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1,
E então, disparado com tantas questões gerais e aleatórias, decidi dedicar uns dias a
uma questão, como quem se concentra num tratado filosófico, concentrar as minhas
atenções numa ou noutra pessoa que se havia implicado comigo. Sim, estava zangado
com as mais diversas universidades onde tinha andado, por onde tinha passado, mas
procurava levar essa frustração para uma ida a Nova Iorque, ir e voltar, não sabia
bem. Será que tinha inveja de certos advogados e engenheiros que levavam, por aqui,
em Palumbar, Conímbriga e Leirena, uma vida mais ou menos estável, com casa
mulher e carro? Sim, de certo modo tinha inveja, mas de certa maneira eu, pela
situação das ciências humanas em Portugal, não era daqui. E, sim, o mundo nada me
devolvia de bom e certamente passava qualquer coisa parecida com o sofrimento de
Nietzsche e outros, na via do saber, não conhecendo conforto amoroso algum e uma
situação familiar estranha, quase esquizofrénica, num país que vivia alheado,
ignorante, que até dizia bem, mas simplesmente não queria saber. Crescia, assim, um
ressentimento sem para face a essa forma ignorante de existir e até falsamente culta.
Estava ali, retido em Riachos, talvez o homem do momento, mas ninguém ousava
aproximar-se, nem tão pouco em Lisboa, achava tudo isso estranho e a vontade de ir a
Nova Iorque aumentava todo esse sentimento de insatisfação. Dava-me a ideia de que
as pessoas, ou eram cobardes ou tudo o que fazia lhes passava ao lado num regime
estranho de mainstream... Depois, não conseguia perceber porque é que Miriam
desistira de mim, talvez fosse por ter casado aos 19 anos e precisar de estar só,
dedicar-se a uma carreira universitária. Estava ali, quase abandona, em Riachos,
naquela rua Vitor Mendes, não imaginando que dali a dois, três meses, poderia estar
em Nova Iorque, sem saber se ficaria ou se voltaria para cá, mas enfim, tudo era
como com as mulheres, estava afoito a sofrer, naquele tempo as mulheres não era
fáceis, cumpria-se o desiderato de muitas de serem seres universais, com os quais era
complicado lidar, tinha de ser com pinças almofadadas, mesmo as mais novas.Claro
que eu estava mais do que excitado, estava em pulgas, mas sabia o balanço a ter entre
serenidade, ausência de movimento, e euforia, cujas consequências podiam ser
danosas para o futuro dos seres habituados a manter-se entre os dois níveis bastante
bem equilibrados. Fosse como fosse, só o trabalho me fascinava, estava à espera da
bolsa e da pensão para pedir um empréstimo, nada muito mais, é claro que tinha
projectos, talvez concorrer a um concurso de Professor, mas isso mesmo não me
seduzia... Ficou parado na minha memória o corpo de Miriam, afastando-se de mim,
perfeito, com alguma celulite nas nádegas mais ainda assim perfeito, estava no escuro
da escuridão da minha Casa do Jardim, não sabia se havia de ir ao Café do Jardim,
aparentemente Miriam não queria nada comigo, queria trabalhar, enquanto eu via
televisão, o progrma Golos e o Último Lance, da TVI e sonhava de novo estar em
Lisboa, onde de uma maneira ou de outra teria talvez de passar o resto dos meus dias,
não sem antes rumar a Paris ou Nova Iorque.
Há qualquer coisa de extraordinariamente belo em ver a minha sobrinha jogando
Roblox no meu PC e vendo a mãe na cozinha, fazer a gestão da cozinha, como ela diz
e vendo o meu velhote deitado na sala no final do dia. Tudo no final do dia. Dá-me
vontade de desistir de uma carreira de académico, mas lembro-me que possuo
internet. É claro que sinto falta de uma mulher, preciso mais do que uns breves
encontros, uma relação a sério, que quero que seja com Miriam, se ela me der bola.
Nisto tudo, enquanto o rádio tocava, no final da tarde, pensava em escrever à mão em
folhas de papel, ora tamanho A5, ora tamanho A4, mas avancei um pouco para o
teclado, procurando não fumar, dei umas voltas pelos livros que tinha em Riachos
para me entreter nessa noite e talvez ficasse pelos "Enigmas da Existência" e "O
Pêndulo de Foucault", e lembrava-me do matemático-filósofo que havida
demonstrado a existência de Deus em apenas uma hora. Seria Godel? Sim,
certamente.Muitas vezes tinha sentido vontade de deixar de escrever, sobretudo pela
razão da falta de feedback. Vou jantar, a estúpida da minha irmã desatina novamente
comigo, bem como a minha mãe, parece que estão para me contrariar há já bastante
tempo e que perderam qualquer espécie de afeto por mim. Se é assim com os
membros da minha família, como será com os outros...Enfim, a vida social torna
infelizmente as pessoas "legais" na sua esfera doméstica, plena de suspeição e
desconfiança e que quando não as adoram, nos rejitam e tratam mal. Olho para a
prateleira de livros e retiro "O Paradoxo da Moral", de Jankélévicth. No final, tenho
uma expressão que diz (de minha autoria): "A democraticidade da imagem pode levar
à anarquia social se o individuo não tiver capacidade de reflexãoe agir por
condicionalismos psíquicos". Longe estou dos meus amores, ainda penso em,
Miriam, convidei-a para passar comigo a passagem de ano, mas não crio
expectatixas, nem percebo as mais diversas formas de amor dos outros, só conheço o
trabalho de estar entretido, depois de uma tese que ainda quero seja discutida e dos
inúmeros livros publicados. Sim, havia chegado a um lugar em que a minha acção e
pensamento nãoi era impunes e ainda bem, a vida tinha altos e baixos e eu só
procurava estar atento e estar ocupado, novamente na investigação em Antropologia
Filosófica, promovendo também as minhas obras em livrarias online. Olhava para a
cama em que me deitava confortavelmente e sonhava em dormir depois do almoço, a
fim de descansar razoavelmente e conhecer o enduro da minha realização pessoal e
proffisonal., Não tinha nada de especial para fazer mas tão e tão somente colocar os
meus livros na amazon e outras livrarias a fim de trabalhar pela visibilidade literária.
Sim, claro que gostaria de ter uma vida diferente, mais activa e olhando minha mãe
comigo à mesa, tinha-lhe imenso amor e carinho, mesmo que ela me tratasse mal,
estava cansado, tinha do dormir a sesta, mais tarde logo se veria, estava ainda um
pouco inquieto e olhava para mim mesmo e chegava ao ponto de me arrpender de
certas coisas, mesmo e sobretudo face à minha mãe, que era uma mulher pura,
sempre o fora. Tinha, por isso, um sentimento esquimorfo de desalento para comigo
próprio e ternura para com ela...
2,
Depois, descobri um traço essencial da nossa época: a ética, a ética clássica ou
católica, descontinuava-se, deformava-se para se mostrar noutros termos.
Efectivamente, uma pessoa podia estar fazendo uma coisa e pensando noutra. No
comboio, um velho, talvez universitário ou académico, dizia-me que ― a universidade
não é para pategos‖, pois, ―patego é você‖, eu não estou obcecado com a
universidade, tenho lá quem goste muito de mim, como tenho quem não goste e em
todas as áreas da vida social é assim, não tenho pressa, pois tive em jovem uma prova
que muito poucos têm e muitos deveriam ter, o convento, o seminário, em vez de
irem para a tropa alimentar desejos de guerra, mas respeito isso também. O que não
respeito é o desrespeito que, por preconceito ou mesquinhez, muitos me têm. Mas,
mesmo assim, há muito quem goste de mim, em Lisboa e arredores. Sim, não sou
daquelas pessoas que desistem (das pessoas) facilmente, por isso passo por chato e
até melga ou carraça, sou daqueles que motiva e acredita nas pessoas, mesmo as mais
acintosas, poderia ter sido o maior antropólogo de todos os tempo, só porque tinha
medo, mas não fui, porque afinal era pouco tímido, um pouco ou nada tímido, afinal a
coisa antropológica é só o sexo, nada mais e o que me aproxima dos filósofos é que
não preciso, como a maior parte dos antropólogos, da suscitação do acontecimento,
sei muito bem imaginar situações sociais e literárias reais. Sim, estava desistindo de
escrever, no meu enésimo, talvez trigésimo segundo livro, mas não tinha outra
hipótese (científica) senão continuar, enquanto o mundo continuava enlouquecendo à
minha volta e eu ficava em casa, naquela noite, sem falar com ninguém, nem mesmo
Miriam, pois sabia que quanto mais falasse pior seria. Mas não podia deixar de
pensar nela, cheguei a um ponto em que não podia mais andar, não podia mais parar,
como se precisasse da sua autorização para ser feliz ou ao menos ter uma vida
decente. Sim, este não seria o romance clássico, nem tãopouco o vulgar romance
contemporâneo. Descobri um padrão na sociedade daquele tempo, que seria a falte de
seres que contemporizassem, a filosofia toda ela assentava nisso, na ideia do
pensamento revolucionário com palavras, por isso era inútil, faltava a esse mundo
que eu abandonava progressivamente quem contemporizasse, para que as coisas, as
ideias, as pessoas, seguissem o seu curso. Eu? Simples, apenas discutindo a minha
tese podia acalentar a ideia de ser professor universitário, estava farto da rua e das
coisas mal feitas e ao fim de tanta coisa mal feita eu estava mais do que preparado
para as fazer bem. Finalmente, eu era o homem, talvez fosse até o rei da minha
cidade, o eterno Rei de Lisboa. Depois, estando em Riachos, o meu pai não
adiantando grande conversa, bem como os locais, em tinha rebentado com a
antropologia, pelo menos a portuguesa e ainda assim continuava com dificuldade em
arranjar mulher, mesmo não tendo carro, claro, tinha casa, e o mundo andava
oportunisticamente desordenado e só me apetecia dormir. Levanto-me, procuro o
computador e neste enésimo livro, busco um sentido bom, uma centelha que me faça
continuar. A televisão e a internet estão suspensas depois de ter pago um mês de
atraso, na verdade tenho dois de atraso, mas tal não é situação inédita. Tenho de
procurar um café aqui perto que tenha uma banda larga que chegue a minha casa. Não
tomo banho nem tenho vontade de o fazer. Visto-me com a roupa do dia anterior.
Ligo à minha irmã, ligo o rádio e faço tempo para sair, após dois ou três cigarros, dois
ou três cafés. É claro que me desligaram a net depois de ter dito que tinha dois meses
em atraso num café ontem. Parece que está tudo contra mim e as pessoas são
estúpidas, eu sou estúpido e confundo-me com elas. Tenho de prosseguir, vou
aproveitar para continuar este livro e ler umas coisas, mesmo as coisas da biblioteca
de Marvila, quando um tipo me acompanhou até à estação. As pessoas pensam que
eu, por ser uma figura pública, mereço todo o tipo de atenções, coisa que eu dispenso
perfeitamente, para bem ou para mal. Sim, o corpo repartido na minha memória. Se
não amasse Miriam talvez não me salvasse através daqueles dias. O corpo na cama,
semi-dobrado, numa folha de jornal que um velho vê e passa, banalmente, ela comigo
na sala, eu encavando por detrás. Eu à espera do dinheiro para o dia e tentando
ganhar alento para mais um livro, junto de um copo de vinho branco saturado…
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Sim, eu estraguei tudo, lembrando de Joaquim Paes de Brito, Rosa Perez, João
Leal, estraguei tudo ou não, terei ido para um caminho que foi solitário e os
testemunhou, de algum modo, não sei como nem porquê. É assim, as duas janelas dos
apartamentos em frente estão escurecidas pela ausência de luz, pressinto que não há
lá ninguém, ou então estão dormindo, a esta hora, quase meia noite, enquanto a rádio
volta a gozar comigo, não me oponho a que tenham alguns momentos de diversão na
piscina, a esta altura sinto-me muito pouco ditador, enquanto não tenho têvê nem net,
terei de regressar a Riachos e o velho do comboio falava numa poesia unindo dois
lugares (Lisboa é um lugar?), enquanto dizia que a universidade não é para pategos.
Na verdade, nunca soube o que tal significa. Ligo para Miriam, nada. Ligo para
Estêvã, nada. Ligo para Grácia, nada. A noite é mais bela quando nos entregamos a
pensamentos desnecessários, fúteis. Claro que penso em Miriam, a toda a hora, é ela
que talvez sinta o bater do meu coração, mas não dou cem por cento, só eu estou a
investir. A velha de baixo anda de um lado para o outro, querendo queca, já podia ter
sido, assim eu afirmasse a minha masculinidade. Portugal é um país insuportável: são
amigos de estrangeiros e os de cá odeiam-se uns aos outros, não se aguentam, andam
todos a correr para os hospitais psiquátricos para aprenderem a ter um vida social
decente, no fundo, tal como em Espanha, tudo anda obcecado com isso, com a vida
social, com o Parecer…A beleza da vida talvez esteja num jovem sem poder e ao
mesmo tempo com imenso poder, Líber, que não tem televisão nem internet e que
espia um pequeno vídeo porno algures perdido no meio dos vários ficheiros do
computador. Não conseguem tirar beleza à beleza da coisa..,. Depois percebi o que a
velha queria, ou seja, o jorro do leitinho pela piça acima ou abaixo, conforme a
situação. Há muito tempo que não sentia nenhuma piça dura dentro dela e, de alguma
maneira, eu representava essa promessa, ai meus amores, ninguém se assume, claro
que a minha mãe não tem nada a ver com isto, é santa, pois então, pelo menos mais
santa do que eu, a maior parte fala politiques mas mantém a retranca em baixo, para
onde vai o povo, todos querem aproveitar-se, enquanto o maledicente sou eu, logo eu,
o mais brilhante intelectual que o país terá conhecido, pelo menos no meu tempo e
inventam personagens, deliciam-se com eles como se fossem-não fossem eles
mesmos…Muitos querem romantismo mas não o alimentam. Depois, não muita gente
fala disto, percebi um povo pequeno cuja autoestima era dada e aquilatada apenas
pelos estrangeiros, o que me parece, face a uma Alemanha, por exemplo, bastante
elucidatório. Baixavam-se aos estrangeiros, não só em termos de turismo e não
aproveitavam devidamente os valores que se levantavam por aqui…era uma forma
rasca de ser português. Saio à rua, procurando um motivo para escrever, parte das
pessoas chamam-me nomes e eu não respondo, fico pensando, tentando dar uma
solução, uma justificação àquilo. Tento tomar o bilhete e percebo que teria de ficar
muito tempo à espera no Entroncamento, pelo que decido ficar, pelo menos mais um
dia. Ligo o rádio para evitar que oiça as vozes dos vizinho, ora falando bem, ora
falando mal. Uma deles diz que sou doente, que deveria ir para um hospital, eu?, logo
eu, o melhor escritor da actualidade, com tese em Filosofia para ser discutida, com
uma Antropologia, aquele que revelou muitos segredos do funcionamento da
sociedade? Logo eu, que continuo apostado na escrita, um trabalho que poucos
abraçam pois não têm coragem de ficar sós, estão sempre ligados à televisão e à
internet e não toleram mais nenhum tipo de parvoíce como essa. Sim, nunca deveria
ter tido aceite entrar num hospital, nem vou mais, por minha vontade, pois sou afinal
uma espécie de sanidade para a sociedade, não de prejuízo.
4,
Não existo para provar inocência alguma, tenho a minha ideia de sociedade, não
admito que uma parelha qualquer julgue que eu preciso de estar internado, não tenho
consciência de ter feito mal algum, aliás, mesmo fora da academia, mesmo à margem
da sociedade, continuo grassando a minha própria perspectiva, ainda que sem têvê
nem internet, procurando escrever mais um enésimo livro, mesmo que a consagração
social ainda não tenha chegado, nem isso motiva ou me motiva para escrever senão a
própria realidade.
Entretanto, não tinha dinheiro para discutir a tese, o que me podia levar a um ou
outro lugar de professor, teria chegado ao ponto em que várias pessoas, muitas até,
sabiam mais da minha vida do que eu próprio. Eu não estava num lugar elevado
esperando pela dama, nem estava no lugar obsceno dos pombos, a meio termo, nem
estava em baixo, estava então no desejo e no desejo da volição e isso metia espécie a
muita gente, o homem é curioso por natureza e talvez seja isso que o distingue dos
demais, para além do facto de ter desenvolvido uma linguagem ou várias, muitas
linguagens. Sim, voltara a beber, voltara? Nunca tinha bebido muito, a vida para mim
era bastante difícil e improdutiva, mas eu sabia beber bem, não me preocupava com
muita coisa, nem pelo que a minha mão pensava de mim, alguns viam nisto uma
forma dilecta, predilecta, de prevaricação, liga a Miriam e nada dizia, a Graça,
também, quando mais me enterrava mais ligava mais desligava, sim, era
absolutamente o autor mais dotado do país e talvez de outras fronteiras, mas
permanecia ignoto, recebendo uma mijeta de pensão, empréstimos da irmã e mais
daqui a pouco, sairia de casa e voltaria para estar aqui, continuar fiel ao leitor. E será
que o autor merecia, muitos procuram assentimento no politicamente correto e eu,
sem razão alguma, ignoro o politicamente correto, pois não depende disso o meu
talento. O problema de muita gente e de muita moral actual é que grassem para a
frente sem perder o que está para trás, remetendo uma acção contínua e que está para
a frente a uma acção, condição e crença anterior, talvez mesmo interior. Isso não faz
bons seres humanos.
Poderei, ou deverei, escrever, reescrever o meu dia naquele tempo em que chovia
um pouco e não havia nenhuma janela com luz no outro lado da rua? Trouxera para
casa uma pequena garrafa de Jameson, depois deitei-me no sofá da sala e sentia que a
depressão me rondava e queria morder, tinha de ser forte, tanto aqui, sempre sozinho,
quanto em Riachos, sujeito a críticas várias de toda a espécie e comentário
maledicentes. Deitei-me na cama de barriga para o ar, mãos cruzadas e entrei em
profunda meditação, só assim esqueceria os corpos e pedaços deles que me
povoavam a mente, como se viajasse para longe, para uma praia moribunda algures
no Pacífico. A boa disposição de há semanas tornava-se na angústia, como se
queresse, como todos, mais e muito mais. Não aguentava tanto tempo na cama, o dia
mal tinha partido, enquanto uma ideia, uma imagem, persistente e inconveniente
teimasse em melindrar ou meu espírito, Estava numa espécie de labirinto, sempre
percorrendo o mesmo caminho, mas uma punção mental seria a conclusão do meu
espírito quanto tomava nas minhas rédeas fazer alguma coisa por mim. Não
conseguia dormir, sobrava-me pouco dinheiro para poder comprar uma garrafa de
vinho e pensava por momentos que, quanto à questão de ter amigos e sentir-se bem
com ele, eu talvez tivesse uma resposta a dar quanto a isso, pois me sentia por vezes
bastante feliz e dono do meu destino. Habituara-me a viver sozinho e deitava-me,
para meditar mais um pouco. Sim, muita gente me odeia e quer-me ver morto, a
minha mãe chorou diante da minha mãe depois de eu lhe ter chamado a atenção para
o facto de me ter num hospício, várias vezes. É claro que eu precisava de ajuda, não
quero reescrever a minha história pessoa, mas não essa a forma de tratar o problema.
A questão é que lutei contra tudo e todos e aprendi uma forma de evitar perigosos,
que é não ter medo. Pensavam que me deixaria ficar mal? Não estou obcecado com
carreira, para mostrar e coisas diversas, adoro viver e continuarei a fazê-lo durante
muitos mais anos.
5,
Por vezes, quando dormia durante o dia, chateava-me o pensamento de que não
tinha trabalho, mas a questão é que não tinha mesmo, mesmo com as minhas
habilitações, talvez porque por um lado não quisesse ter e por outro não pudesse
mesmo ter, ou seja, pela fraca saúde psíquica que me habilitava pouco para tarefas
sociais. Dá ter escolhido Antropologia Social e ter regressado a mim mesmo por meio
da Filosofia. Depois, este personagem que se podia chamar Joseph Taigen, não tinha
automóvel desde há muito tempo e sem dúvida que não podia, como ninguém pode,
ser filósofo e ao mesmo tempo um homem de negócios. Mas isso chateava, a ideia de
estar atravancado no caminho entre a casa e o café, entre a casa e a Baixa Pombalina
e não sir disso mesmo e conhecer apenas as mulheres que tinha naquela amplitude
geográfica. Entrei para debaixo dos lençóis mesmo vestido, lençóis fofinhos com
calças sujas pingando porcarria e borbotos, a ideia ficou cravada na mente, não muito
violentamente, mas perseguia-me como uma sombra naquela tarde fria e triste. Mas,
se tinha tirado os melhores anos da vida para escrever e estudar Filosofia, mtendo
inlusivé pedido vários empréstimos bancários, tinha agora a oportunidade de dar um
certo corolário a tudo isso, a todo esse trabalho, ou seja, podia pedir um empréstimo
não só para ver discutida a tese e finalmente aceder a um trabalho condizente com o
meu tralento, como podia comprar um carro, o que me permitia uma mudança
considerável no estilo de vida. Podia, finalmente, transgredir em nome da sanidade e
ser o meu mesmo pseudónimo, Joseph Taigen. Sim, desde há quatro ou cinco meses
que bebia, de tudo um pouco e escrevia horrivelmente, no sentyido positivo. Só
percebi isso quando me via desorientado sem beber alguma coisa, uma cachaça ou
imperial, estaria alcoolizado? Não creio, eu sempre soubera beber, havia dias, uns
bons outros menos bons e naquele dia de Inverno, quase no final do mês de
Novembro, fora admitido provisoriamente à bolsa de estudos para Filosofia. Agora,
tinha de ter calma e esperar dois ou três meses, lá para Março sairia o resultado final.
Podia ser que mesmo nesse mês pedisse a verba do empréstimo, tendo de arriscar
cento e dez euros da minha verba da pensão, que podia vir duplica, o que seria
bastante bom, para todos os efeitos. Sim, porque se ganhasse a bolsa, só novencentos
euros por mês não me chegariam para fazer face aos meus projectos educaionais e
culturais, de modo que iria pedir um empréstimo de dez mil euros numa fase e vinte
mil noutra, não tinha bem a certeza, talvez esperasse até o resultado da bolsa e fosse
andando, velando assim, a pouco e pouco. Miriam entretanto voltou a dar sinais de
vida, talvez devido à minha insistência, ela dizia que não "estava minimamente
enamorada ou atraída" pormim, que o que lhe interessav seria a minha "animalesca
tesão sexual". Na verdade, eu não sabia porque insistia mais, talvez porque o sexo
fosse bom e fosse melhor do que nada. Mas, no fundo, eu sentia que ela estava
caidinha por mim, quanto eu por ela e que podia (ainda) ser a mulher da minha vinda,
mesmo não vivendo comigo, nem mesmo visitando meus pais em Riachos. Depois,
ouvia a canção "Comunicar" ("Estás Preso") e via que todos mais ou menos, sob
diversas justificações e razões, procuravam uma explicação do humano, no
extrahumano no humano, enquanto eu continua a fazer download e a ler obras
diversas no campo da Antropologia Filosófica que, para mim, a meu ver, era uma
resposta (ainda que extensiva) para a questão do Homem. Já tive menos vontade de
ser professor, mas via que tal se podia aproximar da realização, numa faculdade ou no
secundário. Tinha 48 ano, ainda podia trabalhar pelo menos 20. Isso enchia-me de
coragem. Sim, Miriam reaparecera quando lhe havia falado na passagem de ano.
Sabia que ela estava farta de homens, mas tinha saudades de um pau bem
atravancadocomo o meu e eu sabia que ela não tinha ido para o site por acaso, só lá
vai quem quer uma relação duradoura mas com sexo e quase podia dizer que ela
estava caidinha por mim e eu estava quase a dar-lhe a "estocada" final, mesmo que
não quisesse uma envolvimento formal, tipo casar e coisa e tal, é mais certo que
gostaria de uma relação mais intelecto-carnal, coisa bastante rara nos dias de hoje,
sem que eu tivesse obrigação de alguma espécie de fidelidade para com ela ou ela
para comigo. Podia, assim, levantar asas para uma relação, uma verdadeira relação do
tipo ficar a dormir com alguém, coisa que se acontecesse, me faria, eu sei bem,
esquecer definitivamente Miriam...Sim, sabia que estava rendida a mim, sexualmente,
que eu era um tipo quenta que gosta tanto de pachacha do que conversa social e
filosófica. Sim, finalmente encontrara uma mulher com quem fazer diatribe, não
como muitas encolhidas portuguesas que não significavam nada do ponto de vista
sexual, desculpem, não quero ofender a mulher portuguesa, mas era mesmo assim.
Sim, era um amulher absolutamente deslumbrante, bonita, e com um corpo fabuloso,
que faria levantar o pau mesmo a um jovem de 19 anos, com pequenas estrias nas
nádegas, mas eu aché achava isso sensual. Certamente iríamos fazer uma tatuagem os
dois, pois era isso que ela queria... Falo com Danny e penso: "escrevi muita coisa em
vão, mas ainda bem que escrevi". Sim, chegado a este ponto ainda estava diposto a
continuar e isso justificava tudo aquilo que havia feito. Os jovens querem
reconhecimento e têmn de fazer por vezes coisas tortuosas e obscenas para o
conseguir, mesmo enveredar por um caminho de marginalidade. Eu, nem por isso,
nunca me aconteceu nada de verdadeiramente grave ou cruel, é claro, estive internado
várias vezes, mas foi digamos, por um bom motivo (a saber a pornografia online), em
tudo isto estava-me fazendo o que verdadeiramente sou, além dos filmes e dos CD's:
um cientista social, como Danny e muitos outros, com um pouco de filósofo e
escritor. Por outro lado, podía-me dedicar quase exclusivamente à Filosofia, pois
tinha ( e ela tinha) um corpo a quem recorrer. Eu sabia que lhe iria dar a volta e que
ela acabaria por vir a Riachos e dormir aqui comigo, neste quarto mesmo ao lado do
lugar onde estou....
Enquanto a pequenita jogava Roblox e o rapaz estava não sei onde, a minha irmã
também estava não sei onde, quanto mais faria o meu cunhado, que aparecera de
amnhã. Eu tinha uma garrafinha de cachaça comigo e finalmente as coisas estavam a
cômpor-se: a perspectiva de vir a ter bolsa melhorava, a perspectiva de financiamento
para diversas actividades também aumentava e eu sei que a minha imagem pública
melhorava em toda a linha, porque eu estava acertando "na deles", fazendo as coisas
como se deve fazer, com sorte ainda teria um docinho como prémio para dormir com
ele durante as noites que me separavam dos dias em que alguém havia de "desligar a
ficha", coisa que eu nunca me atrevera verdadeiramente a fazer, embora numa
ocasião houvesse engolido 40 compromidos de antidepressivos...bem, ao menos a
depressão ficou curada!... A esse propósito, Jorge Palma fazia trinta anos de carreira e
ouvia Bradley Cooper com Lady Gaga, o mesmo que tinha contracenado numa
película sobre um escritor, quiçá influenciado por mim (de tanta coisa que mandei
para a América, que um dia iria visitar), a propósito do império português, o mais
antigo disseminadamente. Muitos, neste mundo, realizam coisas e vão-se gabando
pelo caminho, outros gabam-se no fim. Há de tudo. Há aqueles que não se gabam, são
os espiões ou os religiosos, melhor diria Umberto Eco. Eu gabo-me, para mim, para
comigo mesmo, arranjando uma âncora para continuar vivo no navio (dos loucos e
dos são, o que são uns e outros senão viventes?). Sim, havia de falar nisso com
Danny. E lembrava-me do ar bondoso e sábio de Victor, pouco tempo antes de
morrer, era esse o olhar que queria ter para a mulher de Manu, quando estivesse em
Lisboa ou em Riachos de Cima, quando tivesse dificuldades em lidar com a
incompreensão e ostracismo dos seus pais... do seu país.... Depois, folhando o meu
último Caderno Azul, pensaei nas inéras folhas escritas à mão, ainda inpublicadas e
que me faltava, sem dúvida, de um grande editor...sendo que talvez fosse eu mesmo o
melhor editor de mim mesmo, com o dinheiro que iria pedir por empréstimo...Depois
pensei, "muitos nem sequer se esforçam, levam uma vida em vão", enquanto eu dera
tudo e continuo a dar, por mais críticas e gozo que apareça, sim, estava tudo maluco
naqueles tempos e eu continuava neste país porque tinha ainda muita coisa a fazer,
enquanto se prestava, na maior parte dos casos, um mau serviço, tanto em termos
televisivos como radiofónicos e era isso que me apaixonava, ver tipos e tipas artolas a
meter a pata na poça, o pé na argola a todo o tempo. Dava-me vontade de
rir...ahahhah. O que tinha de mais extraordinário e educativo era o facto de que não
desistia do meu projecto pessoal ante as críticas e/ou adversidades, mesmo estando
bêbado não o estava, grassava ainda mais e os mais jovens ficavam absolutamente
malucos com isso. Depois, percebi que , entre a sombra da solidão e o plasma e néon
da celebridade, vai muita distância, ou distância nenhuma, como vai entre a alegria e
a trsiteza, disfarçada de malncolia e, pelo modo como a minha mãe me tratava (por
isso corria para o café) é porque na realidade não gostava de mim, como gostava da
minha irmã e do meu irmão. Por mais provas que eu desse, nada bastava e ainda por
cima queriam que eu7 ficasse nesta aldeia, coisa que eu só de quanto em vez faria, de
quando em tempo realizaria, pois ninguém me falara abertamente no assunto, nem
sequer a minha irmã. Os pais nunca são preparados para ser pais, para ter filhos, esse
é o drama de ontem e de hoje. Simplesmente acontece. E ficam pensando nisso,
tentando acertar quanto mais fazem pior é, sendo que a ciência pedagógica é das mais
complicadas coisas que há e há-de haver, porque nenhuma criança está preparada
para enfrentar a sequência das gerações e o mundo, por isso me debruço sobre o
Timeu, mais do que sobre Os Diálogos... Os meus pais são assim, como o são a maior
parte, sentem-se tão frustrados que projectam nos seus filhos as maiores ambições.
