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A A R T E CONTEMPORÂNEA
CATHERINE M I L L E T
INSTITUTO
COLECÇÃO J i y J M s I c a de cjônc^^
PIAGET
DIVISÃO EDITORIAL
PREÇO.
Largo da Madre
de Deus, 9
1900 LISBOA INSTITUTO ISBN: 972-771-285-1
TelQt.868 62 75/76 PIAGET^ NOVA MORADA;
Fax 868 82 77 R. D. Atonio HanrIquM, 32-1 .'Ot«.
DIVISÃO EDITORIAL 2 6 9 5 - 0 1 1 BobadeU LRS
Tal. 21 995 95 20 - Fax 21 955 34 78
Catherine Millet, crítica de arte, dirige actualmente a redac-
ção da revista Art press, na criação da qual participou em 1972.
Foi comissária de diversas exposições, entre as quais Baroqiie 81
no M u s e u de Arte Moderna da cidade de Paris, em 1981, e Douze
Artistes français dans Vespace no M u s e u Soibu em Tóquio, em 1985,
bom como da selecção francesa da Bienal de São Paulo, em 1989,
galardoada com o grande prémio do melhor pavilhão, e do p a v i -
lhão francês da Bienal de Veneza, em 1995.
COíyiifMPORÂNEA
CATHERINE MILLET
Título original
L'Art Contemporain
Autor
Catherine Millet
AARTE
Colecção
Biblioleca Básica de Ciência e Cultura,
sob a direcção de António Oliveira Cruz CONTEMPORÂNEA
Tradução
Joana Chaves
Capa
Dorindo Carvalho
Copyright
ISBN: 972-771-285-1
O m u n d o d a arte
Nascimento da arte
contemporânea
1
A s o p i n i õ e s d i v e r g e m . E m Paradoxe sur nios, seguiam a evolução d a arte m o d e r n a . Para
le conservateur, J e a n C l a i r - ele próprio conser- u n s como p a r a outros, a questão é: « O n d e ter-
v a d o r e o r g a n i z a d o r de n u m e r o s a s exposições m i n a a arte m o d e r n a e onde começa a arte con-
r e t r o s p e c t i v a s d a m o d e r n i d a d e - a f i r m a cate- temporânea?»
goricamente que, p a r a ele, u m «museu de arte N o Centro G e o r g e s - P o m p i d o u , por exemplo,
c o n t e m p o r â n e a » é u m « a b s u r d o n a s u a acep- esta questão ressurge periodicamente, s e m que
ç ã o » . E n q u a n t o que o s e u h o m ó l o g o h o l a n d ê s se tenha jamais ousado decidir. A parte atribuída
Jan Debbaut, que n ã o nega as contradições e m ao Musée N a t i o n a l d ' A r t M o d e m e era, aí, quase
q u e se e n v o l v e , d e c i d e a s s u m i r e s s a m i s s ã o desde o início demasiado pequena, p a r a permitir
impossível. E l e d e c l a r a v a n u m colóquio: «O p r i - u m a exposição satisfatória d a colecção (16 500
meiro p r o b l e m a que se coloca ao conservador, é obras n a a b e r t u r a do C e n t r o e m 1977, m a i s do
a definição e a interpretação d a própria desig- dobro vinte anos depois, sem contar com
nação d a s u a instituição: m u s e u de arte contem- os objectos de design e de a r q u i t e c t u r a ) . Já há
p o r â n e a [...]. O m u s e u de arte c o n t e m p o r â n e a muito, que se pensa d i v i d i r e m duas esta colec-
o c u p a - s e , p o r d e f i n i ç ã o , d a m u d a n ç a n a arte ção e instalar a s u a parte m a i s antiga n u m outro
[...]. Segue-se, a s s i m , i n e v i t a v e l m e n t e , que o edifício. M a s p a r a a l é m de faltar encontrar o u
m u s e u de arte c o n t e m p o r â n e a p e r t u r b a de c o n s t r u i r este ú l t i m o , m a n t é m - s e e m suspenso
f o r m a contínua, u m sistema à p r o c u r a do equilí- a delicada questão d a data, e m referência à q u a l
brio [...]. A s s i m , p r o v o c a tensões e torna a v i d a se fará essa divisão. A s s i m , será possível dar a
difícil ao público.» v e r e a compreender a arte realizada depois d a
Segunda G u e r r a M u n d i a l , s e m que seja sugerida
M a s antes m e s m o de se depararem c o m estas
qualquer ligação c o m a arte da p r i m e i r a metade
p r e o c u p a ç õ e s d e o n t o l ó g i c a s , os c o n s e r v a d o r e s
do século?
foram confrontados com u m problema muito
concreto. O s que pertencem às instituições mais N a verdade, e o Centro Georges P o m p i d o u a
importantes, já largamente p r o v i d a s de obras do ela aderirá p r o v a v e l m e n t e u m d i a , u m a resposta
início do século e cujas colecções c o n t i n u a m c o n s e n s u a l a e s s a q u e s t ã o está e m v i a s de se
a ser e n r i q u e c i d a s , t i v e r a m de e m p r e e n d e r a impor. A data de nascimento da arte contempo-
c l a s s i f i c a ç ã o d e s s a s c o l e c ç õ e s . E a q u e l e s que rânea v o g a r i a algures entre 1960 e 1969. T a l é a
a s s e g u r a r a m o a r r a n q u e dessas n o v a s i n s t i t u i - opinião d a m a i o r parte dos conservadores, que
ções inteiramente votadas à arte contemporânea, r e s p o n d e r a m ao inquérito e n u m e r o s a s outras
t i v e r a m de definir o s e u campo de competência, pessoas interessadas. N o d e c u r s o dos anos 60,
relativamente a m u s e u s que, já há vários decé- i m p u s e r a m - s e a Pop art*, o N o v o R e a l i s m o * ,
a op art* e a arte cinética*, a minimal art* e o color- cessos, os obriga a m o d i f i c a r p r o f u n d a m e n t e o
field painting*; o F I u x u s * e n x a m e o u , os happe- seu p a p e l e o s e u m o d o de trabalho. Veremos,
nings* p r o l i f e r a r a m ; no f i n a l do d e c é n i o , s u r - m a i s adiante, as d i f i c u l d a d e s técnicas que encon-
g i r a m a a r t e c o n c e p t u a l * , o anti-/orm*, a arte t r a m p a r a e x p o r as o b r a s , c o n s e r v á - l a s o u n a
povera*, a land art*, a body art*, o Support-Sur- necessidade de as restaurar e os desafios ao b o m
face*..., inúmeras formas de arte que recorrem a senso e, por v e z e s , ao b o m direito que têm de
todo o tipo de m a t e r i a i s h e t e r ó c l i t o s , objectos ultrapassar.
fabricados, matérias n a t u r a i s e perecíveis, e até A e x p o s i ç ã o q u e se c o n s i d e r a , hoje, c o m o
ao próprio corpo do artista. Todos os processos «histórica», a p r i m e i r a a registar o n o v o estado
f o r a m p e r m i t i d o s , i n c l u i n d o os m a i s d e s c o n - das coisas, foi Quand les attitudes deviennent forme
certantes, os m a i s provocadores, os m a i s i n c o m - no K u n s t h a l l e de B e r n a , e m 1969. H a r a l d Szee-
p r e e n s í v e i s , t o m a n d o o a r t i s t a o l u g a r do s e u m a n n , que tinha sido o s e u orquestrador, m e d i r a
p ú b l i c o o u , p e l o c o n t r á r i o , f u g i n d o dele p a r a desde logo as c o n s e q u ê n c i a s , que i m p l i c a r i a m
ir e s c u l p i r no próprio solo de u m deserto l o n - para ele e os seus companheiros estas n o v a s ati-
gínquo; u m público que foi s a c u d i d o entre tudes, esta n o v a f o r m a de arte. E l e declarou, u m
obras f a z e n d o apelo às suas reacções i n s t i n t i v a s d i a : « Q u a n d o nos r e v í a m o s c o m W i l d e , Peter-
e outras obrigando, pelo contrário, a seguir sen o u Beeren de A m e s t e r d ã o , c o m H u l t e n de
c o m p l e x o s raciocínios teóricos; u m público con- Estocolmo, só tínhamos u m a p a l a v r a : " É u m ofí-
f r o n t a d o coHi obras i n v a d i n d o o e s p a ç o , cio de m e r d a . " Caía-nos tudo e m c i m a . Q u a n d o
enquanto que era forçado a i m a g i n a r outras B e u y s espalhou a s u a m a r g a r i n a pelo chão, todos
t o t a l m e n t e i n v i s í v e i s . . . O s v a n g u a r d i s t a s do se v o l t a v a m contra nós, d i z e n d o : " S z e e m a n n está
início do século h a v i a m já, é certo, abalado a sujar o m u s e u e é c o m o dinheiro dos contri-
f u r i o s a m e n t e as c o n v e n ç õ e s e b r i n c a d o a o s buintes que se terá de l i m p a r esta imundice."»
a p r e n d i z e s de feiticeiro, m a s d u r a n t e este decé-
n i o e u f ó r i c o essas p r á t i c a s g e n e r a l i z a r a m - s e , Para retomar os termos, menos directos, de J a n
gozando de u m a área de liberdade, de que não Debbaut, é a v i d a dos conservadores de m u s e u ,
t i n h a m c e r t a m e n t e b e n e f i c i a d o os p i o n e i r o s . primeiro que a v i d a do público, que a arte contem-
É n e s t a á r e a d e l i b e r d a d e , que se c o n t i n u a a porânea «toma difícil». E a definição dessa arte
d e s e n v o l v e r alegremente a arte de hoje. contemporânea está talvez, e m parte, nessa rela-
ção entre obras que p r o c u r a m impor u m modo de
Precisamente, a arte que os conservadores de existência, que só seria rigorosamente válido para
m u s e u d e s i g n a m como « c o n t e m p o r â n e a » , é a elas, e estruturas sociais que a c e i t a m , e m c a d a
arte que, pela natureza dos seus materiais e pro- caso, inventar os meios de se lhes adaptar.
Da arte moderna E m meados do século x i x , a palavra-chave de
Baudelarie é «modernidade». O seu herói é
à arte contemporânea
o dandy, aquele que e x p r i m e a s u a originalidade.
O s anos 60 n ã o são apenas os anos de eclosão O artista frequenta as margens d a sociedade, e m
de u m a quantidade de movimentos de vanguarda, c o m p a n h i a , aliás, d a s p r o s t i t u t a s . T r i n t a anos
eles são, igualmente, como o p r o v a m os e x e m - m a i s tarde, e m Critique d'avant~garde, u m a recolha
p l o s c i t a d o s d o s m u s e u s de E s t o c o l m o e d e de ensaios de Théodore Duret, são incontáveis as
Amesterdão, o u do K u n s t h a l l e de B e r n a , os anos incidências da p a l a v r a «originalidade», para
de u m a a b e r t u r a s o c i a l a e s s a s v a n g u a r d a s . fazer o elogio dos impressionistas. Estes últimos
O s seus protagonistas g a s t a r a m m e n o s t e m p o são «exploradores», M a n e t é u m «inventor», de
a fazer-se reconhecer pelo mercado e pelas insti- onde a distância entre eles e os seus contempo-
tuições, do que Cézanne para se fazer a d m i t i r no râneos. D u r e t nota, que n e n h u m destes grandes
Salão. L e o C a s t e l l i d i z ter exposto R o y L i c h t e n s - pintores pode gozar e m v i d a d a plenitude d a s u a
tein n a sua galeria imediatamente após tê-lo reputação, porque o tempo e a distância são
c o n h e c i d o e m 1 9 6 1 , e i s s o , se b e m q u e t e n h a
necessários para apreciar as grandes obras».
a c h a d o «bizarros» os seus q u a d r o s r e a l i z a d o s
como bandas desenhadas. P o r m u i t o «bizarros» D e facto, no s é c u l o x i x , t e m tendência a
que fossem, E d y de Wilde considerou-os, apesar designar-se como «contemporânea», a massa
de tudo, como «obras-primas», quis de imediato bruta d a produção artística, m a s s a essa que não
adquirir u m p a r a o seu m u s e u e arrancou-o a é forçosamente « m o d e r n a » . H u y s m a n s lamenta
Castelli que, desejando mantê-los, os p r o p u n h a , que a «arte contemporânea» seja u m a «miserável
porém, a u m preço elevado! miscelânea» de estilos. N o início do século x x ,
A p o l i n á r i o d e f e n d e os cubistas, f a l a n d o a i n d a
Quando Ernst Gombrich actualizou a sua
Histoire de Vart, fez u m a constatação. E m 1950, de arte m o d e r n a . M a s nos anos 60, p a r a P i e r r e
data d a p r i m e i r a edição d a s u a obra, ele conside- R e s t a n y , crítico de arte e d e f e n s o r dos N o v o s
r a v a o público francamente hostil aos m o v i - R e a l i s t a s , esses, que o l h a m «a r u a " c o m o u m
m e n t o s r e v o l u c i o n á r i o s d a arte do s é c u l o x x . q u a d r o " » , que dela extraem as pin-up e m cartão
M a s q u i n z e a n o s m a i s t a r d e , s e g u n d o ele, «a de anúncios de Ambre Solaire o u que dela a r r a n -
arte m o d e r n a t i n h a t r i u n f a d o p o r c o m p l e t o » . c a m p e d a ç o s de c a r t a z e s p u b l i c i t á r i o s , s ã o os
A arte m o d e r n a que triunfou^ é a arte c o m que «artistas contemporâneos».
a sociedade se sente, finalmente, e m sincronia, é a A arte tornou-se contemporânea, falando-nos
arte, no sentido etimológico, contemporânea. da n o s s a v i d a de t o d o s os d i a s . E l a tornou-se
A arte contemporânea opera u m a s o l d a d u r a , contemporânea, q u a n d o começou, de u m a certa
lá onde a modernidade i n d i c a v a u m a r u p t u r a .
forma, a realizar o projecto moderno, no sentido
e m que o e n t e n d i a B a u d e l a i r e ; o p u b l i c i t á r i o c o m b i n a ç ã o d e s s a estética, o n d e c a d a q u a l se
R a y m o n d H a i n s é o «passeante» na grande cidade e x p r i m e e m f o r m a s que l h e são pessoais, c o m
e as pin-up de M a r t i a l Raysse têm a beleza arti- imagens que, pelo contrário, pertencem a todos.
f i c i a l das m u l h e r e s que p õ e m pó-de-arroz e N o s q u a d r o s de R a u s c h e n b e r g , a t i n t a escorre
baton nos lábios. O real do N o v o Realismo é o d a sobre fundos, onde se reconhecem fotografias d a
n o v a «natureza» u r b a n a e industrial. Certamente, a c t u a l i d a d e r e c o r t a d a s de j o r n a i s , p a i n é i s d e
encontramos traços deste real nas colagens sinalização ou de placas mineralógicas.
cubistas o u dadaístas e foi este real que represen- A pop art, informada p e l a c u l t u r a p o p u l a r e
taram - a partir de pontos de vista opostos - os pronta a nela se voltar a fundir, c o n t r i b u i u segu-
futuristas* italianos e os pintores d a N o v a Objec- r a m e n t e , tanto q u a n t o a m e l h o r i a do nível de
tividade alemã. Seguidamente, outros m o v i m e n - v i d a das classes médias e os progressos d a e d u -
tos d e s v i a r a m - s e dele o u rejeitaram-no m e s m o , cação, p a r a a democratização d a arte. O crítico
como o classicismo, que se apossou de ex-cubis- H a r o l d R o s e n b e r g constatou que, n o m e i o das
tas o u de pós-cubistas, após a P r i m e i r a G u e r r a personagens de b a n d a desenhada e dos pacotes
m u n d i a l , o u o naturalismo, que i m p r e g n o u u m a de lixívia, os artistas pop i n s e r i r a m várias repro-
parte da abstracção, após a Segunda G u e r r a duções da grande p i n t u r a histórica. Citemos
M i m d i a l . O s pós-guerras favorecem a necessidade u m a Vénus de Rubens n u m Rauschenberg, deze-
de re-enraizamento, passadista o u panteísta. n a s de M o n a L i s a s e m A n d y W a r h o l , s e m falar
das séries completas de L i c h t e n s t e i n i n s p i r a d a s
Mas, antes m e s m o do final dos anos 50, surge
e m M o n d r i a n , Picasso e, até m e s m o , e m quadros
u m n o v o estado de espírito, que se afasta do pas-
abstractos líricos, a V é n u s de Botticelli «camu-
sado. C o n j u n t a m e n t e , o adolescente que escuta
flada» por A l a i n Jacquet n u m a concha d a Shell,
Élvis Presiey, c o m o o u v i d o colado à sua apare-
o u a i n d a o remake, pelo m e s m o , do Déjeuner sur
lhagem, e os artistas, dão-se conta de que o m o d o
Vherhe. Rosenberg, u m p o u c o cáustico, s u g e r i u
de v i d a , o a m b i e n t e , estão e m v i a s de m u d a r .
que, c o n t r a r i a m e n t e às i d e i a s r e c e b i d a s , o
N o s Estados U n i d o s , o processo é diferente. N ã o
m u n d o d a pop art n ã o e r a tanto o de « t o d o s » ,
se verifica u m a emancipação e m relação ao pas- m a s o do «mundo d a arte alargado».
sado, pouco antigo, m a s e m relação á dívida p a r a
c o m a E u r o p a . A escola de N o v a Iorque - Jackson
Pollock, W i l l e m de K o o n i n g , Barnett N e w m a n -
inventa u m a abstracção, que deve m u i t o pouco
A estetização da vida quotidiana
aos p r i m e i r o s exemplos europeus. E aquilo que
H á d u a s f o r m a s de c o n s i d e r a r as r e l a ç õ e s
r e a l i z a a geração dos artistas pop que lhe suce-
entre a arte e a h i s t ó r i a , u m a e o u t r a s i g n i f i -
d e m - Robert Rauschenberg, Jasper Johns - , é a
c a n d o filosofias totalmente opostas. Seja a arte
considerada como u m reflexo d a história. Seja a ções ocorridas n a s u a estrutura. A o reatar a rela-
história feita s u r g i r sobre o f u n d o de u m espaço ção c o m os v a n g u a r d i s t a s do início do século, os
«que se a d a p t a e n o q u a l t u d o acontece» e de m o v i m e n t o s dos anos 60 i m a g i n a m - s e como a
formas «de que somos rodeados». O historiador realização desses últimos. O s projectos dos cons-
André C h a s t e l - a q u i citado - era partidário trutivistas russos recrutados p e l a revolução, os
d e s t a s e g u n d a c o n c e p ç ã o , c o n s i d e r a n d o que dos artistas e arquitectos d a B a u h a u s , que come-
ela era u m «desafio» à história n o r m a l m e n t e çavam timidamente a converter algumas empre-
praticada. E l e q u e i x a v a - s e mesmo, que à sas à s u a filosofia estética, f o r a m engolidos p e l a
m a r g e m dela, «tudo era falseado [...], a começar maré estalinista, no caso dos p r i m e i r o s , nacional-
pelo esforço ilusório p a r a " d e d u z i r " [o espaço -socialista, no dos segundos. M a s n u m a era que
a d a p t a d o e as f o r m a s ] de u m total o n d e estão v ê e s f u m a r - s e os t r a u m a t i s m o s d a S e g u n d a
já presentes». G u e r r a M u n d i a l , acalmar-se a histeria da guerra
fria e que goza d a expansão económica, é tempo
A q u e l e s que q u i s e r a m desprezar os v a n g u a r -
de retomar esses projectos no ponto e m que
d i s t a s do início do s é c u l o , que, c o m o se sabe,
f o r a m abandonados e levá-los a b o m termo.
