto a disponibilida-
de em terras e a pressiío demogrttfica aumentarem na razão inversa da proximidade
das estradas e da quantidade de trabalho já investida no lote. Mas a dureza das con-
dições de vida e de trabalho, assim como o tempo gasto com o abastecimento da
unidade doméstica e o escoamento da produção, crescem consideravelmente com
a distância. Para uma grande maioria, que chega à região não dispondo senão de
parcos recursos, um primeiro passo 6 dado ao plantar em torno da habitação fami-
liar produtos para o consumo doméstico.
132
Campo religioso e rmjer6rias sociais na Trcmsaninrbnica
133
Mus. Para. Eiiiílio Goeldi: Colccno Educrrdo Gahvlo, 1991
de uma mesma família, nem sempre se explica pela existência de estratdgias patri-
moniais tendendo à reprodução do grupo domistico no mesmo local. A venda, par-
cial ou total, do patrini6nio assim obtido, pode constituir, em função da variação
do preço da terra - quando da abertura de uma estrada, por rudimentar que seja
- um capital que será investido em nova área ainda não ocupada por todos ou por
alguns membros do grupo familiar.
Nem por isso o traço de desconfiança para com a atividade mercantil ou espe-
culativa se torna menqs necessario à definição da identidade do agricultor enquanto
produtor domCstico. E em larga medida nas ocasides de maior conflito social, como
em lutas pela terra, que a exacerbação destes traços tende a encontrar livre curso.
Nestes momentos, em que se estreita a “união” entre agricultores, a utopia da co-
munidade igualitária manifesta grande transparência diante da realidade: o ideal co-
munitário parece desde já realizar-se na organização de um sistema de trabalho
comum, que permita ao mesmo tempo a ocupação acelerada da terra com o plantio
de roças e a defesa eventual contra agressões físicas orquestradas por propriethios
ou especuladores. Como exprime um colono, rememorando com prazer e nostalgia
a Cpoca do “mutirão”, em que uns montavam guarda enquanto outros limitavam
a terra dos lotes sucessivos de um mesmo travessão: “bastava dar um tiro de espin-
garda para todo mundo correr prá ver o que era”. Organizaçöes como a Comissão
Pastoral da Terra, emanaç50 da Igreja Catdica, ou as assessoriasjurídicas de asso-
ciações sindicais diversas, não encontram aí dificuldade alguma em mobilizar os
grupos doniCsticos. Encoraja-se a eclosão de sindicatos e organismos locais cuja fi-
nalidade política se encontra legitimada, na medida em que são vistos como meio
de concretizar, no domínio da experiCncia sensível, a ruptura para com uma situa-
ção anterior condicionada pela subordinaçiio ao “rico” - ameaça à existência e
à identidade do grupo, figura “externa” do Mal.
A conversão ao pentecostalismo, por sua vez, aparenta enfatizar o controle so-
bre o “pecado” e representaçöes “internas” do mal. A figura, por exemplo, da
mulher, cuja natureza particularmente exposta A contaminação (Velho 1978: 11-12)
põe em risco a moralidade e as bases de sustentação do grupo domistico. E em sen-
tido análogo que vários colonos reservam críticas às associações sindicais, interpre-
tando literalmente a medfora da “Caminhada” em direçã0 de uma sociedade mais
justa: “O que eles querem C que a gente passe o tempo na caminhada, correndo
de um lado prá outro na estrada (referência 3s reuniöes e assembliias promovidas
por sindicalistas). Quando uma mulher ia pra uma reunião, já mandavam prá outra,
tiravam ela do meio dos filhos, deixavam as crianças dum jeito...”. Em outras oca-
siões, insinuam-se suspeitas sobre a moralidade do que ocorre durante assembldias
em que militantes e agentes sindicais encontram-se hospedados numa mesma casa,
independentemente do sexo, para passar a noite.
A mulher não C entretanto a Única personagem intermediária do que aparece
como um deslocamento na Cnfase do sentido. Um informante, ao falar do que, a
seus olhos, constituiu uma “traição” de um dos líderes de sua comunidade a um
projeto de cooperativa, expressava-se nos seguintes termos: “O ruim C que a gente
134
canlpo religioso e trajek5iYas socinisna Trunsaniazdnica
não tem estudo. A gente que nasceu na roça, a gente não tem estudo, não tem prdti-
ca. A pessoa que vive na roça, conforme a pessoa fala prá gente, tudo bem, né?
(...) Mas ele,foi pegar lini riiiiio de sair, achar um jeito de ganhar o pão niaisfdcil.
Eu com 6 anos aqui, ïido sobrou sustento (...). Ele descobriu todas as nietas do
...
negócio, as bases boas do negócio. E aíó, niarretar nós uni cara que itiio tinha
nem onde cair morto!”. E conclui: “galpão de pobre, arniazdm de rico: sempre
foi assim e sempre ser4”.
A fronteira que, em termos absolutos, recobriria a oposição entre “nós” e “os
outros” (marreteiro/rico/grande x agricultor/pobre/pequeno) desloca-se desta for-
ma para o interior do grupo. Ao mesmo tempo, pordm, a afirmação em questão
de uma identidade inicial entre o agricultor e o pequeno comerciante (“...um cara
que não tinha nem onde cair morto”) não deixa de dar trajetória real do segundo
a perspectiva de uma trajetória virtual para o primeiro, no momento em que valori-
za a “descoberta das bases do negócio” - isto 6, dos mecanismos que perpetuam
a subordinação - como meio de evitar uma situação conduzindo a - ou represen-
tando - uma perda de autonomia.
Assim, o aproveitamento das possibilidades oferecidas pela participação na es-
fera de circulação do produto (pequeno comércio etc.) ou no mercado de fatores
(compra e venda de terrenos, aluguel de miío-de-obra etc.), na medida em que con-
tribui ao acirramento de conflitos internos à comunidade concebida como igualitá-
ria, pode levar à exigência de uma redefinição da identidade dos atores. Se até agora
encontrávamos o Mal, ora materializado em objeto exterior ao agricultor pobre, ora
atribuído à natureza que lhe era estranha, o conflito pode doravante desdobrar-se
em outra dimenslo: seu palco é o indivíduo diante de Deus, à imagem das palavras
de um colono:
“No dia do arrebatamento, gente vai urrar, berrar (. ..). Eu SÔ vivo, num
SÔ melhor do que ninguém, somos todos pecadores. Mas “bem-
aventurado o pecador remido”. (...) Quando voc6 peca, você chega na
sua cama, você olha: “Senhor, perdoa minhas atividades, eu SÔ fraco”.
Bom é o que lembra. Porque se você botar numa malazinha tudo que
é papel que você traz da rua, coin três meses nlo cabe mais, “tá derra-
mando, né? Pois assim 6 o pecado, se qã0 lembrar de pedir a Deus prá
perdoar, derrama e ai C a lepra (...). E uma lepra que só quem tira é
o Sangue de Cristo”.
Importa aqui realçar o caráter unicamente individual da salvação, que permite
dissociar o advento do Reino de um esforço humano coletivo necessário à “Liberta-
ção”. Um pastor da Assembléia insistia assim na distinção: “há uma falsa liberda-
de, o diabo mostra sempre uma falsa liberdade, mas essa liberdade, esse castelo
de falsa liberdade, ele ruirá, pois a liberdade pura e genuína, é a liberdade paga
.
pela pessoa bendita, por Nosso Senhor o Salvador Jesus Cristo.. . (. .) Eu não te
falo aqui de uma liberdade política. Você niio vai encontrar liberdade espiritual e
política, mas você encontra liberdade espiritual, é a liberdade espiritual de Jesus
de Nazaré (...). Que os grilhks sejam quebrados, as correntes do mal sejam desfei-
tas, o império do diabo seja demolido, e o nome de Jesus seja glorificado”.
135
Mus. Pam. Enillio Goclli: CoIcc&o Wuutdo &IvhO, I991
136
Gmpo religioso e rraje~driassociais na ~iitisa11m611ica
137
Mus. Para. Emiílio Goeldi: Colqilo Eduuro Galvdo. I991
138
Campo rGkgioso e tr‘ajeidrius sociais na Transunmdnica
que exija a previsão - e compreensão - “da relação entre objetivo, meios, êxito
ou fracasso”. Mas qual vem a ser então, quando se manifesta aqui, a razão da con-
versão?
Tentando atingir o nível das “crenças profundas” de unia “cultura bíblica”
do meio rural, Velho (1987) nos ajuda a situar a questão ao se interrogar sobre a
ambivalência de sentido de determinadas categorias, como a de cativeiro. Noção
complexa, “em sua forma niais acabada o cativeiro é a pura e simples escravidão
.
(. .). Por extensão, qualquer situação considerada de muita exploração e perda de
autonomia é identificada coni o cativeiro” (op. cit.: 13). Mas se o cativeiro vem
- ou retorna - através da ario dos ricos, talvez de estrangeiros, e da ingerência
governamental que tolhe a liberdade do agricultor, “entre alguns camponeses re-
mediados manifesta-se certa dúvida quanto à volta do cativeiro. Segundo um deles,
o que chamam de cativeiro é o domínio das leis, e acisso é um cativeiro bomu, embo-
ra outros afirmem que “a Bestíì-Fera, personagem apocalíptico associado ao cati-
veiro, não d um animal que se veja, é uma lei” Velho (1987: 14).
Não raro, porém, a “lei católica” ou a “lei do padre” encontram-se explicita-
mente associadas à “lei da Besta”. Uma ex-catequista da Igreja cadlica, tendo ade-
rido, juntamente com o marido e os filhos, à Congregação Crist5 local - na qual
já se encontravam as famílias de seu irmão e, logo a p h , de seus pais - afirmava
que “o padre não explica a Bíblia” e, referindo-se ao que vê como a permissivida-
de reinante no seio da Igreja, que “na Igreja católica pode tudo (sic). Quando a
gente d crente, tem que seguir o ‘caminho estreito’ de Nosso Senhor”.
Na necessidade de reforçar rigidas injuções morais como Única nianeira de
salvaguardar-se num universo apocalíptico e pecaminoso reside assim a razão de
numerosas conversões ao pentecostalismo. Afirmações do tipo “na minha terra pa-
dre não usava calça curta” ou ‘‘nií0 se metia em política”, e “na Igreja católica
pode tudo” pertencem à mesina ordem de idéias: enquanto assertivas que reforçam
a necessidade de maior formalização da conduta prática, podem expressar aspira-
ções de um retorno ao formalismo acentuado, e h segurança de relações hierkqui-
cas e papdis sociais claramente definidos com referência a experiências sociais
anteriores.
É notável nesta perspectiva a relação que o proselitismo do converso mantdm
com a “tradição”. A insistência nas vantagens da conversiio ao pentecostalismo en-
quanto transformação da situarso precedente (cura de uma doença, aparição de dons
jamais manifestos, resolução de angústias e dificuldades etc.), testemunham ja do
recebimento da graça, que permite n5o raro uma melhor compreensão da “tradição”:
“A dindinha tinha 125 anos e jri dizia: - “( ...) quem nunca chorou vai
chorar; quem nunca pediu vai pedir; e quem nunca roubou vai roubar”.
(...) E esse “povo antigo” sabe, porque lia muito. (...) O que dizia o
Pe. Cicero, por que é que é verdade? Porque (ele) lia a Bíblia. (...) E
nós sabemos que d escrito nas Escritpras que Deus dizia assim: passartl
os céus e a terra, mas minhas palavras nio hão de passar e nem faltar
139
Mus. Para. Eniilio Goelil¡: Cole(il0 Etlirortlo Gali*do, 1991
nem um jota e nem um til, nEo C? Se você não sabed porque você não
lê, porque quem ler entende”.
As profecias “tradicionais” sií0 exatas porque o ccpovoantigo” lia a Bíblia,
ou seja, respeitava as palavras - a Lei - do Senhor. Mas a recíproca C verdadeira:
na corroboraçiio das profecias do “povo antigo” estabelece-se a veracidade dos es-
critos - e da Lei - bíblicos. Nenhuma contradição persiste nestes termos entre
a tradição milenarista do Pe. Cicero, originada no catolicismo popular, e a conver-
são Pentecostal.
Distinções a partir das quais o senso comum define papéis sociais podem integrar-
se às hierarquias formais propostas pela teoria pentecoshl da graça, esquematizan-
do determinadas relações: os direitos e deveres do homem e da mulher na economia
do grupo domdstico, por exemplo. Diversas agremiações dispõem assim de fundos
financeiros destinados a membros menos afortunados, constituídos pelo pagamento
do dizimo ou de contribuições espontdneas segundo as posses de cada um. A institu-
cionalização de uma função de assittincia social inal esconde no entanto o quanto
as condições de acesso a estas vantagens podem depender do julgamento do grupo
- e de seus membros mais eminentes - sobre o indivíduo. A figura do Pastor -
ou seu equivalente - confunde-se à do ccpatrãoyy que dispensa auxílio e proteçã0
a seu “cliente” ou “dependente”.
Finalmente, poder-se-ia insistir sobre o caráter conformista desta religião que
parece pregar, antes de niais nada, a aceitação de um status quo. Mas não C inopor-
tuno lembrar o alerta de Velho quanto aos “limites (de se enxergar) a questão do
cativeiro e da libertação sob a dtica da autonomia” (1987:15), sendo esta definida
com referência aos parlimetros da “realização libertaria humanística”. Se a con-
versão pode integrar a dimensão de continuidade da experiência social, exigência
que mesmo a consciência da submissão a duras condições de existência não deixa
de manifestar, C porque, ao mesmo tempo, garante a permanência da utopia no seio
da realidade social. O futuro advento do Reino como fruto de uma transformação
das estruturas sociais C susbtituído pela crença Pentecostal na parusia imediata atra-
vés da intervenção miraculosa - e da distribuição dos bens do Espírito - entre
todos os seus escolhidos.
As irreconciliAveis naturezas do rico e do pobre diluem-se no seio de uma con-
gregação na qual o reconhecimento, dentre os seus, dos melhores, obedece aos dita-
mes de uma mais alta servidzo: aos fundamentos da lei do Cristo. A aceitação desta
lei, imagem de um possível por definição miraculoso e necessariamente estrangeiro
à análise das relações s6cio-econ6micas, não exclui porkm a consciência da
injustiça “d’un ordre des climes dont rien n’autorise à espérer le changement. Mais
aucune Iégitiniité n’est accordte à cet étut de fait, bien au contraire. Le fait n ’est
pas recevable cointile une loi, iiii.nie s’il reste un fait. Prise dans une dépendance,
contrainte d ’obéiraiafaits, cette coiidction oppose unefin de non-recevoir au statut
de I ’ordre qui s ’impose coititite nutrirel et une protestation éthique à sa fatalité. Une
innacceptabilité de l’ordre pourtunt étubli se dit, àjuste titre, sous la f o m e du
miracle ’* (De Certeuii 1980:56-57).
140
Canpo religioso e trajeldrius sociuis mi fiaiimniuidnicu
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AÇÃO CULTURAL E CONCEPÇÃO POLÍTICA
ENTRE A IGREJA CATóLICA E OS CAMPONESES
(UM ESTUDO NA REGTAO DE MARABÁ)
Rodrigo C.D. Pcixoto
COLOCAÇAO DO PROBLEMA
145
Mus. Para. Enillia Gbelli: Colega0 Edimrdo Grrlv~lo.1991
221 estabclccimcntos (17% do total do município) maiores de 1.000 ha, ocupavam,.em 1980, 84%
da Area rural cadastrada. “Mariba: a luta pcla tcrra c a luta pcla vida - 1985”. An. Soc. Econ.
146
em outros persiste a intençiío do domínio indireto, da intermediaçiío permanente,
de continuar sendo “a voz dos que niío têm voz”, e, assim, os camponenses conti-
nuam sem voz própria.
Postanto, o sentido da aç20 da Igreja Católica junto ao campesinato não deixa
de ser ambivalente. Se a fraçiío progressista B niais movimento que instituição e,
na sua inserção na realidrtde, ela progride e se transmuda, niio se pode deixar de
considerar o poder encampador da burocracia eclesiktica, tanto em relação aos mo-
vimentos populares como 2s tendgncias internas divergentes: “Deve-se notar que
todas as inovações no seio da Igreja, quando niio si0 devidas à iniciativa do centro,
tEm em si algo de herético e terinin:ini assumindo explicitamente este caráter, atd
que o centro reage energicamente, desbaratando as forças inovadoras, reabsorven-
do os vacilantes e excluindo os refrat8rios” Gramsci (1984).
o MOVIMENTO CAMPONBS
Na região de Marabri, até muito recentemente, qualquer movimentação política
dos trabalhadores rurais dependia totalmente da Pastoral da Terra. Houve um tem-
po em que só havia realmente a Igreja, com sua relativa liberdade frente ao poder
político nacional, para acolher os refugiados do processo de implantação do capita-
lismo nesta fronteira econ6mica.
De 1972 a 1975, a regiiío foi palco da guerrilha do Araguaia e passou por uma
forte açã0 militar repressiva. Niío havia clima para a organizaç50 dos trabalhadores
em sindicatos. A simples realização de reunices comunitifrias em vilas rurais po-
bres era já um atentado B Doutrina da Segurança Nacional. Valendo-se de métodos
coercitivos e ideologizantes, atemorizando a populaçHo com demonstração de for-
ça, procurando cooptar através da concessão de lotes rurais e estruturando aquele
espaço com a abertura de estradas, o exército tratou de assegurar o seu domínio
sobre a área. As atuaçijes do INCRA e depois a do GETAT, no geral, seguiram
a mesma doutrina, e procuraram inibir também a organização política dos cam-
poneses.
Fechando-se todos os níveis de representatividade própria e nHo havendo ne-
nhum outro ponto de apoio aos camponenses, a Igreja assumiu o papel de suplência,
do sindicato e de socorro a uma populaciío totalinente abandonada pelo Estado. Este
C um dos aspectos que explicam a aproximaçiío da Igreja, principalmente a partir
de 1970, do ai5 camponês.
Com a criaçIo da Coniiss5o Pastoral da Terra (CPT), pela CNBB, em 1975,
refoqou-se esse laço, estabelecendo-se entre este nível da Igreja Católica e os cam-
.
poneses uma convivência de mútua influenciação. “A CPT surgia para . .assesso-
rar e estimular o pessoal que ja se encontrava engajado nos trabalhos de base (...)
A CPT procurava prestar serviços diretamente B organização dos trabalhadores:
cartilhas com explicações sobre os direitos dos posseiros, dos meeiros, dos assala-
riados; cursos de orientação para a formaçiío de sindicatos; estímulo para a estrutu-
ração de oposições sindicais onde o drgiio classista estivesse dominado por pelegos
147
e apoio para que os próprios trabalhadores pudessem se encontrar e discutir seus
problemas ...” (A Igreja dos Oprimidos... 1981)
Um ex-coordenador da CPT de Marabá, que viveu todo esse processo, desde
o início, o sinteliza assim: “O apoio direto da diocesse de Marabá aos trabalhado-
res rurais começou com a chegada do bispo. D.Estevão e com a instalação das Co-
munidades Eclesiais de Base na região, em 1969. Eram tempos obscuros em Marabl,
época da guerrilha, em que só havia um espaço onde o povo podia dizer alguma
coisa: as CEBs. Na década de setenta, foi um trabalho lento, inclusive muito peno-
so, muito sofrido, os agente pastorais da região de Marabá foram todos persegui-
dos. Uns apanharam, outros foram presos. O próprio bispo teve que responder a
vários inqudritos; tanto D. Esteviio conio D.Alano, que assumiu a diocese de Ma-
rabá a partir de 1976. As CEBs derani oportunidade ao surgimento das organiza-
c$es populares, principalniente o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Cada região
tinha a sua CEB, coni sua equipe de coordenação e de vez em quando as equipes
pastorais convidavam os animadores de comunidades a se encontrarem entre eles.
