Você está na página 1de 273

ISSN 2317-6776

V.15 - N.2 - 2015

REVISTA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM MÚSICA


ESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS - UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

Apoio:
PROAPUPEC-UFG e EMAC
ISSN 2317-6776

Esta publicação foi realizada com os apoios:

Vol um e 1 5 - Número 2 - 2 015


MÚSICA HODIE
V.15 - n.2 - 2015
ISSN 2317-6776

Universidade Federal de Goiás Prof. Dr. Ricardo Freire (UnB, Brasilia, DF)
Prof. Dr. Orlando Afonso Valle do Amaral Profa. Dra. Rosane Cardoso de Araújo (UFPR, Curitiba, PR)
(Reitor) Profa. Dra. Sonia Regina Albano de Lima (Unesp, São Paulo, SP)
Profa. Dra. Valerie Albright (Unesp, São Paulo, SP)
Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação
Profa. Dra. Maria Clorinda Fioravanti Editoras Convidadas para o Volume 15 n.2 de 2015
(Pró-Reitora) Profa. Dra. Claudia Regina de Oliveira Zanini (UFG, Goiânia, GO)

Pró-Reitoria de Pós-Graduação Consultores do Volume 15 n.2


Prof. Dr. José Alexandre F. Diniz Filho Banco de Pareceristas da ANPPOM
(Pró-Reitor) www.anppom.com.br

Escola de Música e Artes Cênicas Revisão


Profa. Dra. Ana Guiomar Rêgo Souza Claudia Zanini e Sonia Ray
(Diretora)
Capa
Programa de Pós-Graduação em Música Feira Mexicana (Los Angeles, EUA)
Prof. Dr. Carlos Henrique Costa Foto de Sonia Ray, 2014
(Coordenador)
Editoração:
REVISTA MÚSICA HODIE Franco Jr. / FGA Editoração Gráfica
Equipe Editorial Local
Profa. Dra. Sonia Ray - Presidente (UFG, Goiânia, GO) Site: www.musicahodie.mus.br
Profa. Dra. Claudia Regina de Oliveira Zanini (UFG, Goiânia, GO) Judson Costa (Webmaster)
Profa. Dra. Ana Guiomar Rego Souza (UFG, Goiânia, GO)
Ms. Leonardo Victtor de Carvalho (UFG, Goiânia, GO)
Conselho Científico
Profa. Dra. Sonia Ray - Presidente (UFG, Goiânia, GO) A Revista Música Hodie foi criada no PPG Música da UFG e é pu-
Prof. Dr. Aaron Williamon (Royal College of Music, Londres, blicada ininterruptamente desde dezembro de 2001 em 2 números
INGLATERRA) por ano. Seu conselho editorial é presidido pela Profa. Dra. Sonia
Prof. Dr. Anselmo Guerra de Almeida (UFG, Goiânia, GO) Ray desde sua criação. Música Hodie está indexada no EBSCO, Web
Profa. Dra. Cristina Gerling (UFRGS, Porto Alegre, RS) of Science, Arts & Humanity Index, The Music Index, e no Portal da
Profa. Dra. Eliane Leão (UFG, Goiânia, GO) Capes (Qualis A1). A publicação visa incentivar a produção, científi-
Prof. Dr. Fausto Borém (UFMG, Belo Horizonte, MG) ca e artística relacionada à Performance Musical e suas Interfaces,
Prof. Dr. Florian Pertzborn (Escola Politécnica do Porto, Porto, Composição e Novas Tecnologias, Educação Musical, Música e Inter-
PORTUGAL) disciplinaridade, Musicoterapia, Linguagem Sonora e Intersemiose,
Prof. Dr. James Grier (University of Western Ontario, CANADÁ) Musicologia, concentrando-se na produção musical mais recente.
Prof. Dr. Lasse Thoresen (Norwegian State Academy of Music, Música Hodie recebe e avalia material para publicação (artigos,
NORUEGA) resumos, gravações e partituras) continuamente no sistema blind
Profa. Dra. Louise Meintjes (Duke University, EUA) review e com pareceristas externos.
Profa. Dra. Lúcia Barrenechea (UNIRIO, Rio de Janeiro, RJ)
Prof. Dr. Richard Taruskin (University of California – Berkeley, EUA)
Profa. Dra. Tânia Lisboa (Royal College of Music, Londres, Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
INGLATERRA) (GPT/BC/UFG)

Conselho Consultivo
Profa. Dra. Ana Guiomar Rego SOuza (UFG, Goiânia, GO) Música Hodie; Revista do Programa de Pós-gradua-
Prof. Dr. Ângelo Dias (UFG, Goiânia, GO)
ção Stricto-Sensu da Escola de Música e Artes
Profa. Dra. Beatriz Ilari (University of South California, EUA)
Profa. Dra. Catarina Domenici (UFRGS, Porto Alegre, RS) Cênicas da Universidade Federal de Goiás. Vol.
Prof. Dr. Cesar Traldi (UFU, Uberlândia, MG) 15 (n. 2, 2015) Goiânia: UFG, 2012.
Profa. Dra. Claudia Regina de Oliveira Zanini (UFG, Goiânia, GO)
Prof. Dr. Daniel Afonso (California State University-Stanislaus, v.: Il.
Turlock, EUA)
Semestral
Prof. Dr. Daniel Barreiro (UFU, Uberlândia, MG)
Profa. Dra.Isabel Nogueira (UFPel, Pelotas, RS) Descrição baseada em: Vol. 15, n. 1 (2015)
Profa. Dra. Lilia Gonçalves (UFU, Uberlândia, MG)
Profa. Dra. Marília Álvares (UFG, Goiânia, GO) ISSN 2317-6776
Prof. Dr. Marcos Vinicio Nogueira (UFRJ, Rio de Janeiro, RJ)
Prof. Dr. Mario Ferraro (UFRJ, Rio de Janeiro, RJ)
1. Música Periódicos I. Universidade Federal de
Prof. Dr. Mikhail Malt (IRCAM, Paris, FRANÇA)
Profa. Dra. Mônica Lucas (USP, São Paulo, SP) Goiás. Escola de Música e Artes Cênicas.
Profa. Dra. Nancy Lee Harper (Univ. de Aveiro, Aveiro, PORTUGAL) CDU: 78(05)
Prof. Dr. Rafael dos Santos (Unicamp, São Paulo, SP)
E dito r ia l

Após vivenciar trabalhos como participante ou coordenadora de comissões científi-


cas e parecerista de algumas revistas, o convite para editar a Música HODIE volume 15, n.2
chegou como um desafio. Afinal, um novo papel a desempenhar...
Foi uma honra realizá-lo e ter a oportunidade de receber e encaminhar para avalia-
ção trabalhos vindos de vários lugares, inclusive do exterior. Assim, comemoramos a notí-
cia da inclusão da revista entre as mais bem avaliadas no campo da Música no Brasil, com
Qualis A1, fruto de muitos anos de trabalho árduo, conduzido pela Presidente do Conselho
Editorial, Profa. Dra. Sonia Ray, com a participação de outros atores, inclusive editores con-
vidados nos últimos anos.
Este volume teve como tema principal a Musicoterapia, que tem se inserido cada
vez mais no campo da pesquisa, mas sem deixar de ter um olhar para a prática clínica, de
onde, em geral, são trazidas as questões norteadoras dos estudos. É perceptível o crescimen-
to de campos de atuação para o musicoterapeuta, exemplificados neste volume, por artigos
que tratam de clientelas diversas, como crianças em processo de diálise ou adultos com epi-
lepsia, entre outros.
Foi um prazer receber textos de ilustres convidadas: da Presidente da World
Federation of Music Therapy (WFMT), Amy Clements-Cortes (University of Toronto); da co-
ordenadora da Comissão de Publicações da mesma federação, Melissa Mercadal-Brotons e
colaboradoras; e, da reconhecida musicoterapeuta Lia Rejane Mendes Barcellos, que vem
contribuindo há quatro décadas com a formação do musicoterapeuta e o crescimento da
Musicoterapia no Brasil.
Cabe dizer que o conjunto de textos voltados para a Música em geral traz contribui-
ções da Educação Musical, Musicologia, Filosofia e Teoria da Música, com valorosos temas
de pesquisa. Na Seção Primeira Impressão tem-se a contribuição de uma compositora da
University of Novi Sad (Sérvia), com uma peça para Coral.
Finalmente, agradeço aos autores que, com interesse, buscaram a Música HODIE
como um veículo para o multiplicar de seus conhecimentos, bem como a todos os parece-
ristas, sem os quais não seria possível conduzir o criterioso processo de avaliação dos traba-
lhos submetidos. A pesquisa em Música, como área de conhecimento, agradece a participa-
ção de todos neste seu contínuo processo de expansão, do qual também faz parte o público
leitor. Desejo a todos uma boa leitura e inspiração para novos saberes e pensares.

Claudia Regina de Oliveira Zanini

Música Hodie 2015, v.15 n.2


Editora Convidada
Su m á r io

Artigos Científicos - Musicoterapia

La identidad del musicoterapeuta en España: un estudio cualitativo


Music therapist identity in Spain: a qualitative study
María Teresa del Moral (Universidad Pontificia de Salamanca, Espanha)
Melissa Mercadal-Brotons (Escola Superior de Música de Catalunya)
Andrés Sánchez-Prada (Universidad Pontificia de Salamanca, Espanha)
Patricia L. Sabbatella (Universidad de Cádiz, Espanha)............................................................................................. 9
Soothing relaxation journeys: designing evidence based music and
imagery opportunities
Revigorando jornadas relaxantes: desenvolvendo oportunidades de música e imagem baseadas em evidências
Amy Clements-Cortes (University of Toronto, Toronto, Canadá).............................................................................. 22
Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção
da saúde – a dança nas poltronas!
Music therapy in medicine: a soft technology in the health promotion – the dance on the couches!
Lia Rejane Mendes Barcellos (Conser. Brasileiro de Música - Centro Universitário, Rio de Janeiro, RJ)................................ 33
Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda
Group musical performace: music therapy, choir and band
Rosemyriam Cunha (Universidade Estadual do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil).......................................................... 48
Algumas considerações sobre os efeitos negativos da música
Some considerations about the negative effects of music
Gustavo Schulz Gattino (Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC).................................................. 62
Musicoterapia em ambulatório de epilepsia e aplicação de pré
e pós teste da escala de humor de brunel (brums) para averiguar
a mudança de humor
Music therapy in epilepsy clinic and application of pre and post test of brunel mood scale (brums) to ascertain the
change of mood
Clara Márcia Piazzetta (Universidade Estadual do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil)
Marcos Eikiti Sakuragi (Universidade Estadual do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil)
Fernanda Franzoni Zaguini (Universidade Estadual do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil)
Carlos Eduardo Silvado (Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil)....................................................... 73
Ampliando a compreensão sobre a relação entre a música e a
expressão gênica através de uma revisão sistemática
Expanding the understending on the music and gene expression related trough a systematic review
Romes Bittencourt Nogueira Sousa (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil)
Ana Lidia Alcântara-Silva (Escola Superior de Ciências da Saúde, Brasília, DF, Brasil)
Arthur Ferreira Vale (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil)
Tereza Raquel Alcântara-Silva (EMAC/UFG, Goiânia, Goiás, Brasil).......................................................................... 85
Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a
musicoterapia como possibilidade terapêutica no cuidado ao cuidador
Taking care of who cares: an integrative review about music therapy as a therapeutic possibility in the caregiver care
Elvira Alves dos Santos (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil)
Claudia Regina de Oliveira Zanini (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil)
Elizabeth Esperidião (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil).............................................................. 92
Artigos Científicos - Música em Geral

Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações


para o ensino da música
Some aspects about musical signification and its implications on the teaching of music
Silvia Cordeiro Nassif (Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo)..................................................... 106
Oficina de enriquecimento musical do programa de atenção a
alunos precoces com comportamento de superdotação (PAPCS)
Enrichment musical workshop of the attention program for students with early behavior giftedness (PAPCS)
Fabiana Oliveira Koga (Universidade Estadual Paulista, Marília, São Paulo, Brasil)
Miguel Claudio Moriel Chacon (Universidade Estadual Paulista, Marília, São Paulo, Brasil)........................................... 122
Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro:
interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro
em Brasília
Brazilian choro school Raphael Rabello and choro club: effective interaction in the choro’s processes of meaning and
teaching in Brasília
Magda de Miranda Clímaco (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil)................................................... 137
Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes
The impurity aesthetics in the analysis of two works of Gilberto Mendes
Rita de Cássia Domingues dos Santos (Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, Mato Grosso)
Teresinha Prada (Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, Mato Grosso)......................................................... 151
Verdade em música sobre o pensamento de Martin Heidegger
Truth in music on the thought of Martin Heidegger
Marcos Antonio Cardoso Sobral (Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, Sergipe, Brasil)
Danielle de Gois Santos (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil) .................... 167
Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão:
questionamentos sobre métodos
Teaching materials for the collective teaching guitar: questions about methods
Fábio Amaral da Silva Sá (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil)
Eliane Leão (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil)...................................................................... 176
El rol del cuerpo-vestido en la ruptura estética de virus durante
los últimos años de la dictadura militar
The role of the dressed-body in the aesthetical rupture of virus during the last years of the military dictatorship
Daniela Lucena (Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina)
Gisela Laboureau (Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina)............................................................... 192
La creación estética: sonido y vibración en John Tavener
The aesthetic creation: sound and vibration in John Tavener
Ricardo Espinoza Lolas (Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Valparaíso, Chile)
Boris ALVARADO (Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Valparaíso, Chile)
Patricio Landaeta Mardones (Universidad de Playa Ancha, Valparaíso, Chile).......................................................... 203
La interpretación del repertorio histórico a través de la
hermenéutica filosófica
The interpretation of historic music trough the philosophic hermeneutic
Gustavo Javier Medina Riera (Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, Amazonas, Brasil).................................... 214
Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto
Il Corago and the melodramma in the seventeenth century: between theory and the judgment of taste
Maya Suemi Lemos (Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil)
Ligiana Costa (Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil)................................................................ 220
The maracá in the beginning of european contact: its role in
tupinambá society as a religious token and musical instrument
O maracá no princípio do contato europeu: seu papel na sociedade tupinambá como símbolo religioso e instrumento musical
Eduardo Sola Chagas Lima (University of Toronto, Ontario, Canada)..................................................................... 234

Primeira Impressão

“Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić


Slađana Marić (Faculty of Philosophy University of Novi Sad, Novi Sad, Sérvia)......................................................... 251

Chamada para artigos, gravações e partituras.................................................................................. 266


Call for articles, recordings and scores........................................................................................... 270
Normas para formatação das referências..........................................................................................271
Artigos Científicos -
Musicoterapia

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015


MORAL, M. T.; MERCADAL-BROTONS, M.; SÁNCHEZ-PRADA, A.; SABBATELLA, P. L. La identidad del musicoterapeuta en España: un estudio cualitativo.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 9-21

La identidad del musicoterapeuta en España: un estudio cualitativo

María Teresa del Moral (Universidad Pontificia de Salamanca, Espanha)


mtmoralma@upsa.es
Melissa Mercadal-Brotons (Escola Superior de Música de Catalunya)
brotons@compuserve.com
Andrés Sánchez-Prada (Universidad Pontificia de Salamanca, Espanha)
asancrezpr@upsa.es
Patricia L. Sabbatella (Universidad de Cádiz, Espanha)
laboratorio.musicoterapia@uca.es

Resumen: La identidad del musicoterapeuta ha sido un tema estudiado tanto a nivel internacional como a nivel na-
cional. Este artículo presenta resultados preliminares de un estudio exploratorio-descriptivo que se realizó a partir
de grupos de discusión, para conocer con más profundidad la situación actual de la musicoterapia en España. Para
ello se obtuvo una categorización de temas y contenidos siendo uno de los temas el de profesionalización. Este cons-
taba de cinco contenidos siendo uno de ellos el del perfil profesional del musicoterapeuta. La parte de identidad del
musicoterapeuta que se presenta en este estudio formaba parte de este contenido, especialmente en lo referente a
actitudes y sentimientos del musicoterapeuta. Los resultados obtenidos se comentan ampliamente y se exponen pro-
puestas de avance para mejorar la situación, así como para contribuir al reconocimiento y consolidación de la mu-
sicoterapia en España.
Palabras clave: Musicoterapeuta; Identidad profesional; Perfil profesional; Musicoterapia; España.

A identidade do musicoterapeuta na Espanha: um estudo qualitativo


Resumo: A identidade do musicoterapeuta tem sido um tema estudado tanto nacional como internacionalmente. Es-
te artigo apresenta os resultados preliminares de um estudo exploratório-descritivo foi realizado a partir de grupos
de discussão para conhecer com mais profundidade o estado atual da musicoterapia na Espanha. Para isso se obteve
uma categorização de temas e conteúdos, sendo um dos temas o da profissionalização. Este consistia em cinco conte-
údos, sendo um deles o do perfil do profissional do musicoterapeuta. Acerca da identidade do musicoterapeuta que
se apresenta neste estudo, faziam parte deste conteúdo especialmente o que se refere às atitudes e sentimentos do
musicoterapeuta. Os resultados são amplamente discutidos e expõem propostas de avanço para melhorar a situação,
assim como para contribuir para o reconhecimento e consolidação da musicoterapia na Espanha.
Palavras-chave: Musicoterapeuta; Identidade profissional; Perfil profissional; Musicoterapia; Espanha.

Music therapist identity in Spain: a qualitative study


Abstract: The identity of the music therapist has been a topic studied internationally and nationally. This paper
presents preliminary results of an exploratory-descriptive study, which was conducted from discussion groups to
learn in greater depth the current state of music therapy in Spain. It involved a categorization of topics and subject-
matters, being “professionalization” one of the topics. This topic consisted of five subject-matters being one of them
the professional profile of the music therapist. The part of identity of the music therapist presented in this study was
part of this subject-matter especially regarding their attitudes and feelings. The results are widely discussed and for-
ward proposals are exposed to improve the current situation, and to contribute to the recognition and consolidation
of music therapy in Spain.
Keywords: Music therapist; Professional identity; Professional profile; Music therapy; Spain.

1. La identidad del musicoterapeuta

La Real Academia de la Lengua Española (RAE, 2014, p. 1209) define la “identidad”


como el “conjunto de rasgos propios de un individuo o de una colectividad que los caracteri-
zan frente a los demás”. Dentro del marco de la sociología de las profesiones, Epstein (1978,
p. 101) define la identidad profesional como “el proceso por el cual la persona integra esta-
tus, roles y experiencias profesionales en una imagen coherente del self y con un sentido
de pertenencia a una profesión”. Partiendo de las definiciones anteriores y situándonos en
el campo de la musicoterapia, entendemos que la identidad profesional hace referencia a los

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 08/10/2015 - Aprovado em: 31/10/2015

9
MORAL, M. T.; MERCADAL-BROTONS, M.; SÁNCHEZ-PRADA, A.; SABBATELLA, P. L. La identidad del musicoterapeuta en España: un estudio cualitativo.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 9-21

rasgos, actitudes, sentimientos, valores y roles que el musicoterapeuta percibe de sí mismo y


le diferencia de otro profesional.
El estudio de la identidad profesional del musicoterapeuta es un tema de interés
desde los inicios de la organización de la profesión en la segunda mitad del siglo XX, sien-
do abordado por varios autores (BATES, 2015; BRUSCIA, 1989; 2007; DILEO, 2000; FORI-
NASH, 2009; IGARI, 2004; LEE, 2008; OOSTHUIZEN, 2009; RICKSON, 2010; SCHAPIRA,
2005), cubriendo diferentes enfoques y perspectivas.
En la década de los ochenta, BRUSCIA (1989) identifica las cuestiones que llevan a
que la musicoterapia presente problemas de identidad en diferentes niveles a) como disci-
plina, derivados de la necesidad de definir y conceptualizar de manera unificada las dife-
rentes orientaciones teóricas y clínicas que fundamentan su práctica profesional; b) como
profesión, debido a la diversidad de áreas de trabajo y de pacientes con los que los musico-
terapeutas trabajan, con implicaciones en la identidad colectiva e individual que atañen al
perfil profesional y sus áreas de actuación, y c) con repercusiones en la formación de sus
profesionales musicoterapeutas, donde además de los aspectos mencionados entra en con-
sideración los diferentes contextos geográficos y culturales en los que se desarrolla. La di-
versidad que presenta la disciplina, la profesión y la formación del musicoterapeuta se re-
fleja en la manera en que los musicoterapeutas definen la musicoterapia, lo que incide en la
identidad del musicoterapeuta, ya que “cada definición es más que un resumen de qué es la
musicoterapia, ya que presenta una amplia visión acerca del pensamiento sobre el campo y
sobre la identidad profesional de la persona que crea la definición” (BRUSCIA, 2007, p. 3).
La identidad del musicoterapeuta también ha sido influenciada por cómo otros pro-
fesionales han percibido y entendido su campo de acción y los objetivos de su trabajo en di-
ferentes entornos. Así, frecuentemente el musicoterapeuta ha sido percibido y categorizado
como un músico, profesor de música, animador sociocultural, ya que no se ha comprendido
ni reconocido la utilización que hace de la música con fines terapéuticos, sino que sólo se
ha entendido su utilización con otros fines (lúdicos, educativos, ocio, etc.), situación que ha
potenciado la confusión profesional y el intrusismo. Aunque en la actualidad el perfil pro-
fesional del musicoterapeuta está definido, y, siguiendo a RICKSON (2010) en los últimos
años la idea sobre la importancia de saber quiénes somos y cuáles son nuestros valores con
el fin de comprender a los demás y ser auténticos como terapeutas se ha reforzado fuerte-
mente en la musicoterapia y en la literatura relacionada, en el siglo XXI la inclusión del mu-
sicoterapeuta en nuevos ámbitos laborales promueve una actualización constante de su rol
profesional afectando su perfil e identidad profesional.
Aigen (2014), integrando lo que sucede en diferentes países, indica lo siguiente so-
bre la identidad:

– La identidad y legitimidad del rol de musicoterapeutas sigue siendo una cuestión


de debate.
– La mayoría de los roles asumidos por musicoterapeutas son análogos a profesiona-
les de la salud como profesionales de la Medicina, psicoterapeutas, terapeutas ocupa-
cionales, logopedas, etc.
– En Norte América y Australia, el rol de “musicoterapeuta como profesional médico
(o de la salud)” ha sido más predominante, mientras que en Europa en países como
Reino Unido y Alemania, el “musicoterapeuta como psicoterapeuta” ha sido más do-
minante. No obstante, hay una gran diversidad de roles e influencias en todo el mun-
do. (p. 17)

El estudio de la identidad y del perfil profesional del musicoterapeuta determina


identificar las competencias profesionales, las cuales se categorizan en competencias inicia-

10
MORAL, M. T.; MERCADAL-BROTONS, M.; SÁNCHEZ-PRADA, A.; SABBATELLA, P. L. La identidad del musicoterapeuta en España: un estudio cualitativo.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 9-21

les y avanzadas según la American Music Therapy Association (AMTA, 2009; GOODMAN,
2011), que se desarrollan en los distintos niveles de formación de los musicoterapeutas
(Grado, Master y Doctorado).
Las asociaciones de Musicoterapia tienen un papel importante para ayudar a esta-
blecer criterios y delimitar competencias profesionales, las funciones del musicoterapeu-
ta o el establecimiento de definiciones que contribuyan a aumentar el conocimiento de la
sociedad sobre la musicoterapia. Con el objetivo de validar la calidad del desempeño pro-
fesional del musicoterapeuta, surgen los sistemas de acreditación o certificación profesio-
nal como el Music Therapist Board Certified (MT-BC) en EE.UU, Music Therapy Accredited
(MTA) en Canadá, Registered Music Therapist (RMT) en Australia, European Music The-
rapy Register (EMTR) en Europa y el Registro Español de Musicoterapeutas Profesionales
(REMTA) en España.

2. La identidad del musicoterapeuta en España

Desde hace más de 50 años se reconoce la existencia de la musicoterapia en dife-


rentes comunidades del Estado Español, siendo la Dra. Serafina Poch en la década de los 60
la pionera en su desarrollo en Madrid y Barcelona. Sin embargo, no fue hasta la década de
los 90 que la musicoterapia comenzó a ser demandada socialmente como profesión en dife-
rentes puntos de la geografía nacional.
El tema de la identidad del musicoterapeuta en España es de interés para el desa-
rrollo de su colectivo y esto se refleja en las temáticas elegidas para el III Congreso Nacional
de Musicoterapia (2010): Identidad y el Desarrollo Profesional del Musicoterapeuta en Espa-
ña y el V Congreso Nacional de Musicoterapia (2014): Orquestando la Musicoterapia: Iden-
tidad, Cohesión e Integración. En ambos congresos se debatió sobre la importancia de for-
talecer la identidad y el rol como profesionales de la musicoterapia, buscando la unión pro-
fesional y la cohesión en los diferentes ámbitos de trabajo a fin de potenciar la integración
social y laboral de la musicoterapia así como su reconocimiento profesional. Asimismo,
Mateos-Hernández (2011) define al “musicoterapeuta” de la siguiente manera:

El musicoterapeuta es un profesional con unos conocimientos y una identidad tanto


en el ámbito musical como en el terapéutico, y que integra todas sus competencias
desde la disciplina de la Musicoterapia, para establecer una relación de ayuda so-
cio-afectiva mediante actividades musicales en un encuadre adecuado, con el fin de
promover y/o reestablecer la salud de las personas con las que trabaja, satisfaciendo
sus necesidades físicas, emocionales, mentales, sociales y cognitivas y promoviendo
cambios significativos en ellos. (p. 110)

Además, este autor añade que las señas de identidad del musicoterapeuta y sus va-
lores subyacentes son los siguientes (MATEOS-HERNÁNDEZ, 2011, p. 111):

– Opta permanentemente por el auto-conocimiento, tratando de dar sentido a su exis-


tencia desde el optimismo vital, desde la búsqueda de la verdad y de la libertad per-
sonal, desde la orientación a la conducta prosocial.
– Asienta todo su hacer en el código deontológico del musicoterapeuta (CEMPE).
– Opta por el cambio y la mejora continua: en sí mismo, en las personas con las que
trabaja, en las instituciones y en la sociedad en general.
– El musicoterapeuta es un agente de salud mental en la comunidad.
– Es agente didáctico de transmisión de la musicoterapia, allá donde sea conveniente
y cuida el lenguaje.

11
MORAL, M. T.; MERCADAL-BROTONS, M.; SÁNCHEZ-PRADA, A.; SABBATELLA, P. L. La identidad del musicoterapeuta en España: un estudio cualitativo.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 9-21

Desde inicios de la primera década del siglo XXI se han elaborado diversos docu-
mentos técnicos que contribuyen al desarrollo normativo de la Musicoterapia en España
(MERCADAL-BROTONS, SABBATELLA, & DEL MORAL, 2015) y que contribuyen a definir
y delimitar la identidad de los musicoterapeutas españoles:

– El Código Ético para los Musicoterapeutas Españoles (AEMP, 2011) a partir del Có-
digo Ético de la Confederación Europea de Musicoterapia (EMTC Ethical Code, 2005)
y de otros códigos éticos o documentos relacionados (e. g. AMTA, 2014; CAMT, 2002;
WFMT, 2010a, 2010b, 2013); y aprobado recientemente por las Asociaciones Españo-
las de Musicoterapia Afiliadas a la EMTC (AEMTA-EMTC, 2014).
– Recomendaciones orientativas para la valoración de la calidad de posgrados univer-
sitarios en Musicoterapia (AEMP, 2008) aprobado por siete universidades españolas.
– Criterios para ser Musicoterapeuta en España (SABBATELLA, 2011).
– El Registro Español de Musicoterapeutas Acreditados (SABBATELLA, 2011).

El Documento Técnico Registro Español de Musicoterapeutas Acreditados (REMTA,


2009) establece los requisitos para ser Musicoterapeuta Profesional Acreditado en España
(MTAE) y para ser Supervisor de Musicoterapia Acreditado en España (SMTAE). El sistema
de acreditación español (REMTA) es una adaptación del sistema de acreditación europeo
de musicoterapeutas (EMTR). De esta forma, la acreditación de musicoterapeutas en España
permite, por un parte, entrar en consonancia con las directrices de la European Music The-
rapy Confederation y el Registro Europeo de Musicoterapeutas (EMTR) y por otra dar visi-
bilidad social a la profesión al ofrecer a la sociedad un listado de profesionales acreditados
que garanticen un desarrollo profesional que genere confianza en la profesión en un merca-
do laboral que demanda y necesita de musicoterapeutas cualificados.
La primera convocatoria del sistema de acreditación español se realizó en el año
2012 y se otorgaron 27 acreditaciones como “Musicoterapeuta Profesional Acreditado en
España” (MTAE). En el año 2014, se abrió la segunda convocatoria y se otorgaron 17 nue-
vas acreditaciones de MTAE y la primera convocatoria de acreditaciones como “Supervisor
de Musicoterapia Acreditado en España” (SMTAE), se otorgaron seis acreditaciones como
supervisor. Actualmente el Registro Español de Musicoterapeutas Acreditados (REMTA)
cuenta con 41 Musicoterapeutas Profesionales Acreditados en España (MTAE) y seis Super-
visores de Musicoterapia Acreditados en España (SMTAE).
En los últimos años se han realizado varias investigaciones con el objetivo de es-
tudiar el estado de la profesión de musicoterapeuta en España, abordando algunos de ellos
temas relacionados con el perfil profesional del musicoterapeuta en España (MERCADAL-
BROTONS, 2011; ORTIZ & SABBATELLA, 2011; POCH, 2008A, 2008B; SABBATELLA,
2008; SABBATELLA & MERCADAL-BROTONS, 2014).
En el presente artículo se exponen resultados preliminares de un estudio cualitati-
vo orientado a describir el estado de la cuestión de la musicoterapia en España, y más con-
cretamente de la identidad profesional del musicoterapeuta (DEL MORAL, 2015).