Por mais que se faça nunca estão contentes e o problema é que nem sequer
incentivam. Isto estende-se ao estado da educação em Portugal, a formação é feita
pela opressão, tipo militar, em que o aluno sofre, como eu sofri, horrores, para contar
qualquer coisa da universidade e da vida (na cidade) aos futuros alunos, ou seja,
baseiam a trasnmissão de saber numa forma mais ou menos sádica de transmissão do
saber, repito, em que se tem de ter respeito ao professor, não se pode ter espírito
crítico nem questionar nada, os dogmas, mais ou menos liberais. Talvez por isso eu
não seja professor, convidado para lugar algum. Talvez porque esteja certo e tenha a
minha razão... Por isso, os professores perdem direitos, porque no fundo ainda não
perderam os tiques de autoritarismo de antes do 25 de Abril e estamos uns para os
outros, pais, filhos, educadores, decisores políticos ou académicos. Sim, talvez por
não ter filhos sei educar cadilhos...
6,
Depois, percebi que um Vasco Luis Curado escrevera um livro de ficção
denominado "Estação do Oriente". E eu era (ainda) o antropólogo que por lá andava,
que por acaso escrevia também (bastantemente e com qualidade) ficção... Não era
isto um sinal de injustiça? Do resto, nem me importo, é para garotos...Um certo
sacrifício de mim mesmo em nome da humanidade quando a humanidade nada fazia
por mim? Isto sim, era bastante, mas muito bastantemente estranho.... Não podia dar
atenção ao facto, ao sentimento, aliás, desde que estivera em Lisboa ninguém dera
nada por mim, tudo o que conquistara fora pelo meu suor, pelo que não esperava nada
de ninguém...nem queria pedir nada a ninguém...Depois, ainda cavava mais mérito
antropológico numa só aldeia, ou seja, enquanto muitos antropólogos tinham aldeias
e mais aldeias no seu percurso biográfico, o meu percurso era puramente conceptual,
entre um modelo de aldeia e um modelo de cidade, se é que Riachos fosse um
modelo, se é que Lisboa fosse um modelo. Sim, nos dias de hoje havia uma
sobrelotação de sentido, com a qual nem todos sabiam conviver, oscilando entre a
obsessão-compulsão e a paranóia, enquanto outros remetiam tudo para o afecto,
enquanto outros davam especulação e explicação por tudo e mais alguma coisa. Sim,
andava em vias de ser recreado na minha própria aldeia, ainda me valia estar em
Lisboa. Poderia ter sido um grande antropólogo? Era o melhor, até no sentido
filosófico da coisa. Mas Mestre até me dera uma enorme ideia: no dia seguinte,
visitaria o meu primo Nanesq, na localidade de Ceiras... Sim, a sociedade está como
estão porque a maior parte das pessoas olha para o céu quando está cagando na
sanita, ou seja, a ciência social (que eu faço) é a solução, quando muitos (a maioria,
sem dúvida), pensa que ciência é matemática, engenharia e astrofísica. Jornalistas
burras... que admiram Stephen Hawking, quando tudo não é mais do que uma
convenção...ora porra para a Filosofia. Sim, o peixeiro estava lá dizendo a sua boca, é
muito fácil ter o trabalho e mandar postas de pescada no café, muito mais difícil é
fazer filosofia em nome da humanidade sem nem sequer a sentindo, sem afecto, sem
mulher, passando mal economicamente, não tendo senão uma vontade absoluta de
lutar, neste país de cego (Saramago) onde mais cegas são elas. No fundo, a melhor
forma de viver é saber conviver com a morte, como se todo o homem fosse
obsessivo-compulsivo, como se tivesse de reiterar uma pulsão de morte de certo
modo associada à sexualidade, ou seja, à perda física em ganho psíquico, sendo que a
melhor forma de entender o homem é analisar a sua emoção em conflito e isso não é
fácil, poucos o fazem, mesmo a antropologia está ligada a sentimentos e emoções de
longa duração, que não dizem respeito à resposta humana face ao stress, digamos que
não tem a finura de muita psicologia, mas isso é também mal da maior parte dos
antropólogos portugueses, dos quais eu me excluo definitivamente.
7,
Já viram que eu estou fadado para esta merda, nem mulher para me consolar, eu ia
embora já amanhã se não soubesse que em Lisboa é pior, que não há lá descanso das
vozes do vizinho. Tudo isto para provavelmente ser professor de Filosofia na
faculdade? Isso dá-me vontade de desistir, fazer outra coisa, não ensinar os jovens a
sofrer, como os meus sobrinhos, desde já. O ordenado não justifica tanta chatice,
ainda por cime não tenho filhos. Sim, a minha obra já ia nas trinta e quantas obras,
mais doze ou vinte incompletas, iniciadas, outras por iniciar, eu era sem dúvida o
melhor escritor do meu tempo, contudo ainda não tinha um contrato com uma grande
editora sem que precisasse de dar um tanto para publicar a obra, por isso ia
publicando a obra no escrytos ponto pêtê. Cheguei finalmente, a uma soberana e
nobel conclusão: tinha mais fé na antropologia e filosofia do que os meus ex-colegas,
do que muitos que continuavam, atónitos na sua ensimesmidade, do que muitos que
professavam essas ciências. A minha teoria incluia mulheres ansiosas por afecto do
homem e homens tolarantes quanto à homofobia, desejando por lábios ardentes que
eu nunca considerei saber escrever. Entretanto, no Brasil, ondas do poder defendiam
o creacionismo, eu tentava dormir, engavetado nos mais diversos lençóis, enquanto o
pequeno estav nos seus jogos na net, enquanto eu percebia que faria muito mais como
criador de livros, fosse de teoria social fosse enquanto ficcionista (Rui Zink e Inês
Pedrosa) ou filósofo, sempre em busca de um sentido inusitado das coisas. Depois,
finalmente, percebi, o tempo da vida é estar e andar, reflectir e partir daí par afzer
qualquer coisa. Liguei a Graça, falei com ela, liguei a Mariam e não atendeu. Os
meus velhotes dormiam, assim como a pequena, como eu, tentando dormir no meio
dops lençóis fofinhos em que dormia à tarde, o pequeno-grande Rafa lá estava nas
coisas deles, na net, no Vice-City. Ainda ouvia a rádio. Lembrava-me de Danny,
modestamente sociologizando por entre os transeuntes da aldeia perfeita. Vira
Cristino à tarde e lembrava-me de Knut Hamsun em "Fome". Mas eu tinha comida
em casa, feita pela minha mãe, fazendo a gestão da comida. Bom ano para o
Brasil...Eu sabia que ela me desejava, que não queria ter outro homem mas que me
desejava, tanto quanto eu a desejava a ela, a brasileña, que tanto eu chupava, nos
bicos, quanto ela me chupava, no Ser...divinamente falando coisas úteis socialmente e
falando das mais diversas formas de sermos, os dois, úteis, para com nossos países.
Enquanto ela era brasileña, eu era português, assumidamente, embora vindo da
França ou da Hespanha, pois sabia intima e esplendorosamente o que fazer. Neste
cenário, nesta paisegam, neste amor ligado à geografia. Sim, falei com Gráça e ela
disse-me sentir falta dos nossos meles, até parece mal um quase catedrático falar
disto, mas Bataillle explica tudo isto muito bem, melhor do que eu, ou até pior do que
eu, isto parece um escândalo, eu próprio não ter uma classe, vai para três meses sem
alunos nem aprovação da tese, mas eu continuo grassando e pensando que Miriam me
deseja, eu sei que sim, pois não é fácil a uma brasileña encontrar um europeu que lhe
jure amor, talvez tenha ela algo na manga, o que creio não acontece com Graça...
Sentia pena da minha mãe, coitada, tanta coisa que passara dos outros por mim,
contra mim e contra ela, tanta coisa que eu não filtrei e ela teve de aguentar com tudo
isso, mas não mais, eu continuaria atento e iria protegê-la, bem como ao velhote, que
sempre fora um tipo correto, a sociedade devia-me isso, respeito a mim e à minha
mãe, aos meus velhotes, devia—me muita coisa mais que eu nem sabia dizer, daí o
alardo,m daí o escândalo e a indignação... Depois, surgia o festival de Saúde Mental,
o "Mental", depois, um outro ligado ao Hospital Júlio de Matos, para demonstrar a
muita gente que as relações humanas nem sempre se regem pelo aproveitamento da
ocisão, têm a ver com laços, com afectos e afinal o mental é tudo isso, é o afectivo
em potenciação e cumprimento, não vale a pena estares sempre em regime de
aproveitamento das situações, deixa um dia caminhar-caminhando um após outro, dia
após outro cumprindo-se a si mesmo enquanto crisálida que um dia há-de ser lagarta
e depois borboleta, é esse um grande enigma da humana condição, que tem sem
dúvida a ver com a condição animal e vegetal, ou seja, enquanto tem a ver com
muitas variáveis, ao mesmo tempo não tem, é si mesma enquanto mundo e
mundação, potenciação de si mesma e do mundo por inteiro. Aí esta a graça da vida e
da crisálida que se torna borboleta, ou seja, ver a beleza de todas as coisas em todas
as coisa, não procurar ser o melhor, mas a condição mais cristalina, como dira
Drummond de Andrade, porque nada vale muito a pena sendo que é sempre premiado
o esforço face às coisas, pessoas e ideias. Assim como tratares, assim te tratarão, no
fundo é essa uma das primeiras regras não só escolásticas quanto sociológicas. Decidi
não intervir no miúdo, afinal nem era meu filho nem queria interferir no seu sentido
da realidade e das coisas, uma coisa que meu pai tinha de bom, au-delá de muitos
pais bastante formadores, seria dizer-me por onde haveria de ir, por onde ficar, por
onde seguir, nunca, é certo que não entusiasmava, mas eu cheguei a um ponto que
agradecia essa ignorância, porque podia estar muito lixado, mas nunca me chateava e
eu via isso mesmo no meu cunhado, não chateava demasiado o pequeno, ele que
fosse aprendendo por ele mesmo, aí está mais um dos segredos da vida feliz, não
haver muita chateação, ou seja, fruir o momento e tal é o princípio da felicidade e da
eterni9dade, em vida e após ela, para si mesmo, em sua existência exclusiva, e para
os outros, digo eu. Sim, para muitos que dizem que só escrevo sobre mim, vejo-me
escrevendo sobre muitos, a bem da exogamia do lugar... Enquanto isso, não sabia o
que mais escrever, enquanto filósofo e antropólogo de prestígio, o mundoe stavca aí,
desafiante, enquanto uns o levavam a sério fazendo antropologias filosóficas ou
astronomias matemáticas, outras gozavam com ele e com uns através de outros, tudo
era admissível?, não sei bem, creio que nunca saberia e eis então o desafio do estar e
do ficar, do ir e do voltar a si mesmo reconciliado com uma qualquer ideia de amor
romântico, semnpre associado a um bucolismo a que me orgulho de pertencer, au-
delá da herança francesa ou espanhola da Andaluzia, e mesmo do cosmopolitismo
mouro de Lisboa.. Noto que muitos, estudante ou académicos, estrategicamente
posicionados, nãoa rriscam tanto quanto eu, na nescrita, talvez não tivessem passado
tanto quanto eu, não saibam tanto quanto eu, mas eu sou assim mesmo, tanto sei
quanto não sei, não tenho nada a perder e a minha obra chegou as píncaros de muitos
autores injustamente promovidos, pelo que eu me arrojo de ter adiantado a minha
obra e me reservo na condição de aceitar ou não a de outros e ser tido como um autor
ao lado de tantos outros, com tanto ou mais mérito do que muitos, apesar de ser
português... Depois de estar falando com as duas, separadamente, claro, só me faltava
Harry Conick Junior e eu que não mais me deitava, tinha um resto de aguardente e
um cerveja sem álcool para beber...puxa!.... Ainda bem que isso não aconteceu, eu
não queria que fosse de outra maneira, a mim basta-me um teclado para ser feliz, não
preciso da net para nada, chamem-me Australopitecus...o que era jás foi há algum
tempo, tomara eu ter sido tão feliz quanto ele o foi, em pouco tempo... Em Riachos,
no dia seguinte a este acontecimentos e narrações, acordaram todos mal-dispostos, eu
fui ao WC e limpei o rabo quatro ou cinco vezes e ainda estava com a impressão de
que estava sujo, cheios de abortoejas, tinha de tomar banho, pois há uma semana que
não o fazia, era renitente em ir ao café, falar com Danny, talvez tudo isto fosse apenas
uma parangona homo, não sei bem, voltei a ter contato de Graça e Miriam, sabia que
quando regressasse a Lisboa iria haver novamente "baile" lá em cas, enquanto a
garota vizinha, mesmo com uma bébé acoplada só falava em cús e merdas do género,
desculpe-me o leitor pela linguagem tão acintosa. Por outro lado, mais tarde, percebi
que Miriam estava jogando comigo, eu sabia que ela me desejava e o jogo de sedução
com ela era agradável e fascinava-me, tal como com Graça. Depois, percebi que o
ideal, o cenário ideal para ter tanto uma como outra, seria uma ilha ou mesmo um
convento, se tal fosse permitido, porque o inferno são os outros, como diria Sartre,
mas há uma certa forma de encantamento e até desalento poético na forma como nos
lidamos com os outros, uma certa forma de guerra em tempos de paz, de guerra
psicológica em que o que mais importava era a herança familiar, genética, a maior
parte não se esforçando tanto quanto outros, como eu, que tinha, como Rodaldo, um
dom e que o desenvolvi com meastria, como quem lida um valente touro em plena
Praça do Campo Pequeno. Eu, por exemplo (e não o digo apenas do ponto de vista
médico, ético) podia estar muito bem instalado em Lisboa, qualquer emprego
arranjaria, mas não estou aqui na Casa do jardim, debitando palavras e está tudo bem,
mesmo muito bem, acabei de arrumar a sala e pôr a televisão a funcionar com uma
sessão de "A Arca Russa", de Alexander Sokurov...
8,
A têvê está sobre um arca, desta feita portuguesa. Podia ser russa, talvez o eixo da
abertura fosse menor, talvez tivesse menos segredos. Ou não. A visão da minha mãe,
à mesa, comendo pão e quijo comoveu-me de uma maneira como se fosse uma
espada moral atravessando o meu coração. Estaria mais perto dela, um pouco
arrependido dos meus amores, que de certa maneira a haviam traído e essa imagem
redentora por muitos mais dias haveria de se repetir e assolar o meu espírito. Tirei o
filme do leitor de DVD's e levei o filme até ela, para deixar estar um pouco na sala
onde me deitei um pouco, vendo um pouco de futebol... Sim, é óbvio nque gostaria
de estar em Singesverga, na Cartuxa ou mesmo em Torres Vedras ou até de novo em
Montariol, para me encontrar comigo mesmo, mas lá não teria o encantamento do
desguio das noções sociais em seu sentido operacional. A vida é essa adaptação ao
momento, no momento, uma perspectiva, a vida é afinal nada mais do que a nossas
história com os outros a vida de nossos amores, por isso andamos penando a maior
parte do tempo, não quero parecer decadente. De modo que não estava disposto a
abandonar a minha família por causa de uma simples aventura, além do mais não
tinha nem tv nem internet na casa de Lisboa. De modo que deixava-me estar mais um
dia ou dois, aproveitando para descansar. Quanto a Miriam, andaria de volta dela o
tempo necessário para a seduzir, como o macho leão anda de volta da fêmea, é esse o
dever do macho, nada há de mais civilizado. Por vezes apetecia-me rumar logo a
Lisboa porque sabia que não podia ficar por ali, naquela escura e chuvosa noite dos
meus dias e da minha existência e o que eu mais praticava era a paciência e o
entuasiasmo de estar perto da pequena e do rapaz, transmitindo alguma coisa, sei lá,
valores, princípios, uma ou outra norma. A minha irmã andava melhor,
consideravelmente, bem como a minha mãe, menos nervosa, ainda que um pouco
irritável. O pai estava fora e percebi, entre os pingos da chuva iluminados pela
estrada, que tinha uma fabulosa família. Por outro lado, sendo eu antropólogo, como
estaria naquela aldeia, circunscrita geograficamente, como não poderia esatr noutra.
Em certa medida, eu não era já antropólogo, embora o meu modo de pensamento
deve sempre a entender isso, talvez fosse mais filósofo pela forma como punha as
coisas e, a não ser certas escaramuças no café por garotada, tinha total ausência de
problemas na minha vida, pelo que de certa maneira me estava preparando para um
certo spotlight na minha existência, que seria em Lisboa e, depois, logo se vê, Nova
Iorque, claro, de passagem, com regresso marcado, pois tinha muita coisa a fazer por
cá, muita água iria ainda passar debaixo do moínho. Depois de tantos anos a viajar de
comboio, ainda gostava de estar com os jovens, fossem militares, fossem estudante,
por isso me seduzia tanto o professorado, sendo que não nasci dotado para tal, fiz-me.
Sim, estava correndo por fora ebem podia ser, se eu continuasse, que sucedesse uma
coisa maravilhosa, sentia que estava já acontecendo e pelo menos podia dar uma
alegria genuína ao meu velhote e à minha mãe, depois de tanto sofrer e sacrifício. E,
já agora, à minha irmã. Depois, haveríamos ainda de ver os mecanismos das várias
doenças mentais, pegando na Ética de Espinosa. Mas fica para outra ocasião. Talvez
seja apenas uma ideia perdida para sempre, coisas a que gostaríamos dedicar algum
tempo, quando outras urgências temos em termos de escrita e investigação. Sim,
enquanto Danny estava atreito ao seu trabalho, porque, afinal todos estávamos mais
ou menos tesos, rotos, sem dinheiro algum naquele governo consittucional de
esquerda, eu procurava dar um tempo, descansar um ponto antes de saber alguma
coisa da bolsa. Bem que gostaria de ir à praia com uma certa pessoa, mas esperava,
aguentava-me e guardava a desforra para dali a dias, em Lisboa, com Miriam,
possivelmente, ou com Graça ou mesmo Odília, que estava chegando do Brasil dali a
dois dias...
9,
Longe iam os tempos das Curvas Apertadas, em que um grupo de amigos ia de
discoteca em discoteca, de bar em par, procurando satisfação e uma certa forma de
amadurecimento. Então, veio-me ao pensamento, pensando no meu pai, que no
escuro da sala abria os seus olhos para mim: se a vida é transitória, ou seja, se na
existência singular tudo passa, faz algum sentido o transcendente ou essa
transitoriedade apenas reafirma o carácter "infinito" do social? Mais uma vez, pouca
gente vinha lá a casa, seria por causa de mim, não estranhava, em Lisboa era mesma
coisa, havia uma espécie de anátema contra mim e a minha família. Por escrever? Por
falar em certos assuntos? Por dizer mal legalmente de certas pessoas? Sim, este era o
país do faz-de-conta, um país tão sério e preocupado que esquecia muitos dos seus...
Tinha de ter mais cuidado com as pessoas com quem me realacionava, as maiores
críticas e gozo vinham diretamente da rádio e da tv, menções à minha pessoa que
nunca mais acabavam, eu não ligava na maior parte dos casos, mas noutros ficava
enfurecido, com dificuldade em acalmar-me. Mas não, a grande parte das vezes nem
era comigo, eu inventava algumas, mas outras era mesmo. A minha mãe, por outro
lado, tratava-me abaixo de cão, nunca me animava, enquanto o meu pai ora se
alheava ora se remetia ao silêncio. E eu tinha de ir dormir, cansado, confuso,
angustiado, porque parecia que ninguém gostava de mim naquela casa, como se fosse
uma pedra no sapato, numa situação análoga à do meu amigo Victor, quando eu
sempre fora o melhor, a quem exigiam tudo e mais alguma coisa e tinha mesmo dado
era mais mais-que-tudo-coisa... Era verdade ou seria apenas fruto da minha
imginação. O conflito entre o conhecimento prático, a afirmação da masculinidade
pela practicidade, enquanto são poucos os que enveredam pela teoria. No final de
tudo penso no meu cunhado, ele ajudou-me bastante, se não fosse o tio Adelino ainda
estava nas ruas de Paris desorientado e profundamente doente, de tanto que foi o
desconcerto por lá, portanto, deixo-me andar por aqui, entre Lisboa e Riachos e
talvez suba um dia a Nova Ioruqe, uma ou outra vez, é uma segurança que tenho, não
tenho fobia dos lugares, apenas compreendo lucidame e evidentemente tudo e todas
as pessoas, por isso também nunca poderia ter sido médico ou advogado. A
homossexualidade é essencvialmente uma questão de conhecimento, de poder, sobre
as coisas, as pessoas e as ideias. Eu prefiro não não saber, a nunvem do não-saber,
enquanto provo o poder pela frente de batalha. Cheguei, pois, a um ponto em que não
me preocupa excessivamente a tese ou demonstrar aos outros o que sei, o que não sei.
Cheguei a um ponto em que, por transvias, posso dizer a todo o mundo: "trust me, I'm
an anthropologist". Por isso, a minha vida ia correndo bem, eu aprendera a mexer-me,
estar ocupado e eu, como os meus, estávamos longe de sermos uns falhados,
começando pelo meu pai, mas isso são outras contas. A este ponto, ainda assim,
poderia descansadamente discutir a minha tese, concorrer a uns concursos para o
ensino superior, em Filosofia e dar tranquilamente as minhas aulas, durante uns dez
anos e depois reformar-me descansadamente, continuando sempre a trabalhar nos
meus projectos e nos meus livros.
10,
Eu sabia que o meu caminho era deixar progressivamente os medicamentos e
voltar a uma velha infância onde havia sido profundamente feliz. Não estava mais
obcecado todo o dia, estava ansioso por mostrar o meu valor, ansioso por singrar e
isso não era nenhuma patologia, mas apenas a ansiedade natural face aos meus
objectivos. Conciliara-me com o meu passado religioso naqueles dias em Riachos
enquanto os meus velhotes envelheciam, como eu próprio e os meus. Procurava não
dar justificações, nem me sentir revoltado, tentando viver e sobreviver na esperança
de que algo acontecesse mas procurava fazer sempre qualquer coisa, dizer qualquer
coisa. E admirava este povo que deu ao mundo Santo António, Padre António Vieira e
São Francisco Xavier. Eu considero Portugal uma terra de abundância, porque
embora o povo seja bastanbte estúpido, mesmo nas classes superiores, há um certo
sentido de liberdade e de "terra-da-abundância", certamente um pouco controlada,
que não existe nem na Finlândia, Japão ou mesmo Estados Unidos. Sim, porque o que
interessa agora, dado que a globalização globalizou quase tudo, começando pela vida
íntima das pessoas, interessa é a qualidade de vida, ou seja, eu não me preocupava se
estava a um nível inter-médio, razoável, das coisas e ideias, abstraído de um nível
mais elevado como seria o da filosofia. O meu sentido e objectivo havia-o
conseguido, estava voando no pleno ar da antropologia filosófica. Efeitos da
globalização? Isso é para psicólogos e sociólogos. Sim, as pessoas preocupam-se com
a aparência e pouca gente se preocupa com a religião, o melhor modo de gerar e
cuidar da vida, um código do amor, de Da Vinci. Também a sociologia o é e eu
sentia-me bem, as pessoas troçava de mim talvez o facto de eu ser ou tentar ser um
pouco filósofo, achavam natural ter escolhido ser antropólogo e as coisas iam
mudando a pouco e pouco em Portugal, muitas feridas abertas se saravam, incluindo
o fenómeno da violência doméstica, de que a minha irmã era atenta especialista. O
meu velho chegava e ainda nenhum cataclismo, mesmo mental, nos havia atingido...
Depois tinha em mãos uma situação algo complicada. Um bando de garotada sem
escola andava a fazer assaltos no país, a torto e a direito, e a bater em pessoas idosas,
sim, eram bem malucos, haviam assaltado a capela de Santo António e só naão
assaltava as outras duas igrejas porque lhes havia visibilidade diruna e nocturna. Ao
lado dos meus pais, nesta rua "particular", havia um casal com um filho que haviam
insultado o meu pai, inclusivé ele lançou-se ao meu pai, não fora ele defender-se,
agredia-o mesmo a sério. Eu estive presente, o meu cunhado também. Por duas vezes
lhes havia dito boas noites e não haviam respondido, mantinham-se ali porque a
polícia havia dito a uma assistente social, que por acaso era minha irmã, que eles não
eram problemáticos. Eram apenas tristes, com carro ainda por cima e nem ao Centro
de Emprego iam, tinham feito uma série de assaltos, enfim, cenas tristes, Victor,
deixa-te estar onde estás que isto está mais triste que a única maneira de sair disto é
tornar as coisas alegres, mandar um enchimento a esta malta toda...
11,
Conclusão óbvia; a maior parte dos que me rodeavam estava maluca, percebia isso
porque havia poucas pessoas que entrevessem uma conversa de dois minutos "só pra
conversar", sem nenhum propósito específico, para fins de espionagem política ou
sentimental. Este mundo, pelo menos este país, não soubera aproveitar a liberdade
que um governo de esquerda lhes deu, pois teriam em breve mais e mais tempos de
aperto, porque foram com muita sede ao pote. Era curioso, também a minha família
se tinha deixado afectar por isso, nomeadamente em tratar-me mal e coisas do género.
Não sabiam que a resposta estava algures em mim, a resposta para muita gente e eu
só conhecia pessoas insidiosas, que tinham sempre alguma intenção com elas e eu
detestava esse tipo de pessoa, não traz nada ao mundo, anda apenas por ver andar, da
sua presença por aqui não sobra nada, parecem-me actores pornográficos, se bem me
faço entender. Vamos fazer uma coisa assim: eu podia chatear-me um pouco, só um
pouquinho, passear a reveolta, papar com isso umas gajas e depois de um tempo fazer
discutir a tese e logo concorrer a um concurso. Mas sei também que me iria
condicionar arduamente a vida, suspeito até que haveriam de arranjar os mais
diversos argumentos ilógicos para não me aceitar como professor, mas digamos que
tal até acontecia, que fosse selecionado, escolhido, quer na FCSH ou na Clássica,
sim, porque no Colégio perto da casa onde vivia havia um doutorado bastante mais
novo do que eu que se debruçara sobre a "crença em Deus" na tese...eu tinha o meu
lado marxista, mas o meu trabalho vai muito além dessa questão, puramente católica.
Podia não me chatear e continuar a escrever os meus livros, "Névoa", "Bruma",
"Brisa", "Neblina"...sem fim, enquanto que punha alguns na net. Mas o facto é que eu
praticamewnte quase não vendia, mas não vejo nisso razão para parar. E se....e
se...contactara Graça e Miriam e também Noémia, mas nada, nada tinha combinado
para o dia de amanhã, arranjando eu vontade de dormir e acordando bem disposto
para apanhar de novo comboio para Lisboa. É que, discutindo ou não a tese, em tese,
a possibilidade de ser professor de Filosofia parecia-me bastante recuada face ao meu
trabalho, talvez merecesse mais, não digo bem o quê porque também não sei, mais-
que-tudo-coisa... Sim, sentia que em Lisboa, como em Riachos, lugares para cuja
condição de vida humana eu contribuira enormemente, havia qualquer coisa que se
devia cumprir, qualquer coisa comigo, em relação a mim. Em Lisboa, por exemplo,
havia a fazer um grande ajuste de contas com muito boa gente, mas eu não levava
isso a peito, a vida era mais importante, a minha vida, do que todas as teses,
discutidas ou não, do que todos os lugares de professor, fosse de filosofia fosse de
outra coisa, mais importante do que uma direcção de museu, do que um cargo
público, do que ser ou não figura pública, do que ser actor e famoso, porque, como se
dizi no MSN, as pessoas hoje em dia buscam apenas e só apenas visibilidade, como
se com isso ficassem progressivamente ôcas, loucas, com olhar vago, porque cegas,
pelo Belus Horrendus...
