Você está na página 1de 77

CONTEMPORÂNEA

A A R T E CONTEMPORÂNEA

CATHERINE M I L L E T

Rejeitando a utopia das vanguardas, a arte contemporânea


quer aproximar-se do público, fazer participar o espectador,
confundir-se com a vida quotidiana.
No entanto, para a autora, critica de arte, ao querer controlar
demasiado o real, alguns artistas contemporâneos esquecem
que a arte é da ordem da ficção, do simbólico e deriva de uma
outra realidade.

Para criar um espaço de interdiscipli-


naridade do saber necessário à cons-
trução do conhecimento, cada livro da
BBCC é composto por duas secções:
uma exposição para compreender: um BIBLIOTECA
ensaio para reflectir, delineando um
imprescindível percurso pedagógico-
BÁSICA
^7••tTUTO
-cíentífico. piKGET
DE CIÊNCIA
E CULTURA
A Arte Contemporânea
TÍTULO

AUTOR Catherine Millet

INSTITUTO
COLECÇÃO J i y J M s I c a de cjônc^^
PIAGET

DIVISÃO EDITORIAL
PREÇO.
Largo da Madre
de Deus, 9
1900 LISBOA INSTITUTO ISBN: 972-771-285-1
TelQt.868 62 75/76 PIAGET^ NOVA MORADA;
Fax 868 82 77 R. D. Atonio HanrIquM, 32-1 .'Ot«.
DIVISÃO EDITORIAL 2 6 9 5 - 0 1 1 BobadeU LRS
Tal. 21 995 95 20 - Fax 21 955 34 78
Catherine Millet, crítica de arte, dirige actualmente a redac-
ção da revista Art press, na criação da qual participou em 1972.
Foi comissária de diversas exposições, entre as quais Baroqiie 81
no M u s e u de Arte Moderna da cidade de Paris, em 1981, e Douze
Artistes français dans Vespace no M u s e u Soibu em Tóquio, em 1985,
bom como da selecção francesa da Bienal de São Paulo, em 1989,
galardoada com o grande prémio do melhor pavilhão, e do p a v i -
lhão francês da Bienal de Veneza, em 1995.

COíyiifMPORÂNEA
CATHERINE MILLET

Título original
L'Art Contemporain

Autor

Catherine Millet
AARTE
Colecção
Biblioleca Básica de Ciência e Cultura,
sob a direcção de António Oliveira Cruz CONTEMPORÂNEA
Tradução
Joana Chaves

Capa

Dorindo Carvalho

Copyright

Flammarion, 1997-Collection IXIMINOS

Direitos reservados para Portugal;


INSTITUTO PIAGITT, Av. João I'aulo II, lote 544,2." - 1900-726 Lisboa
Telef.: 21 83717 25
E-mail: pÍagct.editora®mail.tclepac.pt
Fotocomposição e impressão
Gráfica Manuel Barbosa &c Filhos, Lda.

ISBN: 972-771-285-1

Depósito legal: 150416/00

Nenhuma parte desta publicação pode sor reproduzida ou transmitida por


qualquer processo electrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo foltKÓ-
pia, xerocópia ou gravação, sem autorização prévia e escrita do editor. INSTITUTO
PIAGET
Prefácio

' I 'EMOS de nos render à seguinte evidência, embora


JL a descontento dos puristas: a arte em processo
nem sempre foi «contemporânea». Ou ainda: nem
sempre nos sentimos contemporâneos da arte em pro-
cesso. Com efeito, «arte contemporânea» é uma
expressão que se impôs sobretudo a partir dos anos 80,
suplantando, então, as expressões «vanguarda»,
«arte viva» e «arte actual». Ela possui as qualidades
das expressões feitas, suficientemente lata para se
inserir numa frase quando falta uma designação mais
precisa, mas suficientemente explícita para que o
interlocutor perceba que se está a falar de uma deter-
minada forma de arte e não de toda a arte produzida
por todos os artistas hoje vivos e que são, portanto,
nossos contemporâneos. De facto, um dos objectivos
N O T A . - O s termos relacionados c o m u m vocabulário
desta obra poderia muito bem ser o questionamento
e s p e c i a l i z a d o e explicitados no g l o s s á r i o
s ã o seguidos por u m * quando s u r g e m pela
quanto ao êxito desta expressão: como e porquê um
primeira v e z . par de palavras tão generalizante, consegue designar
com tanta pertinência obras de arte que, quanto a parece situar-se entre as "obras de arte" e a contami-
elas, estão longe de ser banais? Assim, as obras que nação das formas visuais, literárias, teatrais, musi-
são evocadas nas páginas que se seguem não corres- cais, coreográficas ou do d e s i g n , pelas novidades
pondem a um palmarés ou a uma escolha pessoal da tecnológicas e a combinação destas formas com essas
autora; elas são citadas, enquanto exemplares de um inovações.»
panorama, que se quis o mais lato possível. Musée d'Art Contemporain de Montreal: «É forço-
O trabalho não foi empreendido sem um pequeno samente contemporânea, toda a arte que se faz hoje.
inquérito prévio. Foi enviado um questionário a uma No entanto, a questão que deve ser considerada, ê a do
centena de museus de arte moderna, de arte contempo- espírito com que essa arte é realizada. O que retém,
rânea ou de arte moderna e contemporânea, em todo o sobretudo, a nossa atenção, é uma arte que explora
mundo (iremos perceber mais adiante, a razão por que novos campos de criação, tendo em conta os conheci-
os museus foram interrogados prioritariamente). mentos adquiridos das nossas civilizações, ou que
A questão: «Considera que toda a arte produzida hoje renova formas de expressão artística existentes, levando
é "contemporânea"?», uma grande maioria respondeu: mais longe a reflexão.»
«Sim/Não». Democratas, os conservadores de museu Podemos circunscrever temporalmente a noção.
não desejavam excluir a p r i o r i do seu campo de inte- Jean-Louis Froment, fundador do CAPC/Musée d'Art
resse, certas categorias de obras. Mas... apesar do estado Contemporain de Bordeaux, exprimiu a seguinte
de espírito reinante, pós-moderno, que aceita todos fórmula curiosa: ele falou da «época da arte contem-
os estilos, eles estabelecem condições. Exemplos: porânea». Sem dúvida, tinha particularmente em
Philadelphia Museum of Art: «"Sim", na medida mente esses anos 80, que converteram em miríficos
em que empregamos geralmente o termo "contempo- lanços e popularizaram o florescimento criador dos
râneo" num sentido cronológico. Mas "não", na anos 60 e 70. A arte contemporânea entrou em moda,
medida em que tendemos, igualmente, a centrar-nos de tal forma que alguns, incitados pelo que considera-
sobre o trabalho recente mais acutilante ( " c u t t i n g vam ser a sua hegemonia, a atacaram. Instalaram-se
e d g e " ) . Se bem que uma obra de arte muito tradi- polémicas, que ressurgem esporadicamente. Foi neces-
cional, mas recentemente realizada, devesse ser qua- sário declarar-se contra ou a favor da arte contempo-
lificada como algo do género "contemporânea num rânea, o que parece provar que, tanto para os seus
estilo tradicional"...» oponentes como para os seus defensores, esta arte
Centro per arte contemporânea Luigi Pecci esboça uma fronteira bastante nítida, em relação
(Prato): «As formas artísticas podem ser divididas à qual só se pode estar de um ou do outro lado.
em: tradicionais, como as pinturas, esculturas, insta- Em Outubro de 1995, a municipalidade de Car-
lações fixas; e em experimentais, como as performan- pentras proibiu uma exposição de Jean-Marc Bus-
ces, a arte conceptual, a arte electrónica. A diferença tamante. Esta comportava a instalação de um semi-
-reboque numa capela secularizada, transformada em
sala de exposição. Desejando impedir, no futuro, este
género de obra sujeita a controvérsia, o adido cultural
anunciou que a capela «deixaria de ser destinada à
arte contemporânea» e que se dedicaria «a partir de
agora, a promover a arte figurativa». Ele não parti-
lhava, assim, do espírito prático de artistas que,
I
depois que Mareei Duchamp teve a ideia dos ready-
- m a d e * - isto ê, esses objectos fabricados expostos tal
qual, como obras de arte -, consideram que não há
réplica mais fiel de um objecto, do que, finalmente, o
próprio objecto... Para o adido de Carpentras, um
semi-reboque não «representava» um semi-reboque,
era «arte contemporânea».

O m u n d o d a arte
Nascimento da arte
contemporânea

Os conservadores de m u s e u , segundo parece,


f o r a m os p r i m e i r o s a considerar a n o ç ã o
de arte contemporânea, donde o facto de ter con-
d u z i d o o inquérito, antes de m a i s , j u n t o deles.
E l e s reflectiram sobre o assunto a d u p l o título.
D u r a n t e esses magníficos anos 80, eles v i r a m o
seu n ú m e r o crescer, a s u a função institucionali-
zar-se e «profissionalizar-se» (está longe o tempo
em que u m W i l h e l m Sandberg, u m E d y de W i l d e
no Stedelijk M u s e u m de Amesterdão, u m Pontus
H u l t e n n o M o d e r n a M u s e e t de E s t o c o l m o ,
i n v e n t a v a m o ofício). T o m a r a m , então, consciên-
cia d a a m b i g u i d a d e do seu papel: o que significa
ser o « c o n s e r v a d o r » - aq u el e que a s s e g u r a
Andy Warhol na Factory
a p e r e n i d a d e d a s c o i s a s - de u m a arte em
Para este local votado à multiplicação das imagens, em breve se
processo e que, sobretudo durante esta segunda
vai precipitar um público cada vez mais numeroso.
m e t a d e do século, se terá p e r m i t i d o múltiplas
©BillyName
metamorfoses, desvios e subversões?

1
A s o p i n i õ e s d i v e r g e m . E m Paradoxe sur nios, seguiam a evolução d a arte m o d e r n a . Para
le conservateur, J e a n C l a i r - ele próprio conser- u n s como p a r a outros, a questão é: « O n d e ter-
v a d o r e o r g a n i z a d o r de n u m e r o s a s exposições m i n a a arte m o d e r n a e onde começa a arte con-
r e t r o s p e c t i v a s d a m o d e r n i d a d e - a f i r m a cate- temporânea?»
goricamente que, p a r a ele, u m «museu de arte N o Centro G e o r g e s - P o m p i d o u , por exemplo,
c o n t e m p o r â n e a » é u m « a b s u r d o n a s u a acep- esta questão ressurge periodicamente, s e m que
ç ã o » . E n q u a n t o que o s e u h o m ó l o g o h o l a n d ê s se tenha jamais ousado decidir. A parte atribuída
Jan Debbaut, que n ã o nega as contradições e m ao Musée N a t i o n a l d ' A r t M o d e m e era, aí, quase
q u e se e n v o l v e , d e c i d e a s s u m i r e s s a m i s s ã o desde o início demasiado pequena, p a r a permitir
impossível. E l e d e c l a r a v a n u m colóquio: «O p r i - u m a exposição satisfatória d a colecção (16 500
meiro p r o b l e m a que se coloca ao conservador, é obras n a a b e r t u r a do C e n t r o e m 1977, m a i s do
a definição e a interpretação d a própria desig- dobro vinte anos depois, sem contar com
nação d a s u a instituição: m u s e u de arte contem- os objectos de design e de a r q u i t e c t u r a ) . Já há
p o r â n e a [...]. O m u s e u de arte c o n t e m p o r â n e a muito, que se pensa d i v i d i r e m duas esta colec-
o c u p a - s e , p o r d e f i n i ç ã o , d a m u d a n ç a n a arte ção e instalar a s u a parte m a i s antiga n u m outro
[...]. Segue-se, a s s i m , i n e v i t a v e l m e n t e , que o edifício. M a s p a r a a l é m de faltar encontrar o u
m u s e u de arte c o n t e m p o r â n e a p e r t u r b a de c o n s t r u i r este ú l t i m o , m a n t é m - s e e m suspenso
f o r m a contínua, u m sistema à p r o c u r a do equilí- a delicada questão d a data, e m referência à q u a l
brio [...]. A s s i m , p r o v o c a tensões e torna a v i d a se fará essa divisão. A s s i m , será possível dar a
difícil ao público.» v e r e a compreender a arte realizada depois d a
Segunda G u e r r a M u n d i a l , s e m que seja sugerida
M a s antes m e s m o de se depararem c o m estas
qualquer ligação c o m a arte da p r i m e i r a metade
p r e o c u p a ç õ e s d e o n t o l ó g i c a s , os c o n s e r v a d o r e s
do século?
foram confrontados com u m problema muito
concreto. O s que pertencem às instituições mais N a verdade, e o Centro Georges P o m p i d o u a
importantes, já largamente p r o v i d a s de obras do ela aderirá p r o v a v e l m e n t e u m d i a , u m a resposta
início do século e cujas colecções c o n t i n u a m c o n s e n s u a l a e s s a q u e s t ã o está e m v i a s de se
a ser e n r i q u e c i d a s , t i v e r a m de e m p r e e n d e r a impor. A data de nascimento da arte contempo-
c l a s s i f i c a ç ã o d e s s a s c o l e c ç õ e s . E a q u e l e s que rânea v o g a r i a algures entre 1960 e 1969. T a l é a
a s s e g u r a r a m o a r r a n q u e dessas n o v a s i n s t i t u i - opinião d a m a i o r parte dos conservadores, que
ções inteiramente votadas à arte contemporânea, r e s p o n d e r a m ao inquérito e n u m e r o s a s outras
t i v e r a m de definir o s e u campo de competência, pessoas interessadas. N o d e c u r s o dos anos 60,
relativamente a m u s e u s que, já há vários decé- i m p u s e r a m - s e a Pop art*, o N o v o R e a l i s m o * ,
a op art* e a arte cinética*, a minimal art* e o color- cessos, os obriga a m o d i f i c a r p r o f u n d a m e n t e o
field painting*; o F I u x u s * e n x a m e o u , os happe- seu p a p e l e o s e u m o d o de trabalho. Veremos,
nings* p r o l i f e r a r a m ; no f i n a l do d e c é n i o , s u r - m a i s adiante, as d i f i c u l d a d e s técnicas que encon-
g i r a m a a r t e c o n c e p t u a l * , o anti-/orm*, a arte t r a m p a r a e x p o r as o b r a s , c o n s e r v á - l a s o u n a
povera*, a land art*, a body art*, o Support-Sur- necessidade de as restaurar e os desafios ao b o m
face*..., inúmeras formas de arte que recorrem a senso e, por v e z e s , ao b o m direito que têm de
todo o tipo de m a t e r i a i s h e t e r ó c l i t o s , objectos ultrapassar.
fabricados, matérias n a t u r a i s e perecíveis, e até A e x p o s i ç ã o q u e se c o n s i d e r a , hoje, c o m o
ao próprio corpo do artista. Todos os processos «histórica», a p r i m e i r a a registar o n o v o estado
f o r a m p e r m i t i d o s , i n c l u i n d o os m a i s d e s c o n - das coisas, foi Quand les attitudes deviennent forme
certantes, os m a i s provocadores, os m a i s i n c o m - no K u n s t h a l l e de B e r n a , e m 1969. H a r a l d Szee-
p r e e n s í v e i s , t o m a n d o o a r t i s t a o l u g a r do s e u m a n n , que tinha sido o s e u orquestrador, m e d i r a
p ú b l i c o o u , p e l o c o n t r á r i o , f u g i n d o dele p a r a desde logo as c o n s e q u ê n c i a s , que i m p l i c a r i a m
ir e s c u l p i r no próprio solo de u m deserto l o n - para ele e os seus companheiros estas n o v a s ati-
gínquo; u m público que foi s a c u d i d o entre tudes, esta n o v a f o r m a de arte. E l e declarou, u m
obras f a z e n d o apelo às suas reacções i n s t i n t i v a s d i a : « Q u a n d o nos r e v í a m o s c o m W i l d e , Peter-
e outras obrigando, pelo contrário, a seguir sen o u Beeren de A m e s t e r d ã o , c o m H u l t e n de
c o m p l e x o s raciocínios teóricos; u m público con- Estocolmo, só tínhamos u m a p a l a v r a : " É u m ofí-
f r o n t a d o coHi obras i n v a d i n d o o e s p a ç o , cio de m e r d a . " Caía-nos tudo e m c i m a . Q u a n d o
enquanto que era forçado a i m a g i n a r outras B e u y s espalhou a s u a m a r g a r i n a pelo chão, todos
t o t a l m e n t e i n v i s í v e i s . . . O s v a n g u a r d i s t a s do se v o l t a v a m contra nós, d i z e n d o : " S z e e m a n n está
início do século h a v i a m já, é certo, abalado a sujar o m u s e u e é c o m o dinheiro dos contri-
f u r i o s a m e n t e as c o n v e n ç õ e s e b r i n c a d o a o s buintes que se terá de l i m p a r esta imundice."»
a p r e n d i z e s de feiticeiro, m a s d u r a n t e este decé-
n i o e u f ó r i c o essas p r á t i c a s g e n e r a l i z a r a m - s e , Para retomar os termos, menos directos, de J a n
gozando de u m a área de liberdade, de que não Debbaut, é a v i d a dos conservadores de m u s e u ,
t i n h a m c e r t a m e n t e b e n e f i c i a d o os p i o n e i r o s . primeiro que a v i d a do público, que a arte contem-
É n e s t a á r e a d e l i b e r d a d e , que se c o n t i n u a a porânea «toma difícil». E a definição dessa arte
d e s e n v o l v e r alegremente a arte de hoje. contemporânea está talvez, e m parte, nessa rela-
ção entre obras que p r o c u r a m impor u m modo de
Precisamente, a arte que os conservadores de existência, que só seria rigorosamente válido para
m u s e u d e s i g n a m como « c o n t e m p o r â n e a » , é a elas, e estruturas sociais que a c e i t a m , e m c a d a
arte que, pela natureza dos seus materiais e pro- caso, inventar os meios de se lhes adaptar.
Da arte moderna E m meados do século x i x , a palavra-chave de
Baudelarie é «modernidade». O seu herói é
à arte contemporânea
o dandy, aquele que e x p r i m e a s u a originalidade.
O s anos 60 n ã o são apenas os anos de eclosão O artista frequenta as margens d a sociedade, e m
de u m a quantidade de movimentos de vanguarda, c o m p a n h i a , aliás, d a s p r o s t i t u t a s . T r i n t a anos
eles são, igualmente, como o p r o v a m os e x e m - m a i s tarde, e m Critique d'avant~garde, u m a recolha
p l o s c i t a d o s d o s m u s e u s de E s t o c o l m o e d e de ensaios de Théodore Duret, são incontáveis as
Amesterdão, o u do K u n s t h a l l e de B e r n a , os anos incidências da p a l a v r a «originalidade», para
de u m a a b e r t u r a s o c i a l a e s s a s v a n g u a r d a s . fazer o elogio dos impressionistas. Estes últimos
O s seus protagonistas g a s t a r a m m e n o s t e m p o são «exploradores», M a n e t é u m «inventor», de
a fazer-se reconhecer pelo mercado e pelas insti- onde a distância entre eles e os seus contempo-
tuições, do que Cézanne para se fazer a d m i t i r no râneos. D u r e t nota, que n e n h u m destes grandes
Salão. L e o C a s t e l l i d i z ter exposto R o y L i c h t e n s - pintores pode gozar e m v i d a d a plenitude d a s u a
tein n a sua galeria imediatamente após tê-lo reputação, porque o tempo e a distância são
c o n h e c i d o e m 1 9 6 1 , e i s s o , se b e m q u e t e n h a
necessários para apreciar as grandes obras».
a c h a d o «bizarros» os seus q u a d r o s r e a l i z a d o s
como bandas desenhadas. P o r m u i t o «bizarros» D e facto, no s é c u l o x i x , t e m tendência a
que fossem, E d y de Wilde considerou-os, apesar designar-se como «contemporânea», a massa
de tudo, como «obras-primas», quis de imediato bruta d a produção artística, m a s s a essa que não
adquirir u m p a r a o seu m u s e u e arrancou-o a é forçosamente « m o d e r n a » . H u y s m a n s lamenta
Castelli que, desejando mantê-los, os p r o p u n h a , que a «arte contemporânea» seja u m a «miserável
porém, a u m preço elevado! miscelânea» de estilos. N o início do século x x ,
A p o l i n á r i o d e f e n d e os cubistas, f a l a n d o a i n d a
Quando Ernst Gombrich actualizou a sua
Histoire de Vart, fez u m a constatação. E m 1950, de arte m o d e r n a . M a s nos anos 60, p a r a P i e r r e
data d a p r i m e i r a edição d a s u a obra, ele conside- R e s t a n y , crítico de arte e d e f e n s o r dos N o v o s
r a v a o público francamente hostil aos m o v i - R e a l i s t a s , esses, que o l h a m «a r u a " c o m o u m
m e n t o s r e v o l u c i o n á r i o s d a arte do s é c u l o x x . q u a d r o " » , que dela extraem as pin-up e m cartão
M a s q u i n z e a n o s m a i s t a r d e , s e g u n d o ele, «a de anúncios de Ambre Solaire o u que dela a r r a n -
arte m o d e r n a t i n h a t r i u n f a d o p o r c o m p l e t o » . c a m p e d a ç o s de c a r t a z e s p u b l i c i t á r i o s , s ã o os
A arte m o d e r n a que triunfou^ é a arte c o m que «artistas contemporâneos».
a sociedade se sente, finalmente, e m sincronia, é a A arte tornou-se contemporânea, falando-nos
arte, no sentido etimológico, contemporânea. da n o s s a v i d a de t o d o s os d i a s . E l a tornou-se
A arte contemporânea opera u m a s o l d a d u r a , contemporânea, q u a n d o começou, de u m a certa
lá onde a modernidade i n d i c a v a u m a r u p t u r a .
forma, a realizar o projecto moderno, no sentido
e m que o e n t e n d i a B a u d e l a i r e ; o p u b l i c i t á r i o c o m b i n a ç ã o d e s s a estética, o n d e c a d a q u a l se
R a y m o n d H a i n s é o «passeante» na grande cidade e x p r i m e e m f o r m a s que l h e são pessoais, c o m
e as pin-up de M a r t i a l Raysse têm a beleza arti- imagens que, pelo contrário, pertencem a todos.
f i c i a l das m u l h e r e s que p õ e m pó-de-arroz e N o s q u a d r o s de R a u s c h e n b e r g , a t i n t a escorre
baton nos lábios. O real do N o v o Realismo é o d a sobre fundos, onde se reconhecem fotografias d a
n o v a «natureza» u r b a n a e industrial. Certamente, a c t u a l i d a d e r e c o r t a d a s de j o r n a i s , p a i n é i s d e
encontramos traços deste real nas colagens sinalização ou de placas mineralógicas.
cubistas o u dadaístas e foi este real que represen- A pop art, informada p e l a c u l t u r a p o p u l a r e
taram - a partir de pontos de vista opostos - os pronta a nela se voltar a fundir, c o n t r i b u i u segu-
futuristas* italianos e os pintores d a N o v a Objec- r a m e n t e , tanto q u a n t o a m e l h o r i a do nível de
tividade alemã. Seguidamente, outros m o v i m e n - v i d a das classes médias e os progressos d a e d u -
tos d e s v i a r a m - s e dele o u rejeitaram-no m e s m o , cação, p a r a a democratização d a arte. O crítico
como o classicismo, que se apossou de ex-cubis- H a r o l d R o s e n b e r g constatou que, n o m e i o das
tas o u de pós-cubistas, após a P r i m e i r a G u e r r a personagens de b a n d a desenhada e dos pacotes
m u n d i a l , o u o naturalismo, que i m p r e g n o u u m a de lixívia, os artistas pop i n s e r i r a m várias repro-
parte da abstracção, após a Segunda G u e r r a duções da grande p i n t u r a histórica. Citemos
M i m d i a l . O s pós-guerras favorecem a necessidade u m a Vénus de Rubens n u m Rauschenberg, deze-
de re-enraizamento, passadista o u panteísta. n a s de M o n a L i s a s e m A n d y W a r h o l , s e m falar
das séries completas de L i c h t e n s t e i n i n s p i r a d a s
Mas, antes m e s m o do final dos anos 50, surge
e m M o n d r i a n , Picasso e, até m e s m o , e m quadros
u m n o v o estado de espírito, que se afasta do pas-
abstractos líricos, a V é n u s de Botticelli «camu-
sado. C o n j u n t a m e n t e , o adolescente que escuta
flada» por A l a i n Jacquet n u m a concha d a Shell,
Élvis Presiey, c o m o o u v i d o colado à sua apare-
o u a i n d a o remake, pelo m e s m o , do Déjeuner sur
lhagem, e os artistas, dão-se conta de que o m o d o
Vherhe. Rosenberg, u m p o u c o cáustico, s u g e r i u
de v i d a , o a m b i e n t e , estão e m v i a s de m u d a r .
que, c o n t r a r i a m e n t e às i d e i a s r e c e b i d a s , o
N o s Estados U n i d o s , o processo é diferente. N ã o
m u n d o d a pop art n ã o e r a tanto o de « t o d o s » ,
se verifica u m a emancipação e m relação ao pas- m a s o do «mundo d a arte alargado».
sado, pouco antigo, m a s e m relação á dívida p a r a
c o m a E u r o p a . A escola de N o v a Iorque - Jackson
Pollock, W i l l e m de K o o n i n g , Barnett N e w m a n -
inventa u m a abstracção, que deve m u i t o pouco
A estetização da vida quotidiana
aos p r i m e i r o s exemplos europeus. E aquilo que
H á d u a s f o r m a s de c o n s i d e r a r as r e l a ç õ e s
r e a l i z a a geração dos artistas pop que lhe suce-
entre a arte e a h i s t ó r i a , u m a e o u t r a s i g n i f i -
d e m - Robert Rauschenberg, Jasper Johns - , é a
c a n d o filosofias totalmente opostas. Seja a arte
considerada como u m reflexo d a história. Seja a ções ocorridas n a s u a estrutura. A o reatar a rela-
história feita s u r g i r sobre o f u n d o de u m espaço ção c o m os v a n g u a r d i s t a s do início do século, os
«que se a d a p t a e n o q u a l t u d o acontece» e de m o v i m e n t o s dos anos 60 i m a g i n a m - s e como a
formas «de que somos rodeados». O historiador realização desses últimos. O s projectos dos cons-
André C h a s t e l - a q u i citado - era partidário trutivistas russos recrutados p e l a revolução, os
d e s t a s e g u n d a c o n c e p ç ã o , c o n s i d e r a n d o que dos artistas e arquitectos d a B a u h a u s , que come-
ela era u m «desafio» à história n o r m a l m e n t e çavam timidamente a converter algumas empre-
praticada. E l e q u e i x a v a - s e mesmo, que à sas à s u a filosofia estética, f o r a m engolidos p e l a
m a r g e m dela, «tudo era falseado [...], a começar maré estalinista, no caso dos p r i m e i r o s , nacional-
pelo esforço ilusório p a r a " d e d u z i r " [o espaço -socialista, no dos segundos. M a s n u m a era que
a d a p t a d o e as f o r m a s ] de u m total o n d e estão v ê e s f u m a r - s e os t r a u m a t i s m o s d a S e g u n d a
já presentes». G u e r r a M u n d i a l , acalmar-se a histeria da guerra
fria e que goza d a expansão económica, é tempo
A q u e l e s que q u i s e r a m desprezar os v a n g u a r -
de retomar esses projectos no ponto e m que
d i s t a s do início do s é c u l o , que, c o m o se sabe,
f o r a m abandonados e levá-los a b o m termo.
s o n h a v a m e m m u d a r o m i m d o , e r r a r a m . Porque
neste « p ó s - p ó s - g u e r r a » de que se t r a t a , a arte M e s m o no início dos anos 50, a H o c h s c h u l e
moderna começou a transformar o m u n d o . E m i - fúr G e s t a l t u n g de U l m , a f a m o s a «escola de
grados p a r a os E s t a d o s U n i d o s , os mestres d a Ulm», quer-se herdeira d a B a u h a u s . F u n d a d a
B a u h a u s t r a b a l h a m aí e f a z e m aí escola, no sen- por i n i c i a t i v a d a f u n d a ç ã o SchoU, que h o n r a a
tido p r ó p r i o e f i g u r a d o . L á s z i ó M o h o l y - N a g y , m e m ó r i a de d o i s resistentes e x e c u t a d o s p e l o s
inventor da escultura lumino-cinética, funda n a z i s , H a n s e Sophie Scholl, d i r i g i d a nos p r i m e i -
o I n s t i t u t e of D e s i g n d e C h i c a g o , q u e f o r m a ros anos por M a x B i l l , pintor-escultor-arquitecto-
designers i n d u s t r i a i s . A s matérias plásticas dão -grafista e e x - a l u n o d a B a u h a u s , ela f o r m a , até
o r i g e m a robôs domésticos de f o r m a s s i m u l t a - ao s e u encerramento e m 1968, gerações de desig-
n e a m e n t e p l a n a s e d i n â m i c a s , que se a s s e m e - ners, nomeadamente as que i m p õ e m n a A l e m a -
l h a m bastante a e s c u l t u r a s de J e a n A r p o u de n h a u m design funcionalista, de que os produtos
C o n s t a n t i n B r a n c u s i , e n q u a n t o que os cabides B r a u n , por exemplo, são a perfeita ilustração.
eriçados de bolas coloridas são os irmãos m a i s Já não se está mais, então, n u m a França tímida,
novos dos móbiles de A l e x a n d e r Calder. onde Victor Vasarely chega, alimentado, também
Se a arte m o d e r n a restabelece a s u a relação ele, pelos princípios d a B a u h a u s , que p e r p e t u a v a
com o público, a explicação n ã o é apenas socio- a A c a d e m i a M ú h e l y , q u e ele f r e q u e n t o u e m
lógica, ela d e r i v a igualmente das n o v a s funções B u d a p e s t e . D a B a u h a u s , ele r e t o m a a i d e i a
de que a própria arte se a t r i b u i e das transforma- de u m a s i m b i o s e entre a arte e a a r q u i t e c t u r a .
C o m efeito, ele realizou m u i t o poucas integrações N o s a r t i s t a s pop, s o b r e t u d o os d a s e g u n d a
arquitectónicas e m França, mas a sua enorme geração, como Warhol e nos N o v o s Realistas,
p o p u l a r i d a d e a partir dos anos 60 avalia-se n a s encontra-se, além d i s s o , a i d e i a de que u m
r u a s . U s a m - s e casacos estampados e m op art e a n ú m e r o desses objectos são dignos de f i g u r a r no
s i g l a d a F N A C , sobre u m f u n d o d a n ç a n t e de m u s e u , ao m e s m o t e m p o que u m q u a d r o o u
pequenos rectângulos pretos e brancos, evoca u m a escultura clássicos. César escolhe no ferro-
fortemente os quadros do mestre d a arte emética - v e l h o , entre as m o n t a n h a s de compressões,
(que, quanto a ele, teria de esperar pelos anos 70, aquelas que ele considera as m a i s belas e as m a i s
p a r a dar u m pouco de d i n a m i s m o ao símbolo d a expressivas. P a r a W a r h o l , u m a coisa é certa, «os
Renault). grandes armazéns são u m a espécie de museus»,
E n q u a n t o a l g u n s se o c u p a m , a s s i m , d a este- d e t a l m o d o q u e os t e r m o s d e c o m p a r a ç ã o
tização d a v i d a q u o t i d i a n a , outros p r e t e n d e m p o d e m ser i n v e r t i d o s : «Gosto m u i t o de R o m a ,
mostrar que essa v i d a quotidiana encerra, porque é u m a espécie de m u s e u , como o grande
já, i m a g e n s que m e r e c e m a atenção dos estetas. a r m a z é m B l o o m i n g d a l e . » Não a p e n a s estes
A f i r m o u - s e , m u i t a s v e z e s , que os combine pain- artistas r e a t a m u m a ligação c o m o espírito d e
tings* de R a u s c h e n b e r g r e t o m a v a m e m g r a n d e inovação do início do século, m a s q u e r e m , p o r
escala o princípio das colagens de K u r t S c h w i t - outro lado, fazê-io compreender. A o público
ters, onde se e n c o n t r a m p e d a ç o s de fio e v e l h o s escandalizado pelas liberdades d a arte m o d e r n a ,
bilhetes de eléctrico. Q u a n t o a C é s a r e A r m a n , eles mostram que, na verdade, nessa modernidade
o p r i m e i r o e x p o n d o « c o m p r i m i d o s » de a u t o - se p e r m i t e f o r m a s e i m a g e n s j á p r e s e n t e s n o
móveis e o segundo acumulando quantidades ambiente quotidiano.
industriais de objectos, s i s t e m a t i z a m o gesto de A mensagem é d u p l a : não é preciso recear a
D u c h a m p q u e , q u a n t o a e l e , se h a v i a a p r o - arte m o d e r n a e n ã o é p r e c i s o receá-la, p o r q u e
p r i a d o de u m a g a r r a f e i r a , de u m cabide de n ã o é p r e c i s o ter v e r g o n h a d e a m a r a v i d a
c h a p é u s , de u m a pá p a r a a neve... A v a n ç a n d o m o d e r n a , c o m a sua louça de plástico e os seus
o facto, de que «as cores [ e r a m ] f a b r i c a d a s cartazes publicitários de cores gritantes. R a u s -
i n d u s t r i a l m e n t e » ( S c h w i t t e r s ) , de q u e os chenberg declarou querer situar-se «na distância
« t u b o s de t i n t a [ e r a m ] p r o d u t o s f a b r i c a d o s » entre a arte e a vida», fórmula que p r o s p e r o u .
( D u c h a m p ) , os dois dadaístas, c a d a u m por s e u Já p a r a W a r h o l , as c o i s a s são m a i s c o n f u s a s :
l a d o , h a v i a m d a d o a e n t e n d e r que n ã o h a v i a « N ã o p o s s o e x p l i c a r - v o s o q u e é a pop art, é
r a z ã o p a r a n ã o se u t i l i z a r t a m b é m , n a s obras demasiado complicado. E l a simplesmente pega
de arte, q u a l q u e r outro objecto p r o d u z i d o no exterior p a r a o colocar n o interior e pegar no
industrialmente. i n t e r i o r p a r a o c o l o c a r n o e x t e r i o r , i n s e r i r os
objectos n o r m a i s e m casa. A pop art é p a r a todos. que c o n t i n u a m a p o v o a r o m u n d o m o d e r n o : a
N ã o penso que a arte d e v a ser reservada a u m a lembrança das férias na Alta-Sabóia, exposta e m
elite, acho que d e v e r i a destinar-se à m a s s a dos c i m a do aparelho de televisão.
a m e r i c a n o s , que d e q u a l q u e r f o r m a a a c e i t a m M a s a a d e s ã o à arte dos anos 60 n ã o se faz
habitualmente.» unicamente através dos n o v o s temas. A l g u m a s
O crítico de arte L a w r e n c e A U o w a y , que par- formas, u m estilo - o u talvez antes, u m a ausên-
t i c i p a n a e m e r g ê n c i a p r e c o c e d a pop art e m cia de estilo - , favorecem-na igualmente. A p i n -
Inglaterra - é m e s m o ele q u e m baptiza o m o v i - t u r a d o pós-guerra tinha d a d o o r i g e m a quase
mento - , opôs-se ao s e u colega C l e m e n t G r e e n - tantos e s t i l o s , q u a n t o s os p i n t o r e s e x i s t e n t e s .
berg, autor de u m artigo célebre contra o kitsch. Teórico do action painting*, H a r o l d R o s e n b e r g
P a r a A U o w a y , a n i m a d o pelo desejo de «encora- tinha, mesmo, avançado a ideia de que os pintores
jar a imbricação do que se c h a m a " a a r t e " e " a forjavam a sua personalidade, no decurso d a exe-
v i d a " , n ã o se trata de «reduzir os media a " u m cução dos seus quadros. Ninguém senão W i l l e m
ersatz de c u l t u r a " » . «O n o v o p a p e l atribuído às de K o o n i n g podia pintar u m a m u l h e r como ele a
belas-artes é o d e representar u m a d a s f o r m a s p i n t a v a , p o r q u e essa m u l h e r , n a v e r d a d e , n ã o
possíveis de comunicação no seio de u m sistema representava tanto u m a mulher, m a s e x p r i m i a a
e m expansão, que i n c l u i igualmente as artes de personalidade p r o f u n d a do pintor... E m contra-
m a s s a . » N o s a n o s 80, Jeff K o o n s t o r n a - s e n a partida, o «estilo» da M a r i l j m de W a r h o l asseme-
estrela da arte a m e r i c a n a c o m obras de u m Iha-se ao dos cartazes publicitários, nos quais é
kitsch p a r o x í s t i c o , c o m o as s u a s g i g a n t e s c a s habitual vê-la e qualquer u m que disponha de u m
esculturas de m a d e i r a polícroma, i n s p i r a d a s no material serigráfico pode reproduzi-la.
folclore a l p i n o . E i s como ele nos d e s c u l p a p o r A u m a estética muito i n d i v i d u a l i z a d a , sucede
não as detestarmos: «O que e u digo às pessoas, é u m a estética impessoal, de certa f o r m a colectiva.
que n ã o d e v e m apagar o s e u passado... A s coisas W a r h o l r e a l i z a obras o r i g i n a i s c o m a a j u d a de
c o m que e s t ã o e m contacto, as coisas s i m p l e s u m a técnica mecânica, até então r e s e r v a d a à
que são belas, como u m a flor. O u essa pequena reprodução, a serigrafia. E l e a f i r m a querer «ser
coisa sentimental, que sempre nos lembramos de u m a m á q u i n a » . L i c h t e n s t e i n insiste n e s t a d i f e -
ter v i s t o , q u a n d o se era p e q u e n o e se v i s i t a v a rença entre a s u a geração e a dos expressionistas
a avó.» A expansão do sistema está no seu máximo; a b s t r a c t o s : «A g e r a ç ã o p r e c e d e n t e p r o c u r a v a
já n ã o se trata apenas de ter gosto por esse m a u a l c a n ç a r o s e u s u b c o n s c i e n t e , e n q u a n t o os
gosto m o d e r n o , c o m que s o n h o u , de q u a l q u e r a r t i s t a s pop p r o c u r a m d i s t a n c i a r - s e d a s s u a s
f o r m a , porque ele era o s i n a l do progresso social, o b i a s . E u q u e r o que a m i n h a o b r a t e n h a u m
trata-se de amar, também, os bibelôs nostálgicos. aspecto programado e impessoal...» 27
26
ca-Cola e x p r e s s i o n i s t a a b s t r a c t a » ) , n o o u t r o ,
é simplesmente reproduzida a preto e branco,
estilo gráfico que será, finalmente, o d a pop.
^ A n t o n i o não hesita: «Andy, o quadro abstracto
u m a m e r d a , o outro é notável. É a nossa socie-
ade, é o que n ó s somos...» A q u e l e que não
iuer o u t r a coisa, s e n ã o estender u m espelho à
iedade, seguirá o s e u conselho. E l e escolherá,
multiplicará, as imagens que p e r m i t e m a i d e n -
cação.
Vasarely f o i u m a v e d e t a e a op art penetrou
nos meios d a m o d a e d a publicidade. D e facto,
este m o d o d e difusão indirecto f o i m a i s eficaz d o
que a d i f u s ã o d a s p r ó p r i a s o b r a s d o a r t i s t a ,
q u a n d o este a p r o c u r o u e m g r a n d e e s c a l a .
V a s a r e l y e s c r e v e u q u e s o n h a v a c o m u m a «arte
Jeff K o o n s , Woman in tub, 1988
social». A p o i a d o p e l a galeria D e n i s e R e n é , ele
Esculturas com temas frequentemente provocadores, fabricadas c r i o u m u i t o p a r a a e s t a m p a g e m e c o n c e b e u ,
segundo os modelos de bibelots kitsch. também, o q u e se d e s i g n a v a como «múltiplos»,
Porcelana, edição de três, 63,5x91x68,5cm. isto é, obras q u e n ã o e r a m reproduções d e u m
Galerie Sonnabend, New York.
© Jeff Koons original, m a s a realização e m série d e u m p r o -
tótipo.
A experiência dos múltiplos revelou-se curta,
U m episódio contado p o r u m amigo de ssim como n ã o chegou a seu termo u m projecto
Warhol, o cineasta Emile D i Antonio, e que de colaboração c o m a I B M . S e m pretender ser,
o filósofo A r t h u r Danto salientou pertinen- ele próprio, u m a máquina, Vasarely concebia as
t e m e n t e , r e s u m e a n o v a r e l a ç ã o q u e esta arte suas f o r m a s , t a m b é m elas impessoais, s e g u n d o
estabelece entre ele e nós. E n q u a n t o W a r h o l está u m m é t o d o c o m b i n a t ó r i o , q u e ele c o n s i d e r a v a
a i n d a , enquanto artista, e m v i a s de se encontrar, poder ser transmitido a u m a máquina. «Com
ele apresenta u m d i a , a esse amigo, dois quadros base n a s m i n h a s p r o g r a m a ç õ e s , e s c r e v i a ele,
representando c a d a q u a l u m a g a r r a f a d e Coca- será possível recriar todas as m i n h a s obras, m a s
-Cola. N u m , a g a r r a f a e s t á t o d a m a n c h a d a também aquelas, incontáveis, que a m á q u i n a nos
de cores (é o q u e D a n t o c h a m a d e «garrafa de proporá.» Se esta m á q u i n a p e r m a n e c e u utópica.
foi porque as estruturas d a sociedade se encon- porque os artistas são seus pares. A crítica de arte
t r a v a m e m atraso nas ruas. Pois, das janelas d a L u c y L i p p a r d traçou desta forma, a lista das p r i -
s u a g a l e r i a , n a R u a de L a Boétie, D e n i s e R e n é m e i r a s o c u p a ç õ e s d e t o d o s os g r a n d e s pop:
p o d i a ver, do outro lado d a r u a , as montras do «Warhol d e s e n h a v a , com bastante sucesso,
P r i s u n i c repletas de toalhas de turco estampadas sapatos p a r a u m a r e v i s t a de m o d a ; R o s e n q u i s t
ao estilo op art. U m d i a teve m e s m o de instaurar era publicitário de profissão, L i c h t e n s t e i n
u m processo c o n t r a as G a l e r i e s L a f a y e t t e , que m o n t r i s t a e d e s e n h a d o r de m o d a , enquanto
haviam utilizado abusivamente o pormenor O l d e n b u r g e r a i l u s t r a d o r de j o r n a i s . Q u a n t o a
de u m quadro de Vasarely, para decorar as suas Wesselmann, tinha estudado desenho animado.»
f a c h a d a s . A apropriação d a arte m o d e r n a pelo Q u a n d o se estabeleceu e m Paris, Vasarely fez tra-
grande público tinha realmente ocorrido. balhos gráficos p a r a H a v a s , Jacques M o n o r y e
Peter Stãmpfli, participantes da exposição Mytho-
logies quotidiennes, e m 1964, e m P a r i s (a corrente
O artista, um homem como os outros cristalizada por esta exposição, tinha-se atribuído
como m i s s ã o «falsear» a estética pop e a d o p t a r
o « m u n d o d a arte alargado» d e que f a l a v a u m ponto de v i s t a crítico sobre a sociedade) e
R o s e n b e r g é, n a v e r d a d e , u m m u n d o d a a r t e que enveredaram, também, pela v i a do grafismo.
simultaneamente expansivo e permeável. E l e
Q u e pintores exerçam u m a o u t r a a c t i v i d a d e
permanece m a r g i n a l , m a s já não está encerrado
além d a p i n t u r a p a r a ganhar a v i d a , não é n o v o .
sobre s i m e s m o , n e m é h o s t i l . O a r t i s t a p r o v a
O que o é, e m c o n t r a p a r t i d a , é o f a c t o d e l e s
que se i n t e r e s s a , p r e c i s a m e n t e , p e l a s m e s m a s
adaptarem à sua prática artística, métodos
coisas que todos os seus contemporâneos. M a i s ,
ele trabalha como qualquer u m , c o m máquinas, extraídos d a s u a a c t i v i d a d e l u c r a t i v a . O s artistas
ou pelo menos sem pretender distinguir, por contemporâneos são pragmáticos, insubmissos à
meio de «um toque inimitável», as suas realiza- aprendizagem do ofício de pintor o u de escultor,
ç õ e s do lote n o r m a l d a s p r o d u ç õ e s h u m a n a s . m a s e x t r e m a m e n t e h á b e i s p a r a f o r j a r os s e u s
E s t e d a d o n ã o é de negligenciar, p a r a se c o m - p r ó p r i o s i n s t r u m e n t o s e m é t o d o s o u p a r a se
preender como e v o l u i u o olhar do público. apossar dos dos outros.
Q u a l q u e r u m p o d e r á perceber que é, a p a r t i r Tornou-se raro f i c a r desorientado diante de
de agora, p o s s í v e l tornar-se a r t i s t a , s e m se ter u m a obra de arte, como se ela fosse o resultado
frequentado u m a academia, s e m possuir sequer de u m a misteriosa a l q u i m i a (de u m segredo de
u m d o m p a r t i c u l a r . O s p r i m e i r o s a percebê-lo, atelier!); o m o d o de execução parece transparente,
s ã o f o r ç o s a m e n t e a q u e l e s que t r a b a l h a m e m o que i n d u z u m n o v o m o d o de a p r e c i a ç ã o : já
publicidade o u na ilustração, muito simplesmente. não nos encontramos na situação dos nossos
í bisavós, assistindo à «decrepitude» d e u m a arte
n o b r e e a n t i g a , que d e v a s t a m esses i m p r e s s i o -
•nistas que n ã o t e r m i n a m os seus quadros.
Pelo contrário, é-nos permitido apreciar o
e n o b r e c i m e n t o , g r a ç a s à e x p l o r a ç ã o que delas
' a z e m os a r t i s t a s , d e t é c n i c a s a t é a q u i p o u c o
consideradas, porque novas - sem memória,
logo sem d i m e n s ã o c u l t u r a l - e i n d u s t r i a i s .
E m 1964, Restany forjou o termo «mec art», para
designar, entre outros, o trabalho de A l a i n
Jacquet, que, u t i l i z a n d o também ele a serigrafia,
e x e c u t a v a q u a d r o s q u e a p r o v e i t a v a m , exage-
r a n d o - o s , os processos d a reprodução fotográ-
fica: t r a m a e separação d a s cores.
O artista já n ã o é u m ser excepcional c o m o
q u a l n ã o nos poderíamos comparar, ele é alguém
como nós. Aliás, D u c h a m p , esse simpático dile-
tante, que a f i r m a v a ter u m a «vida de empregado
de c a f é » , p ô s - n o s à v o n t a d e : « N o f u n d o , n ã o
acredito n a função c r i a d o r a do artista. É u m
h o m e m como qualquer outro, e n a d a m a i s . F a z
parte d a s u a profissão fazer certas coisas, m a s o
h o m e m de negócios t a m b é m faz coisas...» E l e é
u m artista que, u m d i a , m e fez v e r a que ponto
os N o v o s R e a l i s t a s , ao a p r e g o a r o s e u gosto
por u m determinado m o d o de v i d a , e m que, por
e x e m p l o , os b o n s a u t o m ó v e i s t i n h a m o s e u
lugar, h a v i a m c o n t r i b u í d o p a r a d a r u m a n o v a
imagem do artista e m geral. U m a imagem de
A l a i n Jacquet, Marte e Vénus, 1995
que, certamente, b e n e f i c i a r a m as gerações
Fotografias do cosmos são trabalhadas por anamorfoses no seguintes - e o m e u interlocutor pertencia a u m a
computador e reproduzidas em grandes formatos, graças a um d e l a s . P a r a a q u e l e s q u e , n a s s u a s o b r a s , r e v e -
pincel electrónico.
l a v a m o c r e s c i m e n t o d o s bens m a t e r i a i s , a c a -
©ADAGP, Paris, 1997
bara-se a boémia que apenas alimenta o espírito.
Galerie Daniel Templon, Paris
P r o g r e s s i v a m e n t e , e m c a m a d a s sociais c a d a
v e z mais d i v e r s i f i c a d a s , a sensação e x p e r i m e n - Temporalidade
t a d a p e l o p ú b l i c o de s e r m a n t i d o à m a r g e m
do m u n d o artístico, a i n d a que simplesmente
p o r q u e esse m u n d o t e r i a feito p o u c o d o s e u ,
esbate-se. T o r n a - s e possível a q u a l q u e r u m
incorporar-se, realmente ou pela imaginação,
nesse m u n d o . E o incrível sucesso c o m e r c i a l e
mediático d a arte c o n t e m p o r â n e a n o s a n o s 80,
revelou que h a v i a u m a imensidão de candidatos
a essa incorporação.
M a i s u m a v e z , e n c o n t r a m o s e m W a r h o l os
p r i m e i r o s s i n a i s do poder, a p a r t i r de agora,
atractivo da arte m o d e r n a . Q u e m não o u v i u
f a l a r d a F a c t o r y , esse g r a n d e a r m a z é m q u e