3. Método

Se realizó un estudio exploratorio-descriptivo con enfoque cualitativo, basado en la


metodología investigación-acción, a través de grupos de discusión, para conocer la opinión
de los musicoterapeutas sobre la situación de la Musicoterapia en España.

12
MORAL, M. T.; MERCADAL-BROTONS, M.; SÁNCHEZ-PRADA, A.; SABBATELLA, P. L. La identidad del musicoterapeuta en España: un estudio cualitativo.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 9-21

3.1 Participantes

Participaron 103 musicoterapeutas y estudiantes de musicoterapia españoles o re-


sidentes en España en un total de 16 grupos de discusión. Se desarrolló un muestreo opi-
nático estableciendo tres categorías: a) musicoterapeutas expertos (titulados en musicotera-
pia con más de cinco años de experiencia profesional), b) musicoterapeutas profesionales
(titulados en musicoterapia con menos de cinco años de experiencia profesional) y c) estu-
diantes de musicoterapia. De los 16 grupos de discusión, cuatro grupos correspondieron a
la categoría de expertos, seis grupos de profesionales y seis grupos de estudiantes de musi-
coterapia.

3.2 Procedimiento

Los grupos de discusión se llevaron a cabo entre octubre de 2012 y diciembre de


2013. Los participantes, previamente al desarrollo de los mismos, firmaron un consenti-
miento informado dando su autorización para la utilización de los datos de los grupos de
discusión en la investigación y para ser grabados en vídeo, lo que facilitó el proceso de
transcripción y análisis de datos. Inicialmente las preguntas de investigación se enfocaban
exclusivamente en la investigación en musicoterapia. A partir del segundo grupo de discu-
sión se observaron dificultades por parte de los musicoterapeutas y estudiantes de musi-
coterapia para hablar de este tema, por lo que se modificaron los objetivos del estudio, así
como las preguntas para los grupos de discusión. Las preguntas definitivas fueron las si-
guientes:
¿Cuál es la situación actual de la Musicoterapia en España, especialmente en ma-
teria de investigación?
¿Cuáles son los posibles factores explicativos sobre la situación actual de la Musi-
coterapia en España, especialmente en materia de investigación?
¿Cuáles podrían ser las posibles estrategias o actuaciones para la mejora de la Mu-
sicoterapia en España, especialmente en materia de investigación?

A partir del análisis de los textos literales, siguiendo el procedimiento de la Groun-


ded Theory (GLASER & STRAUSS, 1967) y con ayuda del programa informático NVIVO 10,
se obtuvo una categorización de temas y contenidos. Once expertos interdisciplinares, in-
cluyendo expertos en musicoterapia, participaron en el proceso de revisión de la categori-
zación de temas y contenidos y se realizó una triangulación interjueces. Los porcentajes de
acuerdo respecto a cada tema oscilaron entre 90 - 100%.
En la categorización de temas y contenidos, los cuatro temas principales que sur-
gieron fueron: 1) teoría e investigación, 2) práctica clínica, 3) formación y 4) profesionali-
zación.
En este artículo se presentan los resultados del tema profesionalización, que se de-
fine como: el proceso por el cual la Musicoterapia pretende estructurarse formalmente co-
mo una profesión. El tema profesionalización consta de los siguientes contenidos: reconoci-
miento social, desarrollo normativo, organización profesional, perfil profesional del musi-
coterapeuta y perfil laboral del musicoterapeuta.
En este estudio, el “perfil profesional del musicoterapeuta” incluye los siguientes
atributos: rasgos, valores, actitudes, sentimientos, competencias, y roles del musicoterapeu-
ta, los cuales se presentan a continuación.

13
MORAL, M. T.; MERCADAL-BROTONS, M.; SÁNCHEZ-PRADA, A.; SABBATELLA, P. L. La identidad del musicoterapeuta en España: un estudio cualitativo.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 9-21

4. Resultados

En lo que respecta a los datos demográficos de los participantes, el 25% (26) fueron
expertos, el 34% (35) profesionales y el 41% (42) estudiantes de Musicoterapia. En lo que se
refiere al sexo, el 83% fueron mujeres (85) y el 17% fueron hombres (18). En cuanto a la edad,
la media fue de 36,12 años (SD = 10,99).
En el presente estudio, dentro del tema profesionalización, los participantes de los
grupos de discusión han hablado un 29,19% sobre la identidad y el perfil profesional del
musicoterapeuta en España.

4.1 Aspectos relacionados con la identidad del musicoterapeuta

En la Tabla 1 se presentan algunos ejemplos textuales sobre algunas de las actitu-


des del musicoterapeuta que se mencionaron en los grupos de discusión como parte de la
identidad del musicoterapeuta, y en la Tabla 2 sobre el atributo sentimientos.

Tabla 1: Temas y Comentarios Textuales sobre el Atributo Actitudes.


Atributo Actitudes
Temas Comentarios Textuales
Tener fe, “Tenemos que tener mucha fe en lo que estamos haciendo y estar seguros simplemente por todo lo que hemos hecho
seguridad, porque creo que hemos hecho un Máster muy... muy práctico y muy teórico... Muy completo. Así que hay que confiar”.
confianza (GD Estudiantes 2, Mujer, Adulto joven)
Convenci- “Y yo creo que pasa por el autoconvencimiento de los que estamos en esta tarea, porque tú vienes a la universidad apren-
miento del des, te enseñan una serie de técnicas, te explican cómo tenemos organizado el cerebro, pero luego tu práctica, yo creo
propio musi- que tiene que pasar por un convencimiento muy profundo de que eso funciona. Para mí eso también es una cosa impor-
coterapeuta tante. Tienes que hacer, tienes que notar que eso funciona. Si no lo notas, o no la ves bien, o que no sirves para eso, o
que estás en unas circunstancias muy difíciles, pero el convencimiento de que eso va a ser importante para la otra per-
sona que estás intentando ayudar es básico y fundamental. Si no te lo crees, eres un chico que toca la pandereta”. (GD
Estudiantes 4, Hombre, Adulto mayor)
Sentirnos “A mí lo de acompañados me suena fantástico. Haciendo un resumen, tenemos muchas dificultades institucionalmen-
acompañados, te, en formación... Pero eso es fundamental, contar con otros compañeros, compartir” (GD Expertos 2, Hombre, Adulto
compartir joven)
Profesiona- “La profesionalidad tiene que saltar la afinidad, e ir a la profesionalidad. Para mí es una barrera que también ponemos.
lidad Hay gente que hace la formación y es muy diferente”. (GD Expertos 2, Mujer, Adulto joven)
Ser críticos “Eso lo hacemos cuando terminamos la sesión, en la evaluación. Como profesionales debemos de ser muy críticos.
Y si algo funciona con todos, pero con uno no, pues es importante cambiar la metodología para adaptarlo a esa persona”
(GD Expertos 3, Mujer, Adulto mayor)
Responsabi- “(...) Pero, claro, porque somos profesionales y sabemos la responsabilidad que supone tratar con personas con autismo,
lidad con Alzheimer. Entonces, como somos responsables, nuestra obligación es formarnos (...)”. (GD Profesionales 2, Hom-
bre, Adulto joven)
“Existe una responsabilidad, pero parece que como musicoterapia no hace daño, puede entrar cualquiera”. (GD Expertos
2, Mujer, Adulto mayor)
Optimismo “Pues, que hay que tener optimismo, pero está muy difícil. Está muy difícil por la crisis económica. Está difícil porque
el investigador en Musicoterapia tiene que saber muchas cosas para poder llegar a empezar a ejercer esa función (...).”.
(GD Expertos 1, Hombre, Adulto mayor)
Solidaridad “Estamos en una asociación y funcionamos por solidaridad (...).”. (GD Expertos 2, Mujer, Adulto joven)
Egos y actitud “Yo creo que el que es artista tiene que trabajarse mucho los egos. Todos queremos ser escuchados y pocas veces es-
de escucha cuchamos al otro, aunque seamos profesionales de la escucha activa. Entre nosotros hay una especie de juego de egos
que evidentemente es un proceso madurativo, que se irá limando con el tiempo, porque creo que todos amamos nues-
tra profesión. Estar todos a una y que sea reconocida la Musicoterapia. Yo lo veo como un observador, y soy capaz de
moverme entre las dos corrientes y sin decantarme por ninguna” (GD Expertos 4, Hombre, Adulto joven).
Ser gregario “El ser gregario, sólo te identificas con los mismos y el otro es el enemigo”. (GD Expertos 4, Mujer, Adulto joven)
Paciencia “Claro, es que yo pienso que lo que falta aquí es un poco de paciencia... Paciencia por parte de todos y trabajo.” (GD Es-
tudiantes 3, Hombre, Adulto joven)

14
MORAL, M. T.; MERCADAL-BROTONS, M.; SÁNCHEZ-PRADA, A.; SABBATELLA, P. L. La identidad del musicoterapeuta en España: un estudio cualitativo.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 9-21

Atributo Actitudes
Temas Comentarios Textuales
Ilusión, ganas “Yo también lo que digo es que años atrás a lo mejor era más difícil el hecho de poder trabajar y de formarse en esta te-
rapia era complicado y ahora creo que las personas que estamos haciendo ahora la formación cómo nos encontramos en
la realidad esta de... o te espabilas y piensas en la mejor idea posible para poder empezar en cualquier proyecto... Así
está saliendo gente con muchas ganas.” (GD Estudiantes 3, Mujer, Adulto joven)

Tabla 2: Temas y Comentarios Textuales sobre el Atributo Sentimientos.


Atributo Sentimientos
Temas Comentarios Texturales
Amor “Yo creo que éste es un campo que realmente es un profesional. Es un profesional que tiene una formación adecuada.
Yo creo que es un profesional que puede aportar muchas cosas a los sitios y a las instituciones tanto a la manera de trabajar,
como en la manera de ver cómo es la profesión, que pasa como con otras muchas, que si no las haces con amor no se pueden
hacer”. (GD Profesionales 2, Mujer, Adulto joven)
“Bueno, es amor a tu profesión. Que eso cualquier profesional lo tiene que tener, porque si no amas tu profesión, qué profesio-
nal eres”. (GD Expertos 2, Mujer, Adulto mayor)
Miedo “(...) A veces lo que nos para es el miedo y cuando es algo no oficial te para mucho más, pero si tú te lo crees... Si haces buen
trabajo..., supongo que se verá, ¿no?” (GD Estudiantes 2, Mujer, Adulto joven)
Soledad “Yo me siento muy sola. Salvo cuando viene alguien de prácticas, pero es que también vienen... “yo es que me han dicho que
observe”. Como que te sientes muy solo en la profesión. ¿Lo estoy haciendo bien?” (GD Profesionales 3, Mujer, Adulto joven)

4.2 Aspectos relacionados con el perfil profesional

La Tabla 3 presenta los temas que surgen respecto al perfil profesional, acompaña-
do de comentarios textuales que los ilustran.

Tabla 3: Aspectos profesionales.


Atributo Aspectos Profesionales
Temas Comentarios Texturales
Formación de “Para poder hacer el Máster tienes que hacer primero una carrera... ¿qué carrera haces entonces? Qué te interesa más
máster sobre otro psicología o enfermería para entender más procedimientos de la biología humana o educación... o ¿qué? ¿No?” (GD
perfil profesional Estudiantes 3, Mujer, Adulto joven)
Diferentes para- “Sí, tal como la veo yo. Es Musicoterapia, pero más como terapia psicológica, pero luego vas a trabajar el cuerpo, pero
digmas y perfiles luego... Hay luego la musicoterapia que es más educativa, más psicológica,... pero ahí hay diferentes tipos de perfiles
profesionales profesionales. Se amplía tanto que...” (GD Profesionales 4, Mujer, Adulto joven)
Falta de forma- “Cuando no hay gente bien formada y que habla de la musicoterapia, si no lo hacen bien, dicen estos son unos canta-
ción mañanas... Es contraproducente que haya malos profesionales”. (GD Profesionales 4, Mujer, Adulto joven)
Léxico adecuado “Sí, te entiendo lo que quieres decir. Cuando hablamos tenemos que tener mucho cuidado nosotros mismos, a la ho-
ra de cómo utilizamos el léxico. Cómo utilizamos diferentes palabras para los demás.” (GD Profesionales 3, Mujer,
Adulto joven)
Existencia de di- “Pero hay muchos intereses personales y profesionales tanto en la universidad como en los centros no universitarios.
ferentes intereses Yo no tengo pelos en la lengua para decirlo. Es así”. (GD Profesionales 4, Mujer, Adulto joven)
“Es que eso ya desde el principio está mal y eso permite que venga lo que sigue. Y porque ha de ser un error de parti-
da de los propios musicoterapeutas que quieren esa profesión en España se supone, pero al final no que quieren eso,
es un negocio”. (GD Profesionales 2, Mujer, Adulto mayor).
Importancia del “Toda esa información la trasladas al equipo. Y eso nos diferencia. La diferencia es transmitir esa información. Si yo
trabajo interdisci- soy un profesional, esa información no me la quedo para mí, la trasladas para que esa información pueda enriquecer.
plinar Hay que defender ese espacio. Porque en los centros tienen la idea de que van a tocar música, pero a partir de que
se crea una necesidad, y demuestras que haces un seguimiento, que tienes unas líneas base, y en esa información,
aunque descriptiva y cualitativa, va más allá de la musicoterapia y ese es el valor importante que tenemos que dar”.
(GD Expertos 3, Mujer, Adulto mayor).

15
MORAL, M. T.; MERCADAL-BROTONS, M.; SÁNCHEZ-PRADA, A.; SABBATELLA, P. L. La identidad del musicoterapeuta en España: un estudio cualitativo.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 9-21

5. Discusión

Un aspecto importante en relación con la profesionalización de la musicoterapia


en España, es definir la identidad y el perfil profesional del musicoterapeuta. En este senti-
do, en los últimos años varios musicoterapeutas han llevado a cabo estudios sobre este te-
ma (DEL MORAL, SABBATELLA, MERCADAL-BROTONS, 2015; ORTIZ & SABBATELLA,
2011; SABBATELLA & MERCADAL-BROTONS, 2014). El análisis de contenido de los gru-
pos de discusión de este estudio, pone de manifiesto la diversidad de ideas y conceptos que
los musicoterapeutas tienen acerca de qué significa ser musicoterapeuta.
Respecto a las actitudes del musicoterapeuta, se comentó que ha de tener seguri-
dad, confianza en sí mismos como profesionales y convencimiento en la efectividad de la
musicoterapia. Desea sentirse acompañado, ser solidario y compartir con otros musicote-
rapeutas. Necesita ser buen profesional, crítico, responsable, guiarse con ética, cuidar el
lenguaje y tener optimismo. Siendo estos últimos valores similares a los propuestos por
Mateos-Hernández (2011) como señas de identidad del musicoterapeuta.
Además, se señalaron otras actitudes que pueden manifestar o a veces manifiestan
los musicoterapeutas: egocéntricos, narcisistas, gregarios, individualistas, falta de pacien-
cia, etc. Varias de estas actitudes se mencionaron en relación a las dificultades internas o
“envidias históricas” (como las denominó un participante de uno de los grupos de discu-
sión) que han surgido en el desarrollo profesional de la musicoterapia en España. En este
sentido, Aquín (2003, p. 101), refiriéndose a la profesión de trabajador social, pero que es
igualmente aplicable a la profesión de musicoterapeuta, señala como hipótesis que “el gra-
do y nivel de preocupación por nuestra identidad es inversamente proporcional al grado de
reconocimiento social alcanzado por la disciplina” y explica que se podría comparar lo que
sucede con la profesión con respecto a lo que sucede con los seres humanos: “la identidad
cultural, étnica, sexual, etc., es preocupación de los grupos más vulnerados y vulnerables,
porque es vivida como una experiencia traumática y como una herida narcisística, es decir,
una herida de autovaloración”.
En lo que se refiere a los sentimientos, el musicoterapeuta siente ilusión y ganas de
ayudar a otros con la musicoterapia, pero a la vez siente miedo cuando finaliza la forma-
ción inicial como musicoterapeuta y se enfrenta al mundo laboral. Una vez están trabajan-
do algunos sienten soledad, pero también se comenta que el musicoterapeuta siente mucho
amor por su profesión.
Según AIGEN (2014), la identidad del musicoterapeuta mantiene una estrecha rela-
ción con la identidad de la musicoterapia como profesión. En ese sentido, la manera en que
el musicoterapeuta entiende la musicoterapia y la desarrolla repercute en su identidad co-
mo musicoterapeuta.
En España, la heterogeneidad de enfoques en las formaciones de musicoterapia,
así como el perfil profesional previo que posibilita el acceso a esta formación (Grado/Li-
cenciatura en Psicología, Psicopedagogía, Pedagogía, Medicina, Formación Superior en
Música, Grado/Diplomatura en Enfermería, Magisterio, Terapia Ocupacional, etc.), influ-
yen en la construcción de su identidad profesional. Según DEL MORAL, MERCADAL-
BROTONS Y SABBATELLA (2015), el perfil del musicoterapeuta generalmente está basa-
do en otro perfil profesional, situación que incide en la conformación de la identidad del
musicoterapeuta.
La formación del musicoterapeuta en este país se desarrolla exclusivamente a nivel
de posgrado (generalmente Máster), lo que implica que el estudiante de musicoterapia acce-
da con unos conocimientos previos de su propia profesión inicial que matizan la visión que

16
MORAL, M. T.; MERCADAL-BROTONS, M.; SÁNCHEZ-PRADA, A.; SABBATELLA, P. L. La identidad del musicoterapeuta en España: un estudio cualitativo.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 9-21

pueda construirse de la musicoterapia como disciplina y profesión autónoma. Es posible


que, por este motivo, existan dificultades a la hora de implementar la figura del musicote-
rapeuta en las instituciones, y que los musicoterapeutas sean contratados con otra categoría
profesional (maestro, psicólogo, etc.) en lugar de ser contratados con la categoría profesional
de musicoterapeuta. Es posible que la creación de un Grado en Musicoterapia facilitase la
inserción profesional y laboral.
Otro aspecto relevante dentro de la identidad y del perfil profesional del musicote-
rapeuta, hace referencia a las competencias y funciones del musicoterapeuta. Así, tal como
se apuntó en un grupo de discusión de expertos, puede ser que el rol esté puesto en la em-
patía y en convencer, pero existen carencias en otros aspectos:

Porque la realidad de lo que conocemos, hablando con distintas gentes, es que no se


evalúan las sesiones en muchísimos casos. Eso denota que a lo mejor dentro del rol
de musicoterapeuta está puesto el énfasis en la empatía, que es genial, es fundamen-
tal y clave, está muy puesto en la difusión, y luego en convencer a la gente, la parte
más superficial. De toda esa capacidad de convencer desde la base, hay quien empie-
za la casa por el tejado. Sí que debemos insistir mucho en investigación-acción y todo
el procedimiento, el protocolo de musicoterapeuta incluye eso y obtienes unos datos
siempre. Al menos la experiencia que nosotros hemos tenido es que en las institucio-
nes a veces se sorprenden, cuando entra un musicoterapeuta a una institución, les
llama la atención que evaluemos tanto, y a lo mejor no es tanto, peor se evalúan todas
las sesiones y en otros casos se percibe al maestro, pero el hecho de tener un protoco-
lo aumenta la credibilidad social y profesional de la musicoterapia y la propia disci-
plina va entrando en evaluar por lo menos y ya a partir de ahí se va a entrando en la
investigación. (GD Expertos 1, Hombre, Adulto mayor)

Una de las funciones del musicoterapeuta que se señaló como importante por los
grupos de musicoterapeutas expertos se refiere a trasladar la información sobre lo observa-
do en las sesiones a otros profesionales, así como se consideró muy relevante la integración
del musicoterapeuta dentro del equipo interdisciplinar.
Por otra parte, es necesario que el musicoterapeuta reciba una formación adecuada
y de calidad, que realice un buen trabajo y sea capaz de transmitirlo a la comunidad profe-
sional y que se anteponga la ética a los intereses personales y profesionales individuales de
cada musicoterapeuta.
Por otra parte, Aigen (2014) también señala que la manera que los clientes se perci-
ben a sí mismos está influenciada por los pensamientos, acciones y valores de los terapeutas
que trabajan con él. En futuros estudios sería interesante estudiar este aspecto, así como la
relación entre el enfoque de musicoterapia, incluyendo la percepción del musicoterapeuta
sobre la música y el cliente en la terapia, y su repercusión en la formación de la identidad
del musicoterapeuta.
Una de las principales limitaciones de este estudio se refiere a que los resultados
obtenidos han de considerarse como exploratorios. Se requiere en futuros estudios profun-
dizar en el estudio tanto de las actitudes y sentimientos, como de otros aspectos relaciona-
dos con la identidad y el perfil profesional del musicoterapeuta con una muestra represen-
tativa de los musicoterapeutas españoles o residentes en España. La identidad del musicote-
rapeuta es un constructo en constante definición y desarrollo, tanto en España como en el
resto del mundo. Al igual que en otras profesiones, esta identidad se irá consolidando con
mayor profundidad a medida que se observe un avance de la Musicoterapia como disciplina
científica y se potencie la inserción profesional, así como su reconocimiento. En la mayoría
de los participantes de los grupos de discusión se pudo observar un profundo deseo de que

17
MORAL, M. T.; MERCADAL-BROTONS, M.; SÁNCHEZ-PRADA, A.; SABBATELLA, P. L. La identidad del musicoterapeuta en España: un estudio cualitativo.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 9-21

la musicoterapia se consolide y de superar las barreras individuales para avanzar como co-
lectivo. Como decía una musicoterapeuta participante en el estudio: “La Musicoterapia es
una disciplina estupenda. Si vuelvo a nacer, vuelvo a ser musicoterapeuta”. (GD Expertos 4,
Mujer, Adulto joven).

Conclusiones

La identidad y legitimidad del rol de musicoterapeuta está cada vez siendo más es-
tudiada a nivel internacional y nacional.
En España se está trabajando para llevar a cabo el modelo de organización de la
profesión siguiendo los lineamientos de la EMTC y WFMT, situación que lleva a reflexio-
nar sobre la identidad y el perfil profesional del musicoterapeuta. En los últimos años se
han realizado avances en el desarrollo normativo de la musicoterapia (Código Ético para los
Musicoterapeutas Españoles, Registro Español de Musicoterapeutas Acreditados, Recomen-
daciones orientativas para valorar la calidad de los posgrados universitarios en Musicote-
rapia en España) y se ha puesto en marcha el sistema de acreditación de musicoterapeutas
(REMTA). Estos documentos han ayudado a consolidar el desarrollo normativo de la profe-
sión y potenciar el perfil profesional y la identidad del musicoterapeuta en España. Es evi-
dente que el perfil profesional está en construcción y ha evolucionado bastante en los últi-
mos años, especialmente desde el inicio de la organización continuada de Congresos Nacio-
nales de Musicoterapia en el año 2006.
La identidad y el perfil profesional van evolucionando en paralelo al desarrollo nor-
mativo y ético de la profesión, que en consonancia con su inserción social y laboral, confor-
man los pilares sobre los cuales sentar las bases de la regulación profesional de los musico-
terapeutas en España. A partir de los resultados de este estudio y de los estudios anteriores
revisados en este artículo se observa que el perfil profesional y la identidad del musicotera-
peuta en España se han ido definiendo cada vez más. Sin embargo, los autores concuerdan
en que son necesarios más estudios para conocer en profundidad este tema, así como para
diseñar estrategias en pro de un desarrollo profesional de la Musicoterapia en España. Tal y
como se comentó en un grupo de discusión de expertos, aún falta mucho por conocer sobre
la identidad y el perfil del musicoterapeuta en España:

(...) Tendríamos que plantearnos en lo que es la evolución de la musicoterapia en


España, con la cual estos últimos 20 años, cómo ha cambiado el perfil de los que son
profesionales, es decir, de los estudiantes que nosotros formamos y después salen
al mercado laboral, y recién ahora algunos se están estabilizando a la hora de tra-
bajar, de empezar a difundir una profesión que en el mercado laboral está inserta-
da un poco, en función de los resultados de la investigación que se ha realizado (...)
(GD Expertos 1, Mujer, Adulto mayor)

Agradecimientos

A todos los musicoterapeutas participantes de los grupos de discusión su disponi-


bilidad y participación. Sin ellos, este estudio no habría sido posible.

18
MORAL, M. T.; MERCADAL-BROTONS, M.; SÁNCHEZ-PRADA, A.; SABBATELLA, P. L. La identidad del musicoterapeuta en España: un estudio cualitativo.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 9-21

Referencias

AIGEN, Kenneth. S. The study of Music Therapy: Current issues and concepts. New York: Rout-
ledge, 2014.

AMERICAN MUSIC THERAPY ASSOCIATION (AMTA). Code of ethics, 2014. Available in:
<http://emtc-eu.com/ethical-code/>. Access in: 23 August 2015.

AMERICAN MUSIC THERAPY ASSOCIATION (AMTA). Definition of Music Therapy and Mu-
sic Therapist. Scope of Music Therapy Practice, 2015. Available in: <http://www.musictherapy.
org/about/scope_of_music_therapy_practice/>. Access in: 22 August 2015.

AQUÍN, Nora. El trabajo social y la identidad profesional. Revista Prospectiva, v.8, p. 100-110,
2003.

ASOCIACIÓN ESPAÑOLA DE MUSICOTERAPEUTAS PROFESIONALES (AEMP). Documen-


to Técnico Recomendaciones orientativas para valorar la calidad de un postgrado universita-
rio de musicoterapia en España, 2008. Disponible en: <http://media.wix.com/ugd/643546_
c042420329814b7c817eeff67a103769.pdf>. Acceso en: 18 Agosto 2015.

ASOCIACIÓN ESPAÑOLA DE MUSICOTERAPEUTAS Profesionales (AEMP). Código Ético pa-


ra los Musicoterapeutas Profesionales en España, 2011. Disponible en: <http://media.wix.com/
ugd/643546_0884a74137164614b3459437ef0a301d.pdf. Acceso 18 Agosto 2015.

ASOCIACIONES ESPAÑOLAS DE MUSICOTERAPIA AFILIADAS A LA EMTC (AEMTA-


EMTC). Código Ético de la Musicoterapia en España. Sintoní@ Digital. Boletín-Revista de Musi-
coterapia, 52, p. 5-9, 2014.

BATES, Debbie. Ethics in Music Therapy. In: Wheeler, Barbara (Ed.), Music Therapy Handbook.
New York: Guildford Press, 2015, p. 64-75.

BRUSCIA, Kenneth. Defining Music Therapy. Gilsum NH: Barcelona Publishers, 1989.300p.

CANADIAN ASSOCIATION FOR MUSIC THERAPY (CAMT). Code of Ethics, 2002. Available
in: <http://www.musictherapy.ca/documents/official/codeofethics99.pdf>. Access in: 24 Au-
gust 2015.

DEL MORAL, María T.; MERCADAL-BROTONS, Melissa; SÁNCHEZ-PRADA, Andrés. Music


Therapy Research in Spain: A Descriptive Study. In: FACHNER, Jörg; KERN, Petra; TUCEK,
Gerhard (Eds.). Proceedings Of The 14 World Congress Of Music Therapy. Special Issue of the
Music Therapy Today, v.10, n.1, p. 342-343, 2014.

DEL MORAL, María T. Identidad del musicoterapeuta en España. Comunicación (Mesa Redon-
da) presentada en el V CONGRESO NACIONAL DE MUSICOTERAPIA, Barcelona, 2014.

DEL MORAL, Maria, T.; MERCADAL-BROTONS, Melissa; SABBATELLA, Patricia. Un Estu-


dio Descriptivo sobre el Perfil del Musicoterapeuta en España. Música, Terapia y Comunicación,
v.35, p. 15-29, 2015.

DILEO, Cheryl. Ethical thinking in music therapy. Cherry Hill, NJ: Jeffrey Books, 2000. 324p.

EPSTEIN, Arnold. L. Ethos and Identity: three studies in ethnicity. London: Tavistock, 1978. 177p.

EUROPEAN MUSIC THERAPY CONFEDERATION (EMTC). Ethical Code, 2005. Available in:
<http://emtc-eu.com/ethical-code/>. Access in: 23 August 2015.