12,
Sim, ele pergunta-se „se eu trabalho―. Eu digo que sim, sou de Cascais e tenho uma
fortuna de família, tenho uma empresa, sou autor, influencer, bogger e até psicólogo
para muita gente, para além de dar esmola e explicações grátis à luz do sol sobre a
mais fundamentada das culturas, a europeia e a tradicional. Sim, a transição de um
saber tradicional para um saber erudito opera-se pelo sexo, pelas brincadeiras em
contexto rural e isto é uma questão puramente antropológica, pois divide ou melhor,
relaciona, dos sentidos de saber, o erudito, a prática e a teoria, de um modo
puramente divertido e inocente, só que muitos teimam em ser produtores de um
discurso de poder e submissão e talvez seja devido a isso que o camponês sublima a
sua condição pela linguagem e um saber jocoso sobre o mundo e o sexo. Depois,
nestes dias, parece-me que o que se passa, para além da invasão do mundo público
(potenciado pelos media) sob a esfera doméstica, com desiquilíbrios na relação entre
os pares do casa, seja homo, bi ou hetero, há uma mundialização da casa, ou seja, o
mundo entra-nos dentro da casa pela porta grande, muito por culpa, como disse um
caricaturista português, de um efeito de normalização de tudo. É que já não há direito
à diferença que não seja logo institucionalizada, legalizada, o que abafa o seu efeito
reprodutor nas idades jovens, por exemplo. A questão é que só o conhecimento gera
bondade de compreensão, por isso a religião está, por norma, em essência, certa,
porque veicula um discurso de tolerância que favorece a obediência e o respeito pelos
mais velhos, o olhar religios de certa maneira sobrepôe-se, antes ou sob o discurso
filosófico, pois a maioria dos filósofos luta contra a religião, ou seja, são seculares,
por isso defendo que, não só para conservar a vida, mas a bem do conhecimento,
ciência e religião devem andar a par e não como inimigas, até porque a religião é
também em certo sentido uma ciência, a Teologia. Nem mais. Nisto, o saber
tradicional da ruralidade é muitas vezes menos crítico dos pombos do que o de certas
camadas da sociedade onde há maior disciplina libidinal. Depois, comecei a dizer mal
do povo, sim, porque se havia alguém que conhecia a natureza do português era eu,
era em certo sentido a minha própria natureza, o ser langão e ganau que vive à custa e
à sombra da história e dos turistas e que no fundo é o mais crítico, porque essa crítica
nasce de um profundo sentimento de inferioridade que se perde nos tempos e de uma
vergonha de olhar para si, porque quem fez os descobrimentos foram os aldeões de
Felgueiras e Trás-os-Montes, não os alfacinhas, esses apenas aparecem quando há
circo e festa, para além de comida e mulheres. E a mulher alfacinha? Uma ganá,
quente e safada, acho a brasileira para inteligente e decidida, mais carreirista, porque
esta perde-se por uns trilhões de dólares e um cinquentão endinheirado e dono da
revista Flama. No fundo, a melhor obra é aquela que não pode ser lida, porque, de
alguma maneira, o autor é santo prostituto, tudo admite tolerantemente sobre a
realidade, mas a realidade não existe („não é real― diria Watslavick), a realidade é o
sujeito, diz a filosofia, é o corpo, a apercepção, diz a psicologia (mais adiante ainda, o
„panpsiquismo―), não há, portanto, distinção entre corpo, memória (social e sujeital)
e mente, a realidade é Todo (facto social total, o todo Espinosiano), a realidade é o
veículo, o meio e o resultado da realidade, o homem, a mente, não é uma câmara,
estamos (e está a filosofia), demasiado atreita ao sentido da visão, por isso muitos se
recambiam aos prazeres do vinho e da comida, ainda que em sentido ora tradicional
ora urbano, pela nouvelle cuisinne. Assim, quando se percebe o todo, pela felicidade,
chega-se ao Nada e recomeça-se, nos termos de um eterno retorno. Portanto, todos os
autores que pululam na mente, vão a cima dela, são pouco realistas são utópicos,
apenas se pavoneia por uma visão do mundo. Só a economia é real, terrivelmente
real, porque o real desagrada e é pleno de surpresas para o antropólogo... Sim, tantas
vezes por pensar enquanto geógrafo (lembro-me do meu 12ºano do tal professor e
colegas), fui gozado por filósofos tolos que voam sem mais nem menos,
indiscricionariamente, tendo acabado sozinho, porque no fundo o amor é uma bela
tolice que trai o sangue e evoca coisas de demónio e cazacks de que eu nem quero
ouvir falar. Estávamos, naquele Inverno, à espera do Dom Sebastião, o Rei de Lisboa
andava por aí, pela Rua Augusta, louco por quem lhe dava confiança, uma bela
brasileira de Pernambuco e eu (ainda eu, posso?) andava entretido com uma Garrafa
do Marquês de Marialva, um branco de Borba, quando aquilo rebentou fecharam a
pedreira, também, o mármore ia todo para os hárems das Arábias onde treinara o Toni
e agora estava o Jorge Jesus e outros, sempre procurando afirmação pela via da não
razão, porque é fácil jogar futebol e bom futebol, difícil é encontrarmo-nos na noite
dos tempos, quase liquidado e voltar à vida para dar testemunho, como fez Cristo e
outros, da mesma ou de outras religião. Pois eu, ainda que seja injustiçado, voltarei
sempre que preciso a Riachos, estarei por aqui, em Lisboa quando quiser, irei a Nova
Iorque com a maior das facilidades enquanto francês, e terei um ou outra dama em
certo e determinado sentido, ou seja, nada mais há a escavar, a escavacar. Qualquer
dia qualquer autor é um assassino! Ou seja, manifesto abertura, compreensão do
mundo, sou pisado e ainda tenho de me sentir agradecido? O mesmo para os
académicos; os miúdos passam o que passam, aqueilo é um convento, pior do que
uma prisão e uma tropa e ainda por cima vão ensinar isso? Já não nos chegam os
japoneses? Fosga-se...
13,
Conclusão: ouvi o Best Of dos Heroes del Silencio e procurava uma friesta para ir
dormir, enquanto procurava junto dos meus irmão ter trinta e três euros para ligar a
net e a tv, ou meu irmão nunca me ajudara praticamente em nada. Nem a minha irmã,
que me tinha diversas vezes mandado para a casa dos malucos...ia eu agora alimentar
essa ilusão de que estaria tudo bem? Sempre fora o peão de um relacionamento
pacífico, sempre ajudara e nada recebera em troca... Sim, não era brincadeira alguma:
vinte e oito volumes manuscritos que podiam significar uma „Teoria Sociológica―,
uma Teoria da Sociedade, como eu lhe chamava... Talvez a sociedade capitalista
fosse mais cruel que a socialista ou comunista, mas eu via nela um certo grau de
honestiddade que sempre me fascinara, desde os tempos de pequeno, em França, com
chineses, russos e africanos, até aos tempos pós-vinte e cinco de Abril em Portugal,
sob ameaça de uma ditadura comunista que não se chegou a concretizar graças a uma
homem que caiu no esquecimento e sobre o qual já não se fazem homenagens, a
saber, Mários Soares. Por isso sempre fui, como o meu pai, um liberal socialista,
mesmo tendo estado no convento, no seminário, na juventude ultrarevolucionária do
PSR, primeiro, do Bloco de Esquerda, depois. Os extremos podem tocar-se, por isso
sempre procurei o balanço na ordem mais ou menos estabelcidade, tendo vivido
sempre com pouco nunca fui um entrerenneur estabelecido, que quase cai no
esquecimento devido ao seu altruísmo e genialidade, a mim não me chateia, pelo
menos directamente, porque os burros sempre são objecto de chatice... Despojos do
dia à meia-luz? Não, apenas propósitos, corri o risco de fazer filosofia e não dou esse
risco como arriscado, pois até estamos em tempo de recuperação e crescimento
económico, voltei a apaixonar-me e isso me faz sentir inquietamente bem, sinto que
poderei produzir mais um pouco e mais bem disposto para discutir a tese, falta a parte
económica, a bolsa, pois, mas não pressiono, há muito casal desavindo, com
pedofilias a dar e dar, muitas crueldades que certa antropologia cega quer
compreender, entendo bem melhor a cegueira do filósofo do que a abundância larvar
do antropólogo e entrendo metodologicamente bem os dois e entre nós, aqui, que
ninguém nos está a ouvir, estou bastante eufórico, com vontade de chegar de novo a
casa ainda que não leva grandes conquistas materiais, mas também não investi nisso,
nesse campo, talvez por isso tenha sido tão mal sucedido nos errantes amores ficam
as dores e os odores. Para além das cores e das estrelas dos amores transviados e
percebidos na nesga de um vidro de salamandra partido. Ora, cada vez que me sentia
cansado, lembrava-me de mim, da minha educação religiosa e como me sentia bem
com isso, eu gostava essencialmente de mulheres e corria o sério risco de entrar em
desgraça tornando-me uma espécia de Casanova, ou Sade, não quero exagerar, mas
do ponto de vista rural, não digo parisiense, até o seria. Pensava no meu velhote, que
durava até ao fim tal como o Memórias, o homem do mármore que passava lá por
casa, ligava à mãe e ela lás andava, feliz num convento que era afinal todo o universo
de Tycho Brahe e confirmava-se a história da abertura (musical, operática) do
universo do eterno retorno. Era o reinado da antropologia, a ciência do homem, em
volta e por causa do homem (olha os direitos do homem, dizem alguns), sim,
zangara-me com um romeno que me queria assaltar, mas tudo bem, um meu prefessor
voltara à televisão, em nome dos bons velhos tempos do ISCTE e da Nova, quando ia
ao cinema do Tiago com o Victor. Por isso, Günter Grassar escrevera o Ensaio sobre a
Finitude, porque o homem nada É face a ela ou É mesmo, por isso, antes disso, em
cincum-estância disso mesmo. Homem, torna-te no que és! E experimentava um gozo
imenso em ser terapeuta num instante, num glimpse, como se desse e conferisse uma
luz (de-vida) a quem me aparecesse, sim, descobria novamente o gosto de ser
fransciscano, essa tese seria a maior em poucos anos, não valia a pena iludir, eu
percebia que até a minha mãezeta, a minha irmãzete e o meu cunhado, juntando os
pequenos e pequenitos, ia melhor. O Porto iria jugar conmtra o Fenerbaçe (Vá-se) e o
Olavo Bical voltava a brilhar, como um imenso castanheiro que dá frutos e mais
frutos, e elas dão frutos e mais frutos de variadas cores e formosos oderes, de matizes
multiplicados em si e em Mim.
14,
Também eu estava abanderado nestes dias, fazendo uma crónica dos dias, não já
n’O Correio de Pombal ou Região de Leiria, onde comecei com poesia, estava
hesitante entra fazer mais coisas, a minha vida era chata, como a de muita gente, sem
grandes recursos, procurando administrar em termos de binómio interesse pessoa e
bem comum os parcos (recursos) que tinha. Mas fui sendo feliz, deixando um pouco
de pensar na América, aguardando pelo resultado de uma bolsa que me permitiria dar
sequência a qualquer coisa de bom que tinha feito com a minha vida, estudar
filosofia. Ainda assim, encontrei-me de novo com Miriam, não queria forçar mas não
sei como fui para à casa dela e lá passei a noite, talvez nos viéssemos a encontrar uma
última vez, pois ela queria voltar para o seu antigo namorado, eu ficaria solto para
meninas mais novas ou talvez uma madura, embora tivesse dificuldade em assumir
uma relação, com Miriam sentia-me bem, mas ela queria outra coisa que eu não me
atreveria a saber qual era. Elas é que mando, nowadays.
Assim, a fonte do conhecimento científico é uma certa forma de passagem do
senso-comum ao conhecimento científico. O caminho das ciênciais sociais não é
fácil, mas o estudo que é da natureza e condição humanas o levará não apenas ao
aperfeiçoamento das condições de-vidas dos vários contextos culturais e sociais, ma a
uma forma líquida de regresso a si mesmo, à boa natureza do homem, ou seja, o
entendimento do racional que ele é com o animal, mineral e vegetal que ele também
é. Estou em condições de asseverar que, hoje em dia, neste país, há intelectuais que
nunca passaram mal, que nunca trabalharam nas obras nem conheceram as
dificuldades da criação; são os intelectuais de recreio, de exposição de show off,
quando outros, vivem com pouco e na maior parte dos casos fazem ciência social,
literatura e filosofia à custa da família, o que me parece bastante pouco abonatório
para aqueles que o fazem com fundos comunitários e até fundos daqueles que referi
anteriormente e no fundo apenas reproduzem autores já conhecidos, não tendo
coragem para avançar com um pensamento próprio, mas isso eu entendo, porque de
certa maneira não sou de cá, nem tenho de admirar ingleses, americanos ou franceses,
com muita dificuldade irei avançar para essa admiração senão para solidificar o meu
pensamento próprio, descrito em inúmeros cadernos e obras, publicadas online, não
escondidas nas prateleiras de uma biblioteca religiosa ou académica, portanto eu falo
aberto, a ciência é para todos, tal como a filosofia e a literatura e por isso se está
gerando uma ciência mais justa e aberta, mais tolerante, bem como uma sociedade de
igual cariz, mas temos de ter cuidado com a ambição humana, quer para muitos não
tem limites...e aí se desenha uma forma de o homem conduzir o seu próprio futuro e
poupar Deus das suas desgraças, de certo modo. A minha irmã diz que eu não
trabalho, a minha mãe também, mas eu não fiz outra coisa senão trabalhar desde que
deixei de trabalhar, sob o ponto de vista intelectual, está aaí a minha produção, mais
ou menos conhecida, pelo menos está patente, não a escondo, eu que me podia
esconder atrás da religião, da Bíblia e do código civel...
15,
A grande parte dos etnógrafos vê o trabalho de campo como algo desligado da
realidade, como algo tradicional, ora nada há de mais tradicional do que a televisão,
usual como a internet. Aí está o novo terreno, o que não quer dizer que a realidade
seja isso, a realidade social dos factos sociais e fenómenos sociais totais. Na verdade,
o que eu tenho feito não é senão usar a minha ótica biográfica para fazer etnografia
conceptual, para estudar a maneira de ser do português e do turista, usando literatura,
poesia, filosofia, sim, desembocando na filosofia enquanto „estante― de contemplação
de uma forma de ser que é e ao mesmo tempo não é a minha. Nem sei qual é a minha,
ela foi-se modificando, se fosse a Tóquio seria outra, tal é a minha capacidade de
obsersão, e uma viagem às Américas do Norte seria qualquer coisa de mentalmente
transviado que não quero apressar de maneira alguma, pois nestas costas há muito
criticismo e inveja, mesmo no sentido antropo-lógico. Muita solidão intelectual e
muito trabalho, logo o mérito virá por uma cadeira de Antropologia Filosófica e
outras coisas de muito mais bastante interesse e até proveito económico. Faltavam-
me cinco dias para obter o empréstimo, bem cedo estaria em Nova Ioque sózinho,
estaria por lá dois ou três dias, não me metia nenhum medo em especial, até porque
eu iria numa onde assertiva, naquele fim de semana, face ao silêncio por parte do meu
pai, optei por não ir, estav só em casa e um vizinho, o vizinho de cima, ameaçara-me
dar porrada, não sei porquê, era o vizinho que falava de mim e das coisas de vida com
a mulher, numa se calava, era fleumático ou o quê, não sei, mas bastante agressivo,
eu não me fui abaixo, evito pessoas desse género, a tampa do esgoto da rua levantara-
se, chovia bastante, o homem do talho andava atrapalhado, não tinha lá ninguém, eu
comprara um livro de gerupiga por quatro euros e Miriam nada me dizia, talvez não
se enconmtrássemos nunca mais, isto passava o cúmulo do razoável, a esta altura,
nem a bolsa, nem um lugar de professor na faculdade de letras poderia aplacar o que
eu passara, de modo que deixei de contar com isso, nem da new school nada diziam,
de modo que é assim, se estas não querem, não insistimos, quanto mais se lhes abaixa
mais o cú se lhe vê, a mim ninguém me telefonava e eu concentrava-me, estava a
poucos dias de sair daqui pra fora... O mito do contexto estava desfeito, dei cabo de
Zizek e Sloderdjick em plena Lisboa, quanbdo os bombeiros ou a PSP não podem vir,
que o povo resolva os assuntos...é Lisboa!!!!
Depois, cheguei à conclusão de que nesta, como em outras cidades, não vale a pena
sermos antipáticos com as pessoas, deixa andar, o mundo não se fez num dia, fez-se
em sete e vai-se fazendo à medida dos homens e dos deuses, ou do grande Deus, no
fundo, a humana vida resume-se a uma questão psicanalítica entre pai e filho (ou
filha, para o lado da mãe), entre produtor e reprodutor, no fundo, nem a antropologia
nem a filosofia têm razão, o mundo é todo, em termos mais ou menos societais, uma
questão de economia e gestão. Indignava-me uma pessoa que escreveu uma
Antropologia Filosófica estar desempregada, pior, ser reformado-pensionista,
portanto, podia contribuir muito para a sociedade, mas muitos não queria e tapavam-
lhe o caminho, por isso ele queria ir à América, talvez para ficar, talvez para voltar,
não se sabe, fora académico aos 15 anos, haveria ainda de insistir na mesma tecla
onde muitos batiam com a cabeça tipo Muro das Lamentações?
16,
Naquele dia, no final da semana, o tempo estava melhor. Choveu, de manhã. Comi
no MacDonalds do centro, indignava-me não ter ainda a tese discutida ou um lugar de
professor, mas decidi não pressionar, uns têm mais cedo, outros mais tarde, talvez por
serem mais maduros ou seu amplitude conceptual ser maior ou talvez por serem mais
preguiçosos e olharem demasiado às mulheres. Por mim, tinha que chegasse, menos o
consolo de uma mulher, não se admitia isto, em Lisboa, depois dos anos oitenta, onde
tudo se fez, tudo se tere de fazer, de raíz, como se a época do doutoramento fosse um
extirpar da vida que há em nome e não a época mais criativa e feliz de nossas vidas.
Sim, terei em certos entido superado muitos filósofos e muitos antropólogos,
enquanto a maior parte se ocupavam da filosofia de ponta, do que estava para a-
parecer, eu deixava-me levar pelo instinto de conservação e pensava, se não voltar,
fico por lá, se voltar, não sei bem o que fazer, pois vou estar todo o tempo
vociferando como há pouco, no Metro, a uma beldade ucraniana. E, depois, o vizinho
deu-me um pontapé na cara, o de cima, que está sempre a falar de mim, preferia ser
português em França, sentia mais a identidade, aqui sou o francês que não dorme com
ninguém, que não discute a tese, que não ensina, enfim, que não trabalha e ainda por
cima deve dinheiro ao irmnão e à irmã. Eu sabia que, quando entrei no curso que era
a minha vocação, o caminho ia ser difícil, Depois, ainda por cima, fazer filosofia,
mais difícil foi ficando. Mas tudo bem, por vezes há sujeitos que correm tão depressa
que têm de esperar pelos outros mais adiante, muitas vezes têm de deixar os outros
ganhar para sentirem o prazer da vitória, quase sempre meramente psicológica. E as
mulheres? Querem um futuro nos homens, nas relações, com as amigas, com os pais.
Que poderei dar eu a uma mulher? Palavras? Não poderei dar o que não tenho. Se sou
feliz? Não, claro que não, pelo menos totalmente. Ninguém é feliz sem os princípios
básicos de dignidade. E agora começo ficando sem eles, pelo menos a comida e o
afecto. Quanto à habitação e habituação, estou servido. Não digo eu que sou o Rei de
Lisboa? Agora tenho de me aguentar à brava... Eu posso meramente, com o porno,
estar querendo transmitir uma mensagem, „quero uma miúda―, mas o meu povo não
percebeu, na verdade, ninguém se preocupa realmente, isto para ver que a América
fica para Norte e não para sul... sim, cheguei ao ponto em que queria e daí quase toda
a minha obra feita, ainda assim, nenhum reconhecimento, muito esquecimento, talvez
seja melhor assim, porque afinal, li A Fogueira das Vaidades e parece que esse livro
está chegando, em todo o seu lamentável esplendor, a estes dias, a esta terra...
17,
Em pouco tempo, estava próximo de uma solução, bastar-me-ia receber a bolsa,
depois podia pedir um empréstimo e talvez fosse mesmo a Nova Iorque antes do final
do ano. As coisas estavam claras para mim desde que deixara de me encontrar com
Miriam... O medo comanda a maior parte das nossas acções, sempre agimos com
medo, quando não somos valentes, corajosos, por isso temos casa, para nos sentirmos
em casa...Sim, a situaçãoe ra simpels, ficava com dinheiro para discutir a tese, de ou
vinte mil, depois poderia ir a Nova Iorque e ia pagando trezentos euros por mês
durante vinte anos, trabalhando numa escola secundária ou numa universidade como
professor, não era tarde demais nem era mal jogado. Passo a maioria do tempo
sózinho, entre o Oriente, o centro comercial e a Baixa, embora não tenha ido lá nos
últimos dias, desde que regressei de Riachos. Por lá, também é a mesma história, a
minha mãe não acredita em nada do que eu faço, a minha irmã diz que só faço merda
por todo o lado em que estou, o meu pai está sempre calado. Agora, veio à baila o
meu irmão, que me repreende por tudo e por nada, como se tivesse jamais passado
mais do que eu passei. De modo que passo também fome. Tenho umr estino de
Vermute. Aproxima-se o natal e a Passagem de Ano. Não deverei estar lá poir cima.
Danny ainda me convidou para fazer qualquer coisa em Palumbar no âmbito cultural,
mas eu recusei. Tenho os meus projectos pessoas, tudo continua em aberto. E estou
aqui, nesta casa, sózinho, ninguém me liga, só porque fiz as coisas de modo diferente,
só porque não embarquei em compadrios ou companheirismos. E, supostamente,
devo sentir-me bem, nesta espécie de sortilégio do acaso. Olhava pelo lado da sala,
para o lado oposto do páteo, enquanto procurava não me masturbar, par ao jovem que
escreveia. Eu não sei bem se ele escrevia, e se escreveia, o que escrevia, maneava a
cabeça para trás e diante, como se estivesse compondo música. Aquela que parecia a
namorada, não estava com ele. E eu tentava-me aguentar, vendo um combate de
muay tai, depois de o Benfica ter dado 4 a zero ao Feirense. A noite caía. Sabia que
tinha andado bastante, mas mais um pouco teria de andar, dar aulas, ler, escrever,
entrar em certos círculos. Tinha mais de 35 cadernos escritos à mão e mais de 35
obras escritas, tal como este, em forma de narrativa. Talvez tivesse chegado bem
longe, mas, mesmo assim, continuava a não ser conhecido, a andar só, a ser preterido
para, por exemplo, ir à televisão, a ser quase ignorado pelo mundo académico. Tudo
isto me fazia tentar mudar de rota, mesmo nos amores, tudo isto me deixava um ar de
injustiça pairar sobre mim e sobre os outros, como se eu tivesse que fazer tudo e mais
alguma coisa sem merecimento algum, como se tivesse de andar, pela sobra, e não
tivesse que me desse comida ou guarida, como que quanto mais fizesse, menos tinha
daqueles que deixava para trás no caminho e, andando, tivesse de me comprometer
com outros que ia encontrando pelo caminho...
O mundo era de quem tinha a arte de se desligar dele, mas eles não sabiam,
inclusivé os mais novos, que estavam num lugar e noutro ao mesmo tempo, ou seja,
fisicamente num lugar, ignorando a proximidade de outros, e mental ou em termos
comunicacionais, realmente, noutro lugar, por debaixo de um bit localizado em Palo
Alto ou Tóquio, Por isso, eu via o mundo como decadente, marchando para a morte
com uma arma apontada à cabeça, enquanto eu ia depressa demais, como sempre fora
meu hábito, dormia mais uma noite sózinho e cada vez mais me convencia que, se
não fosse uma incarnação de Giordano Bruno, seria na realidade o Rei de Lisboa.
Nunca procurei deslindar as razões da minha escrita, a sua manifestação e origem são
diversas. Por vezes escrevo porque nada mais tenho de fazer num mundo coloquial
onde todos se entendem. Outras vezes escrevo por medo, como se fosse um refúgio
existencial de tudo e mais alguma coisa. Outras vezes escrevo para celebrar alguma
coisa, para descrever ou narrar qualquer coisa... Sim, talvez Nova Iorque seja a
grande prova da minha vida e quando me insultam não percebem a relatividade de
certas coisas, como a da vida humana. Críticas sempre haverá, houve-as nos tempos
de Roma Antiga. Mas, curiosamente, menos ouve na Grécia Antiga...
18,
Depois, tomara hà já longo tempo deixar Riachos, provavelmente acabaria por
Lisboa, não fazia tenção de deixar esta casa tão cedo e isto não é nenhuma afirmação
de medo. Nas minhas mãos não tinha dinheiro algum, dali a uns dias poderia vir a ter
duzentos e cinquenta, quatrocentros euros, daí partiria para outro desafio, um
empréstimo de dez e, talvez mais adiante, um outro de vinte mil. Por isso, estava
feliz, podia ficar como podia ir, poderia voltar para continuar a escrever e reescrever
a minha história, as minhas histórias os meus argumentos. As despesas face aos
bancos orçavam uns cinco mil euros, às finaças novencentos euros, depois às
telecomunicações também havia algumas, de vários valores, desde quinhentos, até
setecentos, cinquenta euros. Mas eu não tinha dinheiro, pelo que não poderia pagar.
Tudo iria correr bem, fizesse o que fizesse, pois eu sabia defender-se bastante bem. O
advogado da segurança social não aparecia e no site de realcionamento aparecia uma
tipa que era advogada... Antes de descansar, fixei o horário do doutoramento „actual―;
tinha de lá estar às onze e começava a preparar a viagem, pensando na roupa, nas
poucas coisas a levar, fazia ideia de ficar por lá um fim de semana e se não, no
máximo uma semana. Espero que não fosse pior do que no Aeroporto Charles de
Gaulle. Tinha de ir, fazer alguma coisa por mim próprio, porque por aqui, ninguém
fizera grande coisa por mim, ninguém apostara em mim. Tomei uma Quietiapina com
os comprimidos da noite. O meu coração estava fraquejando, por vezes sentia o meu
pai comigo, outras a minha mãe, recostei-me no sofá da sala e deixei a bola rolar...
Com um leve sentimento de desapontamento.
Apesar de tudo isto e do facto, pelo menos naqueles dias, esatr sózinho em Lisboa,
eu percebia exatamente qual o meu papel a desempenhar em termos de família, como
que ensinando, como que transmitindo qualquer coisa, como se a morte e vida de uns
fosse a aventura e inocência de outros. Afinal, nesta vida, não somos mais do que
portugueses, tentando explorar o mundo, descobrir novos sentidos e imagens que nos
consolem ou animem, apaziguadores de tristezas e colorantes de melancolias. E eu,
cá por mim, ensaiava ser feliz, mesmo tendo deixado Miriam para trás, talvez um dias
desses viesse a falar-lhe de novo, talvez ela ainda me quisesse e percebi, ainda, nesse
dia, que a felicidade está extrema e intimamente ligada à bonança, mas talvém à
tempestade, pois uma e outra coexiste quer no mar quer em terra. Há direita e
esquerda, perna direita e perna esquerda, os antropólogos Lévi-Bruhl e Robert Hertz
já haviam falado nisso como há várias cores, várias notas musicais, vários
sentimentos e expressões. De certo modo, somo todos bi-polares, como as pilhas... Já
chega de exploração, tenho influenciado bastante gente e muitos se têm aproveitado
de mim, veja-se os livros que não vendo e duvido que, num júri para a tese ou para
professor de Filosofia, não me cortassem logo os pés...a não ser que eu continue a
trabalhar, a ler e me divirta um pouco enquanto faço isso. De algum modo eu tinha de
parar ou pelo menos abrandar o ritmo, perecebia que mesmo que me pudesse dedicar
à filosofia, poderia ter algumas dificuldades, mas teria de tentar. Naquele dia, à noite,
percebi porque é que uma gazela se atravessava de noite contra o meu pára-choques e
se estatelara exangue no meio da estrada... Em nome da literatura eu teria feito tudo e
mais alguma coisa, não tendo no entanto feito grande coisa devido ao facto de não
terem esses acontecimentos saído da minha cabeça.
19,
Nesta cidade, onde eu era Rei, havia que me dissesse o que fazer, muitos
comentavfam o que eu fazia, excesso de personalidade? Mania da perseguição? Não
creio, muitos mortos ainda estavam aí, fazendo ouvir a sua voz. Deveria correr como
um louco quando pouca gente me ouvia? Havia uma mania persecutória nos meus
conterrâneos, nos meus contemporâneos, mas a mim ainda não me tinham feito
verdadeiro mal, talvez não viessem a fazer, pois na realidade eu era útil, ajudava e em
muito a que se vivesse um quotidiano minimamemnte suportável. Mas eu comecei a
perceber que, dizendo abertamente ou não, não era querido para muita gente, talvez
por não trabalhar ou talvez por fazer enorme esforço quanto a isso, o que ficava
descabido. Corria sempre para a frente, fumava menos do que em outros tempo, bebia
um pouco, não muito, bebia quase nenhum café, minha saúde melhorava, quer
corresse quer não, mas não via aí o meu desporto prefirido. Uma agência bancária
ligou-me, falei cordialmente, como se nada temesse, no metro procurei faflar, ajudar
alguém, dei a minha esmola, fui ao café dos anglo-americanos e tomei lá umas notas
para um estudo sobre „A Relação entre o Homem e a Mulher― no contexto da
violência doméstica. Voltei para casa sem forças para correr, procurava não fumar,
mesmo que a TV nada desse de especial, procura estar em paz comigo mesmo, sem
ver merdas desnecessárias ou fúteis. Tinha a impressão de que alguma coisa de
importante, não apenas resultado da minha força e do meu trabalho, poderia
acontecer. Não digo o que era, já disse e fui comprar café...