D
s e r v i a a W a r h o l d e íifc/í>r-estúdio-escritório e
El*ois da Factory, o círculo alargou-se. Aliás,
de sala de recepção? D a d a s as n u m e r o s a s a c t i v i -
por que razão não seríamos cada v e z m a i s
dades que aí se desenrolavam, nomeadamente a
numerosos a tomar parte na história da arte,
rodagem de filmes e a edição da revista Interview,
n a m e d i d a e m que tomamos já parte n a história
e r a toda u m a e q u i p a q u e aí t r a b a l h a v a . M a s
tout court?
a i n d a m a i s gente por lá p a s s a v a ; a F a c t o r y era o
N u m ensaio consagrado ao q u e ele d e s i g n a
local de encontro de todo u m meio nova-iorquino,
como a «sobre-modernidade», Mare Augé,
no m í n i m o « m i s t o » , e m g r a n d e p a r t e a t r a í d o
i n v e n t o r de u m a etnologia d a nossa v i d a quoti-
pelo ar de liberdade transgressiva que represen-
d i a n a , constata u m a espécie de democratização
t a v a e, também, p e l a personalidade daquele, que
d a relação com a história. «Temos a história n o
h a v i a v a t i c i n a d o a todos u m a c e l e b r i d a d e d e
nosso encalço, escreve ele. [...] A história: isto é,
pelo menos u m quarto de h o r a . Pat H a c k e t t , que u m a série de acontecimentos reconhecidos como
c o m p i l o u o j o r n a l o r a l de W a r h o l , d e s c r e v e u a a c o n t e c i m e n t o s p o r m u i t o s (os B e a t l e s , 68, a
multidão de personagens m a i s o u menos excên- g u e r r a d a Argélia, o V i e t n a m e , [...] a guerra d o
tricos que «se a c o t o v e l a v a m à porta», o u seja, à G o l f o , a fragmentação d a U R S S ) , acontecimentos
porta da Factory, na esperança de serem «desco- sobre os quais podemos pensar que serão i m p o r -
bertos», isto é, conseguir u m p a p e l n u m dos tantes aos olhos dos historiadores de a m a n h ã o u
filmes que aí se r o d a v a m . de d e p o i s de a m a n h ã e aos q u a i s c a d a u m d e
n ó s , p o r m u i t o c o n s c i e n t e q u e esteja, d e n ã o d e q u e s e e n c o n t r a v a «still alive», e n q u a n t o
ter m a i s a v e r c o m i s s o d o q u e F a b r i c e e m Joseph B e u y s pretende, com o rosto coberto de
Waterloo, pode associar certas circunstâncias o u m e l e o u r o , e x p l i c a r os q u a d r o s ao c a d á v e r
certas imagens particulares, como se fosse a cada de u m a lebre, que segurava nos seus braços. Q u a l
dia menos verdade, que os homens, que f a z e m a é a relação c o m os camiões-reboque e as escava-
história (pois, senão, q u e m m a i s ? ) , n ã o soubes- d o r a s , que R o b e r t S m i t h s o n i r i a p o u c o d e p o i s
s e m que a fazem.» m o b i l i z a r para desenhar, no G r a n d e L a g o
C o m efeito, a função de legitimação dos Salgado, u m a espiral de quatrocentos e cinquenta
m u s e u s opera nos dois sentidos. P o r u m lado, a metros de diâmetro, com rochas negras de
desconcertante d i v e r s i d a d e d a criação exige, basalto? O r a , antes m e s m o do final do decénio,
p a r a que se p o s s a t o m á - l a c o m o r e f e r ê n c i a e estes artistas f o r a m c o n v i d a d o s a p a r t i c i p a r e m
d a r - l h e u m s e n t i d o , q u e se p r o c u r e m as s u a s exposições e m m u s e u s . F o r a m , e m 1969 e entre
fontes esclarecedoras no passado, longínquo o u o u t r a s , Quand les attitudes deviennent forme e m
recente. P o r outro, toda a criação contemporânea Berna, Op tosse Schroeven (à letra, «cavilhas quadra-
a s s i m e s c l a r e c i d a , j u s t i f i c a d a , p e l a s u a relação das e m buracos redondos») no Stedelijk M u s e u m
c o m o passado, vê-se automaticamente i n s c r i t a de Amesterdão, Konccption/Conception no M u s e u de
no prolongamento desse passado: ela é, ela L e v e r k u s e n . W i m Beeren, o organizador de
própria, u m elo histórico e m potência. N a v e r - Op losse Schroeven, explicou claramente que se tra-
dade, quanto m a i s a criação contemporânea nos tava para ele e para os seus colegas, simultanea-
parece caótica, ininteligível, d e s p i d a de sentido, mente, de descobrir todas essas novas formas de
m a i s experimentamos a necessidade de acelerar a r t e e, u m a v e z p a s s a d o o p r i m e i r o c h o q u e ,
a sua historiação. de compreender, eventualmente, o que as ligava.
O efeito de n o v i d a d e das obras faz cair,
momentaneamente, a opacidade do código s i m -
O efeito de novidade bólico: não v e m o s u m quadro representando
u m a coisa, v e m o s essa própria coisa. Este fenó-
N a segunda metade dos anos 60 e início dos meno é tão v e l h o quanto a arte m o d e r n a , talvez
anos 70, começaram a proliferar pesquisas artís- tão v e l h o quanto a arte. São, antes de m a i s , os
t i c a s , q u e p o u c o se a s s e m e l h a v a m a a l g o de refractários que dele se apossam, c o m o os pássa-
conhecido e que, além do m a i s , não t i n h a m ros de Platão dos cachos de u v a s pintados: eles
qualquer u n i d a d e entre s i . F o i nos últimos anos n ã o vêem u m a V é n u s n a Olympia de Manet, m a s
desse período, que O n K a w a r a c o m e ç o u a e n v i a r u m a m u l h e r banal exercendo a função de modelo.
telegramas, p a r a i n f o r m a r os s e u s destinatários Pode m e s m o acontecer, que este tipo de leitura.
s e m distanciamento, se f u n d e , paradoxalmente, acção, p r o c u r a m e i m p õ e m essa colusão/colisão
n u m a p r o j e c ç ã o f a n t á s t i c a . L e m b r o - m e de u m entre o p ú b l i c o e a o b r a . O b r a s e f é m e r a s , que
artigo sobre Le Lit (o leito, a cama) de Rauschen- exacerbam o breve instante que u m p u n h a d o de
berg, onde o autor d i z i a v e r manchas de sangue espectadores p a r t i l h a c o m elas; obras «abertas»,
e de esperma, lá onde n ã o h a v i a senão tinta bor- que não e x i s t e m senão p o r q u e os espectadores
r a d a sobre trapos. M u i t o s artistas que s u r g i r a m as tocaram, penetraram. A q u e l e s que d e r a m c o m
n a a l t u r a d a Op losse Schroeven, r e s u m i a m n a o n a r i z no m u r o de b a r r i s e r i g i d o p o r C h r i s t o
p a l a v r a «café» a descrição das obras de J a n n i s e Jeanne-Claude na R u a Viscontti, e m Paris, e m
K o u n e l l i s , que, c o m efeito, tinha disposto sacos 1962, o u que, m a i s numerosos, e m 1985, atraves-
de juta cheios de café e outras matérias, aliás. s a r a m a Pont-Neuf empaqueté ( P o n t e - N o v a e m p a -
Q u a n t o aos defensores das n o v a s formas de cotada) realizada pelos mesmos, g u a r d a m disso,
arte, toda a s u a m i s s ã o consiste e m celebrar o sem dúvida, u m a lembrança m a i s v i v a , do que a
p r a z e r de se sentirem e m pé de igualdade c o m sensação que se experimenta diante de fotografias
o artista, de p a r t i l h a r e m s e m m e d i a ç ã o da s u a desses m e s m o s acontecimentos. A m a i o r parte
experiência, c o n t i n u a n d o a g a r a n t i r que existe deles n ã o t i v e r a m m a i s responsabilidade nisso,
de facto, apesar de tudo, «obra» de arte. A p i n - que Fabrice e m Waterloo ( p a r a retomar a c o m -
t u r a dos i m p r e s s i o n i s t a s , e x e c u t a d a sobre o p a r a ç ã o de M a r e A u g é ) , m a s p o d e m d i z e r a s i
m o t i v o , logo s e m esboço intermédio, regista m e s m o s , c o n s i d e r a n d o o l u g a r agora atribuído
sensações, que f a z e m D u r e t a f i r m a r : «E preciso a estas obras nos anais d a arte, que f o r a m os tes-
correr c o m M o n e t pelos c a m p o s . » M a s ele n ã o t e m u n h o s d i r e c t o s de u m m o m e n t o h i s t ó r i c o .
se esquece de i n s i s t i r s o b r e o facto, de q u e é E dessas obras, a s u a m e m ó r i a é o depositário;
t a m b é m pelos seus efeitos de n o v i d a d e , que u m a v e z eles desaparecidos, q u a l q u e r coisa de
esta p i n t u r a p o d e p r e t e n d e r ser a h e r d e i r a d a essencial será p e r d i d a p a r a sempre.
« G r a n d e A r t e d a R e n a s c e n ç a » . Três quartos de
s é c u l o m a i s t a r d e , os a r g u m e n t o s s e r ã o reto-
m a d o s , quando se t o m a r necessário explicar os O público participa
happenings de A l l a n K a p r o w , que, quanto a ele,
faz realmente correr o s e u público pelas ruas de O u t r a s o b r a s são c o n c e b i d a s de t a l f o r m a ,
N o v a Iorque. que o espectador sente m e s m o que toma parte
O s v a n g u a r d i s t a s que, n a v i r a g e m dos anos n a s u a r e a l i z a ç ã o . E l e é, e m p a r t e , s e u actor.
60-70, se a p r o p r i a m de todo o tipo de materiais, U m b e r t o E c o descreveu m u i t o cedo, n a s u a céle-
i n c l u i n d o aquele que c a m i n h a sobre os passeios, bre obra VCEuvre ouverte, o processo. P e l a s u a
e igualmente o corpo daqueles que v ê m assistir à interpretação, por vezes pela sua acção efectiva.
E l e oferece aos passantes a o p o r t i m i d a d e de
aguçar as suas faculdades perceptivas: de ver o
m u n d o de outra f o r m a através de u m caleidos-
cópio gigante o u de abandonar deliberadamente
a s u a segurança c a m i n h a n d o sobre p e d r a s tor-
tas. C o m u m a seriedade que o conduzirá a u m a
crítica social rigorosa, H a n s H a a c k e realiza ver-
d a d e i r o s inquéritos. P o r e x e m p l o , a q u a n d o de
u m a exposição n u m a galeria n o v a - i o r q u i n a , ele
c o n v i d a cada visitante a assinalar n u m m a p a o
seu local de nascimento e a s u a m o r a d a . A obra,
i n t i t u l a d a Perfil dos visitantes de uma galeria, é
0 r e s u l t a d o desse i n q u é r i t o e f o i a p r e s e n t a d a
por ocasião de u m a outra exposição. A s s i m , é o
c o n j u n t o do p ú b l i c o q u e , a t r a v é s d o q u e as
Christo e Jeanne-Claude,
O Reichstag empacotado, B e r l i m , 1971-1995
moradas d i z e m sobre a origem e a situação social
ide c a d a u m , terá d a d o f o r m a à obra. O artista
Uma transfiguração dos monumentos públicos, símbolo e
iconceptual L a w r e n c e Weiner, que, n a m a i o r
referência da memória colectiva.
parte d a s v e z e s , a p e n a s nos apresenta as suas
© Christo e Jeanne-Claude
© Wolfgang Wolz
obras sob u m a f o r m a v e r b a l , fá-las a c o m p a n h a r
He instruções, que d e i x a m em aberto todas as
p o s s i b i l i d a d e s : « O artista p o d e realizar a obra.
A obra p o d e ser r e a l i z a d a p o r q u a l q u e r outro.
O destinatário d a obra completa-a. N o s anos 70,
A obra não tem de ser necessariamente realizada.»
c h a m a v a - s e a este princípio a «participação
1 U m a parte considerável das obras p r o d u -
do espectador». D e u m a f o r m a geral, tratava-se
líidas n o s é c u l o x x i n s c r e v e m - s e n a t r a d i ç ã o ,
de a b a n d o n a r u m a c o n c e p ç ã o d o a r t i s t a q u e
herdada do pensamento do século x i x , d i t a espe-
« i m p õ e » ao p ú b l i c o a s u a v i s ã o d o m u n d o
culativa. Estas obras não são tanto representações
e p e r m i t i r a esse público e x p r i m i r - s e ele próprio.
e x p l o r a ç õ e s do m u n d o o u do ser h u m a n o ,
Sob o m o d o lúdico, isso dá lugar, u m pouco
mas reflexões sobre a definição d a própria arte.
a n t e s d e 1968, e m P a r i s , às a c ç õ e s d o G r u p o
E n c o n t r a m - s e entre elas, tanto os q u a d r o s abs-
de p e s q u i s a de arte v i s u a l ( G r a v - G r o u p e de
tractos d a escola formalista, onde se experimenta
recherche d'art v i s u e l ) , que faz descer a arte
a p l a n u r a d a tela, o limite d a m o l d u r a , e t c , como
cinética às ruas.
os dispositivos d a arte conceptual, que p õ e m e m certos objectos será o de u m a obra de arte. Estes
questão os nossos hábitos perceptivos e s u s c i t a m objectos só se t o r n a m obras sob o nosso olhar,
textos teóricos. Segundo u m dos líderes do sob c o n d i ç ã o , e v i d e n t e m e n t e , d e q u e este as
movimento, Joseph K o s u t h , a arte conceptual aceite. Não tanto obras, portanto, m a s propostas
substitui a filosofia. de obras. N a a l t u r a e m q u e D a n i e l B u r e n p e n -
N o m e i o deste t e r r e n o d e d e s c o n s t r u ç ã o / d u r a v a n a r u a f o l h a s de p a p e l i m p r e s s a s c o m
/ r e c o n s t r u ç ã o , d o m i n a o ready-made. S e r á ele as suas famosas bandas brancas e coloridas alter-
o f u n d a m e n t o o u a g a n g r e n a d a a r t e que l h e nadas (embora n a altura elas não fossem e v i d e n -
sucede? A q u e l e s que acreditam n a arte contem- temente famosas e o artista defendesse m e s m o
porânea e aqueles que a atacam, c o n t i n u a m o s e u a n o n i m a t o ) , ele n ã o p r o c u r a v a fazer d o s
a defrontar-se, e a especular, e m torno desta painéis publicitários os locais de exposição de u m
questão. D e q u a l q u e r f o r m a , o ready-made c o n - m u s e u a céu aberto. E l e que criticava a vontade
fere ao público u m a e n o r m e r e s p o n s a b i l i d a d e , de poder dos outros artistas, não pretendia obri-
porque é este que, e m última instância, decide gar o p a p a l v o a cair de costas diante d a s s u a s
se aceita o u n ã o que u m a roda de bicicleta, m o n - bandas, como se se tratasse d a Gioconda. O olhar,
tada ao contrário sobre u m banco, é u m a obra de atento ou não, era livre de descobrir, por acaso,
arte. E n t r e a s d i v e r s a s motivações que l e v a r a m essa s e r e n i d a d e semântica no meio d a floresta
D u c h a m p a expor objectos m a n u f a c t u r a d o s , dos sinais urbanos e eventualmente interrogar-se
f i g u r a v a o desejo d e p ô r à p r o v a o gosto d o s sobre a sua função. E s t a tomada de consciência
seus contemporâneos. O resultado impôs-se-lhe bastava a B u r e n para justificar a s u a intervenção.
m u i t o rapidamente: «Podemos fazer engolir seja N o caso e x t r e m o d e u m o l h a r esclarecido, que
o que for às pessoas, e foi isso o que aconteceu.» teria reconhecido a m a r c a de u m artista de v a n -
F o i p o r q u e u m consenso se acabou por i m p o r , g u a r d a , B u r e n teria proposto a seguinte inter-
que u m u r i n o l , r e c u s a d o e m 1917 pelo júri d e pretação: é o olhar condicionado do apreciador,
u m Salão, abriu, sessenta anos mais tarde, que transporta consigo o contexto do m u s e u . . .
a r e t r o s p e c t i v a M a r e e i D u c h a m p no C e n t r o O g r u p o A r t & L a n g u a g e escolhia, delibera-
G e o r g e s - P o m p i d o u . D u c h a m p , quanto a ele, amente, «campos de atenção» particularmente
h a v i a já concluído: «Eu d o u àquele que a observa ifíceis de i d e n t i f i c a r e n q u a n t o objectos e, no
[a obra de arte], tanta importância como àquele e c u r s o de d i s c u s s õ e s á r d u a s , a n a l i s a v a a s u a
que a realizou.» v e n t u a l pertinência no campo artístico. Por
x e m p l o , seria necessário c o n s i d e r a r o s i s t e m a
A s s i m , não somos simplesmente c o n v i d a d o s
e climatização como parte integrante d a expo-
a completar obras de certa f o r m a inacabas,
ição? H a v i a a l g o de S ó c r a t e s nestes terríveis
t e m o s i g u a l m e n t e de d e c i d i r se o estatuto d e
dialécticos. A especulação intelectual s u s c i t a d a A noção de e n u n c i a d o p e r f o r m a t i v o , Jarton
por essas questões constituía a obra e o círculo encontrou-a, t a l v e z , e m Victor B u r g i n . Q u a n d o
de d i s c u s s ã o e r a aberto ao c r í t i c o que e s t a v a B u r g i n dela fez u m a das suas bases teóricas, ele
associado à s u a p e s q u i s a e a a l g u m a s pessoas, concebia obras c o m p o s t a s de p r o p o s i ç õ e s tex-
como estudantes interessados. A noção de público tuais, acompanhadas, ou não, de u m a fotografia.
E s t a s sequências oferecem u m q u a d r o s i m u l t a -
e r a m e n o s l a t a , d o que n o caso d o G r a v , q u e
neamente preciso e abstracto, que o espectador-
se d e d i c a v a a sensibilizar o h o m e m d a r u a , mas
-leitor preenche c o m a imaginação. A q u i , não é o
o nível de competência exigido era m a i s elevado!
«público» e m geral, que contribui para a consti-
U m crítico, C y r i l Jarton, teve a ideia de asso- tuição d a obra, é cada u m e m particular, desde
ciar a noção de arte contemporânea a u m a cate- que queira realmente entrar no jogo, que elabora
goria de obras, que ele qualifica de «activas». E m mentalmente u m a obra, sempre, e m parte, n o v a .
linguística, designa-se como activo, u m enunciado E possível que todos os exemplos abarcados
que é a acção ao mesmo tempo que a descreve. desde o início deste capítulo, n ã o f a ç a m senão
«Prometo-te que...» é u m enunciado activo. Não p ô r a n u e a m p l i f i c a r u m a lei, que o filósofo L u i g i
apenas se d i z que se promete, m a s é dizendo-o, P a r e y s o n c o n s i d e r a v a c o m o válida p a r a toda a
que se p r o m e t e e f e c t i v a m e n t e . J a r t o n constata obra digna desse nome, a saber, que, no domínio
que, hoje, u m grande número de artistas utilizam d a arte, «formar significa " f a z e r " , mas u m fazer
materiais que não são considerados a priori como tal que, enquanto faz, i n v e n t a a s u a m a n e i r a de
artísticos e que seguem métodos muito pessoais. fazer». E é igualmente possível, que a «participa-
A s suas obras n ã o se d e f i n e m , a s s i m , n u n c a ção do espectador» não seja senão u m a sistema-
tização do papel determinante, que o m e s m o filó-
enquanto tais, por referência a u m modelo, que
' sofo reconhecia já à recepção. N o entanto, antes
l h e s s e r i a e x t e r i o r , de o b r a de arte, m a s só se
d e s t e s v a n g u a r d i s t a s do f i n a l d o s a n o s 60,
c o n s t i t u e m c o m o obras de arte n a confluência,
n e n h u m a obra terá pretendido tão legitimamente
inédita e que permanecerá única, dos seus méto-
à qualidade de «contemporânea»: n e n h u m a terá
dos. Aliás, m u i t a s dessas obras - performances, c o n f u n d i d o tanto a s u a existência, c o m a actua-
instalações... - c o n f u n d e m tempo de elaboração lização dos seus dados pelo s e u destinatário.
e tempo de exposição. O artista não reutilizará,
p r o v a v e l m e n t e n u n c a , os objectos, n e m as técni-
cas a que r e c o r r e u em d e t e r m i n a d a ocasião; Obras sempre frescas
d i a n t e de u m o u t r o p ú b l i c o , o performer n ã o
r e p e t i r á n u n c a os m e s m o s gestos. N o l i m i t e , P a r a a museologia, as consequências não são
p o d e r - s e - i a dizer, que c a d a obra e n u n c i a a sua benignas. Sabe-se que a arte contemporânea
definição do que é u m a obra de arte. designa, globalmente, esses objectos intranspor-
táveis, o u i m p e r c e p t í v e i s , precários, por v e z e s aos n o v o s m o d o s d e p r o d u ç ã o ; ele v ê - s e , p o r
que sujam, que não se sabe m u i t o b e m por que vezes, e n v o l v i d o e m p r o b l e m a s que os j u r i s t a s
l a d o considerar. A o que se acrescenta que, e m a i n d a n ã o e s t u d a r a m e e m processos que espan-
m u i t o s casos, o c o n s e r v a d o r tem que ser u m a tam o u d i v e r t e m aqueles que não são d a profis-
espécie de intérprete. Q u a n d o e n t r a m n a compo- são. Por exemplo, o Centro possui u m a obra de
sição das obras, objectos que têm de ser renova- Mareei Broodthaers, que se apresenta como u m a
dos, o u m o n t a d o s de f o r m a d i v e r s a e m função divisão c o m p a r e d e s de m a d e i r a t r a b a l h a d a e
de u m novo espaço de exposição, o conservador, coberta de i n s c r i ç õ e s . P a r a e v i t a r os r i s c o s de
por muito precisas que sejam as instruções forne- danificação, existe u m a «cópia de viagem» desta
cidas pelo artista, terá, inevitavelmente, de tomar instalação, que é emprestada quando outros
decisões por s u a livre iniciativa. A s s i m , u m a obra museus desejam expô-la. D e facto, esta Sala branca,
de G i o v a n n i A n s e l m o é constituída por dois blo- n ã o f a z parte d a s obras de arte cujas q u a l i d a -
cos de granito, entre os quais se encontra presa des r e s i d e m n a h a b i l i d a d e do artista. C o n t u d o ,
u m a alface fresca, sendo o conjunto seguro por quando ela é efectivamente emprestada, a insta-
u m fio de cobre. Se a alface seca e encolhe, o m a i s lação exposta n o C e n t r o G e o r g e s - P o m p i d o u é,
pequeno dos blocos cai; é ela que sustenta a c o m - e m função de u m acordo c o m os h e r d e i r o s do
p o s i ç ã o . A o b r i g a ç ã o de s u b s t i t u i r essa alface artista, velada! S e m dúvida, para preservar a
c a d a d o i s o u três d i a s , n ã o é m u i t o difícil d e noção de obra única. C o n s i d e r a n d o que se trata
c u m p r i r ; n a d a se assemelha m a i s a u m a alface, de u m a obra do cáustico Broodthaers, que h a v i a
do que u m a alface. M a s q u a n d o o televisor de estudado junto dos surrealistas revolucionários,
u m a instalação de Nam June Paik se a v a r i a e se podemos dizer-nos que o efeito de contempora-
revela irreparável, e a J V C já não fabrica o modelo, neidade não é a i n d a total e que as mentalidades
o conservador responsável D i d i e r Ottinger, colo- a c u s a m , por vezes, a i n d a u m atraso e m relação
ca-se a questão: o televisor Hitachi de último grito às obras...
pelo qual o substituímos, não correrá o risco de M a s S e m i n t e m , t a l v e z , a e x p l i c a ç ã o desta
d e s n a t u r a r a instalação? A f o r m a a r r e d o n d a d a - relativa - lentidão e m registar o questionamento,
do primeiro televisor, tão característica do design elas próprias obras, das noções de perenidade,
de u m a d e t e r m i n a d a época, não participaria d a e u n i c i d a d e o u de o r i g i n a l i d a d e . Se se r e n u n -
sedução dessa instalação? E m s u m a , não e q u i v a - ciar, efectivamente, a esses valores para as obras'
leria isso a acrescentar braços à Vénus de Milo? de arte contemporâneas, não se correrá o risco de
Para Didier Semin, conservador do Centro pôr em marcha u m mecanismo retroactivo?
G e o r g e s - P o m p i d o u , o m u s e u a i n d a n ã o conse- N ã o se p o d e r i a , e n t ã o , d i z e r , a p r o p ó s i t o de
g u i u , como a indústria no século x i x , adaptar-se odas as obras de toda a história d a arte, que, e m
46
última análise, a matéria de que são feitas n a d a presente etemizar-se? Serão as obras restauradas
t e m d e s a g r a d o e q u e se p o d e i n t e r v i r s o b r e no decurso do último decénio do século x x , m a n -
ela e m proporções, que u l t r a p a s s a m as de u m a tidas p a r a sempre no estado que era o seu nesse
simples restauração? período? Filósofos, historiadores, artistas p r e v e -
H á , j á , a r t i s t a s q u e a c e i t a m esse p r i n c í p i o . niram-nos: a nossa relação c o m o tempo m o d i f i -
D a n i e l D e z e u z e p e r t e n c e u ao g r u p o S u p p o r t - cou-se p r o f u n d a m e n t e . Entrámos, p a r a retomar
-Surface, que, nos anos 70 e m França, fez trans- os termos de G u y D e b o r d , teórico d a «sociedade
p o r a e m p r e s a de d e s c o n s t r u ç ã o / r e c o n s t r u ç ã o do e s p e c t á c u l o » , n u m «presente e t e r n o » , n u m
para o próprio quadro. Nesta época, ele r e a l i z o u «presente, onde a própria m o d a , desde a r o u p a
g r a d e a d o s flexíveis de m a d e i r a , m o s t r a n d o os aos cantores, se i m o b i l i z o u , que quer esquecer o
recursos até então negligenciados d a e s t r u t u r a passado e que não dá m a i s a sensação de acredi-
de m a d e i r a . Encontrando-se u m a dessas obras, tar n u m f u t u r o » . O h i s t o r i a d o r H a n s B e l t i n g
p e r t e n c e n t e ao m u s e u de a r t e m o d e r n a de r e c o n h e c e p o r s u a v e z , que a arte c o n t e m p o -
V i l I e n e u v e - d ' A s c q , bastante danificada, o artista r â n e a «reflecte a h i s t ó r i a d a a r t e c o n h e c i d a » ,
p r e f e r i u realizar u m a n o v a , a tentar restaurá-la. m a s constata que «ela n ã o a p r o l o n g a " p a r a a
Inversamente, quando foi necessário res- frente"», à falta de ser impelida pelo objectivo de
t a u r a r u m a e s c u l t u r a h i p e r r e a l i s t a de D u a n e u m a perfeição a atingir, de u m progresso a realizar.
H a n s o n , conservada no L u d w i g F ó r u m d ' A i x - l a - A arte c o n t e m p o r â n e a reflecte, portanto,
- C h a p e l l e , Supermarket Lady, o c o n s e r v a d o r — a i n d a - a história d a arte conhecida, m a s e m
d e c i d i u tentar r e c u p e r a r tanto quanto possível que condições! Sherrie L e v i n e pertence à geração
o seu estado de 1970, data d a s u a criação. E s t a dos artistas n o v a - i o r q u i n o s c h a m a d o s s i m u l a -
decisão i a contra a opinião do artista, que dese- cionistas* (porque c i t a v a m Jean Baudrillard,
j a v a s u b s t i t u i r os v e l h o s pacotes de lixívia no o autor de Simulacres et Stimulation). Q u a n d o , no
carrinho d a senhora por outros, então correntes início dos anos 80, se v i a p e l a p r i m e i r a v e z u m a
no mercado e m 1995. O conservador c o n c l u i u a das suas obras, podia julgar-se ser vítima de u m a
história, d i z e n d o que «o p r o b l e m a m u i t o p a r t i - alucinação. A s u a a s s i n a t u r a f i g u r a v a e m b a i x o
cular d a arte contemporânea, é a s u a relação c o m de i m a g e n s b e m c o n h e c i d a s de W a l k e r E v a n s ,
o tempo e c o m o infinito». G i o r g i o M o r a n d i , P i e t M o n d r i a n , etc. O artista
N o domínio d a restauração das obras antigas, c o m p a r o u a s u a a c t i v i d a d e c o m a de B o u v a r d
u m a opção que tende a prevalecer, é aquela que, e Pécuchet. «O m u n d o está tão cheio, que se asfi-
renunciando a reencontrar u m hipotético estado x i a . . . A p e n a s podemos i m i t a r u m gesto sempre
o r i g i n a l , p r e c o n i z a q u e se c i n j a a c o n s e r v a r anterior... O plagiário, que sucede ao pintor, não
as obras n o s e u estado presente. Irá este estado carrega e m s i paixões... m a s antes essa i m e n s a
enciclopédia e m que b u s c a referências.» E esta •o o r i g i n a l d a reprodução. E s t a não tem m e n o s
repetição tem u m a explicação: «Já não podemos sentido do que aquele, porque, declara S h e r r i e
teimar nesse o p t i m i s m o ingénuo, que acreditava L e v i n e , d e d u z i n d o todas as consequências d a lei
que a arte p o d i a m u d a r os sistemas políticos - e n u n c i a d a por D u c h a m p : «O significado de u m a
u m a aspiração partilhada por inúmeros pro- obra reside não na s u a origem, mas na s u a des-
jectos modernistas.» tinação. O espectador d e v e nascer às custas do
pintor.» A obra de arte está e m órbita, só o i n d i -
v í d u o que convoca a sua i m a g e m no s e u écran
Quando o tempo se imobiliza pessoa], capta o seu sentido.