FORINASH, Michele. On identity. Voices: A World Forum for Music Therapy, 2009. Available in:
<http://www.voices.no/columnist/colforinash290609.php>. Access in: 21 August 2015.

19
MORAL, M. T.; MERCADAL-BROTONS, M.; SÁNCHEZ-PRADA, A.; SABBATELLA, P. L. La identidad del musicoterapeuta en España: un estudio cualitativo.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 9-21

GLASER, Barney G.; STRAUSS, Anselm. L. Discovery of grounded theory: Strategies for Quali-
tative Research. Chicago: Aldine, 1967. 271p.

GRBICH, Carol. Qualitative Research in Health. An introduction. London: Sage Publications,


1999. 312p

IGARI, Yuji. Music Therapy is Changing and so am I: Reconstructing the Identity of a Music
Therapist. Voices: A World Forum for Music Therapy, 2004. Available in: <http://www.voices.no/
mainissues/mi40004000158.html>. Access in: 21 August 2015.

LEE, Colin. A. Reflections on Being a Music Therapist and a Gay Man. Voices: A World Forum
for Music Therapy, 2008. Available in: <http://www.voicesno/mainissues/mi40008000278.php>.
Access in: 21 August 2015.

MATEOS-HERNÁNDEZ, Luis A. Fundamentos en Musicoterapia. En: Mateos-Hernández, Luis


A. (Coord.), Terapias Artístico Creativas. Salamanca: Amarú, 2011. p. 105-144.

MERCADAL-BROTONS, Melissa; SABBATELLA, Patricia L.; DEL MORAL MARCOS, Maria T.


Music therapy as a profession in Spain: Past, present and future. Approaches: Music Therapy &
Special Music Education, First View (Advance online publication), 2015.

O’CALLAGHAN, Clare. Grounded Theory in Music Therapy Research. Journal of Music Thera-
py, v.49, n.3, p. 236-277, 2012. doi:10.1093/jmt/49.3.236.

OOSTHUIZEN, Helen B. Some Thoughts on Being a White Music Therapist. Voices: A World
Forum for Music Therapy, 2009. Available in: <http://www.voices.no/columnist/coloosthui-
zen021109.php>. Access in: 21 August 2015.

ORTIZ, Francisco. P.; SABBATELLA, Patricia L. (2011). Perfil profesional del Musicoterapia en
España: Resultados de investigación. En: SABBATELLA, Patricia (coord). IDENTIDAD Y DESA-
RROLLO PROFESIONAL DEL MUSICOTERAPEUTA EN ESPAÑA. ACTAS DEL III CONGRE-
SO NACIONAL DE MUSICOTERAPIA, 2010. Granada: Grupo Editorial Universitario, 2011.
p. 49-54.

REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Diccionario de la Lengua Española (23. ed.). Barcelona: Espa-
sa, 2014. 2312p.

RICKSON, Daphne. More Thoughts about Identity. Voices Resources, 2010. Available in: <https://
voices.no/community/?q=colrickson080210>. Access in: 21 August 2015.

SABBATELLA, Patricia L. Registro Español de Musicoterapeutas (REMTA): Adaptación del Re-


gistro Europeo de Musicoterapeutas (EMTR). En: Sabbatella, Patricia (Coord.), IDENTIDAD Y
DESARROLLO PROFESIONAL DEL MUSICOTERAPEUTA EN ESPAÑA. ACTAS DEL III CON-
GRESO NACIONAL DE MUSICOTERAPIA, 2010, Granada: Grupo Editorial Universitario,
2011. p. 27-37.

SABBATELLA, Patricia L.; MERCADAL-BROTONS, Melissa. Perfil profesional y laboral de


los musicoterapeutas españoles: Un estudio descriptivo. Revista Brasileira de Musicoterapia,
v.17, p. 6-16, 2014.

SCHAPIRA, Diego. Sounds of identity. Voices: A World Forum for Music Therapy, 2005. Availa-
ble in: <http://www.voices.no/columnist/colschapira211105.html>. Access in: 21 August 2015.

WORLD FEDERATION OF MUSIC THERAPY (WFMT). Guidelines for Creating Music The-
rapy Codes of Ethics, 2010a. Available in: <http://www.wfmt.info/newsite/wp-content/uploads
/2014/05/Guidelines-for-Creating-Music-Therapy-Codes-of-Ethics1.pdf>. Access in: 23 August
2015.

20
MORAL, M. T.; MERCADAL-BROTONS, M.; SÁNCHEZ-PRADA, A.; SABBATELLA, P. L. La identidad del musicoterapeuta en España: un estudio cualitativo.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 9-21

WORLD FEDERATION OF MUSIC THERAPY (WFMT). Introduction to Ethical Practice,


2010b. Available in: <http://www.wfmt.info/newsite/wp-content/uploads/2014/05/Introduction-
to-Ethical-Practice_1.pdf>. Access in: 23 August 2015.

WORLD FEDERATION OF MUSIC THERAPY (WFMT). Ethics and Informed Consent Reque-
ri-ment for Publication of Music Therapy Research, 2013. Available in: <http://www.wfmt.in-
fo/newsite/wp-content/uploads/2014/05/Ethics-Informed-Consent-Journals-REVISED-4-14-131.
pdf>. Access in: 23 August 2015.

María Teresa del Moral - SMTAE. Profesora y miembro del Equipo de Coordinación del Máster en Musicoterapia
de la Universidad Pontificia de Salamanca. Vice-Secretaria de la Asociación Española de Musicoterapeutas Profe-
sionales (AEMP).

Melissa Mercadal-Brotons - PhD, MT-BC, SMTAE. Psicóloga y Musicoterapeuta. Directora del Máster de Musico-
terapia (ESMUC) y Coordinadora de Másters e Investigación (ESMUC). Ha publicado extensivamente a nivel na-
cional e internacional trabajos de investigación en el campo de la geriatría y demencias. Es miembro del grupo de
Investigación “Música y Creación” (ESMUC). Delegada Española de la EMTC y Chair del Comité de Publicaciones
de la WFMT.

Andrés Sánchez Prada - Doctor en Psicología. Profesor Encargado de Cátedra de la Universidad Pontificia de Sa-
lamanca.

Patricia L. Sabbatella - PhD, EMTR-Supervisor, SMTAE. Profesora Titular Universidad de Cádiz (España). Grupo
de Investigación HUM-794: Plan Andaluz de Investigación, Desarrollo e Innovación. Experiencia profesional y de
investigación en las áreas Educativa y Clínica con especial interés en la evaluación musicoterapéutica. Participa
activamente en la WFMT, EMTC y Asociación Española de Musicoterapeutas Profesionales (AEMP). Email: labora-
torio.musicoterapia@uca.es - ORCID record, https://orcid.org/0000-0002-2002-1234.

21
CLEMENTS-CORTES, A. Soothing relaxation journeys: designing evidence based music and imagery opportunities.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 22-32

Soothing relaxation journeys:


designing evidence based music and imagery opportunities

Amy Clements-Cortes (University of Toronto, Toronto, Canadá)


notesbyamy2@yahoo.ca

Abstract: This paper provides information on the creation of an original collection of music and imagery journeys
based on the literature in oncology and palliative care. Background evidence is shared about music and relaxation,
music relaxation in medical settings, and music and relaxation in oncology/hospice treatment. The development of
the resource is illuminated with respect to principles that guided the design. The Journeys collection is a tool that can
be used independently by persons experiencing a variety of issues including: anxiety, pain, stress, low self-esteem,
and low mood, etcetera; as well as with groups when implemented by a healthcare professional. While the Journeys
collection has been primarily developed for those receiving cancer care and palliative care, it has applications in a
variety of settings for others in home, hospital, hospice, long-term care facilities and community centres; as well as
for persons new to guided imagery and music.
Keywords: Relaxation; Imagery; Guided imagery and music; Pain, Palliative care; Oncology.

Revigorando jornadas relaxantes: desenvolvendo oportunidades de música e imagem baseadas em evidências


Resumo: Esse artigo traz informações sobre a criação de uma coletânea original de jornadas de música e imagem a
partir da literatura em oncologia e cuidados paliativos. São compartilhadas evidências anteriores sobre música e re-
laxamento, relaxamento musical em contextos de saúde, e música e relaxamento em tratamento oncológico / paliati-
vo. O desenvolvimento desse recurso é elucidado de acordo com princípios que orientaram o design. A coletânea Jor-
nadas é uma ferramenta que pode ser utilizada de maneira independente por pessoas que vivenciam uma variedade
de questões, incluindo: ansiedade, dor, estresse, baixa autoestima e humor deprimido, etc., assim como com grupos
conduzidos por um profissional de saúde. Embora a coletânea Jornadas tenha sido primeiramente desenvolvida para
aqueles que fazem tratamento de câncer e de cuidados paliativos, ela tem aplicações em uma variedade de contextos
para pessoas em domicílios, hospitais, cuidados paliativos, instituições de longa permanência e centros comunitá-
rios, assim como para iniciantes em imagens guiadas e música.
Palavras-chave: Relaxamento; Imagens; Imagens guiadas e música; Dor; Cuidados paliativos; Oncologia.

Revigorando jornadas relajantes: construyendo oportunidades de música e imagen basadas en evidencias


Resumen: En este artículo se proporciona informaciones acerca de la creación de una colección original de jornadas
de música e imagen a partir de la literatura en oncología y cuidados paliativos. Són compartidas evidencias anterio-
res acerca de la música y la relajación, relajación musical en contextos de salud, música y relajación en tratamiento
oncologico/paliativo. El desarrollo de esta función se aclara conforme a los principios que han guiado el diseño. La
colección de las jornadas es una herramienta que se puede utilizar de forma independiente por las personas que ex-
perimentan una variedad de temas, incluyendo: la ansiedad, el dolor, el estrés, la baja autoestima y depresión, etc.,
así como con grupos dirigidos por un profesional de la salud. Aunque la colección de las jornadas se ha desarrollado
principalmente para aquellos que están pasando por el tratamiento del cáncer y de los cuidados paliativos, ella tie-
ne aplicaciones en una variedad de contextos para las personas en domicilios, hospitales, cuidados paliativos, ins-
tituiciones de atención a largo plazo y en los centros comunitarios, así como para principiantes en imágenes y mú-
sica guiadas.
Palabras clave: Relajación; Imágenes; Imágenes guiadas y música; Dolor; Cuidados paliativos; Oncología.

Introduction

“Soothing Relaxation Journeys”1 is a specifically designed relaxation and imagery


music collection created to facilitate relaxation experiences, reduce anxiety and pain per-
ception, improve mood and enhance comfort during treatments in oncology and palliative
care. It is also developed as a tool for those new to the Guided Imagery and Music (GIM)
process and imaging to music. There is a substantial body of research in the areas of mu-
sic and relaxation, and music and relaxation in medical settings, and that research has in-
formed the development of the Journeys collection. There are numerous relaxation and im-

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 01/09/2015 - Aprovado em: 01/10/2015

22
CLEMENTS-CORTES, A. Soothing relaxation journeys: designing evidence based music and imagery opportunities.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 22-32

agery recordings on the market but few have been developed upon evidence-based princi-
ples, thus there was a need to create such a resource.

1. Background literature

1.1 Music and relaxation

Studies that focus on music and relaxation highlight the biological and neurolog-
ical effects that music has on the body and the brain. Fried (1990) discussed decreasing
heart and respiratory rates initiated by changes in the autonomic nervous system activity
when relaxing music is played; and changes that occurred in paradoxical arousal patterns
that were contrary to those in cognitive function and anxiety, which is a positive result
showing how music was used to create physical relaxation symptoms that are opposite of
physical symptoms experiences during anxiety.
Significant decreases in state anxiety were found in college students when listen-
ing to preferred, relaxing music (DAVIS & THAUT, 1989). In a broader study, Robb (2000)
found music relaxation and progressive muscle relaxation were the most effective in elic-
iting changes in anxiety and perceived relaxation when listening to music and participat-
ing in various relaxation techniques, but that state and trait anxiety did not differ among
treatments. A meta-analysis of 22 studies focusing on using music to decrease physiolog-
ical arousal due to stress found that music and music-assisted relaxation significantly
decreased arousal due to stress, and the amount of stress that was reduced was depen-
dent on the client’s age, type of stress, musical preferences, and the type of music utilized
(PELLETIER, 2004).

1.2 Music and relaxation in medical settings: surgery and treatment

There are multiple studies on music used in medical settings to alleviate pain or
improve treatment procedures. Below a few examples are shared.

Surgery
Research with music and relaxation in post-operative pain shows that relaxation
and music were effective in reducing affective and observed pain in the majority of stud-
ies, and that music and relaxation treatments were effective for pain across ambulation
over several days (GOOD, et al., 2001). Studies in gynecologic surgery show that pain was
significantly reduced when music was used post-surgery, and music and relaxation helped
relieve anxiety and lower pain scores (GOOD, CRANSTON, STANTON-HICKS, GRASS, &
MAKII, 2002; DAVIS, 1992). For burn victims, music has been used to decrease pain and
initiate relaxation before and after surgery resulting in decreases in state trait anxiety and
assisting in pain and anxiety management after surgery or treatment (ROBB, et al., 1995;
PRENSNER, YOWLER, SMITH, STEELE, & FRATIANNE, 2001). When relaxation and mu-
sic was used with postoperative pain after major abdominal surgery, results showed that
the relaxation and music groups scored significantly less on all pain, sensation, and dis-
tress tests, except after ambulation (GOOD, et al., 1999).

23
CLEMENTS-CORTES, A. Soothing relaxation journeys: designing evidence based music and imagery opportunities.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 22-32

Medical Treatments
Research in music and relaxation in pediatric care shows that when undergoing
bone marrow aspirations, pediatric patients showed a significant reduction in anticipa-
tory fear, experienced fear, and experienced pain when participating in music-assisted
relaxation during the procedure (PFAFF, SMITH & GOWAN, 1989). A study by Wolfe,
O’Connell & Waldon (2002) focused on determining the kinds of musical selections/CDs
that could be used in a music listening/relaxation program for parents of children in a pe-
diatrics hospital.
Research on specific procedures established that music and relaxation during la-
bour helped relieve pain during contractions (HANSER, LARSON, & O’CONNELL, 1983).
In a study with patients diagnosed with presumptive acute myocardial infarction in a coro-
nary care unit, the group who received music and relaxation had a lower incidence of car-
diac complications, and that physical relaxation such as lowered heart rates and raising
peripheral temperature was also achieved (GUZZETTA, 1989). Chlan (1998) found that pa-
tients who received music and relaxation reported significantly less anxiety than those sub-
jects in the control group, and heart rate and respiratory rate decreased over time for those
subjects in the music group as compared with the control group subjects with patients re-
ceiving ventilator assistance. Patients undergoing MRI treatments who received live music
therapy had significantly better perception of the MRI procedure and asked for less breaks
during the scan. It also took subjects receiving the live music protocol less time to complete
the scans (WALWORTH, 2010).

1.3 Music and relaxation in Oncology/Hospice treatment

The literature on the use of music therapy in the treatment of patients diagnosed
with cancer or long-term illnesses in medical settings is rich. Krout (2001) found that sin-
gle-session music therapy interventions were effective in increasing participant perceived
pain control, physical comfort, and relaxation in hospice patients. Similarly, Curtis (1986)
found that patients with terminal malignant diseases who received music therapy had an
increase in contentment; Burns, et al. (2001) found: increased well-being and relaxation and
less tension during music listening experiences; and increased well-being and energy with
reduced tension during music improvisation with adult cancer patients; and, live and re-
corded music listening resulted in statistically significant reductions in pain perception in
palliative care patients (CLEMENTS-CORTES, 2011). In a study with patients in palliative
care, music creativity and music therapy significantly alleviated pain (O’CALLAGHAN,
1996). When the Bonny Method of Guided Imagery and Music (BMGIM) was used to im-
prove the mood and quality of life in cancer patients, the study found that patients who
participated in BMGIM sessions scored better on mood scores and quality of life scores,
and that mood and quality of life continued to improve in the experimental group even af-
ter sessions were complete. Sabo & Michael (1996) found that when a personal message was
played with music during chemotherapy treatments, state anxiety significantly decreased
from pre-test to post-test with cancer patients.
This literature provided a rationale and the support to create an original Journeys
collection of music and imagery experiences.

24
CLEMENTS-CORTES, A. Soothing relaxation journeys: designing evidence based music and imagery opportunities.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 22-32

2. Creating an evidence-based music journey collection

2.1 Journeys’ collection inspiration

Jung’s (1983), “Integration, Wholeness and the Self”, speaks of learning to integrate
all aspects of one’s life for balance and wellness. This reading was inspiration in the de-
velopment of Soothing Relaxation Journeys. The Journeys were created by the author for
her clients to use independently in order to help them achieve a sense of wholeness and
wellness. Learning to quiet the mind, and to relax are essential to one experiencing op-
portunities for repose, reflection and integration of the self. In BMGIM sessions clients are
guided to a deep inner space in order to work on unconscious issues that are prominent
in their lives, but that clients may or may not be aware of readily. This Journeys collec-
tion can be used by clients as a way to learn to relax, trust oneself and prepare for poten-
tial BMGIM sessions.
Lewis (1998/1999) speaks of the importance of the BMGIM in guiding the therapeu-
tic process for clients towards transpersonal experiences by:
1. Quieting the mind, therefore allowing a more expanded state of consciousness,
2. Loosening attachments to thoughts, emotions and beliefs,
3. Facilitating growth and development, and
4. Allowing clients to be connected with God or spirituality and nature.

In order to do this a client must be in a frame of mind and a space that will allow
and permit this accomplishment. Being able to relax and trust the experiences of GIM are
key to achieving success. Soothing Relaxation Journeys may help clients learn about trust-
ing the relaxation and induction process while also engaging in the potential of imagery.
The scripts and music in the collection have been developed to provide prepared journeys
where clients can learn: how they image, to be open to the imaging process, and how they
can trust and work with a GIM guide in future BMGIM sessions.
Bonny (2001) inspired the development of the original music in this collection.
She states that in GIM the music she selected for the programs was done purposefully; the
musicians must be stellar and the musical structure is an integral part of the GIM experi-
ence. As a researcher the author became excited by the opportunities to design studies that
look at what brain waves and/or parts of the brain are engaged when listening to the dif-
ferent programs. Soothing Relaxation Journeys was developed to target a resting brain wave
and for the client to be entrained to that external pulse in order to open their mind to im-
aging in a semi-relaxed state. The author developed the music with much consideration of
the images she was trying to invoke via the scripts. Together the author worked in collabo-
ration with the pianist to create original music of the highest quality in order to elicit the
described images. With respect to the balance between voice and piano, the pair worked
with the sound engineer to provide the voice in the forefront and the music to serve as the
true accompaniment to the guided scripts.

3. The evidence

The discussion below provides insight into the choices and rationale for the script
and music preparation in the Journeys collection.

25
CLEMENTS-CORTES, A. Soothing relaxation journeys: designing evidence based music and imagery opportunities.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 22-32

3.1 Music for relaxation

Indications, Goals
If a client discusses experiences of anxiety, pain, difficulty sleeping or tension, mu-
sic for relaxation is indicated (BAILEY, 1986). A number of goals are aligned with music
for relaxation for persons receiving palliative care. These include: enhancing physical com-
fort; decreasing anxiety, agitation and/or restlessness, and shortness of breath; and facilitat-
ing muscle relaxation (GALLAGHER, et al., 2006). According to Grocke and Wigram (2007)
music and relaxation may also be effectively used to: reduce tension and stress as well as
anxiety prior to medical procedures, lessen pain and its intensity, and regulate breath-
ing. Journeys was created to provide images that would assist with and/or are associated
with: freedom, release, comfort and relaxation to maximize obtaining relative goals for this
population.

Contraindications
When a client desires or is struggling to remain conscious, music for relaxation is
contraindicated. Further, if a client wishes to remain alert and awake and is receiving med-
ications which cause drowsiness or are fatigued due to their illness, music for relaxation is
not advisable. For other clients wishing to actively participate in a music making interven-
tion or discussion, introducing music for relaxation may cause anxiety and restlessness.
Additional contraindications for music and relaxation are shared by Grocke and Wigram
(2007) and include clients: who may have trouble with abstract thought or confusion with
scripts that require embodied experiences, difficulties engaging in deep breathing, feel-
ing vulnerable by being observed or uncomfortable focusing on their bodies in the pres-
ence of the therapist. Formal assessment of the client will uncover these potential contra-
indications. The Journeys collection is not for all clients, and was designed for clients who
are able to understand images and abstract thought and is contraindicated for persons with
cognitive impairments including Alzheimer’s disease.

Preparation of Session, Music and Environment


There are four essential aspects to providing an environment that fosters music for
relaxation including: light and dark, a comfortable position for the patient, continual space,
and ensuring the music equipment is properly placed and prepared (GROCKE & WIGRAM,
2007). It is important to consider the client’s preferences when selecting music and the
therapist should individualize the selections as music and relaxation is optimally received
when the music selections are chosen or catered to the client’s preferences (SAPERSTON,
1999). When selecting music for relaxation, a number of factors are important to consider
such as: steady and predictable melodies, consistent tempos with only minor changes in
dynamics, repetition, and tonal and consonant melodies and harmonies. When listening to
classical music Kemper and Danhauer (2005) maintain clients demonstrate decreased ten-
sion, and when listening to music created for well-being participants reported increased
mental clarity, relaxation, and compassion as well as decreased feelings of sadness, fatigue
and tension. Again these principles were considered in creating the Journeys collection.
For example, the inductions begin by inviting a person to get into a more comfortable posi-
tion, and predictable melodies and harmonies, steady tempi and continual space are includ-
ed. There are times in each of the Journeys where there is no speaking, allowing the client
to process the images just presented and transition to the next images.

26
CLEMENTS-CORTES, A. Soothing relaxation journeys: designing evidence based music and imagery opportunities.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 22-32

Observation and Assessment


Both objective and subjective measures can be used to assess clients in music and
relaxation sessions. Questionnaires that the client reports upon are implemented to allow
the client to convey changes they experience as a result of the music for relaxation session.
A number of tools could be used including: Spielberger’s State-Trait Anxiety Invento-
ry (STAI), the Short-Form McGill Pain Questionnaire (SFMPQ), the Linear Analog Self-
Assessment Scale (LASA), and visual analogue scales (CALOVINI, 1993, LONGFIELD,
1995). Objective observation methods offer the potential to assess the client’s breathing, if
tension is released, and also attend to the client’s level of consciousness. It is important for
therapists to assess the musical selections and to tailor future sessions based on the client’s
response. Informally the author piloted the Journeys collection with clients and asked them
to rate themselves on anxiety, pain, mood and energy using visual analogue scales. Infor-
mal reporting from these clients suggests that persons found pain and anxiety reduced by
an average of 2 points (i.e. from 5 pre- session to 3 post- session) and mood and energy were
increased by an average of 2 points from pre- to post- session. A formal study to assess the
self-reporting of clients is need and is being planned.

Inductions and Recorded Music


The inductions and start to each of the Journeys was guided by the BMGIM ses-
sion structure which includes: Preparation, the induction, music, return to alert state, and
verbal processing (GROCKE & WIGRAM, 2007). Further the various types of inductions
as discussed by Grocke & Wigram (2007) were instrumental in helping guide the begin-
ning of the scripts. These include: structured/count-down induction, autogenic-type in-
duction, colour induction, light inductions, and progressive muscle relaxation (GROCKE
& WIGRAM, 2007).
As opposed to a typical BMGIM, the music on the Journeys collections begins with
the induction. While Journeys may easily be used independently by persons, it also has ap-
plications for use by healthcare professionals. For example a music therapist might chose
to use a track from the Journeys collection while having a session with a client. A therapist
might find it challenging to play live music in a continuous manner while also describing
imagery and facilitating the relaxation techniques and therefore recorded journeys may be
more practical in some settings.

Adaptations
Shorter music for relaxation sessions may be indicated if a person has trouble fo-
cusing. Inductions might also require adaptations depending on the cognitive abilities of
the client and their understanding of abstract concepts. Delirium and confusion can be
side effects of pain medication, and scripts that require considerable abstract thought could
cause frustration and further confusion. These factors need to be considered when a health-
care professional considers recommending products such as the Journeys collection as they
are not for everyone. Journeys could also be done in group settings or with the client and
their family members to offer a unique experience and in these situations should be facili-
tated by a healthcare professional.

27
CLEMENTS-CORTES, A. Soothing relaxation journeys: designing evidence based music and imagery opportunities.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 22-32

3.2 Guided imagery and music

Indications, Goals
There are a number of goals that can be accomplished with the use of GIM in-
cluding: reducing anxiety, improving mood while decreasing depressive symptoms or sad-
ness, enhancing quality of life, decreasing symptoms such as pain, nausea, and emotional
stress while also facilitating emotional outlets, and avenues for expressing grief and hope
(LOGAN, 1998; BURNS, 2001). GIM can be used to help clients who are experiencing psy-
chological pain to address these issues and emotions while facilitating emotional relief.
Short (2002) explains that reducing psychological distress is an important goal of GIM as
psychological distress can reduce a person’s immune function, and GIM has positive effects
on immune and endocrine function for persons experiencing a chronic illness. In medical
settings Clark (2000) acknowledges there are four ways to use guided imagery with clients:
to decrease negative feelings, promote healing, improve problem solving, and prepare for
upcoming situations. In a study with chemotherapy patients, Troesch et Ales (1993) found
patients who received guided imagery had delayed symptoms compared to those in the con-
trol group. These persons also reported feeling relaxed, more prepared and in control prior
to their chemotherapy treatments.

Contraindications
Contraindications for GIM include: emotionally unstable clients, persons with re-
ality problems and intellectual impairments (WIGRAM, PEDERSON, & BONDE, 2002) as
well as persons suffering from suicidal ideations, hallucinations and personality disorders.
For persons having acute pain, it may be helpful for sessions to occur after medical treat-
ments as pain can make the imagery process more challenging (Burns, 2002). Patients who
have difficulty focusing due to their illness might not have the ability or energy to partici-
pate in a longer imagery journey. Cohen (2002) states particular populations should not re-
ceive guided imagery to music, which includes clients who are: mentally unstable, acutely
psychotic, in acute phases of substance withdrawal, or those lacking cognitive skills to in-
terpret the abstract material from their unconscious. Again these factors should be consid-
ered when any type of GIM experience is being recommended to clients.

Music and Imagery Selections


The music created for Journeys was influenced by Burns and Woolrich (2008), who
recognize that the choice of music is important as it provides the structure for the imagery
experience. Music selection provides a focus for sessions (BUSH, 1995) and Bush describes
how music can be categorized into 6 groups based on aesthetic differences including:
earth music, fire music, air music, water music, descent music and ascent music. These
properties were considered when creating the original music for the scripts in the Journeys
collection.

Clinical Observation
If a therapist is providing one of the Journey’s recordings during sessions there are
a number of areas to observe and also facilitate discussion upon with the client post jour-
ney. These areas are informed by Grocke (2002) who prepared a list of typical experiences
that clients have in BMGIM as: body sensations or movements, somatic sensations, altered
auditory perceptions, associations and transference to the music, spiritual experiences, et-
cetera. Further directives are provided by Grocke and Wigram (2007) who state four essen-

28
CLEMENTS-CORTES, A. Soothing relaxation journeys: designing evidence based music and imagery opportunities.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 22-32

tial items that a therapist should observe includind if the client can: listen to the relaxation
induction and follow instructions, concentrate on the therapist’s voice when giving visu-
alization, return from the relaxed state, and discuss and gain benefit from the experience.

Types of Guided Imagery and Music Experiences


The various music and imagery methods are described by Grocke and Wigram
(2007) as: directed music imaging which includes an imagery script; unguided music imag-
ery which is when a client produces imagery in response to the music he/she hears; group
music and imagery where individual responses are generated by each group member; and
guided music imaging where the client and therapist dialogue and the client describes the
imagery while the therapist asks clarifying questions and augments material to discuss.
The Journeys collection was designed as a directed music imagery experience.
Clark (2000) provides images to suggest in guided imaging taking place in medical
settings. These include: picturing radiant light, blood flow inside the body, giving cancer
an image and voice, inner advisors, or images of health and wellness. These images were
considered in the Journeys creation and implemented.

Adaptations
The addition of physical objects or visual images could be useful to help clients
who are challenged to have clear images (CLARK, 2000). This is certainly something a ther-
apist could do if they are using the Journeys collection with individuals or groups. Depend-
ing on the client’s level of functioning and psychological need, music and imagery could
be combined with other forms of therapy, including gestalt dream work therapy, Jung’s
analytical psychology, psychodynamic approaches, and incorporating spiritual growth
(WARD, 2002).

Conclusion

The research and literature support the efficacy of using music for relaxation
and music and imagery in medical settings with persons experiencing a variety of issues.
The Journeys collection is one tool that has been created based on the evidence, and this
paper discussed the rationale for selections in the collection as well as the background in-
formation and literature. The Journeys collection can be used independently by persons or
by healthcare professionals in a variety of settings including palliative and oncology care.
Music and imagery experiences are not for all clients and a number of contraindications are
also discussed alongside the potential goals. It is hoped that by describing and discussing
the importance of such relaxation tools that more will be created as resources for individu-
als as well as healthcare professionals and their effectiveness will be assessed in future re-
search studies.