s o n h a v a m e m m u d a r o m i m d o , e r r a r a m . Porque
neste « p ó s - p ó s - g u e r r a » de que se t r a t a , a arte M e s m o no início dos anos 50, a H o c h s c h u l e
moderna começou a transformar o m u n d o . E m i - fúr G e s t a l t u n g de U l m , a f a m o s a «escola de
grados p a r a os E s t a d o s U n i d o s , os mestres d a Ulm», quer-se herdeira d a B a u h a u s . F u n d a d a
B a u h a u s t r a b a l h a m aí e f a z e m aí escola, no sen- por i n i c i a t i v a d a f u n d a ç ã o SchoU, que h o n r a a
tido p r ó p r i o e f i g u r a d o . L á s z i ó M o h o l y - N a g y , m e m ó r i a de d o i s resistentes e x e c u t a d o s p e l o s
inventor da escultura lumino-cinética, funda n a z i s , H a n s e Sophie Scholl, d i r i g i d a nos p r i m e i -
o I n s t i t u t e of D e s i g n d e C h i c a g o , q u e f o r m a ros anos por M a x B i l l , pintor-escultor-arquitecto-
designers i n d u s t r i a i s . A s matérias plásticas dão -grafista e e x - a l u n o d a B a u h a u s , ela f o r m a , até
o r i g e m a robôs domésticos de f o r m a s s i m u l t a - ao s e u encerramento e m 1968, gerações de desig-
n e a m e n t e p l a n a s e d i n â m i c a s , que se a s s e m e - ners, nomeadamente as que i m p õ e m n a A l e m a -
l h a m bastante a e s c u l t u r a s de J e a n A r p o u de n h a u m design funcionalista, de que os produtos
C o n s t a n t i n B r a n c u s i , e n q u a n t o que os cabides B r a u n , por exemplo, são a perfeita ilustração.
eriçados de bolas coloridas são os irmãos m a i s Já não se está mais, então, n u m a França tímida,
novos dos móbiles de A l e x a n d e r Calder. onde Victor Vasarely chega, alimentado, também
Se a arte m o d e r n a restabelece a s u a relação ele, pelos princípios d a B a u h a u s , que p e r p e t u a v a
com o público, a explicação n ã o é apenas socio- a A c a d e m i a M ú h e l y , q u e ele f r e q u e n t o u e m
lógica, ela d e r i v a igualmente das n o v a s funções B u d a p e s t e . D a B a u h a u s , ele r e t o m a a i d e i a
de que a própria arte se a t r i b u i e das transforma- de u m a s i m b i o s e entre a arte e a a r q u i t e c t u r a .
C o m efeito, ele realizou m u i t o poucas integrações N o s a r t i s t a s pop, s o b r e t u d o os d a s e g u n d a
arquitectónicas e m França, mas a sua enorme geração, como Warhol e nos N o v o s Realistas,
p o p u l a r i d a d e a partir dos anos 60 avalia-se n a s encontra-se, além d i s s o , a i d e i a de que u m
r u a s . U s a m - s e casacos estampados e m op art e a n ú m e r o desses objectos são dignos de f i g u r a r no
s i g l a d a F N A C , sobre u m f u n d o d a n ç a n t e de m u s e u , ao m e s m o t e m p o que u m q u a d r o o u
pequenos rectângulos pretos e brancos, evoca u m a escultura clássicos. César escolhe no ferro-
fortemente os quadros do mestre d a arte emética - v e l h o , entre as m o n t a n h a s de compressões,
(que, quanto a ele, teria de esperar pelos anos 70, aquelas que ele considera as m a i s belas e as m a i s
p a r a dar u m pouco de d i n a m i s m o ao símbolo d a expressivas. P a r a W a r h o l , u m a coisa é certa, «os
Renault). grandes armazéns são u m a espécie de museus»,
E n q u a n t o a l g u n s se o c u p a m , a s s i m , d a este- d e t a l m o d o q u e os t e r m o s d e c o m p a r a ç ã o
tização d a v i d a q u o t i d i a n a , outros p r e t e n d e m p o d e m ser i n v e r t i d o s : «Gosto m u i t o de R o m a ,
mostrar que essa v i d a quotidiana encerra, porque é u m a espécie de m u s e u , como o grande
já, i m a g e n s que m e r e c e m a atenção dos estetas. a r m a z é m B l o o m i n g d a l e . » Não a p e n a s estes
A f i r m o u - s e , m u i t a s v e z e s , que os combine pain- artistas r e a t a m u m a ligação c o m o espírito d e
tings* de R a u s c h e n b e r g r e t o m a v a m e m g r a n d e inovação do início do século, m a s q u e r e m , p o r
escala o princípio das colagens de K u r t S c h w i t - outro lado, fazê-io compreender. A o público
ters, onde se e n c o n t r a m p e d a ç o s de fio e v e l h o s escandalizado pelas liberdades d a arte m o d e r n a ,
bilhetes de eléctrico. Q u a n t o a C é s a r e A r m a n , eles mostram que, na verdade, nessa modernidade
o p r i m e i r o e x p o n d o « c o m p r i m i d o s » de a u t o - se p e r m i t e f o r m a s e i m a g e n s j á p r e s e n t e s n o
móveis e o segundo acumulando quantidades ambiente quotidiano.
industriais de objectos, s i s t e m a t i z a m o gesto de A mensagem é d u p l a : não é preciso recear a
D u c h a m p q u e , q u a n t o a e l e , se h a v i a a p r o - arte m o d e r n a e n ã o é p r e c i s o receá-la, p o r q u e
p r i a d o de u m a g a r r a f e i r a , de u m cabide de n ã o é p r e c i s o ter v e r g o n h a d e a m a r a v i d a
c h a p é u s , de u m a pá p a r a a neve... A v a n ç a n d o m o d e r n a , c o m a sua louça de plástico e os seus
o facto, de que «as cores [ e r a m ] f a b r i c a d a s cartazes publicitários de cores gritantes. R a u s -
i n d u s t r i a l m e n t e » ( S c h w i t t e r s ) , de q u e os chenberg declarou querer situar-se «na distância
« t u b o s de t i n t a [ e r a m ] p r o d u t o s f a b r i c a d o s » entre a arte e a vida», fórmula que p r o s p e r o u .
( D u c h a m p ) , os dois dadaístas, c a d a u m por s e u Já p a r a W a r h o l , as c o i s a s são m a i s c o n f u s a s :
l a d o , h a v i a m d a d o a e n t e n d e r que n ã o h a v i a « N ã o p o s s o e x p l i c a r - v o s o q u e é a pop art, é
r a z ã o p a r a n ã o se u t i l i z a r t a m b é m , n a s obras demasiado complicado. E l a simplesmente pega
de arte, q u a l q u e r outro objecto p r o d u z i d o no exterior p a r a o colocar n o interior e pegar no
industrialmente. i n t e r i o r p a r a o c o l o c a r n o e x t e r i o r , i n s e r i r os
objectos n o r m a i s e m casa. A pop art é p a r a todos. que c o n t i n u a m a p o v o a r o m u n d o m o d e r n o : a
N ã o penso que a arte d e v a ser reservada a u m a lembrança das férias na Alta-Sabóia, exposta e m
elite, acho que d e v e r i a destinar-se à m a s s a dos c i m a do aparelho de televisão.
a m e r i c a n o s , que d e q u a l q u e r f o r m a a a c e i t a m M a s a a d e s ã o à arte dos anos 60 n ã o se faz
habitualmente.» unicamente através dos n o v o s temas. A l g u m a s
O crítico de arte L a w r e n c e A U o w a y , que par- formas, u m estilo - o u talvez antes, u m a ausên-
t i c i p a n a e m e r g ê n c i a p r e c o c e d a pop art e m cia de estilo - , favorecem-na igualmente. A p i n -
Inglaterra - é m e s m o ele q u e m baptiza o m o v i - t u r a d o pós-guerra tinha d a d o o r i g e m a quase
mento - , opôs-se ao s e u colega C l e m e n t G r e e n - tantos e s t i l o s , q u a n t o s os p i n t o r e s e x i s t e n t e s .
berg, autor de u m artigo célebre contra o kitsch. Teórico do action painting*, H a r o l d R o s e n b e r g
P a r a A U o w a y , a n i m a d o pelo desejo de «encora- tinha, mesmo, avançado a ideia de que os pintores
jar a imbricação do que se c h a m a " a a r t e " e " a forjavam a sua personalidade, no decurso d a exe-
v i d a " , n ã o se trata de «reduzir os media a " u m cução dos seus quadros. Ninguém senão W i l l e m
ersatz de c u l t u r a " » . «O n o v o p a p e l atribuído às de K o o n i n g podia pintar u m a m u l h e r como ele a
belas-artes é o d e representar u m a d a s f o r m a s p i n t a v a , p o r q u e essa m u l h e r , n a v e r d a d e , n ã o
possíveis de comunicação no seio de u m sistema representava tanto u m a mulher, m a s e x p r i m i a a
e m expansão, que i n c l u i igualmente as artes de personalidade p r o f u n d a do pintor... E m contra-
m a s s a . » N o s a n o s 80, Jeff K o o n s t o r n a - s e n a partida, o «estilo» da M a r i l j m de W a r h o l asseme-
estrela da arte a m e r i c a n a c o m obras de u m Iha-se ao dos cartazes publicitários, nos quais é
kitsch p a r o x í s t i c o , c o m o as s u a s g i g a n t e s c a s habitual vê-la e qualquer u m que disponha de u m
esculturas de m a d e i r a polícroma, i n s p i r a d a s no material serigráfico pode reproduzi-la.
folclore a l p i n o . E i s como ele nos d e s c u l p a p o r A u m a estética muito i n d i v i d u a l i z a d a , sucede
não as detestarmos: «O que e u digo às pessoas, é u m a estética impessoal, de certa f o r m a colectiva.
que n ã o d e v e m apagar o s e u passado... A s coisas W a r h o l r e a l i z a obras o r i g i n a i s c o m a a j u d a de
c o m que e s t ã o e m contacto, as coisas s i m p l e s u m a técnica mecânica, até então r e s e r v a d a à
que são belas, como u m a flor. O u essa pequena reprodução, a serigrafia. E l e a f i r m a querer «ser
coisa sentimental, que sempre nos lembramos de u m a m á q u i n a » . L i c h t e n s t e i n insiste n e s t a d i f e -
ter v i s t o , q u a n d o se era p e q u e n o e se v i s i t a v a rença entre a s u a geração e a dos expressionistas
a avó.» A expansão do sistema está no seu máximo; a b s t r a c t o s : «A g e r a ç ã o p r e c e d e n t e p r o c u r a v a
já n ã o se trata apenas de ter gosto por esse m a u a l c a n ç a r o s e u s u b c o n s c i e n t e , e n q u a n t o os
gosto m o d e r n o , c o m que s o n h o u , de q u a l q u e r a r t i s t a s pop p r o c u r a m d i s t a n c i a r - s e d a s s u a s
f o r m a , porque ele era o s i n a l do progresso social, o b i a s . E u q u e r o que a m i n h a o b r a t e n h a u m
trata-se de amar, também, os bibelôs nostálgicos. aspecto programado e impessoal...» 27
26
ca-Cola e x p r e s s i o n i s t a a b s t r a c t a » ) , n o o u t r o ,
é simplesmente reproduzida a preto e branco,
estilo gráfico que será, finalmente, o d a pop.
^ A n t o n i o não hesita: «Andy, o quadro abstracto
u m a m e r d a , o outro é notável. É a nossa socie-
ade, é o que n ó s somos...» A q u e l e que não
iuer o u t r a coisa, s e n ã o estender u m espelho à
iedade, seguirá o s e u conselho. E l e escolherá,
multiplicará, as imagens que p e r m i t e m a i d e n -
cação.
Vasarely f o i u m a v e d e t a e a op art penetrou
nos meios d a m o d a e d a publicidade. D e facto,
este m o d o d e difusão indirecto f o i m a i s eficaz d o
que a d i f u s ã o d a s p r ó p r i a s o b r a s d o a r t i s t a ,
q u a n d o este a p r o c u r o u e m g r a n d e e s c a l a .
V a s a r e l y e s c r e v e u q u e s o n h a v a c o m u m a «arte
Jeff K o o n s , Woman in tub, 1988
social». A p o i a d o p e l a galeria D e n i s e R e n é , ele
Esculturas com temas frequentemente provocadores, fabricadas c r i o u m u i t o p a r a a e s t a m p a g e m e c o n c e b e u ,
segundo os modelos de bibelots kitsch. também, o q u e se d e s i g n a v a como «múltiplos»,
Porcelana, edição de três, 63,5x91x68,5cm. isto é, obras q u e n ã o e r a m reproduções d e u m
Galerie Sonnabend, New York.
© Jeff Koons original, m a s a realização e m série d e u m p r o -
tótipo.
A experiência dos múltiplos revelou-se curta,
U m episódio contado p o r u m amigo de ssim como n ã o chegou a seu termo u m projecto
Warhol, o cineasta Emile D i Antonio, e que de colaboração c o m a I B M . S e m pretender ser,
o filósofo A r t h u r Danto salientou pertinen- ele próprio, u m a máquina, Vasarely concebia as
t e m e n t e , r e s u m e a n o v a r e l a ç ã o q u e esta arte suas f o r m a s , t a m b é m elas impessoais, s e g u n d o
estabelece entre ele e nós. E n q u a n t o W a r h o l está u m m é t o d o c o m b i n a t ó r i o , q u e ele c o n s i d e r a v a
a i n d a , enquanto artista, e m v i a s de se encontrar, poder ser transmitido a u m a máquina. «Com
ele apresenta u m d i a , a esse amigo, dois quadros base n a s m i n h a s p r o g r a m a ç õ e s , e s c r e v i a ele,
representando c a d a q u a l u m a g a r r a f a d e Coca- será possível recriar todas as m i n h a s obras, m a s
-Cola. N u m , a g a r r a f a e s t á t o d a m a n c h a d a também aquelas, incontáveis, que a m á q u i n a nos
de cores (é o q u e D a n t o c h a m a d e «garrafa de proporá.» Se esta m á q u i n a p e r m a n e c e u utópica.
foi porque as estruturas d a sociedade se encon- porque os artistas são seus pares. A crítica de arte
t r a v a m e m atraso nas ruas. Pois, das janelas d a L u c y L i p p a r d traçou desta forma, a lista das p r i -
s u a g a l e r i a , n a R u a de L a Boétie, D e n i s e R e n é m e i r a s o c u p a ç õ e s d e t o d o s os g r a n d e s pop:
p o d i a ver, do outro lado d a r u a , as montras do «Warhol d e s e n h a v a , com bastante sucesso,
P r i s u n i c repletas de toalhas de turco estampadas sapatos p a r a u m a r e v i s t a de m o d a ; R o s e n q u i s t
ao estilo op art. U m d i a teve m e s m o de instaurar era publicitário de profissão, L i c h t e n s t e i n
u m processo c o n t r a as G a l e r i e s L a f a y e t t e , que m o n t r i s t a e d e s e n h a d o r de m o d a , enquanto
haviam utilizado abusivamente o pormenor O l d e n b u r g e r a i l u s t r a d o r de j o r n a i s . Q u a n t o a
de u m quadro de Vasarely, para decorar as suas Wesselmann, tinha estudado desenho animado.»
f a c h a d a s . A apropriação d a arte m o d e r n a pelo Q u a n d o se estabeleceu e m Paris, Vasarely fez tra-
grande público tinha realmente ocorrido. balhos gráficos p a r a H a v a s , Jacques M o n o r y e
Peter Stãmpfli, participantes da exposição Mytho-
logies quotidiennes, e m 1964, e m P a r i s (a corrente
O artista, um homem como os outros cristalizada por esta exposição, tinha-se atribuído
como m i s s ã o «falsear» a estética pop e a d o p t a r
o « m u n d o d a arte alargado» d e que f a l a v a u m ponto de v i s t a crítico sobre a sociedade) e
R o s e n b e r g é, n a v e r d a d e , u m m u n d o d a a r t e que enveredaram, também, pela v i a do grafismo.
simultaneamente expansivo e permeável. E l e
Q u e pintores exerçam u m a o u t r a a c t i v i d a d e
permanece m a r g i n a l , m a s já não está encerrado
além d a p i n t u r a p a r a ganhar a v i d a , não é n o v o .
sobre s i m e s m o , n e m é h o s t i l . O a r t i s t a p r o v a
O que o é, e m c o n t r a p a r t i d a , é o f a c t o d e l e s
que se i n t e r e s s a , p r e c i s a m e n t e , p e l a s m e s m a s
adaptarem à sua prática artística, métodos
coisas que todos os seus contemporâneos. M a i s ,
ele trabalha como qualquer u m , c o m máquinas, extraídos d a s u a a c t i v i d a d e l u c r a t i v a . O s artistas
ou pelo menos sem pretender distinguir, por contemporâneos são pragmáticos, insubmissos à
meio de «um toque inimitável», as suas realiza- aprendizagem do ofício de pintor o u de escultor,
ç õ e s do lote n o r m a l d a s p r o d u ç õ e s h u m a n a s . m a s e x t r e m a m e n t e h á b e i s p a r a f o r j a r os s e u s
E s t e d a d o n ã o é de negligenciar, p a r a se c o m - p r ó p r i o s i n s t r u m e n t o s e m é t o d o s o u p a r a se
preender como e v o l u i u o olhar do público. apossar dos dos outros.
Q u a l q u e r u m p o d e r á perceber que é, a p a r t i r Tornou-se raro f i c a r desorientado diante de
de agora, p o s s í v e l tornar-se a r t i s t a , s e m se ter u m a obra de arte, como se ela fosse o resultado
frequentado u m a academia, s e m possuir sequer de u m a misteriosa a l q u i m i a (de u m segredo de
u m d o m p a r t i c u l a r . O s p r i m e i r o s a percebê-lo, atelier!); o m o d o de execução parece transparente,
s ã o f o r ç o s a m e n t e a q u e l e s que t r a b a l h a m e m o que i n d u z u m n o v o m o d o de a p r e c i a ç ã o : já
publicidade o u na ilustração, muito simplesmente. não nos encontramos na situação dos nossos
í bisavós, assistindo à «decrepitude» d e u m a arte
n o b r e e a n t i g a , que d e v a s t a m esses i m p r e s s i o -
•nistas que n ã o t e r m i n a m os seus quadros.