Depois, au-delá da valentia, reconhecia certas verdades e a verdade dói. O vizinho
de cima oferecera-me porrada por duas vezes, o da frente não parava de trazer lá
mulheres e nem falava com ele, o senhoro do condomíbio também torcia para que
alguma mal me acontecesse. Só o Tim parecia estar do meu lado. A quietiapina
causava-me fraqueza e alucinaçõe,s mas no outro dia ficava bem disposto. A minha
preocupação para com os outros, creio que não é injusto dizê-lo, não tinha retorno
algum, ainda que sentisse que estava próxima a vinda de algum dinheiro e, logo, da
discussão da minha tese de doutoramento. Por diversas imagens, percebi que era o
vizinho da frente que me lixava a vida, mas a de cima também, chegara a esta casa há
um ano e meio e eprcebia bem que não gostavam de mim, mas eu também aprendi a
não gostar deles, fosse porque tenha visto algum porno, fosse por fumar ou
simplesmente porque não gostavam, o que revelava muito baixa autoestima da sua
parte.
20,
Quando acabei a minha obra, tendo conseguido uma maneira de parar e até
controlar o tempo, perdi pois o sentido da linearidade do tempo, a minha obra
comecou levemente sendo apagada, da frente para trás, de uma ponta a outra. Por
outro lado, durante o dia, tentava puxar as pessoas ao máximo para cima, mas à noite
via-me sózinho e nem uma palavra de incentivo ou um carinho, como se tivesse de
fazer um exercício abstracionista de encaixar qualquer coisa de positivo nos
sentimentos e ideias dos outros. Mas tinha de ter confiança, dali a uns dias iria
receber e, mais tarde poderia ter algum dinheiro, coisa que nunca tive nos meus
empreendimentos. Meu pai continuava expectante com o que eu fazia, faria, ma snão
dava grandes sinais de empatia. Por vezes, quanto mais inventas pior é. E se bem que
és um criador e vais sempre inventando, a realidade, na tua mente e à tua frente, em
teu redor, nada tem para te dar. Bebes, então um Porto e fumas um cigarro, mesmo
com a cabeça a ferver e com vontade, no fim da tarde, de te deitares. Cansas-te, estás
sempre a dar, a dar, e nada recebes em troca. É que a maioria das pessoas não se
apercebe: a finitude é o que nos torna iguais e reconhecer essa igualdade é o primeiro
passo para ser Bom, boa pessoa, bom ser humano. Muitas pessoas vivem como se
nunca viessem a morrer, talvez porque nunca tivesse estado face a face à morte ou
simplesmente ao desnorte...até ao dia em que o azar lhes bate à porta. Eu conheço
pessoas assim, tenho falado com bastantes. Deixei de ir aos locais do costume, "só
por ir", não ganhava nada com isso, de modo que fui lembrando-me de pontos onde a
minha presença fosse aceite ou, até, acarinhada. A minha irmã chegava para levar a
pequena, já em Riachos, cumprimento-a mas não desenrola conversa alguma, sinto
uma tristeza e dor enormes, porque mesmo assim quer ir passar um par de noites a
Lisboa e aí o meu pai levanta-se e fica mais bem disposto. A minha mãe está sempre
mal-disposta, sempre contra tudo o que faça ou diga, não há maneira de aturar isto.
No entanto, tenho de aguentar, sim, sou eu que tenho de aguentar tudo e ainda por
cima ouvir reprimendas futuras do meu irmão. Interrogava-me quanto tempo mais
iria estar sózinho, se ficaria para sempre assim, agora que deixara definitivamente de
comunicar com Miriam. O meu propósito fora, em tempos, desperdiçar vida, agora
seria concentrar e formar vida, dar conselhos, falar com as pessoas, tal como uma
Testemunha de Jeová, mas secular e com uma pontinha de religiosidade, fazendo-me
também servir da minha relativa boa aparência. É que o meu objectivo era dar vida,
de alguma modo e em Lisboa ia-me sentindo cada vez melhor, a minha imagem
social melhorava substancialmente, em breve podia ter a garantia de uma bolsa por
três anos, entregaria a tese e, depois de a traduzir para inglês, levá-la-ia em mão à
New School. Num dia que podia não estar muito longe de acontecer. Depois, sabia
que não ia parar, por mais que dissesse a mim mesmo "tenho de descansar", não
conseguia, a minha mente não parava, por isso voltei a escrever toda a minha obra em
sete dias, como sete filhos que havia dado à luz...
21,
Assim, como o desígnio do construtor de casas é fazer uma após outra, aqui ou
acolá, numa aldeia uma vez e numa cidade outra, colocando tijolo após tijolo, piso
após piso, o trabalho do escritor é nunca desistir de escrever, sobretudo se achar que
tem sempre alguma coisa a dizer. Nesse tempo, tinha também assomos de tristeza,
por me sentir sózinho e talvez me sentisse assim porque estivesse a dar tempo ao
tempo, pelo que a minha vida não era fácil, mas face à de outros era a melhor das
vidas. Lembrava-me de Argos, um amigo de infância que era bom demais, andava na
filarmónica da terra, a quem emprestara uma História da Música e o volume Musica e
seus Instrumentos nos tempos em que fui para o seminário e ela para o conservatório.
Passava por casa dele quando ia para o comboio a Lisboa, depois de feita a passagem
superior, uma ponte que feria a aquitetura rural de modo agressivo. Entretanto, pois,
os engenheiros tinham ido embora e a maior parte das antigas estações e apeadeiros
estava cheia de passagens superiores e inferiores, quando elas não tinha vida, não
tinham ninguém que de certo modo replicasse ou recreasse um passado glorioso tido
em pleno regime salazarista e parcamente nos anos posteriores à revolução de Abril...
Enquanto a filosofia é, para mim, não a amizade ao saber, o amor do saber, mas
uma forma (mais) de aperfeiçoamento do espírito, tendo de tudo um pouco (ciência,
arte), a antropologia pode, em certo sentido, além da etnografia, ser qualquer coisa
como, ao lado da geografia humana, uma descrição de qualquer coisa, a construção
de uma narrativa sobre o mundo que está em primeiro lugar na mente do homem,
como ele pensa, como planteia um discurso, como age e se comporta.
22,
Por outro lado, o desejo não é "morrer de amores por"? Nesse sentido, morri
muitas vezes, por isso tenho o cabelo quase todo branco. Digamos que me lembro
aqui de Nick Cave e de "A Morte de Bunny Munro", como se houvesse uma
dimensão de coelho na cartola na personalidade ocidental, europeia e americana, ou
seja, como se o desejo e morte, e seu cumprimento, fosse de alguma forma
testemunho da vida, da morte, ao Outro, àquele que vê, a saber, o Grande Olho.
Assim, eu sentia que estava próximo de vários autores, próximo de um Borges, de um
Verlaine e tantos ou quantos antropólogos ou filósofos. Mas próximo...em que
sentido? Nas temáticas, na escolha das frutas, no açúcar no café ou no café sem
açúcar. O que era preferível? A Margeritte Duras ou a Margerite Yourcenar? Pessoa
ou Camões? Almada ou Teixeira de Pascoais? Musil ou Dickens? Dostoievski ou
Jane Austen? Foucault ou Derrida? Deleuze ou Leiris? Malinowski ou Marcel
Griaule? Não sei, tantos e tantos autores sobre os quais me podiam debruçar, a Névoa
era isso mesmo, um manto branco sobre os meus conhecimentos que, ora os mantinha
ocultos à luz do sol e aos ouvidos dos estudantes ora saíam em ziguezague,
inevitavelmente como um foguete... Longe estavam as grandes histórias, grandes
maquinações novelísticas e narrativas de uma grandiosidade assente no conflito de
gerações ou na clivagem indelével de umas para outras, nos termos da voz do sangue
ou da ausência dela. Assim, o sujeito moderno, pós-moderno, hipermoderno, hiper
sensível oscilava entre as vozes da razão e as suas, as vozes dos outros e as do
superego num contexto de ganeralizada quer tecnização da sociedade, como
americanização ou, melhor globalização sob a bitola da cultura americana. Uma
cultura onde se procura um fundo de heroicidade caro a qualquer humano sem que
não haja um certo cansaço, devaneio, fascínio (quase parisiense), deslumbramento,
desmembramento do Eu...
23,
Manhã, sou notícia mas a minha persona não emerge. Quando me julgo estar em
baixo, estou em cima, na visibilidade do social. Qualquer coisa conspira a meu favor
de modo a que consiga qualquer coisa. Não tenho pressa, o meu pai fecha a porta.
Deixo respirar a minha irmã. Lembro-me de Miriam desmaiando nos meus braços.
Vou até ao café onde trabalha Vitória. Compro um maço de tabaco. Lembro-me do
João Leal e dos meus. Está frio. Afinal o Nilton é meu amigo e simpatiza comigo,
talvez esteja torcendo por mim, como muitos outros, alguns que já fora aos Eua, que
lá estão, franceses, espanhóis e portugueses. Talvez não tenha de forçar o andamento
e as pernas façam o resto por mim. Talvez tenha de continuar, afinal o escrito é feito
de prosa, linear, como quem começa uma corrida e a termina, ou a deixa a meio.
Talvez a filosofia não seja necessária. Ou seja, como o cigarro que vou fumar a
seguir. Talvez haja luz a entrar pela sala e imagine o fofo dos lençóis. Talvez seja um
dia feliz e eu não precise da certeza disso nem de nada. Talvez me ache ridículo,
patético, nesta aldeia, com os meus pais e os pequenos, talvez também na casa em
Lisboa. Ou talvez não, talvez esteja sendo heróico fugindo para estes sítios, para estes
recantos, para estes espaços de liberdade, ao pé dos canários... Sim, ouvia o Nilton a
tinha um acesso de riso e gargalhada, estava farto de escrever, mas não tinha outro
remédio, fui ao Café Jardim e o sentimento de descanso descia sobre mim, de modo
que fui tentado a voltar para a cama meio da manhã. Em dois dias sentia uma
comichão fenomenal no rabo, dava-me imenso do prazer limpar o rabo depois de ir
ao WC e, um tempo depois, lembrei-me do dildo de Miriam, depois percebi que tinha
um igual na parte da frente do corpo, lol, mesmo em baixo, tocando os dedos dos
pés. Sim, os gay era absolutamente mais inteligentes... Sim, tinha em tempos estado
nas Caldas com uma miúda casada, cujo marido era liberal, permitindo várias
aventuras à sua mulher. Ela tinha dois filhos pequenos e lembrei-me da minha irmã,
mas isso era outra conversa. Um dia, ela convidou-me a ir lá a casa, a ideia era um
ménage-a-trois, sendo que eu estava a enfiar e ao mesmo tempo a levar no rabo.
Fantasias da merda, eu nunca quis levar no cú de ninguém, chegava-se o defecar e
arranhar o rabo, mas por vezes essas memórias vinham-me à ideia e todo o tipo de
estereótipos sexuais da ordem da masculinidade que eu ainda tinha na mente...
Sempre que pensava em desistir, avançava com mais e mais força e tinha o
pressentimento que não deixaria nunca de escrever, sempre fora para mim um
problema de habitação, habituação do Ser a um local "Por Detrás das Nuvens", o
título seguinte. E, chafurdando nos livros, velhos e novos, encontro um livro de
Vattimo, "Acreditar em Acreditar" e dá-me uma paixão lancinante e ao mesmo tempo
assolapada de de ler filosofia, de andar com isso de um lado para o outro, cansaço,
mental e físico, pensamentos incandescentes e outros a mate e cinza...a eterna luta
entre Bem e Mal em mim. Depois, pensava nas pessoas que, para bem e mal, admiro
e que nada me dizem, mas que são e serão sempre para mim referências (e como
precisamos nestes tempos de referências!...). Mas...será que poderíamos alguma vez
ser feliz no mesmo lugar durante muito tempo? A depressão cura-se mudando de
lugar, indo de um lugar para o outro? Não se diz que as viagens fazem bem? E as do
espírito? Não é possível viajar até lugares distantes estando no mesmo lugar, como
numa espécie de teleportação da memória, da história, da consciência, do corpo?
Almocei com o meu pai e minha mãe. Por vezes tinha muito maus pensamentos
estando diante deles, como se lhes quisesse fazer mal por, de algum modo não me
ajudar, a posição era incómoda para mim...mas tudo bem, tudo passa... nisto tudo, a
solidão era atroz, ninguém me dizia praticamente nada. Pagava caro a minha
independência, longe dos interesses...era uma sensação amarga. E fui dormir a sesta.
Sim, estava extremamente cansado, farto de lutar, de procurar emprego e mulher,
quando muitos tinham isso e muito mais e não davam contas nenhumas ao mundo.
Mas eu tinha muito mais do que isso, uma filosofia, um saber, uma certa
tranquilidade de espírito...estava apenas cansado, farto, poderia pura e simplesmente
desistir de tudo e conduzir uma vida simples, pacata, sobrevivendo a tudo o que me
acontecera em Lisboa. Por outro lado, pensei, a razão e origem de tudo isto talvez
fosse apenas uma: eu estava sendo discriminado, progressivamente esquecido. Mas
também não me apetecia particularmente lutar contra isso, naquele estado de coisas.
Em todo este tempo deixara um rasto de mais duas mil páginas escritas, em trinta e
tal cadernos, textos batidos à máquina em dois grossos volumens, mais de cinquenta
livros, duas teses, das quais nascera uma Antropologia Filosófica. Por outro lado,
pensei de outra maneira, as pessoas estavam apenas respeitando a minha solidão de
autor, entremeada com amores ocasionais que nunca se colavam a mim. Tentei, por
último, reavivar alguma coisa com Graça e Miriam, mas...nada, não havia sinal delas.
Sim, eu estava cansado, farto de ser gozado por toda a gente, desde a rádio, à rua, à
televisão, como se fosse o bode expiatório dos pecados dos outros, daí o meu dessejo
de ir à América, eu não me considerava o patinho feio de nada, não tinha certas coisas
que uns têm e outros não, eu sentia pela primeira vez que estava na ponta da
sociedade, tinha o meu prestígio e estava ao mesmo tempo bem fundo na consciência
colectiva, não por poesia nem por tratados filosóficos, por uma simples prosa e uma
certa foram de vida. Podia muito bem pedir ajuda, socorrer-me das mais diversas
formas de terapias, podia até fingir, mas assombradamente permanecia resistente a
tudo e todos, por mais ferozes que fossem os ataques... Mais tarde encontrei um
livrinho de Ernesto Sabato, "La Resistencia"... Porque a nossa tendência é desistir,
insistir, perseverar. Ao mesmo tempo, pressentia que a minha importância social
aumentava consideravelmente. Mas isso não me obcecava, queria uma emprego
como professor e isso, ao mesmo tempo que me stressava pelo envolvimento social,
distendia o meu espírito como que num palco onde ele se podia desenrolar e articular.
Contudo, sentia-me fechado neste mundo do Nada, em que nada acontecia, em que
tinha obviamente de fazer acontecer e fazia, sempre fizera muitas coisas, mas com as
minhas habilitações e sem cunhas, não era nada, mesmo nada fácil, como para outros
claro, muitos dos quais tinham emigrado. Pensava ainda em Miriam ao mesmo tempo
que me entretinha com Cris, uma enfermeira brasileira bastante volumosa. Passavam-
se dias e eu retido em Riachos, saindo apenas para o café, para o multibanco. Eu não
estava a perceber mas ao mesmo tempo tudo fazia sentido, sabia ler a realidade com
paciência e pressentia que as coisas me poderiam em breve sorrir. Ou não, tudo o que
aocnteceria comigo seria uma espécie de sortilégio do acaso..."Everything goes back
to you" -diz a canção, será que todas as mulheres que desejei, nas ruas de Lisboa e
nos écrãs da tv voltarão? Talvez venham todas visitar o meu túmulo como o de Victor
Cousin... Sinal de vida, de um grande antropólogo que afinal não se perdeu, não era
geógrafo e que simplesmente nunca perdeu a vocação mas que assim que se acabou o
financiamento investiu na filosofia, porque, de certa maneira, será mais "elevada" e
barata ou será o inverso? Será não o cérebro que racionaliza, mas o corpo, o
organismo? De modo que resolvi consultar mais uma vez a FCSH sobre a
possibilidade de dar aulas mas desviei-me antes de apontar à Clássica, a minha irmã
estava cansada mas continuava a fazer assentar a sua autonomia sobre mim, melhor, a
cimentar a sua identidade enquanto mulher a partir de mim e sabai que ela delirava
sobre o modo como eu tratava as mulheres, que era um misto de machismo, que elas
bem gostam e de sensibilidade, numa palavra, sensibilidade e bom senso. Havia,
tanto em Riachos como em Lisboa, alguma gente que me queria pôr abaixo, ver em
baixo, penas, como se fosse um taradinho culpado de alguma coisa. Isso não iria
acontecer. Caíra diversas vezes e levantara-me, mas era tempo de não cair mais, de
fazer e mandar fazer. Havia muita gente que via em mim uma esperança, uma
segurança e eu ainda escrevia num tempo anterior àquele que vivia, a quente, sob e
sobre o momento presente. Não me sentia especialmente obcecado em mostrar
trabalho, de algum modo o futuro seria consequência dos tempos de trabalho que
havia vivido, suado e suspirado. Era tempo de descansar e até pensar em coisas novas
a fazer e a pensar e até mais saudáveis, já agora...
24,
Por isso mesmo, a depressão não é senão um vazio, um vão, na existência, no Ser,
um hiato, uma fissura no Ser, fragmentado em termos duplos, na esfera privada e na
esfera pública, como se essa fragmentação do Ser fosse apenas uma etapa nos termos
da sua recomposição mais adiante, no tempo mais à frente, se não quisermos pensar
em termos eliadianos. Se eu quisesse manter teimosamente a minha vida, se não
aceitasse a finitude como algo de natural, não me dava aos outros, porque, na
verdade, é através do Outro que o Uno se realiza. A vida bem vivida é a que combina
saber com experiência, religião com amor, mesmo físico e os psicólogos e
psicanalistas não estão errados em acentuar o carácter sexuado da vida humana, pois
é essencialmente esse o aspecto de um dasein, de uma tendência para com o mundo e
o Outro. O filósofo, quando não anda disfarçado, conhece as mais diversas
ignomínias dos homens, tanto por ser confundido com um vagabundo quando com
um espião ET. A ideia do mundo como construção tem a ver com a desconfiança face
ao pensamento, ao pensar, porque, nas mais diversas épocas históricas, a estupidez,
sob a forma de senso-comum, quase sempre prevalece, até mesmo no interior das
próprias universidades. Como se livrar, então, da saturação face às relações humanas?
Fazer telenovela? Ir para o convento? Não me cabe a mim dizer, já não sou mais
especialista do comportamento, das relações humanas e sociais, de dedico-me a
estudar os animais e a ver os homens como animais, a sua componente racional não
me interessa jamais, porque caí cedo face a elas e cedo me levantei (ou até tarde, em
certo sentido) para construir um edifício teórico (e prático) que creio modestamente
ser invejável. Assim, as situações sociais são, nos termos de uma psicologia social,
como que fotogramas que de sobrepôem uns aos outros, que se analisam, ou não, ao
lado uns dos outros. Será, finalmente, a etologia social mais objectiva do que a
antropologia social ou a psicologia social? No fundo, o mundo para mim deixava de
fazer sentido, eu apenas queria um lugar para dar aulas, fossem quais fossem os
alunos desde que tivessem algum interesse e propensão em prosseguir alguma coisa e
não fossem bobos e toda uma burocracia parecia estar impedindo esses desejos. Mas,
não é objectivo da sociedade democrática controlar e até condicionar os desejos
individuais nos termos de um respeito pelo colectivo? O problema é que eu chegara a
um ponto em que o colectivo iria jogar a meu favor, pois afinal era isso que eu tinha
como objecto de estudo. Em termos práticos, estava em vias de conseguir um
doutoramento em Filosofia, mesmo sem ter terminado o mestrado, tinha o
equivalente a um mestrado em Antropologia e o sem número de obras escritas, mais
ou menos conhecidas. O meu pai suspeitava disso, as coisas estavam seguindo a meu
favor e a minha ansiedade diminuía, ainda que desgastado com as mais diversas
questões. Tudo bem, mesmo que andasse sibilino, continuaria a ser feliz, a verter a
minha prosa, pois tinha Brisa, Bruma, Neblina e Nevoeiro para escrever...na maior.
Podia perfeitamente dizer disparates, especular em estilo non-sense e nem sequer
fazer filosofia. Podia fazer a mais bela e pura literatura e nem isso ser visto e lido.
Podia fazer a mais bela ciência social, usar e abusar da matemática das emoções, mas
isso nem sequer chegar para impressionar um notável da academia. Mas optei por
correr em três pistas, por fora, ao largo ou apostar em três cavalos que ninguém mais
queria ver a vencer. E vou assim andando, com a minha quadriga, longe de Alice e do
Principezinho neste planeta raso em vôo rasante, demasiado só porque só assim
mesmo percebo os sinais e movimentos dos meus inimigos. Enquanto algumas
pessoas se admiram com pessoas como eu, outras falam com desdém e troça. Não se
pode ter tudo e é precisamente essa clivagem, esse vão, que permite criar, uma falta
que até é do Outro, que se tem de encher, de preencher... Podia estar errado e daí
nenhum mal vinha ao mundo, muito menos a mim mesmo e à minha família. Mas o
meu pressentimento de que estava certo, mais do que certo, cosmica e
meticulosamente acertado, tinha a ver com o facto de ter visto, há dia, vigoroso e
aparentemente de boa saúde Herberto Hélder, ele mesmo, o poeta que pouco se via e
que eu pude vislumbrar em pleno dia no Saldanha. Notei que, entre a névoa dos meus
pensamentos, como se sofresse da tal doença das cataratas, ouvia chover pelo telhado
do meu apartamento, pela clarabóia da escada e no chão lá por fora, para além de
pelo pátio das traseiras. Em outros tempos, em jovem, estava mais preocupado com
os estudos e até Deus, sem saber o que seria uma coisa e outra. O meu sentimento de
condescendência face ao meu sobrinho nada tinha de durkheimiano, ou talvez tivesse,
por outra via, eu sabia que a época da adolescência pode ser a mais problemática,
pois aí se forma a personalidade, sendo que uma pessoa aberta está sempre, ao logo
da vida, receptiva a novas ideias, entre pensar e falar, entre dizer e fazer. Olhava-me
ao espelho e gostava do que via, tinha vontade de ir para a cama, mas não dormia,
levantava-me e fumava um cigarro, fazia um chá de camomila, pensava na minha
irmã, no meu pequeno, no meu cunhado e nesta história que era a de um e de muitos,
sem grandes enredos como Anna Karenina, Crime e Castigo ou Orgulho e
Preconceito, sem o mesmo sentido que Ulisses ou Servidão Humana...
25,
Indo eu com cuidado, chegava às mais diversas determinações e motivos para
entreter o meu espírito e supôr que dali a um tempo poderia ter alguma independência
económica que me permitisse fazer mais filosofia, sem bem que esta se faz, a melhor,
numa situação de inferioridade face ao objecto de estudo. Um dos meus grandes
propósitos teóricos seria como fazer parar o tempo, mesmo sendo uma característica
dinâmica o movimento, o tempo. Se a terra era um corpo, de certa maneira celeste, se
os homens conheciam repouso ou até fenecimento no fim de suas vidas, tudo isto
podia evidentemente ser parado. Mas como parar o tempo sem parar a nossa
percepção dele, algum que sempre passa, inexorávelmente. Creio que esta ideia, este
conceito, está intimamente ligado com a de Deus, porque d’Ele é a ação no e sobre o
tempo. Argumento que vou desenvolver neste livro. Enquanto tentava fugir da
banalidade, a especulação levava-me para territórios longe do compromisso, pensava
que não tinha mão sobre o meu destino, sob os meus projectos, mas olhava para mim
e tentava ser positivo, tentava pensar que a um dia seguir-se-a outro e que, de uma
maneira ou de outra alguma forma de justiça se iria cumprir para mim, não sem que
eu tivesse de parar, de deixar de fazer, de deixar de acreditar. Muitas vezes,
hesitamos em querer meter-nos em certas coisas porque temos a noção de que se
perdermos a noção deixaremos de ser fiéis a nós mesmos. O segredo da vida e da
biografia será termos consciência de nós mesmos no mundo apesar do que vai
acontecendo, recuperar sempre a consciência como se a nossa relação de espanto com
o mundo fosse uma forma de in-consciência e re-criação sem volta a que damos a
volta. Depois, pensava para comigo mesmo um dia vou de carro atè à Alibi e lá
arranjo uma miúda, vamos os dois ver o pôr-do-sol e ficamos na praia conversando
até amanhecer... Por isso, reatara a amizade com Moreno e o seu irmão advogado,
para lembrar tempos antigos que este passava depress
25,
É claro que podia estar viajando, mas o dinheiro, mal ou bem, ia-se logo pelo cano
abaixo em dois ou três dias, quer porque tivesse que pagar a internet, quer porque
tinha de tirar o passe ou coisas parecidas. Lá voltava o cominho da minha irmã para
ajudar-me. Parecia este caminho não ter fim. Não pedi empréstimo algum, pareceu-
me ser embuste, de modo que não arrisquei duzentos euros para uma taxa. Ficara de
cama naquele dia até quase fim da manhã, e em vez de contar outras histórias,
continuava contando a minha, mesquinha ou não. Tentando fazer um sentimento
lógico, longe das emoções, regressava às mesmas coisas que sempre fizera, escrever,
fosse sobre que realidade fosse, corrigir três livros que tinha para imprimir e procurar
deixar um tempo. Naquela tarde aguardava um encontro com Cris, que seria lá mais
para o final da tarde e, depois de um licor beirão, sorvia um pouco de vinho,
procurando estar entre os níveis, nivelado, oscilando entre o bem e o mal, o deve e o
haver da existência. A pouco e pouco, ia tendo conhecimento maior e mais profundo
do meu psiquismo, que estava intimamente ligado a estímulos do exterior. À partida,
funcionava por negação, de imagens, de sons, sensações, impressões e palavras.
Percebia que o mecanismo da mente seria apagar essas imagens, como se só por
tabula rasa o espírito poderia „funcionar―, quanto mais força fazia para as apagar pior
era, com mais violência elas se afirmavam. O sujo procurava ser limpo, uma imagem
sucedia-se a outras, numa carnaval obsoleto e inútil. Só quandoum conceito exterior,
conjunto de palavras com sons, entrava no meu espírito, essa imagem acabava por
desaparecer, sem dor, naturalmente, pois a dor era resultado da insistência, quase
moral, quase higiénica, dessa imagem ou sensação. Combinei então o encontro com
Cris, mas desde cedo percebi que ela não estava com muita vontade, de modo que
logo que cheguei no local combinado, liguei-te. Deu-me uma desculpa dizendo que
não podia vir, estava no consulado desde manhã. Saí pelas portas de vido e nas
arcadas do Saldanha olhei para a chuva que caía, sob o sol das duas e meia. „Vida,
isto é a vida―, pensei, e voltei para casa. Comecei a rever a tese, primeiro em casa, à
noite, depois no metro, levava-a comigo na sacola. Senti que podia estar perto de um
ponto sem retorno, não ia desistir agora sem mais nem menos, pelo que podia ganhar
algum tempo descansando. Aí, percebi que o mundo não tinha sentido e que eu
procurava a todo o termo dar-lhe esse sentido, o que era uma tarefa absolutamente
hercúlea, na verdade talvez estivesse verdadeiramente sendo antropólogo e não o
soubesse. Lembro-me daquela banda „Ferro & Fogo― e de como fazia sentido
naquela época, nos anos 80, juntar dinheiro para uma casa e uma miúda, ou seja, um
casamento, isso fazia sentido, não que hoje em dia não fosse assim, mas a empresa
tecnológica em muito complexificava essa tarefa. Do nosso corpo saíam fios, fios
eram os pensamentos e o ego encontrava-se espartilhado no mundo, aí, tendendo,
para aí... O corpo, que outrora fora corpo de desejo, unificado, na articulação entre a
alma e o corpo, material, era agora qualquer coisa da esfera do político, espartilhado
num mundo ele mesmo já espartilhado. Assim, eu oscilava entre mim mesmo e o
mundo, tendo os outros por entremeio, entremente, de alguma maneira o que só
importava neste mundo era a opinião dos Outros, num Eu esvaziado e realizado
materialmente em termos de imagem pública. Mais uma vez, a relação entre o Eu, o
Mundo, os Outros, Na verdade, o Mundo eram os Outros... Sim, nunca tivémos tanta
liberdade, pelo menos neste país, nesta nação, para escolher inclusivamente por que
valores viver. Os meus pais só querem que asseguremos a continuidade, a visão
ingénua da minha mãe tem algo de muito político e quase subversivo nos dias de
hoje: viver da terra, simplesmente, como um agricultor, acompanhar o „torção― do
mundo, esteja onde ele estiver, estejamos onde estivermos. Essa visão da vida atrai-
me, porque é simples e faz-me lembrar a visão profética de Francisco de Assis
(Francisco de Assim, diria), além do comunismo, do socialismo e do capitalismo.
Radica como que numa holanda de criadores, em em certo expressionismo francês
(Monet), em que a união entre o homem e a natureza era plena e harmoniosa, até soa
mal nos dias de hoje dizer isto... A aprentação do texto literário aos bébés? Olha, era
uma das minhas alcunhas em pequeno...―o bébé―.