Nota
1
Soothing Relaxation Journeys was created by Amy Clements-Cortes; vocals are provided by Amy Clements-
Cortes, and piano accompaniment is provided by Sincere Tung. The Cd is available at http://www.notesbyamy.
com/store.html

29
CLEMENTS-CORTES, A. Soothing relaxation journeys: designing evidence based music and imagery opportunities.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 22-32

References

BAILEY, Lucanne. Music Therapy in Pain Management. Journal of Pain and Symptom Manage-
ment, v.l, n.1, p. 25-28, 1986.

BONNY, Helen. Music and Spirituality. Music Therapy Perspectives, v.19, n.1, p. 59-62, 2001.

BURNS, Debra. Guided Imagery and Music (GIM) in the Treatment of Individuals with Chronic
Illness. In: Bruscia, K. E. & Grocke, E. (Ed). Guided Imagery and Music: The Bonny Method and
Beyond. Gilsum, NH: Barcelona Publishers, 2002.

BURNS, Debra. The Effect of the Bonny Method of Guided Imagery and Music on the Mood and
Life Quality of Cancer Patients. Journal of Music Therapy, v.38, n.1, p. 51-65, 2001.

BURNS, Debra; WOOLRICH, J. W. The Bonny Method of Guided Imagery and Music. In Dar-
row, (ed.) Introduction to Approaches in Music Therapy. U.S.: American Music Therapy Associa-
tion Inc, 2008.

BURNS, S.J.; HARBUZ, M. S.; HUCKLEBRIDGE, F.; BUNT, L. A Pilot Study into the Therapeu-
tic Effects of Music Therapy at a Cancer Help Center. Alternative Therapies in Health and Medi-
cine, v.7, n.1, p. 48-56, 2001.

BUSH, Carol. Healing, Imagery & Music: Pathways to the Inner Self. Portland, OR: Rudra Press,
1995.

CALOVINI, B.S. The Effect of Participation in One Music Therapy Session on State Anxiety in
Hospice Patients. Case Western Reserve University, Cleveland, OH: Unpublished master’s the-
sis, 1993.

CHLAN, Linda. Effectiveness of a Music Therapy Intervention on Relaxation and Anxiety for
Patients Receiving Ventilatory Assistance. Heart Lung, v.27, p. 169-176, 1998.

Clark, C. C. Integrating Complementary Health Procedures into Practice. New York, NY: Spring-
er Publishing Company Inc, 2000.

CLEMENTS-CORTES, A. The Effect of Live Music vs. Taped Music on Pain and Comfort in Pal-
liative Care. Korean Journal of Music Therapy, v.13, n.1, p. 105-121, 2011.

COHEN, N. Ethical Considerations in Guided Imagery and Music (GIM). In: BRUSCIA, K. E. &
GROCKE, E. (Ed). Guided Imagery and Music: The Bonny Method and Beyond. Gilsum, NH: Bar-
celona Publishers, 2002.

CURTIS, Sandi. The Effect of Music on Pain Relief and Relaxation of the Terminally Ill. Journal
of Music Therapy, v.23, n.1, p. 10-24, 1986.

DAVIS, C. A. The Effects of Music and Basic Relaxation Instruction on Pain and Anxiety of
Women Undergoing In-office Gynecological Procedures. Journal of Music Therapy, v.29, n.4,
p. 202-216, 1992.

DAVIS, William.; THAUT, Michael. The Influence of Preferred Relaxing Music on measures
of state Anxiety, Relaxation, and Physiological Responses. Journal of Music Therapy, v.26, n.4,
p. 168-187, 1989.

FRIED, R. Integrating Music in Breathing Training and Relaxation: I. Background, Rationale,


and Relevant Elements. Applied Psychophysiology and Biofeedback, v.15, n.2, p. 161-169, 1990.

GALLAGHER, L. M; LAGMAN, R.; WALSH, D.; Davis, M. P.; LEGRAND, S. B. The Clinical
Effects of Music Therapy in Palliative Medicine. Support Care Cancer, v.14, 859-866, 2006.

30
CLEMENTS-CORTES, A. Soothing relaxation journeys: designing evidence based music and imagery opportunities.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 22-32

GOOD, M.; CRANSTON, G.; STANTON-HICKS, M.; GRASS, J. A.; MAKAII, M. Relaxation and
Music Reduce Pain after Gynecologic Surgery. Pain Management Nursing, v.3, n.2, p. 61-70, 2002.

GOOD, M.; STANTON-HICKS, M.; GRASS, J.A.; ANDERSON, G. C., CHOIC, C.; SCHOOL
MEESTER, L. J.; SALMAN, A. Relief of Postoperative Pain with Jaw Relaxation, Music and
Their Combination. Pain, v.81, n.1-2, p. 163-172, 1991.

GOOD, M.; STANTON-HICKS, M.; GRASS, J. A.; ANDERSON, G. C.; LAI, H. L.; ROYKUL CHA-
ROEN, V.; ADLER, P. A. Relaxation and music to reduce postsurgical pain. Journal of Advanced
Nursing, v.24, n.5, p. 904-914, 2001.

GROCKE, Denise. The Bonny Music Programs. In Bruscia, K.E. & Grocke, E. (Ed). Guided Imag-
ery and Music: The Bonny Method and Beyond. Gilsum, NH: Barcelona Publishers, 2002.

GROCKE, D.; WIGRAM, T. Receptive Methods in Music Therapy: Techniques and Clinical Appli-
cations for Music Therapy Clinicians, Educators, and Students. London, England: Jessica Kings-
ley Publishers, 2007.

GUZZETTA, C. E. Effects of Relaxation and Music Therapy on Patients in a Coronary Care Unit
with Presumptive Acute Myocardial Infarction. Heart Lung, v.18, n.6, p. 609-616, 1989.

HANSER, S. B.; LARSON, S. C.; O’CONNELL, A. S. The Effect of Music on Relaxation of Ex-
pectant Mothers During Labor. Journal of Music Therapy, v.20, n.2, p. 50-58., 1983.

JUNG, C. The Essential Jung. London: Fontana Press, 1983.

KEMPER, K. J.; DANHAUER, S. Music as therapy. Southern Medical Journal, v.98, n.3, p. 282-288,
2005.

KROUT, R. The Effects of Single-Session Music Therapy Interventions on the Observed and
Self-reported Levels of Pain Control, Physical Comfort, and Relaxation of Hospice Patients.
American Journal of Hospice and Palliative Medicine, v.18, n.6, p. 383-390, 2001.

LEWIS, K. The Bonny Method of GIM: Matrix for Transpersonal Experience. Association of Mu-
sic and Imagery Journal, 1989/99.

LOGAN, H. Applied Music-Evoked-Imagery for the Oncology Patient: Results and Case Studies of
a Three Month Music Therapy Pilot Project. Unpublished manuscript, 1998.

LONGFIELD, V. The Effects of Music Therapy on Pain and Mood in Hospice Patients. Saint Louis
University, St Louis, MO: Unpublished master’s thesis, 1995.

MARR, J. GIM at the End of Life: Case Studies in Palliative Care. Journal of the Association for
Mental Imagery, v.6, p. 37-54, 1998.

O’CALLAGHAN, Claire, Callaghan, C. Pain, Music Creativity and Music Therapy in Palliative
Care. American Journal of Hospice and Palliative Medicine, v.13, n.2, p. 43-49, 1996.

PELLETIER, C. L. The Effect of Music on Decreasing Arousal Due to Stress: A Meta-Analysis.


Journal of Music Therapy, v.41, n.3, p. 192-214, 2004.

PFAFF, V. K.; SMITH, K. E.; GOWAN, D. The Effects of Music-Assisted Relaxation on the Dis-
tress of Pediatric Cancer Patients Undergoing Bone Marrow Aspirations. Children’s Health
Care, v.18, n.4, p. 232-236, 1989.

PRESNER, J. D.; YOWLER, C. J.; SMITH, L. F.; STEELE, Steele, A. L.; FRATIANNE, R. B. Music
Therapy for Assistance with Pain and Anxiety Management in Burn Treatment. Journal of Burn
Care Rehabilitation, v.22, n.1, p. 83-88, 2001.

31
CLEMENTS-CORTES, A. Soothing relaxation journeys: designing evidence based music and imagery opportunities.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 22-32

ROBB, Sheri. Music Assisted Progressive Muscle Relaxation, Progressive Muscle Relaxation,
Music Listening, and Silence: A Comparison of Relaxation Techniques. Journal of Music Thera-
py, v.37, n.1, p. 2-21, 2000.

ROBB, Sheri; NICHOLS, Ray, RUTAN, Randi; BISHOP, Bonnie, PARKER, Jayne. The Effects of
Music Assisted Relaxation on Preoperative Anxiety. Journal of Music Therapy, v.32, n.1, p. 2-21,
1995.

SABO, C. E. ; MICHAEL, S. R. The Influence of Personal Message with Music on Anxiety and
Side Effects Associated with Chemotherapy. Cancer Nursing, v.19, n.4, p. 283-289, 1996.

SAPERSTON, B. Music-based Individualized Relaxation Training in Medical Settings. In C.


Dileo (Ed). Music Therapy and Medicine: Theoretical and Clinical Applications. Silver Spring,
MD: American Music Therapy Association, 1999.

SHORT, Alison. Guided Imagery and Music (GIM) in Medical Care. In BRUSCIA, K. E. &
GROCKE, E. (Ed). Guided Imagery and Music: The Bonny Method and Beyond. Gilsum, NH: Bar-
celona Publishers, 2002.

TROESCH, L. M.; RODEHAVER, C. B.; DELANEY, E. A.; YANES, B. The Influence of Guided
Imagery on Chemotherapy-related Nausea and Vomiting. Oncology Nurse Forum, v.20,
p. 1179-1185, 1993.

WALWORTH, Darcy. Effect of Live Music Therapy for Patients Undergoing Magnetic Resonance
Imaging. Journal of Music Therapy, v.47, n.4, p. 335-351, 2010.

WARD, K. A Jungian orientation to the Bonny method. In BRUSCIA, K. E. & GROCKE, E. (Ed).
Guided Imagery and Music: The Bonny Method and Beyond. Gilsum, NH: Barcelona Publishers,
2002.

WIGRAM, Tony; PEDERSON, Inge; & BONDE, Lars. A Comprehensive Guide to Music Therapy:
Theory, Clinical Practice, Research and Training. London, England: Jessica Kingsley Publish-
ers, 2002.

WOLFE, David.; O’ CONNELL, Audree; WALDON, Eric. Music for relaxation: a comparison
of Musicians and Nonmusicians on Ratings of Selected Musical Recordings. Journal of Music
Therapy, v.39, n.1, p. 40-55, 2002.

Amy Clements-Cortes - Assistant Professor, Music and Health Research Collaboratory, University of Toronto; Se-
nior Music Therapist/Practice Advisor, Baycrest; Instructor and Supervisor, Wilfrid Laurier University; and Reg-
istered Psychotherapist. Amy has extensive clinical experience working with clients across the lifespan with a
specialty in work with older adults and end-of-life care. She has given over 90 conference and/or invited academic
presentations, and is published in peer reviewed journals and books. She is the President of the World Federation
of Music Therapy (WFMT), and a former President of the Canadian Association for Music Therapy (CAMT). Amy
is the Managing Editor of the Music and Medicine journal and serves on the editorial review board of the Journal
of Music Therapy, Music Therapy Perspectives and Voices.

32
BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 33-47

Musicoterapia em medicina:
uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!

Lia Rejane Mendes Barcellos (Conservatório Brasileiro de Música - Centro Universitário, Rio de Janeiro, RJ)
liarejane@gmail.com

Resumo: Este artigo apresenta a música como uma tecnologia leve, empregada como elemento terapêutico num con-
texto médico: a “Musicoterapia em Medicina”, e faz a diferença entre esta e a “música em medicina”. Evidencia a
potência da música, a questão da previsibilidade e imprevisibilidade musicais na música empregada em musicotera-
pia, as experiências musicais mais utilizadas pelos pacientes e as técnicas musicoterapêuticas mais adequadas para
esse tipo de atendimento: a recriação musical e, principalmente, assinala o valor da “composição assistida” para a
expressão de conteúdos internos. Por fim, considera a força da música, em especial do ritmo, que impulsiona o mo-
vimento, levando enfermeiros e pacientes a dançarem, ainda que os últimos estivessem parcialmente imobilizados
pela ligação à máquina de diálise.
Palavras-chave: Musicoterapia; Tecnologia leve; Intervenções musicais; “Composição assistida”.

Music therapy in medicine: a soft technology in the health promotion – the dance on the couches!
Abstract: This paper presents music as a soft technology, employed as a therapeutic element in a medical context:
“Music therapy in Medicine”, and highlights the difference between that one and “Music in Medicine.” Shows the pow-
er of music, the issue of musical predictability and unpredictability in the music employed in music therapy, the most
used musical experiences by the patients and the music therapy techniques more employed in these contexts: musi-
cal re-creation and, mainly, points out the relevance of the “assisted composition”, facilitating the expression of inter-
nal contents. Finally, considers the strength of music, in particular from rhythm as an “impeller” of movement, leading
nurses and patients to dance, even the last were partially unable to move, due to the binding with the dialysis machine.
Keywords: Music therapy; Soft technology; Musical interventions; “Assisted composition”.

Musicoterapia en medicina: una tecnologia blanda en la promoción de la salud – la danza de los sillones!
Resumen: Este artigo presenta la música como una ‘tecnología blanda, empleada como un elemento terapéutico en
un contexto médico: “musicoterapia en medicina”, y enfatiza la diferencia entre esta y la “música en medicina”.
Evidencia la potencia de la música, la cuestión de la previsibilidad e imprevisibilidad musicales en la música em-
pleada en musicoterapia, las experiencias musicales más utilizadas por los pacientes y las técnicas musicoterapéu-
ticas más adecuadas para este tipo de terapia: la re-creación musical y, principalmente, señala el valor de la “com-
posición asistida” para la expresión de contenidos internos. Por fin, considera la fuerza de la música, en especial del
ritmo, que impulsa el movimiento, llevando enfermeros y pacientes a danzar, aun que los últimos estuvieron parcial-
mente inmovilizados por la ligación a la máquina de diálisis.
Palabras clave: Musicoterapia; Tecnologia blanda; Intervenciones Musicales; “Composición Asistida”.

A nossa sociedade tem passado por várias transições ao longo dos tempos e, dentre
estas as que advêm de mudanças no modo de agir, pensar, se relacionar e, também, da evo-
lução de dispositivos que impulsionam e fazem parte destas modificações. Assim, pode-se
entender que essas transformações sociais são também decorrentes das mudanças tecnoló-
gicas que a própria sociedade cria, e das quais se apropria, para se desenvolver e se manter,
entendendo-se por tecnologia um produto da ciência que envolve um conjunto de instru-
mentos, métodos e técnicas que objetivam o enfrentamento de problemas.
Em saúde, as tecnologias são qualificadas em três categorias:
- a tecnologia dura: que se refere a equipamentos tecnológicos, rotinas, normas e
estruturas organizacionais;
- a leve-dura: que compreende todos os saberes já normatizados, ou seja, que já es-
tão bem estruturados no processo de saúde, e
- a leve: que diz respeito às tecnologias que se ocupam das relações, da produção
de comunicação entre as pessoas, de acolhimento, de vínculos e de autonomização. (SILVA,
ALVIM e FIGUEIREDO, 2008).

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 12/10/2015 - Aprovado em: 01/11/2015

33
BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 33-47

Mas, vale dizer que embora essas três categorias tenham uma inter-relação, o ser hu-
mano tem que se valer, especialmente, das tecnologias leves – ou tecnologias de relações –
porque são elas que podem proporcionar o acolhimento indispensável no momento de encon-
tro entre o cliente e o profissional, considerado, em geral, de grandes dificuldades. Se for le-
vada em conta a complexidade do ser humano, basta a existência de duas pessoas, em um ato
de produção e consumo em saúde, para que esta situação se torne altamente complexa.
Não existem códigos fixos de ações entre humanos. Cada pessoa age de uma for-
ma e nem sempre da mesma maneira. O homem é produto da História, e não natural, cons-
tituindo-se, assim, em trabalho potencialmente vivo. Pensando-se assim, entende-se que o
ser humano vai construindo ações tecnológicas. Então, a forma como ele expressa os seus
interesses e satisfaz as suas necessidades acabam sendo fruto desta condição. Considera-
-se, então, que o ser humano é um trabalho vivo em ato e, por isto, criador, e que está sem-
pre em movimento, portanto, o instituinte. Já as ferramentas e matérias primas – o trabalho
morto – é o instituído (ibid).
Entretanto, deve-se entender que a ideia de tecnologia não pode ser ligada exclusi-
vamente aos equipamentos tecnológicos, mas, também, ao ‘saber fazer’ e a um ‘ir fazendo’
(ibid, p. 292). No campo da saúde, embora haja uma relação entre as categorias tecnológicas,
não se deve priorizar a lógica do ‘trabalho morto’ (ibid, 2008, p. 292), isto é, aquela que é vis-
ta através dos equipamentos e saberes estruturados.
Como um ser gregário, que vive em sociedade, o ser humano precisa das tecnolo-
gias de relações, daquelas que produzem comunicação, acolhimento e vínculos. Enfim, das
denominadas ‘tecnologias leves’ que têm como diretrizes produzir relações de reciprocida-
de e de interação, imprescindíveis à efetivação do cuidar e ao desenvolvimento de um pro-
cesso terapêutico, como bem sabemos, nós terapeutas. Ao se efetivarem essas relações, o
processo terapêutico pode se desenvolver e o cliente/paciente pode resgatar aspectos como
singularidade, autonomia e cidadania, tão importantes para seu empoderamento.
As tecnologias leves são produzidas no trabalho vivo, compreendendo a comunica-
ção, o estabelecimento do vínculo terapêutico, as relações de interação e subjetividade, pos-
sibilitando produzir acolhimento e autoexpressão.

1. Sobre a potência da música em musicoterapia: uma tecnologia leve na produção da


saúde

Muitas são as teorias que explicam as origens da música, mas historiadores apon-
tam como principal objetivo a necessidade de comunicação: dos primitivos com as divin-
dades, com os animais e com os fenômenos da natureza que temiam, para poder enfrentá-
-los, como o trovão, por exemplo. Utilizavam, para isto, principalmente a voz e o corpo,
imitando os sons desses elementos, para entrarem em contato e melhor conhecerem o seu
habitat. Na medida em que esses sons deixaram de ser suficientes para essa comunicação
e expressão, eles sentiram necessidade de criar objetos sonoros que, pouco a pouco, trans-
formaram-se nos instrumentos musicais.
Sabe-se que as primeiras civilizações musicais se estabeleceram principalmente
nas regiões férteis ao longo das margens de importantes rios e a iconografia dessas regiões
é rica em representações de instrumentos musicais e de práticas da música, dentre elas, as
relacionadas à saúde. Assim, entende-se a musicoterapia que praticamos hoje, como uma
linha de continuidade e desenvolvimento de 30 mil anos de tradições xamânicas de mú-
sica e cura. É apontada, também, a recreação musical de feridos de guerra internados nos

34
BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 33-47

hospitais nos Estados Unidos e se deve reconhecer também a educação musical como outra
vertente, principalmente em países que a têm como parte importante da educação, como
Alemanha e Áustria, por exemplo.
Edward Said (1992), um palestino, crítico musical, refere-se ao movimento da mú-
sica afirmando que ela faz “consistentes transgressões” para o interior de outros domínios
como, por exemplo, da família, da escola, de relações de classe, e mesmo das mais amplas
questões públicas, o que mostra essa forma de expressão como uma atividade que está en-
trelaçada socialmente e que é de extrema importância para esta realidade, onde exerce
grande função coletiva. A música tem uma qualidade de viajar, de atravessar, enfim, “de ir
de lugar em lugar em uma sociedade, ainda que muitas instituições e ortodoxias tenham
tentado confiná-la” (1992, p. 23).
O autor define essa transgressão da música como o movimento que ela faz de um
domínio para outro, desafiando limites, ultrapassando expectativas, proporcionando pra-
zeres, levando a descobertas e experiências. Essa noção, para ele, não se refere a uma ação
insurgente da música contra alguma coisa. Pelo contrário, significa ir em busca daquilo que
ela pode afetar1/2.
Said ainda ressalta que as filiações entre música e sociedade, ou seja, as transgres-
sões, não reduzem a música, de forma alguma, a um papel de reprodução passiva e subor-
dinada. Pelo contrário, esse elemento transgressivo é a sua habilidade nômade de se tornar
parte das formações sociais, de alterar determinados aspectos de acordo com a situação e
com a audiência. Assim, a música preenche, literalmente, um espaço social.
Partindo-se do conceito de transgressão de Said, pode-se entender a viagem da mú-
sica por outros domínios como as suas várias funções. Assim, na visão do autor, ela viaja-
ria tanto pelo domínio mágico e religioso, quanto pelo reino do lazer e da educação. E, nes-
sa viagem, admitiria várias formas de produção, recepção e emprego. No entanto, apesar de
Said não ter se referido à terapia, pode-se também considerar este como um dos domínios
aos quais a música viaja, e que se constitui como a centralidade deste trabalho.
Numa visão contemporânea sobre a música, onde as neurociências têm um papel
central, tem-se, ainda, observado a sua viagem ao domínio da terapia, consubstanciada pe-
los exames de neuroimagens como Ressonância Magnética e PET3, que possibilitam a ob-
servação do cérebro humano vivo, em ação, e que reforçam o conceito de modularidade4 ce-
rebral. Essa observação pode mostrar o cérebro em funcionamento tanto nos processos de
percepção como de produção musical, trazendo evidências da importância desta em vários
processos, como os cognitivos, e fundamentando a sua utilização como elemento terapêuti-
co nas mais variadas condições físicas e psíquicas.

2. A música como elemento terapêutico

Mas, por que a música é um potente elemento terapêutico? Várias são as razões que
potencializam a sua força. Dentre elas, porque a música:
- é um fenômeno ou uma expressão universal
- acompanha o homem na sua caminhada histórica e está na vida de cada um de
nós, desde antes do nascimento até a nossa morte (batimentos cardíacos da mãe, nos sons
das articulações, nos sons peristálticos, na percepção da voz da mãe através do líquido am-
niótico e no ritmo regular dos batimentos cardíacos)
- é um elemento não-verbal
- tem o ritmo como elemento impulsor e organizador do movimento

35
BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 33-47

- tem o instrumento musical como Objeto Intermediário e Integrador (BENEN-


ZON, R., 1985, p. 47 e 49)
- pode ter um sentido metafórico na medida em que um paciente pode dizer atra-
vés dela o que não quer ou não pode dizer através do verbal
- tem uma natureza polissêmica
- pode carregar o significado que o paciente quiser, ou precisar lhe atribuir, e
porque algumas de suas manifestações artísticas podem ser consideradas como verdadeiros
universais da vida humana, como é o caso da canção, por ser um fenômeno difundido por
todos os tempos e culturas e por existir na experiência de todos.

Assim, a musicoterapia se vale de experiências musicais como audição, recriação,


improvisação e composição de músicas/canções, através da voz, de instrumentos e do cor-
po, para facilitar a comunicação, o estabelecimento do vínculo terapêutico, a autoexpres-
são e auxiliar na promoção/prevenção ou restauração da saúde de pessoas que padecem das
mais variadas condições bio/psico/sociais/espirituais.
No entanto, cabe ressaltar que apesar de ser um fenômeno universal, essa ubiqui-
dade não lhe confere o status de linguagem universal, mas, sim, de fenômeno ou expressão
universal.
Mas, chegando-se à musicoterapia cabe uma pergunta: quais são as diferentes for-
mas de utilização da música como elemento terapêutico? Em minha opinião, três são as
principais formas de emprego da música como terapia, do ponto de vista do paciente: a mu-
sicoterapia receptiva, na qual o paciente recebe a música, feita pelo musicoterapeuta ao vi-
vo ou trazida por este em CD, rádio, iPod ou computador; a musicoterapia ativa, na qual só
o paciente faz música ou, a musicoterapia interativa, que defino como

A forma na qual a experiência musical é compartilhada pelo musicoterapeuta e


paciente(s) – quando em grupo – todos ativos no processo de fazer música, o que con-
figura uma inter-ação simultânea, facilitada pelo fato de a música acontecer no tem-
po, o que leva mais facilmente à interação dos participantes e dificulta o isolamento
(BARCELLOS, 1984, p. 8).

Tudo isto acontecendo em diferentes espaços, diversas áreas de atuação e por meio
de distintas experiências musicais da cultura do(s) paciente(s), utilizando-se a “Empatia
cultural” (Lingle e Ridley, 1996) através da música, entendendo-se esta como o terreno co-
mum na qual musicoterapeuta e paciente pisam. Ainda levando-se em consideração que
a música pode facilitar a comunicação, o estabelecimento da relação terapêutica, a auto-
expressão, e promover mudanças através da principal forma de aplicação da musicoterapia
brasileira: a Musicoterapia Interativa. Esta aplicação será ilustrada através de alguns exem-
plos clínicos, entendendo-se a música como uma tecnologia leve, sendo produzida no tra-
balho vivo em ato, compreendendo as relações de interação e subjetividade, possibilitando
produzir acolhimento, vínculo e autoexpressão, mas, ressaltando-se que todas as tecnolo-
gias se fazem necessárias, a depender da situação. No entanto, considera-se que em todos
os níveis de atenção da promoção da saúde, as tecnologias leves precisam estar presentes.

3. A “musicoterapia em medicina”

Os efeitos da música sobre o ser humano e a sua utilização em terapia são compro-
vados por evidências baseadas em estudos científicos. Exames por imagem, como anterior-

36
BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 33-47

mente apontado, permitem que hoje se acompanhe o cérebro em funcionamento e os seus


efeitos no ser humano sejam comprovados e demonstrados principalmente na área neuroló-
gica como na Doença de Alzheimer, Parkinson e Esclerose Múltipla. Igualmente seus efei-
tos mostram evidências que confirmam sua eficácia quando utilizada como ‘uma espécie
de linguagem’ no tratamento de doenças psíquicas ou emocionais.
A utilização da música em pesquisas, em geral quantitativas, que têm como centro
os efeitos fisiológicos como o controle da pressão arterial, diminuição do stress e dor crôni-
ca, por exemplo, são importantes para dar subsídios para a musicoterapia. Deve-se, no en-
tanto, reconhecer que embora a pesquisa qualitativa não tenha a mesma aceitação nos con-
textos médicos, não se pode deixar de levar em consideração a sua importância para con-
firmar a potência da música em patologias que afetam o psiquismo e problemas emocionais
e, principalmente, deve-se levar em consideração a interação entre processos fisiológicos/
neurológicos e psíquicos, já que uma divisão corpo – mente pode ser considerada artificial,
nas palavras da musicoterapeuta norte-americana Dra. Cheryl Dileo (1999).
As diferenças entre a aplicação da “Musicoterapia em Medicina” e da “Música em
Medicina” (Quadro 1) ainda não são totalmente compreendidas. Musicoterapeutas contem-
porâneos como Dileo (1999), trazem uma importante contribuição para que melhor se en-
tenda essa diferença.

Quadro 1: Elaborado a partir do pensamento de Dileo (1999, p. 4 e 5).

“Musicoterapia em Medicina” “Música em Medicina”


Realizada por musicoterapeutas qualificados que utilizam técnicas Realizada por profissionais da área médica (não MTs - médi-
e métodos específicos da musicoterapia. cos, enfermeiros, dentistas, e profissionais da área de saúde)
como terapia complementar a várias situações ou tratamentos
médicos. Intervenção no stress, ansiedade, e/ou dor do pacien-
te da área médica.
Sempre envolve A relação terapêutica entre o paciente e o(s) membro(s) da equi-
- um processo terapêutico, pe médica envolvido(s) não se desenvolve através da música.
- um musicoterapeuta, e Não existe um processo terapêutico definido que ocorra atra-
- uma relação que se desenvolve com ou na música e no processo. vés da música.
Ampla gama de experiências é utilizada: Intervenções de música em medicina incluem:
- receptiva (audição) Música de fundo em salas de espera, outras áreas do hospital
- improvisação, ou espaços de tratamento. Programas musicais disponíveis ao
- re-criação, paciente: antes de cirurgias e outros procedimentos como tocar
- composição. para os pacientes.
- Podem ser utilizadas diversas atividades e diferentes artes com-
binadas.
A música e a relação terapêutica servem como componentes cura-
tivos, mesmo que se tenha ênfase em um deles, ou ambos, duran-
te o tratamento.