Este foi o grande trabalho da igreja de Marabá, na década de setenta. Como se dizia
naquele tempo, não basta só rezar, precisa ação. E as primeiras ações eram ações
simples, de ajuda mútua, de niutirão ou até de trabalhos coletivos: arrumar um pe-
daço de estrada ou arrumar unia ponte. A partir dos niutirões, das ajudas mútuas,
começaram as reivindicações, principalmente de escolas, professores pagos pela Pre-
feitura. Depois se tentava conseguir uma estrada. A partir de 1977/78, começou
uma discussão sobre a questiio sindical e, em 5 anos, a questão envolveu tanto as
comunidades que foram criados sindicatos em toda a região. Hoje, o apoio da Igreja
continua, mais principalmente por causa da CPT, tentando dar um grande respeito
5 autonomia dos próprios movimentos populares. Quer dizer, a CPT ou a Igreja
não tem nenhum papel de dirigente. Ao contrário, isso seria uma volta a uma certa
cristandade. Mas h¿ algumas ireas da Igreja, mesmo progressista, que têm sauda-
des daquele tempo dos anos setenta, eni que a Igreja, tipo galinha choca, segurava
pintinhos debaixo da asa” 3.
Hoje, os camponeses criaram suas próprias entidades, e a posiç50 da Igreja não
B mais a de carro-chefe. H B os sindicatos, na verdade carentes ainda de concepções
e práticas mais avançadas, beni COMO de número de filiados e de delegacias sindicais;
as iniciantes associações de produtores, algumas em nível de projeto ainda, montadas
com máquinas de pilar arroz, armazém e caminhão, com fundos provenientes de Igrejas
européias, ou com financiamento do Banco do Brasil e Governo Estadual. E há o
Partido dos Trabalhadores, surgido dos sindicatos e das CEBs, em virtude da adesão
de seus militantes e das lideranças aí produzidas, além de outras entidades comuni&
rias, que atuam nas áreas de saúde, educaçiio, assessoria sindical etc.
Tudo isso forma um conjunto articulado, cujos militantes atuam cruzadamente
em vários papiis. Niio sem conflitos de tendências e posturas, já que os pr6prios
setores progressistas da Igreja, responsáveis em boa dose pelo apoio e gênese das
148
entidades e lideranças camponesas, têm diferenças entre si, na medida em que se
articulam com movimentos de concepç5es diferenciadas, com o SERPAJ, a CUT
e tendências do PT.
A organização política dos camponeses passa por uin momento de crescimento.
A16m da Comissão Pastoral da Terra e do Partido dos Trabalhadores, outras insti-
tuiçües da sociedade civil, como a Universidade e a Associação Paraense de Defesa
dos Direitos Humanos, e funcionários públicos e estudantes apóiam a causa da pe-
quena produção agrícola. A CUT bem aunientado sua penetração na área e os seto-
res mais avançados do movimento estlo mobilizados em vista das eleições sindicais
previstas com a criação dos novos municípios na regilo. Má,portanto, perspectiva
de desenvolvimento.
Presentemente, no entanto, o indice de filiaçlo de trabalhadores no sindicato
6 baixo. No município de Marabá, por exemplo, há cerca de 45 mil trabalhadores
rurais; são sdcios do sindicato, criado em 1980, 7 mil; desses apenas I S O O pagam
mensalidades.
Por várias razões o trabalhador rural - inclusive o posseiro e o pequeno pro-
prieario - nlo participa em bom número. Algumas diretorias não costumam de-
mocratizar as decisões em asseniblCias e não promovem, atravts da discussão e
participação, a formaçiio política e a reprodução de militantes. Alguns sindicatos
têm ligaç&%com personalidades do PMDB local e nlo praticam uma política inde-
pendente. Há certos obstáculos h criação de novas delegacias sindicais, impedindo
o aumento das raizes do sindicato no local de trabalho.
Altm disso, a condiçlo econôniica do camponês é tiio precária que mesmo uma
mensalidade no valor de 2% do salário mínimo representa uni encargo pesado, prin-
cipalmente se ele nlo tem muita motivafio. Se o camponês ja possui o título de
propriedade e se o sindicato não dá uma resposta imediata às necessidades mais pre-
mentes, principalmente na área da saúde, conforme uma expectativa assistencialis-
ta, a maioria de fato se desinteressa.
Um'outro fato significativo 6 a dificuldade do relacionamento político dos mo-
vimentos populares com o poder. Quando o Governo concede algum espaço 6 no
sentido do assistencialisnio e da cooptação. Em virtude disso, algumas lideranças
populares da regilo acabaram entrando num beco sem saída, na medida em que se
aproveitaram, para fomentar seus próprios prestígios como lideranças, de relações
pessoais para obterem recursos governamentais. A sobrevivência destas lideranças
passa então a depender de uma relaçlo permanente com certos representantes do
Estado. SHo exemplares desse tipo de assimilaçiio algumas trajetórias pessoais, li-
deranças que há três anos atuavain no PMDB popular, entiio uma linha de frente
na região, e que hoje, filiadas a partidos como o PTB e PDC, ou ligadas a projetos
pessoais de políticos, estiío, de certa maneira, extemporheas na luta.
Nesse contexto político, o papel da CPT vem sendo rediscutido. Hoje, certa-
mente, este papel nlo C mais aquele de suplência. Os camponeses têm suas próprias
149
representações políticas. Contudo, sua niobilização depende muito do emprCstimo
de recursos da Igreja, tais como instalações para reuniões, meios de locomwão e
veículos de divulgação. No plano intelectual esta dependência continua tambCm muito
forte. A responsabilidade quanto h formaç20 política e cultural dos camponeses 6
quase que exclusiva da CPT. De forma que o alcance de um grau mais elevado de
autonomia política por parte dos camponeses está a requerer progresso na sua base
econômica e a participação, junto com a CPT, de seus Órgiios superiores de agrega-
ção, como a CONTAG, a FETAGRI e a CUT, no suprimento de recursos materiais
e intelectuais ao movimento.
A CONCEPÇÃO POLÍTICADA IGREJA CATóLICA NO BRASIL
150
portanto, reformas necessirias.. . para distribuir terras não suficientementecultiva-
das àqueles que as possam tornar produtivas” (Concílio 1983).
Prosseguindo o processo de renovaçlo da Igreja, as Assembléias do CELAM,
em Medelim (1968) e Puebla (1979), abrem-na mais à participação do povo,
concebendo-a como “povo de Deus”, e nlo mais apenas como uma instituição es-
truturada hierarquicamente. O problema social ganha uma nova dimensão da óptica
da Igreja, e a partir daí ela passa a representar a “voz dos que não têm voz”.
N o âmbito nacional, o posicionamento político atual dos setores progressistas
da Igreja Católica tem origem na Aç50 Cat6lica Brasileira. “De um certo modo,
a Ação Católica preparou tudo isso.. . preocupava-se imito em formar líderes (mas)
2s vezes não percebia a importnncia das IigaçBes com as massas. .. Agora, os novos
movimentos de evangelização tem o niesino espírito da Açio Católica, porém mais
adaptados à nossa realidade latino-:iinericana e brasileira, em que o povo, a comu-
.
nidade, participa mais do movimento geral” (Igreja.. 1981). Ao progressismo atual,
tiveram influência a mudança do enfoque político da JEC e JUC, a fundação da AçBo
Popular e o surgimento do MEB, com sua linha de educar para tranformar - fatos
estes acontecidos na conjuntura política de 1961.
Depois, veio o movimento de 1964. Passando o primeiro momento de expecta-
tiva at6 certo ponto favorrivel, da parte da maioria dos religiosos, tendo em vista
o afastamento do fantasma do comunismo, a política concentradora de renda e es-
poliativa das massas populares, implementada pelo regime militar, veio a produzir
uma espdcie de choque cultural em alguns religiosos estrangeiros atuantes no Bra-
sil, levando-os a uma posiçlo de reserva quanto ao modelo de desenvolvimento eco-
nômico adotado.
AICm disso, no pacto politico de 1964, a Igreja foi alijada do bloco do poder,
do qual participavam apenas a grande burguesia nacional e as empresas multinacio-
nais. O estreitamento do centro de decisões motivou o reposicionamento do clero
excluído, no sentido de aliançar-se coin o povo, em busca de unia base de poder.
Contudo, um momento de inflexiio muito importante C o Ato Institucional nP
5, de 1968. O endurecimento político do regime e a agressgo violenta a religiosos,
atingiu em cheio o espírito de corpo da Igreja e direcionou o clero, inclusive alguns
bispos que haviam simpatizado antes com o movimento militar de 1964, a se posi-
cionarem contra o Governo, em favor do povo.
É, portanto, um conjunto de motivações, ou seja, a herança dos movimentos
politico-religiosos anteriores a 1964; o impacto da miséria social, resultante do mo-
delo de desenvolvimento econhico entiio implantado; o desrespeito aos direitos
humanos, inclusive em relação a membros da Igreja; a exclusgo da Igreja do bloco
do poder, e inclusive, a estratégia da Igreja Católica à concorrência com as reli-
giões protestantes a a crise de vocações - o que leva a Igreja a procurar um posi-
cionamento social contririo ao sistema.
Como produto histdrico de uma sociedade historicamente situada, a Igreja passou
151
Mus. Para. Emilio Goeldi: Coleqdo Ecliurdo Gnlvao, 1991
a ter então uma nova interaçã0 com o contexto social. A aproximação com o povo,
a maior participação dos leigos nas suas atividades, o apego maior ao concreto, tu-
do isso introduziu rapidamente a realidade social para dentro da Igreja. O conflito
social, que desde o sdculo passado cliva ideologicamente a Igreja Católica na Euro-
pa, atravessa tambdm a Instituição no Brasil, influenciando religiosos e alimentan-
do correntes filosóficas internas, que passaram, atraves da assimilação das ciências
sociais, de teorias tais como a da dependência e a da economia política marxista,
a formular e explicitar críticas ao capitalismo.
Essa evolução culmina com as formulações da Teologia da Libertação. Mas hå,
tambdm, uma publicaç50 muito significativa da CNBB - “Igreja e problemas da
terra” - de 1980, em que siio tecidas críticas severas ao modelo econbmico e polí-
tico vigente no país.
A posição dos bispos da CNBB, neste documento, C a de “Valorizar .. o ponto.
de vista, o modo de pensar e a experiência concreta dos que sofrem por causa do
.
problema da terra (...)nií0 somente ouvir, nias assumir . . as lutas e esperanças das
vítimas da injusta distribuição e posse da terra” (Conferência ... 1980).
O documento coloca, inicialmente, “a realidade dos fatos”, com o título a “terra
de todos como terra de poucos”, e, no que toca ao campesinato, vê a realidade da
seguinte maneira:
9 a pecutiria estrangula a pequena agricultura;
* a política de crkdito beneficia os grandes;
os incentivos fiscais, ao favorecer a expansão das empresas pecuaris-
tas, prejudicam a agricultura familiar;
* opequeno produtor sofre as carências da falta de escoamento da pro-
dução, do preço baixo de seus produtos e da sistemitica do atravessa-
mento na comercinlização;
os posseiros, para serem expulsos da terra, siÍ0 vítimas de violências,
praticadas por pistoleiros profissionais e at6 por juizes;
‘‘Háno país milhiies de migrantes (...) O desenraizamento do povo
gera insegurança pelo rompimento dos vínculos sociais e perda dos pon-
tos de referência culturais, sociais e religiosos, levando a dispersão
e h perda de identidade ...”
As responsabilidadespela situaçzo szo atribuidas A:
falta de união e organizaçzo do povo;
concepção e utilização da propriedade como intrumento de exploração;
injustiça institucionalizada, do delegado de polícia, do juiz, do cartó-
rio etc.;
152
Aç& cultural e concep@o polilieu entre Igri$u Ctirdliru e cunponeses
153
Mus. Para, Endlio ci;ocldi: Colc@o &luurdo Giihtlo, I991
O PROJETO CAT~LICO-CAMPONÊS
154
&&o culruml e concepplo políiicu emre Igreju Curdlicu e cuniponcses
155
A questão que se põe: a quem cabe dar a formação estritamente políti-
ca? Aos partidos? A outras entidades da sociedade civil? Se não o fazem
ou se fazem em dissonância com os valores evang&cos, a Igreja, que-
rendo evangelizar a dimensão politica, deverá fazê-lo” (Conferência ...
1988).
Os métodos de aculturação utilizados pela Igreja parecem ser bastante próprios
para a mentalidade camponesa. Fazendo analogias - do tipo besta fera do apocalip-
se: o capital; faraó do êxodo: o Estado; dragões: o grileiro, o capitalista - e ins-
truindo por meio de diversas cartilhas sobre formação sindical, legislação, direitos
dos posseiros, estrutura da sociedade etc., a Igreja consegue transmitir alguma ex-
plicação acerca da realidade social. (Hdbette 1986).
A relação entre os religiosos e os camponeses, ou, conforme Gramsci, entre
a filosofia dos intelectuais e o senso comum dos simplórios, tem uma boa exemplifi-
cação na fala do Pe. Jose de S. Domingos do Araguaia:
“Os lavradores, sozinhos, não sabem o que fazer. Você pode conscien-
tizar para o uso da liberdade, para o crescimento autêntico deles ou po-
de conscientizar levando para o caminho que você mesmo traçou, e isso
ja nã? é uma conscientizaçãoverdadeira. Aí C que está o cerne da ques-
tão. E um trabalho de muita paciência, e é onde os movimentos popula-
res falham, porque não têm a paciência de esperar; C um querer os frutos
imediatamente. O trabalho a ser feit? 6 o trabalho que a Igreja pratica
nas Comunidades Eclesiais de Base. E um tipo de trabalho assim: pegar
a pessoa, a mais humilde, a mais analfabeta, a mais ignorante, num am-
biente onde ela mora, trabalha, e começar a fazer uma analise da reali-
dade. Eu estou assim, passando fome, por quê? Porque Deus quer assim
ou C porque tem alguém que está tirando comida que era minha e está
jogando para os porcos? Até que essa pessoa descobre um pouquinho
onde é que está a raiz do sofrimento dela. Pode durar 1 dia, como pode
durar 1 ano, 10 anos ou 20 anos. Eu não queria dizer que só fazendo
aquela reunião C suficiente. Se se fica só na teoria, o lavrador 6 o pri-
meiro que no segundo dia não volta. O difícil 6 acompanhar na prática,
propondo soluções”.
Os cantos, nas celebraçiies ou nos intervalos dos encontros, onde se discutem
a conjuntura política e econômica, os problemas dos sindicatos e associaçss e os
próprios problemas cotidianos do povo, estabelecem uma conjugação entre fé e po-
lítica. Por exemplo: “Nosso roceiro que vive do chão/ sÓ tem metade de sua produ-
..
ção/ A grande esperança que o povo conduz/ pedir a Jesus pela Oração/ .que Ele
não deixe o capitalismo/ levar ao abismo a nossa nação/ a desigualdade que existe
6 tamanha: enquanto o ricaço não sabe o que ganha/ o pobre do pobre vive de tos-
tão”, ou “Se esta terra C patrimônio de Deus Pai/ nunca passou escritura pra nin-
guCm/ e se a terra C fonte de nossa vidal vai ser repartida...”. Ou seja, os cantos
procuram estabelecer um ideal comum entre a Igreja e os camponeses.
I56
A@ culiuml e concep@ política entre Igreja Gzitdlica e canponeses
157
Mus. Para. Eniílio Goeldi; Cole@o Eduardo &IMO, 1991
CONSIDERAçõES FINAIS
158
A Ç ~ cultural
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set./ out.
160
O FRACASSO ANUNCIADO
Philippe Hamelin’
TNTRODUÇÃO
Apesar do fracasso, tantas vezes anunciado desde o início dos anos 80, da colo-
nização ao longo da Transamazônica, as 100.000 famílias que o Estado sonhava
implantas entre 1972 e 1976 já aí vivem, e a população continua a crescer a um
161
Mus. Pam. Emilio Goeldi: Colepio Eduardo Galwïo, I991
162
O Fracasso anunciado
N?
URUARA
CRESC. N? CRESC. r
ÏpËz&
I
ANUAL ANUAL
1983 1825 9632 11457
1984 2666 46 % 10669 lo$% 13335 16,4%
1985 4561 70% 12319 15,4% 16870 26%
1986 6 147 35% 14382 16,8% 20529 21%
Crescimento
Médio 50 $4 14,3 % 21%
Anual
(Os dados acima são a sfntese dos dados recolhidos pela SUCAM, durante uma pesquisa em 1986, e
pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais em 1984).
163
Mus. Para. Emilio Goeldi: Coleplo Eiiurdo Gulv&o, 1991
1. A ruptura de 1970
Em 1970 a criação do Programa de Integraçã0 Nacional (PIN) provoca uma
dupla ruptura: ruptura do modelo social que, desde a chegada do colonizador portu-
guês, caracterizava o modo de ocupação da Amazônia; ruptura no modelo da ex-
pansão da fronteira no Brasil 4.
I.
I.
A ruptura social
A história da colonização da Amazônia se confunde com a dos ciclos econômi-
cos: drogas do sertão, borracha, castanha-do-pará. O extrativismo vegetal, entre-
cortado, nas fases de crises, de tentativas de colonização agrícola, domina a atividade
econômica.
O fracasso das diferentes tentativas pode-se prestar a explicações econômicas
e/ou políticas, mas a causa deste mau êxito deve ser procurada no modelo social.
Não se pode basear a conquista de um espaço como a Amazônia na desvalorização
do homem, na sua redução à condição de quase escravo. Uma tal estrutura social
era adaptada 21 gerência de uma sociedade em estagnação.
Uma caracterlstica importante desse novo modelo foi a civilizaçiioda estrada, que surgiu com estrondo
na civilizaçäo do rio. S e d isso um fator importante ou não? TerA isso algum significado simb6lico
de ruptura com o colonizador português agarrado i costa e r( &ira do rio? (Moog 1985).
164
O Fmcasso anunciado
165
2.A regido de Uruará
Salvo talvez em Rondbnia; seria a mcmdria do Marcchal Rondon, dcscobridor dcste tcrritdrio nos anos
20, a razão pela qual o podcr militar näo tentou acabar com a colonizaçäo por pcqucnos camponcscs?
166
O Fmcasso anunciado
2.1. Instalação
Brasil, Presidência da Rcpdblica, mctas e bases para a a ç b do governo. Sct. 1970, p.31.
* Plano de instalação das 3.000 primeiras famílias do PIC Altamira; o Único quc existiri, pois, os se-
guintes nä0 seräo jamais editados e, provavelmente, ncm mcsmo redigidos.
Altamira I (março de 1972).
167
MUS.Para. Entilio Goeldi: CokCdQ Eduardo Gah.do. 1991
168
O Fracasso anunciado
lo Uma grande parte da produçäo era escoada atravds das redes de contrabando do Médio Amazonas
para a Guiana Francesa e o Suriname e, logicamente, paga em divisas trocadas no câmbio negro.
169
Mus. Pam. Eniílio Goeldi: Colecao Fduardo Gnlvdo, 1991
* Durante a pesquisa de 1986, para 1760 chefes de famflia foram contados 1124 lotes em exploração,
o que permite estimar em cerca de 2.100 o ndmero total de lotes cultivados.