Pelo contrário, é-nos permitido apreciar o
e n o b r e c i m e n t o , g r a ç a s à e x p l o r a ç ã o que delas
' a z e m os a r t i s t a s , d e t é c n i c a s a t é a q u i p o u c o
consideradas, porque novas - sem memória,
logo sem d i m e n s ã o c u l t u r a l - e i n d u s t r i a i s .
E m 1964, Restany forjou o termo «mec art», para
designar, entre outros, o trabalho de A l a i n
Jacquet, que, u t i l i z a n d o também ele a serigrafia,
e x e c u t a v a q u a d r o s q u e a p r o v e i t a v a m , exage-
r a n d o - o s , os processos d a reprodução fotográ-
fica: t r a m a e separação d a s cores.
O artista já n ã o é u m ser excepcional c o m o
q u a l n ã o nos poderíamos comparar, ele é alguém
como nós. Aliás, D u c h a m p , esse simpático dile-
tante, que a f i r m a v a ter u m a «vida de empregado
de c a f é » , p ô s - n o s à v o n t a d e : « N o f u n d o , n ã o
acredito n a função c r i a d o r a do artista. É u m
h o m e m como qualquer outro, e n a d a m a i s . F a z
parte d a s u a profissão fazer certas coisas, m a s o
h o m e m de negócios t a m b é m faz coisas...» E l e é
u m artista que, u m d i a , m e fez v e r a que ponto
os N o v o s R e a l i s t a s , ao a p r e g o a r o s e u gosto
por u m determinado m o d o de v i d a , e m que, por
e x e m p l o , os b o n s a u t o m ó v e i s t i n h a m o s e u
lugar, h a v i a m c o n t r i b u í d o p a r a d a r u m a n o v a
imagem do artista e m geral. U m a imagem de
A l a i n Jacquet, Marte e Vénus, 1995
que, certamente, b e n e f i c i a r a m as gerações
Fotografias do cosmos são trabalhadas por anamorfoses no seguintes - e o m e u interlocutor pertencia a u m a
computador e reproduzidas em grandes formatos, graças a um d e l a s . P a r a a q u e l e s q u e , n a s s u a s o b r a s , r e v e -
pincel electrónico.
l a v a m o c r e s c i m e n t o d o s bens m a t e r i a i s , a c a -
©ADAGP, Paris, 1997
bara-se a boémia que apenas alimenta o espírito.
Galerie Daniel Templon, Paris
P r o g r e s s i v a m e n t e , e m c a m a d a s sociais c a d a
v e z mais d i v e r s i f i c a d a s , a sensação e x p e r i m e n - Temporalidade
t a d a p e l o p ú b l i c o de s e r m a n t i d o à m a r g e m
do m u n d o artístico, a i n d a que simplesmente
p o r q u e esse m u n d o t e r i a feito p o u c o d o s e u ,
esbate-se. T o r n a - s e possível a q u a l q u e r u m
incorporar-se, realmente ou pela imaginação,
nesse m u n d o . E o incrível sucesso c o m e r c i a l e
mediático d a arte c o n t e m p o r â n e a n o s a n o s 80,
revelou que h a v i a u m a imensidão de candidatos
a essa incorporação.
M a i s u m a v e z , e n c o n t r a m o s e m W a r h o l os
p r i m e i r o s s i n a i s do poder, a p a r t i r de agora,
atractivo da arte m o d e r n a . Q u e m não o u v i u
f a l a r d a F a c t o r y , esse g r a n d e a r m a z é m q u e
D
s e r v i a a W a r h o l d e íifc/í>r-estúdio-escritório e
El*ois da Factory, o círculo alargou-se. Aliás,
de sala de recepção? D a d a s as n u m e r o s a s a c t i v i -
por que razão não seríamos cada v e z m a i s
dades que aí se desenrolavam, nomeadamente a
numerosos a tomar parte na história da arte,
rodagem de filmes e a edição da revista Interview,
n a m e d i d a e m que tomamos já parte n a história
e r a toda u m a e q u i p a q u e aí t r a b a l h a v a . M a s
tout court?
a i n d a m a i s gente por lá p a s s a v a ; a F a c t o r y era o
N u m ensaio consagrado ao q u e ele d e s i g n a
local de encontro de todo u m meio nova-iorquino,
como a «sobre-modernidade», Mare Augé,
no m í n i m o « m i s t o » , e m g r a n d e p a r t e a t r a í d o
i n v e n t o r de u m a etnologia d a nossa v i d a quoti-
pelo ar de liberdade transgressiva que represen-
d i a n a , constata u m a espécie de democratização
t a v a e, também, p e l a personalidade daquele, que
d a relação com a história. «Temos a história n o
h a v i a v a t i c i n a d o a todos u m a c e l e b r i d a d e d e
nosso encalço, escreve ele. [...] A história: isto é,
pelo menos u m quarto de h o r a . Pat H a c k e t t , que u m a série de acontecimentos reconhecidos como
c o m p i l o u o j o r n a l o r a l de W a r h o l , d e s c r e v e u a a c o n t e c i m e n t o s p o r m u i t o s (os B e a t l e s , 68, a
multidão de personagens m a i s o u menos excên- g u e r r a d a Argélia, o V i e t n a m e , [...] a guerra d o
tricos que «se a c o t o v e l a v a m à porta», o u seja, à G o l f o , a fragmentação d a U R S S ) , acontecimentos
porta da Factory, na esperança de serem «desco- sobre os quais podemos pensar que serão i m p o r -
bertos», isto é, conseguir u m p a p e l n u m dos tantes aos olhos dos historiadores de a m a n h ã o u
filmes que aí se r o d a v a m . de d e p o i s de a m a n h ã e aos q u a i s c a d a u m d e
n ó s , p o r m u i t o c o n s c i e n t e q u e esteja, d e n ã o d e q u e s e e n c o n t r a v a «still alive», e n q u a n t o
ter m a i s a v e r c o m i s s o d o q u e F a b r i c e e m Joseph B e u y s pretende, com o rosto coberto de
Waterloo, pode associar certas circunstâncias o u m e l e o u r o , e x p l i c a r os q u a d r o s ao c a d á v e r
certas imagens particulares, como se fosse a cada de u m a lebre, que segurava nos seus braços. Q u a l
dia menos verdade, que os homens, que f a z e m a é a relação c o m os camiões-reboque e as escava-
história (pois, senão, q u e m m a i s ? ) , n ã o soubes- d o r a s , que R o b e r t S m i t h s o n i r i a p o u c o d e p o i s
s e m que a fazem.» m o b i l i z a r para desenhar, no G r a n d e L a g o
C o m efeito, a função de legitimação dos Salgado, u m a espiral de quatrocentos e cinquenta
m u s e u s opera nos dois sentidos. P o r u m lado, a metros de diâmetro, com rochas negras de
desconcertante d i v e r s i d a d e d a criação exige, basalto? O r a , antes m e s m o do final do decénio,
p a r a que se p o s s a t o m á - l a c o m o r e f e r ê n c i a e estes artistas f o r a m c o n v i d a d o s a p a r t i c i p a r e m
d a r - l h e u m s e n t i d o , q u e se p r o c u r e m as s u a s exposições e m m u s e u s . F o r a m , e m 1969 e entre
fontes esclarecedoras no passado, longínquo o u o u t r a s , Quand les attitudes deviennent forme e m
recente. P o r outro, toda a criação contemporânea Berna, Op tosse Schroeven (à letra, «cavilhas quadra-
a s s i m e s c l a r e c i d a , j u s t i f i c a d a , p e l a s u a relação das e m buracos redondos») no Stedelijk M u s e u m
c o m o passado, vê-se automaticamente i n s c r i t a de Amesterdão, Konccption/Conception no M u s e u de
no prolongamento desse passado: ela é, ela L e v e r k u s e n . W i m Beeren, o organizador de
própria, u m elo histórico e m potência. N a v e r - Op losse Schroeven, explicou claramente que se tra-
dade, quanto m a i s a criação contemporânea nos tava para ele e para os seus colegas, simultanea-
parece caótica, ininteligível, d e s p i d a de sentido, mente, de descobrir todas essas novas formas de
m a i s experimentamos a necessidade de acelerar a r t e e, u m a v e z p a s s a d o o p r i m e i r o c h o q u e ,
a sua historiação. de compreender, eventualmente, o que as ligava.
O efeito de n o v i d a d e das obras faz cair,
momentaneamente, a opacidade do código s i m -
O efeito de novidade bólico: não v e m o s u m quadro representando
u m a coisa, v e m o s essa própria coisa. Este fenó-
N a segunda metade dos anos 60 e início dos meno é tão v e l h o quanto a arte m o d e r n a , talvez
anos 70, começaram a proliferar pesquisas artís- tão v e l h o quanto a arte. São, antes de m a i s , os
t i c a s , q u e p o u c o se a s s e m e l h a v a m a a l g o de refractários que dele se apossam, c o m o os pássa-
conhecido e que, além do m a i s , não t i n h a m ros de Platão dos cachos de u v a s pintados: eles
qualquer u n i d a d e entre s i . F o i nos últimos anos n ã o vêem u m a V é n u s n a Olympia de Manet, m a s
desse período, que O n K a w a r a c o m e ç o u a e n v i a r u m a m u l h e r banal exercendo a função de modelo.
telegramas, p a r a i n f o r m a r os s e u s destinatários Pode m e s m o acontecer, que este tipo de leitura.
s e m distanciamento, se f u n d e , paradoxalmente, acção, p r o c u r a m e i m p õ e m essa colusão/colisão
n u m a p r o j e c ç ã o f a n t á s t i c a . L e m b r o - m e de u m entre o p ú b l i c o e a o b r a . O b r a s e f é m e r a s , que
artigo sobre Le Lit (o leito, a cama) de Rauschen- exacerbam o breve instante que u m p u n h a d o de
berg, onde o autor d i z i a v e r manchas de sangue espectadores p a r t i l h a c o m elas; obras «abertas»,
e de esperma, lá onde n ã o h a v i a senão tinta bor- que não e x i s t e m senão p o r q u e os espectadores
r a d a sobre trapos. M u i t o s artistas que s u r g i r a m as tocaram, penetraram. A q u e l e s que d e r a m c o m
n a a l t u r a d a Op losse Schroeven, r e s u m i a m n a o n a r i z no m u r o de b a r r i s e r i g i d o p o r C h r i s t o
p a l a v r a «café» a descrição das obras de J a n n i s e Jeanne-Claude na R u a Viscontti, e m Paris, e m
K o u n e l l i s , que, c o m efeito, tinha disposto sacos 1962, o u que, m a i s numerosos, e m 1985, atraves-
de juta cheios de café e outras matérias, aliás. s a r a m a Pont-Neuf empaqueté ( P o n t e - N o v a e m p a -
Q u a n t o aos defensores das n o v a s formas de cotada) realizada pelos mesmos, g u a r d a m disso,
arte, toda a s u a m i s s ã o consiste e m celebrar o sem dúvida, u m a lembrança m a i s v i v a , do que a
p r a z e r de se sentirem e m pé de igualdade c o m sensação que se experimenta diante de fotografias
o artista, de p a r t i l h a r e m s e m m e d i a ç ã o da s u a desses m e s m o s acontecimentos. A m a i o r parte
experiência, c o n t i n u a n d o a g a r a n t i r que existe deles n ã o t i v e r a m m a i s responsabilidade nisso,
de facto, apesar de tudo, «obra» de arte. A p i n - que Fabrice e m Waterloo ( p a r a retomar a c o m -
t u r a dos i m p r e s s i o n i s t a s , e x e c u t a d a sobre o p a r a ç ã o de M a r e A u g é ) , m a s p o d e m d i z e r a s i
m o t i v o , logo s e m esboço intermédio, regista m e s m o s , c o n s i d e r a n d o o l u g a r agora atribuído
sensações, que f a z e m D u r e t a f i r m a r : «E preciso a estas obras nos anais d a arte, que f o r a m os tes-
correr c o m M o n e t pelos c a m p o s . » M a s ele n ã o t e m u n h o s d i r e c t o s de u m m o m e n t o h i s t ó r i c o .
se esquece de i n s i s t i r s o b r e o facto, de q u e é E dessas obras, a s u a m e m ó r i a é o depositário;
t a m b é m pelos seus efeitos de n o v i d a d e , que u m a v e z eles desaparecidos, q u a l q u e r coisa de
esta p i n t u r a p o d e p r e t e n d e r ser a h e r d e i r a d a essencial será p e r d i d a p a r a sempre.
« G r a n d e A r t e d a R e n a s c e n ç a » . Três quartos de
s é c u l o m a i s t a r d e , os a r g u m e n t o s s e r ã o reto-
m a d o s , quando se t o m a r necessário explicar os O público participa
happenings de A l l a n K a p r o w , que, quanto a ele,
faz realmente correr o s e u público pelas ruas de O u t r a s o b r a s são c o n c e b i d a s de t a l f o r m a ,
N o v a Iorque. que o espectador sente m e s m o que toma parte
O s v a n g u a r d i s t a s que, n a v i r a g e m dos anos n a s u a r e a l i z a ç ã o . E l e é, e m p a r t e , s e u actor.
60-70, se a p r o p r i a m de todo o tipo de materiais, U m b e r t o E c o descreveu m u i t o cedo, n a s u a céle-
i n c l u i n d o aquele que c a m i n h a sobre os passeios, bre obra VCEuvre ouverte, o processo. P e l a s u a
e igualmente o corpo daqueles que v ê m assistir à interpretação, por vezes pela sua acção efectiva.
E l e oferece aos passantes a o p o r t i m i d a d e de
aguçar as suas faculdades perceptivas: de ver o
m u n d o de outra f o r m a através de u m caleidos-
cópio gigante o u de abandonar deliberadamente
a s u a segurança c a m i n h a n d o sobre p e d r a s tor-
tas. C o m u m a seriedade que o conduzirá a u m a
crítica social rigorosa, H a n s H a a c k e realiza ver-
d a d e i r o s inquéritos. P o r e x e m p l o , a q u a n d o de
u m a exposição n u m a galeria n o v a - i o r q u i n a , ele
c o n v i d a cada visitante a assinalar n u m m a p a o
seu local de nascimento e a s u a m o r a d a . A obra,
i n t i t u l a d a Perfil dos visitantes de uma galeria, é
0 r e s u l t a d o desse i n q u é r i t o e f o i a p r e s e n t a d a
por ocasião de u m a outra exposição. A s s i m , é o
c o n j u n t o do p ú b l i c o q u e , a t r a v é s d o q u e as
Christo e Jeanne-Claude,
O Reichstag empacotado, B e r l i m , 1971-1995
moradas d i z e m sobre a origem e a situação social
ide c a d a u m , terá d a d o f o r m a à obra. O artista
Uma transfiguração dos monumentos públicos, símbolo e
iconceptual L a w r e n c e Weiner, que, n a m a i o r
referência da memória colectiva.
parte d a s v e z e s , a p e n a s nos apresenta as suas
© Christo e Jeanne-Claude
© Wolfgang Wolz
obras sob u m a f o r m a v e r b a l , fá-las a c o m p a n h a r
He instruções, que d e i x a m em aberto todas as
p o s s i b i l i d a d e s : « O artista p o d e realizar a obra.
A obra p o d e ser r e a l i z a d a p o r q u a l q u e r outro.
O destinatário d a obra completa-a. N o s anos 70,
A obra não tem de ser necessariamente realizada.»
c h a m a v a - s e a este princípio a «participação
1 U m a parte considerável das obras p r o d u -
do espectador». D e u m a f o r m a geral, tratava-se
líidas n o s é c u l o x x i n s c r e v e m - s e n a t r a d i ç ã o ,
de a b a n d o n a r u m a c o n c e p ç ã o d o a r t i s t a q u e
herdada do pensamento do século x i x , d i t a espe-
« i m p õ e » ao p ú b l i c o a s u a v i s ã o d o m u n d o
culativa. Estas obras não são tanto representações
e p e r m i t i r a esse público e x p r i m i r - s e ele próprio.
e x p l o r a ç õ e s do m u n d o o u do ser h u m a n o ,
Sob o m o d o lúdico, isso dá lugar, u m pouco
mas reflexões sobre a definição d a própria arte.
a n t e s d e 1968, e m P a r i s , às a c ç õ e s d o G r u p o
E n c o n t r a m - s e entre elas, tanto os q u a d r o s abs-
de p e s q u i s a de arte v i s u a l ( G r a v - G r o u p e de
tractos d a escola formalista, onde se experimenta
recherche d'art v i s u e l ) , que faz descer a arte
a p l a n u r a d a tela, o limite d a m o l d u r a , e t c , como
cinética às ruas.
os dispositivos d a arte conceptual, que p õ e m e m certos objectos será o de u m a obra de arte. Estes
questão os nossos hábitos perceptivos e s u s c i t a m objectos só se t o r n a m obras sob o nosso olhar,
textos teóricos. Segundo u m dos líderes do sob c o n d i ç ã o , e v i d e n t e m e n t e , d e q u e este as
movimento, Joseph K o s u t h , a arte conceptual aceite. Não tanto obras, portanto, m a s propostas
substitui a filosofia. de obras. N a a l t u r a e m q u e D a n i e l B u r e n p e n -
N o m e i o deste t e r r e n o d e d e s c o n s t r u ç ã o / d u r a v a n a r u a f o l h a s de p a p e l i m p r e s s a s c o m
/ r e c o n s t r u ç ã o , d o m i n a o ready-made. S e r á ele as suas famosas bandas brancas e coloridas alter-
o f u n d a m e n t o o u a g a n g r e n a d a a r t e que l h e nadas (embora n a altura elas não fossem e v i d e n -
sucede? A q u e l e s que acreditam n a arte contem- temente famosas e o artista defendesse m e s m o
porânea e aqueles que a atacam, c o n t i n u a m o s e u a n o n i m a t o ) , ele n ã o p r o c u r a v a fazer d o s
a defrontar-se, e a especular, e m torno desta painéis publicitários os locais de exposição de u m
questão. D e q u a l q u e r f o r m a , o ready-made c o n - m u s e u a céu aberto. E l e que criticava a vontade
fere ao público u m a e n o r m e r e s p o n s a b i l i d a d e , de poder dos outros artistas, não pretendia obri-
porque é este que, e m última instância, decide gar o p a p a l v o a cair de costas diante d a s s u a s
se aceita o u n ã o que u m a roda de bicicleta, m o n - bandas, como se se tratasse d a Gioconda. O olhar,
tada ao contrário sobre u m banco, é u m a obra de atento ou não, era livre de descobrir, por acaso,
arte. E n t r e a s d i v e r s a s motivações que l e v a r a m essa s e r e n i d a d e semântica no meio d a floresta
D u c h a m p a expor objectos m a n u f a c t u r a d o s , dos sinais urbanos e eventualmente interrogar-se
f i g u r a v a o desejo d e p ô r à p r o v a o gosto d o s sobre a sua função. E s t a tomada de consciência
seus contemporâneos. O resultado impôs-se-lhe bastava a B u r e n para justificar a s u a intervenção.
m u i t o rapidamente: «Podemos fazer engolir seja N o caso e x t r e m o d e u m o l h a r esclarecido, que
o que for às pessoas, e foi isso o que aconteceu.» teria reconhecido a m a r c a de u m artista de v a n -
F o i p o r q u e u m consenso se acabou por i m p o r , g u a r d a , B u r e n teria proposto a seguinte inter-
que u m u r i n o l , r e c u s a d o e m 1917 pelo júri d e pretação: é o olhar condicionado do apreciador,
u m Salão, abriu, sessenta anos mais tarde, que transporta consigo o contexto do m u s e u . . .
a r e t r o s p e c t i v a M a r e e i D u c h a m p no C e n t r o O g r u p o A r t & L a n g u a g e escolhia, delibera-
G e o r g e s - P o m p i d o u . D u c h a m p , quanto a ele, amente, «campos de atenção» particularmente
h a v i a já concluído: «Eu d o u àquele que a observa ifíceis de i d e n t i f i c a r e n q u a n t o objectos e, no
[a obra de arte], tanta importância como àquele e c u r s o de d i s c u s s õ e s á r d u a s , a n a l i s a v a a s u a
que a realizou.» v e n t u a l pertinência no campo artístico. Por
x e m p l o , seria necessário c o n s i d e r a r o s i s t e m a
A s s i m , não somos simplesmente c o n v i d a d o s
e climatização como parte integrante d a expo-
a completar obras de certa f o r m a inacabas,
ição? H a v i a a l g o de S ó c r a t e s nestes terríveis
t e m o s i g u a l m e n t e de d e c i d i r se o estatuto d e
dialécticos. A especulação intelectual s u s c i t a d a A noção de e n u n c i a d o p e r f o r m a t i v o , Jarton
por essas questões constituía a obra e o círculo encontrou-a, t a l v e z , e m Victor B u r g i n . Q u a n d o
de d i s c u s s ã o e r a aberto ao c r í t i c o que e s t a v a B u r g i n dela fez u m a das suas bases teóricas, ele
associado à s u a p e s q u i s a e a a l g u m a s pessoas, concebia obras c o m p o s t a s de p r o p o s i ç õ e s tex-
como estudantes interessados. A noção de público tuais, acompanhadas, ou não, de u m a fotografia.