Deve-se enfatizar que, em geral, os profissionais da área da saúde utilizam o que


nós musicoterapeutas nomeamos “musicoterapia receptiva” e os musicoterapeutas empre-
gam, principalmente a musicoterapia ativa, ou interativa, como denomino, (BARCELLOS,
1984), na qual musicoterapeuta e paciente estão ativos, em interação, no processo de fazer
música. Mas, é fundamental destacar que o trabalho de “música em medicina” também é
extremamente importante, mas, seria fundamental que critérios mais claros fossem obser-
vados com relação à utilização da música quando esta é empregada por profissionais não
musicoterapeutas. No entanto, dificilmente isto poderia ser feito pois nem sempre os músi-

37
BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 33-47

cos têm condições de estabelecer esses critérios, visto que não se trata de aspectos estrita-
mente musicais mas, sim, destes, em relação àquilo que a música pode causar, dependendo,
ainda, de como pode ser recebida, a partir de importantes estudos que se realizam hoje em
laboratórios de neurociências.
Ainda se deve fazer uma observação sobre a musicoterpia receptiva, que também é
utilizada pelos musicoterapeutas em várias situações como, por exemplo, em musicoterapia
em cuidados paliativos e no Método Bonny de Imagens Guiadas e Música, com pacientes
ditos ‘normais’, e em muitos outros contextos onde o paciente não tem condições de estar
ativo no processo de fazer música.

4. Sobre o trabalho clínico de “musicoterapia em medicina”

Para ilustrar a prática de Musicoterapia em Medicina considero importante intro-


duzir, aqui, um trabalho clínico que realizei de 2009 a 2012, convidada pela Fundação do
RIM, na Clínica de Doenças Renais - CDR, localizada no Rio de Janeiro.
Inicialmente fiquei surpresa com a proposta de inserção da musicoterapia com
crianças e adolescentes no momento da diálise, pois, anteriormente, eu havia sido levada
por um médico de um grande hospital público fora do Brasil para visitar o serviço de di-
álise desse hospital, e só foi possível entrar na sala após a sessão e com roupas especiais.
Assim, este foi o primeiro de muitos desafios dessa proposta5. Como eu não tinha nenhuma
experiência de musicoterapia clínica nessa área foi necessário, antes de iniciar o trabalho,
fazer um levantamento bibliográfico no Brasil e no exterior, incluindo os principais sites de
busca. Nesse levantamento constatei que enfrentaria um segundo desafio: a inexistência de
literatura sobre musicoterapia com crianças e adolescentes no momento da diálise, como
apresentado a seguir (Quadro 2).

Quadro 2: Levantamento sobre Musicoterapia com crianças e adolescentes em Processo de Diálise.

América Latina América do Norte Ásia Europa


Santana, W. (2000)
(Salvador - Ba)
Delabary, A. M. (2002)
(S. Lourenço - RS)
Brasil
Noërr, H. (2004)
(Itajaí - SC)
Bergold, L. (2005)
(Rio de Janeiro - RJ)
Pulido, M. del P. (2007)
Colômbia
(Bogotá)
Canadá Eyre, L. (2008)
Yo, K.
(Kwang Ju. 1993)
Coréia do Sul
Kim, K. B.; Lee, M. H.;
Sok, S. R. (Seul, 2005)
Svebak, S.;
Noruega
Kristoffersen, B. (2006)

38
BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 33-47

Quatro artigos de musicoterapia com pacientes renais adultos foram encontrados no


Brasil, à época: destes, alguns relatavam o atendimento antes da sessão de diálise, outros no
final e poucos durante, mas, nenhum, com crianças e adolescentes. O mesmo aconteceu com
o resultado de sites de busca reconhecidamente importantes como: Medline/PubMed (via U. S
National Library of Medicine) LILACS, SciELO, Cochrane, High Wire Press, Google Acadêmi-
co e, também, em periódicos de musicoterapia. Utilizando palavras descritoras como “musi-
coterapia, enfermidades renais crônicas, diálise, crianças e adolescentes” foram aí localizados
três artigos: dois da Coréia do Sul e um da Noruega. Tive acesso a uma monografia, resultado
de um trabalho clínico que visitei num hospital público de Bogotá e um artigo que me foi en-
viado pela Dra. Cheryl Dileo, num total de nove artigos, todos tratando de adultos.
Convidei a musicoterapeuta e psicóloga Mariana Barcellos para trabalhar em cote-
rapia, pois se trata de uma violonista, com excelente conhecimento de repertório jovem e,
assim, depois de várias reuniões tanto na Fundação quanto com a médica da clínica, ini-
ciamos o trabalho em março de 2009, sem ter definido os objetivos a serem alcançados; sem
ideias preconcebidas com relação ao formato a ser utilizado – atendimento individual, em
duplas, com três pacientes ou em grupo; sem instrumentos musicais, e sem saber quais ex-
periências musicais poderiam ser vivenciadas pelos pacientes ou quais técnicas musicote-
rápicas seriam mais adequadas para serem empregadas pelos musicoterapeutas, tudo isto
em decorrência do ineditismo do trabalho. Ainda percebemos que teríamos que utilizar o
modelo de sessão de “fluxo contínuo” (BRUSCIA, 1987, p. 527), por considerarmos que as
“sessões estruturadas”6 não seriam adequadas, pelo menos enquanto não tivéssemos conta-
to com os pacientes e assim pudéssemos decidir quanto a isso. Na verdade, este modelo de
sessão nunca foi possível utilizar.
Acostumadas a trabalhar principalmente em salas preparadas para o atendimen-
to de musicoterapia7, tivemos que enfrentar os desafios: de estar numa sala com poltro-
nas e máquinas de diálise; dos alarmes das máquinas; da movimentação da enfermagem
que realizava procedimentos específicos; da movimentação de funcionários da clínica que
transportavam todo tipo de material; de mães e/ou pais que atendiam aos chamados dos fi-
lhos e que os alimentavam; dos sons de duas TVs permanentemente ligadas; dos iPods que
acompanhavam os pacientes adolescentes; das diferentes idades de sete pacientes – de três
a vinte anos8, o que fazia com que os repertórios e preferências musicais fossem absoluta-
mente distintos; dos limites impostos pelo tratamento, que impossibilitavam os pacien-
tes de se moverem totalmente por estarem presos à máquina e a de movimentarem os dois
braços por um deles estar imobilizado, o que restringia a utilização de instrumentos; e da
minha dificuldade em lidar com um repertório que faz parte das histórias sonoras e das
preferências de uma geração que vive “ligada” aos iPods e que tem o que denomino “um
contato exaustivo” com a canção e todo tipo de música tanto brasileira como estrangeira
(BARCELLOS, 2010). Ainda deve ser destacada a inexistência de instrumentos e a dificul-
dade em confeccioná-los por deverem ser: leves, de fácil manejo com uma só mão, e pela
impossibilidade de utilização de elementos orgânicos como sementes, por exemplo, pelo ris-
co de contaminação.

5. A recriação musical

Em 2003 participei como supervisora da clínica de musicoterapia com mães de


bebês prematuros, objeto de pesquisa da Mt. Martha Negreiros, na Maternidade Escola da
UFRJ. Nesse setting percebi que essas mães se encontravam no que denominei “situação de

39
BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 33-47

risco emocional” (BARCELLOS, 2004), quase sempre provisório e decorrente da imprevi-


sibilidade do momento, representada pelo que poderia acontecer com seus bebês. Entendi,
no trabalho com essas mães, que elas não improvisavam musicalmente por necessitarem de
um setting seguro, para dar-lhes conforto, acolhimento e colo, para que pudessem se fortale-
cer e dar o colo e o continente necessário aos seus bebês. Por isto, a re-criação musical era a
experiência musical que elas traziam e a técnica que se constituiu como a mais eficaz para
ser utilizada pelos musicoterapeutas nesse tipo de trabalho e em outros contextos clínicos
dessa natureza. Mais do que isto, é a re-criação de canções populares, que musicalmente
são “familiares e previsíveis” e que têm, em geral: 32 compassos, melodias, ritmos, riffs9 e
harmonias simples (I, IV V) ou “uma linguagem musical natural” como afirma o musicólo-
go britânico Richard Middleton (1990, p. 46), referindo-se à harmonia, que podem dar con-
fortabilidade e “holding”10 aos pacientes (BARCELLOS, 2004). Como exemplo, pode-se ter,
aqui, as canções de Roberto Carlos, pagodes e tantas outras, por exemplo, que pela previsi-
bilidade musical se contrapõem à imprevisibilidade do momento e trazem aos pacientes o
acolhimento e o conforto que tanto necessitam.
Seguindo o caminho iniciado no trabalho acima referido entendo que com relação
aos pacientes com doenças renais crônicas me parece acontecer o oposto. Considero que a
vida destes pacientes é, por um lado, altamente previsível pelo fato de eles passarem durante
12 horas semanais “ligados” à máquina de diálise, da qual dependem para sobreviver e que,
mesmo existindo aspectos de risco, como as múltiplas intercorrências clínicas e até a mor-
te, estas são de certa forma previsíveis, por fazerem parte dos desdobramentos da patologia.
Não só pela previsibilidade proveniente da ligação com a máquina, mas, também,
pelo contato diário com a canção popular gravada nos iPods, considero que, além do empo-
deramento11 destes pacientes, um dos objetivos – que se configura como “o coração da clí-
nica” para levar os pacientes à criação de um novo discurso, organizador de “novas tramas
de sentido”, no dizer de Fiorini (1995, p. 20) –, é provocar e ativar uma capacidade humana
que está preservada: a capacidade de criar, tendo como objeto de criação, aqui, a música,
através da improvisação, referencial ou não referencial, e da composição. Neste contexto
há que se fazer um esforço para acreditar nessa capacidade, já que a doença é visível, inexo-
rável e pode nos induzir a não levar em conta aspectos da ordem da saúde, que devem ser
considerados como necessários para uma vida minimamente normal. Deve-se confiar na
afirmação de Sartre que “Em todo padecimento humano se encontra oculta alguma empre-
sa” (apud FIORINI, ibid, p. 24).
Ruth Finnegan (2008), etnomusicóloga britânica especialista em poesia oral, estu-
da a “palavra cantada” e a ela se refere como estando presente em muitas manifestações do
homem tanto na arte erudita como, também, nas mais simples manifestações de meninos
de rua. . Por isso, considero que ela cumpre diferentes funções e se presta a diferentes apli-
cações em musicoterapia: por se tratar de uma experiência musical muito potente para os
pacientes, por constituir-se como um terreno cultural comum onde pisam musicoterapeuta
e paciente, e por possibilitar um “transbordamento natural e irrestrito da expressão huma-
na”, ainda parafraseando Finnegan (2008, p. 16).
Além disto, através das canções, os pacientes podem ser os “narradores musicais12”
de sua[s] história[s] (BARCELLOS, 2006) pois, em geral, as letras dessas músicas ‘signifi-
cam’ cenas, pessoas ou épocas importantes das vidas dos pacientes, como os idosos que,
muitas vezes, através de canções trazem o passado, pela memória musical.
Para ilustrar a utilização deste tipo de música para expressar conteúdos ou situa-
ções difíceis de serem veiculados através de palavras, vale trazer o “pagode romântico13”
cantado por G., gênero muito utilizado pelos pacientes para manifestar seus sentimentos.

40
BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 33-47

G., uma menina de 12 anos, com uma doença renal crônica e um problema neuro-
lógico que resultava em crises convulsivas, algumas vezes nos dizia diretamente, no mo-
mento em que entrávamos na sala: “Hoje eu não quero música”. Pode-se entender esta fala
de G. a partir do princípio de “distância simbólica” trazido por Jaakko Erkkilä (2011, p. 201),
citando a musicoterapeuta também finlandesa Heidi Ahonen-Eerikainen14. Neste, a autora
prega que o musicoterapeuta que trabalha com pacientes jovens tem que entender que estes
podem não estar prontos para fazer conexões entre a sua própria realidade e a simbólica, re-
lacionada à música, que carrega uma expressão emocional ligada a ela. As conexões podem
estar muito claras para o terapeuta, mas o paciente pode necessitar de alguma distância que
pode servir como um ‘abrigo simbólico’ contra experiências demasiadamente dolorosas ou
insuportáveis (2011, p. 201).
Considero que outra forma de se entender a “distância simbólica” é quando o pa-
ciente ouve uma música (no caso trazida pelo musicoterapeuta ou, até por outro paciente),
que tem um ‘significado’ para ele, ou seja, que por estar ligada a pessoas específicas, fatos
ou situações vividas anteriormente, vem carregada de emoções para as quais nem sempre o
paciente está preparado para reviver/sentir15.
É frequente acontecer conosco, em contextos não terapêuticos, de não conseguir-
mos ouvir uma determinada música que nos traz um significado, seja positivo ou negativo.
Nem sempre estamos preparados para reviver uma situação anterior, e estar submetidos à
emoção, ou reviver a emoção que essa música carrega. Frequentemente isto acontece e nos
faz desligar o rádio, TV ou qualquer outro meio (iPods, por exemplo), ou mudar de estação,
faixa, enfim, utilizando um mecanismo de proteção, ou recorrendo a um ‘abrigo simbólico’,
nas palavras de Ahonen-Eerikainen (ibid).
Mas, voltando-se à situação de G., deve-se dizer que mesmo ela frequentemente di-
zendo que não queria música, tão logo se começasse a cantar no outro lado da sala, ela par-
ticipava da improvisação ou re-criação, caracterizando uma “participação periférica legíti-
ma”, conceito cunhado pela educadora e antropóloga americana Jean Lave, e pelo cientista
da computação suíço-americano Étienne Wenger (1991, p. 29), que se refere aos modos de
pertencimento nos grupos de trabalho. Esse processo de atuação nos grupos passa pela fa-
se inicial, a denominada “participação periférica legítima” que, paulatinamente, transfor-
ma-se em uma participação plena. É também importante mencionar o pensamento do edu-
cador britânico Harry Daniels, com relação a esse conceito, que afirma que as barreiras à
participação podem ser tanto sociais como biológicas. Ele afirma que “Tipos específicos de
inadequações podem gerar problemas de participação numa sociedade onde a maioria dos
participantes não experimenta distúrbios similares” (2003, p. 65).
Ainda com relação à participação de G., cabe relatar uma situação na qual a pa-
ciente em um determinado dia, dirigiu-se a nós da sua poltrona, do outro canto da sala, su-
gerindo que cantássemos uma canção para S.. Não tínhamos ideia sobre o que tinha acon-
tecido, mas suspeitávamos que S. tinha ido a óbito, pois sua poltrona estava vazia. Ime-
diatamente G. começou a cantar um “pagode romântico”, cuja letra se refere à separação
de um casal amoroso, mas, que, naquele contexto, era adequada para expressar o luto pela
morte da amiga. Era um dia chuvoso, cinza, e as luzes estavam apagadas, deixando a sala
na penumbra, também em um sentido metafórico. Os outros pacientes a acompanharam
cantando em pianíssimo, como a banda brasileira canta a introdução do referido pagode.
Abaixo a letra.

41
BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 33-47

Não Tem Perdão


Valtinho Jota / Sérgio Jr. (2007)

Choro toda vez que entro em nosso quarto,


Toda a vez que olho no espelho,
Toda a vez que vejo o seu retrato.

Eu não tô legal,
Não vai ser fácil de recuperar, vontade de viver tô
Sem astral,
Por falta de você.

Pior que nada que eu faça vai mudar sua decisão de separação,
Eu reconheço os seus motivos, tá coberta de razão,
Pra você caso de traição não tem perdão.

Sei que é tarde pra me arrepender,


Inconsequente, fraco eu traí você,
Sabemos bem quem vai sofrer,
Hoje só Deus sabe a minha dor,
Eu tive que perder pra dar valor,
Não serei o mesmo sem o teu amor.

A re-criação musical de canções, como na situação acima, é muito utilizada em to-


das as áreas de atuação da musicoterapia brasileira. Através das canções populares da pre-
ferência dos pacientes estes podem se expressar, ‘sem usar as próprias vozes’, mas cantando/
contando o que querem ou precisam, através das vozes dos compositores, para falar numa
linguagem figurativa. Para Finnegan:

A canção é um fenômeno tão difundido por todos os tempos e culturas que pode sem
dúvida ser considerada como um dos verdadeiros universais da vida humana. Mes-
mo sendo por vezes restrita a especialistas, ou vindo acompanhada de sons musicais
elaborados com apoio de tecnologias complicadas, a canção termina por existir na ex-
periência de todos (FINNEGAN, 2008. p. 15).

Esta declaração, de uma das maiores especialistas em poesia oral com relevante
contribuição na área de etnomusicologia, ratifica a utilização da canção em todos os con-
textos, incluindo a musicoterapia.
Cabe enfatizar que considero que a canção cumpre diferentes funções e se presta a
distintas aplicações em musicoterapia: por se tratar de uma experiência musical muito po-
tente para os pacientes, e por possibilitar um “transbordamento natural e irrestrito da ex-
pressão humana”, ainda parafraseando Finnegan (2008, p. 16).
Os musicoterapeutas Luís Antonio Milleco Filho, Maria Regina Esmeraldo Bran-
dão e Ronaldo Pomponet Millecco no livro É preciso cantar: musicoterapia, cantos e can-
ções, (2001) dedicam um capítulo sobre “As funções do canto”, no qual listam, explicam e
exemplificam sete tipos de funções, estudo que muito contribui para o trabalho do musi-
coterapeuta.
No entanto, como supervisora de estágios, tenho constatado que tanto musicote-
rapeutas como estagiários se mantêm, muitas vezes, durante o processo inteiro utilizando
somente as músicas preferidas de pacientes que teriam condições de aceitar músicas novas
ou outras experiências musicais, o que os ajudaria a se desenvolverem. Para corroborar esse
pensamento, tem-se uma afirmação preciosa do musicoterapeuta canadense Collin Lee que
deve sempre ser observada. O autor recomenda que

42
BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 33-47

Mesmo que a preferência musical [do paciente] seja importante, nós [musicoterapeu-
tas] temos que ter, também, o potencial para dar outras avenidas musicais que irão
equilibrar e fazer o processo terapêutico mais direto, potente, e esteticamente pode-
roso (2001, p. xvi).

Certamente os musicoterapeutas têm condições de avaliar as condições dos pa-


cientes e, quando e como poderão introduzir essas ‘novas avenidas’, às quais Lee (2001)
se refere.
Contudo, algumas vezes, por repetirem suas canções preferidas à exaustão, os pa-
cientes o fazem de uma forma ‘mecânica’ 16. Para evitar tanto a repetição das mesmas can-
ções, como essa forma ‘mecânica’ de cantar, “ouvimos” a recomendação de Lee e decidimos
utilizar com os pacientes da Clínica de Doenças Renais uma estratégia com o objetivo de
provocar a criatividade: levar os pacientes à improvisação e à composição, aproveitando si-
tuações, fatos, ou qualquer acontecimento que ocorresse na sala, sem nenhuma exigência
estética e considerando o processo mais importante que os resultados.
A segunda razão foi provocar a criatividade dos pacientes “porque esta é conectada
ao processo simbólico”, ainda nas palavras Jaakko Erkkilä, citando Levin (2001, p. 200)17.

6. A “composição musical assistida”

Ambas, improvisação e composição possibilitam a expressão de conteúdos inter-


nos e, na imprevisibilidade, permitem que os pacientes se arrisquem em novas avenidas
musicais, utilizando caminhos desconhecidos para expressar seus sentimentos, como é o
caso das duas adolescentes que cantaram a dor da morte de outra paciente através de uma
canção existente – que fala de separação –, ou, ainda, da que expressa na sua composição
o desejo de ganhar dois rins, como presente de Natal, para que ela e a amiga possam ser
transplantadas.

O Presente de Natal (P. e N.)


(10/12/2009 - 36ª sessão)

Nós queremos dois rins


Um pra Nina e um pra mim
Quem vai ser o doador
Não pode ser o vovô
Quem ‘tá disposto a doar
Pode vir me ajudar
..................... É só ligar
Mas não ligue a cobrar
Porque a conta vai estourar
E o meu pai não vai gostar
E vai muito reclamar
Mas vai gostar se eu transplantar

Intitulo e defino a “composição assistida”, como:

A composição que o paciente faz na sala de musicoterapia junto com o musicotera-


peuta, ou provocado por este/esta, em contraste com outras composições que vêm
prontas para a sala, já compostas em casa ou na enfermaria, e são apresentadas ao
musicoterapeuta durante a sessão. Na composição assistida o processo é facilitado
pelo musicoterapeuta por meio de intervenções verbais e/ou musicais, ajudando o pa-
ciente quando ele/ela precisar (BARCELLOS, 2011).

43
BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 33-47

Considero que esta pode acessar e possibilitar a expressão de conteúdos que, de ou-
tra maneira, seriam recalcados.

7. O ritmo como impulsor da dança das enfermeiras

A utilização da dança tanto pela equipe de enfermagem quanto pelos pacientes


mostra quão essencial e pervasiva é esta atividade na cultura do Rio de Janeiro. Provavel-
mente, difícil seria a aceitação de uma situação similar dentro de um contexto hospitalar
em outras regiões do Brasil.
A dança não era uma atividade esperada nem pretendida nesse contexto, devido aos
impedimentos físicos e à quase imobilidade que a situação impõe a este tipo de pacientes.
Contudo, a força do ritmo, em determinados momentos, certamente levou as enfermeiras a
dançarem. Imediatamente sugeri que se fizesse um ‘concurso de dança’ e um paciente pron-
tamente respondeu que eles não podiam dançar. Respondi que ‘nós’ não dançaríamos mas,
sim, seríamos os juízes desse concurso, o que foi prontamente aceito por eles que acabaram
julgando as enfermeiras.

A dança dos pacientes nas poltronas de diálise: o ritmo como ‘impulsor’ do movimento
Talvez a dança das enfermeiras tenha sido o ponto de partida para que, mais tarde,
os pacientes também viessem a dançar nas suas poltronas de diálise, seguramente também
impulsionados pelo ritmo, apesar das suas condições de saúde e dos impedimentos físicos,
impostos pela doença e pela máquina de diálise, como pode ser observado nesse pequeno
registro em vídeo, feito durante a sessão18.

link do vídeo: http://www.musicahodie.mus.br/15.2/103_AC-Musicoterapia_15-2_video.php

Considerações finais

Consciente da necessidade de pesquisas e estudos no emprego da musicoterapia


nessa área, acredito, utilizando uma metáfora de ‘transporte’ empregada por Tia DeNora,
que a música é uma experiência musical que pode nos levar de um lugar (emocional) a ou-
tro (2000). Considero que esses pacientes podem, além de expressar seus conteúdos inter-
nos, viver ou experimentar a imprevisibilidade na música e, consequentemente, em outras
situações. No entanto, só a realização de pesquisas baseadas em evidências no emprego da
musicoterapia nessa área poderá demonstrar a contribuição da utilização da música como
elemento terapêutico nas doenças renais crônicas.
Este trabalho objetiva mostrar a potência da música, uma tecnologia leve, utilizada
como elemento terapêutico na prática clínica da musicoterapia numa área médica, que tem
por objetivo contribuir para o empoderamento dos pacientes e a melhora de aspectos emo-
cionais como a ansiedade, depressão, a expressão de conteúdos internos e a subjetividade,
que podem facilitar a adesão/aderência ao tratamento e consequente melhora de aspectos da
saúde física como, por exemplo, diminuição na pressão arterial.
Pode-se afirmar que a música pode facilitar a comunicação, o estabelecimento da
relação terapêutica, a autoexpressão e “mover no espaço”: pacientes, médicos, enfermeiros,
familiares e outros profissionais, não somente no sentido físico, mas, também, no sentido
emocional e psíquico, com ressonâncias sociais.

44
BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 33-47

Notas
1
Para Said, apresentando argumentos para se pensar a cultura – incluindo a música e a literatura – “Nenhum sis-
tema social, nenhuma visão histórica, nenhuma totalização teórica, não importa quão poderosa, pode exaurir
todas as alternativas ou práticas que existem dentro de seus domínios. Há sempre uma possibilidade de trans-
gressão” (1992, p. 98).
2
Afecção, no sentido que Deleuze e Guattari emprestam ao termo. Inspiram-se na obra de Espinosa que considera
as afecções como o modo com que algo é afetado e, com isso, aumenta ou diminui a sua potência de agir. A arte
conserva afectos (PINTO, 2007).
3
Positron Emission Tomography. A tomografia por emissão de positrons ou PET-SCAN é um exame de imagem
que utiliza uma substância radioativa (18- Fluordesoxiglicose) para rastrear células tumorais no organismo.
O Pet-Scan é mais um exame funcional, ou seja, que mostra o funcionamento de um tecido ao nível molecular. 
4
Segundo Veiga e Garcia (2006), Fodor (1986) levantou a ideia da “arquitetura da mente”, isto é, o modelo que in-
clui uma unidade de memória capaz de guardar tanto o programa como os dados processados. Para os autores,
“A arquitetura funcional ‘fodoriana’ da mente está constituída por módulos geneticamente especificados, com
funcionamento independente e paralelo, que processam a informação de uma natureza distinta e específica de
domínio. Cada sistema modular processa, de forma encapsulada, rápida e automaticamente, as informações es-
pecíficas. (...) O sistema central também recebe informação procedente dos diferentes tipos de memórias do su-
jeito, integrando informações armazenadas e frequentemente atua a nível consciente, enquanto que os sistemas
modulares são impenetráveis à consciência. O sistema central possibilita a interpretação da realidade, as cren-
ças, os objetivos e metas de ações” (p. 30).
5
Crianças em diálise na CDR eram apoiadas pela Fundação do Rim Francisco Santino Filho que é uma instituição
sem fins lucrativos que atendia a 220 crianças e jovens em situação de risco social, portadores de Doenças Re-
nais Crônicas, sendo 170 em tratamento dialítico em 43 clínicas no Estado do Rio de Janeiro e 30 transplantados.
A Fundação do RIM era apoiada pela Else Kröner-Fresenius-Stiftung (Alemanha), pela Frenesius Medical Care
(Brasil), e dirigida por Lívia Guedes e Ana Maria Motta que, numa iniciativa pioneira, inseriram a musicoterapia
em duas clínicas de doenças renais, além dos atendimentos de fisioterapia, reforço escolar e suporte alimentar,
entre outros. O trabalho de musicoterapia começou em março de 2009, após reuniões com a Fundação, com a ne-
fropediatra Dra. Fátima Bandeira, diretora médica da CDR e um Convênio firmado entre a Fundação do Rim e o
Conservatório Brasileiro de Música - Centro Universitário (CBM-CEU), num movimento de atendimento extra-
muros da Clínica Social de Musicoterapia Ronaldo Millecco dessa instituição, da qual fui fundadora em 2002.
Este trabalho foi realizado em coterapia com a Mt. Mariana Barcellos e por ela estendido a outro turno na mes-
ma clínica e em mais dois na clínica GAMEN, também no Rio de Janeiro.
6
Bruscia se refere às sessões de “fluxo contínuo” como sendo aquelas nas quais “o terapeuta segue o cliente de
momento-a-momento, e permite a este que determine o curso dos eventos. Já “na sessão estruturada”, o terapeuta
divide a sessão em fases processuais, e então introduz sequencias de acordo com objetivos metodológicos espe-
cíficos. Uma “sessão estruturada” tem início, meio e fim, e é organizada para se mover para e/ou em afastamento
de um evento focal.
7
À exceção de trabalho realizado em coterapia com a musicoterapeuta Lenita Moraes, em 1993, com meninos “em
situação de rua”, em uma casa pertencente a uma ONG, no morro do Pavão/ Pavãozinho, no Rio de Janeiro.
8
Refiro-me à constituição do primeiro grupo atendido.
9
Ostinatos formados por pequenas séries de notas repetidas, encontradas na música popular e no jazz, formando
uma parte distinta do acompanhamento.
10
Holding environment é um conceito de Winnicott, W. D. (1960), que se refere a um espaço físico ou psíquico entre
a mãe e o bebê e que permite uma transição da criança para ser mais autônoma. Para o autor, o terapeuta também
tem como tarefa dar um holding environment para o seu paciente.
11
O musicoterapeuta norueguês Ruud define musicoterapia como “um esforço para ‘aumentar as possibilidades de
ação’” e explica que “aumentar as possibilidades de uma pessoa significa não somente empoderá-la mas, também
dar alívio (...) a algum material de forças psicológicas que a mantêm num papel de desvantagem (1998, p. 52).
12
Como os musicólogos contemporâneos Rink (2003) e Bowen (2003) consideram o performer.
13
O “pagode romântico”, que se tornou muito popular nos anos 90, difere do pagode original porque tem letra ro-
mântica e a introdução de instrumentos eletrônicos.
14
PhD pela Joensuu University (1998) (Finlândia), desde 2003, Ahonen-Eerikainen é professora e Diretora do Man-
fred and Penny Conrad Institute for Music Therapy Research, no Canadá.
15
A questão do significado está sendo tratada no artigo “A questão do sentido e significado em música: ‘Pra não di-
zer que não falei das flores...’”. Trabalho apresentado no XVIII Fórum Estadual de Musicoterapia organizado pela
Associação de Musicoterapia do Rio de Janeiro – AMT- RJ, 2012. Inédito.
16
Utilizo a expressão ‘de forma mecânica’ para me referir a uma execução automática, aparentemente sem motiva-
ção interna.
17
O processo simbólico pode ser entendido como uma propriedade emergente de interjogo de uma variedade de
funções psicobiológicas e capacidades psicológicas no contexto do corpo, objeto e relações interpessoais. (Levin,
1989, p. iii).