26,
E lembro-me de Marlene, no 12º ano, que podia ter comido e preferi ao estudo e à
amizade de Arlindo, lembro-me de Tita, nos últimos anos da licenciatura, que podia
ter comigo e a minha vontade de progredir em alguma coisa fez reprimir o desejo. No
fundo, se cumprimos o desejo, acabamos por perder nos objectos pessoais, de um
modo mais ou menos francês, gaélico, ou então contamos com as curvas da estrada,
as curvas apertadas, para nada trazer senão desalento ao final da noite, dia após dia
nas obras, a encher placa, fim de semana após outro, numa discoteca ou noutra, sem
ter quem amar. O tempo passara, tinha quase perdida a oportunidade de ir aos EUA,
podia regressar a Leirena, a Conímbriga, a Palumbar, como se num exílio quase
literário, quase literal... a presença dos meus pais, e isto é histórico, em Riachos
chamava-me para aquele lugar, ainda que sem dama...O Natal aproximava-se e eu
setia um amargo agridoce nas relações, nunca fora um literato, nunca fora um técnico
do desejo, talvez nunca tivesse sido nada de coisa nenhuma, e ainda bem, um escritor,
para todos os termos, um filósofo brilhante, um antropólogo desconcertante, pacífico,
talvez, por fim e apenas, o Rei de Lisboa. Mais tarde, dali a um tempo em que tinha a
mesa limpa de cinza de tabaco, pensei em ser Saulo por aqui, nesta povoação que me
dá tanta importância que me abandona aos meus pensamentos. Deverei dizer o que eu
tenho andado a fazer? O que faço efectivamente? A realidade mais ou menos do
âmbito da felicidade não tem a ver senão acerca das circunstâncias do que é pensado,
no âmbito da consciência? Entretanto, o tempo passa, o devir aflige-nos enquanto
outros, a maioria, decerto, faz troça e prossegue no ímpeto da sua vida para qualquer
coisa de trágico, de abominável, de parricida... O grande problema da América é que
a maior parte do macho ou da fêmea não consegue passar sem sexo, por isso se
explicam os escândalos de pedofilia por lá, numa igreja que é como é, tipicamente
americana, o refelxo da sociedade em que vive. E se vive, não pode aspirar a muita
pureza, mesmo no caso dos católicos. Quanto ao europeu, consegue passar muito
tempo sem sexo, que consegue facilmente junto das mulheres mais pobres, que vêm
sempre uma vantagem mais ou menos económica em se juntar a um europeu...Por
vezes ocorre-me a ideia de que estou contando uma história que é já conhecida, será
uma certeza ou apenas uma suposição, no entanto prossigo, ante a noite, com um
copo de Martini como se fosse Michael Douglas ou Nick Cave...se tivesse um carro
facilmente me desapegava da casa e iriam à aventura por aí, pela estrada, a ver o que
acontecia, em vez de estar entre quatro paredes, mas nisso também o meu pai tem
culpa, tenho contas a ajustar com ele, como outros têm com seus pais. A sociedade
está feita de uma maneira que permite todos os parasitismos de vários géneros, entre
os quais os subsídios culturais, eu tenho andado desde 97 com fundos familiares
estudando filosofia, até pedi um empréstimo bancário para tal. Não conheço ninguém
que o tenha feito... Depois, percebi outra coisa, na minha vida sempre desejara
bastante, com nervo e afinco, elas não querem isso, querem um não querer querendo
ou um querer não querendo, todo aquele que se aplica pode revelar insegurança, elas
não querem isso, querem qualquer coisa que ultrapassava até a força física, ou seja,
uma presença psíquica que nem sequer as incomode, de modo que nessa noite, vendo
e fazendo, percebi que não devia esperar grande coisa mais, talvez tivesse deixado de
amar nessa noite, talvez tivesse simplesmente perdido o interesse, talvez o meu
espírito se tivesse, mais uma vez, perdido em corpos misturados, como falava Michel
Serres, talvez estivesse a salvo a partir desssa mesma noite... Quando vejo, pelas
notícias, de que o meu presidente vai a uma mesquita, é a cereja no topo do bolo,
orgulho-me deste país, do português, bom e sincero, que sabe comunicar, não se
envergonha de não ser o melhor em termos de desenvolvimento, mas que é digno, da
sua condição e da condição futura e amigo tanto de americanos quanto de russos.
Quando o mundo é feito de muita gaja e podridão, o meu mundo nunca teve grandes
gajas nem grandes admiradoras, que me entusiasmassem a seguir caminho, talvez por
isso tenha chegado onde cheguei e vá chegar ainda mais longe.
27,
Num mundo em que todos estão cada vez mais ligados, ao mesmo tempo estão
cada vez mais desligados. Mas desligados do quê? Da terra, da pertença, os axiomas
religiosos e antropológicos estão em causa e a América acusa essa ligação e
desligamento íntimo face ao que é Outro, numa forma de alienação legal que a maior
parte da produção cinematográfica atesta. Assim, naquele dia de sábado, era quase
Natal e eu, apesar de estar só, passava de um estado mais ou menos bem-disposto,
quase eufórico, tendo ligado ao meu irmão e à minha mãe, para um estado
depressivo, uma descida bem grande, lá ia eu por àgua abaixo. Mas procurava
manter-me lúcido, este mundo fazia cada vez menos sentido, mas ao mesmo tempo
eu procurava compreendê-lo. Ainda enviara uma mensagem a Miriam, mas ela
mantinha-se em silêncio face à minha pessoa, para além das imprecações no site de
encontros. Fui ao aeroporto, perdi por lá a minha mochila, mas no dia seguinte
conseguira reavê.la, na verdade, eu só estava à espera das oito da noite para me ir
deitar e descansar, depois de ter reiniciado a revisão da tese. De modo que não tinha
outra hipótese, enquanto uns ficariam a celebrar o Natal outros o Ano Novo, eu
estaria tentando levar este livro para a frente, senão tentando concluído. Tinha muitos
argumentos e ideias para isso, numa caminhada que começara em Março do ano
passado. O vizinho fecha o maníputo, o trinco, da porta, eu aguento-me mais um
pouco, talvez seja português-norueguês, sob a eminância de ir beber um café à preta
do Oriente, ou não, ficar em casa a maturar no enésimo romance sem atenção alguma
de autoridades intelectuais portuguesas, talvez não precise disso, esteja acima disso,
mas tenho de pedir vinte euros ao meu irmão para me aguentar mais uns dias sem
defender a tese, sendo que a defesa será certamente alvo de chacota por não se inserir
na filosofia daqueles que fazem filosofia ao lado de tudo e mais alguma coisa. Mas
sim, desde que li o Emílio, de Rousseau, soube que a minha tarefa nunca iria ser fácil.
A imagem da senhora negra no Bairro da Prata deu-me seossego, como se o Cristo
não precisasse de ser negro ou branco, como se fosse de todas as cores, e então
percebi que Cristo ainda estava comigo e estava eu bem perto da cama, onde podia
repousar depois de mais um dia atribulado. E a realidade é um hospital de malucos
não autorizado, pois ninguém nos vem chatear, nem tem em conta normas que tenha a
ver com o interesse comumn e privado, nem privilegia os mais dedicados, alunos ou
docentes (doentes) da bola ou de outras coisas. No fundo , a loucura é legal, enquanto
que a miscigenação e a incongruência é ilegal e não faz parte nem àparte, pois o
génio é aquele que descreve o que a maior parte pensa, ou seja, a normal, sendo que o
obcecado não é o que tem TOC mas aquele que se convence de que tem de agiraz
normalmente, pois pensa que a ideia sua, de normalidade, está no Outro. Doença de
sociedade...no hospital de malucos, todos são mais sãos... Nestes termos, enquanto
andava ainda pelo aeroporto, de um lado para o outro, tentando sensível comunicar
com alguém, os americanos, grande parte deles, procurava alguma sorte de
legitimidade histórica nos pobres Descobrimentos portugueses, para foder gaijas e
coisa e tal, para os seus mesquinhos interesses, quando eu passava noites e mais
noites sózinho, pensando ser muita coisa ou coisa nenhuma, porque o certo é que elas
não diziam nada, vá-se lá entender? A maioria das pessoas não consegue fazewr a
transição do inconsciente para o consciente, sobre tudo durante o dia do sol, porque
está cheia de intrujões da psicologia e psiquiatria que lhes diz para se conformarem,
para não se revoltarem, quando sabem que a revolta, segundo Camus, é a única forma
de verem a luz do dia e no fundo estão a matá-los, senão isso, a adormecê-los, apenas
à custa de um certo princípio que lhes diz para se manterem vivos...substituindo
Deus...porca vergonha.
28,
Não tinha nem uma leve vontade de ver porno, embora acabasse, no final do dia, de
o fazer, não sei se por via da lua ou da sua ausência, sentia-me sacrificado por saber
tanta coisa, deslocado, ingnominiado, embora tivesse estado no aeroporto e mais ou
menos, por via da frequêntação, toda a gente me conhecesse, mas não esboçavam um
gesto por me ajudar, por me sugestionar, talvez estivesse destinado a ir à América e
por lá afinal ser mais popular do que aqui, porque realmente nenhuma mulher se
interessava por mim, nem sequer a brasileira letrada, afinal de contas, oiçam, o
homem vai onde está o desejo, o destino do seu desejo e sua completude e
realiuzação, nem mais... Então, pela primerira vez, pensei na minha mãe, uma santa
mulher que habitava em Riachos e a quem nada devia em termos de relações,
humanas, sociais, de todo o género. Pensei nela, em vez de ver a porcaria que os
americanos faziam, os psiquiatras americanos que elegiam o sexo como panaceia pra
problemas socias e quejandos, pensei que a minha mãe estava longe disso e ainda que
estando só, estava em sua companhia, eu que pouco ou nada merecia, em cujo mundo
nada ou pouco me era atraibuído, esquecido de tudo e de todos e ainda assim
descrevendo alguma coisa como um próximo cigarro. Eu via m muitos, incluindo
cientistas sociais, excessivamente preocupados com o Outro, mas nada diziam acerca
deles e da sua experiência sobre o mundo, os Outros, talvez porque nada tivessem a
dizer sobre isso... Eu esperava por duas coisas, essencialmente, um trabalho e uma
mulher. Estava sexualmente disponível e as coisas proporcionavam-se de uma
maneira ou de outra, mais ou menos. Mulher nenhuma iria franquear a minha porta
contando que iria repetir o acto no quotidiano e era complicado arranjar um trabalho
para um reformado como eu, mas eu continuava, nos três termos da equção que
talvez me mantivesse vivo. O corpo de desejo, naquela altura, era essencialmente
político, não tanto erógeno, ou seja, havia um preço simbólico para possuir algum
corpo e o conflito de gerações fazia-se estalar, eu sentia que tinha de dar o cú e o
couro para conseguir alguma coisa e depois tinha de descarregar nos mais novos para
exercer a minha autoridade reprimida em tanto e tantos anos, isto era o preço que
exigiam aos mais novos, passar o que os mais velhos haviam passado, ou pior, para
saberem o que custa a vida, nesta sociedade capitalista. Mas eu não estava disposto a
isto, de modo que ensaiei um desvio, comecei a pensar em formas alternativas de não
fazer incidir nos mais novos as minhas comendas existenciais, ou mesmo sexuais,
comecei a pensar de outro modo, de um modo mais autónomo e a minha felicidade
talvez tivesse começado aí, já que era invisível até à data, fazendo tudo e mais
alguma coisa para me tornar visível, aproveitei esse facto para continuar invisível,
pois nesse aspecto reconheço que queria a visibilidade apenas para conseguir ganho
sexual, de modo que continuaria invisível, na cama, no metro, nas ruas por onde me
movia e talvez, um dia, na América...
29,
Há quem tenha passado pela religião e saiba viver melhor a sua sexualidade do que
os outros. Acho até que a sociedade está doente, bem mais doente do que certas
pessoas que ela encosta à margem por seres distintamente diferentes. Pessoas com
grande problemas de depressão e doenças crónicas acabam sendo melhores pessoas
porque não fazem o que lhes dá na real gana, enquanto o país é governado por um
bando de carneiros mourinhos...
Um dos meus grandes defeitos até esta idade era começar a fazer várias coisas sem
ter acabado. Agora, tinha feito diversas coisas até ao fim, podia desistir delas todas
porque não teria obtido sucesso, pelo que poderia prescindir do meu esforço, dado
que não dava resultado. Na verdade, eu tinha acabado duas teses e onze livros no
espaço de um ano e poucos meses. E não digo mais, espero que tenha tempo e
paciência apenas para continuar, afinal a escrita é a minha vida. Pensava neste país,
desgraçado por corruptores, na minha necessidade de trabalho e no facto de um autor
como eu ter passado incólume, com tanta afirmação positiva de intelectualidade e
mais de quarenta obras escritas, ter passado pelos pingos da chuva da opinião pública,
mas pensei que se muito afirmasse isso mesmo, pior seria, não poderia continuar o
meu trabalho... Deveria, então, insistir na escrita, no pensamento, quando estava
ficando cada vez mais fraco, tendo decerto conhecido a felicidade, senão absoluta nos
braços de uma mulher? Deveria deixar de insistir? Estava cansado e sentia que a
minha mãe também, íamos morrendo os dois aos poucos, enquanto os meus irmãos
me paraciam bem, o velhote lá continuava resmungão, mas sereno, o meu cunhado
estava mais animado devido à inauguração de uma nova loja para ele. Eu sofria por
não ter quem amar, sabia que a sociedade estava mais ou menos pacificada e que,
enfim, há vários tipos de amor e podia calhar-me a mim, sem ter de ir a Lisboa, a
ideia alimentava-me a esperança e o espírito, mais um dia, mais um pouco talvez até
pudesse, quem sabe, casar... Naquele dia, não iria ao café, imaginava-me andando de
um lado para o outro na casa de Lisboa, na última semana não produzira quase nada,
essa noite deveria ir ao café para estar com os amigos, mas optei por me refrear, pois
bebi um pouco mais de vinho, sendo que continuava, como sempre, fumando uma
maço de tabaco por dia, Camel, neste caso. Este meu relato tem tanto de pessoal
quanto de terapêutico, ou seja, ajuda-me a situar-me e ao mesmo tempo é um registo
do que vou fazendo, a pouco e pouco, nos lugares onde estão e é uma larga
quantidade de hipóteses de liberdade apesar de quase sempre a mesma geografia, o
que desafia o génio e a imaginação... Faltava-me comprar algumas obras de filosofia,
dar umas aulas e publicar o resultado das minhas investigações em revistas
científicas. Eu próprio programava isto (e outras coisas) só para não mudar de
actividade e sim, oiço na rádio, aquilo que recebo da segurança social por trinta por
cento de incapacidade, devido à minha doença crónica, está sendo mal calculado.
Pela primeira vez, estava asoberdado pela teoria, pela ciencia social, pela realidade,
bloqueado, e nada mais importanva. Então, deixei passar um tempo. Ficava pensando
numa Adriana Calcanhoto, que fora convidada para professorea em Coimbra, para um
Ricardo Araújo Pereira, em Letras, em Lisboa, para um Carrilho na FCSH e este país
metia-me nojo pelas comanditas e interesses, até em plena universidade. Talvez
porque lá comecassem os problemas é que o resto da sociedade estava mal, talvez por
começarem os problemas nas universidades, nas escolas, desde as primárias às
secundárias, é que o país estava como estava, atrasado, falsamente católico, obsceno,
tudo à espera de furar alguma coisa em nome da liberdade individual. Isto entristecia-
me, não tanto por mim, mas por todos aqueles que me haveriam de seguir, porque, na
verdade, seu sempre fizera alguma coisa consentânea com o meu esforço. Metia-me
nojo saber que a euforia pessoal podia ser legal, nomeadamente na conquista de
gajas. O país bem que me devia um pedido de desculpas, nas mais diveresas vertentes
sociais. Mas eu não queria saber disso, apenas queria arranjar o meu dinheiro para
apresentar a tese e ir à América, estav farto disto. Sim, haveria de assumir uma
posição de poder, durante alguma tempo, pois afinal andara no ISCTE-IUL, na
FCSH, na Católica, de um lado para o outro, não era secular em sagrado, mas andava,
andara, isto é uma vitória por quem nada esperava, se é que quem vence é que tem a
vitória, mas metia nervos, a paciência que tinha de ter para, afinal, apenas, discutir
uma tese, dar umas aulas na faculdade, ir a Nova iorque, quando tudo isto tudo
apenas dependia de mim e não dos outros... Depois, apareceu uma outra Miriam,
talvez fosse esta a definitiva pessoa que me acompanharia nos próximos e definitivos
dias, depois de discutir a tese, depois de dar umas aulas na faculdade, depois de ir a
Nova Iorque, era só isso, nada de muito transcendente que eu queria e, afinal de
contas, conviver, com pessoas e de uma ou de outra ordem, de Leirena, Palumbar ou
Conímbriga, estar onde está o coração, porque a razão depressa envelhece...
30,
Nisto tudo, nem Danny mexia uma palha, ninguém, ninguém se preocupava
comigo e com os meus, mas eu prosseguia e haveria de conseguir, talvez no dia
seguinte àquela véspera de Natal estivesse em Lisboa. Depois da discussão da tese
ainda me esperava um concurso, simplesmente para ensinar o que havia aprendido
todos estes anos, muito mais do que aqueles que ensinavam nesse momento nas
universidades nestas árieas, au-delá dos contatos internacionais. Eu, na verdade, tinha
o dom de tornar sensatos os momentos mais malucos. A maior parte dos outros fazia
o contrário...Sim, porque os académicos portugueses sofriam de uma síndrome da
libido estranha, ou seja, nunca se sabia o que queria e não se contentavam em dar
aulas. Estranho...Na verdade, quando comecei equacionando estas e outras coisas,
sabia que podia ser feliz, a felicidade advém sempre de um sentimento de perda, de
incompletude face aos acontecimentos, de reconhecimento da nossa limitação ante o
mundo e nessa medida estava ficando menos teimoso, menos persistente, ganhando
sem dúvida em muitas áreas e domínios, com uma forte consciência de que o homem,
como Luis Verísssimo dirira, é um lírio no campo...Depois, pensei, prémio nenhum
aplacaria a minha raiva, o meu saber, nem tese nem trabalho como professor, eu sabia
que tudo dependia de mim, apenas de mim, como sempre, mesmo a ida a Nova
Iorque. De modo que começei a ser efectivo, a não me preocupar, a ser honesto e
sincero antes de mais comigo mesmo, mesmo que me chamassem egoísta, porque, na
verdade, no bolso apenas possuía pouco mais do que o batsntante para uma bica no
café da aldeia...e era sobre isso que a bitola dizia respeito. A pouco e pouco, Joaquim
Pais de Brito, Rau Iturra, Viriato Soromenho-Marques, iam caindo no esquecimento,
porque o discurso aprazível e prazenteiro dizia-lhes respeito e tinham interesse nisso,
enquanto eu, quase no mesmo sítio permanecia, a não ser esta prosa. Dali a dois dias
estaria de novo em Lisboa, talvez para passar a passagem de ano...Eu podia não ter
grandes amigos, talvez porque nunca embarcara em compadrios, falsidades e
fraquezas, mas Danny tinha apenas um bom grande amigo, eu mesmo e se ele lhe
faltasse, ir-se-ia abaixo, mas ele nunca tinha alimentado grande amizade, nem nunca
fora grande amigo, por isso decidi baixar-lhe a guarda, deixar de lhe dar atenção,
decerto que estaria bem melhor com os outros, que o veneravam e chamavam de
doutor. Eu, apenas deixaria de ter um ponto de interesse e atenção. Era menos uma
preocupação. Mas, seria isto tudo, as minhas ambições e os meus pensamentos, tudo
fruto da minha imaginação? Seria eu um romântico alemão tardio, um neokantiano
desalentado? Não, não creio que o fosse, era antes de mais, uma força social e disso
sabia-o perfeitamente. A região agreste do ser-se português já havia ficado para trás,
as brasileiras haviam desaparecido e, embora estivesse triste, pois meu objectivo era
ter uma lady, estava mais ou menos conformado e muito motivado para as batalhas
que se seguiam em Lisboa. O segredo maior da vida é: só dás porque recebes, no
entanto há quem dê sem esperar receber e a escolha é entre isso e uma atitude
predatória na via. Quem se arma em predador, só porque pensa ser o melhor ou quer
ser o melhor a médio prazo, acabará sob várias desilusões, entre as quais a ideia de
que as mulheres só querem sexo. Querem isso e muito mais, só que a maior parte dos
homens apenas está disposta a dar sexo, ou nem isso sequer, porque entraram numa
órbita donde não conseguem sair, só aquele que sai dela para orbitar sózinho é que
consegue o respeito de todos. Estava com Miriam Dois, em contacto com ela desde
há dois dias, tinha dos filhos, como eu tinha dois sobrinhos, quatro, melhor dizendo e
pensava se queria que lhe fizesse companhia no Ano Novo...
31,
Em Lisboa tinha toda uma vida, embora não amigos e em Riachos tinha amigos
mas não uma vida. A maneira como se vive depende também da forma como
escapamos ou não às nossas responsabilidades. Eu estou em crer que a capacidade de
ser pai ou vem nos genes ou se adquire culturalmente, desde cedo, senão mais tarde é
como que forçado acreditar nisso. É óbvio que ninguém quer ser pai à força, embora
o facto de o ser traz prestígio social bem como responsabilidade, ética e social, mas
também e sobretudo hoje em dia, económica. Miriam um comprara na FNAC um
livros de Deleuze e eu, desde os tempos das FCSH nunca mais simpatizara com ele,
ou tinha uma espécie de sentimento de simpatia, empatia ou rejeição, especialmente
pela sua relação com Guattari. O Papa Francisco e Dom Manuel Clemente vão ao
encontro das minhas ideias no sentido em que reconhecem que a humanidade se
preocupa mais com o Ter do que com o Ser, a que eu juntava o Parecer e até o
Aparecer. Assim, o romance avançada, esta Névoa que pairava sempre sobre mim,
envolta em mim, durante mais de seis meses. Procurava obter algum sentido inverso
para a beleza interior da minha casa e apenas em Riachos encontrava, o amor era
coisa fácil e ao mesmo tempo árdua de se encontrar, uma coisa de risco, obtida a
risaco, por isso a maior parte das pessoas eram agressivas, não queriam permanecer
sem o amor, que normalmente associavam a sexo e o sexo era, na verdade, o último
reduto da liberdade humana, au-delá dos conflitos diversos a vários níveis e escalas.
Certos dias, chegava a meio da tarde e estava completamente quebrado, bebia um
pouco de vinho e continuava, na vida chata em casa, sem ter carro para sair,
procurando encarar essa coisa da vida da melhor maneira e até combinar um encontro
com uma ou outra miúda na Passagem de Ano em Lisboa. Ainda assim, conseguia
manter uma conversa com o meu pai e o meu cunhado, estar à mesa com todos com
menos tensão, com bons ou maus pensamentos A minha irmã estava sempre a dar-me
para trás, o meu irmão e sua família nada diziam, não apareciam, mesmo que eu
telefonasse. Pensava em Nova Iorque. Ia ao WC. Pensava na minha mãe. Não
pensava em nada, vinham-me as obsessões à flor da pele, rompendo pelas órbitas,
pensava nessa coisa tudo menos abstracta que era o Tempo...e na por vezes inútil
Filosofia. Nesse fim da tarde do dia de Natal, senti uma súbita solidão, uma súbita
indiferença à minha pessoa, em casa, entre os meus e na internet, no site de
encontros. Quando descobres que há pessoas que não interessam, deixas-te de
interessar também nas relações, porque a maior parte das pessoas é tão banal, mesmo
os académicos, que mete medo, não sabem pensar um momento no deserto ou
debaixo de água, estão sempre defendendo-se de alguma coisa, tal qual advogados
em causa-própria-constante, ou então estão sempre a atacar e não conhecem o meio
termo dialógico, com elas não se pode ter uma conserva mais do que dois ou três
minutos. O meu cunhado e a minha irmã era assim, a minha mãe praticamente não
falava comigo e os pequenos seguiam-lhe os passos, o rapaz esta imenso no mundo
dos viadeojogos e quando fosse tempo nunca escreveria, ou leria, um livro, como o
tio fez e estava fazendo sem apoio de ninguém, sem namoradinha e maminhas de
namoradinha. Depois arranjei uma esperança: quando recebesse (se recebesse), as
coisas iriam melhor e a filosofia não seria tão penosa, mesmo que não a recebesse
continuaria a fazer as minhas coisas, como sempre, ou partiria para outra, bem
melhor, mais saudável. Sim, as coisas estavam melhor do que parecia, mesmo sem
mulher e trabalho, mas a peculariedade da coisa estava aí. O país estava louco e eu
também. Toda a gente julgava ter razão. Ou estar errada, condoínha. E eu também. E
ainda bem. Depois, estava nesta, se vivesse em Inglaterra passava melhor, ou pior,
mas ao menos tinha reconhecimento, coisa que tardava por cá, o meu pai era apenas
como muitos da sua geração, um tipo insensível aos filhos e iletrado, sem
sensibilidade alguma, que se fechara em copas por causa de birrinhas e o meu
cunhado era um pouco assim, bem como a minha mãe e a a minha irmã. E quanto
mais me esforçava mais a coisa parecia fugir, fugir daqui sozinho para Nova Iorque,
desta aldeia que nada dizia de jeito. O país estava só, as pessoas sós e eu também só
mas sabia disso. A solidão é, além disso, enganadora, não só porque há um medo
dela, por um lado, e uma protensão para o enamoramento, por outro, mas sobretudo
porque a solidão é uma vitória face ao Outro, que não tem coragem de nos dirigir a
palavra... O escritor, grande parte das vezes, não sabe fazer outra coisa, por vezes
mais vale estar a dormir, ou saborear uma real e verdadeira refeição acompanhada de
um bom vinho, tinto de preferência, entrecortada por uma conversa agradável, a
Filosofia tem dessas coisas, disfarça-se de eruditismo e é a mais vulgar das ciências,
mesmo no seu sentido mais nobre. O escritor sofre porque a sua função é destino ao
destino so homem, seja ele feliz ou incongruente com a sua vontade de felicidade
perpétua. Ele é, afinal, escrivão do reino, aquile que é sempre útil pois dá desígnio ao
sentir colectivo e individual, nesse sentido é um cronista, tal como Fernão Mendes
Pinto, tal como Ramos Rosa. Acabei essa noite de Natal sozinha, ante a televisão,
vendo um filme polaco, enquanto o meu sobrinho jogava na sala-estúdio da casa
principal e sonhava com uma moça que me levantasse a vida e me fizesse sonhar em
todas as cores que ela podia imaginar. Estava cansado, não conhecia ainda muito bem
a extensão das minhas conquistas, nem prestava especial atenção a isso, cansado e
desejando por descansar nos mais belos dos lençóis, ainda que fisicamente só. Nessa
noite, aprendi a desconfiar do papel em branco, o mundo era de chacais e de quintais,
de pessoas doentes e obsessivas, na tevê nada passava de geito e muitos continuavam
obcecados tanto com a genialisdade quanto com a obscenidade e eis como me tornei
o melhor escritor de sempre, sofrendo, tirando proveito do écrã táctil, enfrentenando a
solidão como se ele fosse outra vida, como se a desilução fosse o princípio da vida e
da morte, de modo que pensei em dedicar-me a uma outra obra depois de ir à têvê e
acabar este, seria, a saber, On Purpose...
32,
Só percebi o que ela significara por ter perdido o pai quando cheguei a casa e mais
uma vez me perdi num universo de corpos e prazer desmedido e indisciplinado,
quando ouvi num slog a palavra Opel num anúncio de carros, obviamente, porque eu
tinha tido um Opel, precisamente. Não sabia se ela tinha ido a casa da mãe ou ao
cemitério, mas sabia que tinha estado com ela na estação e talvez a viesse a encontrar
de novo em Riachos, de modo que me esperava a cama e a danação quase eterna de
um sono, para não ser fanático em Lisboa, que levariam a mal, para o gozo, ninguém
te percebia. Ao menos sabia o seu nome e como vestia, sabia que a poderia
reencontrar em Riachos. Isso permitir-me-ia um sono descansado numa espécie de
reino ou vôo nocturno da literatura e levar a vida pela normalidade, pela paixão e
compromisso, como sempre a minha mãe me dissera. „Toma jeito― –dissera-me a
velhota, depois de vários dias por lá e várias outras garrafas vazias. Ainda pensei em
ligar a Miriam, ela queria no rabo, mas eu não estava muito paara aí virado depois de
sintonizar em certo número de canais na têvê. Continuava sem sorte e com vontade
de estar dormindo profundamente, ainda que só.... Depois pensei que o meu percurso
biográfico não era eu, mas o sintôma de um país: primeiro com a religião, depois com
as ciências sociais e a filosofia, abandonado à sua sorte como Antero, como Camilo
Pessanha no Oriente, longe de um terreno onde a inveja, o criticismo e o mau-viver
são regra, em nome não sei bem do quê, nem me interessa. Enquanto muitos
escritores faziam masturbação mental e tinham efectivamente mulheres eu batia umas
quantas e não me sentia inferiorizado por isso, talvez os meus quadros mentais
fossem extremamente diferentes daqueles com quem vivia, face a face, por detrás de
uma parece. Não pedia para mim nenhuma espécie de justiça nem coisas que não
poderia conquistar com minhas mãos ou argumento. Simplesmente, não pedia, para
mim era bom estar „cá fora―, na vida e no reboliço dela. Não tinha de fazer nenhuma
força especial para ser feliz e era-o, quase em absoluto, mesmo só, na cama, nada de
especial me movia contra os portugueses, sempre os admirara, aliás, o tipo de vida
que levava só seria possível neste país e não noutro, sem grande desrazoamento.
