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Comportamento
As lições de Bogotá
O que uma cidade com os mesmos problemas que os nossos pode nos ensinar sobre urbanismo,
cidadania, transporte coletivo - e também sobre decisões erradas
Por Da Redação
31 out 2016, 18h54 - Publicado em 10 nov 2013, 22h00
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Pedro sobrevive de bicicleta. Sua relação com o equipamento tem mais de 50 anos. Ele
aprendeu a se equilibrar sobre duas rodas ainda na infância, subindo e descendo as cordilheiras
de 3 mil metros que cercam sua cidade natal. Na juventude, Pedro participava de corridas no
clube esportivo e acordava todos os dias às duas da manhã para treinar. Quando a idade bateu,
teve de largar o esporte – mas não a bicicleta. Aos 59 anos, sua relação com ela continua mais
forte do que nunca. Todos os dias, segue acordando cedo para ir trabalhar: cruza regiões
arborizadas, atravessa parques e avenidas largas, cai na ciclovia de 376 km da cidade, e ergue
uma tenda de pano à beira de uma via. Lá, é funcionário autorizado da prefeitura para consertar
bicicletas – de domingo, quando o movimento é mais intenso, arruma até cem por dia. Pedro
não pega trânsito e não anda de carro. Tem a rotina tranquila, como a de um habitante de
alguma capital europeia – vamos dizer, Zurique: ao pé da montanha, andando de bicicleta. Mas
Pedro Mejia não mora na Suíça – ele é bogotano, da capital da Colômbia.
Comparar Bogotá com a Europa não é exagero só meu. Nos anos 2000, houve muita gente que
fez a comparação. Quem anda pelos bairros mais ricos da cidade tem mesmo essa impressão:
o clima é montanhês, os prédios são baixos e padronizados, os muitos parques e ciclovias estão
sempre cheios. (Já os bairros pobres estão mais para o continente ao sul da Europa: as ruas não
têm asfalto nem saneamento – e quase um milhão de bogotanos vivem com menos de US$ 100
ao mês.) Por um bom tempo, a cidade parecia estar no caminho certo e começou a ser citada
pelos vizinhos como exemplo de lugar cheio de problemas que conseguiu se reinventar. As
ciclovias foram só o começo – surgiram ainda no final da década de 1980 e se espalharam até
as periferias. Depois vieram uma reforma no sistema de ônibus, copiado de Curitiba, campanhas
de cidadania para educar os habitantes, construções de parques e bibliotecas, e programas de
combate à pobreza. Bogotá prometia ser a Amsterdã dos Andes.
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tomando banho para ensinar economia de água. Suas excentricidades deram certo: o trânsito
melhorou e as mortes violentas caíram em um terço.
Já Enrique Peñalosa, o segundo prefeito, foi por outro caminho: resolveu cuidar do espaço
público da cidade. Primeiro, declarou “guerra aos carros”. Caçou espaço de estacionamento
alegando que não é obrigação da prefeitura guardar o carro dos outros, construiu ciclovias onde
não havia nem rua asfaltada e investiu maciçamente em transporte público. Para isso, construiu
o Transmilenio, um sistema de ônibus no qual os corredores do veículo funcionam como linhas
de metrô (entenda melhor no quadro abaixo). Mas Peñalosa não teve muito tato: além de deixar
o estacionamento mais difícil, desalojou uma favela no centro da cidade e tentou desapropriar
um Clube de Campo de elite para transformá-lo em parque – ou seja, desagradou a classe
média, os pobres e os ricos, indiscriminadamente. Cinco anos depois, Bogotá estava mudada,
mais civilizada e com menos trânsito – algo que faz qualquer cidade do mundo, inclusive as
nossas, ter esperança de dias melhores.
Degringolou?
Viajei, então, a Bogotá para ver como andavam as coisas por lá. Marquei duas entrevistas na
prefeitura e resolvi pegar o Transmilenio para testar essa grande invenção do urbanismo
mundial. “Mas pega antes das 16h – depois fica impossível”, ouvi de uma local. Entrei às 14h.
Entrar não é bem a palavra. Parei já na escada e só fui encaminhada para o centro do ônibus à
medida que a massa de pessoas me empurrava. Viajei jogada por cima da mala de uma mulher.