45
BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 33-47

18
Deve-se informar que todos os profissionais, familiares e pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido com cessão de imagens e sons, conforme recomenda a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional
de Saúde.

Referências

BARCELLOS, L. R. M. Qu’est-ce que la Musique en Musicothérapie. La Revue de Musicothéra-


pie. Revue editée par la Association Française de Musicothérapie. v.4. n.4. Paris, 1984.

. A Movimentação Musical em Musicoterapia: interações e intervenções. Cadernos de


Musicoterapia, n.2. Rio de Janeiro: Enelivros, 1992.

. La Previsibilidad de la Canción Popular como “Holding” a las madres de bebés prema-


turos. Trabalho apresentado no II Congreso Latinoamericano de Musicoterapia. Montevidéu, ju-
lho de 2004.

. O Paciente como Narrador Musical de sua[s] História[s] em Musicoterapia. Cadernos da


Pós-graduação. Instituto de Artes/UNICAMP, Campinas: Ano 8, v.8, n.1, p. 187-195, 2006.

. El desarrollo de una nueva práctica clínica en musicoterapia: desafíos y estrategias.


Palestra proferida no IV Congreso Latinoamericano de Musicoterapia. Bogotá, 2010.

. A “Composição Musical Assistida” em Musicoterapia: aspectos teóricos e práticos.


XVIII Fórum Estadual de Musicoterapia. Rio de Janeiro, 2011. Inédito.

BENENZON, Rolando O. Manual de Musicoterapia. Trad. Clementina Nastari. Rio de Janeiro:


Enelivros, 1985.

BOWEN, J. Finding the Music in Musicology: Performance, History and Musical Works. In:
Cook, N. & Everit, M. (Orgs.) Rethinking Music. Oxford: Oxford University Press, 2003.

BRUSCIA, Kenneth. Improvisacional Models of Music Therapy. Springfield: Charles Thomas


Publishers, 1987.

DANIELS, Harry. Vygotsky e a pedagogia. São Paulo: Loyola, 2003.

DeNora, Tia. Music in Everyday Life. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.

DILEO, Cheryl. Music Therapy & Medicine: theoretical and clinical applications. Silver Spring:
American Music Therapy Association, 1999.

ERKKILÄ, J. Punker, Bassgirl, and Dingo-Man. Perspectives on Adolescents’ Music Therapy. In:
Meadows, A. (Ed). Developments in Music Therapy Practice: Case Studies Perspectives. Gilsum:
Barcelona Publishers, 2011.

FINNEGAN, R. O que vem primeiro: o texto, a música ou a performance? In: Matos, C. N.; TRA-
VASSOS, E.; MEDEIROS, F. T. (Ed.) Palavra cantada: ensaios sobre poesia, música e voz. Rio de
Janeiro: Viveiros de Castro Editora, 2008.

FIORINI, Hector Juán. El psiquismo creador. Buenos Aires: Paidós, 1995.

LAVE, Jean; WENGER, Etienne. Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation. Cam-
bridge: Cambridge University Press, 1991.

LEE, Collin Andrew. The Architecture of Aesthetic Music Therapy. Gilsum: Barcelona Publi-
shers, 2003.

46
BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia em medicina: uma tecnologia leve na promoção da saúde – a dança nas poltronas!
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 33-47

LINGLE, D. W. & RIDLEY, C. R. Cultural Empathy in Multicultural Counseling. In: J. C. Dra-


guns, P. B. Pedersen, W. J. Lonner, J. E. Trimble (Eds.), Counseling across Cultures (4th Edition).
Thousand Oaks, CA: Sage, 1996.

MIDDLETON, R. Studying Popular Music. Milton Keynes: Open University, 1990.

MILLECO FILHO, Luís Antonio; BRANDÃO, Maria Regina Esmeraldo e MILLECCO, Ronaldo
Pomponet. É preciso cantar: musicoterapia, cantos e canções. Rio de Janeiro: Enelivros, 2001.

PINTO, Marly Chagas Oliveira. Processos de subjetivação na música e na clínica em musicote-


rapia. 2007. Tese (Doutorado em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social) - EICOS,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

RINK, J. Translating Musical Meaning: the nineteenth-Century performer as Narrator. In: Cook,
N. & Everit, M. (Orgs.) Rethinking Music. Oxford: Oxford University Press, 2003.

RUUD, Even. Music Therapy: improvisation, communication, and culture. Gilsum: Barcelona
Publishers, 1998.

SAID, Edward. Elaborações musicais. Trad. Hamilton dos Santos. Rio de Janeiro: Imago, 1992.

SILVA, Denise Conceição da; ALVIM, Neide Aparecida Titonelli; FIGUEIREDO, Paula Alvaren-
ga de; Tecnologias Leves em Saúde e sua Relação com o cuidado de enfermagem hospitalar. Esc
Anna Nery Rev Enferm, 2008 jun; 12 (2): 291-8.

VEIGA, Elizabeth Carvalho da; GARCIA, Emílio Garcia/ Psicopedagogia e a teoria modular da
mente: uma nova perspectiva para a aprendizagem. 1. ed. São José dos Campos: Pulso, 2006.

WINNICOTT, D. W. The Theory of the Parent-Infant Relationships in the Maturational Processes


and the Facilitating Environment. New York: International University Press, 1960.

Lia Rejane Mendes Barcellos - Doutora em Música (Linguagem e Estruturação Musicais - UNIRIO); Mestre em Mu-
sicologia (CBM-CeU - RJ); Especialista em Educação Musical (CBM-CeU). Graduada em Musicoterapia (CBM-CeU)
e Piano (Academia de Música Lorenzo Fernândez - RJ). Coordenadora e docente da Pós-graduação em Musicotera-
pia e docente do Bacharelado em Musicoterapia (CBM-CeU). Fundadora da Clínica Social de Musicoterapia Ronal-
do Millecco (CBM-CeU). Musicoterapeuta pesquisadora convidada da UFRJ (Maternidade Escola). Autora de livros,
capítulos e artigos em vários países. Membro do Conselho Diretor da World Federation of Music Therapy por dois
mandatos. Ex-Editora para a América do Sul do Jornal Eletrônico Voices (Noruega).

47
CUNHA, R. Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 48-61

Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda

Rosemyriam Cunha (Universidade Estadual do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil)


rose05@uol.com.br

Resumo: Este trabalho apresenta um estudo sobre a performance musical em grupo. Participaram do estudo dois co-
ros, duas bandas instrumentais e um grupo musicoterapêutico. Os dados aqui analisados, parte de um banco forma-
do nos últimos quatro anos, resultaram de entrevistas feitas com participantes canadenses e brasileiros. O estudo
baseou-se em Ortega y Gasset que preconiza pensar no objeto a partir da realidade vivida, e no conceito de música
e performance de Seeger. As respostas obtidas em entrevistas individuais e coletivas foram tematizadas e agrupadas
em clusters. Os resultados mostraram que a performance musical em grupo tem por objetivo primeiro um produto so-
noro que agrade ao grupo, e que ela se estende para ganhos e trocas propiciadas pela interação entre os participantes.
Palavras-chave: Performance musical em grupo; Música em Musicoterapia.

Group musical performace: music therapy, choir and band


Abstract: This work presents a study about the group musical performance. Five groups took part in the study and
data was taken from a databank containing Canadian and Brazilian music groups interviews conducted in the last
four years. The he study is grounded on Ortega y Gasset’s thinking that recommends the object to be thought in the
light of the lived reality, and on Seeger’s music and performance concept. The answers obtained during individual
and collective interviews were themed and clustered. The results showed that the group performance ultimate goal
was to make an enjoyable sound for its members, and that the performance extends its results to the gains and ex-
changes that could result from group participants’ interaction.
Keywords: Group musical performance; Music in Music Therapy.

Performance musical en grupo: musicoterapia, coro y banda


Resumen: Este trabajo presenta un estudio acerca de la perfomance musical en grupo. Hán participado del estudio
dos coros, dos grupos instrumentales y un grupo musicoterapéutico. Los datos aqui analizados, parte de un banco
reunido en los últimos cuatro años, són resultado de entrevistas echas con partícipes canadenses y brasileños. El es-
tudio está basado en Ortega y Gasset, que preconiza pensar en el objeto a partir de la realidade vivida, y en el con-
cepto de música y performance de Seeger. Las respuestas obtenidas en entrevistas individuales fueran tematizadas
y agrupadas en clusters. Los resultados mostraron que la performance musical en grupo tiene por objetivo primero
un producto sonoro a que le guste al grupo, y que ella se extiende hacia ganancias y cambios propiciados por la in-
teración entre los partícipes.
Palabras clave: Performance musical en grupo, Música en Musicoterapia.

Por que as pessoas alteram suas rotinas de vida para participar de práticas musicais
coletivas? Esse fenômeno não é novo e as razões que o provocam ainda são pouco estuda-
das. Há registro de que os agrupamentos humanos como tribos e clãs gritaram, tocaram e
cantaram juntos desde a pré-história. Esse fato foi provado em escavações arqueológicas que
encontraram vestígios de instrumentos musicais em todas as culturas e em todas as épocas
até agora estudadas (LEVITIN, 2008). Por alguma razão esse comportamento se mantém até
hoje e também agrega famílias, grupos, orquestras e bandas.
As práticas musicais em grupo podem formar espetáculos impressionantes pela sua
força e energia. Na cultura ocidental, argumentou Fitch (2006) fundamentado na biologia da
música, essa forma de executar música frequentemente uniu as pessoas em rituais, ativida-
des sociais, brincadeiras e danças que assustavam o inimigo. Essa ação coletiva gerava uma
coesão sonora capaz de intimidar as iniciativas de ataques dos intrusos. Já Levitin, mais
voltado para as alternativas de sobrevivência construídas pelos agrupamentos humanos,
considerou que a atividade musical foi um estímulo ao desenvolvimento de comportamen-
tos complexos como a linguagem, a cooperação e a transmissão de conhecimentos entre ge-
rações. Concluindo que o fazer musical interfere nas relações entre as pessoas, ele destacou
a permanência dessa prática no decorrer da história da humanidade como uma estratégia

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 01/09/2015 - Aprovado em: 20/11/2015

48
CUNHA, R. Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 48-61

de manutenção da vida, pois o aspecto inter-relacional, a possibilidade comunicativa que se


evidencia nesse fazer são essenciais para a mediação do grupo no que se refere ao enfrenta-
mento de conflitos e a superação de desafios.
Em outra visão de cunho mais sociológico, as considerações de Frith (1996) e de
Blacking (1995) convergiram para o entendimento da música como um elemento cultural
que agrupa as pessoas, que mobiliza alianças afetivas e emocionais por ser uma construção
social que, ao ser expressada, oportuniza nossa presentificação como indivíduos no mundo.
Isso porque o som nos afeta, ele nos provoca tanto corporalmente, afetivamente como cog-
nitivamente devido aos valores culturais e históricos que norteiam a escuta e que nos reme-
tem ao senso de coletividade. Essa percepção nos diz que música é um conceito plural, ela
não é uma só, não é um valor generalizado e homogêneo. Assim, ela fica entendida como
um elemento que se diversifica e se modifica, conforme o ambiente cultural e social que a
produz; e ao qual são atribuídos sentidos em conformidade com os valores de dada socieda-
de em determinado momento histórico.
Nesta linha de pensamento, Small (1998) considerou o ato de fazer música uma
atividade que cria, recria, e reafirma as relações que acontecem entre as pessoas que dela
participam. Essa assertiva nos leva a entender que o espaço da produção musical se forma
a partir da ação dos participantes que tendem a manifestar maneiras de pensar, sentir, to-
car e cantar no contexto dasconvenções assumidas pelo grupo e pela sociedade em que se
inserem.
Em um estudo sobre a prática da improvisação musical em grupos de jazz, Cook
(2007) citou que o trabalho fundamental de Alfred Schutz: Making music together: a study
in social relationship. Essa obra, publicada em 1951, antecipou teorias que seriam desenvol-
vidas nas décadas seguintes a respeito da comunicação. O que interessou Cook, e que nos
afeta também, foi a perspectiva de engajamento com que Schutz significou o fazer musical
coletivo, no qual as pessoas que tocam em comunhão constroem um tempo e fluxo compar-
tilhado, experienciando a sensação de nós, base da comunicação.
A música que é feita em grupo supõe a contribuição de vários indivíduos. O que nos
interessa aqui é discutir sobre essa prática compartilhada quando ela resulta de objetivos
que se distanciam dos interesses financeiros. Trata-se então, de refletir sobre os espaços de
ação musical de pessoas que projetam outros interesses como resultado de seu investimen-
to nessa atividade. São grupos de pessoas que se reúnem para tocar e cantar pelo prazer de
fazê-lo; ou por desejarem conhecer, aprender música; ou ainda por buscar nas experiências
musicais coletivas (usa-se aqui o termo coletivo em contraposição ao individual) ganhos te-
rapêuticos que insidam sobre a reabilitação corporal, emocional ou cognitiva.
Para esta discussão, os autores acima citados serão fundamentais para sustentar o
diálogo aqui proposto. Também foram convidados a participar da conversa pessoas que in-
tegravam bandas, coros e um grupo musicoterapêutico, quando uma pesquisa sobre o tema
estava na fase de construção de dados. Nosso objetivo foi o de apresentar um painel diversi-
ficado com as diferentes perspectivas de uma ação que é única: fazer música é sempre fazer
música. Os objetivos dessa prática podem variar, porém, ao se reunir para tocar e cantar,
as pessoas têm em mente a produção de sons, de melodias, de ritmos ou harmonias. Elas se
agregam e provocam uma modificação no meio onde estão, ou seja, formam em espaço que
se diferencia do seu entorno, por ser um espaço de produção sonora. Na concepção do ge-
ógrafo Milton Santos (2006), um espaço se forma no conjunto dos resultados das ações das
pessoas. Assim, ao agir na produção sonora, seja ela baseada no conhecimento formal da
música ou não, o resultante será um espaço de interações sonoras, afetivas, cognitivas, cor-
porais que se distingue dos demais por ser permeado também por relações musicais.

49
CUNHA, R. Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 48-61

O ponto de partida deste trabalho foi o pensamento de que as pessoas que se reú-
nem para participar do fazer musical pretendem um resultado final que é a produção sono-
ra, a música em si. No entanto, esse fazer musical, que é múltiplo, diversificado, gera resul-
tados também diferenciados, conforme os participantes e os objetivos de cada grupo.
Importa pois, situar essa produção musical, atividade sensível e múltipla, na con-
cretude, na realidade da vida cotidiana. Com isso se pretende dizer que a perspectiva desse
trabalho é a de acatar as opiniões de pessoas que optaram por inserir em suas rotinas um
tempo para compartilhar com outras a prática da música. São pessoas comuns, que vivem a
cultura da sociedade ocidental e dela tiram seus aprendizados, suas possibilidades de ação
e de construção de formas de viver.
Essa direção nos remete ao que disseram Ortega y Gasset (1925/2008), a respeito
da escala das distâncias entre o contemplativo e o real. Nessa relação, nos situamos na re-
alidade vivida (não a contemplada). Nossa questão se volta ao mundo das pessoas, das coi-
sas, das situações, ou seja, para a realidade vivida (p. 37). Ainda no pensar desse autor, as-
sumimos que entre as realidades que integram o mundo humano se encontram as ideias
com as quais pensamos as coisas. A postura de utilizar “humanamente” as ideias seria a
de torná-las objeto e finalidade do pensamento e não um instrumento para nosso pensar.
Assim, nesse texto o produto sonoro daprática musical coletiva foi o objeto de nosso pensar.
Foge de nossa intenção pensar a partir dele ou de uma noção sobre ele.
Importa aqui, mostrar um ponto de vista particular sobre o encontro das pessoas
com a música, com o que elas pensam e sentem sobre a música. Interessa saber o que os
participantes sentem e pensam sobre as suas possibilidades (ORTEGA y GASSET, 2008) de
produzir sons junto com outras pessoas, de compartilhar o elemento sonoro e as diferentes
formas de perceber todo esse conjunto de ações e sensações. A busca foi a de entender essa
atividade sensível que colabora com a construção das noções e concepções sobre o que seja
a música, a criação da sonoridade “e de como ela se relaciona com outros aspectos da vida
e do cosmos de uma comunidade” (SEEGER, 2015).
Para compor esta proposta nos referenciamos também nos conceitos de música e
performance de Seeger (2015). Ao estudar a produção musical de índios amazônicos esse
pesquisador considerou que a música é mais do que os sons que podemos registrar nos apa-
relhos eletrônicos. Em uma visão que ampliou o conceito formal de música, o autor levou
em conta as manifestações que englobavam a criação sonora da tribo. Na sua visão, a mú-
sica se constitui na intenção de fazer algo que “se estrutura à semelhança do que chama-
mos de música em oposição a outros tipos de sons. É a capacidade de formular sequências
de sons que os membros de uma sociedade assumem como música” (p. 16). A concepção de
música se estende para: a construção e uso de instrumentos que produzem sons; o uso do
corpo para produzir e acompanhar sons; a percepção da emoção que acompanha a produ-
ção, a apreciação e a participação em uma performance. “Música é também, claro, os pró-
prios sons, após a produção. E, ainda, é tanto a intenção como realização; é emoção e valor,
assim como estrutura e forma” (p. 16). Fazer música é uma expressão social, cultural, e, co-
mo as sociedades são dinâmicas, Seeger concluiu que esse evento não é estático e contínuo,
sendo portanto, complexo e mutável.
A respeito dos termos adotados para denominar a produção sonora, optamos por
utilizar criação musical, prática musical e fazer musical como sinônimos de performance.
Entendemos a performance também no seu sentido amplo, que abarca todas as atividades
humanas, sempre queinseridas em algum quadro de referência sociocultural (OLIVEIRA
PINTO, 1997). São formas de comportamentos, posturas, formas de viver experiências e
diferentes domínos da vida. Assim, as performances englobam as atividades humanas em

50
CUNHA, R. Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 48-61

geral. Seguindo essa maneira de pensar, Seeger (2015) referiu-se às performances musi-
cais para mais do que a produção de sons e inseriu também os contextos e outros “ventos
que conferem relevância e força emocional à produção, e dos quais elas também os rece-
bem” (p. 266).

1. Caminhos metodológicos

A reflexão aqui tecida foi baseada em um banco de dados composto pela autora no
decorrer dos últimos quatro anos. Trata-se de um compilado de respostas obtidas em entre-
vistas individuais e grupos focais, cujo início se deu com a pesquisa de estágio pós-douto-
ral feita em instituição canadense em 2011 e que foi replicada no Brasil entre 2012 e 2014.
Todas as intervenções foram submetidas e aprovadas por comitês de ética (no Canadá, a
apreciação deu-se pelo McGill University Research Ethics Board II, no Brasil, os projetos fo-
ram submetidos, via Plataforma Brasil, ao Comitê de Ética da Faculdade de Artes do Paraná).
O banco de dados foi construído em tópicos de acordo com os assuntos tratados nas entre-
vistas. Os assuntos foram centrados nos aspectos sociais, culturais, afetivos, cognitivos e
corporais da prática musical em grupo. Esse arquivo, que foi alimentado a cada intervenção
realizada com novos grupos musicais, foi constantemente conferido por outra pesquisadora
na tentativa de evitar vieses e de afastar interpretações individualizadas.
Com a continuidade dos estudos, formou-se um conjunto de dados variado, tan-
to na especificidade dos grupos participantes, como no objetivo com que cada um deles se
dedicava à ao fazer musical. O ponto de semelhança que uniu os dados obtidos com essas
bandas, coros e grupo musicoterapêutico foi o interesse de seus membros em se reunir para
criar música coletivamente. Por essa razão, justifica-se explorar suas respostas e opiniões.
Como o objetivo maior que norteia a continuidade da pesquisa iniciada em 20101 é o de es-
tudar e descrever os eventos que permeiam a prática musical coletiva, aqui, o foco de aten-
ção voltou-se para o aspecto musical, ou seja, para a produção sonora, para a sonoridade re-
sultante da ação de tocar e cantar e seus desdobramentos no contexto da prática conjunta.
Neste trabalho, cinco grupos figuram como participantes: um conjunto vocal e ou-
tro instrumental canadense, um grupo vocal e outro instrumental brasileiro e um grupo
musicoterapêutico formado por mulheres também brasileiras. A diversidade dos grupos foi
proposital no sentido de examinar a pluralidade de opiniões sobre o tema. Para a categori-
zação e discussão dos dados foi utilizado o procedimento da tematização e, em seguida, a
construção de clusters. O clustering (KASZNAR e GONÇALVES, 2014) consiste no agrupa-
mento de dados a partir de similaridades e dessimilaridades, a fim de facilitar a visualiza-
ção e o entendimento dos mesmos. Os clusters são reuniões de objetos de uma mesma clas-
se (figuras, gráficos, temas), de maneira que estes tenham mais proximidade, semelhanças
entre si, do que os que formam outro cluster.
Essa forma de análise pode ser aplicada para a formação de conjuntos de resulta-
dos mais relevantes a partir da visualização, inter-relação e classificação dos dados. A me-
todologia contempla, em uma segunda fase, procedimentos numéricos. Para este trabalho,
porém, foram realizados apenas os primeiros passos indicados pelos autores citados: 1) aná-
lise exploratória para extrair informações gerais dos dados, 2) agrupamento dos dados por
similaridade para uma observação mais aprofundada dos temas, 3) visualização da classi-
ficação dos dados, e, por fim, 4) a organização dos clusters para gerar novas observações so-
bre os mesmos. A proposta aqui colocada contituiu-se em uma adaptação dessa fase inicial
do processo para um estudo qualitativo.

51
CUNHA, R. Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 48-61

Na sequência foram expostos três clusters (agrupamentos) que resultaram do pro-


cesso dos quatro passos acima listados. Dessa maneira, primeiramente foi feita uma leitura
ampla das respostas dos participantes a fim de se adquirir uma noção geral dos assuntos
por eles tratados. Em seguida, as respostas foram aproximadas conforme a semelhança dos
temas tratados. De posse desse agrupamento, leituras e releituras atentas foram necessárias
para que as similaridades pudessem resultar em clusters. O terceiro passo consistiu na sub-
missão dos agrupamentos ao site wordie.com para a formação das nuvens de palavras que,
para os fins deste estudo, serviram de ilustração para a discussão das respostas. Por fim, foi
apresentada a reflexão final sobre os conteúdos dos agrupamentos.
Abaixo encontra-se um quadro com os nomes fictícios dos participantes e alguns
detalhes sobre seus respectivos grupos. Essa informação tem a finalidade de orientar o lei-
tor na identificação do contexto no qual foram produzidas as perfomances dos grupos e as
intervenções da pesquisa.

Quadro 1: Nomes fictícios dos grupos musicais e de seus participantes. Detalhes descritivos dos grupos.

Grupo Participantes
Canadá
La Vitrine Choir
Conjunto vocal formado por moradores da cidade, com regente. Os integrantes, adultos, ho-
mens e mulheres, não tinham conhecimento musical formal. Os ensaios aconteciam duas ve-
Mary. John.
zes por semana em espaço cedido por uma igreja protestante. Não havia ligação entre o coro
Betty. Louise. Josie.
e a profissão de fé da igreja. Dos quase vinte integrantes, cinco aceitaram participar das en-
trevistas.
The Rota Band
Banda instrumental formada por cinco alunos do primeiro e segundo ano do curso superior
em música. A prática musical em grupo era atividade curricular. Ensaiavam duas a três ve- Katy. Tim.
zes por semana, nas dependências da universidade. Todos participavam de mais do que um Joe. Paul. Martin.
conjunto instrumental por iniciativa própria e aceitaram fazer parte de todas as intervenções
da pesquisa.
Brasil
Teias
Conjunto vocal/instrumental formado por alunos de curso de graduação em música e uma pro-
fessora que liderava, cantava e regia o grupo. Tinham por objetivo trabalhar músicas autorais Carol.
para depois apresentá-las em público. Estavam no seu primeiro ano de formação. Ensaiavam Jair. Nelson. Douglas.
uma vez por semana, nas dependências da universidade. Participaram de todas as interven-
ções da pesquisa.
MPBrasil
Conjunto vocal formado por homens e mulheres moradores da cidade de Curitiba. Com regen-
te, o conhecimento musical era exigido para ingressar no grupo. O repertório era centrado na Laura. Isa. Maria.
música popular brasileira. Ensaiavam duas vezes por semana nas dependências de uma uni- Raquel. Sueli. Marta. Sérgio. Mauro
versidade visando apresentações na comunidade. As observações foram feitas com todo o gru-
po, para as entrevistas oito aceitaram participar.
Grupo musicoterapêutico
Formado por cinco mulheres que integravam a equipe de limpeza da universidade e que foram
convidadas a participar de um processo fechado de musicoterapia (com data de início e fim
predeterminada). Os encontros aconteciam uma vez por semana, nas dependências da uni-
Wanda. Núria.
versidade. Nenhuma delas tinha conhecimento formal de música. O grupo foi formado com
Beatriz. Sofia.Laila.
o objetivo de oportunizar às participantes o convívio com as alunas do curso e a consequen-
te aproximação a instrumentos musicais, músicas e danças que elas viam e ouviam mas aos
quais não tinham acesso.

52
CUNHA, R. Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 48-61

2. Apresentação dos Clusters

Para iniciar a conversa sobre o aspecto musical da performance em grupo foi com-
posta uma pergunta aberta que pudesse estimular os participantes a falar amplamente so-
bre sua prática e também estender a resposta para possíveis ressonâncias desse evento em
suas vidas. Assim, optou-se pela seguinte questão, aqui chamada de ‘pergunta geradora’:
Qual é o significado de fazer música em grupo em sua vida e como o grupo do qual você
participa se encaixa nessa definição. Todas as falas apresentadas abaixo fazem parte das
respostas obtidas para esta questão. Elas estão disponibilizadas em clusters, que mostram
a dimensão de assuntos englobados, pelos membros dos grupos, no âmbito de suas práticas
musicais coletivas.

2.1 Cluster 1: a música

Tim tocava baixo na banda de jazz canadense, composta por alunos do primeiro e
segundo ano do curso superior de música. Sobre a pergunta acima apresentada, ele se refe-
riu à valorização da forma singular com que cada membro do grupo tocava seu instrumento
e produzia sonoridades:

Eu penso que a razão pela qual eu gosto de estar neste grupo é porque eles (os colegas)
são abertos a uma seleção diversificada de músicas. Nós tocamos diferentes tipos de
música, de diversos gêneros e estilos culturais, então penso que o grupo é único nesse
caminho, e parece que o objetivo de todos nesse conjunto é o de fazer cada qual soar
melhor, e esse é sempre o melhor objetivo de se ter porque as pessoas que se isolam
não vão a lugar nenhum na comunidade musical.2

Joe era responsável por organizar os ensaios da banda. Ele reservava a sala de es-
tudos, fazia a agenda de ensaios e tocava saxofone. Na opinião dele a prática musical em
grupo oportunizava o compartilhamento: “música é algo que todos nós devemos compar-
tilhar”.3
Betty integrava o coro comunitário canadense. Ela centrou sua resposta no próprio
ato de criar música:

Isto aqui é sobre fazer música, não é sobre cantar juntos toda semana... é sobre criar
um espaço de beleza. Esse coro não é somente sobre cantar, é sobre fazer música, e,
de preferência, é sobre fazer uma música bonita. Há um senso sobre a música... nos
reunirmos para fazer música.4

John, também integrante do coro comunitário, referiu-se ao desafio do fazer musi-


cal coletivo:

Bem, eu gosto de cantar. É um desafio que experimentamos coletivamente: aprender


e aprender bem. Você precisa entrar nesse espaço a tal ponto que faça parte do todo
e que todo o seu foco seja cantar corretamente... assim aqueles que estão cantando as
partes iguais, cantam como se fossem um só.5

O Teias era um grupo instrumental brasileiro e também formado por alunos de um


curso de ensino superior em música. Entre os membros dessa banda, Nelson, que tocava o
baixo, falou sobre o fato da música expressar o momento histórico do grupo:

53
CUNHA, R. Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 48-61

É engraçado, fazer música é uma coisa... somente quem toca prá saber a sensação...,
acho que a arte tem esta função de entretenimento, mas também ela é um reflexo de
como a gente vive hoje. É a imitação, filosoficamente, é a imitação de como a gente
vive hoje, e a gente tá reproduzindo sons da nossa sociedade. Enfim, a importância
do grupo e da música que o grupo faz é a de refletir o que é atual, instantâneo, o que
a gente vive.