** A maioria das plantações de café em produção são de tamanho reduzido; somente 22 propriedades
vendem seu produto regularmente.
Nota: 271 lotes (ou seja, 24%dos 1.124 lotcs explorados da amostra) comercializam cacau elou pimenta
c/ou café. 178 (16%) produtores não possuem nenhuma plantação; entre estcs, 67 (6%) têm gado.
B. PERSPECTIVAS
1. O futuro do modelo URUARA
Uruará C apenas uma das unidades da fronteira agricola, mas a análise de suas
possibilidades de desenvolvimento bem como das condições que influenciam seu
futuro, possibilita determinarem-se eixos comuns ao conjunto da fronteira.
170
0 Fracasso anunciado
Do total das áreas distribuidas, cerca de 10%estão sendo cultivadas; mas 80%
da renda comercial são fornecidos pelas plantaçbes de pimenta e de cacau que ocu-
pam menos de 1O % desta área. Mais de 80 % desta superfície é ocupada por pastagens
pouco produtivas, o resto C destinado à produção de arroz, feijão e mandioca, ser-
vindo para o auto-consumo. Os excedentes não são nem suficientes para alimentar
a cidade de Uruará, onde as lojas vendem arroz e feijão importados do sul do Bra-
sil. O fator terra não ?i um freio ao desenvolvimento econômico: o volume da pro-
dução poderia ser facilmente decuplicado, principalmente graças às imensas
possibilidades de intensificação que permitiriam aumentar fortemente o rendimento
das plantações. As possibilidades técnicas de um desenvolvimento existem, mas es-
te desenvolvimento só se realizará se o quadro social se consolidar. A comunidade
regional terá, sem dúvida, uma grande responsabilidade neste processo, mas o Es-
tado será o fator decisivo, pois é ele o Único que tem capacidade de realizar os in-
vestimentos de infra-estrutura (estradas, distribuição de energia, etc.), de implantar
os serviços de base (sadde, justiça, escola), de sustentar os produtores durante as
crises provocadas pela queda dos preços ou pelas más colheitas.
171
+
Mus. Para. Emilio Goeldi: Coleflo Eduardo Galvdo, 1991
Tabela 4 - Comparação dos resultados econômicos das quatro produçks mais im-
1
portantes da região de Uruará *
1 1
(US$)
+'
custos(vs$)
at4 1s colheita 4.000 900 90 160.000
outros 3.000 2.800 100.OOO
financeiros 1.600 380 36 64.000
6 l
Densidade
de população 1
teórica (Hab/Km2)
* Os dados contidos neste quadm devem ser interpretados como indicadores de tendências. Eles resul-
tam da sintese de informações recolhidas junto aos agricultores, geralmcnteempregadores de mão-
doobra, que sä0 praticamente os únicos capazes de forneccr indicações precisas sobre O tempo de
trabalho. Eles têm, tam", rendimentos geralmente superiores h midia.
** Simulaçä0 de preços: pimenta dividida por 4; cacau e arroz divididos por 2, e queda de 28% do preço
da carne.
Nota: D/H - Significa dias de trabalho por homcm.
172
O Fracasso anunciado
A associação dos plantadores preferiu deixar fechar a usina a ver escapar de suas
mãos a exclusividade da produção da cana, que lhe permitia estabelecer, em pC de
igualdade, relaçhs contratuais com a indústria.
A melhoria das condições de vida, a manutenção de uma corrente migratória,
a fixação da segunda geração, serão as provas tangíveis do desenvolvimentoda re-
gião. Hoje Uruará está na encruzilhada dos caminhos, os dois esquemas aqui apre-
sentados (Tabela 5) mostram quais são as possibilidades extremas. O desaparecimento
das culturas perenes torna o primeiro cenário quase que irreversível. O segundo
está longe de ser linear e depende de muitos fatores externos como a situação eco-
nômica brasileira e mundial. Gostaria de destacar um ponto importante: a concen-
tração de terra não 6 uma causa, mas muito mais uma conseqüência de erros a nível
das orientações técnicas (incentivo à criação extensiva) ou de uma estrutura social
desequilibrada.
173
Mus. Pam. E d i o Goeldi: Coleç& E&uudo Golvdo. 1991
A CURTO PRAZO:
A B
Status quo a nivel das infra-estruturas Desenvolvimento das infra-estruturas
e investimentos sociais. As condições de base. Investimento na formação.
de vida pioram. Os jovens vão para a Apoio h estruturação de um mercado de
cidade. A imigração diminui. trabalho para beneficiar os jovens. Ma-
nutençã0 da imigração.
A MfiDIO PRAZO:
Queda dos preços Queda na oferta A região atrai os mi- A criação
da terra de empregos grantes e fixa os jo- extensiva
Queda da fertili- (qualidade e vens. Os lucros da toma-se
dade do solo quantidade) agricultura começam não rent&
a ser.investidos em vel
Extensificação Parada da imi- outros setores
destinada a gração. Emigra-
compensar a ção dos jovens Melhoramento das infra-estruturas
perda de produ- (energia, comunicação, sadde, justiça,
tividade lazer, etc.)
174
O Fracasso anunciado
CONCLUSÃO
175
Mus. Para. Emilio Goeldi: Cole@o Eduardo Galvao, 1991
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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176
VALOR E PREçO, EXPLORAÇÃO E LUCRO DA
PRODUÇÃO CAMPONESA NA AMAZôNIA:
CRÍTICAS À NOÇÃO DE FUNCIONALIDADE DA
PRODUÇÃO FAMILIAR NA FRONTEIRA AGRÍCOLA
Fraiicisco de Assis Costa‘
i. INTRODUÇAO
As principais vertentes teóricas sobre a questão agrária que relevam a presença
camponesa como questão central na compreensão do desenvolvimento capitalista
Doutor em Eeonomia pela FU-Berlin. Professor e pesquisador do NAEA e do Depto. de Hist6ria da UFPa.
177
Mus. Para. Emilio Goeldi: Colecdo Eduardo Galvdo, 1991
178
Valor e preço, e.yIora@o e lucro da prcduçdo camponesa na Anlnzdnia
possível são dadas como resultado da presença do colonialismo interno que, todavia,
enquanto empreendimnto capitalista.
“(. ..) se situa ‘fora’dos componentes da estrutura social da frente
de expansão e absorve a renda potetzcialntente gerada pela terra”.
(Martins I971:33.
De outro lado, 6 o “colonialismo interno” o responsável pela contínua
reinstauração do estado de insuficiência econômica da “frente pioneira”, na medida
em que se insinua ali colocando para os produtores
“(. ..) os preços dos produtos agrícolas (...) Jixados en1 função da
rentabilidade do capital dos empreendimento urbanos e não em função
dos custos de produção. ” (Martins 1971:39).
Abstraindo-se nuances no uso do conceito, “colonialismo interno” significa o
prmsso de viabilização da acumulação de capital a partir do exercício, pelo Estado,
de funções outrora desempenhadas pela metrópole colonial (Linhares e Silva,
1981:68). Atravds de mecanismos como controle de preço, confiscos cambiais e
taxaçks diversas o Estado garante um nível de apropriação do excedente social pelas
frações hegemônicas do capital.
A (super) acumulação viabilizada pelo “colonialismo interno” encontra
contrapartida lógica na (super) auto-exploração da família camponesa que
“(. ..) aproximadamente nos tennos de Cliayanov (...) é capaz (e
por vezes forçado) a trabalhar além do ponto em que a produtividade
marginal se iguala aos custos de subsistznca. A riecessidade de utilizar
plenamente a força de trabalhofmziliarpemiite, através de unta espécie
de “sobretrabalho”, que venda barato ”. (Velho 1976:198).
Para Martins (1975: 11-12), os pequenos produtores - que “podem.vender
seu produto a qualquer preço” - absorvem diretamente os rendimentos líquidos
negativos decorrentes do colonialismo interno “numa auto-expropriação” (Martins
1971:40).
Colonialismo interno, de um lado, e capacidade de outo-exploraçãocamponesa
de outro, conformam as bases lógicas da tese da futzcionalidade da produção
camponesa na fronteira à reprodução das frações hegemônicas do capital -do capital
industrial e bancário. Assim, a economia política da “funcionalidade” pode ser
resumida como segue: a instância política, na figura do Estado, cuida para que
condiçks constantes e claras no nível macro - quer dizer, no nível em que se dá
a divisão do produto social - sejam mantidas no sentido de garantir o assalto da
agricultura em favor da indústria. Na medida em que os camponeses em geral, mas
em especial os camponeses na fronteira agrícola podem produzir mais barato - a
partir de uma “elasticidade extraordinária de auto-exploração” (Soares 1981:206)
-, eles ‘transferem valor aos setores hegemônicos da acumulação do capital na
indústria, num processo que eventualmente poderia ser caracterizado de acumulação
primitiva permanente.
179
Mus. Pam. Eniilio Gocldi: Colepio Ed~íardoGulwTo, 1991
2. DA CRÍTICAPARCIAL
180
valor e preco. .%plora@o e lucro da pt'dUÇd0 camponesa na Anuudnia
181
Mus. Para. Emilio Goeldi: Cokç& Eduardo Galvdo, 1991
150 T
1 !f' 6 6 6 6 6 6 6 6 6 7 7 7 7 7 7 7 ? 7 7 8
E 1 2 3 4 5 6 7 8 9 8 1 2 3 4 5 6 7 8 9 8
182
Valor e p r e p . crploru@30 e lucro da producdo canlponern M Anrazdnia
As considerações acima permitem afirmar que não há razão para não se supor
que, tamb6m em relação a produtos camponeses, os preços de mercado estão, em
última instância, regulados pelos valores respectivos. Prevalece o pressuspostogeral
de que as trocas, no mercado nacional, se fazem referenciadas pelos valores das
mercadorias em questão, mesmo quando estes se realizam atravds dos preços de
producão e não se verificam as hipdteses extremas da homogeneidade nas composições
orgânicas do capital dos diversos ramos e setores da economia e do equilibrio entre
necessidade e produção sociais. Em todos os casos, alterando-se as condições a partir
das quais se estabelece o valor, alteram-se, concomitantemente, as condições que
determinam os preços de produção.
Por seu turno, mesmo quando no mercado nacional estão dadas condições para
trocas equivalentes, as trocas camponesas com os agentes articuladores, isto 6, com
o capital mercantil, por se darem aquCm ou alCm desse mercado, são sempre trocas
desiguais. O intercâmbio de produtos industriais por mercadoria camponesa 6, pois,
no primeiro nível (ao nível da relação unidade camponesa/ capital comerciFl), uma
troca de valores nominais iguais que expressam valores reais diferentes. E que os
preços são, aí, co-determinados por condições outras que não aquelas prevalecentes
no mercado nacional. Esses preços são, todavia, regulados em última instância pelos
preços do mercado nacional e, portanto, pelos valores das mercadorias em questão.
Essa regulação se faz referida às condições objetivas da exploração camponesa -
associadas por seu turno a especifcidade da unidade produtiva camponesa -,
efetivando-se a partir da concorrência como fato interior a produção camponesa,
da concorrência entre as frações do capital mercantil e da concorrência entre a
produção camponesa e as demais formas de produção, principalmente a capitalista.
183
Mus. Para. Emilio Goeldi: Coleqdo Eduardo Galwlo, 1991
*
Pode-se pensar a reprodução da família camponesa como um sistema fechado.
Nesse caso, os circuitos (dispêndios e reposição) de trabalho se equilibrariam
“naturalmente”, isto 6, incorporariam apenas os desequilíbrios necessários 3s
exigências do desenvolvimentodemogriifico da família, como supõe Chayanov: os
pais produziriam um sobretabalho que supriria o dtficit dos filhos (Tabela 2).
Um inquestionável ganho da antropologia5na fronteira amazônica 6, entretanto,
o de que, 18, campesinato supõe mercado (Velho 1977:290). A reprodução da familia
camponesa se dá, pois, como o descrito na Tabela 3, onde o mesmo orçamento de
545 (ponto de partida do balanço anterior) dias de trabalho por ano exige, agora,
645 dias de trabalho do conjunto da família camponesa - sendo 100 o sobretrabalho
exigido nas relaç%s de troca necessariamente desiguais entre capital mercantil e
família camponesa. Importante, tamMm, C verificar que, agora, nada acontecerá
no processo da reprodução da família camponesa que seja neutro. Cada mudança
na composição do orçamento familiar, seja por fonte, seja por uso, se reflete no
dispêndio total de trabalho dos membros da família.
As categorias descritivas (casa, roçado, mata, etc.) usadas nos esquemas e formulaçöes tdricas que
seguem estão baseadas nas categorias encontradas M descriçäo camponesa da realidade de sua pmdução
e reproduçäo por mais de duas dczcnas de trabalhados antropoI6gicos na Amazbnia. (v.costa, 1988).
184
Valor e preqo. aploraqdo e lucro da prmiuplo canponesa na Antozdnia
A f6rmula geral 6 C
HG . {(I-n-c). [r
Que C igual a
+ (1-r). (l+a)] 4- n +c = KG
+
HG. [(I a(1-r-n-c+nr+cr)] = KG
ou HG. [l+a (1-u)] = KG
ou, ainda, HG. (1+s) = KG
Onde:
1+s = Fator determinante do emprego total de trabalho por parte da família cam-
ponesa enquanto unidade de produção;
s = a(1-u)
a = Relação entre o sobretrabalho da famflia camponesa e o valor dos bens ad-
quiridos atravds do mercado;
u = Fator defi?ido pela proporção, no orçamento, dos bens obtidos como valor
de uso. E, portanto, uma função de n, c e r;
HG = Orçamento anual (casa) da família camponesa enquanto unidade de consumo;
n = Proporção do orçamento que C obtida atravds da mata;
c = Proporção do orçamento que C obtida atravds da casa;
r = Proporção, no orçamento, da parte do roçado autoconsumida;
KG = Total de trabalho empregado pela família camponesa na obtenção de HG,
do orçamento, da despesa da casa.
Considerada constante a tknica, trabalhando-se menos na ïnata ou na casa
(mudança nos lançamentos 3, 6, 9 e 11) elou se uma pafcela maior do roçado 6
realizada no mercado (mudanças nos lançamentos 17), enfim, reduzindo-se u, se
trabalhará mais para cobrir as mesmas necessidades. E a proporção com que se elevará
o dispêndio de trabalho face a essas mudanças dependerá fundamentalmente da taxa
a, da taxa de exploraçcío das estruturas camponesas consideradas. Essa taxa 6 , pois,
uma das determinantes do balanço de trabalho concreto da unidade camponesa na
obtenção dos pressupostos de sua reprodução.
6. O orçamento se divide em
Hc = C.HG
HM = n. HG e
HR = (1-n-c). HG, i, e. em parcelas que provêm da casa (Hc), da niclfa (HM)c do roçado (HR).
Esta última se dividc ainda numa parcela dirctamcntc levada ao orçamento.
r. HR
e uma parcela que se realha atravB do mercado
(l-r)HR
De vez que esta Última parcela s6 pode ser obtida acompanhada do emprego de sobretrabalhose pode re-
presentar como segue o trabalho total necessario para a obtençäoxla parcela do orçamento que su@
IlErCado:
(1-r) HR + a.(l-r) HR = (1-r) (1 + a). HR
185
Mus. Para. Emilio Goeldi: Cole@o Eduardo Gulldo, I991
HOMEM ROçADO
MULHER MATA
CASA
186
Valor e preco. aploracao e lucro da prcduplo camponesa na Anmdnia
MULHER MATA
CRIANçAS CASA
MERCADO
Uso I Fonte
16) 200 I 171 100
I lsi 74
19) 26
200
187
Mus. Para. Enzílio Goeldi: CokW Eduordo GnlVao, I991
I I
(wI=p’I.wI) G”’
188
Valor e p r e p . “phwao e lucro da p r d u g o camponesa na Anuz&nia
Utilizandoos dados do serviço de informação do mercado agricola para dez anos, foi possfvel ajustar
curvas correlacionando preço de mercado de um mesmo tipo de arroz e distlncia das respectivas Breas
de produção - da produçb camponesa do Maranhão e da produçäo capitalista do Rio Grande do Sul.
Seguem as duas hnçt5e.s:
PM(Maranh8o)= 1.157+0,08. D
e.
PM(R.G. do Sd)=1.096+0,21.D,
onde PM, o preço de mercado, 6 uma funçä0 da distlneia (D) da Breas de produçb. Nesse contexto,
o coeficiente linear representa o preço de prcduçäo mMio do sistema de produçäo em questão e o
coeficiente angular os custos de transporte. Precisamentea grande diferençaentre os coeficientesangulares
das funç&s acima, uma vez considerada a igualdade dos custos de transporte para ambas produções,
nos permite formular as hip6teses que seguem.
* A capacidade de concorrência da produção da fronteira supera a do Rio Grande do Sul, em termos
de dishcia, em 98%. Enquanto os gauchos podcm vender mais barato alt 1.176 Km distante de Porto
Alegre, a produção da fronteira 6 colocada com vantagem de preço num raio de 2.324 Km de disthcia
da sua origem.
189
Mus. Poro. M l i o Gocldi: Cok@ Edmado Cialvdo. 1991
2.000 -I. 1
1.600 -.
Po
C
r 1.200
s Haranhao
I
6 .
O
800 -.
K
B
400 --
a Do
oO . , I
SS . L u i s . B r a h a B.H&iz. S.Pho Parhi P.Alegre
190
Valor e p r e p , u;plora@o e lucm da p d u @ o componesa na Amadnia
Unidade camponesa
*.-
. . d’
191
Mus. Pam. Emilio Gbeldi: Coleçdo Eduardo Gulw?o, I991
G (1+m) = G””.
O que, a partir das explicitações acima pode ser reescrito como segue:
+
(1 m) .(wi .pi) =Wi .p’n m= -. -
ou :n]-l
e, assim,
(1+a) . wi=Wi .
Isto significa que a produção camponesa destinada ao mercado C função direta
da taxa de exploração da estrutura camponesa considerada e da parcela do orçamento
familiar obtida no mercado.
192
Valor e preço, crploracdo e lucro da produçdo canponesa na Anmdnia
193
Mur. Para. Emilio Guldi: COL@ Edvardo Gdvdo. 1991
x1
Anos / Uicroreqi6es
194
Valor e preto. crplomçdo e lucro da prdqdo camponesa na Aniazdnia
195
Mus. Para. Eniílio Goeldi: Coleçao Eduardo Gnlvdo. 1991
Estas funções foram ajustadas por regressb pelo metodo dos dnimos quadrados a partir de dados
de produção e prcqo para 12 anos, de 1969 a 1980.
196
Valor e preco, erploraflo e lucro da p r d u @ o canponesa na Anuazdnia
-
Fonte: VELHO, 1972: 127 134; Wood & Schmink (1983:84); Mesquita (1982: 35-36); Calvcnte(l980:
101 -107, 157-168); Carvalho (1984: 287).
-
Bemerkunger: a os valores foram corrigidos pelo Indice da FGV.
Para MarabB: Preço M pr6xima cidade. Para RondBnia e Santo Ant6nio do Tau&: prqo no roçado.
197
Mus, Poro. Emilio Gocldi: Coleplo Eduardo Galvdo, 1991
r
Bragantha Baixo Tocantins
PI =10658,6-0,d581 .pc t -1
I PI =-8i7L7-Otl617 .PI 1 - 1 1
--u-
-L-LL
la000 :
I
P P
I I 8750
O O :
d 10000 d : :
U U
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O O
Kedio Aiazonas
Pi:17364,6-0,0459.p( 1-11
i P 2100[
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I 1358 ' 165b iaoo
i500
Preco (pl Prego Ip)
Figura 5 - Curvas de ofertas de arroz das microrregiöesBragantina, Baixo Tocantins,
Guajarina e M a i o Amazonas - Parli.