E s t a s sequências oferecem u m q u a d r o s i m u l t a -
e r a m e n o s l a t a , d o que n o caso d o G r a v , q u e
neamente preciso e abstracto, que o espectador-
se d e d i c a v a a sensibilizar o h o m e m d a r u a , mas
-leitor preenche c o m a imaginação. A q u i , não é o
o nível de competência exigido era m a i s elevado!
«público» e m geral, que contribui para a consti-
U m crítico, C y r i l Jarton, teve a ideia de asso- tuição d a obra, é cada u m e m particular, desde
ciar a noção de arte contemporânea a u m a cate- que queira realmente entrar no jogo, que elabora
goria de obras, que ele qualifica de «activas». E m mentalmente u m a obra, sempre, e m parte, n o v a .
linguística, designa-se como activo, u m enunciado E possível que todos os exemplos abarcados
que é a acção ao mesmo tempo que a descreve. desde o início deste capítulo, n ã o f a ç a m senão
«Prometo-te que...» é u m enunciado activo. Não p ô r a n u e a m p l i f i c a r u m a lei, que o filósofo L u i g i
apenas se d i z que se promete, m a s é dizendo-o, P a r e y s o n c o n s i d e r a v a c o m o válida p a r a toda a
que se p r o m e t e e f e c t i v a m e n t e . J a r t o n constata obra digna desse nome, a saber, que, no domínio
que, hoje, u m grande número de artistas utilizam d a arte, «formar significa " f a z e r " , mas u m fazer
materiais que não são considerados a priori como tal que, enquanto faz, i n v e n t a a s u a m a n e i r a de
artísticos e que seguem métodos muito pessoais. fazer». E é igualmente possível, que a «participa-
A s suas obras n ã o se d e f i n e m , a s s i m , n u n c a ção do espectador» não seja senão u m a sistema-
tização do papel determinante, que o m e s m o filó-
enquanto tais, por referência a u m modelo, que
' sofo reconhecia já à recepção. N o entanto, antes
l h e s s e r i a e x t e r i o r , de o b r a de arte, m a s só se
d e s t e s v a n g u a r d i s t a s do f i n a l d o s a n o s 60,
c o n s t i t u e m c o m o obras de arte n a confluência,
n e n h u m a obra terá pretendido tão legitimamente
inédita e que permanecerá única, dos seus méto-
à qualidade de «contemporânea»: n e n h u m a terá
dos. Aliás, m u i t a s dessas obras - performances, c o n f u n d i d o tanto a s u a existência, c o m a actua-
instalações... - c o n f u n d e m tempo de elaboração lização dos seus dados pelo s e u destinatário.
e tempo de exposição. O artista não reutilizará,
p r o v a v e l m e n t e n u n c a , os objectos, n e m as técni-
cas a que r e c o r r e u em d e t e r m i n a d a ocasião; Obras sempre frescas
d i a n t e de u m o u t r o p ú b l i c o , o performer n ã o
r e p e t i r á n u n c a os m e s m o s gestos. N o l i m i t e , P a r a a museologia, as consequências não são
p o d e r - s e - i a dizer, que c a d a obra e n u n c i a a sua benignas. Sabe-se que a arte contemporânea
definição do que é u m a obra de arte. designa, globalmente, esses objectos intranspor-
táveis, o u i m p e r c e p t í v e i s , precários, por v e z e s aos n o v o s m o d o s d e p r o d u ç ã o ; ele v ê - s e , p o r
que sujam, que não se sabe m u i t o b e m por que vezes, e n v o l v i d o e m p r o b l e m a s que os j u r i s t a s
l a d o considerar. A o que se acrescenta que, e m a i n d a n ã o e s t u d a r a m e e m processos que espan-
m u i t o s casos, o c o n s e r v a d o r tem que ser u m a tam o u d i v e r t e m aqueles que não são d a profis-
espécie de intérprete. Q u a n d o e n t r a m n a compo- são. Por exemplo, o Centro possui u m a obra de
sição das obras, objectos que têm de ser renova- Mareei Broodthaers, que se apresenta como u m a
dos, o u m o n t a d o s de f o r m a d i v e r s a e m função divisão c o m p a r e d e s de m a d e i r a t r a b a l h a d a e
de u m novo espaço de exposição, o conservador, coberta de i n s c r i ç õ e s . P a r a e v i t a r os r i s c o s de
por muito precisas que sejam as instruções forne- danificação, existe u m a «cópia de viagem» desta
cidas pelo artista, terá, inevitavelmente, de tomar instalação, que é emprestada quando outros
decisões por s u a livre iniciativa. A s s i m , u m a obra museus desejam expô-la. D e facto, esta Sala branca,
de G i o v a n n i A n s e l m o é constituída por dois blo- n ã o f a z parte d a s obras de arte cujas q u a l i d a -
cos de granito, entre os quais se encontra presa des r e s i d e m n a h a b i l i d a d e do artista. C o n t u d o ,
u m a alface fresca, sendo o conjunto seguro por quando ela é efectivamente emprestada, a insta-
u m fio de cobre. Se a alface seca e encolhe, o m a i s lação exposta n o C e n t r o G e o r g e s - P o m p i d o u é,
pequeno dos blocos cai; é ela que sustenta a c o m - e m função de u m acordo c o m os h e r d e i r o s do
p o s i ç ã o . A o b r i g a ç ã o de s u b s t i t u i r essa alface artista, velada! S e m dúvida, para preservar a
c a d a d o i s o u três d i a s , n ã o é m u i t o difícil d e noção de obra única. C o n s i d e r a n d o que se trata
c u m p r i r ; n a d a se assemelha m a i s a u m a alface, de u m a obra do cáustico Broodthaers, que h a v i a
do que u m a alface. M a s q u a n d o o televisor de estudado junto dos surrealistas revolucionários,
u m a instalação de Nam June Paik se a v a r i a e se podemos dizer-nos que o efeito de contempora-
revela irreparável, e a J V C já não fabrica o modelo, neidade não é a i n d a total e que as mentalidades
o conservador responsável D i d i e r Ottinger, colo- a c u s a m , por vezes, a i n d a u m atraso e m relação
ca-se a questão: o televisor Hitachi de último grito às obras...
pelo qual o substituímos, não correrá o risco de M a s S e m i n t e m , t a l v e z , a e x p l i c a ç ã o desta
d e s n a t u r a r a instalação? A f o r m a a r r e d o n d a d a - relativa - lentidão e m registar o questionamento,
do primeiro televisor, tão característica do design elas próprias obras, das noções de perenidade,
de u m a d e t e r m i n a d a época, não participaria d a e u n i c i d a d e o u de o r i g i n a l i d a d e . Se se r e n u n -
sedução dessa instalação? E m s u m a , não e q u i v a - ciar, efectivamente, a esses valores para as obras'
leria isso a acrescentar braços à Vénus de Milo? de arte contemporâneas, não se correrá o risco de
Para Didier Semin, conservador do Centro pôr em marcha u m mecanismo retroactivo?
G e o r g e s - P o m p i d o u , o m u s e u a i n d a n ã o conse- N ã o se p o d e r i a , e n t ã o , d i z e r , a p r o p ó s i t o de
g u i u , como a indústria no século x i x , adaptar-se odas as obras de toda a história d a arte, que, e m
46
última análise, a matéria de que são feitas n a d a presente etemizar-se? Serão as obras restauradas
t e m d e s a g r a d o e q u e se p o d e i n t e r v i r s o b r e no decurso do último decénio do século x x , m a n -
ela e m proporções, que u l t r a p a s s a m as de u m a tidas p a r a sempre no estado que era o seu nesse
simples restauração? período? Filósofos, historiadores, artistas p r e v e -
H á , j á , a r t i s t a s q u e a c e i t a m esse p r i n c í p i o . niram-nos: a nossa relação c o m o tempo m o d i f i -
D a n i e l D e z e u z e p e r t e n c e u ao g r u p o S u p p o r t - cou-se p r o f u n d a m e n t e . Entrámos, p a r a retomar
-Surface, que, nos anos 70 e m França, fez trans- os termos de G u y D e b o r d , teórico d a «sociedade
p o r a e m p r e s a de d e s c o n s t r u ç ã o / r e c o n s t r u ç ã o do e s p e c t á c u l o » , n u m «presente e t e r n o » , n u m
para o próprio quadro. Nesta época, ele r e a l i z o u «presente, onde a própria m o d a , desde a r o u p a
g r a d e a d o s flexíveis de m a d e i r a , m o s t r a n d o os aos cantores, se i m o b i l i z o u , que quer esquecer o
recursos até então negligenciados d a e s t r u t u r a passado e que não dá m a i s a sensação de acredi-
de m a d e i r a . Encontrando-se u m a dessas obras, tar n u m f u t u r o » . O h i s t o r i a d o r H a n s B e l t i n g
p e r t e n c e n t e ao m u s e u de a r t e m o d e r n a de r e c o n h e c e p o r s u a v e z , que a arte c o n t e m p o -
V i l I e n e u v e - d ' A s c q , bastante danificada, o artista r â n e a «reflecte a h i s t ó r i a d a a r t e c o n h e c i d a » ,
p r e f e r i u realizar u m a n o v a , a tentar restaurá-la. m a s constata que «ela n ã o a p r o l o n g a " p a r a a
Inversamente, quando foi necessário res- frente"», à falta de ser impelida pelo objectivo de
t a u r a r u m a e s c u l t u r a h i p e r r e a l i s t a de D u a n e u m a perfeição a atingir, de u m progresso a realizar.
H a n s o n , conservada no L u d w i g F ó r u m d ' A i x - l a - A arte c o n t e m p o r â n e a reflecte, portanto,
- C h a p e l l e , Supermarket Lady, o c o n s e r v a d o r — a i n d a - a história d a arte conhecida, m a s e m
d e c i d i u tentar r e c u p e r a r tanto quanto possível que condições! Sherrie L e v i n e pertence à geração
o seu estado de 1970, data d a s u a criação. E s t a dos artistas n o v a - i o r q u i n o s c h a m a d o s s i m u l a -
decisão i a contra a opinião do artista, que dese- cionistas* (porque c i t a v a m Jean Baudrillard,
j a v a s u b s t i t u i r os v e l h o s pacotes de lixívia no o autor de Simulacres et Stimulation). Q u a n d o , no
carrinho d a senhora por outros, então correntes início dos anos 80, se v i a p e l a p r i m e i r a v e z u m a
no mercado e m 1995. O conservador c o n c l u i u a das suas obras, podia julgar-se ser vítima de u m a
história, d i z e n d o que «o p r o b l e m a m u i t o p a r t i - alucinação. A s u a a s s i n a t u r a f i g u r a v a e m b a i x o
cular d a arte contemporânea, é a s u a relação c o m de i m a g e n s b e m c o n h e c i d a s de W a l k e r E v a n s ,
o tempo e c o m o infinito». G i o r g i o M o r a n d i , P i e t M o n d r i a n , etc. O artista
N o domínio d a restauração das obras antigas, c o m p a r o u a s u a a c t i v i d a d e c o m a de B o u v a r d
u m a opção que tende a prevalecer, é aquela que, e Pécuchet. «O m u n d o está tão cheio, que se asfi-
renunciando a reencontrar u m hipotético estado x i a . . . A p e n a s podemos i m i t a r u m gesto sempre
o r i g i n a l , p r e c o n i z a q u e se c i n j a a c o n s e r v a r anterior... O plagiário, que sucede ao pintor, não
as obras n o s e u estado presente. Irá este estado carrega e m s i paixões... m a s antes essa i m e n s a
enciclopédia e m que b u s c a referências.» E esta •o o r i g i n a l d a reprodução. E s t a não tem m e n o s
repetição tem u m a explicação: «Já não podemos sentido do que aquele, porque, declara S h e r r i e
teimar nesse o p t i m i s m o ingénuo, que acreditava L e v i n e , d e d u z i n d o todas as consequências d a lei
que a arte p o d i a m u d a r os sistemas políticos - e n u n c i a d a por D u c h a m p : «O significado de u m a
u m a aspiração partilhada por inúmeros pro- obra reside não na s u a origem, mas na s u a des-
jectos modernistas.» tinação. O espectador d e v e nascer às custas do
pintor.» A obra de arte está e m órbita, só o i n d i -
v í d u o que convoca a sua i m a g e m no s e u écran
Quando o tempo se imobiliza pessoa], capta o seu sentido.
O t e m p o s u s p e n s o , se a s s i m se o u s a dizer, C o m p a r a n d o o i m p r e s s i o n i s m o c o m a obra
l e v o u a l g u m tempo a imobilizar-se. C o m o b o m d e P r o u s t , p a r a q u e m a v i d a se d e s e n r o l a n a
filósofo m a r x i s t a , A r n o l d H a u s e r d e s c r e v e u os memória, H a u s e r conclui: «O tempo não é m a i s o
impressionistas como jovens citadinos, levados a p r i n c í p i o de d i s s o l u ç ã o e de destruição [...], é
coligar-se contra u m público hostil. M a s salien- antes a forma sob a qual tomamos posse d a nossa
tou, igualmente, o papel que, neste contexto, v i d a espiritual [...]. Tornamo-nos no que somos
incumbe ao indivíduo. D i g a m o s que ele atribui n ã o a p e n a s no t e m p o , m a s p e l o t e m p o . » N o s
aos impressionistas a presciência d a descoberta anos 50, Rosenberg não está muito distante desta
d u c h a m p i a n a , a do o l h a r f o r m a d o r : « U m filosofia, quando defende a ideia, a propósito do
m u n d o , e m que os fenómenos estão e m p e r m a - ^ ction painting, de que a tela é u m a «arena», que o
n e n t e e s t a d o de f l u x o e de t r a n s i ç ã o , p r o d u z que conta é a acção que aí tem lugar durante o
u m a i m p r e s s ã o de continuiim no q u a l t u d o se tempo d a sua execução, m a i s do que a i m a g e m
f u n d e e não comporta outras diferenças, que não UQ daí resulta, e que ele vê nessa acção a opor-
os diversos pontos de v i s t a do espectador. U m a u n i d a d e p a r a o p i n t o r de u m a «criação s u a » .
arte e m c o n c o r d â n c i a c o m u m t a l m u n d o n ã o jDiga-se de p a s s a g e m , que é b e m possível que
sublinhará a n a t u r e z a momentânea e transitória I g u n s quadros tenham funcionado como esses
dos fenómenos, não verá unicamente no h o m e m r a n s de televisão o u de c o m p u t a d o r (e antes
a m e d i d a de todas as coisas, mas buscará o crité- destes serem inventados), nos quais o arquitecto
rio de v e r d a d e n o " h i c et n u n c " do indivíduo.» e ensaísta P a u l Virilio, astuto analista das n o v a s
N o nosso m u n d o de hoje, onde a circulação ace- tecnologias, d i z que «o tempo emerge».
lerada das imagens «produz u m a impressão de
C o m o há s e m p r e u m m o m e n t o n a a r t e do
continuum», o n d e se m i s t u r a m i m a g e n s v i n d a s
s é c u l o X X , e m q u e u m p r i n c í p i o se r a d i c a l i z a
do f u n d o d a história e i m a g e n s a c t u a i s , já n ã o
ncontrando a s u a aplicação literal, logo se vão,
existe u m «critério de verdade», p a r a d i s t i n g u i r
cm efeito, c o n s t i t u i r o b r a s , n u m processo de
d e s t r u i ç ã o . É o c a s o d a s « c ó l e r a s » de A r m a n , Depois disso, a situação coagulou a i n d a m a i s . Já
feitas de p e d a ç o s de u m v i o l i n o , de u m p i a n o , não nos encontramos no acto de r o m p e r c o m o
o u mesmo de móveis de u m apartamento inteiro, passado, o que era a i n d a o caso de W a r h o l ,
violentamente destruídos pelo artista. E v i d e n t e - quando d e c l a r a v a frequentar, e m Florença, m a i s
mente, o público pode, igualmente, participar os fast-foods do q u e os m u s e u s ( v e r s ã o s u a v e ,
n a destruição: e m 1971, Robert M o r r i s instala n a s o c i á v e l , do m a n i f e s t o d o f u t u r i s m o , e m q u e
Tate G a l l e r y de L o n d r e s construções feitas para F i l i p p o Marinetti, e m 1990, p r o c l a m a v a : «Quere-
serem p i s a d a s , escaladas, etc. E m poucos d i a s , mos d e m o l i r os museus»). A r u p t u r a está c o n s u -
n ã o se tendo os visitantes p r i v a d o da experiên- m a d a e o passado é, a partir de agora, u m espec-
c i a , a instalação f i c o u destruída e a e x p o s i ç ã o t á c u l o q u e se p o d e o b s e r v a r c o m o q u a l q u e r
encerrada. O s responsáveis do m u s e u reabriram- outro, sem veneração ou antipatia particular.