O t e m p o s u s p e n s o , se a s s i m se o u s a dizer, C o m p a r a n d o o i m p r e s s i o n i s m o c o m a obra
l e v o u a l g u m tempo a imobilizar-se. C o m o b o m d e P r o u s t , p a r a q u e m a v i d a se d e s e n r o l a n a
filósofo m a r x i s t a , A r n o l d H a u s e r d e s c r e v e u os memória, H a u s e r conclui: «O tempo não é m a i s o
impressionistas como jovens citadinos, levados a p r i n c í p i o de d i s s o l u ç ã o e de destruição [...], é
coligar-se contra u m público hostil. M a s salien- antes a forma sob a qual tomamos posse d a nossa
tou, igualmente, o papel que, neste contexto, v i d a espiritual [...]. Tornamo-nos no que somos
incumbe ao indivíduo. D i g a m o s que ele atribui n ã o a p e n a s no t e m p o , m a s p e l o t e m p o . » N o s
aos impressionistas a presciência d a descoberta anos 50, Rosenberg não está muito distante desta
d u c h a m p i a n a , a do o l h a r f o r m a d o r : « U m filosofia, quando defende a ideia, a propósito do
m u n d o , e m que os fenómenos estão e m p e r m a - ^ ction painting, de que a tela é u m a «arena», que o
n e n t e e s t a d o de f l u x o e de t r a n s i ç ã o , p r o d u z que conta é a acção que aí tem lugar durante o
u m a i m p r e s s ã o de continuiim no q u a l t u d o se tempo d a sua execução, m a i s do que a i m a g e m
f u n d e e não comporta outras diferenças, que não UQ daí resulta, e que ele vê nessa acção a opor-
os diversos pontos de v i s t a do espectador. U m a u n i d a d e p a r a o p i n t o r de u m a «criação s u a » .
arte e m c o n c o r d â n c i a c o m u m t a l m u n d o n ã o jDiga-se de p a s s a g e m , que é b e m possível que
sublinhará a n a t u r e z a momentânea e transitória I g u n s quadros tenham funcionado como esses
dos fenómenos, não verá unicamente no h o m e m r a n s de televisão o u de c o m p u t a d o r (e antes
a m e d i d a de todas as coisas, mas buscará o crité- destes serem inventados), nos quais o arquitecto
rio de v e r d a d e n o " h i c et n u n c " do indivíduo.» e ensaísta P a u l Virilio, astuto analista das n o v a s
N o nosso m u n d o de hoje, onde a circulação ace- tecnologias, d i z que «o tempo emerge».
lerada das imagens «produz u m a impressão de
C o m o há s e m p r e u m m o m e n t o n a a r t e do
continuum», o n d e se m i s t u r a m i m a g e n s v i n d a s
s é c u l o X X , e m q u e u m p r i n c í p i o se r a d i c a l i z a
do f u n d o d a história e i m a g e n s a c t u a i s , já n ã o
ncontrando a s u a aplicação literal, logo se vão,
existe u m «critério de verdade», p a r a d i s t i n g u i r
cm efeito, c o n s t i t u i r o b r a s , n u m processo de
d e s t r u i ç ã o . É o c a s o d a s « c ó l e r a s » de A r m a n , Depois disso, a situação coagulou a i n d a m a i s . Já
feitas de p e d a ç o s de u m v i o l i n o , de u m p i a n o , não nos encontramos no acto de r o m p e r c o m o
o u mesmo de móveis de u m apartamento inteiro, passado, o que era a i n d a o caso de W a r h o l ,
violentamente destruídos pelo artista. E v i d e n t e - quando d e c l a r a v a frequentar, e m Florença, m a i s
mente, o público pode, igualmente, participar os fast-foods do q u e os m u s e u s ( v e r s ã o s u a v e ,
n a destruição: e m 1971, Robert M o r r i s instala n a s o c i á v e l , do m a n i f e s t o d o f u t u r i s m o , e m q u e
Tate G a l l e r y de L o n d r e s construções feitas para F i l i p p o Marinetti, e m 1990, p r o c l a m a v a : «Quere-
serem p i s a d a s , escaladas, etc. E m poucos d i a s , mos d e m o l i r os museus»). A r u p t u r a está c o n s u -
n ã o se tendo os visitantes p r i v a d o da experiên- m a d a e o passado é, a partir de agora, u m espec-
c i a , a instalação f i c o u destruída e a e x p o s i ç ã o t á c u l o q u e se p o d e o b s e r v a r c o m o q u a l q u e r
encerrada. O s responsáveis do m u s e u reabriram- outro, sem veneração ou antipatia particular.
- n a , s u b s t i t u i n d o a parte destruída por o u t r a s O título d a obra de B e l t i n g , Das Ende der Kuns-
obras m a i s antigas do artista, provocando, a s s i m , tgeschichtc (O Fim da História da Arte), p u b l i c a d a
em 1983, perturbou numerosos espíritos. O histo-
o descontentamento deste último. M a n t i d a
riador entendia c o m isso, que a criação contem-
e n c e r r a d a , a e x p o s i ç ã o teria t o r n a d o e x p l í c i t o
porânea t i n h a d e i x a d o de se d e f i n i r no q u a d r o
o facto d e q u e M o r r i s a s s u m i a a d e s t r u i ç ã o e
de u m a relação contraditória c o m a arte do pas-
a integrava na sua obra.
sado; arte antiga e arte moderna são, u m a e outra,
E m 1965, G i l i o Dorfles, crítico de arte e estético, tradições o já não «testemunhos antagónicos».
começava u m livro, Mythes et Rites d'aujourd'hui,
A s s i m , o nosso presente alargado, absorve
por estas l i n h a s : «Um dos mais singulares aspec-
o passado. E l e absorve-o n u m a história, de que
tos do m o m e n t o h i s t ó r i c o que a t r a v e s s a m o s ,
estamos a tal ponto desligados, que ela se t o m a
r e s i d e , p r o v a v e l m e n t e , no facto d e " s e j u l g a r
n u m a r m a z é m de acessórios onde p u d e m o s
h i s t ó r i c o " e se p r e o c u p a r m a i s c o m o presente procurar na desordem.
do que c o m o passado, como se a história come- Este presente c h a m a a s i , igualmente, o futuro;
çasse u n i c a m e n t e q u a n d o o s e u c u r s o já t e r m i - como d i z a i n d a D o r f l e s , hipoteca-o. N ó s c o m -
n o u , quando o s e u estudo já não pode definir-se pramos a crédito, para gozar imediatamente
c o m o tal.» N ã o se j u l g a r i a já l e r u m a d e s s a s daquilo que possuiremos amanhã. A o mesmo
descrições do «final da história», típicas do tempo, n ó s detemos esse f u t u r o ; u m a v e z que
pensamento pós-moderno? v i v e m o s já a história ( u m a v e z que, entre outras
N o momento e m que Dorfles escreve, a arte, coisas, os m u s e u s de arte contemporânea f i x a m
c o m o v i m o s , já n ã o b u s c a os s e u s m o d e l o s n o já a s u a i m a g e m p a r a as g e r a ç õ e s v i n d o u r a s ) ,
passado, m a s no presente, a «mitologização» de esta n ã o nos r e s e r v a m a i s s u r p r e s a s , n ã o abre
M a r y l i n p o r W a r h o l s u b s t i t u i o m i t o d a Vénus. mais perspectivas desconhecidas.
Uma questão de palavras T h o m a s . E m 1988, a agência e d i t o u u m c a r t a z
propondo a seguinte fórmula: «História d a arte
U m a das p r i m e i r a s exposições pop, e m 1956 p r o c u r a personagens... n ã o espere p o r a m a n h ã
e m L o n d r e s , i n t i t u l a v a - s e This Is Tomorrow para entrar n a história.» A i m a g e m representava
(«Eis o a m a n h ã » ) . A caça ao f u t u r o c o m e ç a v a . u m a fila i n c o m p l e t a de grossos l i v r o s de arte,
Quarenta anos mais tarde, críticos e teóricos cada qual c o n v i d a n d o a i m a g i n a r o s e u próprio
n o m e no v e r s o de u m n o v o l i v r o , ao lado daque-
f a z e m u m ligeiro desvio; fala-se apenas de «pós-
les onde se lia já, justamente, pop art e W a r h o l .
-modemidade». G e r m a n o Celant, crítico pioneiro
associado à arte povera, forjou s e g u i d a m e n t e o Mais lapidar, a americana Barbara Kruger,
termo de «inexpressionismo», p a r a caracterizar c u j a o b r a c o n s i s t e n u m a d i s t o r ç ã o de slogans
o trabalho de u m a n o v a geração de artistas. F e z publicitários, lança: «You make history when you
dele o título de u m l i v r o , que s u b i n t i t u l o u , u m \do business» («Você faz história, quando faz negó-
cios»). N o d e c u r s o dos a n o s 80, o m e r c a d o d a
tanto laboriosamente como, L'Art au-delà de Vère
arte contemporânea ganhou ímpeto. O fenómeno
postmoderne. P a r a considerar o presente, A r t h u r
f o i e s p e c t a c u l a r e a t r a i u a a t e n ç ã o do g r a n d e
D a n t o toma como referência u m a obra de
público. Este pequeno l i v r o , ele próprio, que se
Warhol, datando de 1964 e intitula a sua recolha
situa n u m a colecção generalista, é talvez u m a
de ensaios como Beyond the Brillo Box («Para lá
consequência distante disso. C o n v é m , de facto,
d a Caixa Brillo»). Será porque n ã o nos sabemos
explicar, hoje, u m a f o r m a de arte, que foi apre-
m a i s projectar no f u t u r o , que temos tanta d i f i -
s e n t a d a ao p ú b l i c o de u m m o d o b r u t a l . A n t e s
culdade e m nomear o presente de outra f o r m a ,
m e s m o de se poder considerar as obras através
que não por referência ao passado?
d a s r a z õ e s p r o f u n d a s q u e as f i z e r a m nascer,
O artista Phílippe T h o m a s r e s u m i u perfeita- , i m p u n h a - s e d e s d e logo o l h á - l a s , m i t i f i c a d a s
mente esta situação, e m que a história está h i p o - pelas fabulosas somas de d i n h e i r o que e r a m
t e c a d a - p o r q u e já p a r t i c i p á m o s t o d o s d e l a . c o n s i d e r a d a s representar. A s s i m , é n e c e s s á r i o
A partir de 1987, h a v i a - s e eclipsado por detrás .corrigir, t a m b é m , as distorções, que g e r a r a m a
de u m a p e s s o a m o r a l , u m a a g ê n c i a c h a m a d a especulação e a mediatização.
s i g n i f i c a t i v a m e n t e . O s Ready-Made p e r t e n c e m t
a toda a gente. Q u a n d o , por ocasião das m a n i -
festações desta a g ê n c i a , a l g u é m a d q u i r i a u m a Sobrevalorizações
obra, esse alguém tornava-se a u t o m a t i c a m e n t e
no seu signatário. É a s s i m que, hoje, se encontra U m dos p r i n c i p a i s lugares c o m u n s a recusar
o nome de diferentes coleccionadores e m repro- é o seguinte: a arte concebida no tempo dos
duções, e m l i v r o s e revistas, e n ã o o de P h i l i p p e v a n g u a r d i s t a s p u r o s e d u r o s - se é que e x i s t i u
a l g u m a v e z u m a idade de ouro, o u melhor u m a as cotações t i n h a m s u b i d o , e n q u a d r a d a s n u m a
i d a d e de bronze, dos vanguardistas - , teria sido expansão económica geral - , mas não é impossí-
recuperada pela sociedade do lucro. Se se consi- v e l que ela tinha sido a g r a v a d a pelo sentimento
derar, como defendi o seu princípio, que a arte é de se v i v e r n u m presente que se alarga e ao q u a l
u m motor d a sociedade e não s i m p l e s m e n t e o n ã o sucederá n e n h u m f u t u r o . Neste caso, p a r a
s e u pálido reflexo, é preciso, então, reconhecer, quê especular?
que a arte pode ter u m a parte de responsabili- Durante todo o tempo e m que os preços s u b i -
d a d e e m f e n ó m e n o s , de que acaba por ser - o r a m , não faltaram pessoas sensatas p a r a d e n u n -
que n ã o se trata de negar - a vítima. D e facto, c i a r a histeria do mercado. Esquecia-se que,
o mercado d a arte contemporânea, tal como eclo- : d e z anos antes, se h a v i a v e r i f i c a d o u m a o u t r a
d i u n a s m ã o s dos golden hoys e t a l como, aliás, c o r r i d a louca, a das v a n g u a r d a s , elas p r ó p r i a s
e v o l u i u de seguida, c o m a recessão, é o epifenó- tendo-se s u c e d i d o u m a s às outras, a u m r i t m o
m e n o d a transformação que se operou na nossa desenfreado. D e facto, a h i s t e r i a m e r c a n t i l dos
c o n s c i ê n c i a do t e m p o , t r a n s f o r m a ç ã o p a r a a anos 80 sucedia à sobrevalorização v a n g u a r d i s t a
q u a l , c o m o a c a b á m o s de ver, a arte c o n t r i b u i u d o s anos 70, à s o b r e v a l o r i z a ç ã o d o s « i s m o s » ,
cons i d e ra velmente. como se dizia então.
M a i s exactamente, n a segunda metade dos
O m e r c a d o d a a r t e aposta n o que a c r e d i t a
a n o s 60 e até m e a d o s d o d e c é n i o s e g u i n t e , os
s e r e m os v a l o r e s a r t í s t i c o s de a m a n h ã . Se o
apreciadores só t i n h a m u m a queixa - de crianças
a m a n h ã já existe, se a história se escreve já hoje,
limadas - a fazer: h a v i a vanguardas a m a i s ! M a l
então não se vê, por que razão esses valores não
ise e n t u s i a s m a v a m p o r u m a , logo o u t r a s u r g i a ,
p o d e r i a m ser i m e d i a t a m e n t e r e c o n h e c i d o s .
pretendendo d e s q u a l i f i c a r a p r e c e d e n t e . O r a ,
O b r a s de jovens artistas eram, a s s i m , a d q u i r i d a s
•quando o antiform a t a c a v a a r i g i d e z do m i n i -
n a s galerias, depois m u i t o r a p i d a m e n t e r e v e n - m a l i s m o ou os earthzvorks* t r a n s p o r t a v a m a s u a
didas, nomeadamente em venda pública. experiência p a r a a n a t u r e z a , o u q u a n d o a arte
A s v e n d a s por licitação são normalmente consi- sociológica* pretendia adicionar à arte conceptual
deradas como o meio de verificar u m a cotação. :Uma dimensão que lhe f a l t a v a , a lógica e m que
Sendo o público que corria a estas vendas b r u s - i n s c r e v i a m todos estes m o v i m e n t o s era a lógica,
c a m e n t e bastante m a i s n u m e r o s o , o preço d a s celerada, da teleologia m o d e r n a . U m a v e r d a d e
obras p o d i a , com efeito, subir consideravelmente (brilhava algures, no f i m do caminho e cada v a n -
e m poucas semanas. g u a r d a m a r c a v a u m a etapa que se a p r o x i m a v a .
N ã o h á i n f l a ç ã o , s e m d e f l a ç ã o . A q u e se D e repente, p a r e c e u que se disse: « C h e g a ! »
s e g u i u , i n s c r e v e u - s e , s e m s o m b r a de d ú v i d a , ^ertamente, h o u v e r a m s i n a i s anunciadores, m a s
n u m a crise económica m a i s vasta - assim como o i sobretudo e s i m b o l i c a m e n t e na a b e r t u r a do
d e c é n i o , e m 1980, n o q u a d r o de u m a s e c ç ã o florescimento simultâneo dos estilos «neo». Ope-
d e n o m i n a d a Aperto, r e s e r v a d a à n o v a g e r a ç ã o r o u - s e no d o m í n i o d a c r i a ç ã o , u m f e n ó m e n o
p e l a B i e n a l de V e n e z a , q u e se v i r a m c h e g a r comparável ao referido por P a u l V i r i l i o no domí-
jovens artistas menos empenhados e m fazer n i o das c o m u n i c a ç õ e s . U m a aceleração intensa
r e c u a r os l i m i t e s d a o b r a de a r t e , d o q u e e m p r o d u z u m a inércia. O passageiro de u m avião
redescobrir f o r m a s c o m p r o v a d a s , m e n o s i n c l i - que liga e m p o u c a s horas os antípodas, é cons-
nados e m fazer de a p r e n d i z e s de feiticeiro, do trangido a u m a quase-imobilidade no s e u lugar.
que e m f a z e r as p a z e s c o m o ofício de pintor. O m e i o d a arte a r r a s t a d o p e l a f u g a e m diante
Acreditou-se, então, n u m a restauração. N a das v a n g u a r d a s , acabou por se estabilizar a u m
m e d i d a e m que as r e v o l u ç õ e s f o r m a i s t i n h a m ritmo de cruzeiro, que admite todas as tendências
sido equiparadas ás ideologias revolucionários, a ao mesmo tempo.
s u a s u s p e n s ã o s u r g i a como u m a c o n s e q u ê n c i a O crítico A c h i l l e B o n i t o - O l i v a , promotor
d a crítica dessas ideologias e d a perturbação das da t r a n s v a n g u a r d a , d e f e n d e u essa s i n c r o n i a .
sociedades a que tinha s e r v i d o de f u n d a m e n t o . C o n d e n a n d o o « d a r w i n i s m o » das v a n g u a r d a s
M a s o fenómeno era complexo. Se esta n o v a (a i d e i a de q u e elas se e n c a d e a v a m u m a s n a s
p i n t u r a se r e f e r i a ao p a s s a d o , e l a r e a b i l i t a v a , outras e p r o g r e d i a m no conhecimento d a arte),
sobretudo, correntes d a modernidade que h a v i a m ele exaltou o modelo do «traidor»: o artista tem o
s i d o m e n o s p r e z a d a s , a f a s t a d a s do e i x o d o m i - direito de passar de u m a verdade d a arte a outra,
nante. A s s i m , os pintores a l e m ã e s a f i r m a v a m - e mesmo combiná-las. Face a Bonito-Oliva,
-se n a f i l i a ç ã o d o e x p r e s s i o n i s m o d o i n í c i o G e r m a n o C e l a n t d e n u n c i o u , pelo contrário, o
do s é c u l o , e n q u a n t o os i t a l i a n o s d a t r a n s v a n - que d e f i n i u c o m o o « c o n t e m p o r a n i s m o » , desa-
g u a r d a * seguiam o exemplo de D e C h i r i c o e do parecimento do contemporâneo e m f a v o r de u m
N o v e c e n t o , que h a v i a m c o m b i n a d o de f o r m a «hipercontemporâneo». Pode acrescentar-se,
a m b í g u a tradição e m o d e r n i d a d e . M a i s , perce- diante da s u a longa lista de «neos» (neomanei-
beu-se rapidamente, que este « r e t o m o à pintura» r i s m o , n e o f a u v i s m o , n e o - e x p r e s s i o n i s m o , new
não i m p e d i a o aparecimento de outras tendências imagc painting, neogeo, e t c ) , r e s p o n s á v e i s p o r
- como o simulacionismo, atrás evocado - , que, essa contracção do tempo, que estes últimos s u r -
q u a n t o a elas, r e c u s a v a m colocar entre p a r ê n - g i r a m sob o i m p u l s o das v a n g u a r d a s , como se a
teses as v a n g u a r d a s e t o m a v a m o lugar do m i n i - o b r e v a l o r i z a ç â o que estas t r a v a v a m entre s i ,
m a l i s m o e d a arte conceptual, o u c o n t i n u a v a m tivesse atingido a estrutura interna de cada u m a .
a e x p l o r a r os r e c u r s o s do objecto ready-made. O sucesso de A n s e l m Kiefer, u m dos repre-
O s a n o s 70 t i n h a m c o n h e c i d o a s o b r e v a l o r i - e n t a n t e s do n e o - e x p r e s s i o n i s m o , n ã o d e r i v a
z a ç ã o d o s « i s m o s » , os a n o s 80 a s s i s t i a m ao n i c a m e n t e d o f a c t o d e l e ter f e i t o r e s s u r g i r
X
temas o imagens p r o f u n d a m e n t e enraizados n a s u b s c r e v e u u m a i m a g e m , o n d e se p o d e l e r :
cultura germânica e, logo, satisfazendo u m gosto «I shop thcrcfore I am» ( « C o m p r o , logo existo»),
p e l a n o s t a l g i a . E s t e sucesso t e m i g u a l m e n t e a i m p r e s s o nos sacos de u m a loja de d e c o r a ç ã o
v e r , c o m o facto d o p i n t o r a c o m p a n h a r a s u a espanhola d a m o d a , Vinçon. Compreende-se e m
prática c o m f o t o g r a f i a s e c o m a p r o d u ç ã o de que é que este eclectismo, constituiu u m terreno
livros, que se a p r o x i m a m dos m é t o d o s concep- i d e a l p a r a o d e s e n v o l v i m e n t o do m e r c a d o d a
t u a i s . A s s i m , ele t e m o p a p e l de u m a e s p é c i e a r t e . O s m e s m o s objectos p o d i a m r e s p o n d e r
de «clássico-moderno», que soube, contudo, t a gostos, o u m e s m o a opiniões, m u i t o d i v e r s o s
r e g i s t a r os a v a n ç o s d o s v a n g u a r d i s t a s . A s u a |e t o d o s os g é n e r o s p o d i a m c o e x i s t i r s e m se
arte teria algo m a i s a l é m do e x p r e s s i o n i s m o e lexcluírem.
da arte c o n c e p t u a l , u m a v e z q u e p e r m i t e que
u m modelo histórico perdure n u m a forma m a i s
c o n t e m p o r â n e a , ao m e s m o t e m p o q u e e s s a
forma c o n t e m p o r â n e a beneficia da a u r a do
modelo histórico.
E m relação aos p r i m e i r o s e a u s t e r o s e x e m -
plos da arte conceptual, o neoconccptualismo
t r a r i a , t a m b é m ele, algo m a i s . A u m a arte que
v i s a v a «a d e s m a t e r i a l i z a ç ã o d a o b r a de a r t e »
(para retomar o título de u m a obra de referência,
d e v i d a à crítica L u c y L i p p a r d ) , ela acrescenta
frequentemente... a sedução de u m objecto belo!
P a r a t a l , e l a i n s p i r a - s e , aliás, n a e s t é t i c a pop,
que era d e n u n c i a d a por a l g u n s conceptuais.
A s obras de Barbara Kruger, pelo seu conteúdo
t e x t u a l e p e l a c o n s c i ê n c i a s o c i a l a que f a z e m
apelo, f a z e m pensar n a arte c o n c e p t u a l . M a s a
paginação dos textos - K r u g e r foi grafista -
sobre b a n d a s v e r m e l h a s , c o n t r a s t a n d o e f i c a z -
mente c o m grandes fotografias a preto e branco,
confere-lhe u m a força de atracção, que é a d a s
primeiras páginas da imprensa sensacionista.
Também a s u a função é a m b i v a l e n t e . A artista
Topologia