Havia certas coisas que se tardavam em cumprir, mas sentia que passara bastante para
conseguir um lugar de professor e defender uma tese, neuqanto outros se divertiam
dia após dia, como se não houvesse amanhã, como se nunca fossem morrer, como se
eu tivesse medo disso e por isso estar denso na minha concentração caótica mental,
por ser isto ou aquilo, fazer isto ou aquilo.
33,
Procurava a filosofia o seguindo da vida ou o sentido da morte? A consciência da
finitude não nos levaria a sermos melhores seres humanos? E dar-nos-ia a liberdade
para fazer o que bem quiséssemos fazer de acordo com uma falta de juízo e punição
face aos nossos actos? Cheguei a pensar que estaria sendo discriminado por ter
andado no seminário, no convento, por não ter grandes amigos, cheguei a pensar que
estaria sendo discriminado em Lisboa por ter ascendência espanhola, por ter nascido
em frança, procurava um sentido, mas decerto não haveria e parecia-me pouco, para o
que tinha passado, se houvesse alguma merecimento nisso tudo, em ser professor,
fosse de filosofia fosse de outra qualquer coisa, em ser professor universitário, em ver
discutida a minha tese, em ter bolsa para continuar os estudos. É óbvio que na sildão,
perante ela e nós mesmos, fazemos grandes ou pequenas coisas, juramos vingança ao
mundo que nos viu nascer e confesso que havia uma forma especial de crueldade
neste mundo ocidental, que era permitir o sofrimento e nada fazer senão que fosse
para as notícias, como se os direitos humanos precisassem de publicidade, decerto
que na América seria pior, ou melhor. E eu estava farto, bastante farto, sem que os
dias mudassem e algum amor eterno me prometesse. Não havia razão nem justiça
neste mundo, nem para mim nem para os outros, apenas loucura e injustiça, o acaso e
o seu sortilégio inominável... Conheci Jim há dias, um americano que estava de
passagem por Lisboa, confessava-me que se tornara um homem de poder, mais do
que os jansenistas, mais do que os judeus, o poder de influenciar pelo seu passado,
aliás, tornara-se um homem com o poder de esquecer, ainda que muitos conhecessem
uma espécie de missão no cumprimento do seu papel social, como Eva, Artides,
Manu, essa seri a forma suprema de felicidade, ser como somos, parecer como
somos. A maior parte do tempo, o escritor não sabe o que dizer, não tem inspiraçao,
sobretudo se for formado em ciências sociais, pois como é possível escrever literatura
quando se conhecem os sistemas sociais de comportamento e, ainda por cima, em
termos psicológicos, a forma de comportamento e discurso do sujeito e, através disso,
suas intenções. Claro que a bitola é a relação, a antinomia, entre Bem e Mal e creio
que tál está presente em todas as sociedades, todos os grupos. Nem mesmo os
códigos civis ostentam o bem, eles ostentam uma forma de condicionamento da
conduta do sujeito através do pan-orama do social.
34,
A maior parte das vezes, o escritor nada tem para dizer, espanta-se e não consegue
encontrar palavras, ou então encontra uma diarreia delas sem sentido e, se for
filósofo, um sentido no final de tudo (isso, o Mundo, além de mim, à vista do meu
olhar). Muitos homens vivem no mundo mas não fazem divisões, separações, são
panteístas, acham que por estar com uma mulher podem estar com outra e tudo o
mais, outros têm só uma e a sua conduta é de certo modo política, panfletária. Muitos
escritores não têm nada para dizer, e, no entanto, dizem alguma coisa, nem que seja
tal sentido e expressão arrancada a ferros. Os ritmos do escritor são caprichosos, pode
estar semanas sem nada escrever ou escrever todos os dias duas, três páginas, como
Saramago. Por isso é que Lobo Antunes nunca será Nobel, porque prefere as
mulheres à escrita. A escrita é qualquer coisa de meditativo, de hipnótico, de
xamânico, não tem a ver com os benefícios do mundo, mas com uma certa forma de
compensação orgânica, ou seja, compreender a desordem para profetizar na e pela
ordem. Outros procuram na erudição, nas palavras difíceis, um sentido do mundo, um
sentido para um qualquer questão filosófica, coisa que nunca mais acaba enquanto
não deixar de haver infraestrutura, isso é certo, uma certa tontice para coisas
evidentemente simples através de um discurso antropológico ou sociológico. Outroa
vão para a América, onde o criador é, mais do que protegido, apaparicado, enquanto
na Europa ninguém liga a isso ou a coisa nenhuma, por isso a Europe ´quantas vezes
melhor do que a América, pelo menos há liberdade de expressão, sobretudo em
Portugal, para não falar da França e da Inglaterra. Depois, finalmente, percebi,
quando vi o slogan prostrado, postado na autoestrada: „Não podes fazer filosofia e
pornografia―. Eu via ligações em todo o lado, não era um censor, não era um
moralista, não tinha vontade de impôr nada a ninguém, mesmo aos jovens que
comentavam sobre mim mesmo abusando do meu estatuto social, que se desenhava a
ferro e fogo enquanto não ia a Palumbar, Leirena ou Conímbriga...
35,
Seja como for, há poucos filósofos em Portugal que entendam os antropólogos e
ainda menos antropólogos que entendam os filósofos, que têm um constante
comportamento de fuga face às paixões, por mor não sei do quê. Eu consegui ligar,
pela minha tese e meus livros, o conhecimento da natureza humana com a filosofia de
ordem especulativa. Porém, continuo sem trabalho, sem lugar para dar aulas, e está-se
perdendo uma forma de transmissão de um certo saber, provavelmente mais útil do
que aqueles que estão nas cátedras do saber... Fim de tarde, ainda só, sem confidente
nem ninguém para dormir a meu lado, Miriam há muitos dias que desapareceu do
horizente, disse-me que iria reatar com o antigo namorado. Esqueci que ela é
brasileira e as que por cá andam querem apenas um encosto. Vontade enorme de ir
dormir, cheio do mundo e saturado de coisas na minha mente, dei uma explicação,
mas não vai voltar, tinha o cabelo desgrelhado e não havia lavado os dentes. Num
próximo dia, virá alguém para arrendar o quarto. Continuo imensamente carente, em
termos sexuais e latamente afectivos. Não sei como há quem viva anos e anos com a
mesma pessoa, a traia e continue a viver com ela. Essas coisas são-me estranhas,
ainda assim, procuro uma certa forma ou fórmula de perversidade que satisfaça o
meu espírito, animando o corpo...
36,
Não sabia bem porquê, mas preferia o frio da minha casa à quentura de um bar
onde poderia „sacar― uma miúda. Não sabia bem porquê mas preferia o banal
quotidiano aos dias de festa. Era véspera de ano novo e eu ainda andava de um lado
para o outro, sentindo-me só, procurando fazer qualquer coisa que me tiresse o
sentimento de estar inutilmente em casa, na TV passava o Porto e eu via nas palavras,
no seu seguimento e encadeamento, uma forma de segurança, mental, de confiança,
de resiliência face ao que ainda estava para vir. Em breve saberia o resultado das
bolsas, teria de esperar mais uns dias. Quando pensei que as coisas corriam bem,
tendo ido comprar uma garrafinha de vinho, longe da inspiração literária que me faria
desandar por números e inúmeros personagens, mesmo o meu amigo goês dizendo
„Macera!, Macera!―, Tita acabou por declinar o meu convite para estar comigo na
véspera de ano novo. Eu estava projectado sobre um tempo em que me debruçava e
isso não me trazai grande vantagem, económica e emocional, eu simplesmente via a
realidade desfilando diante dos meus olhos, sem interferir estrategicamente e os
resultados tardavam em aparecer. Continuava sem defender a tese, ainda que
produzindo vorazmente, de uma maneira ou de outra. Continuava combinando
ciências sociais, literatura e filosofia, mas muito parecia não chegar. Danny ligou-me
e eu não podia ligar de volta já que não tinha o telemóvel carregado, não podia gastar
dinheiro, metade da pensão iria para o pacote de televisão, telefone e internet. Mais
uma vez, senti-me extremamente só e sentia algo novo e estranho, por mais que
fizesse, esbracejasse, tudo dependia da estratégia, da maluquice, quando era era nesse
tempo um sujeito calmo que, após seis meses de bebida, tentava consertar-se e beber
menos, muito menos... Eu podeia estar sentimentalmente arrasado com o abandono
de Miriam, podia estar carente e precisando de quinze dias de foda diária, mas estava
lúcido, calmo, talvez no auge da minha carreira literária, podiam-me fazer isto e mais
aquilo, difamar, enfrentar, confrontar, gozar, criticar, mas nada me impedia no dia em
que tivesse dinheiro de submeter a minha tese para avaliação e, mais adiante, nada
me podia impedir de concorrer a uma carreira universitária. Não sabia se tinha forças,
ainda que continuasse a produzir, talvez fosse mesmo sempre assim, à medida que o
escritor avança na idade, torna-se mais ousado, mais técnico, mais competente e a sua
obra mais bela e eu não hesitava em diversos registos, com a devida originalidade,
não impedindo de ir contra o status das coisas e o pôr em causa.
37,
Depois de Tita me ter dado pra trás, em nome do catering para o seu sobrinho
deficiente ou padecente de uma doença severa, pensei nos Marrocos e na Argélia,
como eu gostaria de ir lá, talvez fosse, até ao Algarve e estivesse um pouco com eles,
bebendo um chá com uma inglesa...Danny convidara-me para vereador da Cultura e
eu recusara, sabia que tinha mais, muito mais a fazer em Lisboa, antes e depois de ir a
Nova Iorque, antes e depois de voltar a fazer a peregrinaçam às diversas faculdades
em Lisboa, sim, todos queremos muito, todos desejamos muito, mas nem todos
sabem ser calculistas e por isso deitam a perder. Eu sou da convicção de que o
português não é calculista, que age por uma espécie de fé ou vonta de solidariedade
para com o outro e defendo que tal teor de personalidade colectiva é carimbo de
vitória, porque isso é muito americano, ainda que europeu, não desejo que o gene
colectivo e individual se altere, quem sou eu para isso, mas acho que tem muito a ver
com a aceitação do negro e aquele que emigrou para França, América e Alemanha, ou
então África do Sul... Os seres interpenetram-se, os genes confundem-se, uns fazem
amor sempre que podem, outros nunca quando podem, outros de vez em quando e eu
estou no meio destes, de certo modo a psicanálise faz sentido, cada vez mais sentido,
numa sociedade que aprendeu a bater no outro, insultar o outro, para se sentir viva...
Do fundo da minha janela, ia percebendo que o que une duas pessoas é qualquer
coisa que nem todos podem descortinar, o Porto venceu, Tica não quis encontrar-se
comigo, nem tão pouco Nena, estava perto e ao mesmo tempo longe de voltar para
Palumbar, para perto do Danny, sentia que qualquer coisa de bom podia acontecer,
enquanto outros viviam na abundância material, como os indianos da venda, à fartura
e eu não sabia o que seria viver uma boa vida e podia ser acusado de calculismo, mas
sabia que estava só, mais uma noite e isso não queria dizer ou significar nada de
bom...
Depois descobri a razão de viver, do meu viver: nada na realidade ente ti exige que
te desfaças ou sacrifiques ante ela…descansa, como dizia Castañeda, mereces estar
além disso, áquem disso, um longo caminho percorreste e o que vais encontrar além
disso aplacará o teu desgosto e a tua falta, é a lei da vida. Além do mais, nem toda a
gente tem o sentimento e uma atitude política, seja a que propósito for, mas há
pessoas, que em certo momento da sua vida, têm uma atitude política, ou seja,
estratégica a propósito da sua vida e eu continuava sentindo e pressentindo que o meu
caminho podia melhorar, ou seja, apesar de estar fisicamente só, continuava ligado a
certas pessoas, a certos princípios e valor, por mais que me custasse, continuava
almejando a faculdade de Letras, por mais isso me custasse, continuava almejando
discutir a minha tese, nos limites conceptuais da língua portuguesa e assim prosseguia
este meu livros, almejando dar aulas de Filosofia, ainda que nem com toda a
autoridade moral para isso, mas muito mais que outros, pois o primeiro é um
oportunista, o segundo uma seta e o terceiro a combinação dos dois com qualquer
coisa de filosófico e esse era eu, o medalha de bronze nos jogos olímpicos de Los
Angeles, António Leitão.
38,
A vida nesta vida tem a ver com questões essencialmente lávi-straussianas, de
abertura e fechamento, ou seja, mantemo-nos fechados quando queremos cumprir um
desígnio amoroso mais além, dando ou recebendo de alguém, quando nos abrimos
mais cedo acabamos por ser mais saudáveis e atentos às simples coisas da vida, em
vez da carreira. O certo é que, numa sociedade ociental, a órbita dos pensamentos é
relativa, ou não, ao sujeito, enquanto que não chega que digamos o que queremos
fazer, é mister que o façamos, portanto, a democracia é mais trabalhosa do que o
socialismo e o comunismo, mas compensará? Não sei, não estudo as energias
psíquicas-sociais... De modo que andarei, condenado, entre cientistas sociais,
filósofos e escritores, uns pensam que têm o rei na barriga, outro a razão na barriga,
outros pensam que entendem e toleram tudo, tendo a razão na barriga...por este andar
teria uma barriga de gémeos... Sim, fazer grande coisa a partir de coisa nenhuma, é a
maior das imposturas, assim são os filósofos da nossa praça, que nunca fizeram
trabalho de campo e os antropólogos, que não aceitam nunca o desafio da refelxão
séria, e os escritores, que sabem coisa nenhuma da vida, apenas querem é
cobrir...como os jornalistas.... Não tinha necessidade disto, afinal de que me vale ter
um certo capital simbólico, acabarei só na cama, a vida resume-se a isso, à libido,
seja do cientista seja do poeta, e nesse aspecto passo a passagem de ano só, sempre a
investir no futuro, em nome de uma tipa que nunca me compensará pelos maus
momentos que tenho, que se dane o mundo, eu já nem sou deste mundo, porque ser
do outro não traz compensação alguma, já é dia um e eu ainda só, tudo se resume à
cama, a história humana, não tem nada de transcente ou filosófico e eu não vejo
caminho a grassar, poruqe se até aqui me deixaram só, incluindo Miriam, não percebo
como me poderão deixar com alguém. Porque eu, que conduzi o meu povo à
felicidade, encontro-me só. Deus tem sempre a sua chica e eu não tenho. Quem seria
eu, então, algum Deus ou superior a isso, a lgum demónio por desejar? Algum
representante de um aparcela da realidade, ou apenas alguém que procura trabalho?
Preciso de descansar, bater uma ou não, poruqe não tenho nenhuma... Ainda assim,
poucos se lembram de um filme chamado „Sexo., Mentiras e Vídeo―, ainda que o
considerem um marco, nesta sociedade do conhecimento mútuo e do desepero para
alguns, eu diria até, sociedade da cobardia porque condiciona o sexo a qualquer coisa
de antigo e privado, quando é, sem dúvida, qualquer coisa de bom e por isso público,
portanto, qualquer coisa haverá de mal nesta sociedade, como há na americana,
porque todos têm tendência a conservar as suas relações, porque elas lhes dão uma
vantagem silenciosa e secreta, íntima e inaudita, diz o melhor escritor, o melhor
cientista social, o melhor filósofo actual do mundo, ainda que sem mulher e sem
projecção mundial mediática. Talvez por isso e outras razões queira permanecer na
penumbra, porque não pode dar cobro a tudo e tem de deixar obra para os outros, que
talvez tenham um instinto estratégico mais apurado, mas não muito mais se poderia
esperar de um franciscano secular sem mulher para realizar suas fantasias, daí nem
sequer ter mulher.
39,
O homem do senso-comum guarda para si a realização das coisas, pequenas
vitórias e pequenos amores e desamores do quotidiano, enquanto que o escritor, como
nós mesmos, prefere partilhar as suas impressões sobre o mundo porque, de alguma
maneira, acredita que há um fundo comum senão a todos os seres humanos, pelo
menos aos habituados a ler, que podem sorver as camadas de sentido e o magma da
escrita. Por nós mesmo, esquecemos as tricas com os lisboetas, as tentações de
racismo, porque afinal éramos parisienses em Lisboa e esses, como os portugueses,
não são racistas, aliás, a conclusão e corolário da parte da tese em que dizíamos „o
racismo não existe― vai desembocar na ideia de que o cosmopolitismo não tem só a
ver com a concentração das mais diversas etnias num contexto –é essa a palavra-
mais ou menos circunscrito. Se o cosmopolitismo não tem a ver com uma questão
étnica, tem a ver então com um tempo, com uma geografia, e especificamente com
aquela que diz respeito à disseminação da raça humana desde os vários pontos onde
nasceu, onde conheceu, ou foi conhecendo, a inteligência.
40,
Tinha vindo na quinta-feira para Lisboa. Já estava com saudades, tinha passado um
ano e estava com saudades de estar ao pé da velhote, ou vir o silêncio e rezingas deles
os dois, me tratando mal, exigindo de mim que fosse o melhor e na realidade sentira
já isso por várias vezes, mas é como em tudo, é preciso fazer força para sair algo, é a
questão da inspiração e da transpiração, do Messi e do Ronaldo. Quem é o melhor,
talvez interesse a uns e não a outros, no meu ver o Ronaldo podia praticar triatlo, já
Messi teria de se limitar ao ping-pong... E assim, os meus dias eram banais,
procurava deixar de fumar, comecei a beber menos, deixei de pegar no uísqui e voltei
ao velho hábito do café, o meu coração estava mais fraco, talvez corroído, tornava-
me a pouco e pouco um sujeito mais calmo, longe, estava ficando longe a América,
sobretudo porque ultimamente, talvez a dois meses dali, deixara de correr, mas cria
que aquele virar de ano só traria coisas boas se eu tivesse um pouco de tacto e
decência, ou seja, se fosse mais do que americano, estava também passando uma
certa fomeca no que respeita a mulheres, lembranças da minha velhota e do Vitor
faziam-me manter-me vivo, pois afinal a vida seria talvez o único valor no âmbito de
um certo personalismo multicultural. Depois, cheguei à conclusão que a raça negra é
o motor da história, por assim dizer, nem mais nem menos, como dizia um amigo e
colega meu, que trabalhava em Portugal, lembro-me do Bento em Coimbra, um
amigo meu que dizia que quando entra um preto numa loja, tudo se enche, não sei se
é por causa do cheiro ou da merda, mas é certo que funciona e nesse sentido eu
percebi que também era um pouco negro, ou seja, pelo menos tinha encravada na
mente a ideia de que noutra vida tinha sido uma espécie de Chaka ou Malangatana,
fosgase. Mas, fosfase, a felicidade advinha da dotação de sentido no sentido que o
mundo tem, ou seja, estamos sempre tentando extrair sentido do mundo, mas ele já
tem sentido, magma, realização, erfervescência, quando estamos separados, sabemos
que pertencemos e isso é ser humano e o antropólogo faz isso mesmo, ele extrai
sentido do mundo, da realidade, para a explicar a pessoas cosmopolitas. Depois,
percebi que nem sempre, nos meus dias e inclusivé nas crónicas dos dias, não soubera
lidar bem com a questão do poder, nem sempre tinha sabido tomar a iniciativa, era de
algum modo um macho passivo face à fêmea e aquelas que eu encontrei eram na sua
maior parte passivas e isso não jogava bem, ou melhor, algumas eram bastante
activas e queriam que eu o fosse também. Mas estava aprendendo, a pouco e pouco e
a minha sexualidade explodiu a partir daquele momento nos dias em que usava uma
linguagem brejeira para definir o meu estado de espírito. Creio que se nunca me
tivesse metido na pornografia ou na psiquiatria, o que vai dar ao mesmo, teria dado
um valente Dom Juan ou Casanosa, nunca deixando de ser místico, porque afinal,
religião e sexualidade estão estreitamente ligados, diria até, visceralmente ligados,
directamente ligados e a maior parte das pessoas não consegue ver essa relação, essa
ligação, só talvez os académicos e, mesmo assim, tanto no campo das ciências
sociais, como no da filosofia, muito poucos e na literatura as coisas estão também
muito organizadas por géneros, tipos, prototipos...
41,
A mulher ganhou poder e o macho, alfa ou ómega, passa mal, porque talvez a sua
sexualidade estivesse organizada em termos de relações de dominação-submissão,
pelo que se contam pelos dedos as relações em que a igualdade gera bom sexo, na
maior parte dos casos as uniões mantêm-se quando há um ou outro que domina, um
ou outro que é submisso, mas a mulher tem agora poder que advém de jogar
simbolicamente ou não, com o seu corpo, quando todos sabemos que a questão é
relativa, que sempre o fez ao longo da história, no sentido lávi-straussiano, ou seja,
feministas àparte, se os homens fizessem greve por um ano ao sexo nas relações, elas
enlouqueceriam, pois toda a mulher é fálica, seja na boca, no cú ou na bichana, toda a
história da humanidade prova isso mesmo.
42,
O que nos une, a nós humanos, é tanto a falibilidade quanto a coragem de nos
transcendermos, ou seja, tanto a humildade crstã quanto a coragem niezscheana do
Super-Homem, sendo que o homem burocrático e conservador procura sempre um
registo de meio termo, tento tentação de um e de outro extremo. „Entre dois
Extremos―, escrevi um dia... O homem de fé está, mais do que o anarca, em guerra
consigo próprio, ou seja, o homem sociológico está em guerra com os outros e
consigo mesmo, ao mesmo tempo, de um modo integrado e apocalíptico (Eco).
Uma certa coisa não fazia sentido, eu não conseguia perceber a sexualidade do
filósofo, enquanto compreendia a do boxeur, do gigolo ou do halterofilista. Havia um
certo sentido de completude em termos de corpos perfeitos que se encontram para
sexo ou algo mais, eu sabia que poucos haviam arriscado o mesmo ou mais do que
eu, que entrando na compreensão da natureza humana através da cópula, entraria num
Inferno dantesco, pleno de solidão, quando queria efectivamente fazê-lo e elas não se
predispunham, a espera era lenta, dolorosa e tortuosa e mesmo assim, poderia não
conseguir nada. Seriam todos os filósofos assim? Havia, certamente uma má relação
entre corporeidade, fisicidade e intelectualidade em muitos filósofos portugueses.
Mas não em mim, jamais. Seria tudo isso uma questão de contexto, linguagem,
assentimento, entendimento? Em toda esta situação (sartreana) eu cria numa verdade
absoluta: se eu deixasse de ver filmes, as coisas jogariam a meu favor e os meus
adversários cairiam tontos de morte para um lado e o outro. Seria este o crime
perfeito? (Baudrillard). Desde que cheguei a Lisboa para estudar, em 89, até hoje,
fartei-me de me submeter a pessoas que não têm metade do meu talento e herança
genética, só para conseguir sobreviver. Depois, conheci Sérgia, uma brasileira que
veio jogar no futebol feminino.
43,
Por mim, já não era antropólogo nem filósofo, simplesmente um escritor
devidamente inspirado porque vivia entre gente simples e não a explorava, porque
procurava extrair beleza e sentido de coisas belas com ou sem sentido.Ainda assim,
pensava em Danny, a minha âncora ou bitola intelectual no que eu chamaria de
„aldeia perfeita―, Alcamen, Riachos, whatever...Depois lembrei-me, ao ver um jogo
do Everton de Marco Silva, que aquele que corre por fora acaba por se juntar na pista
interior aos outros ao fim de uma volta, pelo que é de compreender que a desculpa
(algo parasitária) de correr por fora, para comover, emocionar, manipular, é uma mera
ilusão, de facto, o corredor faz grande parte da corrida por dentro, sendo que não há,
neste mundo, na eternidade deste mundo, apocalípticos e integrados, ou seja, em
definitivos, talvez seja o devir e o élã, bergsoniano, claro, que acaba por definir a
trajectória do humano e sua consequente continuidade. Parece-me que a maior parte
das mulheres não querem ser estrelas porno, mas nem todas querem ser santas, a
maior parte ofende-se com isso e não sabem brincar, enquanto que subliminarmente
todas desejam ser a maior das estrelas. Assim, entre a aldeia e a cidade, continuava
tecendo a minha teoria, superior, de longe, a qualquer professor do ISCTE, da Nova
ou da Clássica, para já não falar da Católica. Lisboa estava por minha conta e eu não
tinha nenhum defeito de personalidade, apesar de ser reformado, era o maior e
ninguém sabia disso, o que tornava bastante aprazível a visão da humanidade a partir
daqui... A falta de sexo torna as pessoas fúteis e estúpidas, sempre à procura de uma
qualquer formna de legitimação não assente em nada, nem em estudo nem trabalho,
haverá essas duas formas de modalidades do saber, que a filosofia designa de
científico e, por outro lado, de senso-comum. A meu ver, o científico deixa alguma
coisa para trás, uma herança, uma transmissão, enquanto que a do senso-comum tem
a ver com a resolução da coisa em Si. Não falta por aí engenheiros e arquitectos que
se julgam experts em filosofia, quando os verdadeiros detentores do saber estudaram
ciências sociais ou humanidades e, de certo modo, a sociedade capitalista os deita
para fora do seu contexto, quadro, de resolução e até sentido...É pena, mas a maior
parte deles são preguiçosos, por isso não se perde grande coisa...
No dia anterior, tinha visto (eu abro-me de uma maneira...pareço uma planta
carnívora...) um vídeo de sexo que deixei para hoje, mas já não estava disponível,
parece-me que ao fim de tanto tempo iria ter alguém com quem dormir, au-delá de
António Lobo Antunes, um tipo que, como Saramago, nunca soube a in-exatidão das
coisas, como jaz na estação de metro do Saldanha, para não falar da da Cidade
Universitária...bêbados sois vós, afinal talvez continue a ser o Vítor que bebe a bica
onde calha, dentro de uns certos limites geográficos e acabe por me perder em casa,
na tv, sem amigos, talvez seja esse tipo, que não precise de filosofia ou antropologia
porque tem o afago mental da casa onde mora a mãe e o pai, onde se pode descansar
entre gente que nos compreende porque não nos dá o que precisamos...quer que
vivemos bastante tempo, não estou para ligeirezas no que respeita à Fábula da
Lagarta e da Formiga de La Fontaine, por exemplo.
44,
Nesse tempo, andava particularmente obcecado pela obra de Zubiri, sobretudo „La
Structura Dinámica de la Realidad―, cuja teoria entroncava na minha Lógica das
Compensações Fortuitas, atribuindo ao mundo qualquer coisa que, em excesso se
compensava e que, no fundo iria a favor das teorias de uma mão invisível ou de um
demiurgo... Eu aqui com tanta tese e eles, desconfio que nem um parágrafo com
sentido sabem escrever e eu sem mulher e eles com várias, isso é inveja ou vitória,
nunca chegarão aos meus calcanhares, disse um dia Aquiles. Fico atónito, porque
tenho sempre qualquer coisa para escrever desde que me meti no álcool e creio que
somo todos um pouco lévi-straussianos, ou seja, fazemos as coisas um pouco devido
aos amores e desamores, isto diriam melhor os americanos, mas o português também
percebe de sentimentos, talvez seja o melhor do mundo nisso, por isso terá saído
deste rectângulo para conhecer e povoar meio mundo. É duro, é difícil deixarmos
testemunho para uns e outros, ora se nos apetece ver pornô, ora fazer pornô e
pensamos nos nossos filhos, talvez a idade média seja a melhor porque é
aristotelicamente previsível e isso faz sentido enquanto ideia de felicidade, mas não, a
democracia é bem melhor e à esquerda bemm melhor é, em prol das energias
psíquicas individuais e das colectivas sociais.
45,
Na rádio, passava „Against all Odds―, cantado por Mariah Carey em dueto com
um cantor não conhecido (por mim). Tenho um pouco o espírito do Phil Collins,
sempre fui um pouco sem-abrigo, esta noite sonhei com esse conceito enquanto
tentava uma resolução dos problemas pessoais e sociais sob o ponto de vista da
filosofia porque, tanto quanto sei, a filosofia não cita lugar nem data, mas fala,
transmite, transmite-se, através de palavras e mandei um beijinho à Luisa Costa
Gomes, está velhota, enquanto pensava no Rui Zink e no Camarneiro. Mesmo que
visse pornô nessa noite, nada acrescentaria ao já dito, a escrita do escritor não é
linear, não tenho mulher, que hei-de fazer? Arranjar uma, inventar uma merda
qualquer, fosgase, tou lixado comigo mesmo, que não consigo manter uma relação,
somos duros, fazemos alguma coisa pela vida, isto é um filme bem melhor do que um
filme... Depois, pensei: Process and Reality não é uma obra de Alfred Whitehead? E,
minutos após isso, sinto que superei este autor, com a minha tese e pós-tese, com a
minha lírica e pensativa divagação sobre a natureza humana, não só sobre o contexto
português, porque enquanto uns e outros iam e vinham chegavam turistas a quem dar
indicações precisas sobr pontos de interesse meramente turístico... Senti uma forte
tranquilidade assim que comecei a ouvir „Fragile―, de Sting e decidi ir para a cama,
tal como sentira no Montariol, talvez devesse lá ter ficado, este mundo é demasiado
complexo para mim, só para arranjar mulher leva uma eternidade e acabo não
conseguindo, papéis sociais, fachadas, pretensiosidades, teria ficado no Convento, ao
menos ali a felicidade não era coisa etérea, era desejada, a duplicação na mente da
estrutura social de proveniência, ou seja, a memória, era bem viva, o mundo está
louco e eu...eu acabo por bater uma no fundo da noite, como na Escola Secundária de
Sacavém, no fundo acho que todos queremos uma dama, mesmo os maricas, e daí a
responsabilidade e peso (igual a importância) da mulher, mas ela nem sequer sabe
isso, da importância que tem para o homem, ainda que o homem a tome por desvelo e
ela, gostando disso, lhe acaba por satisfazer o mais primário e vociferante dos
instintos...