Fonte: S I M A M A Boletins Anuais; IBCE -Estatfsticas Agrfcolas Municipais und AnuLios Estatlsticos
- Brasil.
198
Valor e prep, crplar@o e lucro da prcduçao “poncso M Amazbnia
10000. 10500. :
: :
P P
r : I :
O O
d 6000.
U :
Ç
a
24000
:
P P
r 15000. t r
O O
d 16000
U
Ç
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O
a000
lP1
I :
ib-1105bTGd
900 1200 1500 1800
Preço lp)
199
Mus. Para. Emilio Gocldi: ColepYo Eduardo Galvdo, I991
MÉDIA DO PER~ODO1968-1974
1- Total de trabalho
empregado 684 1.633 1.445 441 969 5.172
2-Total da massa de
valor obtida 621 1.215 1.267 1.086 983 5.172
3- Saldo (2-1) 63 -418 -178 +645 + 14 0
[Pl
3. Não ha razão para crer, como fato social, num supercapital mercantil, que
na fronteira fosse capaz de fugir hs regulaçöes da taxa e da massa de lucro e, por
isso, encarecer os produtos por ele intermediados. O encarecimento, como se viu,
consideradas condições normais de necessidades e produção social ,se passa no plano
do valor. Isso não quer dizer que não se encontre na realidade dos intercâmbios
taxas extorsivas, nem que não seja da lógica das parcelas individuais do capital a
tentativa permanente de fugir hs regulações. O comportamento do conjunto, todavia,
condiciona a atuação das parcelas numa direçã0 precisa, fazendo valer, para elas,
leis gerais.
4. O que se passa na relação do campesinato na fronteira com a reprodução
do capital não se explica por auto-exploração. Nem se trata, apenas, de superex-
ploração que se passa no plano das relaçöes das unidades camponesas com o capital
mercantil. Se trata de algo mais profundo e mais drio: de uma superexploração
como contradição, seja do sistema envolvente, seja das estruturas camponesas
inseridas na formação social. Contradição surgida da relqão, mesma, entre o mercado
e as formas de produzir capitalista e as estruturas camponesas.
5. fi difícil poder supor exterioridade, carater não mercantil ou autonomia de
uma suposta “economia do excedente, regida pelo grau de fartura e não pelas relações
201
Mus. Pnra. Entílio Gorldi: Coleçao Eduardo Galw?o, 1991
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202
Valor e pre(o. erplomplo e lucro da pFodu@o camponesa na Anrazdnia
203
PARTE III
SISTEMAS DE PRODUÇAO:
PROBLEMAS E PERSPECTIVAS
DESMATAMENTO E DESENVOLVIMENTO
AGRÍCOLANA AMAZôNIA BRASILEIRA
Philip M. Fearilside
207
for cattle. Measures likely to be effective in slowing deforestation include
discouragirig laiid speculation (inipoaing tmes, liniifiiigthe size of holdings, etc.).
All fiscal incentives aiid fiì uni cingfor rarichirig should be abolished. The vicious
circle lirikirig road buildiiig to migration atid deforestation could be broken by
cutting govenirnerit expenditures ori highways. Changes iii the source areas of
migrants should be made to redistribute land,favor labor-intensiveagriculture,
create urbanjobs, and discouragepopulation growth. The laiid tenure situation
in Ama:onia niust be defined, arid once decisioiis are niade they must be fimily
eilforced. nie criteriafor establishirig land tenure niust be changed to reniove
this poiverjid niotivefor deforestation -pasture, especially, rnust be elimitiated
as a bcnfcitoria (“iniprovemetit ’3 used in establishiiig claim. Ultimately, new
fonns of ecoiioinic calculation must be devised that inake sustainable land uses
profitable, and urisustabiableand eil vironmentally damaging uses unprofitable.
KEY WORDS: Dcforcstation, Amazonia, Rainforcst, Tropical forest,
Agricultural dcvclopmcnt.
INTRODUÇÃO
A PECUARIA BOVINA
208
Desmammenro e desenvolvimemo agrlcola M Amarbnìa
MATO-GROSSO
POLONOROESTE DO SUL
GRANDE GARAJAS
SUFRAMA
O 350 700
209
Mus. Para. Eniflio Gocldi: Colc(.no Eduardo G a l v ~ o ,1991
disponibilidade deste recurso não renovável (Fearnside 1985a, 1987a, 1990). A Ama-
zônia não tem nenhuma jazida de fosfato, com exceção de um pequeno depósito
de bauxita fosfatada na costa do Maranhão (Lima 1976) e uma promissora, porém
ainda não dimencionada, ocorrência ao norte do rio Amazonas perto de Maicuru,
Pará (Beisiegel & Souza 1986). Dado o fraco desempenho agronômico e as pers-
pectivas pouco promissoras, a longo prazo, das pastagens, as razões que explicam
a dominação da paisagem por este uso da terra SÓ podem ser outras.
Uma razão é o conjunto generoso de incentivos fiscais dado aos grandes fazen-
deiros pelo governo brasileiro, através de programas administrados pela Superin-
tendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e pela Superintendência da
Zona Franca de Manaus (SUFRAMA).
Estes programas não só dão isenção do imposto de renda sobre os empreendi-
mentos agropecuários propriamente ditos, mas tamb6m permitem que as empresas
invistam nas fazendas o dinheiro que, de outra forma, teriam de pagar como impos-
to de renda sobre empreendimentos de outros tipos em outras partes do país (Bun-
ker 1980; Hecht 1985; Mahar 1979; Fearnside 1979b). Empréstimos especiais são
dados a taxas de juros (inclusive a correção monetária) inferiores à inflação brasi-
leira, tornando os juros negativos em termos reais. Os programas de financiamento
criam um motivo adicional para estabelecer fazendas como uma frente para receber
capital subsidiado que, aparentemente, às vezes acaba sendo desviado para ativida-
des mais rentáveis em outros lugares (Mahar 1979). Os subsídios governamentais
totalizam at6 75% do total dos investimentos nas fazendas (Kohlhepp 1980: 71).
Os programas destinados a subsidiar as fazendas aumentaram rapidamente na
dkada de 1970, mas, recentemente, têm parado de crescer. Em 1979, a SUDAM
anunciou que não aprovaria “novos” incentivos na área de “floresta densa” da Ama-
zônia Legal, por6m continuou com os antigos incentivos (os já aprovados) para os
mais de 300 projetos em andamento na região de floresta densa, além da possibilidade
de ‘bnovos” incentivos na grande área oficialmente classificada como floresta de
transição, ao longo do bordo sul da região. A maior parte da área de “floresta de
transição” 6, na realidade, uma interdigitação de floresta densa com a vegetação
do cerrado, ao invés de ser um tipo de vegetação intermediária. Imagens de LAND-
SAT dessa região revelam que os fazendeiros realizam preferencialmente seus des-
matamentos na floresta de alta biomassa (Dicks 1982).
A pecuária subsidiada ainda 6 um importante fator no desmatamento, porém
a crise econômica do país tem reduzido a quantidade de dinheiro disponível para
este fim. Sendo que as restrições são impostas pela falta de verbas, ao invés de se-
rem o resultado de decisões sobre as políticas fundamentais a respeito de pastagens,
o fluxo de verbas aos fazendeiros pode recomeçar, assim que a economia brasileira
se recupere. O então Presidente da República, Jose Sarney, foi recentemente citado
como tendo dito que “nem quis ouvir falar” da possibilidade de sustar os progra-
mas de subsídios à pecuária na Amazônia (Fraude ... 1987).
Muito do desmatamento, tanto pelos grandes como pelos pequenos proprietários,
210
Desmatam“ e desenvolvinienlo agrícola na Aniazditia
está sendo feito seni a ajuda dos programas de subsídio. Mesmo na região que niais
recebeu incentivos para pecuária, ao longo da rodovia Belém-Brasília, durante o
auge do programa da SUDAM, apenas cerca da metade dos desmatamentos gozou
dos incentivos fiscais (Tardin et al. 1978; Fearnside 1979b). A explicação pelo grosso
das pastagens é o papel chave deste uso da terra na especulação imobiliária (Fearn-
side 1979b, 1988a; Hecht 1985; Hecht et al. 1988).
O valor das terras na Amazônia vem aumentando constantemente a uma taxa
superior a da inflação brasileira, assim rendendo retornos vultosos para qualquer
um que consiga manter a posse de um terreno e vendê-lo a outra pessoa. Por exem-
plo, durante a década de 1970, os valores das terras em Mato Grosso estavam au-
mentando a uma taxa anual de 38%, após a correçã0 pela inflação (Mahar 1979:
124). As terras de pastagens da Belém-Brasília, têm superado a inflação da mesma
forma (Hecht 1985). Uma parte da explicação do aumento no valor da terra 6 a ân-
sia por investimentos em imóveis, como forma de abrigo contra a inflação. Esses
desempenham, assim, o papel de uma reserva de valor (parecido com lingotes de ,
AS EMPRESAS AGR~COLAS
As empresas agrícolas são responsáveis por uma pequena porção da área des-
matada, em comparação com as pastagens, porCm esta pode aumentar bastante no
futuro. Planos em grande escala existem para financiar a agricultura mecanizada
e indústrias associadas na área do Grande Carajás (Brasil 1983; Fearnside 1986a;
Hall 1987). Atualmente muito da parte agrícola do programa encontra-se paralisada
2 espera de verba. Em contraste com isto, as partes do Programa Grande Carajás
ligadas à produção de carvão vegetal têm aumentado rapidamente.
A silvicultura
Os planos de silvicultura no Projeto Carajás ilustram uma característica seme-
lhante à da fênix renascendo das cinzas. O plano para usar carvão vegetal, no bene-
ficiamento de minério de ferro, foi originalmente proclamado em 1982 por Nestor
Jost, então Secretário-Executivo do Programa Interministerial Grande Carajás
211
Mus. Para. Eniilio Gocldi: Cok~cloEduardo Gulvdo, 1991
(Fearnside & Rankin 1982). Um plano para 2,4 milhões de hectares de plantações
de Eucalyptus foi anunciado além de um plano para coletar carvão vegetal da flo-
resta nativa junto a fazendeiros, agricultores e até tribos indígenas. O projeto foi
fortemente reduzido no plano de 1983, para o “Programa Grande Carajás - Agríco-
la” (Brasil 1983; Fearnside 1986a). De repente, o plano de carvão vegetal reapare-
ceu numa escala enorme, com uma previsio de demanda de carvão que precisaria
de mais de 70 mil ha de Eucalyptus: quase dez vezes a área das plantações maneja-
das no Projeto Jar¡ (Fearnside 1987b, 1988b,c). O plano cresceu mais ainda, com
uma produção de ferro-gusa esperada totalizando 2,s milhões de toneladas ao ano
(Fonseca 1987: 32), o que corresponde à manutenção de 787 mil ha de Eucalyptus
(um pouco mais que dez vezes a plantação manejada no Projeto Jari) ou ao desmata-
mento de 82 mil ha de floresta nativa ao ano. A produção de ferro-gusa começou
em Açailândia, Maranhão, em O8 de janeiro de 1988, sem um Relatório de Impacto
Sobre o Meio Ambiente (RIMA).
As plantações de silvicultura no Projeto Jari, utilizadas para produzir celulose
nas fábricas da empresa, foram iniciadas pelo armador norte-americano D. K.Lud-
wig, em 1968. Certas condições, tais como as características do local, a personali-
dade do fundador do projeto e as concessões feitas pelo governo brasileiro fazem
com que seja pouco provável que empreendimentos similares venham a se multipli-
car na região (Fearnside & Rankin 1980, 1984, 1985). Ludwig vendeu um interesse
majoritário na propriedade para um consórcio de firmas brasileiras, em 1982, a um
preço que representava uma fração pequena dos custos de implantação do projeto.
O Projeto Jari tem padecido de diversos problemas biológicos, inclusive o fraco cres-
cimento de algumas das primeiras plantações que foram localizadas em solos ina-
propriados, taxas de crescimento médio muito menores do que as esperadas
originalmente e perdas ocasionadas por diversas pragas e doenças (especialmente
o fungo Ceratocustis~nzbriata,na espécie arbórea que é a carta de visita da empre-
sa: Gmelina arborea). O aumento dramático nos preços de celulose que Ludwig
previu para a década de 1980, ainda não aconteceu. Embora uma rendosa mina de
caulim na propriedade tenha permitido que o projeto como um todo pague as suas
despesas operacionais (porkm, não o serviço de sua dívida), o setor de silvicultura
vem perdendo dinheiro: em 1985 a perda foi de US$47 milhões (Fearnside 1988b).
Ainda que alguns dos problemas iniciais do Projeto Jari possam ser atribuídos a de-
cis%s mal informadas por parte do próprio Ludwig, os problemas biológicos que
continuam a ocorrer, e que de maneira nenhuma refletem mal sobre a qualidade
do gerenciamento, indicam que a silvicultura em grande escala na Amazônia t mui-
to mais cara e muito mais difícil do que os planejadores de Carajás podem estar
pensando. Seria ingenuidade imaginar que uma área de plantações dez vezes maior
do que a do Projeto Jari possa funcionar sem grandes dificuldades.
O resultado provável em Carajás é que a produção de carvão vegetal será supri-
da por lenha tirada da floresta nativa, enquanto florestas acessíveis continuarão a
existir. A decisão de implantar as usinas de ferro-gusa, aparentemente tomada sem
qualquer análise sobre os impactos ambientais decorrentes do suprimento de carvão,
212
De.vma/amenro e de.wnvolvinienro agrícob na Anmaznia
pode levar toda a economia, na área afetada, a ser desviada para alimentação destes
empreendimentos, de forma muito parecida com a atraçiio de urn pássaro para ali-
mentar o filhote de um cuco no seu ninho (Fearnside 1987b).
Quando a primeira usina de ferro-gusa começou a funcionar, em 8 de janeiro
de 1988, a empresa (Companhia Siderúrgica Vale do Rio Pindaré) tinha feito um
plano de manejo florestal, visando a produzir a lenha para carvão vegetal no futuro.
No entanto, quando visitei a usina, duas semanas depois, a companhia ainda não
tinha comprado o terreno para a implementaçlo do plano. Fica claro que os planos
de manejo não são suficientementedetalhados para tornar necessário o conhecimen-
to de um terreno específico, tampouco a existência do terreno é pré-requisito para
o cqmeço das operações. O plano de ferro-gusa do Grande Carajás é o mais recen-
te, numa longa strie de desventuras do desenvolvimento na Amazônia, onde proje-
tos têm sido decretados antes de confirmar a sua sustentabilidade e o seu nível de
impacto (Fearnside 1985b).
A produção de álc00l
O Alcool 12um produto que foi considerado de grande potencial para ser desen-
volvido por agroindústrias (Abelson 1975). Os esforços para explorar este poten-
cial têm, at6 agora, encontrado um sucesso variável. O Projeto Açucareiro Abraham
Lincoln (PACAL), iniciado em 1972, na rodovia Transamazdnica, a 90 km a oeste
de Altamira/Pará, vem sofrendo uma longa strie de problemas. Originalmente mon-
tado para a produção de açúcar, hoje, a usina produz apenas álcool (um produto
de valor menor). O local encontra-se numa área que se mostrou, anteriormente, atra-
vCs do zoneamento agrícola, como sendo climaticamente inapropriada para a cana-
de-açúcar (Moraes & Bastos 1972). A cana cultivada neste local tem um baixo teor
de sacarose, o que tem levado parte considerável da safra dos agricultores da área
a ser rejeitada pela usina, assim causando tensões sociais severas. As tensões so-
ciais foram agravadas por erros administrativos, tecnológicos e de relações públi-
cas, por exemplo avisar os agricultores para que cortem sua cana em uma determinada
data, e depois não fornecer o transporte prometido, resultando na perda rápida do
conteúdo de sacarose da cana-de-açúcar. Em diversas ocasiões, os agricultores da
área não foram pagos durante muitos meses após entregar a sua cana à usina. Uma
série de firmas que operaram a usina fracassaram no estabelecimento de um rela-
cionamento operacional com os agricultores, e recorreram à violência para manter
os agricultores sob controle.
Um projeto maior de álcool de cana, com financiamFnto do Banco Mundial, atual-
mente está sendo implantado no Acre pela ALCOBRAS, e a primeira plantação de
5.000 ha, deste plano de 20.000 h?, aproxima-se de sua conclusão. A cana, prove-
niente da propriedade da ALCOBRAS, será suplementada por compras efetuadasjunto
aos agricultores das áreas vizinhas. Problemas sociais surgiram no projeto, como re-
sultado da expulsão da área de SO famílias de seringueiros e pequenos agricultores.
Uma plantação de 5.000 ha de cana, com uma destilaria de álcool, também começou
a produzir, no final de 1988, em Presidente Figueiredo, ao norte de Manaus.
213
O álcool de mandioca produzido na Amazbnia, visto por Abelson (1975) como
uma solução possível para o futuro esgotamento do petróleo fóssil, não provou ser
a panacCia originalmente esperada. A produção de álcool de mandioca revelou-se
mais cara do que a de cana-de-açúcar, em parte devido ao suplemento energdtico
fornecido ao processo pelo bagaço da cana. Na SINOP, ao norte de Mato Grosso,
uma firma agro-química já produziu álcool de mandioca a partir de tubCrculos tanto
cultivados na propriedade da empresa como comprados dos agricultores das ime-
diações. Batata-doce e sorgo tamb6m foram usados. A partir de 1987, a firma dei-
xou de usar mandioca, devido ao custo e 2s incertezas do uso de mão-de-obra
migratória para a colheita dos tubCrculos. A firma atualniente utiliza sorgo, produ-
zido em plantações mecanizadas na propriedade, para a fabricação de álcool para
bebidas: um produto de valor mais alto que o álcool combustível obtido da mandio-
ca ou da batata-doce. A capacidade de absorção dos mercados, no entanto, coloca
limites muito mais severos sobre o álcool para bebidas do que sobre o álcool para
combustíveis.
As culturas perenes
Limitações de mercado restringem severamente as extensões que podem ser plan-
tadas por ,empresas agrícolas. Por ser tão grande, qualquer parte significativa da
região Amazbnica plantada com culturas perenes iria saturar os mercados mundiais.
Os preços da maioria dos produtos já são baixos, do ponto de vista do agricultor;
quando caem niais ainda, este sofre perdas financeiras e opta por outros usos da
terra. O preço do cacau, por exemplo, vem caindo desde seu ponto alto em 1977,
com exceção de um breve aumento após as secas de 19!2/1983, provocadas pelo
fenbmeno EI Niño, que destruiu plantações de cacau na Africa. Uma queda a longo
prazo dos preços do cacau foi prevista por economistas do Banco Mundial, antes
do grande esforço para aumentar a área plantada em Rondônia, que foi implementa-
do no âmbito do projeto POLONOROESTE (International 1981).
Doenças de plantas restringem severamente a converção potencial para cultu-
ras perenes (Fearnside 1980b, 1985a, 1986b, 1989b, s.d.).