- n a , s u b s t i t u i n d o a parte destruída por o u t r a s O título d a obra de B e l t i n g , Das Ende der Kuns-
obras m a i s antigas do artista, provocando, a s s i m , tgeschichtc (O Fim da História da Arte), p u b l i c a d a
em 1983, perturbou numerosos espíritos. O histo-
o descontentamento deste último. M a n t i d a
riador entendia c o m isso, que a criação contem-
e n c e r r a d a , a e x p o s i ç ã o teria t o r n a d o e x p l í c i t o
porânea t i n h a d e i x a d o de se d e f i n i r no q u a d r o
o facto d e q u e M o r r i s a s s u m i a a d e s t r u i ç ã o e
de u m a relação contraditória c o m a arte do pas-
a integrava na sua obra.
sado; arte antiga e arte moderna são, u m a e outra,
E m 1965, G i l i o Dorfles, crítico de arte e estético, tradições o já não «testemunhos antagónicos».
começava u m livro, Mythes et Rites d'aujourd'hui,
A s s i m , o nosso presente alargado, absorve
por estas l i n h a s : «Um dos mais singulares aspec-
o passado. E l e absorve-o n u m a história, de que
tos do m o m e n t o h i s t ó r i c o que a t r a v e s s a m o s ,
estamos a tal ponto desligados, que ela se t o m a
r e s i d e , p r o v a v e l m e n t e , no facto d e " s e j u l g a r
n u m a r m a z é m de acessórios onde p u d e m o s
h i s t ó r i c o " e se p r e o c u p a r m a i s c o m o presente procurar na desordem.
do que c o m o passado, como se a história come- Este presente c h a m a a s i , igualmente, o futuro;
çasse u n i c a m e n t e q u a n d o o s e u c u r s o já t e r m i - como d i z a i n d a D o r f l e s , hipoteca-o. N ó s c o m -
n o u , quando o s e u estudo já não pode definir-se pramos a crédito, para gozar imediatamente
c o m o tal.» N ã o se j u l g a r i a já l e r u m a d e s s a s daquilo que possuiremos amanhã. A o mesmo
descrições do «final da história», típicas do tempo, n ó s detemos esse f u t u r o ; u m a v e z que
pensamento pós-moderno? v i v e m o s já a história ( u m a v e z que, entre outras
N o momento e m que Dorfles escreve, a arte, coisas, os m u s e u s de arte contemporânea f i x a m
c o m o v i m o s , já n ã o b u s c a os s e u s m o d e l o s n o já a s u a i m a g e m p a r a as g e r a ç õ e s v i n d o u r a s ) ,
passado, m a s no presente, a «mitologização» de esta n ã o nos r e s e r v a m a i s s u r p r e s a s , n ã o abre
M a r y l i n p o r W a r h o l s u b s t i t u i o m i t o d a Vénus. mais perspectivas desconhecidas.
Uma questão de palavras T h o m a s . E m 1988, a agência e d i t o u u m c a r t a z
propondo a seguinte fórmula: «História d a arte
U m a das p r i m e i r a s exposições pop, e m 1956 p r o c u r a personagens... n ã o espere p o r a m a n h ã
e m L o n d r e s , i n t i t u l a v a - s e This Is Tomorrow para entrar n a história.» A i m a g e m representava
(«Eis o a m a n h ã » ) . A caça ao f u t u r o c o m e ç a v a . u m a fila i n c o m p l e t a de grossos l i v r o s de arte,
Quarenta anos mais tarde, críticos e teóricos cada qual c o n v i d a n d o a i m a g i n a r o s e u próprio
n o m e no v e r s o de u m n o v o l i v r o , ao lado daque-
f a z e m u m ligeiro desvio; fala-se apenas de «pós-
les onde se lia já, justamente, pop art e W a r h o l .
-modemidade». G e r m a n o Celant, crítico pioneiro
associado à arte povera, forjou s e g u i d a m e n t e o Mais lapidar, a americana Barbara Kruger,
termo de «inexpressionismo», p a r a caracterizar c u j a o b r a c o n s i s t e n u m a d i s t o r ç ã o de slogans
o trabalho de u m a n o v a geração de artistas. F e z publicitários, lança: «You make history when you
dele o título de u m l i v r o , que s u b i n t i t u l o u , u m \do business» («Você faz história, quando faz negó-
cios»). N o d e c u r s o dos a n o s 80, o m e r c a d o d a
tanto laboriosamente como, L'Art au-delà de Vère
arte contemporânea ganhou ímpeto. O fenómeno
postmoderne. P a r a considerar o presente, A r t h u r
f o i e s p e c t a c u l a r e a t r a i u a a t e n ç ã o do g r a n d e
D a n t o toma como referência u m a obra de
público. Este pequeno l i v r o , ele próprio, que se
Warhol, datando de 1964 e intitula a sua recolha
situa n u m a colecção generalista, é talvez u m a
de ensaios como Beyond the Brillo Box («Para lá
consequência distante disso. C o n v é m , de facto,
d a Caixa Brillo»). Será porque n ã o nos sabemos
explicar, hoje, u m a f o r m a de arte, que foi apre-
m a i s projectar no f u t u r o , que temos tanta d i f i -
s e n t a d a ao p ú b l i c o de u m m o d o b r u t a l . A n t e s
culdade e m nomear o presente de outra f o r m a ,
m e s m o de se poder considerar as obras através
que não por referência ao passado?
d a s r a z õ e s p r o f u n d a s q u e as f i z e r a m nascer,
O artista Phílippe T h o m a s r e s u m i u perfeita- , i m p u n h a - s e d e s d e logo o l h á - l a s , m i t i f i c a d a s
mente esta situação, e m que a história está h i p o - pelas fabulosas somas de d i n h e i r o que e r a m
t e c a d a - p o r q u e já p a r t i c i p á m o s t o d o s d e l a . c o n s i d e r a d a s representar. A s s i m , é n e c e s s á r i o
A partir de 1987, h a v i a - s e eclipsado por detrás .corrigir, t a m b é m , as distorções, que g e r a r a m a
de u m a p e s s o a m o r a l , u m a a g ê n c i a c h a m a d a especulação e a mediatização.
s i g n i f i c a t i v a m e n t e . O s Ready-Made p e r t e n c e m t
a toda a gente. Q u a n d o , por ocasião das m a n i -
festações desta a g ê n c i a , a l g u é m a d q u i r i a u m a Sobrevalorizações
obra, esse alguém tornava-se a u t o m a t i c a m e n t e
no seu signatário. É a s s i m que, hoje, se encontra U m dos p r i n c i p a i s lugares c o m u n s a recusar
o nome de diferentes coleccionadores e m repro- é o seguinte: a arte concebida no tempo dos
duções, e m l i v r o s e revistas, e n ã o o de P h i l i p p e v a n g u a r d i s t a s p u r o s e d u r o s - se é que e x i s t i u
a l g u m a v e z u m a idade de ouro, o u melhor u m a as cotações t i n h a m s u b i d o , e n q u a d r a d a s n u m a
i d a d e de bronze, dos vanguardistas - , teria sido expansão económica geral - , mas não é impossí-
recuperada pela sociedade do lucro. Se se consi- v e l que ela tinha sido a g r a v a d a pelo sentimento
derar, como defendi o seu princípio, que a arte é de se v i v e r n u m presente que se alarga e ao q u a l
u m motor d a sociedade e não s i m p l e s m e n t e o n ã o sucederá n e n h u m f u t u r o . Neste caso, p a r a
s e u pálido reflexo, é preciso, então, reconhecer, quê especular?
que a arte pode ter u m a parte de responsabili- Durante todo o tempo e m que os preços s u b i -
d a d e e m f e n ó m e n o s , de que acaba por ser - o r a m , não faltaram pessoas sensatas p a r a d e n u n -
que n ã o se trata de negar - a vítima. D e facto, c i a r a histeria do mercado. Esquecia-se que,
o mercado d a arte contemporânea, tal como eclo- : d e z anos antes, se h a v i a v e r i f i c a d o u m a o u t r a
d i u n a s m ã o s dos golden hoys e t a l como, aliás, c o r r i d a louca, a das v a n g u a r d a s , elas p r ó p r i a s
e v o l u i u de seguida, c o m a recessão, é o epifenó- tendo-se s u c e d i d o u m a s às outras, a u m r i t m o
m e n o d a transformação que se operou na nossa desenfreado. D e facto, a h i s t e r i a m e r c a n t i l dos
c o n s c i ê n c i a do t e m p o , t r a n s f o r m a ç ã o p a r a a anos 80 sucedia à sobrevalorização v a n g u a r d i s t a
q u a l , c o m o a c a b á m o s de ver, a arte c o n t r i b u i u d o s anos 70, à s o b r e v a l o r i z a ç ã o d o s « i s m o s » ,
cons i d e ra velmente. como se dizia então.
M a i s exactamente, n a segunda metade dos
O m e r c a d o d a a r t e aposta n o que a c r e d i t a
a n o s 60 e até m e a d o s d o d e c é n i o s e g u i n t e , os
s e r e m os v a l o r e s a r t í s t i c o s de a m a n h ã . Se o
apreciadores só t i n h a m u m a queixa - de crianças
a m a n h ã já existe, se a história se escreve já hoje,
limadas - a fazer: h a v i a vanguardas a m a i s ! M a l
então não se vê, por que razão esses valores não
ise e n t u s i a s m a v a m p o r u m a , logo o u t r a s u r g i a ,
p o d e r i a m ser i m e d i a t a m e n t e r e c o n h e c i d o s .
pretendendo d e s q u a l i f i c a r a p r e c e d e n t e . O r a ,
O b r a s de jovens artistas eram, a s s i m , a d q u i r i d a s
•quando o antiform a t a c a v a a r i g i d e z do m i n i -
n a s galerias, depois m u i t o r a p i d a m e n t e r e v e n - m a l i s m o ou os earthzvorks* t r a n s p o r t a v a m a s u a
didas, nomeadamente em venda pública. experiência p a r a a n a t u r e z a , o u q u a n d o a arte
A s v e n d a s por licitação são normalmente consi- sociológica* pretendia adicionar à arte conceptual
deradas como o meio de verificar u m a cotação. :Uma dimensão que lhe f a l t a v a , a lógica e m que
Sendo o público que corria a estas vendas b r u s - i n s c r e v i a m todos estes m o v i m e n t o s era a lógica,
c a m e n t e bastante m a i s n u m e r o s o , o preço d a s celerada, da teleologia m o d e r n a . U m a v e r d a d e
obras p o d i a , com efeito, subir consideravelmente (brilhava algures, no f i m do caminho e cada v a n -
e m poucas semanas. g u a r d a m a r c a v a u m a etapa que se a p r o x i m a v a .
N ã o h á i n f l a ç ã o , s e m d e f l a ç ã o . A q u e se D e repente, p a r e c e u que se disse: « C h e g a ! »
s e g u i u , i n s c r e v e u - s e , s e m s o m b r a de d ú v i d a , ^ertamente, h o u v e r a m s i n a i s anunciadores, m a s
n u m a crise económica m a i s vasta - assim como o i sobretudo e s i m b o l i c a m e n t e na a b e r t u r a do
d e c é n i o , e m 1980, n o q u a d r o de u m a s e c ç ã o florescimento simultâneo dos estilos «neo». Ope-
d e n o m i n a d a Aperto, r e s e r v a d a à n o v a g e r a ç ã o r o u - s e no d o m í n i o d a c r i a ç ã o , u m f e n ó m e n o
p e l a B i e n a l de V e n e z a , q u e se v i r a m c h e g a r comparável ao referido por P a u l V i r i l i o no domí-
jovens artistas menos empenhados e m fazer n i o das c o m u n i c a ç õ e s . U m a aceleração intensa
r e c u a r os l i m i t e s d a o b r a de a r t e , d o q u e e m p r o d u z u m a inércia. O passageiro de u m avião
redescobrir f o r m a s c o m p r o v a d a s , m e n o s i n c l i - que liga e m p o u c a s horas os antípodas, é cons-
nados e m fazer de a p r e n d i z e s de feiticeiro, do trangido a u m a quase-imobilidade no s e u lugar.
que e m f a z e r as p a z e s c o m o ofício de pintor. O m e i o d a arte a r r a s t a d o p e l a f u g a e m diante
Acreditou-se, então, n u m a restauração. N a das v a n g u a r d a s , acabou por se estabilizar a u m
m e d i d a e m que as r e v o l u ç õ e s f o r m a i s t i n h a m ritmo de cruzeiro, que admite todas as tendências
sido equiparadas ás ideologias revolucionários, a ao mesmo tempo.
s u a s u s p e n s ã o s u r g i a como u m a c o n s e q u ê n c i a O crítico A c h i l l e B o n i t o - O l i v a , promotor
d a crítica dessas ideologias e d a perturbação das da t r a n s v a n g u a r d a , d e f e n d e u essa s i n c r o n i a .
sociedades a que tinha s e r v i d o de f u n d a m e n t o . C o n d e n a n d o o « d a r w i n i s m o » das v a n g u a r d a s
M a s o fenómeno era complexo. Se esta n o v a (a i d e i a de q u e elas se e n c a d e a v a m u m a s n a s
p i n t u r a se r e f e r i a ao p a s s a d o , e l a r e a b i l i t a v a , outras e p r o g r e d i a m no conhecimento d a arte),
sobretudo, correntes d a modernidade que h a v i a m ele exaltou o modelo do «traidor»: o artista tem o
s i d o m e n o s p r e z a d a s , a f a s t a d a s do e i x o d o m i - direito de passar de u m a verdade d a arte a outra,
nante. A s s i m , os pintores a l e m ã e s a f i r m a v a m - e mesmo combiná-las. Face a Bonito-Oliva,
-se n a f i l i a ç ã o d o e x p r e s s i o n i s m o d o i n í c i o G e r m a n o C e l a n t d e n u n c i o u , pelo contrário, o
do s é c u l o , e n q u a n t o os i t a l i a n o s d a t r a n s v a n - que d e f i n i u c o m o o « c o n t e m p o r a n i s m o » , desa-
g u a r d a * seguiam o exemplo de D e C h i r i c o e do parecimento do contemporâneo e m f a v o r de u m
N o v e c e n t o , que h a v i a m c o m b i n a d o de f o r m a «hipercontemporâneo». Pode acrescentar-se,
a m b í g u a tradição e m o d e r n i d a d e . M a i s , perce- diante da s u a longa lista de «neos» (neomanei-
beu-se rapidamente, que este « r e t o m o à pintura» r i s m o , n e o f a u v i s m o , n e o - e x p r e s s i o n i s m o , new
não i m p e d i a o aparecimento de outras tendências imagc painting, neogeo, e t c ) , r e s p o n s á v e i s p o r
- como o simulacionismo, atrás evocado - , que, essa contracção do tempo, que estes últimos s u r -
q u a n t o a elas, r e c u s a v a m colocar entre p a r ê n - g i r a m sob o i m p u l s o das v a n g u a r d a s , como se a
teses as v a n g u a r d a s e t o m a v a m o lugar do m i n i - o b r e v a l o r i z a ç â o que estas t r a v a v a m entre s i ,
m a l i s m o e d a arte conceptual, o u c o n t i n u a v a m tivesse atingido a estrutura interna de cada u m a .
a e x p l o r a r os r e c u r s o s do objecto ready-made. O sucesso de A n s e l m Kiefer, u m dos repre-
O s a n o s 70 t i n h a m c o n h e c i d o a s o b r e v a l o r i - e n t a n t e s do n e o - e x p r e s s i o n i s m o , n ã o d e r i v a
z a ç ã o d o s « i s m o s » , os a n o s 80 a s s i s t i a m ao n i c a m e n t e d o f a c t o d e l e ter f e i t o r e s s u r g i r
X
temas o imagens p r o f u n d a m e n t e enraizados n a s u b s c r e v e u u m a i m a g e m , o n d e se p o d e l e r :
cultura germânica e, logo, satisfazendo u m gosto «I shop thcrcfore I am» ( « C o m p r o , logo existo»),
p e l a n o s t a l g i a . E s t e sucesso t e m i g u a l m e n t e a i m p r e s s o nos sacos de u m a loja de d e c o r a ç ã o
v e r , c o m o facto d o p i n t o r a c o m p a n h a r a s u a espanhola d a m o d a , Vinçon. Compreende-se e m
prática c o m f o t o g r a f i a s e c o m a p r o d u ç ã o de que é que este eclectismo, constituiu u m terreno
livros, que se a p r o x i m a m dos m é t o d o s concep- i d e a l p a r a o d e s e n v o l v i m e n t o do m e r c a d o d a
t u a i s . A s s i m , ele t e m o p a p e l de u m a e s p é c i e a r t e . O s m e s m o s objectos p o d i a m r e s p o n d e r
de «clássico-moderno», que soube, contudo, t a gostos, o u m e s m o a opiniões, m u i t o d i v e r s o s
r e g i s t a r os a v a n ç o s d o s v a n g u a r d i s t a s . A s u a |e t o d o s os g é n e r o s p o d i a m c o e x i s t i r s e m se
arte teria algo m a i s a l é m do e x p r e s s i o n i s m o e lexcluírem.
da arte c o n c e p t u a l , u m a v e z q u e p e r m i t e que
u m modelo histórico perdure n u m a forma m a i s
c o n t e m p o r â n e a , ao m e s m o t e m p o q u e e s s a
forma c o n t e m p o r â n e a beneficia da a u r a do
modelo histórico.
E m relação aos p r i m e i r o s e a u s t e r o s e x e m -
plos da arte conceptual, o neoconccptualismo
t r a r i a , t a m b é m ele, algo m a i s . A u m a arte que
v i s a v a «a d e s m a t e r i a l i z a ç ã o d a o b r a de a r t e »
(para retomar o título de u m a obra de referência,
d e v i d a à crítica L u c y L i p p a r d ) , ela acrescenta
frequentemente... a sedução de u m objecto belo!
P a r a t a l , e l a i n s p i r a - s e , aliás, n a e s t é t i c a pop,
que era d e n u n c i a d a por a l g u n s conceptuais.
A s obras de Barbara Kruger, pelo seu conteúdo
t e x t u a l e p e l a c o n s c i ê n c i a s o c i a l a que f a z e m
apelo, f a z e m pensar n a arte c o n c e p t u a l . M a s a
paginação dos textos - K r u g e r foi grafista -
sobre b a n d a s v e r m e l h a s , c o n t r a s t a n d o e f i c a z -
mente c o m grandes fotografias a preto e branco,
confere-lhe u m a força de atracção, que é a d a s
primeiras páginas da imprensa sensacionista.
Também a s u a função é a m b i v a l e n t e . A artista
Topologia
o t e m p o que se i m o b i l i z a c o r r e s p o n d e u m
m e i o e s t a g n a d o . A i n d a q u e os g r a n d e s
ncontros ( D o c u m e n t a , de quatro ou cinco e m
"inco anos e m C a s s e i na A l e m a n h a , a B i e n a l de
'eneza, a B i e n a l de São P a u l o , as Bienais, m a i s
ícentes, de I s t a m b u l e de Joanesburgo, as feiras
e arte de B a s i l e i a , Colónia, P a r i s , M a d r i d ,
-hicago, B e r l i m . . . ) a t r a i a m sempre u m público
umeroso, o meio d a arte no seu conjunto d e i x a -
se p o l a r i z a r bastante menos d o que antes por
:os, que f o r a m frequentemente, como no caso
e N o v a I o r q u e , tanto e c o n ó m i c o s c o m o c r i a -
v o s . E se este meio se prende a i n d a a a l g u m a
olémica, é infinitamente com menos furor
ombativo do que no tempo das v a n g u a r d a s .