Vi uma idosa esmagada contra a porta. Do lado de fora da janela, o trânsito estava
completamente parado. Quando saí no ponto final, quase fui atropelada por um dos “buses”, os
ônibus normais de linha que abastecem o Transmilenio, e que não têm ponto marcado, nem rota
fixa e que podem ser chamados por qualquer pessoa em qualquer lugar da cidade – inclusive
nas faixas do meio de uma avenida larga. Algo deu errado na revolução bogotana.
“O Transmilenio é vítima de seu próprio sucesso”, diz Maria Victoria Duque, assessora de
gabinete do atual prefeito, Gustavo Petro, na entrevista à qual fui de ônibus. De fato, todas as
linhas estão sempre cheias. Mas o motivo não é apenas o sucesso. Bogotá é uma cidade cheia.
Em 1993, tinha 5,4 milhões de habitantes. Hoje são 7,3 milhões: cresceu 35% em 20 anos. Culpa
desse inchaço é a violência no campo, que desloca milhares de pessoas por ano para os
grandes centros urbanos. “Se existe uma população morando em alguma área de interesse
econômico no interior – como uma rota de tráfico -, a história é sempre a mesma. Grupos
paramilitares entram no vilarejo, matam todos os homens, e as mulheres acabam nas grandes
cidades”, diz Mercedes Castillo de Herrera, professora de economia e urbanismo da
Universidade Nacional da Colômbia. Cerca de 5,2 milhões de colombianos são refugiados – o
que corresponde a mais de 10% da população. Seu destino favorito é a próspera e industrial
Bogotá. De fato, as periferias da cidade não param de crescer e os governos lutam para
conseguir levar os serviços básicos – água, luz, merenda escolar – para lá. Diminuição do
trânsito ficou em segundo plano.
Os outros fatores que contribuíram para a situação que Bogotá vive hoje são velhos conhecidos
nossos. O primeiro é a falta de continuidade das prefeituras. “Somos latinos. A pior coisa para
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um homem latino é criar o filho de outro”, disse Mockus em uma entrevista ao New York Times.
Cada novo prefeito que assumiu a cidade tratou de dar a ela uma marca “própria” – um plano de
governo característico de seu mandato. Foram causas igualmente nobres, como a construção
de escolas na periferia ou a distribuição de água de graça nas áreas mais pobres ou a
viabilização do metrô (essas últimas duas, bandeiras do atual prefeito). Mas nenhum tratou de
continuar o serviço que os anteriores fizeram. Hoje, os bogotanos voltaram a atravessar a rua
em qualquer lugar, como antes de Mockus. “Todo mundo voltou a buzinar que nem maluco.
Antes não era assim”, diz Duque. E a rede do Transmilenio também não foi expandida muito
além do que já estava ao final do governo Peñalosa. Para piorar, o último prefeito, Samuel
Moreno, foi acusado de corrupção e está preso. Todos esses contratempos acabaram gerando
um clima de insatisfação na cidade que andava esperançosa com suas mudanças: desde
outubro de 2010, os bogotanos têm a impressão de que a capital está piorando. Para nós, que
acompanhamos de longe, restam alguns ensinamentos. A boa notícia é que dá, sim, para mudar
uma cidade – para melhor! – em pouco tempo, com boas e criativas decisões políticas. A má é
que é possível perder o rumo em ritmo igualmente rápido. Ficam as lições para o futuro das
nossas cidades.
Melhorias – Priorizar espaços públicos nas periferias. Em alguns bairros, asfaltaram apenas áreas de
lazer e ciclovias, e deixaram os carros passando em ruas de terra.
Sobreviveu bem – Sim e não.
Motivo – O crescimento descontrolado da cidade.
Melhorias – Ciclovias. São 367 km ao longo de toda a cidade, inclusive nas periferias.
Sobreviveu bem – Sim.
Melhoria – Transmilenio: ônibus que andam apenas nas grandes avenidas, em vias separadas, com
entrada pelo canteiro central, como num metrô.
Sobreviveu bem – Não.
Motivo – Os ônibus estão sempre lotados.
Melhoria – Rodízio de carros chamado “pico y placa”, que proíbe 50% da frota de andar em horários de
pico e fez as viagens de carro caírem 22%.
Sobreviveu bem – Não.
Motivo – Trânsito voltou com tudo.
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Melhoria – Educação no trânsito. Mímicos nas ruas ensinavam pedestres a atravessar na faixa.
Sobreviveu bem – Não.
Motivo – Falta de continuidade nos projetos.
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Edição 392 Agosto 2018
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