O cacau e a seringueira são nativos da Amazônia, e, conseqüentemente, são
suscetíveis de serem atacados por todas as doenças que eles herdaram. A vassoura-
de-bruxa (Crinipellis perniciosa) no cacau e o mal das folhas (Microcyclus ulei),
na Tringueira, já têm efeito devastador sobre as plantações. Estas doenças não existem
na Africa e nem no sudeste da Asia, dando assim uma vantagem comparativa para
as plantações naqueles Lugares. Outras culturas perenes, tais como o cafd, pimenta-
do-reino e dendê sofrem de doenças que os seguiram a partir dos continentes de
onde estas culturas se originaram. O café é atacado pela ferrugem (Helmileiu vasa-
trix), a pimenta-do-reino pela doença de Margarita (Fusariumsolani f. piperi) e o
dendê pela doença viral queima-de-lança, recentemenre chegada. As doenças têm
uma relação infeliz com os mercados, o que reforça o efeito tanto de aumentos quanto
de quedas dos preços. Uma vez que custa muito dinheiro controlar as doenças, os
agricultores ficam menos motivados a arcar com essas despesas quando G preço do
214
produto está baixo, assim deixando a praga se alastrar, o que, por seu turno, enca-
rece ainda mais o controle das doenças.
O desensolvirnento da Várzea
O projeto de arroz irrigado do Projeto Jari foi uma tentativa Única de utilizar
a várzea para a agricultura empresarial. As empresas acionistas do empreendimento
resolveram, em abril de 1988, abandonar a produção de arroz na área. A plantação
contava com 4.150 ha de arroz; os planos originais para aumentar a &ea plantada
ab5 12.700 ha não tinham sido levados à frente (Fearnside 1988b; Fearnside &Ran-
kin 1980, 1984, 1985). A expansão do arroz irrigado em extensks muito maiores,
ou atravts de agricultura empresarial mecanizada, como o Projeto Jar¡ ou atravts
de pequenos agricultores, t tecnicamente possível, porém, parece pouco provável
sob as atuais condições econômicas (Fearnside 1987a).
A criação de bubalinos para a produção de leite, queijo e carne tem aumentado
no Projeto Jari, até utilizar 50.000 ha de campo de várzea. Os grandes criadores,
em outras áreas de várzea do Baixo Amazonas, tal como a Ilha de Marajó, têm ado-
tado este mttodo de exploração da várzea. A criação de búfalos tem sido promovida
pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) nos rios Amazo-
nas e Solimões, no Estado do Amazonas, porém, nestes locais, as extensões utiliza-
das para esta atividade ainda não alcançaram a escala observada no Baixo Amazonas.
A “Estrada da Várzea”, construida em 1988 no Estado do Amazonas, trará com
certeza fluxos migratórios para as áreas inférteis de terra firme, como um efeito
colateral da atividade de construção de estradas, embora a justificação da obra se
baseie no potencial produtivo da várzea, especialmente para bubalinos. A criação
de búfalo por grandes criadores representa um meio de utilização da várzea, que
vem concorrer com as culturas de subsistência e com as fibras plantadas pelos pe-
quenos agricultores que tradicionalmente ocupam esta área. Nem os criadores de
búfalo, nem os pequenos agricultores são “donos” da várzea, já que toda a terra,
ab5 50 m do limite atingido pelas aguas na tpoca de enchente dos rios, pertence à
Marinha Brasileira.
A EXPLORAÇÃO MADEIREIRA
215
Mus. Pam. Ettiílìo Goeldi: Colqdo Eduurdo Galvdo, 1991
de madeira. As árvores amazônicastêm, até agora, resistido aos esforços para agrupar
as especies em um número relativamente pequeno de categorias para fins de benefi-
ciamento e comercializaçiio. Uma outra desvantagem C a cor escura da madeira da
maioria das árvores amazônicas, pm contraste com as cores claras que dominam
nas madeiras de lei do sudeste da Asia. As madeiras de cor clara servem mais facil-
mente como substitutos para espécies de clima temperado, tais como o carvalho e
bordo, na fabricação de móveis na Europa e América do Norte.
A dizimação das florestas tropicais na África está praticamente completa do ponto
de vista comercial, enquanto aquelas do sudeste da Asia estão rapidamente chegan-
do ao fim. As exportações da Amazônia estão, portanto, aumentando. A retirada
de madeira da Amazônia vem ocorrendo atravCs da rápida proliferação de pequenas
serrarias, por exemplo em Mato Grosso, Rondônia, Acre e Roraima. Muitas dessas
serrarias vêm de áreas do Brasil onde a madeira já está chegando ao fim, tais como
Espírito Santo e a rodovia BelCm-Brasilia, no Pará. Um fluxo constante de cami-
nhões, carregando toras ou madeira serrada bruta, pode ser visto entrando em São
Paulo a partir das regiões amazônicas próximas.
A exploração madeireira está tornando-se um fdtor importante nas invasões de
áreas indígenas em Rondônia, Acre e parte ocidental do Amazonas. Estradas para
exploração madeireira funcionam como vias de penetração para posseiros que des-
matam na esperança de assegurar a posse da terra. Imagens de satélite de'RondÔnia
(AVHRR interpretado pelo C. J. Tucker na NASA, Greenbelt, Maryland, EUA)
mostram que as queimadas em 1987 incluem áreas em reservas indígenas, como
a dos Pacaás Novos, Tubarões e Lajes. Vários destes locais são conhecidos como
focos de penetração de madeireiras, tais como as partes da reserva dos Pacaás No-
vos que abastecem serrarias em Ouro Preto do Oeste.
A exploração madeireira na terra firme está rapidamente destruindo os esto-
ques de algumas espCcies mais valiosas, inclusive cerejeira (Amburunu ucreunu) e
mogno. (Swieteniu macrophyllu). Nas florestas inundadas da várzea (que são as pri-
meiras a serem afetadas, devido facilidade de transportar as toras por via aquáti-
ca) espdcies comerciais como a ucuúba (Virolu spp.), estão em franco declínio.
Uma parte da exploração madeireira e do beneficiamento C feita por grandes
empresas, tais como a Georgia Pacific, que detCm uma sCrie de aproximadamente
60 propriedades na área de Portel, Pará (R. W. Bruce, comunicação pessoal 1988),
totalizando 500.000 ha (Cardoso & Muller 1978: 161). A fábrica de lamimados da
companhia, em Portel, produz 150.000 m3 anualmente, e supre aproximadamente
25% do mercado norte-americano para laminados de madeira tropical. Até agora,
a maior parte da madeira está sendo comprada de madeireiras particulares fora das
propriedades da companhia (R. W. Bruce, comunicação pessoal 1988). A maior
parte da exploração madeireira, no entanto, 6 feita pelos milhares de exploradores
brasileiros, relativamente pequenos, e não por grandes multinacionais. Na Amazô-
nia como um todo, pelo menos a metade da atividade madeireira acredita-se que
seja realizada em operações clandestinas, fora do controle dos esforços de cobrança
de impostos realizados pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal -
216
Desnimamenio e descnvolvin,tlenroagrícola na Aniazbia
217
Mus. Para. Edh'o Goeldi: ColccAo Eduardo Galw20. I991
218
que quase todas as terras que ainda pertencem ao domínio público encontram-se na
Amazônia, uma interpretação deste tipo tornaria a “reforma agrária’’ um mero eu-
femismo para a colonização do tipo que deu resultados fracos na Transamazônica
(Pará), em Rondônia e em outros lugares. Colonos dos estados do centro-sul já es-
tão sendo reassentados no âmbito do programa de “reforma agrária” em terras pd-
blicas, em regiöes tais como Presidente Figueiredo, no Estado do Amazonas. Levado
à sua conclusão Ibgica, o uso da Amazônia como válvula de escape para assentar
pessoas sem terra significa um desastre, do ponto de vista tanto do sacrifício da flo-
resta como da implantação de uma forma não sustentável de agricultura em grande
escala. A Amazônia Legal brasileira tem uma área de cinco milhöes de quilômetros
quadrados: se a região inteira (inclusive as reservas e as terras já ocupadas) fosse
dividida igualmente entre os 10 milhöes de famílias sem terra no país, cada uma
iria receber apenas 50 ha (a metade da área dos lotes da rodovia Transamazônica).
A incapacidade da Amazônia para resolver os problemas sociais de outras partes
do país tem que ser reconhecida pelos planejadores.
219
Mus. Para. Eniilio Gbddi: Colc~aoEduardo Gnkdo, 1991
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Evaristo Eduardo de Miranda I
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lites - NMAlEMBRAPA - Rua Dontito D'Otaviano nP 276 - 13065 Campinas.-
223
Mus. Para. Eniílio Goelcl: Colc@o Edunrdo Gdv&o, 1991
224
A~nliap?odo inipacro anibicntal da colonizup?o eni Jlorcsra aniazdnica
225
Mus. Para. Eniilio Gocldi: Colrcdo Edrurrdo Grrlr~do,1991
maximização do produto numa ótica de curto prazo. Assim esse modelo de desen-
volvimento rural não se coloca como exigência à preservação do potencial produti-
vo das terras, dos equipamentos e, tragicamente, do próprio agricultor.
A essas dificuldades deve ser agregada uma outra, ligada ao peso dos fatores
exógenos no desenvolvimento da agricultura de Rondônia, completamente fora do
controle e mesmo de uma eventual pressão dos interessados locais.
Esse quadro, já analisado com muito mais detalhe em outros trabalhos, coloca
a necessidade de chegar-se a uma visão circunstanciada da realidade atual nas áreas
de assentamento e colonização e de sua dinamica interna. Urge definir os parâme-
tros prioritários para um gerenciamento desse processo, já que se trata de uma rea-
lidade instaurada e irreversível, no que pese toda e qualquer catilinLia a esse respeito.
Mas se isso é tarefa de todos, a pesquisa agropecuária, dentro do seu campo, pode
aportar alguns instrumentos de análise e monitoramento de alto interesse, principal- '
mente para os órgãos de planejamento e desenvolvimento rural (Miranda et al. 1986).
Apoiada em instrumentos modernos como as imagens de satélite e os recursos da
informática, a pesquisa agropecuária tem desenvolvido métodos e modelos para quan-
tificar e qualificar a curto prazo e a baixo custo os problemas tecnológicos, ecológi-
cos e sócio-econômicos enfrentados pelos agricultores em locais determinados do
país, com um detalhamento de nível municipal e mesmo intramunicipal.
Ao acompanhar as experiências já consolidadas pela EMBRAPA em outras re-
giões do país (Miranda 1984), a UEPAE de Porto Velho decidiu testar, em colabo-
ração com o CNPDA, um novo enfoque de trabalho, complementar ao tradicional
(Trajano 1987). Busca-se conciliar produção e proteçã0 na propriedade rural, ga-
rantindo a renda do agricultor e a perenidade dos seus recursos naturais (Manera
1986). Esse enfoque parte da necessidade de conhecer-se a realidade concreta dos
agricultores e os problemas que limitam sua produção e produtividade, antes de se
pensar em recomendações ticnicas definidas a priori (Contag 1985). Mesmo as re-
comendações técnicas devem ser avaliadas quanto a sua pertinência sócio-econômica
e seu impacto ecológico. Realizado na perspectiva de uma intervençä0 mais direta
dos programas de pesquisa no desenvolvimento rural, esse diagnóstico deve ser exe-
cutado em tempo relativamente curto para ser operacional. Mas deve, também, ser
suficientemente detalhado para poder servir de base para um plano de ação.
Para realizar essa pesquisa elegeu-se como área piloto a do Projeto Machadi-
nho, entre os municípios de Ariquemes e Jaru. Esse Projeto, dirigido pelo INCRA,
foi .criado recentemente dentro de uma nova Ótica de assentamento e colonização,
onde os estudos (Wittern & Conceição 1982) e os investimentos, antes da implanta-
ção dos agricultores, são bem maiores (Banco Mundial 1983). A preocupação da
experiência piloto nesse sentido era dupla: testar e desenvolver métodos de avalia-
ção dos sistemas de produção em uso pelos agricultores numa região tropical úmida
de fronteira e, ao fazê-lo, caracterizar a situaçä0 atual do Projeto Machadinho, seu
impacto agroecológico e sócio-econômico.
Qual a taxa de implantação e de ocupação efetiva dos lotes nas diferentes glebas
226
do Projeto? Quem é o colono que está desenvolvendo a agricultura, hoje, no Projeto
Machadinho? De que recursos efetivamente dispõe? O que viabilizou de fato esse
acesso b terra? Qual o futuro possível para quem ganhou um pedaço de terra em
pleno coração da floresta amazônica? Qual o desempenho dos sistemas de produção
em uso elou propostos pela pesquisalextensão? Que principais problemas enfren-
tam? Qual a eficácia das instituições do Estado, sobretudo as de fomento, pesquisa
e extensão rural, diante das demandas existentes? Quais os resultados reais do pla-
nejamento estatal imagidrio, de quem planeja o que não executa e avalia o que não
faz? Como detectar e caracterizar esses problemas? Essa caracterização, ao permi-
tir um marco quase que inicial sobre a situação do Projeto hoje, deveria viabilizar
a detecção precoce de problemas e ajudar na aplicação eficaz de medidas corretivas
e saneadoras em benefício dos agricultores.
A aplicação desses métodos, no caso do Projeto Machadinho, revelou realida- .
des inesperadas e quantificou fenômenos conhecidos somente a nível qualitativo,
o que impedia toda hierarquização e prioritização. A possibilidade de generalização
dos métodos empregados será discutida também, no final deste documento. Os pro-
blemas detectados podem e devem ser superados. O desenvolvimento da agTicultura
em Rondônia deveria ser sinônimo de desenvolvimento dos agricultores. E devido
a essa perspectiva de progresso que os homens deixam suas origens, seus laços
familiares e até parte de sua cultura e história na aventura de Rondônia. Tudo indica
que esse processo deve continuar, já que, com a atual estrutura agrária brasileira,
a terra do mito e o mito da terra continuarlo a caminhar juntos no imaginário dos
agricultores pobres (Gomes 1987).
227
Mus. Poro. Eniílio Goeldi: ColcpTo Fduurdo Golmio, 1991
pretendia, também, difundir e testar, nas condições especificas daquela região, no-
vos procedimentos e métodos inéditos de investigação. Espera-se que eles permi-
tam solucionar - dentro da grande problemática existente - alguns problemas
concretos, ligados à caracterização técnica dos projetos e à avaliação das propostas
e das instituições participantes, principalmente no tocante à tecnologia agrícola e
seu impacto ambiental.
3. CARACTERTZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
O projeto de assentamento do TNCRA em Machadinho encontra-se localizado
entre os municípios de Ariquemes e Jaru, distanciados aproximadamente 400 km
da capital Porto Velho, entre as coordenadas geogrgficas 6 I .47’ e 63.00’ de longi-
tude WGR e 9.19’ e 10.00’ de latitude Sul (Figura I).
. Segundo a classificação de Koppen, o tipo climático da região C AM com chu-
vas do tipo monção. Ele caracteriza-se por uma estação chuvosa que vai de dezem-
bro a março, com precipitações anuais em torno de 2.000 mm, e uma estação seca
bem definida nos meses de junho, julho e agosto. A temperatura média anual fica
em torno de 24.C e a umidade relativa entre 80 e 85%.
Na área do Projeto foram identificados e mapeados os seguintes solos: Latosso-
lo Vermelho-Escuro distrófico, Latossolo Vermelho-Amarelo álico, Latossolo
Vermelho-Amarelo álico podzólico, Terra Roxa Estruturada distrófica, Podzólico
Vermelho-Escuro distrbfico, Podzólico Vermelho-Amarelo álico, Podzólico
Vermelho-Amarelo álico endoconcrecionárioplíntico, Cambissolo álico, Glei Pou-
co Húmico álico e distrófico, Solos Aluviais álicos e Solos Litólicos distróficos,
além de áreas onde Ocorrem significativamente Afloramentos Rochosos.
‘A área total do projeto é de cerca de 209.000 hectares, com’2.934 lotes para
colonos divididos em 4 glebas assim distribuídas: gleba O1 com 48.000 ha e 602
lotes; gleba 02 com 71 .O00 ha e 1.140 lotes; gleba 03 com 49.000 ha e 622 lotes
e gleba 06 com 40.000 ha e 570 lotes. Ainda no projeto existe um núcleo urbano
principal (2.000 ha), um aeroporto (59ha), 10 núcleos urbanos secundários (953 ha)
e 17 reservas florestais (68.000 ha).
1
Existem, atualmente no núcleo urbano principal, 2.000 famílias, dotadas de infra-
estrutura bgsica, com uma escola de primeiro grau, um hospital, uma agência ban-
cária, um posto da SUCAM, uma seção do INCRA e um Centro Técnico onde fun-
ciona a administração geral de apoio (EMATER-RO, SEAGRI, SETRAPS,
SEPLAN, etc). O comércio local possui supermercados, farmácias, serrarias, pos-
to de combustível e uma peixaria abastecida pelo rio Machadinho, afluente do rio
Ji-Paraná.
4. MÉTODOS E PROCEDIMENTOS UTILIZADOS
4.1. Obtenção dos dados
228
Awlia@o do impacro ambienla1 da colonizacdo e m floresla amazbniea
IO 40 ao
om IOOLn
229
Mus. Para, Eniílio Goeldi: Colrcao Eduardo Galvdo, 1991
PERCENTUAL DA
GLEBA ESTIMATIVA TOTAL DOS AMOSTRA
DA POPULAÇAO LOTES EM RELAÇAO AO TOTAL
DE LOTES AMOSTRADOS ESTIMADO DE LOTES
OCUPADOS OCUPADOS
322 125 38,8
563 228 40,s
47 47 100,oo
38 38 100,oo
230
Avaliapio do iniparro ainhienlal du coloniin& em Jloresia anmaidnica
A ficha continha na parte final somente duas questões em aberto onde os agri-
cultores indicavam seus maiores problemas para viabilizar a produção e suas prin-
cipais necessidades para desenvolver a propriedade rural. A aplicação das fichas
de levantamento ao nível dos lotes foi realizada pela UEPAE de Porto Velho e o
CNPDA entre a última semana de novembro e a primeira de dezembro de 1986,
e contou com a colaboração e o apoio logístico da EMATER e do INCRA. Uma
primeira tabulação e checagem dos dados foi realizada ainda en1 Rondônia.
Com uma média de idade de 39 anos, os 438 colonos pesquisados siio oriundos
em sua maior parte de estados das regiões Sudeste (44,5%), Sul (26%) e Nordeste
(21,9%). Desses agricultores 70,5% vieram da região Sul-Sudeste e quase nenhum
da própria Amazônia. A grande maioria desses homens (84%) vieram para Rondô-
nia após 1977, dentro do grande movimento migratório já evocado. Apesar da cria-
çäo recente do Projeto, 28% dos entrevistados declararam ser o segundo ocupante
do lote que exploram. Somente cerca de 32% desses agricultores eram proprietli-
rios antes de se deslocarem para o Projeto, os outros 68% eram, na sua maioria,
meeiros, arrendatários ou trabalhadores sem terra. Esse terço dos colonos, antigos
pequenos proprietários, que deixaram suas propriedades pelo Projeto Machadinho
ilustra a um tempo a força dessa terra do mito que é Rondônia, e as dificuldades
vividas pelos pequenos agricultores no Brasil, mesmo se proprietários. Dos 2934
lotes atribuídos somente 33% estavam ocupados!