O violoncelista da Teias, Jair, declarou sua preocupação com aspectos da interpre-


tação musical. “Às vezes a regente fala que tem uma coisa só, não tem dinâmica, fica aquela
barulheira só,... tem horas que tem solos e aí o pessoal tem que diminuir e não diminui, aí
tem que forçar o instrumento para aparecer mais... acho que é trabalhar mesmo a dinâmi-
ca, a técnica...”.
Carol, a regente do grupo, comentou sobre os consensos e objetivos do fazer musi-
cal do seu grupo:

Eles gostam de ruidera, de som com pouco fidelidade, ao contrário de mim que vivo
buscando alta fidelidade, prá mim foi um complemento bacana... a palavra que se tem
é busca, do que é essencialmente... não é de sucesso, nem de fama, parece que é de
qualidade musical, um trabalho que satisfaça cada um de nós.

No grupo musicoterapêutico, logo no início de um encontro, Wanda falou: “Estou


com a cabeça cheia de músicas!” Ela se referia ao repertório de canções que conhecia e de
sua vontade de interpretá-las junto com as outras participantes. A interpretação comparti-
lhada de canções foi estimulada neste grupo e as mulheres se encontraram, várias vezes,
em situação de escolher uma música entre as tantas que conheciam para vivenciar coletiva-
mente o conhecimento musical que tinham.

Quadro 2: Nuvem de palavras cluster 1.

A construção da nuvem de palavras com as respostas do cluster 1 destacou a pala-


vra music (música) em primeiro lugar. O tema em destaque no conjunto das opiniões e pen-
samentos dos participantes dos grupos, nesta primeira parte da aproximação à pergunta ge-
radora foi a música e o fazer musical.

54
CUNHA, R. Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 48-61

2.2 Cluster 2 - os ganhos

A pergunta geradora, embora situasse exatamente a prática musical em grupo co-


mo centro da atenção, provocou uma evolução do assunto para ganhos, conforme dito pelos
participantes. Nota-se, nas respostas, a percepção de que a reunião com outras pessoas para
fazer música suscitou desdobramentos que extravasaram o efeito musical criado pelo grupo.
Entre as participantes do grupo musicoterapêutico, Núria se referiu ao fato da par-
ticipação na produção musical propiciar mais aproximação entre os membros do grupo:

Puxava as músicas, na última vez até comecei a bater um sonzinho lá. Então, não
sei, incentivar as pessoas lá... seria muito bom, assim, prá convivência mesmo aqui
da faculdade, do trabalho, né. A gente conhecer um pouquinho mais cada um, né?
Não só saber que tipo de música cada um gosta, mas saber um pouquinho mais de
cada um... eu acho.

Já a Beatriz falou de bem-estar, de alívio das sensações de estresse:

Pensei, meu Deus vou sentar lá, ouvindo música e fazendo o quê? E, de repente tem
uma visão diferente, o objetivo de você desligar um pouco e desestressar, entendeu?
Já começa a segunda-feira alegre. É um momento que você pode, assim, usar aquele
teu lado criança, sem sentir vergonha, entendeu?

A emissão vocal em intensidade forte foi chamada de “berro” por Sofia. Segundo
ela, eles deram base para a desibinição: “...os berros, principalmente os berros...aprendi a me
soltar um pouco, um pouco... mas me soltei bastante né, em vista do que era antes. Quando
saía, já saía gritando de lá... é isso”. Núria concordou com ela ao dizer que “aquelas músi-
cas, o que a gente fazia dava uma liberdade prá gente. Uma liberade, né, depois a gente foi
conhecendo mais as pessoas...”. A opinião de Laila foi semelhante à das colegas: “Ah! senti
um alívio, uma alegria, né. Vi que alí tinha uma união. As pessoas ali, na medida do possí-
vel, como diz nas músicas, nos ensinamentos que as meninas davam, então foi transmitin-
do uma paz, uma alegria, né”.
No contexto da banda de jazz, Katy, que tocava a flauta transversal, disse das opor-
tunidades de aprendizado e crescimento pessoal, uma vez que “o grupo é a chance de eu
poder trazer algumas das minhas composições e arranjos, e de ter um grupo de pessoas ca-
pazes de tocar comigo. Esta é uma boa oportunidade de ter um grupo de bons músicos to-
cando... O grupo é a combinação de muitas oportunidades”.6
Paul, o baterista, referiu-se ao sentimento de união,

especialmente na música de jazz... é uma arte de improvisação. Tem uma espécie de


energia, uma espécie de sentimento lá, quando você apenas junta duas... algumas três
pessoas, qualquer número de pessoas que, às vezes, você nunca viu antes, elas se jun-
tam e se consideram uma equipe e tocam música juntas.7

Laura, participante do MPBrasil, aproveitou a pergunta geradora para falar sobre o


investimento pessoal sem fins financeiros na produção musical:

...sempre cantei em grupo e pretendo ficar assim. E por hobbie. Tenho minha profis-
são, se ganhasse algo aqui seria lucro, mas ganho com as aulas da... (cita o nome da
regente, dos preparadores vocal e cênico)...isso é gratuito. A gente brinca; ‘você não
ganha nada prá cantar!’ Não, eu não ganho dinheiro, mas ganho muita experiêcia,
muitas risadas, é uma terapia. Têm esses ganhos que não são monetários.

55
CUNHA, R. Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 48-61

Quadro 3: Nuvem de palavras com as respostas do cluster 2.

O tema em relevo neste bloco se voltou para os ganhos que a prática musical em
grupo pode oferecer A nuvem de palavras do cluster 2 ressaltou os termos: grupo e música.

2.3 Cluster 3 - as trocas

Neste terceiro cluster foram reunidos os tópicos, entre as respostas obtidas para a
pergunta geradora, que se referiram às interações musicais e às ressonâncias da prática mu-
sical na vida dos membros dos grupos.
Laura, do coro brasileiro, entendia que sua prática musical estava oportunizando
flexibilidade nas interações com as pessoas: “Eu tenho um pouco de dificuldade de aceitar
o erro tanto meu quanto dos outros, então pra mim é bom essa questão de trabalhar com
grupo, de, não só do erro, e também de ver quando as coisas estão boas.” Sua colega Maria
falou do intercâmbio de informações:

Não existe música sozinha. Não existe de jeito nenhum... porque a música ela é em
parceria, não tem como uma pessoa só tocar percussão, violão, contrabaixo e teclado,
não tem, e cantar ao mesmo tempo. Então pra sair música de verdade é em conjunto...
por isso que eu fui entrando nesses corais e tudo, que eu falo, como um ensina o ou-
tro, como a gente cresce; eu chego lá, o pessoal tem uma noção de leitura, de teoria,
muito maior que a minha, e ajudando, olha aqui é assim, e são coisas que a gente não
aprende sozinho.

Assim como Maria, só que no contexto musicoterapêutico, Beatriz também desta-


cou esse intercâmbio de aprendizados: “Não, acho que, de repente, a gente tava lá prá apren-
der, né. Aprende, entendeu, a tocar, aprende a pagar mico, entendeu... não, assim, não era
pra tocar certinho... mas eu era que nem uma criança... vou pagar mico mesmo”. Mary, in-
tegrante do coro comunitário canadense, também falou do ambiente propício às experimen-

56
CUNHA, R. Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 48-61

tações no espaço da performance em grupo: “Musicalmente, às vezes eu contribuo fazendo


erros (risos), assim as pessoas entendem o que não devem fazer”.8 John, seu colega, foi da
mesma opinião:

As vezes as peças são difíceis, e nós realmente precisamos trabalhar. Nós trazemos
nossas fraqueza porque somos amadores, nós não somos profissionais... nós batalha-
mos com a afinação...com o ritmo... Assim, esses são desafios que nós encontramos e
tentamos superar.9

Os membros dos grupos canadenses também tinham a percepção de que a perfor-


mance musical coletiva agregava ganhos que não só o efeito sonoro final. Na banda de jazz,
Joe, o pianista, falou da diversidade de repertório que o grupo incentivava:

Todos em nosso conjunto trouxeram, alguma vez, suas composições, e nós trabalha-
mos juntos nelas, damos nossas sugestões, tentamos diferentes coisas, somos abertos
a isso e realmente gostamos de música, gostamos de tocar jazz, nós todos gostamos de
tocar os estilos que trazemos.10

Seu colega baterista, Paul, referiu-se à interação musical como um espaço para exe-
cutar ações referentes à prática que não só o tocar:

No início do semestre, nós tocamos uma canção chamada Country, de Keith Jarrett,
cuja gravação original eu escutei e estava procurando adequá-la à flauta e ao sax ba-
rítono, assim eu me ofereci para fazer o arranjo para o grupo.11

No âmbito do coro comunitário, Louise ressaltou a união sonora e seu resultado no


grupo:

Mais uma vez, fazer música sozinha é bom, mas quando percebemos que estamos fa-
zendo música todos juntos... todas essas vozes que seriam perfeitamemnte comuns,
bonitas vozes, mas comuns, juntos somos mais do que peças individuais, a soma é
maior do que a parte e, de novo, isso é emocionalmente, socialmente bom; e as pesso-
as do coro... elas são realmente boas pessoas e então eu recebo opoio emocional delas,
assim como artística e intelectual.12

Mary abordou o mesmo assunto que Louise, porém inseriu um caráter de desafio
na prática coletiva:

O desafio é trabalhar com um grupo de pessoas com ampla variedade em habilida-


des e experiências musicais, algumas pessoas que não leem música, outras que antes
nunca cantaram em coro, vozes que gostam de ser solistas e que não ficam boas quan-
do misturadas com outras, algumas pessoas são difíceis na escuta. Pelo que somos,
acho que fazemos um bom trabalho.13

O mesmo aspecto foi destacado por Betty:

Nem todos são musicalmente treinados, algumas pessoas conseguem ler música, ou-
tras aprendem de ouvido, algumas lutam com isso, algumas têm que trabalhar duro
para aprender suas músicas.14

John completou esse pensamento com sua opinião:

57
CUNHA, R. Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 48-61

Eventualmente, você chegará ao ponto de cantar bem, criativamente e artisicamen-


te. Então, eu gosto do fato de que trabalhando juntos, nós podemos, frequentemente,
criar juntos algo que é bonito e expressivo.15

Quadro 4: Nuvem de palavras com as respostas da cluster 3.

A nuvem de palavras das respostas do cluster 3 gerou os termos together, people e


music (juntos, pessoas e música). Aqui, neste ajuntado de respostas, o assunto em destaque
direcionou-se para as trocas, as interações, no decorrer das práticas musicais em grupo.

Reflexões finais

A proposta deste trabalho foi centrada na discussão sobre a performance musical


em grupo. Adotamos a noção de performance de Seeger e Oliveira Pinto, que, como dito
anteriormente, engloba todos os eventos da atividade humana. A perspectiva aqui desen-
volvida, voltada para o pensamento de música da cultura ocidental, trata-se de uma das
muitas visões que podem ser tecidas. Importa lembrar que consideramos a música um ele-
mento complexo, múltiplo, fruto da atividade sensível das pessoas. Nesse sentido, o desen-
rolar dessa reflexão se deu sobre o vivido, sobre o mundo real das pessoas e de suas pos-
sibilidades.
Esta perspectiva nos direcionou a acolher e entender a comunicação obtida com os
grupos envolvidos nessa pesquisa. E, com o objetivo de estudar os dados na sua concretude,
pudemos nos aproximar dos participantes com franqueza e humildade de forma que nossas
interações foram amigáveis, mas não raro escutei deles o quanto a entrevista desencadeou
um pensar sobre suas opções e práticas. Outras vezes falaram do seu espanto por se darem

58
CUNHA, R. Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 48-61

conta de que nunca haviam pensado sobre o assunto que tratamos. Esses relatos levaram a
pensar em como as intervenções humanas provocam as pessoas, deixam marcas, e no quan-
to a pesquisa faz parte desse universo.
Neste caminho, pudemos entender que os grupos aqui estudados se reuniam para
fazer música. Esse era o objetivo maior dos participantes, fosse o grupo musicoterapêutico,
coro ou banda. A finalidade era a de juntar-se a outras pessoas para cantar, tocar, criar um
produto sonoro, obter um resultado final que agradasse a todos, que agregasse sentido ao
fato de estarem em grupo e em um espaço de produção musical. A música foi mencionada
como um elemento a ser compartilhado, ou seja, um elemento que faz parte da cultura, da
sociedade, da coletividade.
A atividade de fazer música em grupo adquiriu aqui, um valor subjetivo, pois a
sensação de participar no produzir sonoridades tornou-se única para cada um dos envolvi-
dos na ação. O partilhar de uma performance musical atualizou, nas pessoas envolvidas, os
sentimentos, os pensamentos sobre os fatos, por ser uma ação voltada para o que se vive no
presente, relativizando a experiência histórica das pessoas. Fazer música em grupo foi tra-
balho, pesquisa, envolvimento para encontrar um resultado comum. A nuvem de palavras
resumiu todo esse movimento: música.
No contexto dos grupos aqui estudados, fazer música em grupo tornou-se mais do
que tocar e cantar juntos. A performance grupal oportunizou a ampliação do conhecimento
musical, do repertório sonoro, o contato e o conhecimento de outras pessoas. Essa prática
colaborou para a diminuição de níveis de estresse, de inibição e de solidão. Foi importan-
te para as pessoas estar em grupo e nesse espaço compartilhar tanto ideias musicais como
assuntos não musicais. Os ganhos encontrados na prática musical coletiva dirigiram-se aos
aspectos da sensibilidade e da afetividade. A nuvem de palavras resumiu esse pensamento:
grupo e música, grupo em música.
Os grupos participantes, musicoterapêutico, coros e bandas, revelaram outro as-
pecto interessante: o aprendizado entre os pares. Os participantes relataram que aprendiam
uns com os outros, quem sabia mais de um assunto, ensinava a quem tinha menos conhe-
cimento. Nessas trocas, foi permitido errar, tentar de novo, acertar. O espaço musical cole-
tivo apresentou desafios de aprender o que era difícil, de conhecer novos estilos musicais,
de dar sugestões e de mostrar capacidades outras que não só cantar e tocar, mas também de
compor e improvisar.16 No grupo havia apoio e incentivo para criar algo expressivo e boni-
to. A nuvem de palavras resumiu: pessoas, juntos, música.
Na trajetória aqui traçada, pudemos ver como a prática musical em grupo se rela-
cionava com outros aspectos da realidade das pessoas que dela faziam parte. Também pu-
demos ver que, independente das características de cada grupo – fosse ele terapêutico, coro
ou instrumental, a prática musical foi um ponto de aproximação, ela os tornou semelhantes,
embora todas as suas peculiaridades e singularidades.
Mesmo que a música como resultado final tenha sido citada nos grupos, pode-se ob-
servar que em todos eles outros ganhos e outras interações também interessaram os partici-
pantes. Acreditamos que aqui possa haver um diferencial que distingua os grupos terapêu-
ticos dos não terapêuticos. O leitor atento verificou que o grupo musicoterapêutico esteve
enfaticamente mais presente no cluster 2, que se referiu aos ganhos. Alí a busca nos pareceu
mais concentrada nos ganhos das inter-relações humanas que são facilitados e estimulados
no espaço da vivência musical musicoterapêutica.
Este trabalho mostrou alguns aspectos e resultantes da prática musical em grupo
com base nas opiniões dos membros dos grupos que se envolveram na investigação propos-
ta. O conjunto dos dados obtidos em entrevistas foi interpretado a partir da realidade vi-

59
CUNHA, R. Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 48-61

vida e sentida pelos participantes. O cunho exploratório desse estudo se confirma nessas
refexões finais e abre espaço para futuros estudos que possibilitem o aprofundamento des-
sa reflexão e a descoberta de novos conhecimentos sobre a performance musical em grupo.
Desenvolver esse conhecimento é uma demanda do campo musicoterapêutico que trabalha
efetivamente com grupos e, acreditamos também, das áreas da educação musical, da perfor-
mance musical e de outras práticas que agem na formação grupal.

Notas
1
O tema tem sido pesquisado desde 2010, quando em estágio pós-doutoral, a autora iniciou as intervenções com
grupos musicais. O primeiro artigo gerado foi publicado no periódico Research Studies in Music Education (v.
34, n.1, 2012) sob o título de The secondary aspects of collective music-making.
2
I guess a big part of the reason I like being in this group is because they’re really open to a really diverse array of
music. We play a ton of different kinds of music and lots of different time signatures and cultural styles, so I think
it’s really unique that way, and it seems like everyone’s goal in the combo is to make everyone else sound better,
which is always the best goal to have because people who isolate themselves aren’t really going to go anywhere in
the music community.
3
“music is something that we all have to share”.
4
It is about making music, it’s not about singing together every week... It’s about creating a beautiful space. This
choir is not just about singing, it is about making music, and, ideally it’s about making beautiful music. There is
this sense of the music... it’s about coming together and making music.
5
Well, I enjoy singing. It’s a challenge which we experience collectively: to learn music and learn it well. You need
to enter in this space that at one point you are a part of a whole and your entire focus is singing correctly... so that
those who are singing the same part are singing as one.
6
the group is a chance to me to bring in some of my compositions and arrangements, and having a group of people
able to play with me. It is a good opportunity to have a group of good musicians playing... The group is a combina-
tion of a lot of opportunity.
7
“especially in jazz music... it is an improvising art. There is a kind of energy, a kind of feeling there, when you just
take any two... any three people, any number of people that sometimes you never met before, pulling them around
and they can call a team and play music together.
8
“Musically, sometimes I contribute by making mistakes (laughs), so people know what not to do.”
9
Sometimes the pieces are difficult, and we really need to work. We bring our weakness because we’re amateurs,
we aren’t professionals... we struggle with pitch... with rhythm... So, these are challenges that we try to meet and
to overcome.
10
Everyone in our combo has at a time brought in a composition, and we’ve worked on it together and we get our ide-
as out and we try different stuff and we’re open to this and we all really like to play music, we like to play jazz, we
all like to play the styles that we bring in.
11
Earlier in the semester we played a song called Country, by Keith Jarrett, which I heard the original recording and
somehow I was looking how it could fit with the flute playing and the parts of bari playing so I offer myself to ar-
range that for this group.
12
Again, making music alone is nice, but when we know what we’re doing and we’re all together... all these voices
which might be perfectly ordinary, nice voices but ordinary, together we’re more than the individual pieces, the
sum is bigger than the part and again that’s good emotionally, socially, and the people in the choir... they’re really
all really nice people and so I get... I get emotional sustenance from them as well as this artistic and intellectual
sustenance.
13
The challenge is working with a group of people with a wide variety of skills and experience with music, some pe-
ople who don’t even read music, some who haven’t sang in a choir before, voices who like to be soloists and are not
good at blending with other, some people are hard of hearing. For what we are I think we do a pretty good job.
14
Not everyone is musically trained, some people can read music, some people learn it all by ear, some people stru-
ggle with it, and some have to work very hard to learn their music.
15
Eventually you’ll get to the point where you do sing well, creatively, and artistically, So, I enjoy the fact that by
working together we can often create something that is beautiful and expressive together.
16
Todos os grupos fizeram improvisações e composições. Quanto ao grupo musicoterapêutico, nos referimos às
experiências musicais de improvisação e composição propostas pelo musicoterapeuta Kenneth Bruscia, no livro
Definindo Musicoterapia, publicado pela editora Enelivros em 2000.

60
CUNHA, R. Perfomance musical em grupo: musicoterapia, coro e banda.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 48-61

Referências

BLACKING, J. Music, Culture, and Experience: selected papers of John Blacking. Chicago:
University of Chicago Press, 1995.

COOK, N. Fazendo música juntos ou improvisação e seus outros. Per Musi, Belo Horizonte, n.16,
p. 7-20, 2007.

FITCH, T. The biology and evolution of music: A comparative perspective. Cognition, n.100,
p. 173-215, 2006.

FRITH, S. Performing rites. On the value of popular music. Cambridge: Harvard University
Press, 1996.

KASZNAR, Istvan, K. GONÇALVES, Bento M. L. Técnicas de agrupamento clustering. Revista


Científica e Tecnológica. Institutional Business Consultoria Internacional - IBICI. 2014. Dispo-
nível em: <ttp://www.ibci.com.br/20Clustering_Agrupamento.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2014.

LEVITIN, D. J. The world in six songs. London: Plume, 2009.

ORTEGA y GASSET, J. A desumanização da arte. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2008. [Original pu-
blicado em 1925].

SANTOS, M. (2006). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo.

SEEGER, A. Por que cantam os Kîsêdgê. Uma antripologia musical de um povo amazônico. São
Paulo: Cosac Naify, 2015.

SMALL, Christopher. Musicking. The meanings of performance and listening. Middletown:


Wesleyan University Press, 1998.

OLIVEIRA PINTO, T. Som e música. Questões e uma antropologia sonora. Revista de Antropo-
logia, v.44, n.1, 2001.

Rosemyriam Cunha - Professora do curso de Musicoterapia na UNESPAR Campus II Curitiba - Faculdade de Artes
do Paraná. Ministra as disciplinas Pesquisa em Musicoterapia, Introdução à Prática da Musicoterapia, Musicote-
rapia Social, além de orientar estágios. Mestre em Psicologia da Infância e da Juventude (UFPR, 2002), Doutora em
Educação (UFPR, 2008) com pós-doutorado em Educação Musical na McGill University, Canadá (2011).

61
GATTINO, G. S. Algumas considerações sobre os efeitos negativos da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 62-72

Algumas considerações sobre os efeitos negativos da música

Gustavo Schulz Gattino (Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC)


mtgattino@gmail.com

Resumo: Esta revisão de literatura tem o propósito de discutir possíveis riscos oferecidos pela música com o ob-
jetivo de conscientizar os profissionais que a utilizam como forma de intervenção a respeito das suas consequên-
cias introgênicas. Neste artigo são discutidas algumas situações onde a música pode gerar resultados negativos:
escuta de um conteúdo associado a momentos difíceis na vida de uma pessoa; audição de algo que não gostamos;
alteração do estado de consciência; aplicação em algumas patologias sem o conhecimento das características mu-
sicais presentes nestas condições; o uso repetitivo de um estímulo sonoro por um longo tempo; além da utilização
de estímulos diferentes ou estranhos aos padrões estéticos de uma pessoa. Conclui-se que há uma necessidade de
mais estudos sobre este tema para que se possa entender de que maneira a música atua de modo iatrogênico no
ser humano.
Palavras-chave: Utilização da música; Riscos; Efeitos negativos.

Some considerations about the negative effects of music


Abstract: This literature review aims to discuss possible risks offered by music in order to aware professionals who
use it as an intervention about their iatrogenic consequences. This paper discusses some situations where music can
generate negative results: listening a content associated with difficult moments in person’s life; hearing something
which we do not appreciate; generating altered state of awareness; the application of this stimuli in some pathologies
without knowledge on the musical features present in these conditions; using a repetitive stimulus for a long time;
and, the use of a different or strange stimuli that do not correspond with aesthetic preferences of an individual. It
concludes that there is a necessity for more research on this topic so that it can be understood how music works in
a iatrogenic perspectives in humans.
Keywords: Use of music; Risks; Negative effects.

Algunas consideraciones sobre los efectos negativos de la música


Resumen: Esta revisión de la literatura tiene como objetivo discutir los posibles riesgos que ofrece la música con el
fin de concienciar los profesionales que lo utilizan como una intervención sobre sus consecuencias iatrogénicas. Es-
te artículo discute algunas situaciones en que la música puede generar resultados negativos: escuchar un contenido
asociado a momentos difíciles en la vida de la persona; algo que no apreciamos la audición; generación de estado
alterado de la conciencia; la aplicación de este estímulo en algunas patologías sin el conocimiento de las caracterís-
ticas musicales presentes en estas condiciones; usar un estímulo repetitivo durante un largo tiempo; y, el uso de un
estímulo diferente o extraño que no corresponden con preferencias estéticas de un individuo. Se concluye en esta
publicación que hay una necesidad de más investigaciones sobre este tema para que se pueda entender cómo funcio-
na la música en unas perspectivas iatrogénicos en los seres humanos.
Palabras clave: Uso de la música; Riesgos; Efectos negativos.

Introdução

Desde a década de 30 do século passado, diferentes medidas são utilizadas para


verificar o efeito da música no ser humano (AUSTIN, 2010; GATTINO, et al., 2010; IRONS,
KENNY e CHANG, 2010; ALBORNOZ, 2011). As primeiras mensurações foram as ava-
liações comportamentais, tais como a diminuição de comportamentos estereotipados em
crianças com autismo, melhora nas capacidades de fala e comunicação de pessoas com de-
ficiência intelectual e o aumento de contato com a realidade para pessoas com esquizofre-
nia (ISHIYAMA, 1963; NORDOFF, 1964; HEIMLICH, 1965). Da mesma forma, desde a dé-
cada de 60 do século passado medidas fisiológicas como a avaliação dos batimentos car-
díacos e da pressão arterial são usadas para observar o efeito da música (WATKINS, 1997;
BAECK, 2002; BOSO, et al., 2006). Com o passar do tempo, estas medidas foram evoluindo
para aplicações de testes psicológicos como a escala Beck, questionário de auto-relato com

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 12/08/2015 - Aprovado em: 03/11/2015

62
GATTINO, G. S. Algumas considerações sobre os efeitos negativos da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 62-72

21 itens de múltipla escolha para medir a severidade de episódios depressivos (GANDINI


et. al, 2007), assim como pela análise de elementos fisiológicos como a avaliação de célu-
las do sistema imunológico, além da a expressão gênica de diferentes neurotransmissores
(BITTMAN, et al., 2001; DILEO, 2006; EMANUELE, et al., 2010).
Como exemplos de testes psicológicos usados para mensurar os efeitos da música,
cita-se o estudo Hars e colaboradores (2013). Este estudo verificou uma melhora nas habi-
lidades cognitivas de idosos através dos testes Clock-Drawing, Frontal assessmentbattery
(FAB) e Mini-Mental State Examination (MMSE), alémdos sintomas de depressão e ansieda-
de, examinados pelo teste Hospital Anxiety and Depression scale (HADS-A).
Quanto aos aspectos fisiológicos, no estudo de et al. (2007) a música foi aplicada a
pacientes que realizaram um procedimento cirúrgico (LEARDI, et al., 2007). Os resultados
mostraram que o uso da escuta musical diminuiu o nível plasmático de cortisol e aumentou
a quantidade de células Natural killer (NK). No estudo de Emanuele, et al. (2010), a ativida-
de de escuta musical foi aplicada a músicos, não músicos e crianças com autismo. Como re-
sultado do estudo, ficou evidenciado que a expressão gênica do receptor de dopamina DRD4
mostrou aumentada no grupo de músicos e das crianças com autismo.
Segundo Björkman, et al. (2013), os efeitos positivos da música são diferentes em
homens e mulheres. O ensaio clínico randomizado desses autores analisou os efeitos seda-
tivos da música (sensações de dor, relaxamento e bem-estar), além dos comportamentos de
dor e ansiedade,durante a um procedimento de colonoscopia. Antes da colonoscopia, os pa-
cientes adultos, com idade entre 18-80 anos, foram aleatoriamente designados para um gru-
po de intervenção, que ouviu música instrumental com 60-80 batimentos por minuto du-
rante a colonoscopia e, para um grupo controle, que apenas recebeu o procedimento padrão
para a realização do exame (sem escuta musical). Após a colonoscopia, ambos os grupos
responderam um questionário sobre a ansiedade, State Trait Anxiety Inventory. As mulhe-
res do grupo de intervenção tiveram um menor nível de ansiedade durante a colonoscopia
quando comparadas às do grupo controle. O relaxamento e bem-estar foi significativamen-
te maior no grupo de intervenção, especialmente entre os homens, do que nos controles.
Os homens do grupo de intervenção ficaram mais relaxados durante a colonoscopia do que
no grupo controle. Dessa forma, ouvir música sedativa trouxe uma diminuição da ansieda-
de e aumento do bem-estar durante a colonoscopia, porém de modo diferente entre homens
e mulheres.
Ainda que muitos artigos relatem os benefícios da música, não há uma elevada
quantidade de publicações sobre os efeitos iatrogênicos (negativos) da música. Da mesma
forma, apenas alguns trabalhos abordaram os possíveis riscos que as experiências musi-
cais podem oferecer ao ser humano. Neste sentido, esta revisão narrativa tem o propósito de
apresentar algumas publicações que tratam sobre alguns possíveis efeitos negativos, bem
como discutir e aprofundar esta temática para conscientizar profissionais que utilizam a
música como forma de interação.

1. Efeitos negativos da música

De acordo com o senso comum, a música está associada apenas a efeitos positivos
e ela não possui contraindicações (GATTINO, RODRIGUES e ARAUJO, 2014). Contudo, ela
poderá acarretar em efeitos iatrogênicos conforme a situação ou modo em que ela é viven-
ciada. Uma determinada música pode estar associada com um momento difícil na vida de
uma pessoa e gerar um efeito negativo, pode causar desconforto se não gostarmos de deter-

63
GATTINO, G. S. Algumas considerações sobre os efeitos negativos da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 62-72

minada música ou ainda pode nos levar a estados alterados de consciência de acordo com
a intensidade em que é utilizada, por exemplo (FORSTER, 2007). Além disso, quando apli-
cada em algumas condições (como o autismo, a esquizofrenia e a epilepsia), de forma indis-
criminada, ela pode oferecer riscos (GATTINO, RODRIGUES e ARAUJO, 2014). Estes auto-
res afirmam que uma mesma música que nos causa prazer e satisfação num dado momento
também pode causar efeitos negativos num momento seguinte conforme o contexto onde
em que ela foi vivenciada.
Segundo Maranhão (2007), podemos ter uma percepção diferente da mesma estru-
tura sonora de acordo com o ambiente sonoro vivenciado. De forma contrária, quando es-
sa estrutura foge completamente aos padrões conhecidos pode oferecer sensações de alerta,
medo e desconforto, como é o caso da música contemporânea para muitas pessoas (MARA-
NHÃO, 2007). Nesse sentido, serão detalhadas essas situações mostrando os seus possíveis
riscos e efeitos negativos.