46,
Muitas das questões da sociedade ocidental têm a ver com a figura do herói
civilizador e sua superação enquanto macho que tem de correr atrás da fêmea, ou
seja, a conquista do território, mesmo no oeste americano, tem a ver com a conquista
do território que é o corpo da mulher. Nem todos os homens conseguem essa tarefa
em termos societais, muitos, mesmo não sendo maricas, preferem adiar essa tarefa
para quando forem capacitados financeiramente ou quando se proporcionar, conforme
as diferentes variáveis disponíveis para adopção no espectro do social, do seu social.
Muito acabam por fugir a um certo condicionalismo geográfico e optam por cumprir
esse destino mais longe do que o esperado, num lugar distinto e diferente, enquanto
muitos se restringem a viver uma certa contenção espacial que não traz pouco
sofrimento. O autor, pessoalmente, quando se sente infeliz, costuma pensar que podia
estar num hospital psiquiátrico, ou num convento, coisa que não queria, nem uma
nem outra, e assim acaba por se comprazer com o contexto em que vive, mesmo sem
mulher na cama que daria o ponto de partida para uma vida equilibrada socialmente
onde se envolveria uma relação mais ou menos laboral com uma certa e determinada
entidade patronal...Por vezes levamos certas coisas a mal, críticas, observações, mas
nem todos são assim, nem todos levam as coisas tão a peito, incluindo as críticas,
desde que paguem direitos de autor...
47,
Mas, em tudo isto eu aprendi uma coisa. Mesmo que não tenha bolsa, novencentos
euros por mês durante três anos, mesmo que consequentemente, não discuta a tese
(mesmo que receba uma herança), mesmo que não me torne professor universitário
de Filosofia, aprendi muita coisa hoje, nestes dias e nos dias que se passaram e
aprendi a viver melhor, mesmo pedindo o típico café no café onde passo a ir todas as
noites... Depois, pensei:―Ó dança do caralho!―, isto anda de um lado para o outro e o
padre nem almoça, cada vez ficamos mais instruídos com a imprevisibilidade e
maneirice do mundo, mais valia ser burguês neste mundo violento, em que toda a
gente procura ser alguém, nem que seja por uma sandes com chouriço, mesmo dada
ao mendigo, enquanto outros fantasiam sem parar com mamas, tetas e pachachas
como o gajo do lado, até revira os outros pra dentro como o Nietzsche, ora merda, um
antropólogo ou filósofo devia ser bem-educado em nome da humanidade, mas talvez
o seja em benefício dela mesma, ora porra, a ver se me importo...
48,
Se analisarmos as várias formas de loucura conlcuímos rapidamente que a loucura
em geral é uma certa forma de distopia face à realidade. Na verdade, o que é ser
normal? Pode ser a consentaneidade com as regras sociais, o reconhecimento face aos
seus e aos outros em geral, no mar da consciência colectiva. Mas a própria
consciência colectiva é qualquer coisas de volátil, como um barco nagevando em alto
mar, ou seja, quando pensamos que estamos normais, por ser aceites e tudo o mais, é
quando o inconsciente trabalha de outro modo e tal nos levaria para a questão do
livre-arbíttrio e o papel da sexualidade na regulação da noção que temos ou não de
sermos normais ou patológicos. Em termos profiláticos, a própria sexualidade em
excesso pode ser perigosa, não só porque acaba por minar a noção de pessoa, mas
também em defeito é nociva, porque o sujeito se torna demasiado rígido, daí que a
relação entre religião e ssexualidade, nos termos de uma economia libidinal no sei da
sociedade capitalista foi já analisada quer por Baudrillard quer por Herbert Marcuse,
pelo que nos remetemos para esses dois autores, não sem antes perceber a ideia de
biografia quando relacionada com o livre-arbítrio, ou seja, a realção do sujeito com o
grupo, como sempre indiquei, é a chave maior para a compreensão das relações
sociais, sendo que a própria noção de grupo é demasiado volátil, „flutuante― para que
dela se tire uma conclusão definitiva.
49,
Dentro da minha cabeça, eu percebi que não era mais antropólogo ou filósofo mas
talvez argumentista, um homem que trabalha as ideias e que, superficialmente, havia
uma relação estreita entre a patologia e a produção escrita nos termos de um
personagem „Simplesmente Genial― ou „Melhor é Impossível―, mas não só, eu tinha
um certo tato para as coisas sociais. Talvez minha solidão aumentasse a minha
percepção do social, mas bomm, estava apenas numa fase pós-tese, preparando-me de
alguma maneira para sentir os tempos de modo a dar uma resposta cabal dos meus
propósitos intelectuais. Depois, o que é a felicidade? Russel falou no assunto, mas
não definiu se essa condição, esse estado de espírito, digamos assim, mais ou menos
curto, reside em ter uma pessoa (ou várias) amada, se em ter carro para passear, se
levar e conduzir uma certa biografia. Talvez seja mesmo, a felicidade reside
essencialmente em olhar para trás no tempo (e no espaço) e sentir-se realizado. Por
exemplo, o estado de espírito franciscano (como o zet o o tao) é, para mim,
felicidade, a maior das felicidades, imiscuis-te no universo, do cosmos, ao ponto de o
teu Ego desaparecer. Mas felicidade por ser também o que hollywood mostrou à
saciedade desde os anos 60, ou seja, a trica social, fenomenológica do mundo social e
manter interesse em completar o nosso Eu nos termos de uma relação com o Mundo
Social, digamos assim. Eu, pessoalmente, acho que o argumento da busca do Outro,
ainda que não o possuindo, mas amando-o, mesmo que à distância, é a maior forma
de felicidade e esta resida não na conquista, no acto físico de apropriação e mistura
com o outro, mas na busca, pois o destino é sempre, tal como a arte, uma busca
inacabada, algo que está sempre em aperfeiçoamento e essa sede de conquista é que
confere ao nosso espírito (muita) felicidade. Sim, o homem está, na maior parte do
tempo, fugindo de si mesmo e indo aos encontrões com os outros, eu digo isto não
por palavras rebuscadas, mas pelas simples, para que o leitor entenda
conceitualmente o seu significado.
50,
Depois, percebi, quando soltei o saco parai cima da cama do quarto que me servia
de estúdio e que estaria sempre ad eternum para alugar, que o mais importante da
vida não é conseguir, mas tentar e o modo mais curto e sensato para conseguir, que é
isso que toda a pessoa deseja, é tentar, tentar até mais não, até à náusea e ao
deslocamento do sentido. Depois, comprendi que a minha missão na América seria
mostrar aos americanos como se faz à maneira portuguesa, tudo e mais alguma coisa,
como se faz, sem medo e medindo as consequências, como eu faço, como o meu
irmão faz, ou seja, ser mais-do-que americano é talvez uma certa forma de ser
europeu e português, sem desvelo para o politicamente correto. Assim sendo, eu
poodei ser brejieiro demais, um canastrão pipiricado, um estouvado solitário,
celibatário, podia até ser um grande labrego de pensamento e perversamente polido.
Mas os jovens não eram todos assim? De modo que fui amadurecendo e estava em
condições de viver um grande amor, sendo romântico, sendo que a vida não é nada
disso, é perda, desvaria e vertigem, morte na pior parte dos casos, ous eja, estava
teclando letras que poderiam ser conceitos no âmbito do meu piano dos sentimentos e
da solidão, pois o médico prescrevera-me solidão, paciência e mais alguns pózinhos
de águas do mar para chegar à felicidade, que nos espera não no precipício, mas não
continuidade, na paz e na contiguidade dos corpos, como carrinhos de choque numa
feira popular do Porto. E, ainda assim, teria ido à América, irei certamente, pois já fui
bastantes vezes ao aeroporto, assim que estas coisas me expludam a cabeça, a mente,
a realidade que abraço voraz e sibilinamente. O cão ladra. Depois, expliquei ao
mónhé que Maciera era a bebida do regime salazarista e sempre que lá passava, quase
todos os dias, era „Macera!―, „Macera!―, lembrando-me da terra perto de Leiria,
Maceira, terra do cimento, das grandes vergalhotas rijas como qualquer teoria
altamente diplomática e nunca pensei que desse tanto gozo escrever, podia ter estado
sem mulher mais de três semanas, mas estava produzindo, trabalhando e com
objectivos em aberto, a consonância de um mero parisiense nos termos de uma
universidade de Lisboa, depois da chegada ou não de uma bolsa que seria um balão
de oxigénio por mais três anos e da discussão de uma tese que permitira respirar além
disso mesmo e um certo grau de respeitabilidade social e institucional, para não dizer
simbólica.
51,
Isto dava-me vontade de rir, estes tipos eram tão básicos e elas, a maior parte nada
tinha dentro do crâneozinho. Depois pensei, face aos resultados, tinha mais paciência
do que um chinês, mais arrogância intelectual do que um filandês, mais protuberância
do que qualquer americano, porque, afinal, a necessidade aguça o engenho e, no final
de contas, estava sózinho, por isso dava-me azo de pensar em tudo e mais alguma
coisa. E querem saber que mais? Era feliz, feliz como se rebentasse com a
imensidade do mundo e nem sequer me preocupava com o dia de amanhã nem com
gajas chaladas da cabeça. Depois, do lado de lá da rua,, estavam duas luzes acesas,
pessoas que nada me dizia, do lado das traseiras o jovem escritor, digo eu, não
aparecera senão ontem, Luisa Costa Gomes estava velhota, envelhecera como eu, que
ainda iria comprar um pacote de vinho, mas o refelxo mais límpido desta sociedade é
que não premeia aqueles que admira ou cujo comportamento copia... Sim, estava
farto de passar mal, em nome da filosofia quando a maior parte dos filósofos
portugueses era exibicionistas, faziam filosofia-espetáculo, como Carrilho e
Soromenho-Marques, como aliás já na antropologia fazia Pina-Cabral, Iturra e Vale
de Almeida...tristeza, restava-me esperar por uns dias e logo veria se continuaria a
dedicar-me à filosofia...tristes homens estes...Mesmo àqueles que se entregam às
dependências, a felicidade está do lado de cá, mesmo que com protuberâncias e
gorgumilos do Ser, do Parecer, por mais ambições que tenhamos, por isso escrevi
„Do Lado de Cá da Vida―, ou seja, há que estar do lado de cá, por cá, o maior número
de tempo possivel, ainda que as damas não se acheguem, somos duros, os do
Pombal...De modo que tinha bastante angústia nesse dia, porque elas não avançavam,
pois a maior parte gosta do bandido que as foda de viés, à canzana, porque na
realidade não passam de umas putas, se calhar acabam com um membro do governo,
numa mansão no Estoril ou em Cascais, de nenhuma guardo memória, brasileiras e
portuguesas, são todas mais putas do que as putas dos filmes porno, porque acabaram
com o meu sonho, mas este reerguer-se-á com uma mulher em condições... Sim,
escrevo no presente, ora politicamente correto ora não, às tantas regresso a casa ajá
amanhã, pois estas pessoas, que eu defendo e perto delas penso, não merecem grande
crédito, porque a proximidade, a relação, é afeição e estas pessoas não me mostraram
afecto nenhum, pois me têm deixado sózinho desde há bastantes meses...para não
exagerar. Um homem é duro, mesmo fazendo tese em Filosofia, mas até um certo
ponto, depois passa a ser espanhol, porque nenhuma se chega, olha, vêm um dos
homens mais belos do mundo e nem um broche lhe fazem...tristeza de gente...E o
meu irmão fala-me numa gestão do silêncio e eu entendo até certo ponto, mas eu
estou em Lisboa e não faço isso, no entanto estou só na cama no final da noite, um
aspecto de bastante injustiça me parecer haver nisso, até porque tenho estado só todo
este tempo, desde há bastante tempo e tenho de me aguentar, mais fácil e descartável
é para quem tem alguém com quem falar, em quem confiar, afinal de contas estou só
numa cidade como Lisboa, apenas confiando num ou noutro de vez em quando não
sabendo se me vai atraiçoar ou não...o mais certo é que o faça com convicção, pois é
o que mais tenho visto por esta cidade...
52,
Não sabia o que dizer, o que fazer, no entanto tinha clara noção de me ter
libertado de um peso grande, enorme, do tamanho do mundo, dei logo conta à minha
irmão, porque, no fundo, é a minha entidade financiadora e a ela se deve inclusive
este relato, veja o leitor, tenho de ir à TV, ou não, de afinar a minha máquina de
pensamento, finalmente, cheguei a um ponto em que a ideia de tomar droga para me
inspirar acabou caindo por terra, quero mais é fazer amor e o mundo que se dane, em
todas as suas implicações e consequências, mas ainda há uma esperança, até ao fim é
jogo e batalha, vamos a ver como correm as coisas…O melhor escritor não é o genial,
que tem pressa de fazer a melhor obra, mas aquele que se for preciso prescinda da
escrita durante uns vinte anos e aí encontra o amor e, talvez, escreva uma obra
notável, como Blanchot, por exemplo, como Dürer…No fundo, os franciscanos são
os mais felizes, porque a sociedade tem admiração pelo hominem executor, à
semelhança dos filmes, mas a felicidade não tem nada a ver com isso, tem a ver com
a exalação do Si Mesmo face ao transcendente, pelo que é dado e será dado pensar,
ou seja, o futuro, pelo que optei dar um descanso à filosofia, pois não ganhava tanto
para tal, e mesmo à antropologia, pois nunca dei aulas de uma e outra coisa e afinal
não era meu sonho, o meu seria ser um working class hero, debitando as minhas
impressões nos mais diversos livros, ou seja, pensar pela minha própria cabeça…mas
ainda esperava a tese, face a um Carvalho….O hominem executor também é aquele
que faz descer o machado sobre o pescoço do condenado e aí, eu terei fugido a tudo
isso, continuando a sorver info do mundo para qualquer coisa do âmbito de um
pensarilho….
53,
A rua estava vazia, em tinha quase perdido a bolsa, quase quase, enquanto ainda
tinha chances, por ser universal e mediano no discurso, de ir a Nova Iorque, afinal era
a voz de muitos mais do que esperava, imaginava, além dos casulos entricheirados
das academias, que já tinha tido isso entre os quinze e os dezoito, estava farto, tinha
bebido um pouco, enquanto muitos viajavam para escrever as mais belas coisas
premiáveis, eu estava quase sempre no mesmo lugar, na mesma geografia, fazendo
filosofia e tudo o mais, talvez fosse um autor premiado pelo tempo, dada a minha
íntima e célebre relação com ele... Depois, fiquei pensando porque a minha tese não
era assim tão rebuscada, porque era cósmica, univeral e tinha de ser explicada em
termos simples, porque se fosse rebuscada então seria provavelmente a melhor tese
escrita em filosofia e ciências sociais. As duas louras russas não me saíam na ideia,
enquanto procurava por Nina, mas ela baralhara-me as contas e eu jurei odiar Lisboa
logo que o tipo do café começou a estar à vontade enquanto eu pedia um café,
dizendo uma coisa ou outra. Enquanto muitos conseguiam as coisas que eu queria
com mulheres a rodos, eu chegava a casa e estava só. Não ter ganho a bolsa soava-me
a injustiça, não ter mulher que se chegasse ao pé de mim, por mais que eu fizesse,
gerava-me uma dimensão de angústia que me dava aso de amaldiçoar a espécie
humana. Se a minha tese fosse local, por mais filosófica que fosse, seria perfeita, mas
não o era, e odiei ser português, de modo que não tinha mais que defender estes tipos
primários nem ser como eles, teria sempre a meu cargo três nações, sob diversas
intensidades, e não uma...Quando eu jogava aberto, outros faziam-nos em segredo,
como se o futuro da humanidade, da sua humanidade, se é que a tinham, dependia
disso mesmo...era injusto, mas recorri, ainda tinha mais uma hipótese e nem me dei
ao trabalho de pensar o que iria fazer a seguir, mas o certo é que Nina não aparecera
no local combinado, ela não conhecia bem Lisboa, era brasileira e eu fartei-me de
andar de um lado para o outro no corredor do meu „petit apartement― parisiense em
Lisboa, enquanto em paris inúmeros casais de pombinhos se juntavam a celebrar o
amor...Chegara à fase final com outro candidato que, decerto, era plenamente
filósofo, estava tudo explicado, mas não deixava de ser uma porca pouca vergonha.
54,
Isto, em Lisboa, estava tomando proporções de decadência nunca vista, mesmo
num regime de esquerda, extrema esquerda. Eu pressentia que dentro em breve
haveria um terramoto ou tsunami, como em 1655 e de certa maneira deseja isso,
como muita gente, para lavar muita escória que por cá havia, na democrática e
tropical Lisboa, que muitos diziam ser a cidade da felicidade e onde eu, ao fim de
ter concluído isso mesmo, não estando calçado, concluía que não era senão terra
de pobres de espírito. Essa é a verdade, o resto são notas de pé de página, a
dimensão cosmopolita comporta sempre um certo sentido de aldeia, mas eu não
sentia isso nem sequer em Riachos...enquanto as russas se aproximavam de mim,
mas nada diziam, pois quem tem desejo vai nem que seja às putas, neste sentido,
elas e eles iam com qualquer uma quando chegava o fim do dia, pelo que concluía
que a maior parte, devido a este comportamento, era putas e pederastas. Depois,
pensei que eram as próprias gajas que me atentavam o juízo, que queriam que eu
fizesse porno ou coisa parecida, quando eu nem isso nem igreja, não quero nem
saber, como dizia o pequenito, de modo que a minha missão era criá-los conjun-
tamente com os pais de modo a que chegassem mais longe do que alguma vez
pudesse ter chegado, afinal a transmissão das gerações em termos de saber era um
dos maiores segredos e poucos tinham isso em mente. Ora eu, tendo visto tantos
filmes, iria fazer filmes? Tinha certo que a minha mente funcionava como a de um
realizador. Na minha cabeça não fazia sentido e não percebia estas tipas de Lis-
boa, que usavam a localidade para o rego e o cosmopolitismo para o bolso. Eram
como eles, o gajo típico lisboeta, o cromo que manda o preto cabo-verdiano para
as obras. Depois, antes de vir a escrever de novo nesta obra, depois de alguns dias
de interrupção, decidi carregar o telemóvel, ainda hesitando em ser o Rei e apenas
tinha de carregar o telemóvel. Depois de mais uma viagem de comboio, estava de
novo longe de Riachos, mas sempre pensando no meu pai, na minha mâezeta,
sempre carente, mas levava a coisa pelo melhor, ainda que estivesse cansado e me
doesse a cabeça, ainda que pudesse dar o tilt…havia pessoas más que conspiravam
contra mim e o fato de eu não ser mesquinho, de não levar isso a mal, fazia de
mim simplesmente o melhor…
55,
O Fernando Santos às tantas é melhor do que o Mourinho. Tanto esforço interno e
não contam com os outros? Os outros também são bons, incluindo os holandeses, que
já tentaram mais vezes do que nós e nunca lá chegaram...Depois pensei, podia amar
qualquer mulher, mas nem toda me convinha e este povo era gratuitamente
masoquista, sofria sem motivo. Miriam esquecera-me, vinha de comboio para casa,
estava em casa efectivamente, mas com vontade de vazar alguma coisa, talvez fosse
ali ao lado ou a lado nenhum, talvez optasse por dormir mais um pouco, parecia que
seria necessário uma requisição civil para arranjar mulher...e estava nisto, sempre
consciente do que se passava em meu redor e dentro de mim, por instantes, fui o
melhor, mesmo sem drogas ou psicotrópicos...Pois bem, eu continuava delineando
minha prosa, depois de uma paragem por alguns dias lá em cima, onde tudo parece
menos confuso, mais ordenado, mais aristotélico. Ainda pensava no professor Caeiro
como modelo de pensamento, a sua posa, mas estaria em condições de fazer algo
mais, deixara de ser uma urgência discutir a tese, dar aulas, a América, a bolsa então
nem se fala, deixara tudo de lado, porque precisva de trabalhar para não acabar só e
naquele dia a tentação da ordem era ir à casa da ucraniana, mas não fora, nem iria,
preferia estar tratando da minha vida...Sim, eu era o famoso mais anónimo do país, o
anónimo mais famoso, disso não tinha dúvida, mas ainda não conseguira o amplexo e
isso atormentava-me... ainda que não tivesse nenhuma febre especial para que tal
acontecesse...Acho que, no fundo, todos tivémos umas infâncias tramadas; queríamos
foder e não podíamos e quando chegámos a adultos notámos que não era bem isso
que queríamos...Tinha imensa vontade de ir à ucraniana e despejar por lá os túbaros,
como se diz na aldeia da minha terra, mas mudei de canal e fiz figas para que a
inspiração viesse de novo e passasse a escrever, até ao enésimo livro, mesmo
pensando no caminho de Nova Iorque a Riachos, que é o caminho até ao aeroporto e
julguei que tudo isto estava predestinado para mim, que deixaria para outros a jocosa
brincadeira sobre o sexo e continuaria só, sempre só, à procura talvez agora de uma
celebridade, alguém da televisão, não digo uma brasileira nem uma portuguesa, mas
talvez uma marroquina que se havia estabelecido em Nova Iorque ou em New
Jérsia..., Em tudo isto, eu tinha imensa boa-vontade, estava há mais de um ano no
novo apartamento e...nada, estava perdendo o desejo, cada vez mais só, balanceava as
questões, parecia que seria preciso um decreto presidental –Marcelo- para ter uma
relação, mas deixei-me estar, sossegado, deitado na cama...
56,
Fiz a barba em meia-hora, coloquei dois ovos a estrelar, bebi um pouco de vinho,
pensei numa chinesa, pensei em ir à ucraniana, bem aqui perto, mas não tinha
especial vontade e, se querem que vos diga, se fosse sentir-me-ia bem melhor, para
mim mulher é mulher, qualquer uma me serve mesmo as do topo, de Cascais ou da
elite intelectual, francesa ou lisboeta. Depois, pensai, mais tarde ir-me-ia sentir pior
devido quer à indiferença quer à condenação das pessoas. Acendi um cigarro e
percorri aquele corredor mais uma vez, desta em direcção à televisão, onde a CM TV
debitava notícias malcheirosas...Passaram mais de quatro semanas e nem mulher
nenhuma no saco, um homem como eu, ainda que desempregado, sem abrigo, não
percebia esta coisa de estar neste território e as fêmeas estarem com outros, para além
das filósofas que estavam sós porque não tinham diatribe à altura...Sim, depois pensei
que a voz da minha consciência era simplesmente a voz do interior, do pensar e da
consciência do meu pai, porque a da minha mãe estaria para sempre perdida...A
minha mãe dizia-me, Victor, „porque fazer isto à tua família―? Mas eu estava
desempregado e não tinha nada que fazer alguma coisa, levava a minha vida, lá fora
vários mendigos vociferavam e eu sabia que era o esteio daquela família e que,
durante vários anos de sofrimento, vinte, dizia a minha mãe, eu tinha ficado ignoto de
muita coisa que se passava neste país. Porque então agora iria ser lembrado? Pelo
pornô? Pelo convento? Por isso queria ir aos Estados Unidos, lá ao menos levam a
coisa a fundo. E então, deu-me vontade de chamar uma chinesa ou ir à
ucraniana...Este seria um dos grandes segredos guardados do mundo, as mulheres não
entendem Cristo, entendem mais São Tomás...e aqui bloqueei, podia ficar por isto
toda uma vida, ainda assim estaria vivo, depois de passar pela miúda negra da
margem sul que li a Bíblia no carro, religião e desejo, melhor, psicanálise, não
combinam senão em teoria, nem Joana Amaral Dias conseguiria explicar isto...nem
muito menos Paulo Pires, que nunca foi bom actor, ainda que enquanto modelo
escapasse...
E a coisa andava em volta disto tudo, aquele que escolhe a primeira que lhe aparece
acaba por achar bonómica a vida, o que procura uma dama para viver com ele não
encontra, porque uma mulher é como um passarinho, gosta e aprecia de uma certa
liberdade, ainda que algumas gostem de uma boa mansarda francesa, de um bom
chicote, de modo que a sociedade actual não tem muito por onde se lhe puxe, não tem
muita novidade, aquela novidade que lhe vêm os bacocos dos cientistas sociais e há
muitos cuja libido se fica pela escrita. Isto, se não estivesse só, dava-me vontade de
rir, mesmo assim, estando só e precisando de uma mulher, nada de especial farei,
quero dizer, todos acham que sou uma influência, um influencer e estaria toda a
minha vida debatendo-me por isso, dando quecas fracas, não me perdendo em
pequenas percepções e tendo uma mulher, quando talvez apenas uma descarga
usando o –como é que se chama aquela merda?- o „aqui cabe tudo―, e tudo e mais
alguma coisa, claro que eu daria bem um grande argumentista, mas não estou pra
isso, nem filosofia acabo por fazer, está tudo doido e já superei o Saramago e o Lobo
Antunes, mais a filha, ou seja, talvez tenha ido aonde ninguém foi sem qualquer
mulher em casa, isto mete dó, porque afinal de contas, estou fazendo tudo
sózinho...ou não? Então porque estou só? Porque não tenho dinheiro? Porque não se
prostra nenhuma mulher diante de mim, pedindo-me para viver comigo? Porque
tenho adversários que não colaboram, nem nunca colaborarão comigo? Porque é que
o AKI fecha às nove? Estes gajos são tão rascas que estragam tudo, têm o país numa
miséria, subjugado aos ingleses e americanos em termos de restauração e nem sequer
suspeitam que seriam os franceses que os poderiam ajudar...Vão a todo o lado, a
Timor, à Patagónia, ao Alasca, à Colúmbia Britânica e nem sequer chegam a sair de
Lisboa...dá vontade enorme de rir...Podia tirar grandes considerações sobre a natureza
humana, podia não ir à brasileira nem à ucraniana, podia até ir, se não conseguisse
dormir, isso não trazia coisa nenhuma de novidade, comprei a minha „Maceira― no
Bobby e sorvia-a em minha casa, já pensando que não era nem parecia nem nunca
seria americano, nem mais-do-que-americano ou pós-americano, isso trazia-me
imensos problemas, nem iria ao tal canal de tv ver merdas, lembrei-me de Frasco, o
meu amigo publicitário que costumava aparecer na Expo, lembreição de São, a miúda
com quem saí e que me despachara não sei bem ainda porquê, cheguei a atazanar, a
amaldiçoar Lisboa por não ter mulher, de facto estava bastante preocupado com
isso...Muitos tinham mil e uma mulheres, eu não tinha, talvez não se resumisse a vida
a isso, sendo que a maior parte eram estúpidas, nem no metro e com má vontade, a
má-vontade não era do povo, era delas, se nos atrevermos a fazer cair o pano da
culpabilidade e dos bodos expiatórios, sim, talvez o problema fosse meu e tinha de o
assumir, tinha mais vontade de ir às putas, perdoe-me a minha mãe, que manter uma
relação extensa seguranda pelo trabalho. Trabalho...para um antropólogo? Sim,
qualquer mulher me servia, mas nenhuma me servia, esse era o problema e se fora
gay nalgum momento da minha vida, agora não o era e talvez no bordel tivesse
encontrado a mulher da minha vida...ao menos por uma noite...
57,
Sim, estava a superar Ballard e Baudrillard, superando aquela porta,
além de mim mesmo, não tinha pejo em dizer que era antropólogo e era dos bons,
talvez desse pérolas a porcos, talvez percebesse demasiado de criminologia e nao
ganhasse grande coisa com isso, talvez fosse o melhor escritor e não ganhasse nada
com isso, talvez fosse um sacana sumítico, preferisse ir a uma puta em ver de, por
análises clínicas, sustentar uma família, talvez estivesse a arrasar e este relato algo
apressado fosse qualquer coisa de sagrado porque captado por instantes, ainda que
toda a gente capte o sumo da vida por ter lido os outros ou por a mãe lhe dizer o que
fazer...É que uma puta no Brasil é mais do que puta em Portugal, porque faz filmes
porno, mas uma puta em Portugal é quase santa no Brasil, pois ali se fode mais do
que aqui, que as pessoas, especialmente os académicos e legistas têm parangonas
literárias de toda a ordem que não interessa a ninguém essa ordem social, só a vocês,
realmente, em nome da transmissão da merda que sois. E, sabes, sou o melhor do
mundo, porque tanto estou em casa como no canto de uma casa de putas, não preciso
das luzes da ribalta do teu cinéfilo amigo, porque sou. Se quiseres, lévi-straussiano,
acho que tudo se resume a mulheres, nada mais, mesmo a procaria da sexualidade
não tem nada de mal, elas também gostam no cú, aqui tão perto e não reivindico
nenhuma direito humiano acerca das coisas, apenas o meu direito a uma bolsa que me
permitirá continuar a estudar filosofia, pois vós apenas viveis de comida, música,
rapping e foda. Sim, porque o escritor não quer capitalizar, ele vê argumento e
felicidade nas palavras, porque há muito quem se queira matar e isso não é falta de
coragem, porque a vida social tem bastantes ênfases, só aquele que conhece o outro
lado é que tem pressa de ir lá parar, só ou acompanhado, quero dizer, devemos
segurar a vida porque, mesmo errando, porque errar é humano, ou seja, talvez seja
apenas o erro, seja ele qual for, que nos permite ficar por aqui mais um tempo, porque
sei que não há nada para além disso, disto, deste mundo, do estar aqui, falam
Aushwitz, 1755 e Congo, ou seja, mais ou menos politicamente correto, andamos
tentando fixar qualquer coisa quando andamos em trabalhos para tentar levar a coisa
legalmente e, no fundo, tudo se resume a uma bela das quecas...sim, depois vi-me
com sete euros na conta, não tinha dinheiro nem para a brasileira, quanto mais para a
convidar a vir dormir comigo, a mulher é assim, hoje em dia, não vale senão o seu
corpo, ainda tinha de pedir à irmã que pusesse lá algum para ir para mo deserto de
Riachos, onde me esperava a má disposição da minha mãe e o alheamento do meu
pai, mais de um mês em nada, quando muitos têm pito garantido todo o santo dia e
nem se dão por contentes, pois esse pito está pensando na queca que pode dar no
vizinho, no homem da cidade, tóinas, a maior parte das mulheres, quando vêm um
homem corajoso e andrajoso, que se propôe com antropologia, olham para o lado,
assobiam e cospem, como se fosse um Cristo, que vai bater a porta nenhuma, sendo
que os que desejam acabam num canto, enquanto o mámen deixa-se estar na sua
poltrona, apreciando as „coisas do mundo―...A humanidade, por aqui, é porca e cheira
mal...