Após sua chegada ao Projeto, 90,4 % dos colonos contraíram doenças ou mani-
festaram problemas importantes de saúde. Isso os levou a perder uma média de 55
dias de trabalho, parados devido a enfermidades, problema enfrentado
231
Mus. Para. Emilio Gocldi: Cole@o Eductrdo Gnhul~,1991
232
5.2 - Dos recursos de que dispõe
Em Machadinho a abundlncia dos problemas contrasta com a pobreza dos re-
cursos. Cada agricultor dispõe de um lote cuja área mtdia t de 46,5 ha, do qual
cultivam atualmente cerca de 6,5 ha. Cálculos realizados a partir da totalização das
áreas levantadas no campo pela amostragem permitem uma avaliação da seguinte
ordem: 44.927ha de superfície ocupada em termos fundiários, da qual 6.352 ha es-
tavam sendo cultivados em dezembro de 1986. A área cultivada por lote t muito
variável, podendo ir de O a 26,6 ha. Essa variabilidade 6 ainda maior nas superfícies
destinadas a pastagens, da ordem de 300%, flutuando entre O e 32 ha, para uma
média de 1 ha. No total do projeto estas ocupavam em dezembro de 1986 cerca
de 1.030 ha.
A parte do projeto e dos lotes ocupada pela floresta ainda é elevada, cerca de
37 ha em cada propriedade. Apesar das culturas e pastagens apresentarem ainda
uma pequena parte da área total, os agricultores instalados já haviam desmatado até
o final de 1986 cerca de 7.380 ha. Freqüentemente evoca-se esse desmatamento co-
mo uma possível e oportuna fonte de renda para os agricultores, em geral descapita-
lizados, que se estão instalando. Ora impressiona constatar que 87%dos agricultores
declararam não ter vendido ou usado a madeira obtida com as derrubadas. Pior ain-
da, 74% declararam tê-la queimado na medida do possível.
No tocante i s instalações permanentes, a situação dos colonos espelha a pouca
idade do Projeto. Cerca de 99% vivem em casas de madeira (64,8%) ou de pau-
roliço (30,s %), nlo possuem energia elétrica e obGm água para uso doméstico através
de poços (50,7%) ou aguadas (40,s %). Apesar das condições climáticas agressivas
e desfavoráveis à conservação de insumos, equipamentos e produtos, somente 4,6%
possuem um galpão ou construção equivalente. No que pese aos plantios de café,
cacau, legumes e cereais, ninguém possui qualquer tipo de secador e somente 1,S %,
um terreiro para beneficiamento da produção. Mais de 65% dos agricultores plan-
tam mandioca mas somente 0,6% possui meios para beneficiar a produção em fari-
nhas, ilustrando esse quadro de descapitalização generalizada dos colonos.
Esse quadro de descapitalização se reflete tambtm nos equipamentos disponí-
veis. Com exceção da plantadeira manual, a “matraca”, presente em 88,6% dos
lotes, da moto-serra (43,6%) e do pulverizador costal (13,7%), os outros equipa-
mentos são praticamente inexistentes. Os agricultores dispõem apenas de enxadas,
machados, facões e foices. Mas contrastam com essa situação os investimentos re-
lativamente elevados, nesse contexto, com os meios de transporte, o que denotaria
a importância dessa função no momento atual do Projeto. Dos agricultores pesqui-
sados 60,3% possuem uma bicicleta, 1,4% uma motocicleta, 2,5% uma carroça e
7,3% um veículo a motor. Seis agricultores possuem um trator (1,4%) e prestam
alguns serviços a outros colonos. Mas se esses dados completam uma visão dos re-
cursos sócio-econômicos próprios dos agricultores, cabe ainda considerar os recur-
sos externos, ligados ao Projeto e que serão analisados a seguir.
233
Mus. Para. Eniilio Gocldi: Colcqdo Eduardo Gí~lrrlo,1991
6 . O MITO DA TERRA
234
Avaliaçda do inipaeto antbicntal du coloniznçdo eni floresla antazdirica
como o indice de doenças endêniicas, que atingiu mais de 90% dos recém-chegados,
deixando-os ¡nativos por 55 diadano, em média. Numa agricultura totalmente ma-
nual (como mostram os dados) onde as famílias não possuem mais do que 2 ou 3
ativos agrícolas, dois meses de paralisação por enfermidade representam um peso
enorme no início da implantação de un1 lote. Ainda assim, ao contrário do que se
assiste por vezes junto a pequenos agricultores - desanimados pelas dificuldades
que enfrentam para manter suas famílias e atividades produtivas - os colonos do
projeto apostam decididamente no seu sucesso. Praticamete 1/3 dos que ali estão
era proprietário antes de vir para Rondônia e sua decisão C um motor potente para
suportar as adversidades atuais. A impressão deixada pelas entrevistas, e confirma-
da pelo tratamento numérico dos dados, C a de que estes colonos parecem estar vi-
vendo um processo de gênese e apocalipse a um sÓ tempo.
A ruptura com as tradições de origem, com os laços familiares, o processo de
migração, o batismo das endemias tropicais, as condições ecológicas da região equa-
torial e outros aspectos a priori desestruturadores parecem confirmá-los em sua con-
fiança no futuro. Muitos tomaram consciência de que o problema número um não
C mais a terra. Todos reclamam da falta de recursos para financiar a compra de equi-
pamentos e insumos. O exame rápido dos sistemas de produção indica que adota-
ram uma estratégia de minimizaçã0 dos riscos através de uma enorme multiplicidade
de pequenos investimentos, tanto na produção animal como na vegetal. O uso de
tecnologias modernas, como calagem, fertilizantes minerais, sementes de qualida-
de, defensivos agrícolas, etc - no que pese aos problemas de fertilidade do solo
e de defesa fitossanitária ali existentes - ainda está limitado a menos de 3 % dos
agricultores.
TambCm sobressai, nesta primeira análise dos sistemas de cultivo e criação,
a baixa produtividade observada em 97% dos casos, a condição de vida próxima
da miséria absoluta e uma capacidade de capitalização a partir da atividade agrícola
próxima do zero. O isolamento geográfico do projeto e do Estado de Rondônia, a
distância existente at6 os mercados consumidores e a política atual de preços agríco-
las convergem para a importância, como alternativa de lucro, das culturas de alto
valor agregado e boa densidade econômica. Dois bons e preocupantes exemplos
seriam a pimenta-do-reino, plantada por um agricultor somente, e o guarani, culti-
vado em 4% dos lotes. Ainda representam boas alternativas pouco exploradas as
culturas que podem ser transformadas na propriedade e estocadasgor um longo pe-
ríodo, como a borracha, que ~618% dos colonos arriscam plantar em campos mo-
destos. Por que a presença dessas culturas a nível do projeto ainda é insignificante?
Cabe a pergunta! Como seria talvez pertinente preocupar-se desde já com a inexis-
tência de terreiros para a secagem de griíos e mesmo de secadores ou estruturas aná-
logas, quando metade dos agricultores cultiva o café e a maior parte deles planta
cereais e leguminosas, além da impordncia crescente do cacau, presente em 20%
dos lotes. Em breve essas culturas perenes entrarão em produção exigindo condi-
ções minimas de secagem e beneficiamento, ora inexistentes. Esses poucos exem-
plos ilustram a impordncia do perfil agro-econômico dos colonos para a detecção
precoce dos problemas existentes. Uma maior integraçã0 entre a pesquisa agropecukia,
235
Mus. Para. Emilio Gocldi: Cohqdo Eduardo G?ihdo, 1991
236
Aialiaqdo do inpacro anibienral da cobiizn~Uoenr Jloresra aniazdnica
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238
NUEVAS VIAS DE ESCAPE DE LA CRISIS
DEL BARBECHO: UN ESTUDIO DE CASO DE
COLONIZACIóN EN RIO BAJO, BOLíVIA
Fidel Hoyos 1
Penny Davìes 2
Graham Thiele 2
RESUMEN - 60% de la superfln‘etotal de Bolivia esta coilfonnadapor regioires
amazhicas. En Ia clkada del 50 se enipezd una colonizacidir nmsiva de losllanos
tropicales de Santa Cruz por parte de la poblacidii del altiplaiio. La coloiiìzacidii
se efectud eri varias fonnas, seini-orientada y espontdriea,y aseritainieiitos eii
“iiucleos” o “parcelas dc teclado”. El colono actualinente cultiva arroz hajo
un sistema de corte y qrrenia; al agotarse la selva virgen en su parcela, enpieza
cortar y quemar la vegefacidiisecundaria o el “barbecho”. La reritabilidad de
este sistema va lmjarido debido a mayores gastos de deshierbefrente a menores
rendimieirtos. Cuando el barbecho es sustituido por vegetaci6w graininéa, el
agricultor vende o ahridoria su parcela, desplazdridosepor la fioiitera mdvil
agricola. EI Centro de bivestigacidii Agrícola Tropical (CIAr ) del departametito
de Santa Cruz, esta iii vestigaiido bajo un erlfoque de sistemas agropecuarios
(ISA)eri nuevas vías (le escape de la “crisis de barbecho”. Por ejemplo, un
diagnosticordpido ni14ltiili.~c~~liiiario
de la zona de Rio Bajo ideiitijcd 5 difrerttes
dominios de recoincridacidri (DOR),de los cuales algunos productorespequerios
de arroz habiari podido diversijcar sus actividades hacia sistemas mirtos de
lechería, ganadería, baiiaiio y la hoja de coca. Adenuts de estas teniologías
probadas por los cainpcsiiios, el CIAT ahora esta investigando en la cría de
ganado pequeiïo, y sistemas agroforestalescon cultitas anual/jweniies asociados
con arboles de niuhi-uso.
PALABRAS-CLAVES: Bolivia, Colonización, Sistcmas dc Producci611,
Invcstigaci6n Agropccuria, Divcrsificaci6n
RESUMO - 60% da supeflcie total da Bolívia pertence d Bacia Amazbiiica.
Durante os anos ciiiqiienta teve início u m processo maciço de colonizaçdo das
plariícies tropicais da regiao de Santa Cruz pelas populaçdes do altiplano. Essa
Programa dc Socio Economia Rural, Ccntro dc Investigaci6n Agrícola Tropical (CIAT) - cl instituto
dcpartamcntal dc invcstigaci6n agropccuaria dc Santa Cruz dc la Sicrra, Bollvia.
Programa dc Socio Economia Rural, Misi611Britanica cn Agricultura Tropical (MBAT) ayuda t&nica
dc la Administraci6n del Dcsarrollo cn cl Ultramar (ODA), Rcino Unido.
239
Mus. Para. Eniílio Goeldi: CokeciIo Eduardo Gulr.do, I991
240
Vias de escape de la crisis del barbecho: un estudiode cato. &nia Cruz. Bolivia
1INTRODUCCION
I . I. EI Creciniierito Ecoriómico del Departamento de Santa Cm7
241
Mus. Para. Emilio Goeldi: ColeCno Eduardo Galrdo, 1991
242
Vias de escope de lo crisis &I barbecho: un e s i d o de caso, Sanla Cruz, Bolivia
243
Mus. Para. Entílio Goricl¡: Coiepcdo Eduurdo Gíilvdo, I991
2. AGRICULTURA MIGRATORIA
2.1. El Sistema de Corte y Quenia
244
Has de escape de la crisisdel bnrbecho: un esiudio de caso, Sanra Gui. Bolivia
245
Está ubicada al pie de las colinas que preceden los valles mesotérmicos, por
lo tanto presenta una topografía accidentada. Los suelos generalmente son livianos
con buen drenaje. Estas características de alta precipitación, con topografía acci-
dentada y suelos livianos hacen el terreno susceptible a la erosión y han influído
tanto en el desarrollo de los sistemas agropecuarios como en los tipos de investiga-
ción que el CIAT ha programado en el área para combatir el problema de erosión.
Hasta fines de la década del 50 la zona era accesible por una senda, por su ais-
lamiento era habitada por indígenas que Vivian de la caza y unos cuantos campesi-
nos que llegaron durante un primer intento de colonización en la década del 30.
EI ejército inició obras de colonización a fines de la década del 50, mejorando
la senda que atravieza el área, y desmontando una faja de 20 metros de ancho a
cada lado de la senda para ayudar a los primeros colonos en el establecimiento de
sus cultivos de subsistencia (plátano, yuca y maíz). Los primeros colonos naciona-
les empezaron a llegar en 1961 espontáneamente. El ejército organizó la parcela-
ción de la tierra dando 30 ha a cada colono. AI principio los colonos no recibían
ningún otro apoyo, sin embargo, el pavimento de la carretera Rio Bajo, y la possibi-
lidad de trabajar en las fincas de una colonia japonesa cercana, estimuló su llegada
con tal resultado que el número de colonos nacionales llegó a 170 en 1962.
EI año siguiente se potenció el proyecto con un gran programa rural de coloni-
zación financiado por el BID y supervisado por el Instituto Nacional de Coloniza-
ción. En su tiempo era uno de los programas más ambiciosos de América Latina.
En total se logró el asentamiento de cerca a 2.000 famílias en el área, usando la
forma de parcelas en teclas. Tal vez el componente más importante del proyecto
era la construcción de un puente sobre el Rio Bajo permitiendo por primera vez
la entrada de camiones al área. También se construyó caminos y puentes dentro de
la colonia, se perforaron pozos de agua y se construyeron escuelas y postas sanita-
rias. Se hizo un estudio del uso de la tierra, designando las partes más accidentadas
como reservas forestales para evitar serios problemas de erosión, además definien-
do “barreras verdes” entre las fajas de parcelas. Sin embargo, se sobreestimó la
calidad de los suelos y su capacidad a soportar cultivos anuales.
Después de algunos años se dieron cuenta que el tamaño original de la parcela
no era adecuado y se otorgaron reintegros de tierra dentro de la colonia producien-
do el padrón típico de tener tierras en dos lugares.
A pesar de los planes para introducir modelos básicos en la cria intensiva de
ganado, en la práctica el sistema agropecuário que resultó después de diez años de
colonización era baseado en el arroz tal como en zonas espontáneas de coloniza-
ción. Los planes de controlar el uso de la tierra también no resultó, en las áreas
designadas como reservas forestales se asentaron sindicatos espontáneamente, a pe-
sar de los problemas de erosión que se presentaron.
246
Viasde escape de la crisis del barbecho:un esrudio de caso, Snnra Cruz., BoliviO
247
Mulus. Pam. Eniílio Goclli: Cokp7o Eduurdo Grrlvdo, I991
248
Viar de escape de la crisisdel barbecho: un estudio de coso, Santa Cnu. Bolivia
249
dado lugar a esta especialización. Algunos de los colonos de este DOR han podido
capitalizarse, estableciendo pastura y alambrado, con la producción propia de la ho-
ja de coca, aunque actualmente la coca es de menor importancia como actividad
comercial de la finca que en otros domínios. Por el tamaño de la parcela y el tiempo
libre que la lechería deja al colono, algunos productores alquilan o poseen tierras
en arado en otras zonas de colonización donde los rendimientos de arroz son toda-
via mayores.
Todos los productores de pequeñas y medianas superficies de plátano (DOR
5) se encuentran en el sub-area E donde el suelo es limoso y bañado por el rio. Es
el Único lugar donde el plátano rinde bien. EI camino en mal estado es el principal
cuello de botella. Pese a las dificultades de comercialización, los ingresos genera-
dos permiten al productor satisfacer los requerimientos de subsistencia familiar y
en lugares en que el productor tiene la suerte de ser favorecido con una buena via
de acceso, es frecuente que tenga vivienda en el centro urbano más cercano. Tal
vez es el Único rubro actual que ofrezca iguales ventajas que la coca; el plátano dá
mayor retorno al jornal que la coca. Sin embargo, los factores suelo y acceso vial
restringen la expansión, y el margen bruto por hectárea de plátano es US$ 152mien-
tras de la coca es US$ 216. (Tabla 4).
Tabla 4 - Margcn Bruto por hcctarca y por Jornal: Coca, Arroz, Platano. (US$ 1987)
250
Has de escape de [o crisisdel barbecho: un estudio de caso,Sama Cruz.Bolívia
25 I
Mus. Para. Emilio Gwldi: Cnlec&oFAuardo Grrl~To,I991
3 años o mas) siendo ideal para los colonos sin acceso al crddito, para que pueden
capitalizarse y entrar a la ganadería como un resultado del ahorro que el cultivo
de la coca les da.
El sondeo en Río Bajo mostró que los sistemas agropecuarios en cada zona’de
colonización tienen sus propias características y dinámica. En la zona de coloniza-
ción se precisa m8s análisis en la identificación de sub-áreas, cuellos de botella y
dominios de recomendación para poder planificar y orientar investigación dirigidas
más hacia las necesidades de diferentes regiones.
Como recomendaciones específicas que salieron del sondeo para investigacidn
en Río Bajo se concluyó que el arroz seguirá siendo un cultivo importante para el
consumo pero con la tendencia a disminuir en importancia como cultivo comercial.
Para el arroz y otros cultivos anuales se deberla tratar de mejorar o reemplazar el
barbecho de bosque con la introducción de rotación de cultivos anuales con cobertu-
ra de leguminosas (Ej: Kudzu), o el intercultivo de cultivos anuales con árboles le-
guminosos, pensando en sistemas apropiados para las laderas. Además se debería
probar sistemas sostenibles de arroz y maíz intercultivo con cultivos perennes (Ej:
Cafd, Macadamia, CayÚ, etc) y arbóreos de múltiple propósito (Ej: frutales, som-
bra, combustible, rompe-vientos, forraje, setos vivos, etc).
Aunque es casi imposible buscar cultivos que compiten directamente com la
coca, el agricultor está interesado en diversificar su producción. CIAT está aprove-
chando este inter& en diversificar para investigar tambidn otras vías de escape de
la “crisis de barbecho”, por ejemplo, el establecimiento de pastos y la cría de gana-
do pequeño (ovino, porcino) por lo cual el agricultor puede autocapitalizarse y criar
ganado mayor; el mejoramiento del barbecho, estableciendo dentro del barbecho
cultivos arbóreos de múltiples usos (ramoneo, frutas, leña, postes, madera, etc);
la implementación de sistemas de cultivo contínuo durante años sucesivos (verano
e invierno).
Es cierto que algunas de estas vías para ser adoptadas por los colonos necesita-
rían un apoyo en t6rminos de asistencia t6cnica, plantines y crkdito para su estable-
cimiento. Tal aspecto tendrá implicaciones para el CIAT como una institución de
investigaci6n, es decir: i Como podría esta institución mejorar sus vínculos y coor-
dinación con otras instituciones trabajando a nivel del campesino en los aspectos
de crddito, extensión y comercialización?
REFERBNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BOJANIC, Alan. 1988. Tenencia y uso de la tierra en Sanfa Cruz. (Cedla incidentcle Publicatier, 4).
ESTIMACIdN de la poblaci6n del Departamento de Santa Cruz por Provincias, Canton y localidad.
1988. La Paz, Cordecruz.
252
Bas de escqpe de la crisis del barbecho: un esludio de caso, Sanul Cruz. Bollvia
253
Mus. Pam. Entilio Goeldi: Colrcdo Eduardo Galrdo, 1991
ANEXO 1.
ZONAS AGRO-ECOLOGICAS DEL DEPARTAMENTO DE SANTA CRUZ
1. Zona Ccntral 1100 mm Suclos livianos a pesa-. Caña azucarcra; cultivos anuales
o Integrada dos Drcnajc impcrfccto. mecanizados, cngordc de ganado
Vegctacidn dcsboscada y Icchcrfid. Granjas de escala pe-
qucña a mcdiana. Poblacidn lo-
cal, nacional y extranjera.
3. Escudo Prc- 1100 mm SUCIOS antiguos, mcta- Ganadcria bovina cxtcnsiva cntrc-
CBmbrico mdrficos, bosque dc ca- mezcladas con agricultura de cor-
ducifolia y pastos natu- te y qucma en pcqucña cscala, prac-
rales ticada por grupos indlgcnas tro-
picalcs.