A história linear e m que estas últimas se i n s -
e v i a m , h i e r a r q u i z a v a os h o m e n s , os objectos
os a c o n t e c i m e n t o s . N a c o l u n a que f o r m a v a
m a geração, n e m todos d e s e m p e n h a v a m o
mesmo p a p e l para a c o n d u z i r à Terra P r o m e t i d a , diferença» de cada artista. Precisamente, desde
e p o d i a m m e s m o encontrar-se m a u s sujeitos sus- q u e os ready-made d e D u c h a m p se t o r n a r a m
ceptíveis de a entravar o u de a desviar, de onde na obsidiante referência das n o v a s gerações.
a prática d a exclusão, nos surrealistas é exemplo. N a e s c o l h a d o s s e u s objectos, D u c h a m p d e u
Mas quando a história já não comanda o presente, provas d a mais total arbitrariedade, pretendendo
n e m tão pouco o futuro a orienta, então a coluna m e s m o seleccionar apenas aqueles que o d e i x a -
pode muito b e m dissipar-se na natureza. O meio . a m indiferente, p a r a que n e n h u m a motivação
da arte, hoje, é u m meio atomizado. Acontece à •subjectiva falseasse essa a r b i t r a r i e d a d e . D e s t a
saída de u m a exposição o u de u m a feira de arte, o b e r a n i a , todo o a r t i s t a s u r g i d o d e p o i s d e l e
onde o número de expositores e a v a r i e d a d e das ode reclamar-se. D e onde resultam u m a q u a n t i -
suas obras são vertiginosos, velhos apreciadores ade de obras, regidas p o r leis decretadas pelo
a s u s p i r a r e m : no s e u tempo, n ã o h a v i a tantos r t i s t a e p o r m a i s n i n g u é m . R e s u m i n d o , este
artistas. G o m b r i c h dá-lhes a sua explicação: t r a b a l h a n o s e u canto e os a p r e c i a d o r e s têm a
«Hoje, a d i v e r s i d a d e das opiniões críticas, dá a 'herdade de se imiscuírem nesse canto. O artista
u m maior n ú m e r o de artistas u m a oportunidade constrói a s u a obra como u m m u n d o e m s i , no
de serem reconhecidos.» i t e r i o r do q u a l c i r c u l a m s í m b o l o s d e f i n i d o s
P o r u m efeito de s i n é d o q u e que se percebe or ele próprio.
- é difícil distinguir u m átomo de outro átomo, de Estes símbolos p o d e m conhecer u m e l e v a d o
tal f o r m a p a r e c e m f o r m a r u m c a m p o u n i d o ao
ível de d e s e n v o l v i m e n t o e de c o m p l e x i d a d e .
justaporem-se indefinidamente o espaço da
1968 a 1993, a obra de Jean-Pierre R a y n a u d ,
arte contemporânea é u m espaço elástico, onde o
elaborada a partir de u m alfabeto formal bastante
m i c r o c o s m o s se torna m a c r o c o s m o s e i n v e r s a -
dentificável e c o m b i n á v e l ( u m v a s o de flores
mente. Passa-se de u n i v e r s o s extremamente pes-
i n t a d o de v e r m e l h o , a z u l e j o s de f a i a n ç a
soais, muitas vezes confinados, a conglomerados
rança...), teve o s e u centro a c t i v o , no s e n t i d o
de todos esses u n i v e r s o s e m e x p o s i ç õ e s , q u e ,
róprio e f i g u r a d o , n a casa que o artista h a v i a
cada v e z m a i s , j u n t a m artistas que representam
oncebido p a r a s e u u s o , construída e transfor-
todas as civilizações.
a d a s u c e s s i v a m e n t e e onde, a p a r t i r de certa
t u r a , d e i x a de a d m i t i r v i s i t a n t e s . F i n a l m e n t e ,
le o r g a n i z o u a d e s t r u i ç ã o d a c a s a , d e o n d e
Soberania do artista
s u l t a r a m , aliás, n o v a s o b r a s . . . S e g u n d o u m
Neste p a n o r a m a a l a r g a d o , o a p r e c i a d o r de odo mais paródico, Z u s h f u n d o u o E v r u g o ,
arte reconhece u m a configuração, que ele conhece Estado fictício d i r i g i d o p o r m i n i s t r o s e que
b e m . Há m u i t o , q u e e l e a d m i t e o « d i r e i t o à m i t e notas b a n c á r i a s e selos p o s t a i s , etc.
A s s u a s obras gráficas j u n t a m às personagens ficantes - fabricação de rolos de trapos, e s c u l -
provenientes deste u n i v e r s o u m a escrita i n v e n - tura de pedaços de açúcar - ou a i n d a , coleccio-
t a d a e os s e u s t í t u l o s s ã o e n u n c i a d o s n u m a j i a v a as m a i s ínfimas relíquias de u m a história
língua de que não existe dicionário (Ovrud denui familiar, v e l h a s fotografias de férias e m e c h a s de
o u Evrugi omorena). cabelo.
D e n t r o d e u m e s p í r i t o q u e j o g a , a n t e s de U m p e q u e n o objecto e n f a i x a d o n ã o c o n s t i -
m a i s , com a ideia de que o seu m u n d o singular tui, à p r i m e i r a v i s t a , u m a obra de arte p a r a
poderia integrar-se n a sociedade, alguns artistas todos. N o entanto, a l g u n s p o d e m d e i x a r - s e
mais jovens tomam como modelo a empresa comover, ao recordar-se das suas p r ó p r i a s b r i -
comercial. A obra de Fabrice H y b e r t n ã o reside colages de criança o u ao reconhecer a dedicação
tanto nos «produtos» distribuídos por u m a com que, à m e s a , a m a s s a m o m i o l o de p ã o . M a s
S A R L , cujos estatutos ele efectivamente destituiu outros artistas l e v a r a m tão longe a a r b i t r a -
(designando-a como U R , U n l i m i t e d Responsibi- riedade do código, que este já não se baseia n a
l i t y ) , do que no p r ó p r i o f u n c i o n a m e n t o dessa realidade dos objectos, que s u b m e t e m ao nosso
e m p r e s a : import-export, e x p o s i ç ã o o n d e todos olhar. J o s e p h B e u y s e r a u m o u t r o c o n v i d a d o
os o b j e c t o s s ã o p o s t o s à v e n d a , c o m o n u m d a s Mitologias individuais. As s u a s o b r a s
grande armazém, etc. C o m o estes u n i v e r s o s são baseiam-se n u m sistema de símbolos preciso e
a u t ó n o m o s , n ã o se o u s a d i z e r q u e se l i g a m c o m p l i c a d o , l i g a d o aos objectos, que o i n c a r -
a u m a t r a d i ç ã o , m a s u m certo n ú m e r o d e l e s nam por meio de u m a lógica tão pessoal ao artista,
i n s c r e v e m - s e n a sequência de u t o p i a s bastante que q u e m não conhecer a c h a v e n ã o verá, cer-
específicas d a m o d e r n i d a d e . tamente, s e n ã o a q u i l o q u e o a r t i s t a d á a v e r .
Quando Szeemann organizou a Documenta 5 C o n s i d e r a n d o q u e este e x p l i c a u m a d a s s u a s
e m 1972, e l e c o n s a g r o u u m a s e c ç ã o a u m a e s c u l t u r a s de f e l t r o c i n z e n t o e p e s a d o , c o m o
tendência, que designou por u m a fórmula p a r a - sendo a representação de «um m u n d o claro,
d o x a l , m a s tão p e r t i n e n t e , q u e f o i f r e q u e n t e - luminoso, supra-sensível e espiritual», com-
mente retomada seguidamente, a de «mitologias preende-se por que razão os comissários d a s u a
individuais». N o século x x , as mitologias já não retrospectiva, e m 1994 n o C e n t r o G e o r g e s - P o m -
f u n d a m as crenças d a c o m u n i d a d e , elas e x p r i - p i d o u , j u n t a r a m às obras grandes cartazes, que,
m e m as o b s e s s õ e s d o s i n d i v í d u o s . C h r i s t i a n a t r a v é s de textos e c i t a ç õ e s , g u i a v a m a c o m -
B o l t a n s k i era, e n t ã o , o artista e x e m p l a r das preensão do visitante.
mitologias individuais. Entregava-se a ocupa- A s v a n g u a r d a s s u r g i d a s no final dos anos 60,
ções, cujo significado parecia tanto m a i s p r i v a d o , são frequentemente evocadas como as «últimas
porquanto eram, à primeira vista, insigni- Vanguardas». Elas distinguem-se, contudo.
Fniversalidade
A d i v e r s i d a d e interna dessas tendências teve
:omo corolário, o fazer a d m i t i r a d i v e r s i d a d e
campo d a criação e m geral. A s s i m , é a partir do
íconhecimento destas v a n g u a r d a s «liberais»,
Jue se c o m e ç a a c o n s i d e r a r a heterogeneidade
los estilos contemporâneos e, m e s m o , a abrir-se
estilos que, pertencendo a outras histórias
jue n ã o a d a m o d e r n i d a d e ocidental, p a r e c i a m
ílevar de u m a o u t r a t e m p o r a l i d a d e . A m e s m a
>ocumenta 5, que fez g a n h a r c o n s c i ê n c i a d a s
litologias i n d i v i d u a i s , operou u m fabuloso
Frédéric B m l y B o u a b r é , zenseamento de todas as imagens do m u n d o ,
Alfabeto nacional da Costa do Marfim, 1988/1989 la a b a r c o u toda a v a n g u a r d a o c i d e n t a l desde
O flríísííi da Costa do Marfimfoirevelado ao público europeu h i p e r r e a l i s m o à arte c o n c e p t u a l e à body art,
pela exposição «Mágicos da Terra» (Magiciens de la Terre). itegrando, ao m e s m o tempo, a arte b r u t a * e os
Lápis de cor e esferográfica /cartão, 10 x 15,5 cm, série de 448 desenhos lesenhos de criança, a arte p o p u l a r , o kitsch e
Col. particular. © C Postei
banda desenhada, a iconografia religiosa,
p o r n o g r a f i a , a p r o p a g a n d a p o l í t i c a , etc. S ó
r e a l i s m o s soviético e c h i n ê s n ã o f i g u r a v a m ,
tão p o r t e r e m s i d o e s q u e c i d o s o u m e n o s p r e -
daquelas que as precedem, por essa e v i d e n - idos pelos organizadores, m a s porque a União
c i a ç ã o d a s s i n g u l a r i d a d e s . Land art, a r t e jviética e a C h i n a , temendo a m i s t u r a , h a v i a m
conceptual ou mitologias i n d i v i d u a i s cons- isado o convite.
t i t u e m tendências com características espe- A s s i m , antes m e s m o de se i m p o r u m igualita-
cíficas, m a s os s e u s protagonistas n ã o t i v e r e m smo p ó s - m o d e m o , u m a visão m u n d i a l e global
de se s u b m e t e r a i m p o s i ç õ e s . T a m b é m n ã o se la arte tinha começado a emergir. A s u a expres-
a l i n h a r a m por detrás de líderes o u de teóricos. ío m a i s conseguida, foi a exposição dos Mágicos
C e l a n t n ã o r e g u l a m e n t o u a a r t e povera, d o da Terra (Magiciens de la Terre), o r g a n i z a d a pelo
m o d o como Greenberg h a v i a d o m i n a d o auto- entro G e o r g e s - P o m p i d o u e m 1989, que p e r m i -
ritariamente a c e n a d a abstracção f o r m a l i s t a nos *u ver, n a m e s m a p e r s p e c t i v a do G r a n d e H a l l e
anos 60. e l a Villette, as p i n t u r a s de areia de Joe B e n Jr, 69
índio n a v a j o , os c a i x õ e s e s c u l p i d o s e m f o r m a Lpossível, que este período tenha gerado u m a
de lagosta o u de Mercedes do ganês K a n e K w e i esafeição p o r parte dos i n t e l e c t u a i s . M e r c a n -
e u m a pintura m u r a l do inglês R i c h a r d L o n g , *Tsmo e institucionalização p u d e r a m desenco-
u m dos p r i n c i p a i s representantes d a land art. ajar aqueles que p r o c u r a m estruturar a criação
De u m a certa forma, a exposição fazia emergir través de u m a teorização.
o u n i v e r s a l i s m o c o m q u e h a v i a m s o n h a d o as Durante séculos, u m artista principiante
v a n g u a r d a s históricas, c o m esta diferença defrontava-se c o m o olhar dos seus mestres, dos
importante contudo: já não se tratava de ligar os seus condiscípulos, dos seus amigos escritores e
artistas à f o r m a de arte m a i s avançada, tal como ipoetas, a n t e s d e e n c o n t r a r o o l h a r d o s a p r e -
M a r i n e t t i , nos p r i m e i r o s anos d o século, h a v i a ciadores. Já n ã o é esse o caso hoje, e m que os
semeado as sementes do f u t u r i s m o a t r a v é s de circuitos de difusão se a p o s s a m m u i t o cedo das
toda a E u r o p a , m a s , pelo contrário, de m o s t r a r obras e c o n t o r n a m o juízo dos pares. O r a , a d i s -
as interferências entre a m o d e r n i d a d e e práticas s e m i n a ç ã o destas instâncias de c o n s a g r a ç ã o é,
tradicionais, rituais ou consideradas como p r i - tanto c o m o o e c l e c t i s m o e s t i l í s t i c o a t r á s d e s -
m i t i v a s . J a c k s o n P o l l o c k , que r e a l i z a v a os seus c r i t o , u m a c a u s a d o p r o c e s s o de a t o m i z a ç ã o .
drippings, deixando escorrer a cor por b a i x o das P o r u m l a d o , h á m a i s e s p a ç o s de e x p o s i ç ã o ,
suas telas pousadas no chão, tinha observado as colecções públicas, l i v r o s e revistas consagrados
pinturas de areia dos índios. R i c h a r d L o n g , que à arte c o n t e m p o r â n e a , do que a l g u m a v e z
a p l i c a n a s p a r e d e s as s u a s m ã o s p r e v i a m e n t e íhouve. P o r outro, c o n s e r v a d o r e s , c o m p r a d o r e s
mergulhadas n a l a m a , não se inspirará de certa e críticos, e todos os profissionais que o c u p a m
f o r m a e m práticas m u i t o antigas? as i n ú m e r a s f u n ç õ e s i n t e r m é d i a s c r i a d a s p e l a
indústria c u l t u r a l , dispõem de tanta a m p l i t u d e
p a r a escolher os artistas, como u m artista p a r a
escolher os seus materiais. Todo este m u n d o se
Individualidade organiza em redes. Estas redes observam-se,
situam-se e s i t u a m as outras n u m a escala, que
Finalmente, correndo o risco de cair e m con- v a i d a m a i s tradicionalista à m a i s v a n g u a r d i s t a ,
s i d e r a ç õ e s m a i s t e r r a a t e r r a , s a l i e n t e m o s que m a s já n ã o são senão a o n d a de choque m u i t o
a prosperidade dos anos 80 completou este alar- longínquo das lutas e das r u p t u r a s que m a r c a -
g a m e n t o do c a m p o a r t í s t i c o . A c a p a c i d a d e r a m os p r i m ó r d i o s d a m o d e r n i d a d e . Grosso
do m e r c a d o , a d i s p o n i b i l i d a d e d a i n s t i t u i ç ã o , modo, r e i n a a g o r a u m a c o e x i s t ê n c i a p a c í f i c a ,
d i v i d i r a m os interesses. O s artistas já n ã o s e n - e m parte g a r a n t i d a , aliás, p e l a r e l a t i v a estanqui-
t i a m a necessidade de r e u n i r e m as s u a s forças, cidade das redes.
p a r a se i m p o r s o c i a l m e n t e . T a m b é m n ã o é
A pirâmide que c u l m i n a n o poder do director
d e u m grande m u s e u o u d e u m «trust» de c o m -
pradores, é corroída pelas térmites dos pequenos
poderes locais - que são, p o r vezes, contrapode-
res. N o auge d a euforia d o mercado, o casamento
(depois rompido) d a directora de u m a galeria
n o v a - i o r q u i n a e m v o g a , M a r y Boone, c o m u m
importante negociante de Colónia, M i c h a e l
Werner, estabeleceu a partir de u m benefício,
simbólico e romântico, u m a aliança, esta econó-
m i c a , que assegurava a s u p r e m a c i a d a rede
anglo-saxónica.
D u r a n t e esse período, n a s u a galeria instalada
c o m o u m o v n i e m C h a g n y , Saône-et-Loire, c o m
c i n c o m i l habitantes, P i e t r o S p a r t a d a v a - s e t ã o
bem, que conseguia apresentar artistas r e p u -
tados n a cena internacional, encantados por res-
p i r a r aí u m a r menos confinado d o q u e aquele
Jõrg Immendorff, Café de Flore, 1990/1991
dos circuitos hiperprofissionalizados. E v i d e n -
temente, ao lado de M a r y Boone o u de M i c h a e l Os quadros de Immendorff são como cenas de teatro onde se
cruzam os amigos do pintor, os seus condiscípulos e os seus com-
Werner, Sparta não tem, financeiramente, pradores, alguns célebres directores de museu e mesmo grandes
o m e s m o p e s o , m a s n ã o se p o d e d i z e r q u e a s figuras da história da arte.
crónicas foquem menos a sua acção, do que óleo/tela, 300 x 400 cm.
aquela dos seus poderosos homólogos. Tanto Com autorização da galeria Michael Werner, New York e Colónia
m conclusão
A realização
do projecto moderno
ração de s i m e s m o , no caso de u m artista com O ready-made havia confundido a arte e o real. Justapondo o
a exigência m o r a l - no sentido lato do termo - objecto à sua imagem e à sua definição, Kosuth restitui-lhe a sua
dimensão simbólica. O mais material dos objectos é também objecto
de B a r n e t t N e w m a n {The Beginning, 1946, Vir
de linguagem.