o t e m p o que se i m o b i l i z a c o r r e s p o n d e u m
m e i o e s t a g n a d o . A i n d a q u e os g r a n d e s
ncontros ( D o c u m e n t a , de quatro ou cinco e m
"inco anos e m C a s s e i na A l e m a n h a , a B i e n a l de
'eneza, a B i e n a l de São P a u l o , as Bienais, m a i s
ícentes, de I s t a m b u l e de Joanesburgo, as feiras
e arte de B a s i l e i a , Colónia, P a r i s , M a d r i d ,
-hicago, B e r l i m . . . ) a t r a i a m sempre u m público
umeroso, o meio d a arte no seu conjunto d e i x a -
se p o l a r i z a r bastante menos d o que antes por
:os, que f o r a m frequentemente, como no caso
e N o v a I o r q u e , tanto e c o n ó m i c o s c o m o c r i a -
v o s . E se este meio se prende a i n d a a a l g u m a
olémica, é infinitamente com menos furor
ombativo do que no tempo das v a n g u a r d a s .
A história linear e m que estas últimas se i n s -
e v i a m , h i e r a r q u i z a v a os h o m e n s , os objectos
os a c o n t e c i m e n t o s . N a c o l u n a que f o r m a v a
m a geração, n e m todos d e s e m p e n h a v a m o
mesmo p a p e l para a c o n d u z i r à Terra P r o m e t i d a , diferença» de cada artista. Precisamente, desde
e p o d i a m m e s m o encontrar-se m a u s sujeitos sus- q u e os ready-made d e D u c h a m p se t o r n a r a m
ceptíveis de a entravar o u de a desviar, de onde na obsidiante referência das n o v a s gerações.
a prática d a exclusão, nos surrealistas é exemplo. N a e s c o l h a d o s s e u s objectos, D u c h a m p d e u
Mas quando a história já não comanda o presente, provas d a mais total arbitrariedade, pretendendo
n e m tão pouco o futuro a orienta, então a coluna m e s m o seleccionar apenas aqueles que o d e i x a -
pode muito b e m dissipar-se na natureza. O meio . a m indiferente, p a r a que n e n h u m a motivação
da arte, hoje, é u m meio atomizado. Acontece à •subjectiva falseasse essa a r b i t r a r i e d a d e . D e s t a
saída de u m a exposição o u de u m a feira de arte, o b e r a n i a , todo o a r t i s t a s u r g i d o d e p o i s d e l e
onde o número de expositores e a v a r i e d a d e das ode reclamar-se. D e onde resultam u m a q u a n t i -
suas obras são vertiginosos, velhos apreciadores ade de obras, regidas p o r leis decretadas pelo
a s u s p i r a r e m : no s e u tempo, n ã o h a v i a tantos r t i s t a e p o r m a i s n i n g u é m . R e s u m i n d o , este
artistas. G o m b r i c h dá-lhes a sua explicação: t r a b a l h a n o s e u canto e os a p r e c i a d o r e s têm a
«Hoje, a d i v e r s i d a d e das opiniões críticas, dá a 'herdade de se imiscuírem nesse canto. O artista
u m maior n ú m e r o de artistas u m a oportunidade constrói a s u a obra como u m m u n d o e m s i , no
de serem reconhecidos.» i t e r i o r do q u a l c i r c u l a m s í m b o l o s d e f i n i d o s
P o r u m efeito de s i n é d o q u e que se percebe or ele próprio.
- é difícil distinguir u m átomo de outro átomo, de Estes símbolos p o d e m conhecer u m e l e v a d o
tal f o r m a p a r e c e m f o r m a r u m c a m p o u n i d o ao
ível de d e s e n v o l v i m e n t o e de c o m p l e x i d a d e .
justaporem-se indefinidamente o espaço da
1968 a 1993, a obra de Jean-Pierre R a y n a u d ,
arte contemporânea é u m espaço elástico, onde o
elaborada a partir de u m alfabeto formal bastante
m i c r o c o s m o s se torna m a c r o c o s m o s e i n v e r s a -
dentificável e c o m b i n á v e l ( u m v a s o de flores
mente. Passa-se de u n i v e r s o s extremamente pes-
i n t a d o de v e r m e l h o , a z u l e j o s de f a i a n ç a
soais, muitas vezes confinados, a conglomerados
rança...), teve o s e u centro a c t i v o , no s e n t i d o
de todos esses u n i v e r s o s e m e x p o s i ç õ e s , q u e ,
róprio e f i g u r a d o , n a casa que o artista h a v i a
cada v e z m a i s , j u n t a m artistas que representam
oncebido p a r a s e u u s o , construída e transfor-
todas as civilizações.
a d a s u c e s s i v a m e n t e e onde, a p a r t i r de certa
t u r a , d e i x a de a d m i t i r v i s i t a n t e s . F i n a l m e n t e ,
le o r g a n i z o u a d e s t r u i ç ã o d a c a s a , d e o n d e
Soberania do artista
s u l t a r a m , aliás, n o v a s o b r a s . . . S e g u n d o u m
Neste p a n o r a m a a l a r g a d o , o a p r e c i a d o r de odo mais paródico, Z u s h f u n d o u o E v r u g o ,
arte reconhece u m a configuração, que ele conhece Estado fictício d i r i g i d o p o r m i n i s t r o s e que
b e m . Há m u i t o , q u e e l e a d m i t e o « d i r e i t o à m i t e notas b a n c á r i a s e selos p o s t a i s , etc.
A s s u a s obras gráficas j u n t a m às personagens ficantes - fabricação de rolos de trapos, e s c u l -
provenientes deste u n i v e r s o u m a escrita i n v e n - tura de pedaços de açúcar - ou a i n d a , coleccio-
t a d a e os s e u s t í t u l o s s ã o e n u n c i a d o s n u m a j i a v a as m a i s ínfimas relíquias de u m a história
língua de que não existe dicionário (Ovrud denui familiar, v e l h a s fotografias de férias e m e c h a s de
o u Evrugi omorena). cabelo.
D e n t r o d e u m e s p í r i t o q u e j o g a , a n t e s de U m p e q u e n o objecto e n f a i x a d o n ã o c o n s t i -
m a i s , com a ideia de que o seu m u n d o singular tui, à p r i m e i r a v i s t a , u m a obra de arte p a r a
poderia integrar-se n a sociedade, alguns artistas todos. N o entanto, a l g u n s p o d e m d e i x a r - s e
mais jovens tomam como modelo a empresa comover, ao recordar-se das suas p r ó p r i a s b r i -
comercial. A obra de Fabrice H y b e r t n ã o reside colages de criança o u ao reconhecer a dedicação
tanto nos «produtos» distribuídos por u m a com que, à m e s a , a m a s s a m o m i o l o de p ã o . M a s
S A R L , cujos estatutos ele efectivamente destituiu outros artistas l e v a r a m tão longe a a r b i t r a -
(designando-a como U R , U n l i m i t e d Responsibi- riedade do código, que este já não se baseia n a
l i t y ) , do que no p r ó p r i o f u n c i o n a m e n t o dessa realidade dos objectos, que s u b m e t e m ao nosso
e m p r e s a : import-export, e x p o s i ç ã o o n d e todos olhar. J o s e p h B e u y s e r a u m o u t r o c o n v i d a d o
os o b j e c t o s s ã o p o s t o s à v e n d a , c o m o n u m d a s Mitologias individuais. As s u a s o b r a s
grande armazém, etc. C o m o estes u n i v e r s o s são baseiam-se n u m sistema de símbolos preciso e
a u t ó n o m o s , n ã o se o u s a d i z e r q u e se l i g a m c o m p l i c a d o , l i g a d o aos objectos, que o i n c a r -
a u m a t r a d i ç ã o , m a s u m certo n ú m e r o d e l e s nam por meio de u m a lógica tão pessoal ao artista,
i n s c r e v e m - s e n a sequência de u t o p i a s bastante que q u e m não conhecer a c h a v e n ã o verá, cer-
específicas d a m o d e r n i d a d e . tamente, s e n ã o a q u i l o q u e o a r t i s t a d á a v e r .
Quando Szeemann organizou a Documenta 5 C o n s i d e r a n d o q u e este e x p l i c a u m a d a s s u a s
e m 1972, e l e c o n s a g r o u u m a s e c ç ã o a u m a e s c u l t u r a s de f e l t r o c i n z e n t o e p e s a d o , c o m o
tendência, que designou por u m a fórmula p a r a - sendo a representação de «um m u n d o claro,
d o x a l , m a s tão p e r t i n e n t e , q u e f o i f r e q u e n t e - luminoso, supra-sensível e espiritual», com-
mente retomada seguidamente, a de «mitologias preende-se por que razão os comissários d a s u a
individuais». N o século x x , as mitologias já não retrospectiva, e m 1994 n o C e n t r o G e o r g e s - P o m -
f u n d a m as crenças d a c o m u n i d a d e , elas e x p r i - p i d o u , j u n t a r a m às obras grandes cartazes, que,
m e m as o b s e s s õ e s d o s i n d i v í d u o s . C h r i s t i a n a t r a v é s de textos e c i t a ç õ e s , g u i a v a m a c o m -
B o l t a n s k i era, e n t ã o , o artista e x e m p l a r das preensão do visitante.
mitologias individuais. Entregava-se a ocupa- A s v a n g u a r d a s s u r g i d a s no final dos anos 60,
ções, cujo significado parecia tanto m a i s p r i v a d o , são frequentemente evocadas como as «últimas
porquanto eram, à primeira vista, insigni- Vanguardas». Elas distinguem-se, contudo.
Fniversalidade
A d i v e r s i d a d e interna dessas tendências teve
:omo corolário, o fazer a d m i t i r a d i v e r s i d a d e
campo d a criação e m geral. A s s i m , é a partir do
íconhecimento destas v a n g u a r d a s «liberais»,
Jue se c o m e ç a a c o n s i d e r a r a heterogeneidade
los estilos contemporâneos e, m e s m o , a abrir-se
estilos que, pertencendo a outras histórias
jue n ã o a d a m o d e r n i d a d e ocidental, p a r e c i a m
ílevar de u m a o u t r a t e m p o r a l i d a d e . A m e s m a
>ocumenta 5, que fez g a n h a r c o n s c i ê n c i a d a s
litologias i n d i v i d u a i s , operou u m fabuloso
Frédéric B m l y B o u a b r é , zenseamento de todas as imagens do m u n d o ,
Alfabeto nacional da Costa do Marfim, 1988/1989 la a b a r c o u toda a v a n g u a r d a o c i d e n t a l desde
O flríísííi da Costa do Marfimfoirevelado ao público europeu h i p e r r e a l i s m o à arte c o n c e p t u a l e à body art,
pela exposição «Mágicos da Terra» (Magiciens de la Terre). itegrando, ao m e s m o tempo, a arte b r u t a * e os
Lápis de cor e esferográfica /cartão, 10 x 15,5 cm, série de 448 desenhos lesenhos de criança, a arte p o p u l a r , o kitsch e
Col. particular. © C Postei
banda desenhada, a iconografia religiosa,
p o r n o g r a f i a , a p r o p a g a n d a p o l í t i c a , etc. S ó
r e a l i s m o s soviético e c h i n ê s n ã o f i g u r a v a m ,
tão p o r t e r e m s i d o e s q u e c i d o s o u m e n o s p r e -
daquelas que as precedem, por essa e v i d e n - idos pelos organizadores, m a s porque a União
c i a ç ã o d a s s i n g u l a r i d a d e s . Land art, a r t e jviética e a C h i n a , temendo a m i s t u r a , h a v i a m
conceptual ou mitologias i n d i v i d u a i s cons- isado o convite.
t i t u e m tendências com características espe- A s s i m , antes m e s m o de se i m p o r u m igualita-
cíficas, m a s os s e u s protagonistas n ã o t i v e r e m smo p ó s - m o d e m o , u m a visão m u n d i a l e global
de se s u b m e t e r a i m p o s i ç õ e s . T a m b é m n ã o se la arte tinha começado a emergir. A s u a expres-
a l i n h a r a m por detrás de líderes o u de teóricos. ío m a i s conseguida, foi a exposição dos Mágicos
C e l a n t n ã o r e g u l a m e n t o u a a r t e povera, d o da Terra (Magiciens de la Terre), o r g a n i z a d a pelo
m o d o como Greenberg h a v i a d o m i n a d o auto- entro G e o r g e s - P o m p i d o u e m 1989, que p e r m i -
ritariamente a c e n a d a abstracção f o r m a l i s t a nos *u ver, n a m e s m a p e r s p e c t i v a do G r a n d e H a l l e
anos 60. e l a Villette, as p i n t u r a s de areia de Joe B e n Jr, 69
índio n a v a j o , os c a i x õ e s e s c u l p i d o s e m f o r m a Lpossível, que este período tenha gerado u m a
de lagosta o u de Mercedes do ganês K a n e K w e i esafeição p o r parte dos i n t e l e c t u a i s . M e r c a n -
e u m a pintura m u r a l do inglês R i c h a r d L o n g , *Tsmo e institucionalização p u d e r a m desenco-
u m dos p r i n c i p a i s representantes d a land art. ajar aqueles que p r o c u r a m estruturar a criação
De u m a certa forma, a exposição fazia emergir través de u m a teorização.
o u n i v e r s a l i s m o c o m q u e h a v i a m s o n h a d o as Durante séculos, u m artista principiante
v a n g u a r d a s históricas, c o m esta diferença defrontava-se c o m o olhar dos seus mestres, dos
importante contudo: já não se tratava de ligar os seus condiscípulos, dos seus amigos escritores e
artistas à f o r m a de arte m a i s avançada, tal como ipoetas, a n t e s d e e n c o n t r a r o o l h a r d o s a p r e -
M a r i n e t t i , nos p r i m e i r o s anos d o século, h a v i a ciadores. Já n ã o é esse o caso hoje, e m que os
semeado as sementes do f u t u r i s m o a t r a v é s de circuitos de difusão se a p o s s a m m u i t o cedo das
toda a E u r o p a , m a s , pelo contrário, de m o s t r a r obras e c o n t o r n a m o juízo dos pares. O r a , a d i s -
as interferências entre a m o d e r n i d a d e e práticas s e m i n a ç ã o destas instâncias de c o n s a g r a ç ã o é,
tradicionais, rituais ou consideradas como p r i - tanto c o m o o e c l e c t i s m o e s t i l í s t i c o a t r á s d e s -
m i t i v a s . J a c k s o n P o l l o c k , que r e a l i z a v a os seus c r i t o , u m a c a u s a d o p r o c e s s o de a t o m i z a ç ã o .
drippings, deixando escorrer a cor por b a i x o das P o r u m l a d o , h á m a i s e s p a ç o s de e x p o s i ç ã o ,
suas telas pousadas no chão, tinha observado as colecções públicas, l i v r o s e revistas consagrados
pinturas de areia dos índios. R i c h a r d L o n g , que à arte c o n t e m p o r â n e a , do que a l g u m a v e z
a p l i c a n a s p a r e d e s as s u a s m ã o s p r e v i a m e n t e íhouve. P o r outro, c o n s e r v a d o r e s , c o m p r a d o r e s
mergulhadas n a l a m a , não se inspirará de certa e críticos, e todos os profissionais que o c u p a m
f o r m a e m práticas m u i t o antigas? as i n ú m e r a s f u n ç õ e s i n t e r m é d i a s c r i a d a s p e l a
indústria c u l t u r a l , dispõem de tanta a m p l i t u d e
p a r a escolher os artistas, como u m artista p a r a
escolher os seus materiais. Todo este m u n d o se
Individualidade organiza em redes. Estas redes observam-se,
situam-se e s i t u a m as outras n u m a escala, que
Finalmente, correndo o risco de cair e m con- v a i d a m a i s tradicionalista à m a i s v a n g u a r d i s t a ,
s i d e r a ç õ e s m a i s t e r r a a t e r r a , s a l i e n t e m o s que m a s já n ã o são senão a o n d a de choque m u i t o
a prosperidade dos anos 80 completou este alar- longínquo das lutas e das r u p t u r a s que m a r c a -
g a m e n t o do c a m p o a r t í s t i c o . A c a p a c i d a d e r a m os p r i m ó r d i o s d a m o d e r n i d a d e . Grosso
do m e r c a d o , a d i s p o n i b i l i d a d e d a i n s t i t u i ç ã o , modo, r e i n a a g o r a u m a c o e x i s t ê n c i a p a c í f i c a ,
d i v i d i r a m os interesses. O s artistas já n ã o s e n - e m parte g a r a n t i d a , aliás, p e l a r e l a t i v a estanqui-
t i a m a necessidade de r e u n i r e m as s u a s forças, cidade das redes.
p a r a se i m p o r s o c i a l m e n t e . T a m b é m n ã o é
A pirâmide que c u l m i n a n o poder do director
d e u m grande m u s e u o u d e u m «trust» de c o m -
pradores, é corroída pelas térmites dos pequenos
poderes locais - que são, p o r vezes, contrapode-
res. N o auge d a euforia d o mercado, o casamento
(depois rompido) d a directora de u m a galeria
n o v a - i o r q u i n a e m v o g a , M a r y Boone, c o m u m
importante negociante de Colónia, M i c h a e l
Werner, estabeleceu a partir de u m benefício,
simbólico e romântico, u m a aliança, esta econó-
m i c a , que assegurava a s u p r e m a c i a d a rede
anglo-saxónica.
D u r a n t e esse período, n a s u a galeria instalada
c o m o u m o v n i e m C h a g n y , Saône-et-Loire, c o m
c i n c o m i l habitantes, P i e t r o S p a r t a d a v a - s e t ã o
bem, que conseguia apresentar artistas r e p u -
tados n a cena internacional, encantados por res-
p i r a r aí u m a r menos confinado d o q u e aquele
Jõrg Immendorff, Café de Flore, 1990/1991
dos circuitos hiperprofissionalizados. E v i d e n -
temente, ao lado de M a r y Boone o u de M i c h a e l Os quadros de Immendorff são como cenas de teatro onde se
cruzam os amigos do pintor, os seus condiscípulos e os seus com-
Werner, Sparta não tem, financeiramente, pradores, alguns célebres directores de museu e mesmo grandes
o m e s m o p e s o , m a s n ã o se p o d e d i z e r q u e a s figuras da história da arte.
crónicas foquem menos a sua acção, do que óleo/tela, 300 x 400 cm.
aquela dos seus poderosos homólogos. Tanto Com autorização da galeria Michael Werner, New York e Colónia