Fuente: propia
254
Was de escape de la crisisdel barkrho: un estudìo de caso, Sonta Cnu,Bolívia
ANEXO 2
I. INGRESOS
Rendimientoihalaiío Paq. 50 Lb 12.20 80 976.00
(4 cosechas) de hoja seca
255
Mus. Para. Eniilio Goeldi: Colqdo Eiluurdo Gahtlo, I991
ANEXO 3
I.INGRESOS
Rendimiento * * Fanega 20.00 10 200.ooO 200.000
II. COSTOS VARIABLES
Mano de Obra:
- Prep. de terreno Jornal 3.90 15 58.50 27.30*
- Siembra manual Jornal 3.90 4 15.60
- Aplic. herbicidas Jornal 3.90 2 7.80
- Carpida IXUIWdl Jornal 3.90 10 39.00 19.50*
- Aplic. insecticida Jornal 3.90 1 3.90
- Cosecha y Postcosecha Jornal 3.90 24 93.60 93.60*
--__
56 218.40 140.40
Insumos:
- Semilla kg 0.50 40 20.00
- Torddn 2t 1.o0 9 9.00
- Nuvacron 2t 1.o0 9.5 9.50
- Transporte y trilla-
do por fanega fanega 4.00 10 4.00
--_-_-__
TOTAL COSTO VARIABLE 260.40
III. A. MARGEN BRUTOlHA -60.40
MARGEN BRUTOlJORNAL -1.08
B. MARGEN BRUTOlHA +17.60
MARGEN BRUTOlJORNAL t 0.49
256
PARTE IV
259
Mus. Pflm. Eniilio Gncldi: ColrcnO Ediiflrdo Grrlvno, I991
Para maiorcs esclarccimcntos sobre as rclaçöcs cntrc cstcs scgmcntos camponcscs c os cmprccndimcn-
tos agropccuários na frontcira, Icia-sc Estcrci (1987).
As rclaçöcs cntrc o sistcma rcprcssor da força dc trabalho c o dcscnvolvimcnto de uma vcrtcntc autori-
tiria do capitalismo na frontcira silo analisadas cm Vclho (1976).
260
Semelhante representação oficial e as práticas administrativas e operacionais
dela derivadas, a despeito de condicionarem o ritmo da intervençãogovernamental,
não se apresentam, todavia, segundo uma regularidade. Conhecem variações entre
1964, quando foi promulgado o Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30 de novembro
de 1964), e 1989, ditadas principalmente pelo grau de mobilização dos campone-
ses, pela reconhecida incapacidade dos Órgãos fundiarios e dos interesses latifun-
diários em assimilar as pressões e demandas geradas por esta mobilização e,
sobretudo, pelas oscilações da prolongada “transição democrática”, que a partir
do tkrmino formal do regime militar, em 15 de março de 1985, instituiu um Plano
Nacional de Reforma Agrária (Dec. n? 91.766 de 10 de outubro de 1985) o qual,
passado o impeto reformista inicial, logo veio a se tomar incicuo.
O surgimento de movimentos sociais no meio rural fora dos marcos tradicio-
nais do controle clientelistico, reivindicando desde 1973 uma execução “ampla e
maciça da reforma agraria”, desorganiza, em certa medida, regras daquela domi-
nação imposta como “natural”. Reconhecendo as mobilizações e o acirramento dos
conflitos agrarios na região Amazônica, a Confederação Nacional dos Trabalhado-
res na Agricultura procede, ainda na ditadura do General Garrastazu Mkdici, B dis-
tinção entre “reforma agraria” e “colonização”, criticando as transfertbcias e
remoções compulsórias de camponeses para “áreas distintas das que habitam” e
reivindicando reforma agrária com a fixação deles nos locais em que t2m morada
...
habitual e cultivam (Congresso 1973: 132) 4. Em maio de 1974 a CONTAG en-
trega um memorial ao General E. Geisel exigindo uma “reforma agrária ampla e
imediata” com a participação direta dos interessados 5 e concomitantemente pro-
cura expandir o sindicalismo na Amazônia.
Numa direçã0 similar as Igrejas da Amazônia Legal reunidas em Goiânia, em
junho de 1975, preocupadas com a disseminação dos conflitos, decidem, com o apoio
da Conferência Nacional dos Bispos, intensificar sua mediação, criando uma “Co-
missão de Terras” com o propósito de “interligar, assessorar e dinamizar” as ati-
vidades de apoio aos movimentos sociais no campo. Foi criada, assim, a Comissão
Pastoral da Terra (CPT) numa imensa região onde a estrutura sindical se revelava
bastante fragil e em condições muito precarias para atender, sobretudo, o segmento
mais expressivo do campesinato na fronteira: os posseiros (Comissão 1983).
As mobilizaçõescamponesas, transcendendo as medidas usuais de controle, lo-
gram, de certo modo, uma reordenação das praticas de latifundiários e de “moder-
nos pecuaristas”, bem como uma revisão de procedimentos administrativos da
burocracia dos Órgãos fundiarios oficiais.
Seringalistas do Acre e do Amazonas, donos de castanhais do Sul do Pará, pe-
cuaristas das ribeiras fdrteis do Baixo Amazonas, da nha de Marajó e da Baixada
Maranhense, madeireiros, mineradores e grupos econômicos do Centro-Sul do país,
Cf. Anais do II Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais. Brasflia, CONTAG, 1973.
Para exp1icaqk.s mais detalhadas consulte-se o Memorial. 1974. Brasilia, CONTAG, 61 p.
261
I991
Mus. Poro. Endio Gncldi: Colrcno Eduardo Gul~*v7o,
262
foi “natural” e que não exigia legitimidade para ser imposto, C o que objetivam.
A tensão entre o esforço para traduzir seus interesses numa forma legal e a recor-
rência de atos coercitivos para solucionar antagonismos revela as dificuldades in-
trínsecas às estratdgias diferenciadas dos grupos dominantes.
De igual modo há tensões que permeiam os Órgãos fundiários oficiais, levando-
os a sucessivas revisões em sua intervenção. A explicação senso-comum destas al-
terações alega a “descontinuidade administrativa”. Muitos deles, certamente, têm
existência tão efêmera quanto as políticas que preconizam. Não apenas os de abran-
gência nacional como o IBRA (1966-713, o INCRA (1970-87) e o MEAF (1983-85),
mas tamMm aqueles voltados, precipuamente, para a região Amazônica como a Coor-
denadoria Especial do Araguaia-Tocantins (1976-79), o GETAT (1980-87), o GE-
BAM (1980-86) e a Coordenadoria Especial do Acre (1980-85). Para aldm da inCpcia
operacional, há relações com diferentes grupos sociais na fronteira que têm sido
redefinidas nestas duas ddcadas. Uma delas diz respeito aos poderes locais e sua
capacidade de atuação. Recorde-se que os Órgãos fundiários estaduais, à exceção
do IDAGO que data de meados dos anos 60, foram reativados na Amazônia a partir
de 1978 como parte de uma política de revigoramento do poder regional (Almeida
1980:48) para fazer frente às mobilizações camponesas e à ação das entidades con-
fessionais e de apoio. E estas relações redefinidas, ainda que 21 sombra do poder
central, são coletâneas de modificações na prioridade dos instrumentos de ação fun-
diária dotados, que ora dão ênfase 21 colonização dirigida, ora ao reconhecimento
das “ocupações espontâneas”, ora a colonização privada em regiões determinadas,
como o caso do Norte de Mato Grosso, ora a simples distribuição de terras sem
observância dos módulos rurais definidos por lei, como o GETAT entre 1980 e março
de 1985, ora a arrecadação sumária e a discriminação desvinculadas da colonização.
Tais revisões podem ser situadas num fundo comum de recusa efetiva do instru-
mento de desapropriação por interesse social, de dificuldades no reconhecimento
dos conflitos, acarretando procedimentos de “administração por crise”, e da proe-
minência de quadros militares e de organismos de segurança nacional na orientação
operacional dos 6rgãos fundiArios. Os invariantes ressaltam o caráter autoritário,
quando não colonialista, dos projetos governamentais em curso.
263
Mus. Para. Entilio Gocldi: Calrcdo Eduardo Gali.do, 1991
264
O Intransitivoda fmnsiçrlo: o &rodo. os conflilos agnfrios e Q viol8ncia naAnmania
Neste mesmo d s o INCRA conclula a licitaçä0 prIblica para a aquisiçäo de terras no Estado do Pad
e no TerriMrio de Rondbnia anunciando oficialmente que 430 pessoas foram consideradas legalmente
aptas para ocuparem lotes de 2 a 3 mil hectares nas glebas Anapu, Aratu e Uruad. Ainda neste d s
abria-se nova eoncorrhcia para aquisição de propriedades na Amazbnia, a ser julgada em 15 de outu-
bro, quando seriam oferecidos mais de 2 milh6es de hectares a pessoas fisicas ou juridicas interessadas.
Para maiores dados consulte-se Reis Veloso (1973).
265
Mus. Porn. Eniílio Gnelli: Colrqno Ellucrrdo GUIWZQ,I991
A FUNAI, pcla Portaria n!’ 754/P/1976 tambdm criou um Grupo de Trabalho para atuar em conjunto
com o INCRA. Esta iniciativa tambdm nIo obtcvc exit0 cos seus resultados foram reunidos na scguin-
te publicação: INCRA (1978).
266
O Intrmilivo da transiplo: o Estado. os conJlitos agrbrios e a viol&nciana Amazbnia
Segundo dados coletados no TNCRA em 1985, tcm-se que no perlodo de 1970 a 1984 foram criados
64 projetos de colonizaçäo oficial, cobrindo uma superficie superior a 12 milhões de hectares e pro-
porcionando o assentamentode 86.503 famflias das quais 65.435 na Amaz6nia (Acre, Amazonas, Pa-
ri, Rondbnia e Roraima).
267
no registro de imóvel”. Em decorrência introduzia-se no mercado de terras imen-
sas extensões territoriais resultado de adulteração de documentos alusivos às cadeias
dominiais e da deformação dos registros em cartório. Ainda que num primeiro mo-
mento houvesse problemas, as operações de mercado, posteriormente, iriam legali-
zando as extensões griladas em sucessivas transaçks de compra e venda. Os litígios
seriam assim absorvidos de forma gradual pelos próprios mecanismos de mercado,
bem como os casos de apossamentos ilegítimos.
A CONTAG se contrapôs a esta representação oficial. Para ela estas medidas
constituíram um estimulo sem precedentes à grilagem e às violências cometidas contra
os posseiros:
“(. . .) considerando, em evidente prejuízo, dez anos de ocupação, o
que contraria uma longa prática de respeito à posse de ano e dia, emba-
sada na legislação vigente e reconhecida pelo INCRA” (CONTAG
1981: 12).
Quando elaboradas estas Exposições de Motivos o CSN já acumulava alguns
conhecimentos impressionísticosa partir de acompanhamento de situações de conflifo.
Na condição de “observadores” seus quadros militares e especializados desenvol-
viam verificações in loco tanto no Maranhão e no Pará, quanto no Acre.
Em julho de 1974 o Coronel Venceslau Braga, da SG-CSN, foi enviado ao Acre
para examinar os conflitos que envolviam os seringueiros e os grupos de pecuaris-
tas do Centro-Sul do país que haviam se deslocado para a região, implantando pro-
jetos agropecuários a partir da desagregação da empresa seringalista. O nível de
tensão nos seringais forçava milhares de seringueiros a se deslocarem para territó-
rio boliviano. De maneira concomitante o processo de ocupação espontânea na re-
giäo intensificava-se a partir da frente camponesa que avançava de Rondônia.
Em agosto esta verificação se ampliava com a presença na área de um grupo
de trabalho interministerial objetivando medidas emergenciais, tal como o registra
o artigo “Governo estuda situação de migrantes desabrigados e sem alimentos na
Amazônia”, senão vejamos:
“O governo está procurando resolver a situação em que se encontram milhares
de pessoas na Amazônia, principalmente no Estudo do Acre, todas elas completa-
mente abandonadas, sem abrigo e sem alimento, aglomeradas em regiões que acre-
ditavam viessem a ser um novo Eldorado. (. .) .
Um grupo formado de representantes dos Ministérios da Justiça, do Planeja-
mento, da Agricultura e do Interior, com a assistência de um observador do Conse-
lho de Segurança Nacional, está encarregado de elaborar as medidas necessárias
para que estas familias possam conseguir meios de se manter na Amazônia ou de
regressar aos seus Estados. No Acre, o problema C mais grave. O Ministério da
Justiça teme que estes aglomerados, pelas próprias dificuldades em que se encon-
tram, venham a se tornar púlos de ailinento de criminalidade, razão pela qual as
autoridades federais estão assistindo diretamente a todos, mantendo até agora um
268
O Intransitiw do imnsiçdo: o Es&, os conflios agnlnos c a viokncÌa na Amazbnia
269
“. . . já se iniciou e tende a intetisijìcar-sede maneira incontrolivel
a iniiasão desordenada das terras situadas ao longo das vias de acesso
que demandam a Serra dos Carajás e das localizadas na extensa Area
de sua influência. Esta situação se não for prontamente corrigida pode-
rá comprometer irremediavelmente ... os projetos de desenvolvimento
da região.” (CSN-GETAT 19815).
Os critdrios de segurança para tratar os problemas agrários, alegados na cria-
ção do GETAT e do GEBAM, expressariam, nesta ordem, uma dimensão clara-
mente econômica. Afinal tratava de se estender um cordão protetor para as
companhias de colonização particular (entre 1968 e 1984 foram aprovados pelo IN-
CRA 71 projetos de colonização privada, sendo 66 localizados no Mato Grosso,
03 no Maranhão e 02 no Pará), para as centenas de projetos agropecuários, que
usufruem de benefícios fiscais atravds do FINAM (Fundo de Incentivos da Amazô-
nia), assim como para os empreendimentos madeireiros e mineraiss. Sublinhe-se
que o volume de incentivos fiscais concedidos desde 1966 contribui decisivamente
para manter os indices de concentração fundiária na Região Norte. Segundo as esta-
tísticas cadastrais do INCRA, os dados de 1985 (base 1984) assinalam nesta região
69.987 latifúndios, que medem 98,9 milhões de hectares, representando 79,74%
da Região e 16,61% da área cadastrada do País.
Os atos discriminatórios e as arrecadações sumárias perpetrados pelo GETAT
e pelo INCRA constituiriam, em verdade, instrumentos de ação fundiária voltados
para assegurar um certo tipo de desenvolvimentocapitalista que aliás, só pode man-
ter seu processo de reprodução na Amazônia se conseguir neutralizar as ocupações
de posseiros, a demarcação das Breas indígenas e os movimentos de garimpeiros,
coletores de castanha, juteiros e seringueiros que têm resistido à implantação de gran-
des projetos agropecliários e das empresas madeireiras e de extraçã0 mineral (Al-
meida 1980, 1985).
Neste sentido, o jxopósito de “regularização fundiária”, ao visar a uma orde-
nação jurídica para atender fundamentalmente os grupos sociais que mantêm uma
relação mercantil com a terra, foi-se confrontando cada vez mais com os interesses
reais dos movimentos camponeses e indígenas. Os conflitos decorrentes passaram
a ter uma nova dimensão, constituindo-se tamb6m em formas de participação politi-
ca assumidas por camponeses e indígenas para fazer reconhecidos seus direitos de
cidadania. Pelos antagonismos impunham-se como interlocutores legítimos aos or-
ganismos oficiais. Por esta interlocução os conflitos passaram gradativamente a re-
presentar, ainda que de maneira paradoxal, uma modalidade de organização e uma
via para assegurar o acesso às terras disponíveis e o domínio de posses já consolida-
das. Zonas críticas de tensão social at6 então menosprezadas ou ignoradas pelo
-
Segundo rclatdrio da ComissIo dc AvaliaqIo dos Inccntivos Fiscais COMTF, criada cm 1985, em
20 anos foram aprovados 62 I projctos agropccu4rios c industriais do FINAM. Destes, 90 foram can-
celados apcsar da SUDAM somcntc rcalizar f~scali¿aq&sa cada tr& anos coito mescs, com prcjuizos
para a Unitio estimados em 4.552.053.24 ORTN quc nlo foram ressarcidos. Para um aprofundamen-
to, consultc Gasqucs & Yokomizo (1985).
270
O Inimnsiriwda imnsiflo: o Btado, os cmflior agrdrios E a violhia na Anlnzdnia
271
Mus. Pam. Eriílìo Gwlrli: ColCCdo Eduardo Galw70. I991
272
O Inrrasilivo da rransipa: o Esradn. os confliros agrdnos e a violencia na Amazdnia
Federação
GlebalIm6vel MunicIpio Total
(ha)
Entre 1964e 1985 (fevereiro) foram dcsapmpriados 13.6 milhões de hectares no Brasil, dos quais 105
m i l b na Regiäo Norte (AM, AC, PA, RO). Sublinhe-se que o elevado volume de ireas desapropria-
das em 1971, correspondcndo a 6.363.721,65 ha, “esta representado pelas desapropriações do Pougo-
no de Altamira em Iiu@da construçäoda Transamazbnica e das agrovilasda regkW (Yokota 1981:37).
Outras cotas referem-se igualmente aos projetos de colonizaçä0 e apenas 5% delas constituem instru-
mento de resoluçäo de connitos. Pam maiores esclarecimentos consulte-se Yokota (1981).
Para um exame detalhada do quadro demonstrativo das dcsaprOpriaçöcsdcstc mencionado periodo leia
os Atoais do Simpdsio Internacional de Erpen¿ncia Fundidria. Salvador, MEAF, 20 a 24 de agosto
de 1984 (Aphdices) p. 702, 703 e 714 e 715.
273
Mus. Para. Entilio Goeldi: Colqdo Eduardo Galvdo, IÇ91
274
Os demais casos inclusos nestes cadastros referem-se a situações emergenciais,
não necessariamente produto de questões judiciais, que tiveram uma repercussão
tal ou um tipo de antagonismo considerado de gravidade, inadiável e, portanto, im-
possível de não ser respondido. Nestas dltimas 6 que com freqiiência sobressaem
atos de violência, constrangimentos físicos e maus-tratos contra trabalhadores ru-
rais. Os dados quantitativos a seguir apresentados foram compostos a partir das fi-
chas que integram os referidos cadastros. As fichas do’INCRA eram regularmente
preenchidas e assinadas pelos Coordenadores Regionais e depois remetidas 2i Dire-
toria de Recursos Fundiários (INCRA-Brasília). Os dados obtidos se referem ao que
denominavam de “focos de tensão social”. Considerando-se o ritmo dos encami-
nhamentos e as providências adotadas eram subdivididos do seguinte modo: “focos
solucionados” atravks de discriminatória, aquisição e desapropriação;e “focos pen-
dentes”. Quanto 21 sistemática instituída para avaliar, decidir e aplicar as medidas
nas situações emergenciais, tem-se que era baseada na experiência dos burocratas
militares e nas regras impostas informalmente pelos chamados “bombeiros”, que
se deslocavam continuamente “apagando os focos de incêndio”. Os conflitos eram
administrados por crise, menosprezando quaisquer possibilidades administrativas de
tornar regular a intervenção dos Órgãos fundiários, (Brasil. Conflitos 1986). Esta
ação episódica explica os dados subestimados acerca dos conflitos, o menosprezo
pelo acompanhamento sistemático dos entreveros e a ausência de documentação de-
talhada que registrasse as várias versões em jogo, (ver tabelas a seguir).