58,
Acordei confuso, com vários pensamentos a cruzarem-me a mente, Ricardo Araújo
Pereira e outros quejandos que fazem uma vida jocosa, pensei na brasileira, fiz um
café, fui ao aeroporto tomar mais um, na vinda para cá uma inglesa que achava a
minha face „ackward― quando ela era mais feia, depois pensei que a maior parte do
porno era americano ou norte-europeu, talvez para eles darem ideia de uma felicidade
que nem sequer existe, assente na erotização das relações e no dinheiro, quando
sabemos que os do sul fodem muito melhor, a verdade é assim mesmo, prolongo este
trabalho de escrita para além do necessário, do estritamente necessário. Está sol, o
Boldt nada diz, estará livre e escondido na floresta, fumei no aeroporto um cigarro
espioso, copioso, fumara dos diabos que para ali vai, o Benfica joga mais daqui a
poucoe eu até tenho ideias de dar a volta à brasileira, entre esta e outra que há-de vir
daqui a uns meses, senti saudades, ao ter o meu headfone colado ao tímpano,
saudades de Riachos, lá, onde o homem, na clareira, é sobeja e totalmente livre...
59,
Sim, tenho menos forças, sinto um estranho desejo de me suicidar, mas não faço
ideação sobre isso, sou afinal um tipo absolutamente normal, carente, bonito,
inteligente e quase rico, ouso dizer abertamente o que sinto numa civilização em que
se tenta esconder tudo e mais alguma coisa nas ruas e no écrã da internete tudo se
espôe, mas esse desfasamento não acabará numa geração. Sim, a alegria cansa, o
entusiasmo cansa, vai vale estar a dormir, ao menos temos a esperança de gestar
qualquer coisa de novo e genial...Sim, eu podia ser um putanheiro, podia ser o melhor
ou até o pior escritor, o sózinho, genialmente só, talvez a minha escrita dependesse da
libido, talvez tivesse uma metodologia estranha, esquisita, alienígena, mas eu
encarava tudo isso como um luxo, uma dádiva dos tempos hipermodernos
democráticos, é certo que me apaixonava facilmente e depois não conseguia ter
relações, mas tudo isso, o desenraizamente aparente em Lisboa e Riachos, não tinha a
ver com uma certa ideia de América, uma América permitida, lembrando os meus
tempos do Opel White em „Curvas Apertadas―, sim, as pessoas gozavam comigo,
gozavam porque talvez não desse assim tanta atenção quanto eu ao sexo, ao desejo,
que era para mim qualquer coisa de bonito e sagrado e com esta idade iria deslocar o
meu foco? Queria era gozar a vida, levar a vida tranquilamente e escrever os meus
livros, por mais geniais que fossem, mesmo que não vendessem quase nada...Isto para
encontrar uma tipa em Lisboa, uma mulher que gostasse realmente de ti, não era fácil,
seja como fôr eu sentia-me bem em Lisboa, não tinha para onde ir, literalmente e
Riachos era para mim a reconciliação comigo mesmo e com a infância, os primeiros
tempos em que comecei descobrindo a minha sexualidade, num manual brasileiro de
posições sexuais que o meu pai tinha na mesa de cabeceira e que depois escondeu
noutro lugar, sim, talvez tivesse aberto uma caixa de pandora ou brincado demasiado
com o fogo, na dualidade procriação/gozo, nos tempos em que estava na caravana
lendo uma revista com o olhar sob a fechadura, com a gorducha com a camisa preta
levantada descobrindo umas belas mamas, fazia-me lembrar a minha avô, por quem
conhecia uma certa atracção nos tempos em que tinha estado na Secundária de
Pombal, lá, no segundo prédio construído no Estádio da Palha, onde trabalhei com o
meu pai, o tio Daniel, o Américo, o meu irmão e outros...
60,
E assim, nesses dias, estava metido no meu nicho da literatura e da escrita e não
conseguia sair disso, pensava na minha mãe e no meu velhote, talvez daqui a uns
anos eu fosse também por àgua abaixo juntamente com os meus dois velhotes, não
fizera decerto uma vida académica de leccionação, mas escrevera bastante, eu nunca
tivera o dom da palavra, que fui aperfeiçoando, mas sempre escrevi e aperfeiçoei essa
arte... um escrito denso, sem dúvida cientista social, sem a menor dúvida um grande
filósofo, não tanto um comunicador mas um Ser que inspirou... saber isso basta-me
para ser feliz. No fundo, talvez estivesse `espera de uma esmola, mas nunca
mendigaria sexo, que é o que grande parte dos homens fazem por aqui, ter uma
mulher que os satisfaça, isto do mercado das mulheres funciona de um modo
plenamente lévi-straussiano, elas são mera mercadoria, não há direitos, o homem é
assim, não há justiça não há direito que valha, porque pela frente se faz uma coisa,
pode detrás outra, é assim a natureza humana, não há estrutura na sociedade, ou há, a
„mobilização infinita― de que falava Sloterdjyick não funciona, não está activa, não
faz parte...Estava cansado, comera dois ovos estrelados á inglesa, com bacon, o que
eu estava passando ninguém compreenderia, mas continuaria a grassar pelo metro,
com a minha tese debaixo do braço, falando com este e com aquele, sempre com um
intuito do fim destinado às coisas dos sentimentos e da razão, tudo estava comigo e
eu era feliz, ainda que fosse este texto um nicho, um após outro...
A garrafa estava quase no fim, assim como o vinho frisante gaseificado, na rádio
corria o tema de Elvis Presley mais conhecido, além da Jealouse Rock, eu olhava o
meu candeeiro com base verde, não esperava nada de muito extraordinário naquela
tarde, talvez mais um garrafa, talvez mais uma ida ao aeroporto encontrar uma loira,
depois de ter estado com a brasileira, com o devido soldo, eu podia dominar tudo isto
se acreditasse no mundo, pois não acredito, sou dali e dacolá, de cima, não sou do
meio nem do baixo, não acredito no mundo, sobretudo num mundo onde a bondade é
alugada e se tem a noção de que o chico-esperto, tipo MacGyver, é o que vence.
Engana-se, o que fica para trás já tem um vitória outro tipo de vitória...Tinha um
dente, quase do siso, a cair, deitei fora a dentadura, fiquei pensando numa certa forma
de ser sociedade, de viver em sociedade e em certas coquetes que pensavam ter o rei
na barriga, eu não iria para professor para ditar o que os outros pensam, ensaboando-
os de certa maneira...sorvi mais uma taça de vinho, fumei o resto do cigarro que
estava quase a apagar-se, sonhei estar na cama naquele dia, à noite, noite após noite,
como o meu avô materno, na salinha lá no alto, onde fazia barcos e castelos com os
fósforos...
61,
Podia dizer, afirmar consentâneamente, que a natureza humana teria a ver com
uma concordância formal, teória e que a traía na prática, ou seja, dizer que a natureza
humana era meramente má, malévola, mas isso depende do desenho que queiramos
ver nas coisas. Eu não vejo nada de mal um nascido francês estar em Lisboa. As
mulehres até são melhores, mais sensuais, entregam-se mais à entrega delas mesmas,
eu acho isso nastante mais honesto, antropológico, porque a antropologia, menos a
católica, vive de uma ausência de moral...Sim, ainda falando de mime não de outros
personagens, ainda fui a uma puta, que se lixe, enchei mais o saco, e aqui estou para
dizer o que me aconteceu, nada de interessante para o leitor, mas eu não escrevo-
escrevo para ele...Depois, lembrei-me que os tabacos Paris não tinham invólucro em
plástico, tal como o „Cápsula.pt―...Depois, deixei-me de tretas, de exigir demais dos
outros ne de mim, em nome da filosofia e da antropologia, pois eles não davam nada
por mim, eram uns tontops, sempre o teriam sido, pessoas privilegiadas em Portugal
que não percebiam o esforço do filho de um emigrante construtor, decidi assim
procurara trabalho...por mais notável que fosse a minha obra, a minha tese, a minha
vida, em nome de nada senão amor e paz de espírito...
62,
Depois, fiquei retendo um macinho de tabaco por estrear, enquanto tinha um
cigarro na boca. Não era grande, era pequeno, virei-o, de um lado para o outro. Fazia-
me lembrar vagamente o SGVentil. Afinal, quem quer uma picha grande, esta, tipo o
tamanho cigarrito, serve bem. É maneirinha, ladina, atrever-me-ia a dizer. Não é
como um Rothmans, um Camel, é fofa, como os seios de várias mulheres que
apalpei, dá tesão. E a antropologia? A filosofia? E a humanidade, o que é feita dela
sem ti, sem o homem do convento, que tem o dom de Midas, sem aquele homem que
se esforça por ter uma mulher, quando elas acabam todas por ir embora, quando a tu
amãe está mal, o teu pai também, ainda que entendam a tua dor do mundo, aquilo por
que passas? Depois, tomei uma decisão consentânea com os meus anseios e intentos:
deixaria de fumar, aquele maço que aplpava de vez em quando, de tão fôfo que era,
estaria sempre, no dia-a-dia, no meu bolso, não o abriria, podia até comprar mais
tabaco do mesmo, já que estava adepto, mas nunca mais o abriria, ficava para mim
como símbolo vital –isto parece contraditório com a cinza, claro- mas ficaria como
símbolo da minha resistência e presença neste mundo...No final de contas, talvez
estivesse avançando, mas na direcção errada, pois nenhum humano me acompanhava,
agora a minha irmã tinha deixado de me dar dinheiro e eu não vislumbrava nenhuma
ideia de como trabalhar como professor ou outra coisa, o meu irmão seria quem me
poderia ajudar agora, mas teria de o aturar, era mais cavaco e quadrado do que eu,
propostas não as tinha de lado nenhum...Depois, percebi que a mulher pode trair,
porque de certo modo tem o poder, mas o homem não pode fazer nada além do
casamento, a não ser que tenham o mesmo espírito de Sartre e Beauvoir..
63,
Mesmo tendo tido um resultado negativo nas bolsas, tinha ficado em segundo e
isso significava alguma coisa, regressei a casa para descansar um pouco e vi a minha
irmã mais injustiçada do que eu, que, embora não trabalhando, conseguia um certo
significado e poder simbólico que advinha da minha conceptualização das coisas
sociais, dos factos sociais. Mas mantinha-se o objectivo de dar aulas, mantinha-se
ainda que remota a possibilidade da bolsa, embora tivesse já 48 anos, mas tinha
poucas forças para trabalhar, mantinha-se o objectivo de discutir a tese, talvez o mais
relevante, pois podia dar diretamente aulas no secundário ou superior, contando com
a carrada de livros que havia escrito, tinha de divulgar mais a minha obra, parte da
qual estava já efectivamente traduzida e o objectivo América ainda estava vivo, talvez
o segundo mais importante...Ser filósofo em Portugal era isso mesmo, até os
enegnehiros e arquitectos ou gestores achavam que percebiam alguma coisa de
filosofia, que estava entregue nas mãos daqueles de humanísticos, para um
antropólogo ser filósofo era ser objectivo de admiração, mas nada lucrar senão a obra,
tinha de se desenrascar e ainda levava porrrada na cabeça por cima. A vida era
estúpida, os homens embebedavam-se e batiam nas mulheres, isso era perfeitamente
estúpidos, mas a maior parte delas era bastante estúpida e machista, então porque me
preocuar com isso? Eu não me atrevo a analisar esse fenómeno, sob nenhum ponto de
vista, porque jamais bateria numa mulher, elas é que fazem gato sapato de mim e
ainda se gabam e me chmam gay e bicha, fosgase. A tipa portuguesa, mais do que um
bom recheio e um bom partido, gosta de uma certa inspiração sobrenatural. Depois há
as porcas, a maior parte feias que desistiram da vida. Depois há as bonitas, modelos,
que fazem do sexo profissão, essas são as piores, são malucas e insensíveis,
autênticos robôs. Gajas contrariadas e sempre mal dispostas, sem libidos,
extremamente desarranjadas da cabeça. Depois há as pitas, em que o tempo investido
é tempo perdido, de modo que vais investindo na tua personalidade, na tua imagem,
social e estética. Facilmente te poderias instituiar, mesmo com os teus estudos, em
cenas porcas, era sempre a somar, nesse mundo de animais basta ter dinheiro, mas
não o fazem porque não te merecem e colhes daí todo o valor para uma vida para
válida do que aquela que terias levado se tivésses cumprido todas as regras sociais ou
religiosas...Então, pus de lado "A Escolha de Sofia", de Jostein Gardner e tactei dois
volumes da "Volta ao Mundo" de Ferreira de Castro, lembrei-me que tinha condenado
uma jovem passageira do metro por estar a ler Nicholas Sparks, por ser demasiado
sobrenatural. Arrependi-me, eu próprio tinha lido "O Caminho", de Escrivá, tal como
o jovem negro que encontrei no metro. Talvez um dia me pudesse suceder como
potencial académico em Filosofia da Religião. Assim como se dava leves tapas, leves
palmadinhas, na crica das tipas, se abanava o choruriço para trás e diante, consoante
os sexos e orientações, et pur si muove...E ela mostrou-me o vibrador, não sei se para
lho pôr, se para me pôr, se por motivo de orgulho de sua masturbação privada. Eu,
embora com tendências homo, nem seqeur bi era, por opção (social) tinha chegado à
heterossexualidade, gostava de gajas, como dizia a persoangem do Herman, às
paletes, umas atrás das outras e sonhava (ou talvez já não) viver com uma, coisa que
nunca haviam acontecido, mas não estava especialmente motivado ou obcecado com
isso... Se, por um lado, só neste país se podia estar estudando tanta filosofia e durante
tanto tempo, se podia estar tanto tempo sem discutir uma tese nesta área, por outro,
era bom ver o lado positivo das coisas, ninguém fazia da filosofia motivo de pressão
e de uma exigência ridícula que via em certas universidades da Inglaterra e da
América. Aqui, a filosofia era como que um direito natural... Na verdade, ninguém
tinha nada a ver com os meus problemas e a minha irmã tinha razão, eu era um
imaturo e irresponsável, já devia ter tratado há muito tempo da questão económica,
como dizia a minha mãe, depois viria a afectiva, ainda pra mais neste país em que o
filósofo se expunha aos perigos de ser uma espécie de herói civilizador que interessa
descartar, eliminar, apesar dos oito século de história e dos descobrimentos, mas
talvez por causa disso valia a pena pensar nessa lâmina de barbear que é ser-se
português, achava isso mais desafiador do que pensar acerca do que é ser-se
americano ou francês, ou até inglês, porque esse tema era de algum modo algo de
muito desafiante, como que lapidando um diamante vindo de Angola...Eu tinha
mesmo de ganhar algum dinheiro, trabalhar em qualquer coisa, continuar a viver uma
vida (social). A rádio falava de Antero e, claro, tinha sido um dos meus temas para
tese, mas como não era especialmente especialista em Literatura, pensei em pegar no
seu lado filosófico. Nunca mais me esquecera de Antero desde os tempos de
seminário...nas aulas de literatura portuguesa. Por estas e outras coisas deixei-me
estar na minha modéstia e suspendi os meus objectivos para descansar duas noites em
Riachos, ainda e sempre Riachos. Queria voltar a ser feliz sob o amplexo, como
quando Miriam arquejava o seu amplexo para o meu pénis, que a penetro
profundamente até ao fundo das suas entranhas.
64,
Será que é uma perda de tempo preocuparmo-nos com os nossos inimigos? A
pureza de coração não nos manda amá-los, nem odiá-los, apenas lhes conferir a
indiferença que mereçem. Estou na fria do Jardim, a minha mãe veio ter comido,
antes à sala pequena da Casa Principal, dizendo que me tinha de ir deitar, enervada,
chateada, agressiva, que o pai já estava em pulgas. Vou já, não sou nenhuma criança.
Assim fazem com o pequeno, enchem-no de enargos e expetativas, ora não, ora não
lhe dizem nada, pois ele nem quer conversar nem ver muita televisão. O meu pai
chega a ser odioso. Por um lado é aberto, sempre nos deixou fazer o que bem
entendíamos, não criando condições para nada, apenas em termos materiais, nunca
tinha tempo para se interessar. Depois, no fim, pedia resultados. Se calhar foi isto que
me lixo, a falta de afecto que lhe tenho, ao mesmo tempo que lhe tenho muito
afecto...Agora, andam todos preocupados em que o Jonas seja o bode-expiatório de
tudo, a desgraça da família, aquele que se deve criticar e condenar, imagino o meu
irmão, unha de fome, pior do que eu, impassivel, intolerante e frio e ainda diz que sou
mais parecido com o meu pai do que ele. Isto é triste, sobretudo porque acabo as
noites triste...mas ao mesmo tempo divertido, não tenho namorada mas vou tendo
parceiras sexuais ou afectivas ocasionais, isso, longe de me pôr abaixo, menriquece-
me e fica a conhecer melhor as pessoas. De volta ao meu estúdio, abro uma garrafa
de vinho tinto, à socapa da minha mãe, cansada e mirrada do tempo, nós por cá já
quase não acreditamos em, Deus, mesmo que Ele seja uma emanação dos Homens,
sim quase somos deuses pelo que temos passado, eu acredito nisso, falo de mim, da
minha irmã, da minha família.Deus, por fim, talvez seja apenas uma explicação para
o inexplicável, para aquela forma de desconhecido que se não consegue
compreender... Para o meu pai, eu nunca chego a lado nenhum, o meu irmão sempre
foi o privilegiado, por ele e a minha irmã pela minha mãe, eu tive de fazer finca-oé no
que queria e é bem verdade que fui levando a vida que queria, desde uma coisa a
outra, mas passei muito mal até chegar ao ponto que cheguei, muita solidão, crítica e
incompreensão, não só em termos da academia como da vida, no quotidiano, mas
talvez alguma admiração e eu como que devolvo o que certa maneira algumas
pessoas me deram, coisas que catei e usei a meu proveito, ideias, sensações,
impressões, halos. De resto, criei várias associações online, de estudos camusianos,
por exemplo, para continuar a fazer o que mais gosto, filosofia. Vânia viria dali a dois
meses do Brasil para passar por cá um mês e eu, em vez de me ir logo embora para
Lisboa, apreciei a minha presença e a do lume na salamandra, mesmopensando que
estavam sendo injustos comigo, talvez eu exigisse demais deles, deveriam até ter
razão...Depois, percorrendo os meus livros, escolhi "A Interpretação dos Sonhos" e
pu-lo de lado, pensando no livro de David Gilbert "A Paciência do Ser" e no Rafastan
Segundo...
Decidi ficar mais um tempo no estúdio, onde me sentia bem, o lume estava
bastante aceso e decidi ficar até se acabar a lenha, por exemplo. Depois, peguei em
"Essays sur la Théorie de la Sexualité", de Didier Eribon e pus o livro de lado para
futura leitura e estudo. Andava há mais de três anos com os mesmos óculos, que tinha
lentes anti-reflexo grossas e de escurecimento. Precisva, na verdade, de dois óculos,
uns para ler outros para ver ao longe, de lentes finas e sem escurecimento, mas nisto,
como noutras coisas, o meu pai não mexia, eu já nem puxava conversas sobre o
dinheiro, que a minha irmã parecia estar mal da cabeça, confusa, autoritária,
meledicente, é certo que tinha comigo cada vez mais uma relação de amor-ódio. O
meu irmão estava à distância, eu ainda lhe ligava e tentava não falar em certos
assuntos delicados, ou por vezes falava e descomplexadamente punha-me numa
posição de admiração face à pessoa dele, mas quanto ao dinheiro, ele era rígido e
implacável, só por duas vezes havia dado vinte euros para compensar a ajuda da
minha irmã, que tinha de criar os pequenos e continuando eu à procura de emprego
decidi contactar os reitores de várias universidade e colocar processos judiciais a
outrás várias, a ver se conseguia um lugar de professor a que me sentia devidamente
habilitado. Discutia-se, nesse mês de Janeiro de quase 2020 a isensão do pagamento
de propinas por parte dos alunos do ensino superior e podia ser que fosse beneficiado
com isso, ou seja, poderia colocar, a não ser que não fosse esse o caso dos
emolumentos, a tese à discussão pública. Entenda o leitor a minha posição; eu podia
muito bem abandonar o que estava fazendo e arranjar um trabalho, físico ou manual,
que me destressasse de vez, viver a vida, mas eu estava vivendo a vida, fazia o que
mais queria, escrevia, trabalhava em diversas àreas, on e offline, só não tive
dividendos e, na realidade, não estava disposto a abdicar de um esforço que começei
a empreender sensivelmente desde 97 quando decidi investir a sério na filosofia,
sentia que se me tivesse inscrito no doutoramento em 94 no ISCTE estaria numa
posição bem melhor...ou não, sentia-me bem nesses tempos, lentamente, depois de
cinco ou seis meses a beber bastante, quase deixara a bebida por lado, apenas a tinha
como entretém e propulsionador da actividade literária. Mesmo o tabaco, mantinha-
se, como sempre, num maço por dia, mesmo que alguns dias fumasse metade ou até
menos. Mas...a literatura é feita de relações, de teias e intrigas, não de solilóquios
deste tipo e o leitor nunca se compadecerá comigo por isso...Afinal, a minha escrita
apenas reflectisse a minha vida e eu pouco me importasse, nessa altura da minha
vida, com os outros...Hoje em dia é difícil e por outro lado fácil ser-se filósofo,
quanto mais antropólogo. É uma espada de dois gumes, enquanto alguns vêm
benefícios por parte da condição e via dos cientistas sociais, outros acham que eles
apenas anunciam banalidades vindas do reino do senso-comum. Os filósofos são,
particularmente, alvo de toda a espécie de pessoas e o mal é que qualquer pessoa,
senão é potencialmente antropólogo, ou sociólogo, pois são atitudes que exigem
maturação, são alvo de crítica feroz, ódio até (não sei bem porquê), sendo alvo do
mais fino e rebuscado, para não dizer acintoso, escrutínio. Mas, no geral, as pessoas
ouvem-nos com atenção e sentem admiração e até honradez em estar diante de
cientistas sociais ou filósofos. É disso que eu falo. Depois, esperava por Vânia e nos
diálogos que poderíamos ter, apesar da sua fibromialgia e cansaço e penso na chapada
que era para muitos ter chegado até onde cheguei, com os meus pais, sem grande
instrução e eles nem sequer me haviam motivado para a antropologia ou a filosofia;
muitos pais queriam ter e não tinha isso dos filhos, eu sabia que eles tinham porque
era uma espécie de dádiva que lhes prestava, embora não fosse abastado e sabia que
secretamente me reconheciam esse valor, puxavam por mim e me amavam, bem
como a minha irmã, o cunhado, o irmão e até a cunhada e os pequenos de ambos os
lados... Vistas bem as coisas, que eu nem sempre conseguia aplicar no quotidiano, era
abençoado por ter esse estúdio da Casa do Jardim, que parecia um céu por dentro e
por fora, por ter a casa de Lisboa, espaços nos quais podia trabalhar à-vontade, ou
seja, podia estar eternamente cumprindo essa vigem entre dois pólos mais ou menos
opostos -o que eu fazia entre um e outro não era assim tão desfasado- seja Riachos e
Lisboa, sem precisar de ir à América ou a Paris. Lembrei-me de ir a Sevilha um dia
desses e ouvia a canção calma dos Amor Electro... Recuperava o amor pelos livros e
pelo estudo, estava à deriva e gostava, talvez pela segunda vez na minha vida,
pensava em Vânia, aguardava por um motivo ou simplesmente um sintôma físico,
para me deitar... A violência psíquica do mundo refletia-se no ambiente doméstico;
talvez o espaço doméstico devesse ser direcionado para cima, para o próprio Deus,
pois se lhe atribuíamos coisas tão boas e magnânimas também se devesse aguentar
com as nossas desgraças de nós, pobres humanos...
65,
Mais um dia de raiva, mas estou habituado, duro, calejado, o meu pai pouco fala,
mas agora mais um pouco, mãe implica por tudo e por nada. Estou perplexo mas
calmo. Mantenho as coisas que fiz até aqui. Apenas falo com Irene, pelo messenger,
ela virá daqui a dois meses, talvez antes...puta de vida, devia escrever ao António
Feijó, com estas coisas vou continuar a oferecer-me para dar aulas, quando há muitos
licenciados que pertencem a centros e até dão aulas...Depois, caguei e comecei a ler
Roger Vaillant...Pois, tinha pouco mais a dizer até acabar Névoa, arrumara umas
coisas em casa, falara com Inês e Irene, ouvira uns impropérios da minha mãe,
recuparara um pc e um iphone antigos, deixava-me estar, pensando em Irene, devia
ser fogo aquela mulher, talvez viesse encontrar uma certa beleza fascinantemente
enferrujada em Portugal...
Stupid things I Do, diz a canção. A mãe nervou-se eu pareço ter um consenso geral,
quando muita gente me odeia, quando estou zangado com a mãe, resolvo escrever,
escrvo como cumprimento e comprimento da minha tensão, existencial, se quiserem,
outra diz que eu entro logo para a guerra e levo as coisas para o nível pessoal. Ah é?
E que tal a falta de emprego e perspectivas, o sulco na filosofia e nem com os meus
pares me entrevenho, entretenho, talvez eles me marginalizem, mas não muito mais, o
processo na Procuradoria, no Parlamento, isto está a tomar uns contornos legais
perniciosos para a minha saúde, ando tenso, criativo, eufórico, faço inúmeras e
singulares coisas mas parece não chegar, até que vários troçam de mim e o país exige,
exige de mim, dar o que não tenho e não me dá nada, é um circo, não há honestidade
nisto, amanhão seguiria para Lisboa para mais uns dias de guerra e paz, tudo está
concentrado em mim e ao mesmo tempo parece não ter nenhuma importância, resolvi
não ir mais ao número 34 da Rua dos Agostos e esperar por Inês,s eja o que fôr será
muito bom, ando nesta depressão, tentando levar a coisa adiante, há tempo demais,
defini claramente os meus objectivos, talvez queira e alcance ainda mais do que
alguma vez imaginei, a mãe passa-se sempre que toco nalgum assunto relativo ao
meu pai, parece que tem pânico de morrer e morrendo ele fica sózinha, morrendo ela
fica ele sózinho, por vezes confiam em mim, mas talvez por não ter uma conduta
rígida acintosa e normal, por não ter a minha independência económica, condenam-
me...ostracizam-me,e stão sempre contra mim...Ligo para o meu irmão,
provavelmente para lhe pedir algum dinheiro para ir até Lisboa, ele defende a minha
irmã, dizendo que sou um manipulador, duas coisas, como dizia o meu colega do
ISCTE, que não se dava ao luxo de reflectir, só escrevia o que pensava
imediatamente, talvez esse seja um dos meus inimigos desse tempo, já deve ter feito
o pós-doutoramento, era um bom rapaz mas era um tonto, aí eu digo ao meu irmão
que ter seis internamentos não é pera doce, não é como a tropa, nem o seminário e o
convento são com a tropa, por isso não te metas comigo, se há pessoa que dá valor ao
dinheiro sou eu, que não o tenho, não te peço mais, porque tu não entendes, nem te
ligo mais, não insisto, manipular, devias gostar mais do teu irmão, daquilo que ele
passou e conseguiu ainda assim fazer, não é como muitos, que arrotam postas de
pescada em cafés e pubs ou discotecas para esconder a sua falta de confiança e
empenho. Pá. Venham ter comigo para me chatear, venham, que eu vos digo como é.
Fazem toda a merda, gozam, troça e quando têm medo da morte começam a ganir
desesperador a dizer toda a espécie de atrocidades. Herman José é um exemplo disso,
nunca estudou. O Araújo Pereira também, diz o que lhe apetece e nada de jeito fez na
sua vida ou na dos outros, mas isso não é meu território, a mim reservo o direito de
andar de um lado para o outro, recolhando informação, inclusivé aquela sem crédito
algum, na qual nada acredito, só para servir o caro leitor que talvez tenha até roubado
esta obra...
Depois, passado algum tempo, notei que estava a patinar, que era mesmo tempo de
ir à América, a Nova Iorque, à New School, era este o momento e talvez fosse com
Irene...