m a i s que, ao trabalhar c o m artistas como


M á r i o M e r z , f i g u r a d a a r t e povera, ele se c o n -
s a g r a v a a u m a concepção d a arte própria d a s
estes dois tipos d e negociantes tão distantes u m
v a n g u a r d a s d o s anos 70, e n q u a n t o o c a s a l
do outro é , p o i s , pertinente, d o ponto d e v i s t a
germano-americano impunha u m a nova pin-
estético.
t u r a a m e r i c a n a ( E r i c F i s c h l , D a v i d Salle, J u l i a n
O M u s e u m of M o d e m A r t ( M o M A ) d e N o v a
Schnabel) e u m neo-expressionismo alemão
Iorque é o m u s e u m a i s prestigiado do m u n d o e
( G e o r g Baselitz, Jorg I m m e n d o r f f ) , que, e m p r i n -
Jasper J o h n s o artista v i v o m a i s caro ( u m a d a s
cípio, se o p u n h a m a essa concepção. C o m p a r a r
suas obras foi arrebatada, e m 1988, por dezassete 73
milhões de dólares). É certo, que ele é antes de para u m simpósio, porque é preciso contar
m a i s u m g r a n d e artista. Q u a n d o o M o M A lhe também com o potencial dos antigos países
p r e s t a h o m e n a g e m , e m 1996, c o n s a g r a n d o - l h e comunistas. A s s i m , a fundação Soros - que tem
pela s e g u n d a v e z u m a retrospectiva, o que o nome do seu criador, u m rico h o m e m de negó-
j a m a i s se t i n h a v i s t o p a r a u m a r t i s t a v i v o , o cios a m e r i c a n o de o r i g e m h ú n g a r a - e s p a l h o u
acontecimento é importante, m a s a s u a influên- pelas capitais d a E u r o p a oriental centros de arte
cia relativa. dinâmicos.
E x i s t e c o m efeito, hoje, u m e n o r m e n ú m e r o O alcance c u l t u r a l das actividades à m a r g e m
de centros artísticos e m todo o m u n d o , onde é dos g r a n d e s c i r c u i t o s c o m e r c i a i s n ã o d e v e ser
certo Johns é estimado, mas onde se preferirá, de negligenciado, sobretudo depois que o m o d e l o
longe, interessar-se por outros artistas, como o capitalista, o u seja lá o que for, já não traz tantas
a m e r i c a n o P a u l M c C a r t h y , d e s c o n h e c i d o do ilusões! Por u m lado, a permeabilidade do meio
grande público, autor de performances e de ence- da arte, oferece àqueles que v i v e m nessas
nações sexuais extremamente provocantes e que m a r g e n s , u m m e i o r a r o de c o m u n i c a ç ã o a u m
u m a renovação d a arte corporal coloca à boca de nível i n t e r n a c i o n a l . P o r outro, e e m p a r t i c u l a r
cena. A s redes são demasiado numerosas e d e p o i s d o s e x c e s s o s d o s a n o s 80, e x i s t e , n o s
demasiado ramificadas, para que u m poder países melhor equipados culturalmente, u m a
h e g e m ó n i c o se i m p o n h a . nítida tendência p a r a desviar a curiosidade p a r a
produções que, justamente, e s c a p a r a m à lógica
mercantil.
Pluralidade A disseminação institucional corresponde,
no mínimo, u m a desconcertante p l u r a l i d a d e
A l é m disso, artistas e apreciadores, que dos m o d o s de s e l e c ç ã o . E m VArtiste, ITnstitu-
desde sempre f o r m a m u m a das comunidades tion et le Marchê, o sociólogo R a y m o n d e M o u l i n
m a i s m ó v e i s que e x i s t e m , são agora l e v a d o s a p u b l i c o u a lista dos artistas, de que, e m França,
percorrer o planeta de parte a parte. A C o r e i a , os F u n d o s r e g i o n a i s de a r t e c o n t e m p o r â n e a
que c r i o u e m K w a n g i u u m a b i e n a l internacional, ( F r a c ) a d q u i r e m m a i o r n ú m e r o de obras entre
toma-se n u m destino ao m e s m o nível dos Esta- 1982 e 1985. Significativamente... essa lista n ã o
dos U n i d o s o u d a A l e m a n h a . M a s preparam-se, faz qualquer sentido! E n c o n t r a m o s aí, lado
i g u a l m e n t e , ateliers e galerias a s s o c i a t i v a s , e m a lado. S o l L e W i t t , artista «minimalista» m u i t o
G l a s g o w ou L i v e r p o o l , quando subitamente a solicitado i n t e r n a c i o n a l m e n t e , e O l i v i e r D e b r é ,
Escócia surge como u m reservatório de energia cujo p a i s a g i s m o abstracto não está, então, p a r t i -
c r i a t i v a . Depois, voa-se até Moscovo o u Varsóvia cularmente na m o d a . À cabeça da lista figura
A n t o n i o S a u r a , p i n t o r q u e n ã o b e n e f i c i o u de
qualquer exposição importante n u m museu
f r a n c ê s , o q u e é, a l i á s , d e l a m e n t a r . O c a n a l
oficial n ã o é, portanto, m a i s rectilíneo do que o
d a s g a l e r i a s p r i v a d a s . N a s ú l t i m a s p á g i n a s do
seu l i v r o , R a y m o n d e M o u l i n reconhece que n ã o
destaca da sua investigação rigorosa, nada
m e l h o r d o q u e u m a n ã o - l e i . E l a r e t o m a as
p a l a v r a s de u m negociante, que a f i r m a que há
«tantos mercados, quantos artistas» e acres-
centa: «Seria m u i t o n a t u r a l avançar a hipótese,
de que há tantas carreiras e m o d o s de v i d a ,
quantas biografias.»

O museu enquanto obra de arte


N o e s p a ç o elástico d a arte c o n t e m p o r â n e a ,
o m o v i m e n t o g e r a d o p e l o m u s e u é, s i m u l t a -
neamente, centrípeto e centrífugo. Centrípeto,
p o r q u e o m u s e u se v ê a s s u m i r a r e s p o n s a b i l i -
d a d e d e obras que s u j a m e que são d e m a s i a d o
ameaçadoras para u m apartamento burguês,
ou daquelas, efémeras, que são dificilmente
integráveis n u m património f a m i l i a r , ao ponto
de se f a l a r de u m a «arte p a r a m u s e u s » . ( A c o n -
tece, aliás, que os particulares m a i s audaciosos
q u e c o l e c c i o n a m este g é n e r o d e o b r a s , e que
p o s s u e m os m e i o s f i n a n c e i r o s p a r a o f a z e r ,
a d a p t a m u m espaço específico, que se asseme-
l h a ao espaço n e u t r o e f u n c i o n a l de u m m u s e u ,
c o m o o d a c o l e c ç ã o S a a t c h i , e m L o n d r e s , tor-
n a d a pública.)
Q u a n t o à abstracção, u m a das suas p r i n c i p a i s •e R i c h a r d Rogers p a r a o C e n t r o G e o r g e s - P o m -
funções é criar, manter, relançar aporias v i s u a i s , -pidou, N o r m a n Foster e m N i m e s , H a n s H o l l e i n
isto é, p o r d e f i n i ç ã o , efeitos que a s s o m b r a m a em Mõnchengladbach na A l e m a n h a , A r a t a
razão. F r a n k S t e l l a p o d e , a s s i m , p e r f e i t a m e n t e I s o z a k i e m L o s A n g e l e s , M á r i o Botta e m S ã o
dar a ilusão de u m plano e i m p o r u m ponto de Francisco, Richard Meier em Barcelona, A l d o
v i s t a único, p o r m e i o de u m a c o n s t r u ç ã o t r i d i - R o s s i e m Maastricht e M e m p h i s e m G r o n i n g u e ,
m e n s i o n a l c o m p l i c a d a , a s s i m c o m o pode, n u m h o s Países B a i x o s . . . N o entanto, e m c a d a caso,
p l a n o real, sobrepor motivos, de que é impossí- h o u v e sempre debates. A arquitectura foi capaz
v e l determinar quais estão à frente e quais atrás. Ijde v a l o r i z a r as obras? O u terá o arquitecto p r i v i -
«Pensar n a p i n t u r a , d i z ele, é talvez como saltar giado a s u a expressão pessoal e m detrimento
ao e i x o e m d u a s d i r e c ç õ e s d i f e r e n t e s . » A arte e u m a v i s i b i l i d a d e c o r r e c t a , de u m p e r c u r s o
que desconstrói as formas, desconstrói também lógico? Se se e s p e r a tanto d a a r q u i t e c t u r a d e
o sentido. De onde o cuidado cada v e z mais m u s e u , não será porque se necessita dela como
s o f i s t i c a d o q u e os c o n s e r v a d o r e s a p l i c a m ao de u m a m e t á f o r a p a r a r e u n i r , conter, a a n t i -
posicionamento das obras p a r a , pelo menos, as forma, o «informe», todas as obras proteiformes
fazer «dialogar» entre s i . D e onde a ambição dos e outras a i n d a que são v i r t u a i s o u conceptuais?
c o m i s s á r i o s , que e l a b o r a m as s u a s e x p o s i ç õ e s Posto isto, o h i s t o r i a d o r T h o m a s C r o w tem
temáticas como se se tratassem de «discursos». igualmente razão, q u a n d o e x p l i c a que o grande
O s historiadores dos tempos v i n d o u r o s con- «cubo branco» que se impôs nos espíritos, senão
t i n u a r ã o , p r o v a v e l m e n t e , a i d e n t i f i c a r a «arte sempre na realidade construída, como o espaço
c o n t e m p o r â n e a » c o m o período do final do de exposição ideal, é, n a verdade, a réplica insti-
s é c u l o X X ; eles terão d i f i c u l d a d e , c o n t u d o , e m t u c i o n a l desse e s p a ç o i n d u s t r i a l que t o m a r a m ,
classificá-la como u m estilo, como o rococó n o f i n a l d o s anos 60, os artistas de v a n g u a r d a
caracteriza a p r i m e i r a metade do século xvill. e as galerias alternativas, o loft, de paredes recti-
E m contrapartida, terão u m pouco m a i s de visão líneas e sem floreios, simplesmente despido.
sobre a arquitectura dos m u s e u s . Neste domínio A s s i m , numerosos apreciadores consideram que
pelo menos, verão que existia a preocupação do u m dos locais melhor adaptados à arte contem-
que p o d i a ser a «boa forma». P a r a m u i t o s destes porânea é u m a antiga fábrica situada e m Schaf-
m u s e u s de arte m o d e r n a e c o n t e m p o r â n e a , fhausen, n a Suíça, onde se p o d e m a d m i r a r g r a n -
a m a i o r p a r t e c o n s t r u í d o s n o s a n o s 60 e 80, des conjuntos de obras de arte povera e de arte
recorreu-se a arquitectos reputados: R e n z o P i a n o «minimalista» da colecção Crex. Muitas obras
foram concebidas deliberadamente, como ina- : J e d o r m i r o u m e s m o até à s u a casa de b a n h o ,
•para aí descobrir as obras expostas no local pelos
daptadas a u m espaço de exposição tradicional.
/^rtistas. A fórmula foi retomada repetidas vezes,
E n ã o é certo que os r e s p o n s á v e i s do M o M A ,
o m e s m o modo, a expressão «in situ», empre-
por e x e m p l o , t e n h a m aceite, desde logo, o que
u e p o r D a n i e l B u r e n p a r a d e s i g n a r as s u a s
a c e i t a v a o fatalista H a r a l d S z e e m a n no seu
' t e r v e n ç õ e s , que s ã o de certa f o r m a i n t e r p r e -
K u n s t h a l l e de B e r n a . M a s d e p o i s , o M o M A
ç õ e s do l o c a l o n d e se i n s e r e m , fez f o r t u n a ,
a r r a n j o u n o v o s e s p a ç o s especialmente a d a p t a -
' a s presentemente, m u i t a s obras in situ, quer
dos p a r a as obras m a i s contemporâneas.
articipem n a reabilitação de u m baldio i n d u s -
P o r v e z e s , este m i m e t i s m o do m u s e u relati-
"'al, quer realcem u m p r o g r a m a urbanístico, são
vamente às obras traduz-se pela saída do m u s e u
' enos o resultado de u m a i n i c i a t i v a do artista,
p a r a fora dos seus próprios m u r o s - é o m o v i -
o que de u m i m p e r a t i v o institucional.
m e n t o c e n t r í f u g o , que n ã o f a z s e n ã o s e g u i r o
" O e m b l e m a d a arte c o n t e m p o r â n e a p o d e r i a
m o v i m e n t o e s b o ç a d o pelos happenings d e r u a , er u m «ali o v e r » , esse q u a d r o e m que toda a
p e l o s earthworks e m p l e n o c a m p o , p e l a s telas uperfície é tratada c o m a m e s m a importância,
d e Support-Surface penduradas nas árvores. 'm que a c o m p o s i ç ã o n ã o é h i e r a r q u i z a d a .
E m 1969, e r a necessária a p e r s o n a l i d a d e i n d e - Z seu modelo é u m a p i n t u r a de Pollock, e m que
p e n d e n t e de S e t h S i e g e l a u b p a r a i n v e n t a r dripping desenhou e m todos os sentidos entre-
u m n o v o ofício, o de organizador de exposições çados de cor.) O b r a s de todos os estilos a r t i -
dispersas n o tempo e no espaço. A s s i m , o catá- l a m - s e c o m o p e ç a s díspares de u m puzzle, e
logo d a exposição March 69 testemunha a acção puzzle, c a d a v e z m a i o r , t e n d e a c o b r i r t o d a
executada e m cada d i a do mês p o r u m dos artis- superfície terrestre. O r a , esta n a t u r e z a i g u a -
tas participantes, e m a l g u m a parte do m u n d o . i z a d o r a e e x p a n s i v a d a arte contemporânea,
M a s u m a v e z t e n d o os m u s e u s a s s i m i l a d o onjuga-se c o m a actualização de u m a m e m ó r i a
este tipo de obras, questionou-se se os elementos ada v e z m a i s densa.
que eles a c o l h i a m n ã o s e r i a m c o m o borboletas
presas às folhas de u m álbum. O r g a n i z a r a m - s e ,
e n t ã o , p a s s e i o s e n t o m o l ó g i c o s . E m 1986, J a n modelo antropológico
H o e t , d i r e c t o r d o m u s e u de a r t e m o d e r n a de
G a n d , c o n v i d o u o p ú b l i c o a v i s i t a r Chambres Não tenho conhecimento de u m a história d a
rte, que vá ao ponto de l e v a r e m conta as obras
d'ami6 (quartos de hóspedes). E r a preciso ir, pela
os pintores de d o m i n g o . C o n t u d o , os h i s t o r i a -
cidade, a casa de particulares, até ao seu quarto
dores t r a b a l h a r a m , nestes últimos tempos, para
considerar com a mesma objectividade. U m a
actualizar o u reavaliar, obras até a q u i menospre-
|; n o v a geração de historiadores e de críticos pre-
zadas. Sobre o f u n d o do eclectismo pós-modemo,
tende n ã o ocultar a arte realista-socialista, como
pesquisas s i n g u l a r e s o u inclassificáveis, estilos
se h a v i a m anteriormente apagado as v a n g u a r -
arcaístas ou académicos, e t c , despontam e
d a s . A o m e s m o t e m p o q u e se r e a p r o p r i a d a
encontram u m a ressonância face à v a r i e d a d e das
memória destas últimas, ela p r o c u r a reexaminar,
obras contemporâneas. O historiador Pierro
igualmente, a arte p r o d u z i d a durante o período
Vaisse, ao e x a m i n a r as relações entre a a d m i n i s -
c o m u n i s t a . O s artistas K o m a r e M e l a m í d , n a s -
tração francesa e os artistas no século x i x , alterou
cidos e m M o s c o v o e v i v e n d o hoje e m N o v a
consideravelmente o esquema estabelecido.
Iorque, deram-se a conhecer com grandes
Ele desmantela, por exemplo, u m dos «mitos
quadros realizados e m colaboração, de u m a per-
fundadores» d a m o d e r n i d a d e . Contrariamente a
feita e x e c u ç ã o a c a d é m i c a , i n t e r p r e t a n d o de
u m a crença b e m enraizada, o famoso legado
f o r m a irónica a imagética estalinista. K o m a r
Caillebotte (que f o r m a , hoje, u m a parte i m p o r -
d e c l a r o u : «As pessoas p e r d e r a m as ideias s i m -
tante da colecção i m p r e s s i o n i s t a do Musée
ples e claras sobre o bem e o m a l e m arte. Talvez
d ' O r s a y ) n u n c a foi, e m momento a l g u m , recusado
o m e s m o efeito se v e r i f i q u e n a política.»
p e l a administração. N ã o há, p o r u m lado, f u n -
N ã o creio, já o disse, que exista u m a história
c i o n á r i o s obtusos que a p e n a s a d m i r e m a p i n -
; dos pintores de domingo. M a s a ficção existe e é
t u r a b a n a l e, p o r o u t r o , a r t i s t a s i n o v a d o r e s
d e v i d a a u m artista. Braço D i m i t r i j e v i c . O con-
em r u p t u r a c o m a sociedade. Acontece h a v e r
ceito de pós-historicidade que ele forjou, p e r m i -
funcionários esclarecidos, artistas inovado-
te-Ihe olhar o passado como u m imenso campo
res c u j a s obras s ã o a d q u i r i d a s p e l o E s t a d o e,
de p o s s i b i l i d a d e s . Só o acaso, relata ele n u m a
também, artistas menos inovadores, m a s cuja
parábola, fez c o m que se tenha retido o n o m e de
obra s e r i a de c o n s i d e r a r a favor, precisamente,
L e o n a r d o de V i n c i , enquanto o de outros pinto-
de u m ponto de v i s t a menos categórico.
res de g r a n d e t a l e n t o p e r m a n e c e u d e s c o n h e -
A coexistência pacífica dos estilos é válida p a r a
cido. E i s porque começou, n o início dos anos 70,
o passado, como p a r a o presente.
a f a z e r p a r a r os t r a n s e u n t e s n a r u a p a r a os
N o leste d a E u r o p a , sente-se, bastante m a i s
fotografar e a a f i x a r o s e u retrato imensamente
do que no ocidente, a repercussão d a desagrega-
ampliado nas fachadas de u m edifício (como teria
ção ideológica. E aí, não são planos violentamente
v i s t o provavelmente fazer, durante a s u a infân-
opostos do p a s s a d o , que é necessário p r o c u r a r
cia e m Sarajevo, c o m retratos de Tito). M a n d o u
i g u a l m e n t e fazer bustos e m m á r m o r e desses ~ onde objectos c u l t u r a i s acedendo ao estatuto
desconhecidos e g r a v a r o s e u n o m e no pedestal. de o b r a de arte, c o r r e s p o n d i a m a obras de
Estes desconhecidos não se f i c a r a m pela efémera v a n g u a r d a assombradas por práticas rituais - e
exposição da s u a i m a g e m p r o m e t i d a por d a exposição Art et Pub ( A r t e e P u b l i c i d a d e ) e m
Warhol. C o m u m pouco de avanço relativamente • 1990, no Centro C e o r g e s - P o m p i d o u - onde car-
aos c o l e c c i o n a d o r e s de P h i l i p p e T h o m a s , eles tazes publicitários c o n v i v i a m c o m a s u a contra-
t o m a r a m u m a o p ç ã o quanto à história. E certo • posição pelas obras de arte -- e o responsável por
q u e a h i s t ó r i a n ã o se p r e t e n d e , a g o r a , m a i s ;Um «gabinete de curiosidades» que, sob os tectos
discriminatória do que u m «microcaminho». (pintados do castelo de O i r o n , e m Deux-Sèvres,
Belting tem, a s s i m , razão quando a f i r m a que reúne obras c o n t e m p o r â n e a s , que p r o c u r a m
os h i s t o r i a d o es se t o r n a r a m u m p o u c o antro- apresentar-se como monstros n a t u r a i s o u como
pólogos, segu i d o nisso o e x e m p l o dos artistas. e n i g m á t i c o s i n s t r u m e n t o s científicos. A p a r t i r
«A arte contei iporânea, d i z ele a i n d a , p r o c u r a da R e n a s c e n ç a , a arte t i n h a p r o g r e s s i v a m e n t e
e l i m i n a r a fronteira entre a arte e a vida.» (Tal- abandonado os gabinetes de c u r i o s i d a d e s , p a r a
v e z se r e c o r d e , a í , d e R a u s c h e n b e r g , q u e se a f i r m a r a sua especificidade simbólica. O retomo
situava «no espaço entre a arte e a vida».) Quanto desse modelo de colecção, p r o v a que essa espe-
m a i s as g e r a ç õ e s se s u c e d e m , m a i s se v e r i f i c a cificidade já não é tão certa.
a c o n s t a t a ç ã o feita p o r G o m b r i c h , de « a u s ê n - Consoante o momento, a eliminação da
c i a de n i c h o e c o l ó g i c o n o r m a l p a r a a a r t e n a «fronteira entre a arte e a vida» segue v i a s
v i d a do nosso tempo». P a r a d o x a l m e n t e , a diferentes. Q u a n d o arte e sociedade estão m a i s
arte do século x x , tão e m p e n h a d a na s u a inde- e m consonância, as idas e v i n d a s fazem-se entre
pendência, a f i r m o u - a estabelecendo relações Art et Pub, entre High and Low ( p a r a r e t o m a r
ambíguas com múltiplas outras disciplinas e o título de u m a exposição que teve lugar, igual-
t o l d a n d o a f r o n t e i r a entre o b r a de arte e arte- m e n t e e m 1990, n o M o M A ) . E m 1960, os pop
facto. f a z e m entrar a publicidade no m u s e u ; e m 1980,
U m a lógica, certamente, liga a saída p a r a fora os grafitistas, como Jean-Michel Basquiat e K e i t h
do quadro tradicional, á transposição das barrei- H a r i n g , p a s s a m d a s p a r e d e s do m e t r o p a r a os
ras sociais e das fronteiras geográficas. U m con- expositores das galerias.
s e r v a d o r de m u s e u , J e a n - H u b e r t M a r t i n , perce- Q u a n d o a arte toma as suas distâncias
beu-a, quando foi simultaneamente o orga- e m relação à s o c i e d a d e m e r c a n t i l , é o i n v e r s o
n i z a d o r d a e x p o s i ç ã o dos Magiciens de la Terre q u e se p r o d u z . E m 1970, q u a n t a s o b r a s n ã o
.1

esapareceram, quando, terminada a exposição,


l i m p o u o m u s e u dos materiais que os artistas
í h a v i a m t r a z i d o e esses materiais s e g u i r a m o
- u destino até à l i x e i r a ! V i n t e e cinco anos m a i s
rde, essa a u t o d e s v a l o r i z a ç ã o d a arte p e r d u r a
b a f o r m a de u m a auto-irrisão e afecta até a
ersonalidade do artista. A tendência é suficien-
mente nítida p a r a ser teorizada e m e s m o p a r a
a u t o r i z a r de u m a genealogia, q u e J e a n - Y v e s
ouannais faz remontar, por exemplo, até
os incoerentes, esses artistas q u e , n o f i n a l do
éculo XIX, o r g a n i z a v a m e x p o s i ç õ e s p a r a aí
p r e s e n t a r e m o b r a s que e r a m f a r s a s o u p a r ó -
ias. O crítico r e i v i n d i c a , p a r a os artistas que ele
efende, o direito de apregoar u m a espécie
e « i d i o t i a » s u b v e r s i v a . C o m o a de M a u r i z i o
attelan, que «faz de artista», d i v u l g a n d o u m a
tografia dele próprio, onde o v e m o s , c o m olhar
ivertido, rebolar-se pelo chão deitando u m a
orme língua de fora...

m conclusão

Braço D i m i t r i j e v i c , U m a d a s p r i n c i p a i s preocupações d a moder-


O passante que encontrei às 15:59, Paris, 1989 i d a d e resume-se n a questão: a arte está no
O rosío de um desconhecido é exposto na fachada do Centro 'ecto que encarna a ideia o u n a própria ideia?
Georges-Pompidou, ao mesmo título do de um artista célebre c u c o s a r t i s t a s t e r ã o e s c a p a d o à t e n t a ç ã o do
expondo no museu. onoclasmo. Certamente n ã o os dadaístas, n e m
© Archives Braço Dímitrijevic-
Colecção Éric Fabre, Paris
conceptuais. O s próprios pintores terão acor-
ado em demonstrar-nos a vulnerabilidade.
o u m e s m o a v u l g a r i d a d e , d a tela e do suporte. «mundo d a arte». Se «a obra de arte como inters-
E q u a l q u e r que seja a r e l a ç ã o q u e esses n ã o - tício social» se generalizasse, é de i m a g i n a r que
-objectos, o u esses objectos d e s c o n s t r u í d o s , esses teóricos s e r i a m r a p i d a m e n t e u l t r a p a s s a -
ou menosprezados, estabeleçam com o campo dos. E eu, na m i n h a modesta tentativa de definir
social, constata-se u m a s i m i l i t u d e de resultados. íi a r t e c o n t e m p o r â n e a , s e r i a r e m e t i d a p a r a o
Se, por m u i t o banal que seja a s u a matéria ou n ponto de p a r t i d a . A s s i m , deixemos este território
s u a imagética, o comércio deles se apossa, eles decididamente d e m a s i a d o extenso. P r o c u r e m o s
a r r i s c a m - s e , então, a s e r e m realmente rebaixados ganhar altura...
ao estatuto de objectos m e r c a n t i s , a n ã o serem
m a i s do que o pretexto de u m a circulação econó-
mica. Se, e m contrapartida, eles c o n s e r v a m o sen
estrito estatuto funcional, talvez c o m o objectivo,
j u s t a m e n t e , de se e s q u i v a r ao m e r c a d o , e n t ã o
eles a p a g a m - s e , t o r n a m - s e , c o m o todo o i n s -
t r u m e n t o , t r a n s p a r e n t e s . T a m b é m neste c a s o ,
eles d ã o l u g a r aos i n t e r c â m b i o s que s u s c i t a m .
C a t t e l a n f a z p a r t i c i p a r c r i a n ç a s , c o m os s e u s
livros de escola, n u m a feira do l i v r o , ou organiza,
e m t o m o de u m futebol de m e s a , u m jogo entre
u m a e q u i p a de futebolistas e u m a equipa, r e u -
n i d a por ele, de imigrantes senegaleses, que con-
segue fazer apoiar por u m a conhecida empresa
de transportes. N i c o l a s B o u r r i a u d , que organi-
z o u a exposição Traffic ( e m 1996, no C a p e , e na
q u a l p a r t i c i p a v a C a t e l l a n ) , d e f e n d e a i d e i a de
u m a « e s t é t i c a r e l a c i o n a l » e d a « o b r a de a r t e
como interstício social».
À falta de critérios m a i s operantes, teóricos
americanos utilizaram a noção de «mundo da
arte». U m a obra de arte é o que é aceite como tal
no seio de u m g r u p o s o c i a l , q u e c o n s t i t u i o
Enquanto a arte moderna havia provocado rupturas,
a arte contemporânea empcnha-se, pelo contrário,
em reatar a ligação entre a arte e o público.
A corrida pelo progresso das vanguardas terminou e,
num tempo suspenso, cada obra aplica
a sua própria perspectiva e cada espectador torna-se
num ponto de referência. De onde um campo artístico
que se alarga cada vez mais, mas que se vê,
também, cada vez mais atomizado.