275
Mus. Para Eniilio Gocldi: Coli2@oEdiiflrdo GnlWo, I991
276
O Inrmnsirivoda :mnsi@o: o Esrado, os conflios agrdrios e a viofPncia na Anrazbnia
UF Conflitos Área NP de
NP de NP de NP de (ha) Familias
Municípios Imóveis Conflitos
MA 45 - - 1.260.75 I 28.497
MT 30 144 - - 24.297
PA 29 - 122 1.668.610 21.727
RO - 60 - 2.737.064 7.926
277
de Trabalho Interministerial, coordenado pelo CSN, com a finalidade de elaborar
documento concernente 2s ações do governo e aos instrumentos necessários à “Fi-
xação do Homem no Meio Rural”. Para compor tal GTI convocava representantes
dos seguintes ministérios: Justiça, Fazenda, Transportes, Agricultura, Educação,
Comunicações, Interior, Minas e Energia, Indústria e Comércio, Saúde, Trabalho,
Previd&nciae Assistência Social, Reforma e Desenvolvimento Agrário, Desenvol-
vimento Urbano e Meio Ambiente e ainda a Secretaria Especial de Ação Comunitá-
ria e a Secretaria de Planejamento da Presidência da República.
Consoante este documento o CSN reavivava as concepções de conflitos agrá-
rios e distorçöes na estrutura fundiária atreladas à pressão demográfica e às migra-
ções internas. Novamente insistem no problema da distribuição demográfica sobre
o território brasileiro como fator determinante das tensões sociais. As “áreas prio-
ritárias” a serem selecionadas, segundo o documento, deveriam apresentar uma ou
mais das características a seguir:
“atingidas ou propensas ao êxodo do cmnpo;
, com excedentes popiilacionais não utilizados ou subutilizados;
com quadro potencial ou real de agravamento do nível de tensão social por
questões agrárias;
O com vocação agrícola não explorada adequadamente, que assegure ocupaçks
rurais produtivas de baixos custos;
não situadas na sede dos municípios (distritos);
O deficientes de infra-estrutura agrária e situadas en1 noi~asfronteiras agrícolas, su-
jeitas a pressões sociais elou incidência de indesejável retorno da corrente mì-
gratbria”. (Em 021185 p.2) (g.n.)
Com este projeto de “fixaçäo do homem no meio rural” planejavam inverter
a tendência do chamado “êxodo no campo”, orientando os fluxos migratórios a
partir da “criação de pólos de atração agrícola” (ibid.) ou retendo os migrantes
potenciais em suas regiões de origem. Confinando a explicação dos conflitos no âm-
bit0 da demografia erigiam fortes obstáculos h aprovação da Proposta ao PNRA pe-
la Presidência da República, porquanto demonstravam uma suposta inocuidade dos
instrumentos desapropriatórios previstos no Estatuto da Terra. O demografismo de
suas formulaç&s elidia os conflitos ao nível das relações de trabalho e dos proces-
sos reais subjacentes às formas de acesso ao meio de produção básico, a terra. Ima-
ginavam, assim, despolitizar os antagonismos sociais e neutralizar as reivindicações
. dos movimentos camponeses, que então conheciam grau elevado de mobilização.
Esta Exposição de Motivos, por outro lado, abordava questões que seriam de
atribuição do MIRAD e do Ministério da Agricultura. Deslocava competências pa-
ra o âmbito da Secretaria Geral do CSN e lhe conferia autoridade no trato dos pro-
blemas agrários, constituindo numa interferência direta na elaboração da versão
definitiva do PNRA, que se encontrava em curso com inúmeras reformulações im-
postas pela Presidência da República ao MIRAD.
Em 19 de agosto de 1985, o Presidente da República aprovou a mencionada
278
O Iniransiiivoda transiqdo: o Esido. os confliios agrdrios e a b*io&3tciana Amazdnia
279
Miis. Para. Enrílio Goeldi: Cole~cloEduardo Calvdo. 1991
280
sobrepujou as federações patronais com uma milidncia belicista e aguerrida, não
inibiram inicialmente a utilização do instrumento de desapropriação por interesse
social. Um rito de características emergenciaisprevaleceu at6 a criação das Comis-
sões Agrárias em agosto de 1986. Consoante este procedimento, em 25 de outubro
de 1985, foram desapropriadas as primeiras áreas na Amazônia. A partir daí e at6
12 de julho de 1986 foram desapropriados 67.694,23 ha no Maranhão, 67.245,95
ha no Pará, 33.027,93 ha em Rondônia, 65.939,66 ha no Mato Grosso, 56.083,80
ha em Goiás e 2.983,95 ha no Acre. Durante este período os conflitos recrudesce-
ram. Os latifúndiários ampliaram suas milícias privadas e mesmo escudados em man-
dados de reintegração de posse procederam a expulsöes de posseiros, desenvolvendo
uma açã0 de terra arrasada. Povoados camponeses foram inteiramente destruidos,
notadamente no Vale do Mearim (SãoMiguel, Serraria) e do Itapecuru (Palmeira
Torta) no Estado do Maranhão e na região norte do Mato Grosso. Em julho de 1986
numa Informação Tknica ao Ministro do MIRAD, a Coordenadoria de Conflitos
Agrarios do referido minist6rio estimava em 892 as situaç&s de conflito na região
Amazônica, sendo que destas 778 localizavam-se no Mato Grosso, Pará, Maranhão
e Goiás.
DuraRte os meses de junho e julho de 1986 o Mutirão Contra a Violência, orga-
nismo redm-criado pelo MinistCrio da Justiça, coordenado pelo Coronel Curt Pes-
seck recebia um total de 185 denúncias de violência no meio rural:
“O Estado do Maranhão aparece como o mais violento, com 41 queixas
apresentadas, envolvendo assassinatos, despejos violentos, denúncias de
agricultores contra proprietários e destes contra invasores de suas ter-
ras, alCm de acusaçks contra autoridades.” (O Campo... 1986).
Neste mesmo período o Ministdrio da Justiça, atravks do Departamento de Po-
lícia Federal, elaborou um “cadastro das fazendas em conflito e identificação dos
grupos armados”, segundo o Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 5 de junho de
1986 - “Desarmamento Rural Tem Prazo”, compreendendo o Norte de Goi&,
o Oeste do Maranhão e o Sul do Pará. Tratava-se da medida inicial para desenca-
dear uma Operação de Desarmamento, levada a efeito a partir de 10 de junho em
toda a região conhecida como Bico do Papagaio. Mediante protestos do movimento
sindical dos trabalhadores rurais e das entidades confessionais, o MinistCrio da Jus-
tiça assegurava que não se repetiria a operação realizada em 1982, no governo do
General Figueiredo, que se limitou a desarmar os camponeses: “Brossard promete
desarmar fazendeiros tambdm - Exaltado, afirma que não repetirá Abi-Ackel que
em 1982 s6 tirou armas dos posseiros” (Correio Braziliense, Brasília, 4 de junho
de 1986).
Estas zonas críticas de conflito e tensão social já haviam sido objeto de inúme-
ras ações do MIRAD instruindo processos de desapropriação por interesse social
para fins de reforma agrária. A operação do Ministdrio da Justiça, entretanto, não
se realizava em conjunto com o MIRAD, havendo inclusive discordâncias entre os
dois ministdrios quanto ao tratamento da questão. Não obstante, continuavam tra-
mitando no MIRAD aqueles processos referidos e em várias situações ja se havia
28 1
Mus. Para. Entilio Goeldi: Colecilo Eiluurdo Galr*ilo,1991
282
O IntrMSitivo do transiç&: o &:ado, os conflitos agrdrios e a vioYnciaMAmazbnia
283
A extinção do GEBAM (Decreto nP 92.678 de 19 de maio de 1986), e aquela
do GETAT (Decreto-Lei nP 2.328 de 05 de maio de 1987) ocorreram sem provocar
rupturas significativas. A extinção do INCRA (Decreto-Lei nP 2.363 de 21 de outu-
bro de 1987) representou u m novo golpe desfechado contra o instrumento de desa-
propriação por interesse social ao preconizar a inexpropriabilidadede imóveis rurais,
cuja área contínua não exceda a mil e quinhentos hectares, na região de atuação
da SUDAM. Em janeiro de 19S9 ocorreu a extinção formal do MIRAD. Em março
o Congresso Nacional votou a revogação de parte do Decreto n? 2.363 e o INCRA
foi mantido, porém, com sua capacidade de açã0 restringida e novamente subordi-
nado ao Ministério da Agricultura, como durante o regime militar.
A revogação do Decreto nP 1.164 de I P de abril de 1971 ocorreu em 24 de
novembro de 1987 através do Decreto-Lei nP 3.375 e deixou vastas áreas tais como
os Municípios de Itaituba, Altamira e Marabá (PA) provisoriamente sob jurisdição
federal, aguardando manifestação do Ministério do Exército. Consoante os Decre-
tos nP 95.859, de 22 de março de 1988, e nP 97.596, de 30 de março de 1989,
foram consideradas afetas a uso especial do Exército 35 áreas na Amazônia, numa
extensão superior a 6 milhões de hectares. Todas estas redefiniçöes legais pertinen-
tes à Amazônia sem atenderem 2s reivindicações dos movimentos sociais revelaram-se
inócuas e não propiciaram condições factíveis de reverter a tendência anti-reformista.
Ao contrário, acentuaram-na, porquanto permitiram pelo imobilismo consideráveis
avanços dos interesses latifundiririos. Estes se propagaram no judiciirio e nos traba-
lhos da Assembléia Nacional Constituinte. Na primeira situação o MIRAD s Ó lo-
grou obter imissão de posse de pouco mais de um terço daqueles imóveis cujos
decretos foram publicados, na outra os interesses latifundiários conseguiram impor
a noção de “propriedade produtiva” na nova Constituição (art. 185).
Em suma, pode-se asseverar que o golpe de misericórdia no já desacreditado
MIRAD não veio propriamente das decisks da Assembléia Nacional Constituinte
relativas à não desapropriação de terras consideradas “produtivas”, mas sim da ree-
dição dos atos de aquisição. Com o ato de assinatura pelo Ministro do MIRAD no
Estado do Pará, no dia 24 de maio de 1988, das escrituras de compra de terras pú-
blicas aforadas, reeditava-se a aquisição como solução para antagonismos em bene-
fício dos latifundiários foreiros e em detrimento da desapropriação. O MIRAD
adquiriu 56 imóveis rurais, sendo 53 aforados e 03 titulados, localizados no não-
demarcado Polígono dos Castanhais, no Sul do Pará, com uma área correspondente
a 205.303 ha, com 2.670 famílias de posseiros, por um montante equivalente a
404.613 Títulos da Dívida Agrária, resgatáveis em cinco anos, mas com prazo de
carência de dois anos, correspondendo a aproximadamente 2,2 bilhões de
cruzadosl7. Estas áreas, após a referida assinatura, foram repassadas ao governo
estadual e a seu Órgão de terras, o TTERPA, que se incumbiriam do assentamento
dos posseiros. Teria prevalecido, neste ato, a pressão dos donos e dos foreiros que
exploram os castanhais. Queriam se desfazer vantajosamente de algumas áreas, que
l7
Para uma intcrpretaçiio acurada conccrncntc a estas aquisiçõcs pclo MIRAD do dominio Útil dcstcs
castanhais consulte-se Silva 1988:23). 23 p.
284
O Infransifiwda tmnsi@o: o Erfado,os conflfos agrdn'os e a viololencia na A m d n i a
efetivamente já estavam com sua produção controlada pelos posseiros. Assim di-
versas zonas mais críticas do referido Polígono permaneceram excluídas de qual-
quer ação oficial. Numa leitura mais direta pode-se afirmar em consonância com
as prciprias interpretações de Silva (1988:21) que os órgãos fundiários correm o ris-
co de serem convertidos numa agência de corretagem de terras sem apresentar qual-
quer outra medida concreta e deixando interrogações diversas acerca do desfecho
dos conflitos que se mantêm acirrados e sem perspectiva de solução.
Os 3.502.217 ha desapropriados ak? abril de 1989 devem, pois, ser tamMm
lidos com mais uma ressalva, qual seja, a da utilização difusa do instrumento da
aquisiçao de imóveis rurais noladamente nas gestões dos Ministros Jader Barbalho
e Leopoldo Bessone, quando aproximaram de 450.000 ha.
285
Mus. Pflra. Emilio Goeldi: Colc@o Eduurilo Gulvdo. I991
Uma análise mais detida dos resultados objetivos desta experiência malograda
de reforma agrária, talvez possa vir a sugerir que a chamada “transição democráti-
ca” e, por extensão, as priticas de democracia que asseguram os direitos elementa-
res de cidadania, só tangencialmente chegaram 2 área rural e, com toda certeza,
não chegaram aos camponeses e grupos indígenas da fronteira. As mobilizações so-
ciais se mantêm intensas na Amazônia. A neutralizaçã0 dos instrumentos básicos
de reforma agrária e o esvaziamento do MIRAD deixaram em aberto, como que
vago, um lugar institucional de interlocução. Os interlocutores oficiais, que se dis-
põem nas instâncias de poder, passada a fase transitória de açã0 emergencia1 do MI-
RAD, permanecem sendo os organismos subordinados direta OU indiretamente ao
ex-CSN, agora denominado Secretaria de Assessoramento da Defesa Nacional da
Presidência da República. Reeditaram medidas nos moldes do GETAT e do GE-
BAM com o fortalecimento dos múltiplos Projetos Especiais do Calha Norte, a par-
tir de meados de 1986, e do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira
da Amazônia Ocidental (PROFAO), conforme a Exposição de Motivos nP 002, pu-
blicada no Diririo Ojìcial de 10 de março de 1989. Passaram a coordenar o Progra-
ma Nossa Natureza, lançado em 12 de outubro de 1988, orientando sua Comissão
Executiva e seus grupos de trabalho interministeriais. Indiretamente passaram a tam-
bCm orientar o TBAMA e sua política florestal e de controle dos desmatamentos.
Assessoram as decisões relativas 2 política mineral. A partir de setembro de 1988
com a designação do advogado Iris Pedro para a Presidência da FUNAI lograram
que o dirigente do GETAT durante cinco anos e afinado com seus pressupostos de
ação passasse a conduzir formal e explicitamente a política indigenista. Outra vez,
286
O Intransiliuo da rmnsiçdo: o Esrado. os conflitos agrdrios e a viol8nc.b MAmazdnia
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MIGRAÇÃO E o MIGRANTE DE ORIGEM
URBANA NA AMAZôNIA
Haroldo da Gania Torres‘
INTRODUÇÃO
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293
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294
Tabela 1 - Estado de Rondônia - 1978/1982. Ndniero de assentamentos por tipo
de projeto efetuado pelo INCRA
I Famílias assentadas
Tipos de projeto até 1978 até 1982
número número
Colonização 16.216 24.870 46,O
Assentamento rápido 16.000 29,7
Regularização fun-
diária
~~ ~~~
6.267 27.9 13.146 24,3
TOTAL (-22.483 100.0 I 54.016 100.0
Fonte: CEPARO. Estmtuia fundiibia dc RondGnh. VerGo prcliminar. Porto Vclho, CEPAIRO, 1984, p. 73.
Ver MARTINE, op. cit. quc rcscnha survcys realizados em RO. VALE, M.C.F. Ocupac50 rccentc
na Amaz6nia: colonizaçiio da Amaz6nia. Bclo Horizonte, CEDEPLAR, (mimo), 1982. Onde se dis-
cutcm survcys realizados nos PIC Marabd c Altamira.
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Mus. Para. Eniílio Gocldi: Coli@o Eduurdo Gahlo, 1991
Formas não capitalistas podcm avançar ncstas rcgiõcs porquc não siio submctidas I s mcsmas condiçöcs
de valorizaçb da atividadc agdcola capitalista, onde a taxa dc lucro proporcionada por invcstimcntos
altcrnativos f a varilivcl fundamcntal na dccisão dc como c onde invcstir.
LAVINAS, L.A agro-urbaniznCiiodli fronteinz. In: LAVINAS, L. (org.). A urkinizcigüo da fronfei-
m. Rio dc Janeiro, PUBLTPUR/UFRJ. 1987.
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Migra@a e o nrigmnre de origem u r h a na Anlazania
o vigor do crescimento do sul do Pará, por exemplo, poderia ser atribuído à ativida-
de agrícola ali desenvolvida. Várias localidades como Itaituba, Curionópolis, Ouri-
Iândia, Xinguara e mesmo Marabá têm seu crescimento estreitamente vinculado h
mineração de ouro. A mineração 6 importante mesmo para Rondônia, com o garim-
po de ouro no Rio Madeira e a extraçã0 de cassiterita.
Essa atividade, por ser desconcentrada espacialmente (ouro de aluvião, predo-
minantemente) e praticada basicamente por garimpeiros e pequenos empresários de
garimpo que romperam com o monopólio de lavra das grandes mineradoras (Wood
& Schmink, op. cit.), acaba por ter um efeito multiplicador sobre a economia local
muito mais poderoso do que sob uma organização da produção concentrada, meca-
nizada e verticalizada. Pouco se pode esperar, no entanto, do ponto de vista do cres-
cimento uniforme e sustentado da atividade no longo prazo.
São estes alguns dos elementos que contribuem para definir o caráter instável
e transitório da urbanização nessa região. Na medida em que a estrutura fundiária
não mudar e as condições t6cnicas para a produçäo agrícola comercial continuarem
não dadas, o crescimento urbano na Amazônia continuará extremamente dependen-
te da extraçä0 vegetal e mineral e das transferências do Estado.
Há um outro elemento que vem sendo apontado, dentro de uma perspectiva mais
sociológica, como relevante para a formação de uma fronteira urbanizada. São os
novos padrks de consumo da população rural que incorporam uma strie de bens .
industrializados e serviços urbanos (Sawyer, op. cit.). Na verdade, parcelas cres-
centes da população rural brasileira e da fronteira em particular, têm passado por
significativas experiências urbanas, o que tende a alterar suas formas de sociabili-
dade e de consumo.
Alem da urbanização da fronteira, da urbanização da atividade agrícola embu-
tida no conceito de “Complexo Ag?-Industrial”, pode-se dizer que a própria po-
pulação rural está se urbanizando. E o que discutiremos a seguir.
“No Brasil parcclas n b dcsprczlvcis dc contingentes fixados em Arcas dc frontcira, ja rcsidiram algum
tempo em arca urbana.” (Mougcot 1986:25). Nota-sc que 44%das imigraç& intcrestaduais para
os Estados da Rcgilo Norte tinham como origcm regiões urbanas, scgundo o censo de 1980. Do total
dc imigrantes dc origem urbana, 30%se dirigiram para Arcas rurais, correspondcndo a 23%do total
dc imigrantcs que tivcnm as drcas rurais como dcstino. (Ver IBGE, Censo Dcmogdfico, 1980).
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Mus. Pam. Eniílio Goflli: Colccdo Eduurdo GaIv&o, 1991
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MigraCao e o niigranrc de origeni urbrrna na Aniazbnia
entrevistados. São Paulo, com 84 casos, foi a cidade mais citada, representando 10%
do total de casos e 15%do conjunto dos que informam já ter residido em cidades.
Aparecem com destaque as cidades de Ariquemes, Curitiba e Belo Horizonte, nesta
ordem.
Esses resultados apontam em dois sentidos. Existe um grupo que experimentou
seu processo de urbanização na própria fronteira, com 15%do total de casos (Ari-
quemes, Ji-Paraná, Ouro Preto do Oeste e Porto Velho). Outro grupo teve signifi-
cativa experiência urbana em grandes cidades, principalmente nas maiores cidades
do país.
Além de se constituir espaço alternativo para os “excedentes rurais’’ a frontei-
ra parece se constituir alternativa para o excedente simultaneamente urbano e rural.
Espe