Heroicus Sublimis, 1950-1951 são outros dos seus
Mesa e papel fotográfico.
títulos). C u i a n d o os nossos passos, no caso de ©D.R.
muitos outros. E m 1970, pouco tempo antes da
sua m o r t e , N e w m a n p i n t o u u m q u a d r o i n t i t u -
lado Be, quer dizer «Sê». A este imperativo parece
responder o presente reiterado de O n K a w a r a . m busca de realidade
Q u a l q u e r que seja a p e r g u n t a d i r i g i d a a este
último, a s u a resposta é i m p e r t u r b a v e l m e n t e u m A c o n s o l i d a ç ã o c o m e ç o u d e s d e o início do
telegrama contendo as seguintes p a l a v r a s : «l AM éculo. V l a d i m i r Tatline, u m dos p r i n c i p a i s
STILL ALIVE.» ( « A i n d a estou vivo.»). U m d i a , epresentantes da v a n g u a r d a russa, autor de
e v i d e n t e m e n t e , o t e l e g r a m a n ã o será e n v i a d o . elevos confeccionados com metal, madeira,
Desde a noite dos tempos, a arte é o meio que o o u r o , c o r d e l . . . , n ã o se c a n s o u d e m a r t e l a r ,
h o m e m c r i o u p a r a transcender a s u a c o n d i ç ã o u e era preciso respeitar a verdade do material,
de m o r t a l . O n K a w a r a , quanto a ele, f a z dessa l e d e n u n c i a v a os a r t i s t a s d o p a s s a d o , c u j a s
própria condição o quadro d a s u a obra. agens d i s s i m u l a v a m a r e a l i d a d e m a t e r i a l do
s e u suporte. Q u a n t o a ele, c r i o u p a r a os São enão o e x i b i r d a p l a n u r a d a tela e d a f o r m a
Tomás que s ã o os h o m e n s m o d e r n o s , os q u a i s o suporte. Frank Stella declarava: «Procuro
desconfiam dos seus olhos que p o d e m ser enga- o n s e r v a r a p i n t u r a , t a l c o m o ela se a p r e s e n t a
nados por u m a ilusão e querem «controlar pelo o estojo.» M a i s tarde, ele trai essa intenção, m a s
tacto». A c a b a v a a representação e a idealização, o história d a arte realizou-a...
real i r r o m p i a n a arte. K a z i m i r M a l e v i t c h , embar-
E s t a l i n h a g e m de artistas pôs e m evidência
cado na m e s m a a v e n t u r a que Tatline, definia a
s q u a l i d a d e s dos m a t e r i a i s , adaptando-os,
sua própria estética abstracta, o supremacismo*,
o m e s m o tempo, a f o r m a s a m a i o r parte d a s
como u m «novo realismo pictural» e troçava de
e z e s a c a b a d a s . U m a o u t r a , d e i x o u a g i r os
M i g u e l A n g e l o que, para o seu D a v i d , h a v i a
materiais. A sua consistência, o seu peso, as
«mutilado u m pedaço d e p e d r a magnífica»...
suas reacções químicas, d e t e r m i n a m a forma
U m m e i o s é c u l o m a i s tarde, e m 1968, t e v e d a s o b r a s , tanto q u a n t o as d e c i s õ e s t o m a d a s
l u g a r u m a exposição que r e u n i a artistas a m e r i - pelo artista. O s feltros recortados de Robert
canos, para q u e m Tatline e M a l e v i t c h p o d i a m ser M o r r i s caem e m v o l u t a s sobre o solo, as e x p a n -
referências: L'Art dii réel ( A Arte do real). O grande sões de César e x p l o r a m o prodigioso poder de
Dado e m aço negro de T o n y S m i t h , os paralelepí- dilatação do poliuretano.
pedos e m ferro g a l v a n i z a d o de D o n a l d J u d d , a
Podemos, s e m m a l d a d e , sorrir c o m as d i f i c u l -
escultura ao nível d o chão, lajedo de alumínio, de
dades encontradas pelos artistas e pelos conser-
C a r l A n d r e , todas essas obras típicas d a minimal
v a d o r e s , tendo e m v i s t a o c o m p o r t a m e n t o p o r
art que aí se v i a m , t i n h a m tanta realidade, d i z i a o
v e z e s imprevisto o u incontrolável dos materiais,
autor d o prefácio E . C . G o o s e n , c o m o u m «ele-
naturais o u de síntese, que i n v a d i r a m os ateliers
mento da natureza, u m rochedo, u m a árvore...».
e os m u s e u s . Não será isso u m paradoxo, n u m a
O crítico m a i s influente do pós-guerra, época que i n v e n t o u a arte «conceptual» e as rea-
C l e m e n t C r e e n b e r g , teve a i n f e l i c i d a d e de l i d a d e s «virtuais»? A m e n o s que, p r o c u r a n d o
escrever u m d i a esta frase: «Parece ser u m a lei u m a explicação no d o m í n i o d a psicanálise, n ã o
do m o d e r n i s m o [...], que as convenções não se considere tratar-se de u m inevitável «retomo
essenciais à v i a b i l i d a d e de u m meio de expressão do recalcado». C o m efeito, o i c o n o c l a s m o q u e
sejam rejeitadas, logo que reconhecidas.» C r e e n - atravessa o século, é sem dúvida responsável
b e r g m e r e c i a m a i s d o que ser r e d u z i d o a esta por u m a grande parte deste estado de coisas.
declaração, m a s , depois dele, não se falou m a i s A p a g a n d o a i m a g e m , faz-se aflorar a t r a m a d a
senão de «reducionismo modernista». O destino tela e depreciando - intelectualmente - o objecto de
d a p i n t u r a , desembaraçada d a obrigação n a r r a - arte, d e i x a - s e e x p a n d i r a m a t é r i a f e r v i l h a n t e ,
t i v a , e r a o d e n ã o ter m a i s c o m o f i n a l i d a d e . de que ele é u m a tentativa de domínio.
o criador, d i z i a ele, e G i n a P a n e abria a s u a pele
ò m u m a l â m i n a d e barbear, p a r a se abrir aos
itros.
C o m O r l a n , as intervenções sobre o corpo j á
o são p o n t u a i s , m a s sistemáticas, v e r d a d e i r a s
itervenções de c i r u r g i a estética. N u m e r o s a s
perações-performances foram necessárias
ara conformar o rosto d a artista c o m dife-
cntes modelos d a história d a arte, dar-lhe o
u e i x o d a V é n u s d e B o t i c e l l i o u a testa d a
' o n a L i s a . E s t e r o s t o patchzvork é o e x a c t o
v e r s o de u m d o s g r a n d e s m i t o s d a arte, o d o
intor Z e u x i s , que realizou u m a Vénus inspi-
Matthew Bamey,
ando-se n o s traços m a i s belos d e cinco j o v e n s .
i m a g e m extraída do f i l m e Crentaster4,1994 r e a l j á n ã o fornece m o d e l o s à representação,
Personagens híbridas, uma obra proteiforme. â o as representações, a s obras d o i m a g i n á r i o ,
© Matthew Bamey/Fondation Cartier pour Tart contemporain. u e se i m p r i m e m n o r e a l . A diferença é s i g n i -
Paris/Artaiigel, Londres/Barbara Gladslone, Nova Iorque, 1995. cativa. E l a pode, pura e simplesmente, levar-
© M.-J. 0'Brien.
n o s a questionar se a arte é a i n d a u m a a c t i v i -
ade simbólica!
N o s anos 90, como o d e m o n s t r o u a exposição
O corpo vivo ost Human (1992-1993), a t e n d ê n c i a é p a r a a s
róteses, a adição de silicone e a hibridação,
Diante d a tela a pintar, h á t a m b é m o pintor, [ a t t h e w B a r n e y r e a l i z a performances, f i l m e s ,
e n o caos d o m u n d o , h á a l a m a d e que é feita a ítalações, q u e descrevem u m u n i v e r s o bastante
carne. Subindo n a cadeia das causalidades, oerente, onde as fadas t ê m l a r g u r a s de ombros
a arte «realista» e m v o g a n o século x x f a z s u r g i r e body-builders, o n d e o s matards fazem corpo
o corpo v i v o . A evolução, neste domínio, faz-se o m o s e u bólide e onde o personagem que ele
n o sentido d e u m a reedificação c a d a v e z m a i o r terpreta t e m embriões de cornos no crânio,
d e s s e c o r p o . O s p i o n e i r o s d a body art e r a m ergulha n a s entranhas d a terra, d e s l i z a aí sobre
a n i m a d o s p o r u m a v o n t a d e d e superação d e s i a espuma branca e assegura, assim, a tran-
mesmo. Vito Acconci afrontava fisicamente os ição entre o h o m e m e o a n i m a l , a natureza
visitantes d a s u a exposição, p a r a sair d a solidão as matérias a r t i f i c i a i s . P a r a Jeffrey D e i t c h ,
o r g a n i z a d o r d e Post Human, e s t a n o v a a r t e
Contingências
«descreve o m u n d o " r e a l " » , m a s essa «"reali-
d a d e " tornou-se largamente artificial». E i s u m a c h a v e que e x p l i c a o estado d a arte
O c o m e n t á r i o é u m tanto b a n a l , m a s ao c o n t e m p o r â n e a e os d e b a t e s q u e e l a s u s c i t a .
ajudar-nos a comparar a obra de M a t t h e w A m o d e r n i d a d e a t r i b u i u - s e a missão s a l v a d o r a
B a r n e y c o m a de artistas d a arte corporal c o m o de t r a n s f o r m a r o m u n d o , o u , pelo menos, q u i s
O r l a n , ele permite-nos a v a l i a r a m a i o r o u m e n o r respeitar u m a ética, a de revelar a realidade das
d i s t â n c i a d a s o b r a s r e l a t i v a m e n t e ao r e a l . obras. O resultado é u m a decadência, desde as
Barney tem u m a experiência simultaneamente m a i s altas esferas d a idealização até às c o n t i n -
de atleta e de m a n e q u i m , que, s e m s o m b r a de gências do m u n d o real. O r l a n tem o mérito, ao
dúvida, a l i m e n t a a s u a prática artística e é o a s s u m i r essa queda de forma quase messiânica,
seu próprio corpo, juntamente com outros isto é, na s u a própria pele, de nos fazer ganhar
c o r p o s , que ele põe e m c e n a . M a s , p r e c i s a - violentamente consciência disso.
mente, trata-se de u m a encenação, de u m jogo.
O l h a n d o m a i s de perto, f i c a r i a m excluídos os
T e r m i n a d a a rodagem do filme, o artista d e s m a -
exemplos de artistas que, animados das boas
quilha-se e as próteses de plástico são abando-
i n t e n ç õ e s a t r á s m e n c i o n a d a s , se v i r a m , n u m
n a d a s , t a l c o m o o s a c e s s ó r i o s , o que d e m o n s -
m o m e n t o o u n o u t r o , presos n a s m a l h a s a p e r -
t r a m , a l i á s , p e r f e i t a m e n t e , as i n s t a l a ç õ e s e m
tadas de u m real muito pouco exaltante. Querendo
que ele os apresenta. Pode, igualmente, questio-
fazer m a i s do que colocar sob os nossos o l h o s
n a r - s e se essa r e a l i d a d e a r t i f i c i a l que ele d e s -
o suporte m a t e r i a l d a tela, B u r e n a t r a i u a
creve, n ã o o p r i v a r á de q u e r e r que as s u a s
nossa atenção p a r a o suporte ideológico que é
produções se l i g u e m a u m a realidade p r i m e i r a .
o m u s e u . A s s u a s p r i m e i r a s intervenções e r a m
O real que ele apreende está, a s s i m , já m o l d a d o ,
críticas. Q u a n d o , e m 1971, estendeu, no vão
o que o dispensa talvez de o m o l d a r ele próprio.
central do m u s e u G u g g e n h e i m de N o v a Iorque,
A s u a a c ç ã o é e s p e c u l a r , ele s o b r e p õ e as s u a s
u m a i m e n s a tela (que foi, aliás, c e n s u r a d a ) , ele
i m a g e n s a u m m u n d o já feito d e s i m u l a c r o s ,
d e n u n c i a v a a pretensão d a arquitectura de F r a n k
por d e t r á s dos q u a i s ele não tem a c e r t e z a
L l o y d Wright e o seu fracasso em v a l o r i z a r
de que haja a l g u m a coisa. E n q u a n t o que O r l a n
as obras. M a s , como o observou T h o m a s C r o w ,
destrói o que ela tem, igualmente, de considerar
s m u s e u s rapidamente se m o s t r a r a m «mais do
c o m o u m a a p a r ê n c i a , a do s e u rosto antes d a
ue felizes por serem objecto de comentários e,
operação, p a r a a t i n g i r u m rosto-matéria p r i m a
s s i m , g a n h a r importância e prestígio». M u i t o s
sobre o q u a l agir e a o q u a l a t r i b u i r u m a n o v a
ncorajaram i n i c i a t i v a s como a de B u r e n e este
aparência.
p n c a c o n t r i b u i u tanto p a r a patentear as
s u a s paredes, quanto estas lhe f o r a m v e d a d a s . doença). Conzales-Torres p ô d e regozijar-se com
A tal ponto que, a propósito dos Deux Plateaux, o n o v o comportamento, que suscitara por parte
colunata realizada no quadro da encomenda dos guias do m u s e u , que se d i r i g i a m às pessoas
pública p a r a o pátio do P a l a i s - R o y a l e m P a r i s , p a r a as encorajarem a tirar u m b o m b o m e
sob as j a n e l a s do m i n i s t é r i o d a C u l t u r a , o explicar-Ihes o significado dessa montanha
próprio artista declara, que o «meio envolvente de g u l o s e i m a s . U m a m ã e e os seus d o i s f i l h o s
constitui u m " é c r ã " para a obra». U m a prisão f i c a r a m particularmente c o m o v i d o s . N o entanto,
dourada? n ã o podemos i m p e d i r - n o s de p e n s a r que,
O u t r o s , c o m o A c c o n c i que tanto q u e r i a s a i r a t r a v é s de t a i s o b r a s a c o m u n i d a d e s o c i a l se
d a torre d e m a r f i m do a r t i s t a , s e g u i r a m u m a conforta nos seus bons sentimentos, s e m g r a n -
evolução que c o n d u z d a perturbação d a o r d e m des penas. E v a l e m a i s , c o m efeito, que as coisas
social à organização do espaço social. U m pouco se p a s s e m realmente a s s i m ( a f i n a l , p o r q u e n ã o
d e s i l u d i d o , A c c o n c i r e c o n h e c e u q u e os s e u s , i m a g i n a r que u m perverso se s i r v a de bombons
projectos de arte p ú b l i c a , que a p r e s e n t a m u m p a r a seduzir as crianças?). Q u a n d o a arte inter-
carácter nitidamente crítico, não são selecciona- v é m n o real, m a i s d o q u e n a ficção, e l a c o r r e
d o s p e l o s m a n d a t á r i o s . Q u a n t o aos projectos o r i s c o de d e s e n c a d e a r u m p r o c e s s o , q u e n ã o
r e a l i z a d o s , q u a n d o conseguem tocar o público, poderá controlar.
n a m e l h o r d a s h i p ó t e s e s s u s c i t a m neste u m a A o que a c r e s c e n t o o s e g u i n t e c o m e n t á r i o :
reacção de gozo. S e r i a b o m que todos aqueles imaginemos que V l a d i m i r Nabokov, e m lugar de
que defendem a ideia de u m a obra aberta, inaca- ser o g r a n d e r o m a n c i s t a q u e se conhece, teria
bada o u a reconstituir a partir de a l g u n s traços, s i d o u m artista instalador, a p e l a n d o , t a l c o m o
d e s s e m p r o v a s d a m e s m a l u c i d e z que A c c o n c i . C o n z a l e s - T o r r e s , à participação do s e u público.
O m a i s m o t i v a d o dos apreciadores n ã o consa- T e r i a ele, c o m a m e s m a l i b e r d a d e de que
grará n u n c a tanto Jempo n e m trabalho à sua par- d i s p u n h a enquanto autor de ficções, p r o d u z i d o
ticipação n u m a obra, do que u m artista a tempo essa obra de arte que é Lolita?
inteiro dedica à s u a obra. Se b e m que os efeitos
sejam, frequentemente, breves ou confessos.
F e l i x Conzales-Torres recorreu p o r repetidas Narcisismo
v e z e s a u m dispositivo u t i l i z a n d o várias dezenas
de quilos de bombons, de que os visitantes e r a m O mínimo que se pode dizer, é que o desejo
c o n v i d a d o s a servir-se. Untitled (Placebo) era u m a dos p r i m e i r o s v a n g u a r d i s t a s de fazer descer as
obra destinada a despertar a consciência para o o b r a s de arte do s e u p e d e s t a l , foi p l e n a m e n t e
d r a m a d a s i d a (a a r t i s t a s o f r i a e l a p r ó p r i a d a " t e n d i d o . Deveremos, a s s i m mesmo, lamentar o
mercantilismo? Q u e r encoraje a especulação o u , pinturas f o r a m executadas e m público. T o m a n d o
m a i s i n s i d i o s a m e n t e , i m p o n h a e m t o d o s os o m o d e l o o l u g a r do p i n c e l , e r a m os elegantes
m u s e u s do m u n d o u m a loja de «produtos deri- espectadores «em representação», que v i n h a m ,
vados», rebaixando a obra de arte ao estatuto de então, «posar» diante do quadro, como o
mercadoria, ele ratifica a dessacralização d a arte. t e s t e m u n h a m as fotografias que o artista t i n h a
Q u a n t o m a i s os objectos de arte se c o n f u n d e m o cuidado de m a n d a r tirar...
c o m objectos v u l g a r e s e se e n v o l v e m n a v i d a ,
m a i s parece que não são senão o pretexto de u m
comércio, n a s d u a s acepções d a p a l a v r a . Q u a n t o
m e n o s a o b r a de a r t e r e m e t e p a r a q u a l q u e r
verdade superior, aspiração ou realidade f u t u r a ,
m a i s ela parece ter como única função, a de ser
u m cimento social (tanto mais necessário,
p o r q u a n t o já n ã o há o u t r o ) . D e c e r t a f o r m a ,
quanto menos ela i n d i c a u m sentido que poderia
ter a n o s s a v i d a , m a i s nos a g l u t i n a m o s e m
seu redor p a r a colmatar, pela nossa presença,
e s s a f a l t a . O objecto p r e s t a - s e m e n o s ao f e t i -
chismo, m a s o meio d a arte susbtitui-o pelo seu
narcisismo.
D e s d e o f i n a l dos anos 50, que este cenário
tinha sido genialmente previsto. Yves K l e i n
i m a g i n o u obras, as «Zonas de s e n s i b i l i d a d e
pictural imaterial», cujos únicos traços tangíveis
se e n c o n t r a v a m n o r i t u a l d a s u a c e s s ã o , n a s
etapas minuciosamente reguladas entre o artista
e o coleccionador. P a r a outras obras, as «Antro-
pometrias», ele pôs, antes de se falar da body art,
e m cena o ser v i v o . O s seus modelos, jovens
m u l h e r e s , c o b r i a m o s e u corpo n u de cor e
a p l i c a v a m - n o sobre a tela, d e i x a n d o nela a s u a
marca. N o sentido próprio, o real v i n h a abater-
-se sobre o q u a d r o . U m certo n ú m e r o d e s t a s
Magia
Obras sintomáticas
A m i n h a o p i n i ã o é que e x i s t e m m a n e i r a s
m a i s eficazes de lutar contra a intoxicação televi-
s i v a (e f o r m a s m a i s a g r a d á v e i s de c o n s u m i r
morcela). M a s devo admitir, que u m certo número
dos m e u s contemporâneos, gente perfeitamente
rodada no uso do telecomando e que, desde há
muito, d e i x a r a m de acreditar que d u r a n t e a
missa o v i n h o se t o m a e m sangue de C r i s t o , con-
s i d e r a m c o m a m a i o r s e r i e d a d e as o b r a s e as
acções de B e u y s (porque não há n u n c a , neste, o
h u m o r que se encontra, por e x e m p l o , e m K l e i n ) .