A realização
do projecto moderno

À força de querer aderir ao real,


a arte contemporânea perde-se,
por vezes, nele ou nele se apaga.
Isso acontece, quando pretende realizar literalmente
os programas da modernidade, isto é,
os discursos que acompanham as obras
e menospreza a realidade, muitas vezes contraditória,
dessas próprias obras.
G OSTARÍAMOS, p a r a n ã o nos p e r d e r m o s m a i s
no c a m p o d a criação c o n t e m p o r â n e a , de
elevar u m pouco o debate. Fartos desses proble-
mas « m e s q u i n h a m e n t e materiais» c o m que se
c o n f r o n t a m os c o n s e r v a d o r e s de m u s e u e de
l a m e n t a r q u e u m a s o c i e d a d e m e r c a n t i l trate
as o b r a s de a r t e c o m o v u l g a r e s m e r c a d o r i a s ,
esgotados pelo recenseamento das obras que
reflectem a banalidade d a nossa v i d a quotidiana
o u que a p e r c o r r e m , gostaríamos de m u d a r de
ares. Alcançar regiões m a i s etéreas, aquelas,
M á r i o Merz aliás, a que c o n d u z i a a arte nos tempos antigos,
Isola delia Fnitta, 1987 as dos valores transcendentais, do sublime.
(página anterior)
Pois b e m , temos de nos resignar. A arte do
século XX raramente oferece a oportunidade p a r a
Instalação em Hallen fúr neue Kunst, Schaffhausen, Suiça
(colecção Crex). imeditar e m tais noções. A n i m a d a pela v o n t a d e
de transcrever o m u n d o tal como ele é e os seus
© Bruno e Eric Biihrer, Schaffhausen
ihabitantes tal c o m o eles são, i n c l u i n d o nos
seus instintos m a i s profundos, a arte deste século
fez, p o r v e z e s , m a i s do que s e c u l a r i z a r - s e , eln
Matérias
tendeu a dissolver a sua especificidade para
melhor se u n i r ao m u n d o . Mesmo quando perse-
g u i u u m i d e a l , n ã o d e i x o u n u n c a de p r o c u r a r
fazê-lo; v i m o s que essa é, e m parte, a missão do
que d e s i g n a m o s como arte c o n t e m p o r â n e a .
E s t a n ã o se l i m i t o u a f o r m u l a r m o d e l o s , i m p u -
nha-se-lhe i n s c r e v e r esses m o d e l o s n a v i d a
quotidiana.
O benefício desta e m p r e s a foi o de fazer
surgir, de f o r m a n a t u r a l , v e r d a d e s . A v e r d a d e
d a própria arte. A s obras não nos dão apenas
a admirar o seu tema, mas também, explici-
tamente, os s e u s m é t o d o s e as s u a s m a t é r i a s .
E l a s f a z e m , i g u a l m e n t e , r e m o n t a r à superfície
da nossa consciência muitas v e r d a d e s escon-
didas o u recalcadas, as do corpo, p o r exemplo,
B ARNETT N e w m a n , u m dos maiores pintores
deste s é c u l o , f o i u m d o s ú l t i m o s a p r e o -
cupar-se com a n o ç ã o de s u b l i m e . Além de que
da sexualidade, do inconsciente. a sua concepção do sublime é extremamente
M a s a t r a v é s d o s e x e m p l o s que se s e g u e m , pessoal. E l e p u b l i c o u e m 1948 u m texto i n t i t u -
v a i compreender-se o que p o d e m ser, contudo, lado The Sublime is Now («O s u b l i m e é agora»).
os l i m i t e s dessa honestidade rigorosa, q u a n d o , D e s d e logo, ele e m p r e g a v a esse t e m p o do
de facto, a regra lhes é a p l i c a d a de f o r m a lite- presente que d e p o i s se t o r n o u no nosso ú n i c o
ral ou sistemática. Estes limites são, precisa- horizonte, ele instituía esse «agora», dentro do
mente, aqueles, racionais, morais e políticos, q u a l andamos, hoje, e m círculos. N e w m a n sabia
que i m p õ e m a realidade. P a r a p r e s e r v a r perfeitamente que v i v i a n u m «tempo s e m legen-
a liberdade a d q u i r i d a na idade moderna, a d a s n e m m i t o s » ; a s u a c o n c e p ç ã o do s u b l i m e
arte c o n t e m p o r â n e a tem, a s s i m , n o v a m e n t e já não podia ser religiosa, n e m mesmo associada
de m a r c a r u m a distância e m relação ao m u n d o : a u m i d e a l do b e l o . M a s n ã o e r a n o s t á l g i c o ,
não, evidentemente, afastando-se dele, mas a f i r m a n d o que o s u b l i m e não estava n e m enter-
t a m b é m n ã o se c o n f u n d i n d o , a s s u m i n d o rado n u m passado mítico, n e m inscrito n u m
p l e n a m e n t e a s u a função de perspectivação destino a cumprir, ele estava lá, e m nós, de certa
simbólica. f o r m a «contemporâneo».
o que p i n t o u N e w m a n ? Q u a d r o s i m e n s o s ,
onde se estendem campos de cor l i s a , intensa e
s e m p r o f u n d i d a d e , campos esses separados ou
cortados por u m a linha vertical, o zip, frequente-
mente u m a simples faixa de tela deixada virgem.
O espaço desses quadros envolve-nos e, no entanto,
p e r m a n e c e h e r m é t i c o ; ele e s t e n d e - s e e n t r e a
a b e r t u r a v e r t i c a l do zip e a e x t e n s ã o , n a m a i o r
parte dos casos horizontal, do formato. E l e atribui-
-nos, a nós espectadores, u m lugar, a q u i e agora.
U m quadro de 1965 intitula-se Now (Agora), u m
conjunto de esculturas do mesmo ano, Here (Aqui).
S e m q u a l q u e r dúvida, a arte remete-nos,
agora, para a nossa condição na terra. C o m
a ambição de u m renascimento o u de u m a supe- Joseph K o s u t h , One and three tables, 1965

ração de s i m e s m o , no caso de u m artista com O ready-made havia confundido a arte e o real. Justapondo o
a exigência m o r a l - no sentido lato do termo - objecto à sua imagem e à sua definição, Kosuth restitui-lhe a sua
dimensão simbólica. O mais material dos objectos é também objecto
de B a r n e t t N e w m a n {The Beginning, 1946, Vir
de linguagem.
Heroicus Sublimis, 1950-1951 são outros dos seus
Mesa e papel fotográfico.
títulos). C u i a n d o os nossos passos, no caso de ©D.R.
muitos outros. E m 1970, pouco tempo antes da
sua m o r t e , N e w m a n p i n t o u u m q u a d r o i n t i t u -
lado Be, quer dizer «Sê». A este imperativo parece
responder o presente reiterado de O n K a w a r a . m busca de realidade
Q u a l q u e r que seja a p e r g u n t a d i r i g i d a a este
último, a s u a resposta é i m p e r t u r b a v e l m e n t e u m A c o n s o l i d a ç ã o c o m e ç o u d e s d e o início do
telegrama contendo as seguintes p a l a v r a s : «l AM éculo. V l a d i m i r Tatline, u m dos p r i n c i p a i s
STILL ALIVE.» ( « A i n d a estou vivo.»). U m d i a , epresentantes da v a n g u a r d a russa, autor de
e v i d e n t e m e n t e , o t e l e g r a m a n ã o será e n v i a d o . elevos confeccionados com metal, madeira,
Desde a noite dos tempos, a arte é o meio que o o u r o , c o r d e l . . . , n ã o se c a n s o u d e m a r t e l a r ,
h o m e m c r i o u p a r a transcender a s u a c o n d i ç ã o u e era preciso respeitar a verdade do material,
de m o r t a l . O n K a w a r a , quanto a ele, f a z dessa l e d e n u n c i a v a os a r t i s t a s d o p a s s a d o , c u j a s
própria condição o quadro d a s u a obra. agens d i s s i m u l a v a m a r e a l i d a d e m a t e r i a l do
s e u suporte. Q u a n t o a ele, c r i o u p a r a os São enão o e x i b i r d a p l a n u r a d a tela e d a f o r m a
Tomás que s ã o os h o m e n s m o d e r n o s , os q u a i s o suporte. Frank Stella declarava: «Procuro
desconfiam dos seus olhos que p o d e m ser enga- o n s e r v a r a p i n t u r a , t a l c o m o ela se a p r e s e n t a
nados por u m a ilusão e querem «controlar pelo o estojo.» M a i s tarde, ele trai essa intenção, m a s
tacto». A c a b a v a a representação e a idealização, o história d a arte realizou-a...
real i r r o m p i a n a arte. K a z i m i r M a l e v i t c h , embar-
E s t a l i n h a g e m de artistas pôs e m evidência
cado na m e s m a a v e n t u r a que Tatline, definia a
s q u a l i d a d e s dos m a t e r i a i s , adaptando-os,
sua própria estética abstracta, o supremacismo*,
o m e s m o tempo, a f o r m a s a m a i o r parte d a s
como u m «novo realismo pictural» e troçava de
e z e s a c a b a d a s . U m a o u t r a , d e i x o u a g i r os
M i g u e l A n g e l o que, para o seu D a v i d , h a v i a
materiais. A sua consistência, o seu peso, as
«mutilado u m pedaço d e p e d r a magnífica»...
suas reacções químicas, d e t e r m i n a m a forma
U m m e i o s é c u l o m a i s tarde, e m 1968, t e v e d a s o b r a s , tanto q u a n t o as d e c i s õ e s t o m a d a s
l u g a r u m a exposição que r e u n i a artistas a m e r i - pelo artista. O s feltros recortados de Robert
canos, para q u e m Tatline e M a l e v i t c h p o d i a m ser M o r r i s caem e m v o l u t a s sobre o solo, as e x p a n -
referências: L'Art dii réel ( A Arte do real). O grande sões de César e x p l o r a m o prodigioso poder de
Dado e m aço negro de T o n y S m i t h , os paralelepí- dilatação do poliuretano.
pedos e m ferro g a l v a n i z a d o de D o n a l d J u d d , a
Podemos, s e m m a l d a d e , sorrir c o m as d i f i c u l -
escultura ao nível d o chão, lajedo de alumínio, de
dades encontradas pelos artistas e pelos conser-
C a r l A n d r e , todas essas obras típicas d a minimal
v a d o r e s , tendo e m v i s t a o c o m p o r t a m e n t o p o r
art que aí se v i a m , t i n h a m tanta realidade, d i z i a o
v e z e s imprevisto o u incontrolável dos materiais,
autor d o prefácio E . C . G o o s e n , c o m o u m «ele-
naturais o u de síntese, que i n v a d i r a m os ateliers
mento da natureza, u m rochedo, u m a árvore...».
e os m u s e u s . Não será isso u m paradoxo, n u m a
O crítico m a i s influente do pós-guerra, época que i n v e n t o u a arte «conceptual» e as rea-
C l e m e n t C r e e n b e r g , teve a i n f e l i c i d a d e de l i d a d e s «virtuais»? A m e n o s que, p r o c u r a n d o
escrever u m d i a esta frase: «Parece ser u m a lei u m a explicação no d o m í n i o d a psicanálise, n ã o
do m o d e r n i s m o [...], que as convenções não se considere tratar-se de u m inevitável «retomo
essenciais à v i a b i l i d a d e de u m meio de expressão do recalcado». C o m efeito, o i c o n o c l a s m o q u e
sejam rejeitadas, logo que reconhecidas.» C r e e n - atravessa o século, é sem dúvida responsável
b e r g m e r e c i a m a i s d o que ser r e d u z i d o a esta por u m a grande parte deste estado de coisas.
declaração, m a s , depois dele, não se falou m a i s A p a g a n d o a i m a g e m , faz-se aflorar a t r a m a d a
senão de «reducionismo modernista». O destino tela e depreciando - intelectualmente - o objecto de
d a p i n t u r a , desembaraçada d a obrigação n a r r a - arte, d e i x a - s e e x p a n d i r a m a t é r i a f e r v i l h a n t e ,
t i v a , e r a o d e n ã o ter m a i s c o m o f i n a l i d a d e . de que ele é u m a tentativa de domínio.
o criador, d i z i a ele, e G i n a P a n e abria a s u a pele
ò m u m a l â m i n a d e barbear, p a r a se abrir aos
itros.
C o m O r l a n , as intervenções sobre o corpo j á
o são p o n t u a i s , m a s sistemáticas, v e r d a d e i r a s
itervenções de c i r u r g i a estética. N u m e r o s a s
perações-performances foram necessárias
ara conformar o rosto d a artista c o m dife-
cntes modelos d a história d a arte, dar-lhe o
u e i x o d a V é n u s d e B o t i c e l l i o u a testa d a
' o n a L i s a . E s t e r o s t o patchzvork é o e x a c t o
v e r s o de u m d o s g r a n d e s m i t o s d a arte, o d o
intor Z e u x i s , que realizou u m a Vénus inspi-
Matthew Bamey,
ando-se n o s traços m a i s belos d e cinco j o v e n s .
i m a g e m extraída do f i l m e Crentaster4,1994 r e a l j á n ã o fornece m o d e l o s à representação,
Personagens híbridas, uma obra proteiforme. â o as representações, a s obras d o i m a g i n á r i o ,
© Matthew Bamey/Fondation Cartier pour Tart contemporain. u e se i m p r i m e m n o r e a l . A diferença é s i g n i -
Paris/Artaiigel, Londres/Barbara Gladslone, Nova Iorque, 1995. cativa. E l a pode, pura e simplesmente, levar-
© M.-J. 0'Brien.
n o s a questionar se a arte é a i n d a u m a a c t i v i -
ade simbólica!
N o s anos 90, como o d e m o n s t r o u a exposição
O corpo vivo ost Human (1992-1993), a t e n d ê n c i a é p a r a a s
róteses, a adição de silicone e a hibridação,
Diante d a tela a pintar, h á t a m b é m o pintor, [ a t t h e w B a r n e y r e a l i z a performances, f i l m e s ,
e n o caos d o m u n d o , h á a l a m a d e que é feita a ítalações, q u e descrevem u m u n i v e r s o bastante
carne. Subindo n a cadeia das causalidades, oerente, onde as fadas t ê m l a r g u r a s de ombros
a arte «realista» e m v o g a n o século x x f a z s u r g i r e body-builders, o n d e o s matards fazem corpo
o corpo v i v o . A evolução, neste domínio, faz-se o m o s e u bólide e onde o personagem que ele
n o sentido d e u m a reedificação c a d a v e z m a i o r terpreta t e m embriões de cornos no crânio,
d e s s e c o r p o . O s p i o n e i r o s d a body art e r a m ergulha n a s entranhas d a terra, d e s l i z a aí sobre
a n i m a d o s p o r u m a v o n t a d e d e superação d e s i a espuma branca e assegura, assim, a tran-
mesmo. Vito Acconci afrontava fisicamente os ição entre o h o m e m e o a n i m a l , a natureza
visitantes d a s u a exposição, p a r a sair d a solidão as matérias a r t i f i c i a i s . P a r a Jeffrey D e i t c h ,
o r g a n i z a d o r d e Post Human, e s t a n o v a a r t e
Contingências
«descreve o m u n d o " r e a l " » , m a s essa «"reali-
d a d e " tornou-se largamente artificial». E i s u m a c h a v e que e x p l i c a o estado d a arte
O c o m e n t á r i o é u m tanto b a n a l , m a s ao c o n t e m p o r â n e a e os d e b a t e s q u e e l a s u s c i t a .
ajudar-nos a comparar a obra de M a t t h e w A m o d e r n i d a d e a t r i b u i u - s e a missão s a l v a d o r a
B a r n e y c o m a de artistas d a arte corporal c o m o de t r a n s f o r m a r o m u n d o , o u , pelo menos, q u i s
O r l a n , ele permite-nos a v a l i a r a m a i o r o u m e n o r respeitar u m a ética, a de revelar a realidade das
d i s t â n c i a d a s o b r a s r e l a t i v a m e n t e ao r e a l . obras. O resultado é u m a decadência, desde as
Barney tem u m a experiência simultaneamente m a i s altas esferas d a idealização até às c o n t i n -
de atleta e de m a n e q u i m , que, s e m s o m b r a de gências do m u n d o real. O r l a n tem o mérito, ao
dúvida, a l i m e n t a a s u a prática artística e é o a s s u m i r essa queda de forma quase messiânica,
seu próprio corpo, juntamente com outros isto é, na s u a própria pele, de nos fazer ganhar
c o r p o s , que ele põe e m c e n a . M a s , p r e c i s a - violentamente consciência disso.
mente, trata-se de u m a encenação, de u m jogo.
O l h a n d o m a i s de perto, f i c a r i a m excluídos os
T e r m i n a d a a rodagem do filme, o artista d e s m a -
exemplos de artistas que, animados das boas
quilha-se e as próteses de plástico são abando-
i n t e n ç õ e s a t r á s m e n c i o n a d a s , se v i r a m , n u m
n a d a s , t a l c o m o o s a c e s s ó r i o s , o que d e m o n s -
m o m e n t o o u n o u t r o , presos n a s m a l h a s a p e r -
t r a m , a l i á s , p e r f e i t a m e n t e , as i n s t a l a ç õ e s e m
tadas de u m real muito pouco exaltante. Querendo
que ele os apresenta. Pode, igualmente, questio-
fazer m a i s do que colocar sob os nossos o l h o s
n a r - s e se essa r e a l i d a d e a r t i f i c i a l que ele d e s -
o suporte m a t e r i a l d a tela, B u r e n a t r a i u a
creve, n ã o o p r i v a r á de q u e r e r que as s u a s
nossa atenção p a r a o suporte ideológico que é
produções se l i g u e m a u m a realidade p r i m e i r a .
o m u s e u . A s s u a s p r i m e i r a s intervenções e r a m
O real que ele apreende está, a s s i m , já m o l d a d o ,
críticas. Q u a n d o , e m 1971, estendeu, no vão
o que o dispensa talvez de o m o l d a r ele próprio.
central do m u s e u G u g g e n h e i m de N o v a Iorque,
A s u a a c ç ã o é e s p e c u l a r , ele s o b r e p õ e as s u a s
u m a i m e n s a tela (que foi, aliás, c e n s u r a d a ) , ele
i m a g e n s a u m m u n d o já feito d e s i m u l a c r o s ,
d e n u n c i a v a a pretensão d a arquitectura de F r a n k
por d e t r á s dos q u a i s ele não tem a c e r t e z a
L l o y d Wright e o seu fracasso em v a l o r i z a r
de que haja a l g u m a coisa. E n q u a n t o que O r l a n
as obras. M a s , como o observou T h o m a s C r o w ,
destrói o que ela tem, igualmente, de considerar
s m u s e u s rapidamente se m o s t r a r a m «mais do
c o m o u m a a p a r ê n c i a , a do s e u rosto antes d a
ue felizes por serem objecto de comentários e,
operação, p a r a a t i n g i r u m rosto-matéria p r i m a
s s i m , g a n h a r importância e prestígio». M u i t o s
sobre o q u a l agir e a o q u a l a t r i b u i r u m a n o v a
ncorajaram i n i c i a t i v a s como a de B u r e n e este
aparência.
p n c a c o n t r i b u i u tanto p a r a patentear as
s u a s paredes, quanto estas lhe f o r a m v e d a d a s . doença). Conzales-Torres p ô d e regozijar-se com
A tal ponto que, a propósito dos Deux Plateaux, o n o v o comportamento, que suscitara por parte
colunata realizada no quadro da encomenda dos guias do m u s e u , que se d i r i g i a m às pessoas
pública p a r a o pátio do P a l a i s - R o y a l e m P a r i s , p a r a as encorajarem a tirar u m b o m b o m e
sob as j a n e l a s do m i n i s t é r i o d a C u l t u r a , o explicar-Ihes o significado dessa montanha
próprio artista declara, que o «meio envolvente de g u l o s e i m a s . U m a m ã e e os seus d o i s f i l h o s
constitui u m " é c r ã " para a obra». U m a prisão f i c a r a m particularmente c o m o v i d o s . N o entanto,
dourada? n ã o podemos i m p e d i r - n o s de p e n s a r que,
O u t r o s , c o m o A c c o n c i que tanto q u e r i a s a i r a t r a v é s de t a i s o b r a s a c o m u n i d a d e s o c i a l se
d a torre d e m a r f i m do a r t i s t a , s e g u i r a m u m a conforta nos seus bons sentimentos, s e m g r a n -
evolução que c o n d u z d a perturbação d a o r d e m des penas. E v a l e m a i s , c o m efeito, que as coisas
social à organização do espaço social. U m pouco se p a s s e m realmente a s s i m ( a f i n a l , p o r q u e n ã o
d e s i l u d i d o , A c c o n c i r e c o n h e c e u q u e os s e u s , i m a g i n a r que u m perverso se s i r v a de bombons
projectos de arte p ú b l i c a , que a p r e s e n t a m u m p a r a seduzir as crianças?). Q u a n d o a arte inter-
carácter nitidamente crítico, não são selecciona- v é m n o real, m a i s d o q u e n a ficção, e l a c o r r e
d o s p e l o s m a n d a t á r i o s . Q u a n t o aos projectos o r i s c o de d e s e n c a d e a r u m p r o c e s s o , q u e n ã o
r e a l i z a d o s , q u a n d o conseguem tocar o público, poderá controlar.
n a m e l h o r d a s h i p ó t e s e s s u s c i t a m neste u m a A o que a c r e s c e n t o o s e g u i n t e c o m e n t á r i o :
reacção de gozo. S e r i a b o m que todos aqueles imaginemos que V l a d i m i r Nabokov, e m lugar de
que defendem a ideia de u m a obra aberta, inaca- ser o g r a n d e r o m a n c i s t a q u e se conhece, teria
bada o u a reconstituir a partir de a l g u n s traços, s i d o u m artista instalador, a p e l a n d o , t a l c o m o
d e s s e m p r o v a s d a m e s m a l u c i d e z que A c c o n c i . C o n z a l e s - T o r r e s , à participação do s e u público.
O m a i s m o t i v a d o dos apreciadores n ã o consa- T e r i a ele, c o m a m e s m a l i b e r d a d e de que
grará n u n c a tanto Jempo n e m trabalho à sua par- d i s p u n h a enquanto autor de ficções, p r o d u z i d o
ticipação n u m a obra, do que u m artista a tempo essa obra de arte que é Lolita?
inteiro dedica à s u a obra. Se b e m que os efeitos
sejam, frequentemente, breves ou confessos.
F e l i x Conzales-Torres recorreu p o r repetidas Narcisismo
v e z e s a u m dispositivo u t i l i z a n d o várias dezenas
de quilos de bombons, de que os visitantes e r a m O mínimo que se pode dizer, é que o desejo
c o n v i d a d o s a servir-se. Untitled (Placebo) era u m a dos p r i m e i r o s v a n g u a r d i s t a s de fazer descer as
obra destinada a despertar a consciência para o o b r a s de arte do s e u p e d e s t a l , foi p l e n a m e n t e
d r a m a d a s i d a (a a r t i s t a s o f r i a e l a p r ó p r i a d a " t e n d i d o . Deveremos, a s s i m mesmo, lamentar o
mercantilismo? Q u e r encoraje a especulação o u , pinturas f o r a m executadas e m público. T o m a n d o
m a i s i n s i d i o s a m e n t e , i m p o n h a e m t o d o s os o m o d e l o o l u g a r do p i n c e l , e r a m os elegantes
m u s e u s do m u n d o u m a loja de «produtos deri- espectadores «em representação», que v i n h a m ,
vados», rebaixando a obra de arte ao estatuto de então, «posar» diante do quadro, como o
mercadoria, ele ratifica a dessacralização d a arte. t e s t e m u n h a m as fotografias que o artista t i n h a
Q u a n t o m a i s os objectos de arte se c o n f u n d e m o cuidado de m a n d a r tirar...
c o m objectos v u l g a r e s e se e n v o l v e m n a v i d a ,
m a i s parece que não são senão o pretexto de u m
comércio, n a s d u a s acepções d a p a l a v r a . Q u a n t o
m e n o s a o b r a de a r t e r e m e t e p a r a q u a l q u e r
verdade superior, aspiração ou realidade f u t u r a ,
m a i s ela parece ter como única função, a de ser
u m cimento social (tanto mais necessário,
p o r q u a n t o já n ã o há o u t r o ) . D e c e r t a f o r m a ,
quanto menos ela i n d i c a u m sentido que poderia
ter a n o s s a v i d a , m a i s nos a g l u t i n a m o s e m
seu redor p a r a colmatar, pela nossa presença,
e s s a f a l t a . O objecto p r e s t a - s e m e n o s ao f e t i -
chismo, m a s o meio d a arte susbtitui-o pelo seu
narcisismo.
D e s d e o f i n a l dos anos 50, que este cenário
tinha sido genialmente previsto. Yves K l e i n
i m a g i n o u obras, as «Zonas de s e n s i b i l i d a d e
pictural imaterial», cujos únicos traços tangíveis
se e n c o n t r a v a m n o r i t u a l d a s u a c e s s ã o , n a s
etapas minuciosamente reguladas entre o artista
e o coleccionador. P a r a outras obras, as «Antro-
pometrias», ele pôs, antes de se falar da body art,
e m cena o ser v i v o . O s seus modelos, jovens
m u l h e r e s , c o b r i a m o s e u corpo n u de cor e
a p l i c a v a m - n o sobre a tela, d e i x a n d o nela a s u a
marca. N o sentido próprio, o real v i n h a abater-
-se sobre o q u a d r o . U m certo n ú m e r o d e s t a s
Magia

A o mesmo tempo que orquestra o encontro da


- Z A . epiderme h u m a n a com o grão d a tela, que
m a n i p u l a os elementos naturais, o ar, a água, o
fogo («Arquitectura do ar», «Pinturas de fogo»,
e t c ) , K l e i n v a g u e i a pela filosofia dos R o s a - C r u z
e faz-se a r m a r cavaleiro d a o r d e m de São Sebas-
tião. E i s u m outro grande p a r a d o x o d a m o d e r n i -
dade. O s e u «realismo» assenta, frequentemente,
e m i d e i a s i m b u í d a s de r e l i g i o s i d a d e . O s e u
«materialismo» tem mais a ver c o m o do feiticeiro,
do que c o m o do científico ateu. Pressentindo o
que u m a conformidade c o m o m u n d o p o d i a ter
de esclorosante, u m grande n ú m e r o de artistas
p r o c u r a r a m as realidades escondidas. A começar
por D u c h a m p que, ao explicar o seu Grand Verre,
cujo título exacto é La Mariée mise à nu par les
célihataires, même, l i m i t a - s e a i n v o c a r « c o i s a s
técnicas»; «o v i d r o pela s u a t r a n s p a r ê n c i a » .
109
«a cor que se m a n t é m p u r a » , «a p e r s p e c t i v a A A r t G a l l e r y de T o r o n t o e o M u s é e d ' A r t
a b s o l u t a m e n t e c i e n t í f i c a » . . . M a s os e x e g e t a s C o n t e m p o r a i n de M o n t r e a l a p r e s e n t a r a m e m
revelaram-nos, que ele h a v i a sofrido, também, a 1969 u m a exposição, que reunia obras recorrendo
influência de u m a obra do j o r n a l i s t a e escritor a dispositivos técnicos bastante elaborados.
Gaston de P a w l o w s k i , Voyagc au pays de la qua- E i a tinha por título Nouvelle Alchimie. Élements.
trième dimension, n a r r a t i v a , construída segundo Systèmes. Forces ( N o v a A l q u i m i a . E l e m e n t o s .
Sistemas. Forças). U m a grande parte d a corrente,
u m m o d e l o alquímico, de u m a b u s c a d a i d a d e
que, ao longo de todo o s é c u l o , associa arte e
do ouro.
tecnologia, dedica-se a e x t r a v i a r a a b o r d a g e m
O m e s m o D u c h a m p d e n u n c i a v a o facto
científica e a p e r v e r t e r as m á q u i n a s . T a k i s , u m
d a p i n t u r a m o d e r n a já n ã o se d i r i g i r s e n ã o à
dos p a r t i c i p a n t e s de Nouvelle Alchimie, de que
«retina» e l a m e n t a v a u m pouco a p a r t i d a do
a l g u m a s esculturas são denominadas Totem, dota
tempo e m que «ela p o d i a ser religiosa, filosófica,
u m a série das suas obras de poderosos i m a n e s .
moral». Por antipositivismo, alguns artistas
E l e explora o mistério que continua a ser a força
i n s p i r a r a m - s e e m pensamentos para-religiosos.
oculta do magnetismo. N a s c i d o na Grécia,
A desafeição pelas grandes religiões que d o m i -
compraz-se e m relembrar a origem pagã d a s u a
n a r a m a nossa civilização, fê-los v o l t a r a m - s e
cultura.
p a r a as m a r g e n s h e r é t i c a s d e s t a s ú l t i m a s o u
conduziu-os a reanimar crenças arcaicas. Pertencendo a u m a geração m a i s j o v e m , B i l l
Viola está imbuído de literatura mística. N u m a
das suas instalações, He Weeps for You, o espec-
Nova Alquimia tador vê-se reflectido n u m a gota de á g u a ,
cuja i m a g e m projectada n a p a r e d e é d e s m e s u -
N a atmosfera característica do final dos anos 60, radamente a m p l i a d a . P a r a V i o l a , «esse trabalho
Germano Celant teoriza a arte povera, combinando faz alusão à filosofia t r a d i c i o n a l d a c o r r e s p o n -
a l e g r e m e n t e u m p r o g r a m a de s u p r e s s ã o d a s dência simbólica do cá e m b a i x o (a terra) e do
inibições, inspirado em pensamentos como o d i v i n o (os céus) e r e e n c o n t r a m o s essas i d e i a s
de W i l h e l m R e i c h , e u m n e o p a n t e í s m o : «Ao nas teorias da física contemporânea...»
esqueleto abstracto d a p i n t u r a e d a e s c u l t u r a , U m artista foi m a i s longe que todos os outros
M e r z , Pistoletto, P a s c a l i , K o u n e l l i s e C a l z o l a r i nesta o r d e m de especulações e o fascmio que ele
opõem u m a fusão indiferenciada e múltipla dos exerce - fez-se dele u m xamã - é proporcional a
corpos, que procede [...] por " a t r a c ç ã o " dos mate- esse e m p e n h a m e n t o , trata-se de J o s e p h B e u y s .
riais e das atitudes.» C a d a u m destes artistas O s objectos que ele u t i l i z o u , os a n i m a i s (lebre
é u m «alquimista que p r o d u z efeitos mágicos». m o r t a , coiote b e m v i v o . . . ) , os m a t e r i a i s (feltro.
g o r d u r a . . . ) , s ã o s í m b o l o s , q u e se c o m b i n a m contrário, o que subsiste no h o m e m de arcaís-
como elementos linguísticos. Toda a filosofia do mos irredutíveis, arcaísmos que precisamente as
artista se r e s u m e n u m a circulação de energias. disciplinas de progresso não conseguiram r e d u -
Ele aplica, por exemplo, a extremidade ensan- zir. D e p o i s , a arte c o n t e m p o r â n e a é u m c a m p o
guentada de u m pedaço de morcela, «símbolo de de l i b e r d a d e v i g i a d a , o n d e esses a r c a í s m o s se
e n e r g i a » , s o b r e u m ecrã de t e l e v i s ã o c o b e r t o e x p r i m e m e onde, porque a abolição d a fronteira
de feltro, sendo o feltro considerado como filtro entre a arte e a v i d a a i n d a n ã o é total, eles se
da informação. M o r a l da demonstração: pode e x p r i m e m s e m g r a n d e r i s c o de p a s s a g e m
i n v e r t e r - s e a relação de s u b o r d i n a ç ã o m a n t i d a ao acto. A questão é: serão as obras a s s i m pro-
e m r e l a ç ã o aos m é d i a , i n s u f l a n d o - l h e s a s u a d u z i d a s m a i s do que s i m p l e s sintomas?
própria energia...

Obras sintomáticas
A m i n h a o p i n i ã o é que e x i s t e m m a n e i r a s
m a i s eficazes de lutar contra a intoxicação televi-
s i v a (e f o r m a s m a i s a g r a d á v e i s de c o n s u m i r
morcela). M a s devo admitir, que u m certo número
dos m e u s contemporâneos, gente perfeitamente
rodada no uso do telecomando e que, desde há
muito, d e i x a r a m de acreditar que d u r a n t e a
missa o v i n h o se t o m a e m sangue de C r i s t o , con-
s i d e r a m c o m a m a i o r s e r i e d a d e as o b r a s e as
acções de B e u y s (porque não há n u n c a , neste, o
h u m o r que se encontra, por e x e m p l o , e m K l e i n ) .
R e c u s a n d o d e i x a r - m e v e n c e r p o r tanto obs-
curantismo, prefiro retirar daqui u m ensinamento.
A n t e s d e m a i s , e a o i n v e r s o d a t r a d i ç ã o que
se p r o l o n g o u d e s d e a R e n a s c e n ç a a t é a o s
primórdios d a arte m o d e m a , u m a parte d a arte
c o n t e m p o r â n e a já n ã o se a s s o c i a à s d i s c i p l i -
n a s e a o s v a l o r e s de progresso e m o s t r a , p e l o
A arte vítima
do comentário

R EGOZijEMO-NOS p o r a junção entre a arte e o


r e a l n ã o ser perfeita. B e u y s p r e g a v a u m a
«noção d a arte alargada». Por «escultura social»,
ele entendia que o m a t e r i a l sobre o q u a l o artista
d e v i a i n t e r v i r , era o d a v i d a política e e c o n ó -
m i c a . Se ele tivesse i d o , c o m efeito, até ao f i m

I
desse p r o g r a m a (ele candidatou-se por d i v e r s a s
v e z e s a e l e i ç õ e s ) , q u a l teria s i d o o r e s u l t a d o ?
T e r i a ele t e n t a d o r e s t r u t u r a r a s o c i e d a d e e m
função dos seus ideais, tal como O r l a n remodela
o s e u rosto e m função de belezas ideais? C e r t a -
mente, B e u y s estava a n i m a d o das melhores
i n t e n ç õ e s d o m u n d o e, s e m d ú v i d a , s e r i a
m e s m o u m excesso de ingenuidade, que o i m p e -
d i a - a ele, a l e m ã o , c h e g a d o à arte d e p o i s do
traumatismo de u m ferimento durante a guerra -
de v e r que o e s q u e m a que ele p r e c o n i z a v a .
115
r e p r o d u z i a exactamente aquele a p l i c a d o pelos «Objectos específicos»
regimes totalitários: i m p o r ao r e a l u m m o d e l o
h u m a n o e social i d e a l . Os expressionistas abstractos d e i x a r a m
Felizmente, todas as ligações que a arte con- quadros magníficos. N o entanto, tal como a
temporânea estabelece c o m o real não se querem maior parte dos artistas deste século, eles foram
tão r a d i c a i s . N o v a s g e r a ç õ e s de a r t i s t a s c o m - tentados pelo iconoclasmo, obcecados pela ideia
p r e e n d e r a m os riscos que c o m p o r t a v a m certas de que a arte d e v i a sair do q u a d r o e de que era
utopias, quando estas se conseguiam concretizar. necessário, e m todo o caso, opor-se à f e t i c h i z a -
Eles sabem a que impasse foram c o n d u z i d o s os ção deste último. D e facto, o dripping de Pollock
vanguardistas ligados ao regime soviético no seu o u o zip de N e w m a n a n e x a m à sua p i n t u r a u m
início o u o comprometimento dos futuristas ita- e s p a ç o , que u l t r a p a s s a l a r g a m e n t e a m o l d u r a
lianos c o m o fascismo. Se permanecem ligados a tradicional de u m quadro. A frequentação dessas
d e t e r m i n a d a s características d a v a n g u a r d a , já obras ensina u m a coisa: u m artista pode, n u m
n ã o é com a ambição de transformar o m u n d o , mesmo gesto, negar e i m p o r esse objecto, que é
mas, como v i m o s , c o m a intenção m a i s concilia- u m a obra de arte. E u m p a r a d o x o , mas convém
d o r a de contribuir, por exemplo, p a r a a melhoria aceitá-lo, u m a v e z que o m e l h o r da arte abstracta,
do ambiente u r b a n o o u de criar n o v a s condições hoje, continua a defendê-lo e a relançá-lo. A f i n a l
d e c o m u n i c a ç ã o entre as pessoas. N o entanto, de contas, as artes v i s u a i s n ã o são feitas p a r a
t a m b é m eles c o r r e m u m risco. N ã o o de cons- confortar a razão. E aceitar este paradoxo, ajuda
tranger o real, m a s o de serem por ele constran- grandemente a apreciar a arte d a n o s s a época.
gidos. Muitas obras não são senão o cumprimento P e r c e b e m o s que as obras p o d e m c o n q u i s t a r o
d o c a d e r n o d e e n c a r g o s de u m a e n c o m e n d a espaço real ou suscitar u m comportamento n o v o
pública o u a i n d a a resposta à solicitação de u m por parte daquele que o b s e r v a , sem no entanto
c o m i s s á r i o d e e x p o s i ç ã o . C o m o os a r t i s t a s d e i x a r e m de ser entidades o u , p a r a retomar u m a
p o d e m u t i l i z a r todas as técnicas e todos os mate- expressão do artista «minimalista» D o n a l d J u d d ,
r i a i s a d a p t a d o s a essas c o n d i ç õ e s de trabalho, «objectos específicos».
m u i t o s r e a g e m p o n t u a l m e n t e , s e m se d a r o
O r a , é na s u a relação c o m u m objecto espe-
tempo n e m os meios p a r a dominar perfeitamente
cífico, quaisquer que sejam a natureza desse
essas técnicas e esses m a t e r i a i s . E , p o r v e z e s ,
objecto, o seu m o d o de fabricação, as suas
quando o resultado deixa o público perplexo,
dimensões, que u m artista expõe as suas ideias.
n ã o é porque não tenha u m sentido perceptível,
O pensamento constrói-se n a aquisição de u m a
mas porque o artista nem sempre foi capaz
prática. O objecto p a r t i c i p a d e u m a dialéctica.
de encontrar a forma o u a disposição pertinentes.
E l e é u m écran, que evita que os gestos do artista
se dispersem na totalidade do real e se a f u n d e m impede que as gerações m a i s n o v a s h e r d e m u m a
(no sentido p r i m e i r o do termo) o u se a b a t a m e história e m pontilhado. A história não nos chega
se a f u n d e m ( n o s e n t i d o s e g u n d o ) . O objecto n u n c a senão p o r fragmentos, mas a história das
a d i c i o n a - s e ao m u n d o ( e l e n ã o se c o n f u n d e v a n g u a r d a s é a i n d a m a i s dispersa. D e onde, por
nele), como u m elemento a m a i s e esse elemento c o m p e n s a ç ã o , o facto d e s s a s v a n g u a r d a s n ã o
a m a i s , f a z c o m que o artista m a r q u e obrigato- s e r e m t a n t o o b j e c t o de u m q u e s t i o n a m e n t o ,
riamente u m a distância e m relação às ideias, aos como se p r o d u z i a anteriormente de geração p a r a
sentimentos, às fantasias, aos i m p u l s o s que este geração, m a s de u m a investigação reconstitutiva.
investe nele. U m a das funções essenciais d a arte A o contrário, mesmo, dos princípios que defen-
consiste, a partir de agora, e m actualizar, e mover, d e r a m , as v a n g u a r d a s são f e t i c h i z a d a s . Parece
esse f u n d o de h u m a n i d a d e , que a religião já não n ã o terem existido n u n c a exposições retrospec-
toma a s e u cargo e que a ciência não pode con- t i v a s , e x p o s i t o r e s de m u s e u s e c a t á l o g o s s u f i -
siderar. cientes, para recolher o seu mais pequeno vestígio.
I n e v i t a v e l m e n t e , certos gestos, certas acções
escapam a esse recenseamento. Neste caso, pode
Necessidade de traços temer-se que n ã o sejam reiterados p o r artistas
m a i s jovens, que i g n o r a m a sua existência.
Já n ã o n o s e n c o n t r a m o s n a s i t u a ç ã o d o s Q u a n d o isso se p r o d u z e f e c t i v a m e n t e e s u r g e
p r i m e i r o s m o d e r n o s , q u e t i n h a m de r o m p e r aos oihos do público melhor i n f o r m a d o , o estado
com u m a concepção fossilizada d a obra de arte. de espírito nostálgico que i m p r e g n a esta época é
O trabalho foi feito, por eles e por aqueles que se acentuado. Repete-se esse lugar c o m u m , de que
lhes s e g u i r a m . Se b e m que, reconsiderar, agora, a t u d o já foi feito e que só se pode v o l t a r a repeti-
obra de arte n a s u a e s p e c i f i c i d a d e e, s e n ã o na d o . Mergulha-se n u m tempo imóvel.
sua perenidade, pelo menos n a s u a capacidade D o m e u ponto de v i s t a , u m a requalificação
de se i n s c r e v e r n a m e m ó r i a , p o d e r i a a j u d a r da obra de arte deveria, igualmente, corrigir u m
a l e v a n t a r a l g u n s d o s n o v o s obstáculos que se outro vício d a época: o consumo de j o v e n s artis-
instalaram. Compreendeu-se que m u i t o s artistas, tas. O m e r c a d o , as instituições, o m e i o d a arte
nomeadamente no decorrer dos anos 70, t i n h a m e m g e r a l , á v i d o s de n o v i d a d e s , p e r s e g u e m o
p r o d u z i d o obras, de que se t i n h a m e s f o r ç a d o m e n o r indício de talento. O s artistas c o m e ç a m
por apagar os traços. A maior parte dos que con- u m a carreira m u i t o cedo, são demasiado expos-
t i n u a m a reter a atenção, hoje, retêm-na, e v i d e n - tos e, p o r v e z e s , tão d e p r e s s a a b a n d o n a d o s .
temente, através de outras obras que r e a l i z a r a m Impõe que se diga que, v i n d o s com u m m a t e r i a l
e que, essas s i m , e r a m d u r á v e i s . O que n ã o r e d u z i d o , i n s t a l a m u m a o b r a de c i r c u n s t â n c i a
n u m a e x p o s i ç ã o c o l e c t i v a , p o d e r ã o p a r t i r sem como n a nossa época. S e m contar com as decla-
deixar traços. O b r a s estáveis, p e r m i t i r - I h e s - i a m rações dos artistas, os manifestos. Se b e m que se
resistir a essa lei d a rotação dos stocks a p l i c a d a i m p o n h a , talvez, de n o v o , i n v o c a r a realidade d a
ao domínio artístico. obra. Já n ã o p a r a a destacar das ilusões d a repre-
sentação, m a s p a r a a d i s t i n g u i r d a ganga inter-
pretativa, que por vezes nos cega.
A arte entregue ao discurso C h e g a d a p r a t i c a m e n t e ao t e r m o d o s m e u s
p r ó p r i o s c o m e n t á r i o s . . . , d e v o rectificá-los u m
M o r a l i z a d o r e s , os m o d e r n o s d e n u n c i a r a m pouco! S u g e r i que a arte c o n t e m p o r â n e a era
o f a c t o d a o b r a d e a r t e t r a d i c i o n a l ser u m a u m a realização d a m o d e r n i d a d e . M a i s p r e c i s a -
m e n t i r a . É certo que a tradição que lhes h a v i a mente, ela realiza o p r o g r a m a d a m o d e r n i d a d e .
sido ensinada era desnaturada p o r u m a p i n t u r a E muito frequentemente, quando ela encalha
académica, representando u m m u n d o que já n ã o nesse real, é porque l e v o u à letra esse p r o g r a m a .
existia e defendendo hipocritamente valores Q u a n d o n u m a obra de arte se quer a transcrição
obsoletos. N o s e u s e g u i m e n t o , as v a n g u a r d a s literal de u m preceito d a modernidade, ela r e n u n -
q u i s e r a m e x p r i m i r a v e r d a d e , a verdade do cia forçosamente a toda a distância simbólica...
quadro, que se desarticulou ao ponto de o r e d u - Talvez a p i n t u r a abstracta tivesse evitado
z i r aos s e u s constituintes m a t e r i a i s , a v e r d a d e certos i m p a s s e s f o r m a l i s t a s , se n ã o se t i v e s s e
d o c o n t e x t o , no q u a l nasce e se i n s c r e v e u m a l i m i t a d o ao p r i n c í p i o r e d u c i o n i s t a e n u n c i a d o
obra de arte, ao ponto de desviar a atenção p a r a p o r G r e e n b e r g e se se t i v e s s e a t e n d i d o , entre
o m u s e u o u p a r a o espectador. N o f i n a l deste outros, ao facto dos quadros de Stella não terem
trabalho, temos, s e m dúvida, u m a m a i s a m p l a n u n c a d e i x a d o de m a n t e r , i n c l u i n d o q u a n d o
consciência do que é u m a obra de arte, m a s esta, e r a m monócromos, u m a ilusão de p r o f i m d i d a d e ,
no decorrer do processo, perdeu a s u a integridade. a i n d a que ténue. T a l v e z nos tivéssemos d e i x a r
Tendo perdido essa integridade, acontece entusiasmar pela infatigável c r i a t i v i d a d e plástica
q u e e l a se v ê de n o v o a l i e n a d a . D u p l a m e n t e de W a r h o l , como pelos seus aforismos p r o v o c a n -
alienada. D i s s e m i n a d a n a realidade do m u n d o , tes. F i c a r í a m o s , h o j e , m e n o s d e c e p c i o n a d o s ,
a obra embate nos l i m i t e s que esta lhe i m p õ e . q u a n d o u m a v i s i t a a u m a e x p o s i ç ã o nos l e v a
E torna-se, t a m b é m , m a i s difícil de identificar. a procurar, e m locais destinados às mercadorias
É, então, que intervém o comentário, ajuda (por exemplo, quando u m m u s e u requisita
necessária a essa identificação. A arte entrega-se as m o n t r a s dos estabelecimentos comerciais
ao discurso. N u n c a n a s obras de história e de crí- v i z i n h o s ) , o b r a s d e a r t e q u e se a s s e m e l h a m
tica d a arte, as teorias estéticas se m u l t i p l i c a r a m a mercadorias.
T e r i a m sido empregues todos os esforços para c o n t e m p o r â n e o s , cujas obras c i r c u l a m n o m e r -
enganar a «retina» e elevar o «espectador» à cate- cado e que recebem apoio financeiro por parte
goria de participante, se, e m lugar de repisar as das instituições, traem o espírito revolucionário
c u r t a s frases p e r e m p t ó r i a s de D u c h a m p , estas d o s p r i m e i r o s m o d e r n o s de que eles se r e c l a -
tivessem sido perspectivadas através das contra- m a m ? Para além desses modernos terem estabe-
dições d a s u a obra? Recordemos que a s u a última lecido, n a m a i o r parte dos casos, eles próprios,
obra m a g i s t r a l , Étant donnés: 1." la chute d'eau, as premissas de u m a tal relação c o m o mercado e
2.° le gaz d'éclairage, r e p r e s e n t a u m c o r p o de c o m as i n s t i t u i ç õ e s , é p r o v a v e l m e n t e n o u t r o
m u l h e r n u e glabro, deitado sobre ramos. O r a , o c a m p o que se d e v e m p r o c u r a r m e c a n i s m o s de
dispositivo d a obra é tal, que para v e r esse corpo, «recuperação», na vulgata modernista justamente,
o espectador é detido atrás de u m a pesada porta i s t o é, t a m b é m , n o r a c i o c í n i o d a q u e l e s q u e
de m a d e i r a , à distância d a c e n a , e o b r i g a d o a colocam a questão. Esta vulgata, transmitida,
utilizar u m óculo, e m s u m a , colocado na posição a l i á s , tanto p e l o s p a r t i d á r i o s d a a r t e c o n t e m -
de voyeur. A obra é u m a exacerbação do olhar. porânea, como pelos seus inimigos, faz triunfar
A propósito de contradições, pode referir-se os d i s c u r s o s de i n t e n ç ã o o u de i n t e r p r e t a ç ã o
que o ready-made constitui objecto de interpreta- sobre a r e a l i d a d e s e n s í v e l d a s o b r a s . E l a c o n -
ções divergentes. Há aqueles para q u e m a ques- d u z ao c a m p o d a s significações p e r f e i t a m e n t e
tão é evidente: a obra de arte pode ser a d q u i r i d a ordenadas, das classificações e das explicações
n u m grande armazém, logo «a v i d a é arte». E s s a teleológicas, o que a ultrapassa.
foi, e m grande parte, a filosofia do m o v i m e n t o
Esta constatação leva-nos a desdizer uma
FIuxus. P a r a outros, a conclusão a tirar não é, tal-
o p i n i ã o b a s t a n t e d o m i n a n t e no m e i o d a arte.
v e z , tão literal. A s s i m , B e r t r a n d L a v i e r recortou
H á , aí, u m a t e n d ê n c i a p a r a c o n s i d e r a r que as
uma enorme ceifeira-debulhadora, segundo o
obras de arte m a i s audaciosas são as que melhor
ponto de v i s t a e o enquadramento d a s u a foto-
c o n s e g u e m f a z e r c o i n c i d i r os p r o j e c t o s d a
g r a f i a n u m c a t á l o g o de m a t e r i a l a g r í c o l a . E l e
modernidade com a vida, dominar o real.
obriga-nos, assim, a v e r o objecto como u m a i m a -
gem. E fá-lo deslizar para a o r d e m do simbólico. É certo, que elas t r a n s g r i d e m os l i m i t e s t r a d i -
c i o n a i s d a arte, m a s , c o m o v i m o s , a f i m de se
a d a p t a r f i n a l m e n t e às c o n t i n g ê n c i a s d o r e a l .
E esta a d a p t a ç ã o , c o m o espero ter feito i g u a l -
Realidade da obra
mente compreender, só tem lugar, quando a arte
N o s debates que suscita a arte contempo- passa pela racionalização do discurso. É a letra
rânea, u m a questão é frequentemente levantada: que é o meio pelo q u a l a arte adere ao real, com
a arte m o d e r n a foi recuperada? Os artistas o risco de aí se perder. Se bem que as obras m a i s
l i v r e s , as m a i s r i c a s de p o t e n c i a l i d a d e s , pode-
r i a m perfeitamente ser aquelas, que, continuando
a aceitar os desafios d a m o d e r n i d a d e , traem as
suas lições.
I
S e j a m o s l ú c i d o s . Se se e s c r e v e , h o j e , u m
p e q u e n o l i v r o sobre a «arte c o n t e m p o r â n e a » ,
é porque se fala m u i t o dessa arte contemporânea.
E , p r e c i s a m e n t e , « a r t e c o n t e m p o r â n e a » , são
apenas p a l a v r a s , u m a f o r m a c ó m o d a de reunir
obras dissemelhantes e frequentemente contra-
ditórias e de e x p r i m i r que a c o m u n i d a d e social
se reapropria de u m a arte, que demonstrou a sua
c ^ a c i d a d e p a r a lhe escapar. F e l i z m e n t e , «arte
contemporânea», são apenas p a l a v r a s , enquanto Anexos
na s u a realidade, certas obras p o d e m ainda
p r i v a r - n o s d a nossa babagem didáctica.

125
Glossário

.T-'

Action painting: expressão criada pelo crítico


americano Harold Rosenberg, autor, em 1952, de um
artigo intitulado «The American Action Painting».
Ele defende, aí, que para o pintor «a tela surge como
uma arena que se abre à sua acção, mais do que um
espaço onde reproduzir [...1 u m objecto real ou ima-
ginário. O que deveria passar para a tela não era
uma imagem, mas u m facto, uma acção.» De onde
um interesse muito particular pelo modo de execução
do quadro (como o dripping de Pollock), pelo gesto.
Os principais action painters são Philip Guston, Hans
Hofmann, Franz Kline, Wilhelm de Kooning, Robert
Motherwell, Jackson Pollock.
Anti-/orm: termo devido ao escultor americano
Robert Morris, que faz dele o título de u m dos seus
artigos publicado em 1968. A aceitação do acaso,
as f o r m a s d e t e r m i n a d a s pelo c o m p o r t a m e n t o
próprio dos m a t e r i a i s e a adaptação à c o n f i g u -
ração dos locais de exposição, permitem considerar
obras que não têm formas fixas. Esta concepção
opõe-se às esculturas geométricas da minimal art, 1970) contam-se entre as primeiras exposições de
de que Robert M o r r i s é, também, u m importante envergadura do movimento. Elas r e u n i a m , entre
representante. outras, obras de A r t & Language, Robert Barry, Jan
A r t e b r u t a : o pintor Jean D u b u f f e t b a p t i z o u Dibbets, Hans Haacke, Douglas Hueblr, On Kawara,
assim, c m 1945, todas as «obras executadas por Joseph Kosuth, Adrian Piper, Mel Ramsden, Bernar
pessoas indemnes de cultura artística». Ele entendia Venet, Lawrence Weiner, Ian Wilson.
como tal os marginais, os autodidactas, mas também Arte sociológica: o grupo de arte sociológica foi
os esquizofrénicos. Ele próprio reuniu uma colecção fundado em 1974 e os seus principais animadores
importante dessas obras, que é p r o p r i e d a d e do eram Hervé Fischer, Fred Forest e Jean-Paul Thénot.
Musée d'Art Brut em Lausarme, na Suíça. Aloíse ou O u t r o s a r t i s t a s p a r t i c i p a r a m nele, como Joan
Adolf Wõlfli contam-se entre os artistas de arte bruta, Rabascall, ou ainda artistas igualmente ligados à arte
que adquiriram grande reputação. corporal, como Michel Joumiac e Gina Pane. O objec-
Arle cinética: a representação do movimento, seja tivo é a análise crítica das relações entre a arte e a
por ilusão óptica, seja com u m a ajuda mecânica, sociedade, os meios vão do inquérito-vídeo a acções
encontra a sua o r i g e m nas v a n g u a r d a s históri- perturbadoras dos grandes média.
cas como o futurismo ou o rayonnisme, ou ainda em Arte povera: a expressão foi utilizada pela primeira
obras como os Móbiles de Alexander Calder. Falou-se vez pelo crítico Germano Celant, primeiro num artigo
de arte cinética, sobretudo a partir de 1955, data da publicado em Novembro de 1967, depois, no mês
exposição Le Mouvement, na galeria Denise René seguinte, por ocasião de uma exposição fundadora.
em Paris. E l a foi acompanhada do Manifeste jaune Arte Povera, na galeria L a Bertesca em Génova, Itália.
(Manifesto amarelo) de Victor Vasarely. Aderiram a Inspirada em Grotowsky, esta expressão designa a
esta corrente Agam, Pol Bury, Nicolas Schõffer, Jean vontade de «empobrecer os sinais, reduzindo-os aos
Tinguely, o grupo alemão Zero e o Grav, Grupo de seus arquétipos». E m reacção contra a arte «rica»
pesquisa de arte visual, e uma importante corrente da sociedade de consumo, como a pop art, os artis-
latino-americana com Jesus-Raphael Soto, C a r l o s tas da arte povera u t i l i z a m matérias naturais não
Cruz-Diez... transformadas (terra, carvão, pedras, vegetais) ou
A r t e c o n c e p t u a l : por arte c o n c e p t u a l , enten- rudimentares (trapos). Os principais representantes
dem-se as obras que tendem a substituir a ideia ou o do movimento são G i o v a n n i A n s e l m o , A l i g h i e r o
projecto à sua realização. O artista formula-as através Boetti, Píer Paolo Calzolari, Luciano Fabro, Jannis
de um enunciado verbal, de objectos e fotografias não Kounellis, Marisa Merz, Mário Merz, Giulio Paolini,
tendo forçosamente qualidades estéticas. Sendo uma P i n o P a s c a l i , G i u s e p p e Penone, M i c h e l a n g e l o
parte da arte conceptual muito teórica, a expressão Pistoletto, Gilberto Zorio.
acabou por designar uma reflexão da arte sobre si
própria, uma análise do conceito de «arte». Konzepti- Body art: corrente sintetizada nos Estados Unidos
on/Conception (Museu de Leverkusen, na Alemanha, pela revista Avalanche criada em 1970 e que apresen-
1969) e Conceptual Aspects (New York Cultural Centcr, tava, principalmente, o trabalho de V i t o Acconci,
Bruce N a u m a n , D e n n i s O p p e n h e i m . De facto, a agrupados em esculturas (combine sculptures), por
encenação pelo artista do seu próprio corpo por v e z e s f i x o s a q u a d r o s , onde se i n t e g r a m n u m a
ocasião de acções ou de performances, ou a utilização composição pintada.
desse corpo como suporte de intervenções (desde
o trejeito até ao golpe), foram experimentadas nos Eartbzvorks: ver «Land art».
anos 60 pelo grupo de activistas vienenses ou mesmo
nos anos 50 por alguns membros do grupo japonês FIuxus: movimento largamente internacional,
Gutai. Estão-lhe, igualmente, associados, os happe- retomando em grande parte as práticas subversivas
nings e as acções dos membros do FIuxus. E m França, do Dadá e onde se cruzaram músicos (John Cage, L a
a revista Arl itude (1971) defendia a arte corporal de Mounte Young), poetas (Emmett Williams), cineastas
Michel Joumiac, Gina Pane e do suíço U r s Lúthi. É de Qonas Mekas), dançarinos (Mercê Cunningham), edi-
citar, ainda, o alemão Klaus Rinke. Os artistas leva- tores (Dick Higgins), autores de happenings ( A l l a n
ram, muitas vezes, o seu corpo ao limite da resistên- Kaprow, Clacs Oldenburg), de acções (Ben), sem falar
cia e do risco físico (Chris Burden expondo-se a u m de todas as novas formas de arte que se inventaram:
tiro de espingarda). o event (George Brecht), o música/acção/vídco (Nam
June Paik, Wolf Vostell), a mail art («arte postal», de
Colorfield painting: n u m artigo de 1955, o crí- Ray Johnson), a eat art («a arte comestível» de Daniel
tico Clement Greenberg, graças ao qual a expressão Spoerri)... George Maciunas, animador de uma galeria
conheceu um certo sucesso, tinha-se mostrado sen- em N o v a Iorque, escolheu o nome de FIuxus em
sível à p i n t u r a de C l i f f o r d S t i l l , M a r k Rothko e razão do enorme número de significados que o
B a r n e t t N e w m a n , que p i n t a v a m por g r a n d e s dicionário atribuí a este termo. Ele anunciou cm 1961
campos de cor (colour fields) relativamente lisos. a publicação de uma revista com esse título (ela só
Na mesma a l t u r a , u m m a i o r n ú m e r o de j o v e n s será publicada em 1964). Após u m primeiro Festival
pintores, como Helen Frankenthaler, Morris Louis FIuxus em Wiesbaden, na Alemanha, em 1962, e até
e K e n n e t h N o l a n d , t i n h a m começado a r e a l i z a r 1964, o FIuxus difunde em todo o mundo, através de
grandes quadros, onde a cor de espalhava livre- festas e concertos, a «realidade da não arte».
m e n t e , i m p r e g n a n d o a tela d e i x a d a c m b r u t o , Futurismo: movimento literário e artístico, cuja
criando assim efeitos de transparência e de fluidez. ideologia se funda numa rejeição violenta de todo
G r e e n b e r g d e f e n d i a - o v i v a m e n t e , opondo-os à o p a s s a d i s m o e na exaltação da v i d a m o d e r n a ,
tendência «painterly», que privilegiava a pincelada n o m e a d a m e n t e , através do c u l t o da máquina e
e os efeitos da matéria. da velocidade. O primeiro Manifesto do Futurismo
Combine painting: termo inventado pelo artista é publicado no Le Fígaro em 1909, devido ao poeta
pop americano Robert Rauschenberg para definir, italiano Filippo Tommaso Marinetti. Alguns pintores
a partir de 1955, obras que ele realiza, onde se com- seguem-no (Giacomo Ballà, Umberto Boccioni, Carlo
binam todo o tipo de objectos, cadeira, pneu, porta, Carrà, Luigi Russolo, Luigi Severin) e depois músicos
animal empalhado, etc. Os objectos são, por vezes e arquitectos. O s p i n t o r e s f u t u r i s t a s i n o v a r a m .
particularmente, na produção da sensação dinâmica. Nova Iorque, 1966), apresentando quadros de Robert
O movimento desfez-se no decorrer dos anos 30, Mangold, Frank Stella... Os seus títulos foram reto-
tendo alguns dos seus membros importante dado mados para designar a tendência, mas foi finalmente
o seu apoio ao fascismo. a expressão minimal art que prevaleceu, empregue
pela p r i m e i r a v e z em 1965 pelo crítico R i c h a r d
Happening: literalmente, «o que está a acon- WoUheim, para designar, entre outros, os quadros
tecer». O happening é mais do que espectáculo, negros de A d Reinhardt, considerado, de facto, como
na medida em que, a partir de uma trama deter- uma das principais referências. Os artistas minima-
minada, o espectador pode juntar-se à acção. Esta é listas privilegiam formas que não são estritamente
aberta à improvisação. Os happenings multiplica- geométricas, mas que são sempre simples. A exe-
ram-se a p a r t i r de 1958, em N o v a Iorque, sob o cução é despersonalizada. A composição, frequen-
impulso de Allan Kaprow, antes de conquistar outras temente em série, tem tendência a invadir o espaço e
partes do mundo, nomeadamente a Europa, graças à exige ser percorrida pelo espectador. Judd definiu
acção de Jean-Jacques L e b e l . Neste m o v i m e n t o , estas obras como «objectos específicos», que, pela sua
encontramos Claes Oldenburg, Jim Dine, Yoko Ono... autonomia e unidade, se impõem numa relação de
Kaprow tinha sido, desde 1952, no Black Mountain diferença e não de integração no meio envolvente.
CoUege, aluno de John Cage, que incitava os seus
alunos a realizar events, onde se pudessem combinar N o v o R e a l i s m o : a declaração constitutiva do
diferentes formas de arte. Novo Realismo foi assinada a 27 de Outubro de 1960
por Arman, François Dufrène, Raymond Hains, Yves
Land art: termo geral para designar os trabalhos
Klein, Martial Raysse, Pierre Restany, Daniel Spoerri,
efectuados na natureza, como os deslocamentos de Jacques de la Villéglé. Ausentes ainda que convi-
terra e de pedras dos earthworks («obras de terra») de dados, César e Mimmo Rotella juntaram-se ao grupo,
Michel Heizer, Robert Smithson, Walter de Maria, bem como, seguidamente, Niki de Saint-Phalle, Christo
mas também a utilização de factores climáticos ou e Gerard Deschamps. Anteriormente, em A b r i l , em
sazonais (assim, Dennis Oppenheim ceifa um campo Milão, Restany, teórico do grupo, tinha publicado o
desenhando u m enorme X, 1969), ou ainda, à maneira primeiro Manifesto do Novo Realismo. Contra a «pintura
dos artistas ingleses Richard Long e Hamish Fulton, de cavalete que teve a sua época» e «a quarenta graus
as longas caminhadas no decurso das quais o artista abaixo do dadá», ele preconiza uma estética de apro-
deixa traços da sua passagem e tira fotografias. priação directa do real: César apropria-se dos «com-
primidos» de automóveis, Spoerri dos restos de uma
refeição deixados numa mesa...
Minimal art: as duas grandes exposições que
revelaram o movimento foram Primary Structures no
Jewish Museum de Nova Iorque, 1966 (obras de Carl Op art: abreviação de Optical art, a expressão teve
Andre, Dan Flavin, Donald Judd, Sol LeWitt, Robert um grande sucesso, mais do que o título da exposição
Morris...) e Systemic Painting (Guggenheim Museum, por ocasião da qual ela foi empregue pela primeira 133
vez, The Responsive Eye (Museu de Arte Moderna bras cassé. E m 1917, o u r i n o l i n t i t u l a d o Fontaine
de Nova Iorque, 1965). Ao contrário da arte cinética, foi recusado no Salão dos Independentes de Nova
a op art só recorre, para criar a ilusão do movimento, a Iorque. Para Duchamp, o ready-made era u m pôr à
efeitos de contrastes coloridos, de onde a utilização, prova do gosto e dos critérios de avaliação. A partir
por artistas como Victor Vasarely e Bridget Riley, dos anos 60, muitos artistas começaram a utilizar
do contraste máximo do preto e do branco. Muitos este género de objectos «já feitos», mas com fins mais
artistas cinéticos produziram obras de op art. Esta narrativos ou estéticos, ao ponto do termo se tomar
estética impessoal favoreceu as pesquisas colectivas: genérico: fala-se da arte do ready-made, de objectos
Nova Tendência em Zagreb, Equipo 57 em Espanha, ready-made, etc.
«N» e «T» em Itália, o Grav, Zero...
Simulacionistas: designa-se assim uma geração
Pop art: movimento assim baptizado em Inglaterra de artistas americanos surgidos no final dos anos 70,
pelo crítico L a w r e n c e A U o w a y , que organizou a em razão da sua referência à obra de Jean Bou-
exposição This Is Tomorrow (Whitechapel Gallery, drillard, Simulacres et Simulation. Das análises deste
Londres, 1956), onde estavam presentes obras de último, eles retêm que, na nossa sociedade, o real está
Richard Hamilton, Eduardo Paolozzi, etc. A segunda sempre já mediatizado. Eles próprios não o apreen-
geração da pop inglesa compreende artistas como dem directamente, mas através de imagens ou de
David Hockney, Allen Jones, Patrick Caulfield, etc. obras de arte mais antigas, que eles reciclam. Sherrie
O movimento ganhou uma grande amplitude nos L e v i n e rcfotografa reproduções de obras, Louise
Estados U n i d o s , p r i m e i r o graças a Jasper Johns L a w l e r fotografa obras em situação inseridas em
e Robert R a u s c h e n b e r g , depois com J i m D i n e , colecções, Cindy Sherman fotografa-se a si mesma
Roy Lichtenstein, Claes Oldenburg, James Rosen- com roupas ou poses, que evocam o cinema realista
quist, George Segal, A n d y Warhol, Tom Wessolman... italiano ou a pintura da Renascença. De citar ainda,
A pop art contribuiu para a integração das novas Richard Prince e Jeff Koons, bem como os pintores,
formas da cultura popular (banda desenhada, publi- igualmente qualificados como neo-geo, Peter Hailey e
cidade, etc.) na arte e, em contrapartida, exerceu Philip Taaffe.
uma certa influência sobre essa cultura eia própria Support-Surface: após diferentes manifestações
popular. na província, o grupo constitui-se efectivamente por
ocasião de uma exposição no Musée d'Art Modeme
Ready-made: termo i n v e n t a d o por Mareei de la Ville de Paris, em 1970, intitulada, por inicia-
Duchamp para designar os objectos fabricados, que tiva de u m dos seus participantes, Vincent Bioulés,
ele e x p u n h a , tenuemente m o d i f i c a d o s pela sua Support-Surface. Viam-se, aí, igualmente, obras de
mão, como obras de arte. O primeiro foi uma roda de Mare D e v a d e , D a n i e l D e z e u z e , P a t r i c k Saytour,
bicicleta montada sobre u m banco em 1913, mas André Valensi, Claude Viallat. Ausente, Louis Cane
Duchamp só começou a empregar o termo em 1915, era, contudo, bastante activo. E m oposição às tendên-
quando intitulou uma pá para neve En prévision du cias pós-dadaístas, o Support-Surface reabilitava uma
pintura abstracta, apresentando imensas telas livres.
Defendido pelo poeta e crítico Marcelin Pleynet, o Bibliografia
grupo era próximo da revista Tel Quel e importava
para o domínio das artes plásticas, nomeadamente,
através da sua própria r e v i s t a , Peinture cahiers
théoriques, as contribuições teóricas - ideologia poUtica,
psicanálise, semiologia - daquela.
Supremacismo: teoria estética enunciada pelo
pintor russo Kazimir Malevitch, que havia formado
o grupo Supremus em 1916, antes de redigir um
dos seus numerosos ensaios em 1920, Suprématisme.
34 dessins. Autor de dois quadros tornados quase
míticos, u m Quadrângulo negro em 1915, um Quadrado
branco sobre fundo branco em 1918, Malevitch anun-
ciava a libertação absoluta do olhar. Se bem que
conceba, igualmente, projectos urbanísticos («Archi-
tectones»), ele opõe-se violentamente às tentativas
de subordinação da arte, nomeadamente, ao produ-
C A U Q U E L I N , A . , Petit Traité d'art contemporain, L e Seuil, col.
t i v i s m o d e f e n d i d o por u m a o u t r a tendência da
«La Couleur des idécs», 1996.
vanguarda soviética.
D A N T O , A . , La Transfiguralion dii banal, une philosophie de
l'art, Le Seuil, col. «Poétique», 1989.
T r a n s v a n g u a r d a : o crítico italiano Achille Bonito- D U R O Z O I , G . (dir.), Dictionnaire de Vart modeme et contem-
-Oliva define a transvanguarda num artigo publicado porain, H a z a n , 1992 (existe igualmente em C D - R o m ) .
em 1979, na revista Flash Art. Ele denuncia a con- F E R R I E R , j . - L . (dir.), L'Aventure de l'art au XX^ siède, Chêne,
cepção evolucionista da história da arte, o seu dar- 1995.
winismo, para defender o direito dos artistas a seguir K R A U S S , R . , L'OriginalÍté de Vavant-garde et autres mythes
uma trajectória «nómada», de um estilo a outro. Sandro modemistes. Macula, 1993.
C h i a , Francesco Clemente, E n z o C u c c h i , N i c o l a LiviNGSTONE, M . , Le Pop Art, H a z a n , 1990.
de M a r i a , M i m m o Palatino, p r a t i c a m todos uma M I L L E T , C , UArt contemporain en France, Flammarion, 1994.
M o L L E T - V i E V i L L E , G . , Art minimal & conceptuel, Skira, 1995.
p i n t u r a rica de símbolos e de referências. A par
R i o u T , D . , La Peinture monochrome: histoire et archéologie d'un
do neo-expressionismo alemão, que lhe é contempo-
genre, éditions Jacqueline C h a m b o n , col. «Rayon art»,
râneo, e através de uma larga audiência internacional,
1996.
a t r a n s v a n g u a r d a participa n u m questionar dos
R o c H L i T Z , R . , Subversion et subvention, art contemporain et
princípios da modernidade, naquilo que se designa argumentation esthétique, G a l l i m a r d , col. « N R F Essais»,
como pós-modemidade. 1994.
S A N D L E R , I . , Le Triomphe de Vart américain, três tomos, édi-
136 tions Cairé, 1991.
S Z E E M A N N , H . , Écrire les expositions,
xelas, 1 9 9 6 .
L a Lettre volée, Bru-
Tabela de referências
TiBERGHiEN, G . A-, Latid art, Éditions Garre, 1 9 9 5 .