R e c u s a n d o d e i x a r - m e v e n c e r p o r tanto obs-
curantismo, prefiro retirar daqui u m ensinamento.
A n t e s d e m a i s , e a o i n v e r s o d a t r a d i ç ã o que
se p r o l o n g o u d e s d e a R e n a s c e n ç a a t é a o s
primórdios d a arte m o d e m a , u m a parte d a arte
c o n t e m p o r â n e a já n ã o se a s s o c i a à s d i s c i p l i -
n a s e a o s v a l o r e s de progresso e m o s t r a , p e l o
A arte vítima
do comentário
I
desse p r o g r a m a (ele candidatou-se por d i v e r s a s
v e z e s a e l e i ç õ e s ) , q u a l teria s i d o o r e s u l t a d o ?
T e r i a ele t e n t a d o r e s t r u t u r a r a s o c i e d a d e e m
função dos seus ideais, tal como O r l a n remodela
o s e u rosto e m função de belezas ideais? C e r t a -
mente, B e u y s estava a n i m a d o das melhores
i n t e n ç õ e s d o m u n d o e, s e m d ú v i d a , s e r i a
m e s m o u m excesso de ingenuidade, que o i m p e -
d i a - a ele, a l e m ã o , c h e g a d o à arte d e p o i s do
traumatismo de u m ferimento durante a guerra -
de v e r que o e s q u e m a que ele p r e c o n i z a v a .
115
r e p r o d u z i a exactamente aquele a p l i c a d o pelos «Objectos específicos»
regimes totalitários: i m p o r ao r e a l u m m o d e l o
h u m a n o e social i d e a l . Os expressionistas abstractos d e i x a r a m
Felizmente, todas as ligações que a arte con- quadros magníficos. N o entanto, tal como a
temporânea estabelece c o m o real não se querem maior parte dos artistas deste século, eles foram
tão r a d i c a i s . N o v a s g e r a ç õ e s de a r t i s t a s c o m - tentados pelo iconoclasmo, obcecados pela ideia
p r e e n d e r a m os riscos que c o m p o r t a v a m certas de que a arte d e v i a sair do q u a d r o e de que era
utopias, quando estas se conseguiam concretizar. necessário, e m todo o caso, opor-se à f e t i c h i z a -
Eles sabem a que impasse foram c o n d u z i d o s os ção deste último. D e facto, o dripping de Pollock
vanguardistas ligados ao regime soviético no seu o u o zip de N e w m a n a n e x a m à sua p i n t u r a u m
início o u o comprometimento dos futuristas ita- e s p a ç o , que u l t r a p a s s a l a r g a m e n t e a m o l d u r a
lianos c o m o fascismo. Se permanecem ligados a tradicional de u m quadro. A frequentação dessas
d e t e r m i n a d a s características d a v a n g u a r d a , já obras ensina u m a coisa: u m artista pode, n u m
n ã o é com a ambição de transformar o m u n d o , mesmo gesto, negar e i m p o r esse objecto, que é
mas, como v i m o s , c o m a intenção m a i s concilia- u m a obra de arte. E u m p a r a d o x o , mas convém
d o r a de contribuir, por exemplo, p a r a a melhoria aceitá-lo, u m a v e z que o m e l h o r da arte abstracta,
do ambiente u r b a n o o u de criar n o v a s condições hoje, continua a defendê-lo e a relançá-lo. A f i n a l
d e c o m u n i c a ç ã o entre as pessoas. N o entanto, de contas, as artes v i s u a i s n ã o são feitas p a r a
t a m b é m eles c o r r e m u m risco. N ã o o de cons- confortar a razão. E aceitar este paradoxo, ajuda
tranger o real, m a s o de serem por ele constran- grandemente a apreciar a arte d a n o s s a época.
gidos. Muitas obras não são senão o cumprimento P e r c e b e m o s que as obras p o d e m c o n q u i s t a r o
d o c a d e r n o d e e n c a r g o s de u m a e n c o m e n d a espaço real ou suscitar u m comportamento n o v o
pública o u a i n d a a resposta à solicitação de u m por parte daquele que o b s e r v a , sem no entanto
c o m i s s á r i o d e e x p o s i ç ã o . C o m o os a r t i s t a s d e i x a r e m de ser entidades o u , p a r a retomar u m a
p o d e m u t i l i z a r todas as técnicas e todos os mate- expressão do artista «minimalista» D o n a l d J u d d ,
r i a i s a d a p t a d o s a essas c o n d i ç õ e s de trabalho, «objectos específicos».
m u i t o s r e a g e m p o n t u a l m e n t e , s e m se d a r o
O r a , é na s u a relação c o m u m objecto espe-
tempo n e m os meios p a r a dominar perfeitamente
cífico, quaisquer que sejam a natureza desse
essas técnicas e esses m a t e r i a i s . E , p o r v e z e s ,
objecto, o seu m o d o de fabricação, as suas
quando o resultado deixa o público perplexo,
dimensões, que u m artista expõe as suas ideias.
n ã o é porque não tenha u m sentido perceptível,
O pensamento constrói-se n a aquisição de u m a
mas porque o artista nem sempre foi capaz
prática. O objecto p a r t i c i p a d e u m a dialéctica.
de encontrar a forma o u a disposição pertinentes.
E l e é u m écran, que evita que os gestos do artista
se dispersem na totalidade do real e se a f u n d e m impede que as gerações m a i s n o v a s h e r d e m u m a
(no sentido p r i m e i r o do termo) o u se a b a t a m e história e m pontilhado. A história não nos chega
se a f u n d e m ( n o s e n t i d o s e g u n d o ) . O objecto n u n c a senão p o r fragmentos, mas a história das
a d i c i o n a - s e ao m u n d o ( e l e n ã o se c o n f u n d e v a n g u a r d a s é a i n d a m a i s dispersa. D e onde, por
nele), como u m elemento a m a i s e esse elemento c o m p e n s a ç ã o , o facto d e s s a s v a n g u a r d a s n ã o
a m a i s , f a z c o m que o artista m a r q u e obrigato- s e r e m t a n t o o b j e c t o de u m q u e s t i o n a m e n t o ,
riamente u m a distância e m relação às ideias, aos como se p r o d u z i a anteriormente de geração p a r a
sentimentos, às fantasias, aos i m p u l s o s que este geração, m a s de u m a investigação reconstitutiva.
investe nele. U m a das funções essenciais d a arte A o contrário, mesmo, dos princípios que defen-
consiste, a partir de agora, e m actualizar, e mover, d e r a m , as v a n g u a r d a s são f e t i c h i z a d a s . Parece
esse f u n d o de h u m a n i d a d e , que a religião já não n ã o terem existido n u n c a exposições retrospec-
toma a s e u cargo e que a ciência não pode con- t i v a s , e x p o s i t o r e s de m u s e u s e c a t á l o g o s s u f i -
siderar. cientes, para recolher o seu mais pequeno vestígio.
I n e v i t a v e l m e n t e , certos gestos, certas acções
escapam a esse recenseamento. Neste caso, pode
Necessidade de traços temer-se que n ã o sejam reiterados p o r artistas
m a i s jovens, que i g n o r a m a sua existência.
Já n ã o n o s e n c o n t r a m o s n a s i t u a ç ã o d o s Q u a n d o isso se p r o d u z e f e c t i v a m e n t e e s u r g e
p r i m e i r o s m o d e r n o s , q u e t i n h a m de r o m p e r aos oihos do público melhor i n f o r m a d o , o estado
com u m a concepção fossilizada d a obra de arte. de espírito nostálgico que i m p r e g n a esta época é
O trabalho foi feito, por eles e por aqueles que se acentuado. Repete-se esse lugar c o m u m , de que
lhes s e g u i r a m . Se b e m que, reconsiderar, agora, a t u d o já foi feito e que só se pode v o l t a r a repeti-
obra de arte n a s u a e s p e c i f i c i d a d e e, s e n ã o na d o . Mergulha-se n u m tempo imóvel.
sua perenidade, pelo menos n a s u a capacidade D o m e u ponto de v i s t a , u m a requalificação
de se i n s c r e v e r n a m e m ó r i a , p o d e r i a a j u d a r da obra de arte deveria, igualmente, corrigir u m
a l e v a n t a r a l g u n s d o s n o v o s obstáculos que se outro vício d a época: o consumo de j o v e n s artis-
instalaram. Compreendeu-se que m u i t o s artistas, tas. O m e r c a d o , as instituições, o m e i o d a arte
nomeadamente no decorrer dos anos 70, t i n h a m e m g e r a l , á v i d o s de n o v i d a d e s , p e r s e g u e m o
p r o d u z i d o obras, de que se t i n h a m e s f o r ç a d o m e n o r indício de talento. O s artistas c o m e ç a m
por apagar os traços. A maior parte dos que con- u m a carreira m u i t o cedo, são demasiado expos-
t i n u a m a reter a atenção, hoje, retêm-na, e v i d e n - tos e, p o r v e z e s , tão d e p r e s s a a b a n d o n a d o s .
temente, através de outras obras que r e a l i z a r a m Impõe que se diga que, v i n d o s com u m m a t e r i a l
e que, essas s i m , e r a m d u r á v e i s . O que n ã o r e d u z i d o , i n s t a l a m u m a o b r a de c i r c u n s t â n c i a
n u m a e x p o s i ç ã o c o l e c t i v a , p o d e r ã o p a r t i r sem como n a nossa época. S e m contar com as decla-
deixar traços. O b r a s estáveis, p e r m i t i r - I h e s - i a m rações dos artistas, os manifestos. Se b e m que se
resistir a essa lei d a rotação dos stocks a p l i c a d a i m p o n h a , talvez, de n o v o , i n v o c a r a realidade d a
ao domínio artístico. obra. Já n ã o p a r a a destacar das ilusões d a repre-
sentação, m a s p a r a a d i s t i n g u i r d a ganga inter-
pretativa, que por vezes nos cega.
A arte entregue ao discurso C h e g a d a p r a t i c a m e n t e ao t e r m o d o s m e u s
p r ó p r i o s c o m e n t á r i o s . . . , d e v o rectificá-los u m
M o r a l i z a d o r e s , os m o d e r n o s d e n u n c i a r a m pouco! S u g e r i que a arte c o n t e m p o r â n e a era
o f a c t o d a o b r a d e a r t e t r a d i c i o n a l ser u m a u m a realização d a m o d e r n i d a d e . M a i s p r e c i s a -
m e n t i r a . É certo que a tradição que lhes h a v i a mente, ela realiza o p r o g r a m a d a m o d e r n i d a d e .
sido ensinada era desnaturada p o r u m a p i n t u r a E muito frequentemente, quando ela encalha
académica, representando u m m u n d o que já n ã o nesse real, é porque l e v o u à letra esse p r o g r a m a .
existia e defendendo hipocritamente valores Q u a n d o n u m a obra de arte se quer a transcrição
obsoletos. N o s e u s e g u i m e n t o , as v a n g u a r d a s literal de u m preceito d a modernidade, ela r e n u n -
q u i s e r a m e x p r i m i r a v e r d a d e , a verdade do cia forçosamente a toda a distância simbólica...
quadro, que se desarticulou ao ponto de o r e d u - Talvez a p i n t u r a abstracta tivesse evitado
z i r aos s e u s constituintes m a t e r i a i s , a v e r d a d e certos i m p a s s e s f o r m a l i s t a s , se n ã o se t i v e s s e
d o c o n t e x t o , no q u a l nasce e se i n s c r e v e u m a l i m i t a d o ao p r i n c í p i o r e d u c i o n i s t a e n u n c i a d o
obra de arte, ao ponto de desviar a atenção p a r a p o r G r e e n b e r g e se se t i v e s s e a t e n d i d o , entre
o m u s e u o u p a r a o espectador. N o f i n a l deste outros, ao facto dos quadros de Stella não terem
trabalho, temos, s e m dúvida, u m a m a i s a m p l a n u n c a d e i x a d o de m a n t e r , i n c l u i n d o q u a n d o
consciência do que é u m a obra de arte, m a s esta, e r a m monócromos, u m a ilusão de p r o f i m d i d a d e ,
no decorrer do processo, perdeu a s u a integridade. a i n d a que ténue. T a l v e z nos tivéssemos d e i x a r
Tendo perdido essa integridade, acontece entusiasmar pela infatigável c r i a t i v i d a d e plástica
q u e e l a se v ê de n o v o a l i e n a d a . D u p l a m e n t e de W a r h o l , como pelos seus aforismos p r o v o c a n -
alienada. D i s s e m i n a d a n a realidade do m u n d o , tes. F i c a r í a m o s , h o j e , m e n o s d e c e p c i o n a d o s ,
a obra embate nos l i m i t e s que esta lhe i m p õ e . q u a n d o u m a v i s i t a a u m a e x p o s i ç ã o nos l e v a
E torna-se, t a m b é m , m a i s difícil de identificar. a procurar, e m locais destinados às mercadorias
É, então, que intervém o comentário, ajuda (por exemplo, quando u m m u s e u requisita
necessária a essa identificação. A arte entrega-se as m o n t r a s dos estabelecimentos comerciais
ao discurso. N u n c a n a s obras de história e de crí- v i z i n h o s ) , o b r a s d e a r t e q u e se a s s e m e l h a m
tica d a arte, as teorias estéticas se m u l t i p l i c a r a m a mercadorias.
T e r i a m sido empregues todos os esforços para c o n t e m p o r â n e o s , cujas obras c i r c u l a m n o m e r -
enganar a «retina» e elevar o «espectador» à cate- cado e que recebem apoio financeiro por parte
goria de participante, se, e m lugar de repisar as das instituições, traem o espírito revolucionário
c u r t a s frases p e r e m p t ó r i a s de D u c h a m p , estas d o s p r i m e i r o s m o d e r n o s de que eles se r e c l a -
tivessem sido perspectivadas através das contra- m a m ? Para além desses modernos terem estabe-
dições d a s u a obra? Recordemos que a s u a última lecido, n a m a i o r parte dos casos, eles próprios,
obra m a g i s t r a l , Étant donnés: 1." la chute d'eau, as premissas de u m a tal relação c o m o mercado e
2.° le gaz d'éclairage, r e p r e s e n t a u m c o r p o de c o m as i n s t i t u i ç õ e s , é p r o v a v e l m e n t e n o u t r o
m u l h e r n u e glabro, deitado sobre ramos. O r a , o c a m p o que se d e v e m p r o c u r a r m e c a n i s m o s de
dispositivo d a obra é tal, que para v e r esse corpo, «recuperação», na vulgata modernista justamente,
o espectador é detido atrás de u m a pesada porta i s t o é, t a m b é m , n o r a c i o c í n i o d a q u e l e s q u e
de m a d e i r a , à distância d a c e n a , e o b r i g a d o a colocam a questão. Esta vulgata, transmitida,
utilizar u m óculo, e m s u m a , colocado na posição a l i á s , tanto p e l o s p a r t i d á r i o s d a a r t e c o n t e m -
de voyeur. A obra é u m a exacerbação do olhar. porânea, como pelos seus inimigos, faz triunfar
A propósito de contradições, pode referir-se os d i s c u r s o s de i n t e n ç ã o o u de i n t e r p r e t a ç ã o
que o ready-made constitui objecto de interpreta- sobre a r e a l i d a d e s e n s í v e l d a s o b r a s . E l a c o n -
ções divergentes. Há aqueles para q u e m a ques- d u z ao c a m p o d a s significações p e r f e i t a m e n t e
tão é evidente: a obra de arte pode ser a d q u i r i d a ordenadas, das classificações e das explicações
n u m grande armazém, logo «a v i d a é arte». E s s a teleológicas, o que a ultrapassa.
foi, e m grande parte, a filosofia do m o v i m e n t o
Esta constatação leva-nos a desdizer uma
FIuxus. P a r a outros, a conclusão a tirar não é, tal-
o p i n i ã o b a s t a n t e d o m i n a n t e no m e i o d a arte.
v e z , tão literal. A s s i m , B e r t r a n d L a v i e r recortou
H á , aí, u m a t e n d ê n c i a p a r a c o n s i d e r a r que as
uma enorme ceifeira-debulhadora, segundo o
obras de arte m a i s audaciosas são as que melhor
ponto de v i s t a e o enquadramento d a s u a foto-
c o n s e g u e m f a z e r c o i n c i d i r os p r o j e c t o s d a
g r a f i a n u m c a t á l o g o de m a t e r i a l a g r í c o l a . E l e
modernidade com a vida, dominar o real.
obriga-nos, assim, a v e r o objecto como u m a i m a -
gem. E fá-lo deslizar para a o r d e m do simbólico. É certo, que elas t r a n s g r i d e m os l i m i t e s t r a d i -
c i o n a i s d a arte, m a s , c o m o v i m o s , a f i m de se
a d a p t a r f i n a l m e n t e às c o n t i n g ê n c i a s d o r e a l .
E esta a d a p t a ç ã o , c o m o espero ter feito i g u a l -
Realidade da obra
mente compreender, só tem lugar, quando a arte
N o s debates que suscita a arte contempo- passa pela racionalização do discurso. É a letra
rânea, u m a questão é frequentemente levantada: que é o meio pelo q u a l a arte adere ao real, com
a arte m o d e r n a foi recuperada? Os artistas o risco de aí se perder. Se bem que as obras m a i s
l i v r e s , as m a i s r i c a s de p o t e n c i a l i d a d e s , pode-
r i a m perfeitamente ser aquelas, que, continuando
a aceitar os desafios d a m o d e r n i d a d e , traem as
suas lições.
I
S e j a m o s l ú c i d o s . Se se e s c r e v e , h o j e , u m
p e q u e n o l i v r o sobre a «arte c o n t e m p o r â n e a » ,
é porque se fala m u i t o dessa arte contemporânea.
E , p r e c i s a m e n t e , « a r t e c o n t e m p o r â n e a » , são
apenas p a l a v r a s , u m a f o r m a c ó m o d a de reunir
obras dissemelhantes e frequentemente contra-
ditórias e de e x p r i m i r que a c o m u n i d a d e social
se reapropria de u m a arte, que demonstrou a sua
c ^ a c i d a d e p a r a lhe escapar. F e l i z m e n t e , «arte
contemporânea», são apenas p a l a v r a s , enquanto Anexos
na s u a realidade, certas obras p o d e m ainda
p r i v a r - n o s d a nossa babagem didáctica.
125
Glossário
.T-'
Colecções especializadas
e m arte c o n t e m p o r â n e a
« L a C r é a t i o n c o n t e m p o r a i n e » . C e n t r e n a t i o n a l d e s arts
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índice remissivo
Prefácio 7
O MUNDO DA ARTE 11
Nascimento da arte contemporânea 13
Temporalidade 35
Topologia 63