Colecções especializadas
e m arte c o n t e m p o r â n e a

« L a C r é a t i o n c o n t e m p o r a i n e » . C e n t r e n a t i o n a l d e s arts
plastiques e F l a m m a r i o n . Ú l t i m a s obras p u b l i c a d a s :
M A R C A D É , B . , Eugène Leroy, 1994; BERNADAC, M.-L.,
Louise Bourgeois, 1 9 9 5 ; L E M O I N E , S . , François Morellel,
1 9 9 6 ; B A U D S O N , M . , Panamarenko, 1 9 9 6 .
«Critiques d'art». Centro national des arts plastiques e édi-
tions Jacqueline C h a m b o n . Ú l t i m a s obras publicadas:
St^UTiF, D . , Papiers journal, 1 9 9 4 ; M I C H A U D , Y . , Les Marges
de la vision, 1 9 9 6 .
«Vivre Tart», éditions d u Regard: BOUISSET, M . , Le Nouveau
Réalisme, 1 9 9 4 .
« C o n t c m p o r a i n s M o n o g r a p h i e s » , Centre Georges-Pompi- P . 1 4 : C L A I R , ]., Paradoxe sur le conservateur, L ' É c h o p p e , 1 9 8 8 .
d o u . Ú l t i m a s obras p u b l i c a d a s : Gerard Gasiorowski, P . 1 4 : D E B B A U T , ]., «Réflexions sur le Musée d'art contem-
1 9 9 5 ; Robert Morris, 1 9 9 5 ; Tony Cragg, 1 9 9 6 ; Luciano porain», i n UArt contemporain, Diffusion-Animation-For-
Fabro, 1 9 9 6 . mation. Actas do estágio, M N E S e Musée de Saint-Étienne,
1985.
P . 1 7 : S Z E E M A N N , H . , entrevista d e Otto H a h n , Art press,
n." 1 1 , Maio 1 9 7 4 .
P. 1 8 : C A S T E L L I , L . , in Claude Berri rencontre Leo Castelli, Renn,
1990.
P . 18: G O M B R I C H , E . , Histoire de Vart, Flammarion, 1 9 8 6 .
P . 1 9 : D U R E T , T h . , Critique d'avant-garde, Charpentier et C i e
éditeurs, 1 9 8 5 .
P . 1 9 : H U Y S M A N S , J . - K . , UArt moderne/Certains, 1 0 / 1 8 , col.
«Fins de sièclo», 1 9 7 5 .
P . 1 9 : R E S T A N Y , P . , Les Nouveaux Realistes, Planète, 1 9 6 8 ,
10/18,1978.
P . 2 1 : R O S E N B E R G , H . , La Dé-Définition de Vart, É d i t i o n s
Jacqueline C h a m b o n , col. «Rayon art», 1 9 9 1 .
P . 2 2 : C H A S T E L , A . , Introduction a Vhistoire de Vart français,
Flammarion, col. « C h a m p s Flammarion», 1 9 9 3 . 139

f
P. 2 5 : Ca t á l ogo Andy Warhol: A Retrospective, The Museum
P. 6 4 : CoMBRiCH, E . , op. cit.
of M o d e m Art, N o v a Iorque, 1 9 8 9 .
P. 7 5 - 7 6 : M O U L I N , R . , UArliste, ITnstitution et Ic Marche,
P. 2 6 : A L L O W A Y , L . , « L e d é v e l o p p e m e n t d u P o p A r t
Flammarion, 1 9 9 2 .
a n g l a i s » , in L I P P A R D , L . , Pop Art, F e r n a n d H a z a n
P. 7 9 : C R O W , T . , «Art contemporain et marche de la théorie»,
Éditeur, 1 9 6 9 .
in c a t á l o g o d a e x p o s i ç ã o Extra Muros, M u s é e d ' A r t
P. 2 6 : K O O N S , J . , e n t r e v i s t a d e R o b e r t Storr, Art press,
Modeme de Saint-Ètieruie e Elac de L y o n , 1 9 9 1 .
n." 1 5 1 , Outubro 1 9 9 0 .
P. 8 3 : K O M A R , V . , entrevista a Komar e Melamid por Jean-
P. 2 8 : D A N T O , A . , Après la fin de Vart, L e Seuil, col. «Poé-
-Hubert Martin, in Art press, n." 1 0 3 , Maio de 1 9 8 6 .
tique», 1 9 9 6 .
P. 8 4 : CoMBKiCH, E . , op. cit.
P. 2 9 - 3 0 : V A S A R E L Y , V . , Plasti-cité, Voeuvre plastique dans la vie
P. 9 5 : N E W M A N , B . , Ècrits, Macula, 1 9 9 7 .
quolidienne, Casterman, 1 9 7 0 .
P. 9 8 : CoosEN, E . C , prefácio do catálogo da exposição VArt
P . 3 1 : L I P P A R D , L . , Pop Art, op. cit.
du réel, Centre national d'art contemporain, 1 9 6 8 .
P . 3 3 : D U C H A M P , M . , Souvenirs de Mareei Duchamp, conversas
P. 9 8 : C R E E N B E R G , C , Art et Cullure, M a c u l a , col. « V u e s » ,
com Pierre Cabanne, Somogy, 1 9 9 5 .
1988.
P . 3 4 : H A C K E T T , P . (ed.), W a r h o l , A n d y , journal, Crasset,
P. 9 9 : S T E L L A , F . , «Questions à Stella et Judd», entrevista d e
1990.
Bruce Glaser, in Regards sur Vart américain des années soÍ-
P . 3 5 : A U G É , M . , Non-lieux, introduction à une anthropologie de
xante, Éditions Territoires, 1 9 7 9 .
la surmodernité, L e Seuil, col. «La librairie d u xx*™ siè-
P. 1 0 1 : D E I T C H , ]., prefácio do catálogo d a e x p o s i ç ã o Posf
cle», 1 9 9 2 .
Human, Musée d'art contemporain de Luasanne (expo-
P . 3 8 : D U R E T , T h . , op. cit.
sição itinerante), 1 9 9 2 .
P. 3 9 : E C O , U . , UCEuvre ouverte, L e Seuil, col. «Points», 1 9 7 9 .
P. 1 0 3 , C R O W , T . , op. cit.
P. 4 2 : D U C H A M P , M . , op. cit.
P. 1 0 9 - 1 1 0 : D U C H A M P , M . , Duchamp du signe: écrits, e d i ç ã o
P . 4 5 : P A R E Y S O N , L . , Conversations sur Vesthétique, C n l l i -
revista por Michel Sanouillet e Elmer Peterson, F l a m -
mard/NRF, 1992.
marion, 1 9 9 4 .
P. 4 9 ; D E B O R D , C , Commentaires sur la société du spectacle,
P. 1 1 0 ; C E L A N T , C , Arte Povera, 1 9 6 9 , extractos traduzidos
C a l l i m a r d , col. «Folio», 1 9 9 6 .
in catálogo d a exposição Identité italienne, Vart en Italie
P. 4 9 : B E L T I N G , H . , VHistoire de Vart est-elle finie?, Éditions
depuis 1959, Centre Ceorges-Pompidou, 1 9 8 1 .
Jacqueline C h a m b o n , col. «Rayon art», 1 9 9 1 .
P. 1 1 1 : V I O L A , B . , in catálogo da 3." Bienal de Lyon, Installation,
P. 4 9 - 5 1 : L E V I N E , S . , in C E L A N T , C , Inexpressionisme, Vart
cinéma, vidêo, informatique, 1 9 9 6 .
au-delà de Vère post-moderne, A d a m Biro, 1 9 8 9 .
P. 5 1 : H A U S E R , A . , Histoire sociale de Vart et de la littérature,
tomo I V , UÉpoquc contemporaine, L e Sycomore, 1 9 8 2 .
P. 5 1 : V I R I L I O , P . , UEspace critique, Christian Bourgois, col.
«Choix-essais», 1 9 9 3 .
P. 5 2 : D O R F L E S , C , Mythes et Rites d'aujourd'hui, Klincksieck,
col. «Esthétique», 1 9 7 5 .
P. 5 4 : C E L A N T , C , Inexpressionisme, Vart au-delà de Vère posl-
-moderne, op. cit.
P. 6 0 : L I P P A R D , L . , SÍX Years: The Dematerialization of the Art
Object, Praeger, N o v a Iorque, 1 9 7 3 .
índice remissivo

(As páginas em itálico remetem para ilustrações)

Acconci (Vito), 100,104,129 Bamey (Matthew), 100,101,


action painting, 27, 51, 127 102
A n d r e (Carl), 98,132 Baselitz (Georg), 72
Anselmo (Giovanni), 46, Basquiat (Jean-Michel), 86
129 Bauhaus, 22, 23
a n t i - / D r m , 16, 57,127 Ben Jr Qoe), 69
A r m a n , 24, 52,133 Beuys Goseph), 17, 37, 67,
Art & Language, 43,129 111,112,115
Art du réel (V). 98 Bienal de Veneza, 58, 63
Art et Pub, 86 Bill (Max), 23,111
arte body art, 16, 69,100,106,
(bruta), 69,128 129
(cinética), 16, 24, 40,128, Boltanski (Christian), 66
134 Broodthaers (Mareei), 47
(conceptual), 8 , 1 6 , 4 2 , 57, Buren (Daniel), 43, 81,103
58, 60, 69,128 Burgin (Victor), 45
(corporal), ver body art Bustamante Qean-Marc), 9
74,102,129,130 Bruly Bouabré (Frédéric),
(sociológica), 57,129 68
(povera), 16, 54, 68, 72, 79,
110,129 Cattelan (Maurizio), 87, 88
Centro Georges-Pompidou, High and Low, 86 Magiciens de la Terre, 68, 69, O s Ready-Made pertencem
15, 42, 46, 47, 67, 69, 79, Hybert (Fabrice), 66 84 a toda a gente, 54
85, 86 hiperrealismo, 69 Malevitch (Kazimir), 98,
César, 24, 99,133 136 Paik (Nam June), 46,131
Christo e Jeanne-Claude, Immendorff Gorg), 72, 73 March 69, 80 Pane (Gina), 101,129,130
in situ (obras), 81 M c C a r t h y (Paul), 74 participação (do especta-
39, 40,133
inexpressionismo, 54 mec art, 33 dor), 40,45,104,105
colorfield painting, 16,130
combine paintings, 24,130 instalações, 44,101,102,111 mercado da arte, 55, 56, 61 performances, 44, 74,101,
Merz (Mário), 72,110,129 130
dadaístas, 20, 24, 87,135 Jacquet (Alain), 19, 32, 33 minimal art, 16,98,128, Pollock Gackson), 20, 70, 81,
Johns Gasper), 20, 73, 74, 133 117,127
Debré (Olivier), 75
Dezeuze (Daniel), 48,135 134 mitologias quotidianas, 66, pop art,15, 21,25, 26, 55,
Dimitrijevic (Braço), 83, 85 Judd (Donald), 98,117,132, 69 77,134
Documenta, 63, 66, 69 133 M o d e m a Museet (Esto- PosíHumííM, 101,102
dripping,7Q, 81,117,127 colmo), 13
Duchamp (Mareei), 24, 33, K a p r o w (Allan), 38,131, Monory Gacques), 31 Quand les altitudes devien-
42, 50, 65,109,110,122, 132 Morris (Robert), 52, 99,127, nent forme, 17, 37
134,135 K a w a r a (On), 36,96,129 128,130,132
Kiefer (Anselm), 59 múltiplos, 29 Rauschenberg (Robert), 20,
earthworks, 57, 80,131,132 kitsch, 26, 28,69 museus, 14, 18, 25, 36, 37, 21,24, 25,38, 84,130,134
expressionismo, 58, 60 Klein (Yves), 106,109,112, 47, 53, 76, 78, 80, 99,103, R a y n a u d GL'an-Pierre), 65
133 106,119 Raysse (Martial), 20,133
feiras de arte, 63 Komar e Melamid, 83 M u s e u m of Modem A r t ready-made, 10, 42, 58, 65,
Fischl (Eric), 72 Konception/Conception, 37 ( M o M A ) , 73 97,122,134,135
FIuxus, 16,122,130,131 Kooning (Willem de), 20, Rosenquist Games), 31,134
formalismo, 4 1 , 68,121 27,127 neoconceptualismo, 60
futurismo, 53, 70,128,131 Koons (Jeff), 26, 28,135 neoexpressíonismo, 59, 72, Salle (David), 72
Kosuth Goseph), 42, 97,129 136 Saura (Antonio), 76
Gonzales-Torres (Felix), Kounellis Garinis), 38,110, neofauvismo, 59 Schnabel Gulian), 72
104,105 129 neogeo, 59,135 Schwitters (Kurt), 24
grafitistas, 86 Kruger (Barbara), 55, 60 new image painting, 59 simulacionismo, 58
G r u p o de pesquisa de arte K w e i (Kane), 70 N e w m a n (Barnett), 20, 95, Smith (Tony), 98
visual (Grav), 128 96,117,130 Smithson (Robert), 37,132
land art, 16, 68,70,131,134 Novo Realismo, 15, 20,133 Stãmpfli (Peter), 31
Haacke (Hans), 41,129 Lavier (Bertrand), 122 Stedelijk M u s e u m (Amster-
Hains (Raymond), 20,133 Levine (Sherrie), 49,51, 135 Oldenburg (Claes), 31,131, d ã o ) , 13,37
Hanson (Duane), 48 LeWitt (Sol), 75,132 132,134 Stella (Frank), 77, 78, 99,
happenings, 16,38, 80,130, Lichtenstein (Roy), 18, 21, Op losse Schroeven, 37,38 121, 133
131,132 27, 31,134 op art, 133 Support-Surface, 16, 80,
Haring (Keith), 86 Long (Richard), 70,132 Orlan, 101,102,103,115 135
supremacismo, 98,136
Takis, 111
Viola (Bill), 111
índice
Tatline (Vladimir), 97, 98 Warhol (Andy), 12, 21,25,
This Is Tomorroxv, 54,134 27, 28,31,34, 52, 53, 54,
Thomas (Philippe), 54, 55, 55, 84,121,134
79, 84,103 Weiner (Lawrence), 4 1 ,
Traffic, 88 129
transvanguarda, 58,59,136 Wesselmann (Tom), 31

Vasarely (Victor), 23, 29, 30, zip, 96,117


31,128,134 Z u s h , 65

Prefácio 7

Uma exposição para compreender

O MUNDO DA ARTE 11
Nascimento da arte contemporânea 13
Temporalidade 35
Topologia 63

L7m ensaio para reflectir

A REALIZAÇÃO D O PROJECTO MODERNO ... 91


Matérias 95
Magia 109
A arte vítima do comentário 115

146 Anexos 125 147


^Ôt^^B^ BIBLIOTECA
>l^réO^BÁSICA
ÇV^/ DE CIÊNCIA
^ ^ E CULTURA

Para criar u m espaço de interdisciplinaridade do saber necessário


à construção do conhecimento, cada livro da B B C C é composto por
duas secções: uma exposição para compreender; um ensaio para re-
flectir, delineando um imprescindível percurso pedagógico-cicntífico.

1 — A EXPLOSÃO DEMOGRÁFICA 23 — O ENVELHECIMENTO


Albert lacqiiard Ladislas Rofierl
2 —A INTELIGÊNCIA A R T I F I C I A L 24 — C R I M E S E L E I S
l.-G. Canusíia jean de Maillard
3 — O ESPAÇO l ' A K A O H O M E M 25 — O T E M I - O
Pierre Léna Étienne Klein
4 — A INSÓNIA 26 — O C É R E B R O
j.-M. Coillard jacques-Michel Robert
5 — A MEMÓRIA — OO CÉREBRO À E S C O L A 2 7 — A l-OLUIÇÃO A T M O S F É R I C A
Alain Ueury Gârard Meiivíer
6 —SISTEMA TERRA 28 — V I V E R C O M O S I N S E C T O S
Ichíiaque Rasoo! Piorrc Ferron
7 — SOB O ÁTOMO, A S PARTÍCULAS 29 — TOLITICAS AGRÍCOLAS
Étienne Klein Lucien líourgeois
8 — A RELATIVIDADE 30 — A L I M E N T A Ç Ã O E SAÚDE
Noy/o Fartmki Christian Rímfsy
9 — A PROCRIAÇÃO P E L A M E D I C I N A 31 — A METAFÍSICA
jacques Teslarl Nayla Farouki
1 0 — A BIOÉTICA 32 — A S R E L I G I Õ E S NO MUNDO
jean ilernard Odon Vallet
I I — O S OCEANOS 33 — O U N I V E R S O
jean-Franíois Mlnstcr Alain Blanchard
1 2 — A U M E N T A R OS HOMENS 34 — A NOVA Q U Í M I C A
Louis Mulassis Pierre Lasxio
1 3 — A VIDA N O COSMOS 35_OMULTlMEDIA
Frar\íiiis Raulin Dominique Monet
1 4 — O S E N X E R T O S D E ÓRGÃOS 36 — A R E A L I D A D E V I R T U A L
Laurent Degos Claude Cadoz
1 5 — Q U E REGIÕES l'ARA A E U R O [ ' A ? 37 — A P U L G A EOCOME'UTADOR
jean Labasse Enimanufi Rosencher
1 6 — O E S T A E X ) E A E C O L O G I A D A POLÍTICA 38 — A M E N O P A U S A
Odon VaileI Lucien Chain/
17 — A FLORESTA 3 9 — A ÁGUA
Vues Birol e jean-François Uicaze Chislain de Marsily
1 8 - 0 CLIMA DA TERRA 40 — M Ú S I C A S , M E D M E T E C N O L O G I A S
RohtTl Sadoumy Michel Chion
1 9 — OS H O M E N S E O S S E U S G E N E S 41 — A FtSICA E O I N H N I T O
Albert jacquard / . - P , Luminrl c M . Ijicbiize-Rey
20 — J E S U S CRISTO 43 — A P E L E E O SEU E N V E L H E C I M E N T O
Michel QuesncI Philippe Franceschini
21—A SIDA 43 — A DOR
K. Daudel e Luc Monlagnier Mare Schwob
22 —AS SEITAS 44 — O S M E R C A D O S FINANCEIROS
Bernard Fillaire jean Saint-Cevurs
45 — A P R E N D E R D O S O A O S 4 A N O S 70 — A R E S T O N S A B I L I D A D E MÉDICA
C. Teyssèdre / P.-M. liiiudonnière Guy Nicolas
46 — A N O R E X I A , B U L I M I A . O B E S I D A D E 71 — A S E X U A L I D A D E M A S C U L I N A
Gérard Apfeldorfer Sylvain Mimoun / Lucien Chaby
47 — A ACÇÃO HUMANITÁRIA 72 — O CLÍNICO G E R A L
Ri»iy Brauman E O S E U PACIENTE
48 — AS D R O G A S Manique Gu&in
Dmís Richard 73 — O E S P A Ç O - T E M r o
jean-Paul Auffray
49 — A S A L E R G I A S
74 — A E N E R G I A
I. Bousqucl / F.-B. Michel
jean-Louis Bcibin
50 — ADMINISTRAÇÃO E PODER
75 —A TOLUIÇÃO DOS M A R E S
Odim Vallel
jean-Claude Lacaze
51 — V I V E R D E P O I S DOS 60 A N O S 76 — A E N G E N H A R I A GENÉTICA
Maximilienne Levei Lmis-Marie Houdebine
52 — C I D A D A N I A E POLÍTICAS S O C I A I S 77 —O NÚCLEO D A T E R R A
Annick Madec I Numa Murard jean-Paul Poirier
53 — A E S Q U I Z O F R E N I A 78 — A S B O A S C A L O R I A S
Nicolas Gcorgicfj Christian Rémésy
54 — A DOENÇA M E N T A L - l-ESQUISAS E TEORIAS 79 — VEGETAÇÃO E A T M O S F E R A
Christian Spadcine Bernard Saugier
55 — O O R D E N A M E N T O D O TERRITÓRIO 80 — O S T R A N S P O R T E S N O F U T U R O
jean-Paul Lacaze René joallon
56 — O S A N G U E 81 — A S T E O R I A S IX> C O N H E C I M E N T O
Jean Bernard jean-Michel Besnier
57 — A M B I E N T E E E S C O L H A S TOLÍTICAS 82 — O G E N O M A H U M A N O
Dominique Drnn Charles Auffray
58 — CÉREBRO E S Q U E R D O , CÉREBRO D I R E I T O 83 — A B I O S F E R A
/. -L, luon de Mendoza Michel Lamy
59 — O AUTOMÓVEL E A C I D A D E 84 — A ANTIMATÉRIA
Gabriel Dupuy Gabriel Chardin
60 — A GESTÃO '' . . 85 — A FÍSICA QUÂNTICA
Philippe Pick Étienne Klein
61 — T R A B A L H O 86 — BACTÉRIAS, VÍRUS E F U N G O S
T R A B A L H O 1, Xavier e Laurencc Rolland
Michel PaysanI / Fe. .^^ . 87 — O M E D I C A M E N T O
62 — A C I D A D E E O URIÍANISMu Denis Richard I jcan-Loiiis Scmin
jean-Paul lacaze 88 — A F I U I S O H A l O L Í l I C A
63 — O DIVÓRCIO Anne Baudarl
Coleíle Hfílstein 89 — A R Q U I T E C T U R A E M O D E R N I D A D E
64 — EROSÃO E PAiSAGFJMS NATURAIS Daniel Pinmm
jean Riser 90 — R I S C O E S E G U R O
65 — A C I R U R G I A ESTÉTICA Pierre André Chiappors
Vladimir Milz
91 — A I D E O L O G I A D O N E W A G E
66 — A M E D I C I N A D E AMANHÃ
Michel lacxroix
jean Bernard
92 — A R A D I O A C T J V I D A D E
67 — A M O E D A
jean Carleiier jean-Marc Cavedon
68 — O C A O S 93 — A E C O N O M I A D E M E R C A D O
Ivar Ekeland Roger Cucsnier
69 — A S CIÊNCIAS C O G N I T I V A S 94 — A A R T E CONTEMI-ORÀNEA
jean-Gabriel Canascia Catherine Millet

Você também pode gostar