1.1 Efeitos negativos da música relacionados a momentos difíceis da vida

A música representa uma forma de comunicação importante quando estamos com


medo ou estamos tristes e por isso ajuda a manifestar diversos sentimentos (WAZLAWICK,
2006). No entanto, a fixação em repertórios associados a momentos complicados da vida po-
de causar desconforto para algumas pessoas e causar lembranças desagradáveis de um perí-
odo já transcorrido, ao invés de estar associada a um sentimento superação de uma dificul-
dade. No cérebro, há uma região que é ativada justamente nestas situações onde associamos
uma música a um momento que nos marcou de forma profunda. Esta região é o hipocampo
e está localizada no sistema límbico, o qual é o centro das nossas emoções no sistema nervo-
so central (MUSZKAT, 2012). Nesse sentido, ativar esta região a partir de momentos peno-
sos pode causar dor e sofrimento ao indivíduo (LEHMANN, 2005). A adolescência é conhe-
cida por ser um período onde essas marcas de dor e sofrimento, muitas vezes, estão mais
aparentes em relação à música (WAZLAWICK, 2006; SILVA e SÁ, 2007). Muitos indivíduos
relatam que determinados tipos de música (como o rock e o heavy metal) representam um
momento negativo nesta fase da vida onde a música, inclusive ganhou conotações de revol-
ta e contradições (WAZLAWICK, 2006). Em outro contexto, alguns músicos relatam senti-
mentos de desconforto em relação à lembrança de algum repertório que foi muito árduo de
ser executado (LEHMANN, 2005) ou que marcou um período conturbado da sua carreira
profissional (DE ASSIS & MACÊDO, 2008).

1.2 Efeitos negativos pela escuta de músicas que não gostamos

O nosso cérebro realiza um processo complexo para identificar se gostamos ou não


de uma determinada música (SALIMPOOR, et al., 2011). Segundo esses autores, o estímu-
lo sonoro entra por duas vias distintas no nosso sistema nervoso central onde a música é
percebida na forma de vibração por nossas terminações sensoriais espalhadas pelo corpo
e como estímulo auditivo a partir da decodificação no nosso ouvido para o nervo auditivo.
Ao chegar no sistema nervoso central há uma decodificação do estímulo sonoro realizada
pelo córtex frontal e pelo córtex parietal para comparar aquela determinada estrutura mu-
sical a outras já gravadas no cérebro (tarefa central do córtex parietal). A partir desta com-
paração o cérebro verifica se existe algum registro próximo com aquele que está ativando o

64
GATTINO, G. S. Algumas considerações sobre os efeitos negativos da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 62-72

cérebro naquele momento. Caso o estímulo seja parecido como algo que gostamos (interpre-
tação feita no córtex frontal), o cérebro irá liberar neurotransmissores relacionados ao pra-
zer, como dopamina e serotonina e este estímulo vai ser atribuído como positivo. Se a músi-
ca escutada estiver relacionada a algo que não gostamos, o cérebro vai agregar o estímulo a
uma experiência negativa e dessa forma liberamos uma série de substâncias relacionadas ao
estresse como o cortisol, a adrenalina e a noradrenalina (HOSTINAR, et al., 2014). O hormô-
nio cortisol, por exemplo, é um dos responsáveis pelo metabolismo de carboidratos, proteí-
nas e lipídeos,o ser humano e o aumento excessivo das suas quantidades pode acarretar em
perda apetite, dificuldade de dormir, diminuição de funcionamento do sistema imunológi-
co, podendo facilitar o aparecimento de sintomas depressivos. Supõe-se que o aparecimento
desses efeitos negativos inerentes à escuta de uma música que não se gosta vai ser mais ou
menos intenso de acordo com o tempo ou com a quantidade de vezes em que se escuta este
estímulo. É possível comparar esta situação com as técnicas de tortura usadas por alguns
exércitos onde o som de uma gota caindo repetidas vezes era usada para gerar uma sensa-
ção de desconforto nos reféns de guerra (FORSTER, 2007).

1.3 Efeitos negativos a partir dos estados alterados de consciência

Segundo Choi e Lee (2014), o uso da música guiado por técnicas de respiração pode
levar o indivíduo a estados alterados de consciência que permitem formas de transe onde há
uma alteração geral da percepção. No entanto, para utilizar este tipo de técnica descrita por
Choi e Lee (2014) é necessária uma longa formação principalmente no que se refere a como
lidar com os estados alterados de consciência. Se a música tem este possibilidade alterar a
consciência de um indivíduo isto pode representar um risco para a própria pessoa (CHOI e
LEE, 2014). Em rituais xamânicos, como o da tribo indígena Kaiová, os participantes che-
gam a um estado alterado de consciência pela dança em que ficam agressivos e visivelmen-
te eufóricos (GATTINO, 2008).
Acredita-se que um dos elementos que facilita a vivência de estados alterados de
consciência seja a repetição de determinados padrões musicais por um período longo de
tempo. Da mesma forma, a repetição de sons monocromáticos e pulsantes também colabo-
ram para a alteração do estado de consciência (FACHNER, 2007). Segundo o mesmo autor,
este é o motivo principal que explica o porquê as pessoas conseguem ficar durante horas
dançando em uma festa de música eletrônica.
Atualmente, há uma grande discussão sobre o efeito da batida auditiva bineural
no cérebro e como ela pode influenciar o estado de consciência de uma pessoa (MUSIEK,
et al., 2012). Este tipo de estímulo sonoro tem sido comercializado como “drogas digitais”
que prometem causar os mesmos efeitos de alteração da consciência oferecidos por outras
drogas.O princípio da batida auditiva bineural é a escuta em fones de ouvido de duas fre-
quências (uma em cada ouvido) que apresentam uma micro diferença em termos de dife-
rença sonora (MUSIEK, et al., 2012).Quando a faixa é reproduzida, o ouvinte tem uma sen-
sação alterada sobre o que está acontecendo a sua volta, já que ele não consegue identificar
de onde vem este estímulo (BĂLAN, et al., 2014). Caso as diferenças de frequências forem
mínimas entre os sinais do ouvido (mais do que 10 Hz), o sistema auditivo já não pode se-
guir as mudanças nos parâmetros interaurais. Nesse sentido, surge um efeito auditivo difu-
so e o som corresponde a uma sobreposição de sinais de ambos os ouvidos, o que significa
que a amplitude e intensidade estão mudando rapidamente (BĂLAN, et al., 2014). Segundo
Musiek, et al. (2012), essas drogas digitais em forma de batidas auditivas bineurais podem

65
GATTINO, G. S. Algumas considerações sobre os efeitos negativos da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 62-72

levar o indivíduo a um estado de isolamento e também de perda auditiva severa. O prejuí-


zo ao sistema auditivo se explica pela necessidade de buscar o efeito desejado pelas drogas
e quando os usuários não percebem este efeito tendem a aumentar o volume que está sendo
utilizado (MUSIEK, et al., 2012).

1.4 Efeitos negativos da música relacionados a determinadas patologias

A utilização indiscriminada da música para pessoas com enfermidades específicas


tais como o autismo, a esquizofrenia e a epilepsia, por exemplo, pode oferecer riscos tais
como estresse, desconforto, sofrimento e agravamento do quadro de comportamentos típi-
cos destas patologias (SACKS, 2007; KLUT, et al., 2011; GATTINO, RODRIGUES e ARAUJO,
2014). O conhecimento sobre os comportamentos musicais característicos e a neurofisiolo-
gia destas condições auxiliam no uso da música de uma forma mais controlada para estas
situações específicas (GATTINO, RODRIGUES e ARAUJO, 2014)
No autismo há um processamento diferenciado principalmente no que diz respei-
to a valorização de repetições, isolamento e padrões fixos de atividades (GATTINO, et al.,
2011). O indivíduo com autismo pode escutar a mesma música durante muito tempo dificul-
tando a interação com outras pessoas e a participação em atividades cotidianas. Além disso,
os indivíduos com autismo têm dificuldades em aceitar participar de atividades musicais
diferentes daquelas que eles já conhecem (GATTINO, RODRIGUES e ARAUJO, 2014). Para
os autores, esses padrões de isolamento e fixações são processados principalmente pelo cór-
tex orbitofrontal que por coincidência é uma das áreas relacionadas ao processamento mu-
sical. Assim, caso não exista uma intervenção adequada o uso da música pode potencializar
ainda mais estes traços de isolamento e fixações. Da mesma forma, muitos indivíduos com
autismo apresentam um funcionamento alterado do córtex temporal (no córtex auditivo pri-
mário) e manifestam a hiperacusia (sensibilidade excessiva a sons) (GOMES, et al., 2008).
Para muitos indivíduos autistas torna-se extremamente difícil participar de festas, concer-
tos ou mesmo escutar um instrumento musical que esteja num volume muito alto, pois isto
pode proporcionar uma reação de agitação, agressividade e impulsionar o aparecimento de
estereotipias (GOMES, et al., 2008).
A esquizofrenia, por sua vez, tem como características principais a fuga da reali-
dade e as alucinações (KLUT, et al., 2011). A música para estes indivíduos pode representar
uma “fonte de fuga”, principalmente se forem utilizadas atividades como a improvisação
musical que ativam a região medial do córtex pré-frontal que é responsável pela imagina-
ção e o “sonhar acordado” (DE MANZANO & ULLÉN, 2012).
Segundo Klut, et al. (2011), pessoas com esquizofrenia podem apresentam alucina-
ções auditivas e estas podem ser representadas por alucinações musicais. As alucinações
musicais são um tipo fenômeno que ocorrem pela escuta de melodias, harmonias ou ritmos
em um ou mais timbres instrumentais ou vocais, na ausência de um estímulo exterior cor-
respondente (LEANDRO, et al., 2012). Dessa maneira, é importante que as atividades musi-
cais para as pessoas com esquizofrenia estejam conectadas a um contexto bem específico
que permita o contato direto com a realidade (LEANDRO, et al., 2012).
No caso da epilepsia, as com este diagnóstico apresentam um funcionamento elétri-
co alterado no cérebro que ocasiona uma descarga transitória, excessiva e anormal de célu-
las nervosas (YACUBIAN, 2002). Segundo Sacks (2007), pessoas com epilepsia podem apre-
sentar um quadro de epilepsia musicogênica, que corresponde à ocorrência de crises epilép-
ticas desencadeadas por estímulos musicais. Não se constitui uma síndrome epiléptica, ra-

66
GATTINO, G. S. Algumas considerações sobre os efeitos negativos da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 62-72

zão pela qual, deve-se falar em “crises epilépticas desencadeadas por música” (YACUBIAN,
2002). Muitos estudos indicam que essas pessoas são “interessadas em música” (AVANZINI,
2003; KAPLAN, 2003; SACKS, 2007; WANG, et al., 2012). Neurologicamente, as crises são
geralmente parciais complexas, com frequente generalização secundária e usualmente co-
existindo com outros tipos de crises espontâneas. Etiologicamente são, muitas vezes, crises
sintomáticas, relacionadas à epilepsia lesional.
Existem três tipos de epilepsia denominadas do tipo acústico-motora. Um tipo se-
ria a resposta à surpresa ou susto; o outro, frente a estímulos musicais intoleráveis (para o
indivíduo), evocadores ou que produzissem desagrado e o terceiro tipo, mais raro, provoca-
do por um estímulo de caráter monótono (PITTAU, et al., 2008; DIEKMANN e HOPPNER,
2014). Nesse sentido, é importante registrar, antes de iniciar uma atividade musical, as ex-
periências que o indivíduo com epilepsia teve com a música para evitar a o aparecimento
de efeitos iatrogênicos (SACKS, 2007).

1.5 Efeitos negativos a partir da exposição de um estímulo musical repetido

O nosso corpo reage de forma distinta ao aparecimento de um mesmo estímulo


(GATTINO, et al., 2012). No caso da música, a resposta da pessoa dependerá do seu estado
emocional e mais especificamente do seu atual ritmo biológico (FOWLER, 2008). Sabe-se
que os fenômenos rítmicos e temporais têm função relevante na regulação e organização
do comportamento humano. Como consequência, a nossa reação a um determinado estí-
mulo musical dependerá da interação entre o ritmo do estímulo escutado com a regulação
interna do nosso corpo. A mesma música que anima uma pessoa para praticar exercícios,
por exemplo, pode ser extremamente negativa para ajudar uma pessoa em uma ativida-
de que exija concentração, por exemplo (FOWLER, 2008). Para o autor, uma determina-
da música poderá apresentar um sentido completamente negativo se esta pessoa estiver
num estado de raiva, dor ou tristeza, por exemplo. Em outras palavras, a regulação emo-
cional do nosso corpo é o que irá determinar o sentido para o estímulo musical apresen-
tado (ARAUJO, et al., 2014).
Em músicos profissionais, a execução ou a escuta da mesma música durante um pe-
ríodo longo de tempo pode levar a um tipo de fadiga causada pelo excesso de uso do mesmo
estímulo musical (COSTA, 2007). Essa fadiga faz com que a regulação emocional gerada a
partir da música ganhe uma conotação negativa perante a apresentação de um estímulo até
então considerado como positivo ou normal. Fatores subjetivos como a falta de motivação
e de interesse do ouvinte por um estímulo musical (fatores comuns na prática de músicos
profissionais) provocarão possivelmente efeitos iatrogênicos físicos e psíquicos acarretando
consequentemente em alterações negativas dos ritmos biológicos que provavelmente levarão
a condições de elevação de hormônios do estresse (como o cortisol) e a diminuição de hor-
mônios como a dopamina e a serotonina responsáveis pela sensação de prazer e bem-estar
(GATTINO, et al., 2010). O aumento de hormônios como o cortisol e a diminuição de subs-
tâncias como a dopamina e a serotonina poderiam explicar em parte o aumento das dores
crônicas encontradas nos músicos profissionais (COSTA, 2007).
Não há como afirmar, portanto, que uma determinada música faz bem e uma ou-
tra não (mesmo quando direcionada para a mesma pessoa), já que será o contexto que de-
terminará o efeito desta música num indivíduo (ARAUJO, et al., 2014). Em termos acústi-
cos, um determinado estímulo musical repetido será diferente cada vez que for apresentado
(FOWLER, 2008). Uma característica básica do som é que ele representa um fenômeno físi-

67
GATTINO, G. S. Algumas considerações sobre os efeitos negativos da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 62-72

co que não incide de forma periódica no ambiente (FOWLER, 2008). As oscilações inerentes
aos estímulos musicais dependem do tipo de ocorrência e da variabilidade de suas caracte-
rísticas tais como o a duração, a intensidade, a altura, o timbre. Por isso, a percepção de um
estímulo musical em relação a mesma peça será diferente (FOWLER, 2008).

1.6 Efeitos negativos relacionados a padrões musicais desconhecidos



Um tema interessante sobre a reação negativa das pessoas em relação à música é
o impacto de formas musicais que fujam dos padrões estéticos conhecidos (MARANHÃO,
2007). No momento em que a pessoa escuta um som e este não possui nenhuma referência
de comparação pelo córtex frontal e pelo córtex parietal do cérebro, este som pode ser in-
terpretado como uma ameaça e por isso gera medo e desconforto (GATTINO, et al., 2012).
A música experimental não está incluída nos padrões estéticos de boa parte das pesso-
as e representa um bom exemplo de como as pessoas reagem a algo sonoramente diferente
(GATTINO, et al., 2012).
A música experimental é um estilo musical inovador originado no século XX, que
desafiou as concepções normais de como uma música deveria ser e extrapolou os limites
popularmente conhecidos (GATTINO, et al., 2012). Dessa forma, há pouco acordo sobre
quão experimental uma música poderia ser, antes de ser considerada apenas ruído. Geral-
mente, as bandas experimentais possuem instrumentos pouco conhecidos, modificados,
ou utilizados de maneiras inovadoras; efeitos estranhos aplicados de maneiras não conven-
cionais e mistura de diversos gêneros opostos, como música eletrônica e música clássica
(MARANHÃO, 2007). Justamente pela falta dos fatores normalmente buscados pelo ser hu-
mano à música, as peças experimentais causam desconforto e insatisfação de boa parte dos
ouvintes (MARANHÃO, 2007). Neste sentido, a música experimental talvez seja o estilo
que demonstre de maneira mais direta que a música pode causar efeitos iatrogênicos no ser
humano (MARANHÃO, 2007).
A música experimental foi a intervenção usada para verificar os efeitos iatrogêni-
cos da música em adultos normais numa pesquisa em andamento da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (ARAUJO & GATTINO, 2014). Os participantes serão expostos a peça
Ionization de Edgar Varese durante dois minutos. Após a escuta deste repertório serão ava-
liados os impactos da música na avaliação da memória de trabalho, na avaliação da ansieda-
de e da depressão, bem como na avaliação do cortisol através da saliva e da ativação de um
gene relacionado a um dos receptores de adrenalina, ADRB1. Vale salientar que esta pesqui-
sa ainda está em andamento.

Considerações finais

Ainda que o número de evidências sobre os efeitos negativos da música seja restri-
to, existem evidências que apontam para efeitos iatrogênicos iminentes deste uso de forma
livre e indiscriminada. Estes riscos incluem: reviver momentos difíceis na vida de um su-
jeito, escutar algo que não gostamos, a alteração do estado de consciência, o uso da música
sem o conhecimento das características auditivas presentes em algumas patologias, o uso
do mesmo estímulo auditivo em diferentes contextos, bem como o uso de estímulos dife-
rentes ou estranhos aos padrões estéticos de uma pessoa. Esse uso pressupõe, portanto, um
preparo e conhecimento profundo das suas características para que ela seja utilizada de

68
GATTINO, G. S. Algumas considerações sobre os efeitos negativos da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 62-72

forma adequada. Por isso, evidencia-se a necessidade de treinamento e formação por parte
de qualquer profissional que pretenda utilizar a música como ferramenta de trabalho, visto
que ela não está isenta de oferecer riscos à saúde do ser humano.
Ainda que existam diversos estudos que explicam o quanto o corpo humano é
influenciado pelas experiências musicais, é preciso entender melhor os mecanismos atu-
antes na rejeição ou no desconforto causado dessas experiências. Conforme apresentado
nessa revisão, estudos comportamentais e neurológicos trazem algumas pistas importan-
tes para o entendimento destes mecanismos, principalmente no que se refere às estimula-
ções encontradas na epilepsia musicogênica, que é uma resposta negativa direta do efeito
da música.
Estudos futuros que avaliem o efeito negativo da música na ativação de genes serão
importantes, já que a ativação do gene é a origem de todos os efeitos fisiológicos e compor-
tamentais no corpo humano. Há uma necessidade de mais estudos sobre este tema para que
possa conscientizar que a essa é uma ferramenta poderosa tanto para ajudar quanto para
prejudicar um indivíduo. O estudo e o conhecimento sobre os riscos desta ferramenta é uma
possibilidade interessante para que ela seja usada de uma forma mais segura.

Referências

ALBORNOZ, Y. The effects of group improvisational music therapy on depression in adoles-


cents andadults with substance abuse: a randomized controlled trial. Nordic Journal of Music
Therapy, v.20, p. 208-224, 2011.

ARAUJO, G. A.; GATTINO, G. S.; LEITE, J. C. L.; SCHULLER-FACCINI, L. O tratamento mu-


sicoterapêutico aplicado a comunicação verbal e não verbal em crianças com deficiências
múltiplas em um ensaio controlado randomizado. Revista Brasileira de Musicoterapia, v.16,
p. 87-101, 2014.

ARAUJO, G; GATTINO, G. Efeitos iatrogênicos da música em estudantes universitários. Projeto


de pesquisa. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2014.

AUSTIN, D. The psychophysiological effects of music therapy in intensive care units. Paedia-
tric Nursing, v.22, p. 14-20, 2010.

AVANZINI, G. Musicogenic seizures. Annals of the New York Academy of Sciences, v.999, p. 95-102,
2003.

BAECK, E. The neural networks of music. European Journal of Neurology, v.9, p. 449-456, 2002.

BITTMAN, B. B.; BERK L. S.; FELTEN, D. L.; WESTENGARD, J.; SIMONTON, O. C.; PAPPAS,
J.; NINEHOUSER, M. Composite effects of group drumming music therapy on modulation of
neuroendocrine-immune parameters in normal subjects. Alternative Therapies in Health and
Medicine, v.7, p. 38-47, 2001.

BJÖRKMAN, I.; KARLSSON, F.; LUNDBERG,A.; FRISMAN, G. H. Gender differences when


using sedative music during colonoscopy. Gastroenterology Nursing, v.36, p. 14-20, 2013.

BOSO, M.; POLITI, P.; BARALE, F.; ENZO, E. Neurophysiology and neurobiology of the musical
experience. Functional neurology, v.21, p. 187-91, 2006.

BRUGUES, A. O. Music performance anxiety-part 2. a review of treatment options. Medical


Problems of Performing Arts, v.26, p. 164-71, 2011.

69
GATTINO, G. S. Algumas considerações sobre os efeitos negativos da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 62-72

BĂLAN, S. A.; COCOANĂ, E.; GABOR, S.; GABRIEL, M.; VAS, R. A Comparative Study Re-
garding the Efficiency of Applying Hypnotherapeutic Techniques and Binaural Beats in
Modifying the Level of Perceived Pain. Romanian Journal of Cognitive Behavioral Therapy and
Hypnosis, v.1, p. 1-9, 2014.

CHOI, B.; LEE, N. B. The Types and Characteristics of Clients’ Perceptions of the Bonny Method
of Guided Imagery and Music. Journal of music therapy, v.51, n.1, p. 64-102, 2014.

COSTA, C. P. (2007).Contribuições da ergonomia à saúde do músico: considerações sobre a di-


mensão física do fazer musical. Música Hodie, v.5, p. 53-63, 2007.

DA SILVA JÚNIOR, J. D.; DE SÁ, L. C. Musicoterapia e Bioética: um estudo da música co-


mo elemento iatrogênico. In: Congresso da ANPPOM, 17. São Paulo, 2007. Anais... São Paulo:
ANPPOM.

DE ASSIS, D. T.; MACÊDO, K. B. Psicodinâmica do trabalho dos músicos de uma banda de


blues. Psicologia & Sociedade, v.20, p. 108-116, 2008.

DE MANZANO, Ö.; ULLÉN, F. Activation and connectivity patterns of the presupplementary


and dorsal premotor areas during free improvisation of melodies and rhythms. Neuroimage,
v.63, p. 272-280, 2012.

DIEKMANN, V.; HOPPNER, A. C. Cortical network dysfunction in musicogenic epilepsy reflec-


ting the role of snowballing emotional processes in seizure generation: an fMRI-EEG study. Epi-
leptic Disorders, v.16, p. 31-44, 2014.

DILEO, C. Effects of music and music therapy on medical patients: a meta-analysis of the research
and implications for the future. Journal of the Society for Integrative Oncology, v.4, p. 67-70, 2006.

EMANUELE, E.; BOSO, M.; CASSOLA, F.; BROGLIA, D.; BONOLDI, I.; MANCINI, L.; MARINI,
M.; POLITI, P. Increased dopamine DRD4 receptor mRNA expression in lymphocytes of musi-
cians and autistic individuals: bridging the music-autism connection. Neuroendocrinology Let-
ters, v.31,p. 122-135, 2010.

ERKKILÄ, J.; GOLD, C.; FACHNER, J.; ALA-RUONA, E.; PUNKANEN, M.; VANHALA, M. The
effect of improvisational music therapy on the treatment of depression: protocol for a randomi-
sed controlled trial. BMC Psychiatry, v.8, p. 50, 2008.

FACHNER, J. Wanderer between worlds – Anthropological perspectives on healing rituals and


music. Music Therapy Today, v.8, p. 166-195, 2007.

FORSTER, S. O som do mal: o poder de dominar. 91 f. Monografia (Especialização em Musico-


terapia) - Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo. 2007.

FOWLER, V. R. A Musicoterapia e suas Interações com os Ritmos Biológicos. 87 f. Monografia


(Especialização em Musicoterapia) - Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo. 2008.

GANDINI, Rita de Cássia; MARTINS, Maria; RIBEIRO, Marjorie; SANTOS, Daniela. Inventá-
rio de Depressão de Beck - BDI: validação fatorial para mulheres com câncer. Psico-USF (Impr.),
Jun 2007, v.12, n.1, p. 23-31.

GATTINO, G.; RODRIGUES, I.; ARAUJO, G.. Evidências do processamento auditivo-musical


nos transtornos do espectro autista. In: Simpósio de Cognição e Artes Musicais- Edição Nacio-
nal, 10, Campinas. Anais... Campinas: ABCM., 2014.

GATTINO, G.; RODRIGUES, I.; SILVA, A.. Integração Audiovisual em Musicoterapia: Consta-
tações a partir das Neurociências. In: Fórum Paranaense de Musicoterapia, 14., Curitiba, 2012.
Anais... Curitiba: AMT-PR, 2012.

70
GATTINO, G. S. Algumas considerações sobre os efeitos negativos da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 62-72

GATTINO, G.; SORRENTINO, J.; VACCARO, T.. Evidências dos Efeitos Da Musicoterapia no
Sistema Imunológico Humano. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia, 10, Salva-
dor, 2010. Anais... Salvador: ASBAMT, 2010.

GATTINO, G. S. Musicoterapia y sus Aproximaciones con la Música y el Xamanismo Guaraní.


In: XII Congreso Mundial de Musicoterapia. Buenos Aires: Librería Akadia Editoral. p. 299-302,
2008.

GATTINO, G. S.; RIESGO, R.; LONGO, D.; LEITE, J.; FACCINI, L. (2011). Effects of relatio-
nal music therapy on communication of children with autism: a randomized controlled study.
Nordic Journal of Music Therapy, v.20, p. 142-154, 2011.

GOMES, E.; PEDROSO, F. S.; WAGNER, M. B. Auditory hypersensitivity in the autistic spec-
trum disorder. Pro Fono, v.20, p. 279-84, 2008.

HARS, M.; HERRMANN, F.; GOLD, G.; RIZZOLI, R.; TROMBETTI, A. Effect of music-based
multitask training on cognition and mood in older adults. Age and ageing, p. 196-200, 2013.

HEIMLICH, E. P. The specialized use of music as a mode of communication in the treatment of


disturbed children. Journal of the American Academy of Child Psychiatry, v.4, p. 86-122, 1965.

HOSTINAR, C. E.; JOHNSON, A. E.; GUNNAR, M. R. Parent support is less effective in bu-
ffering cortisol stress reactivity for adolescents compared to children. Developmental science,
p. 1–17, 2014.

IRONS, J. Y.; KENNY, D. T.; CHANG, A. B. Singing for children and adults with bronchiectasis.
Cochrane Database System Review, v.2, 2010.

ISHIYAMA, T. Music as a psychotherapeutic tool in the treatment of a catatonic. Psychiatric


Quarterly, v.37, p. 437-461, 1963.

KAPLAN, P. W. Musicogenic epilepsy and epileptic music: a seizure’s song. Epilepsy Behavior.
United States, v.4, p. 464-73, 2003.

KLUT, C.; XAVIER, S.; GRAÇA, J.; CARDOSO, G. Alucinações musicais e esquizofrenia: a pro-
pósito de um caso clínico. Psilogos, v.9,p. 60-67, 2011.

LEANDRO, J.; LIZ, A.; PUHL, A.; CAMARGO, A.; BUENO, R.; GALDINO, S. Promoção da Saú-
de Mental: música e inclusão social no Centro de Atenção Psicossocial de Castro/PR. Revista
Conexão UEPG, v.3, p. 57-61, 2012.

LEARDI. S.; PIETROLETTI, R.; ANGELONI, G.; NECOZIONE, S.; RANALLETTA, G.; DEL GUS-
TO, B. Randomized clinical trial examining the effect of music therapy in stress response to
day surgery. British Journal of Surgery, v.94, p. 943-947, 2007.

LEHMANN, Bernard. L’orchestre dans tous ses éclats: ethnographie des formations symphoni-
ques. Paris: Éditions La Découverte, 2005.

MARANHÃO, A. L. Acontecimentos Sonoros em Musicoterapia: a ambiência terapêutica. São


Paulo: Apontamentos, 2007.

MUSIEK, F.; ATCHERSON, S.; KENNETT, S.; NICHOLSON, N. Pathways: The Dangers of e
Dosing with Binaural Beats. The Hearing Journal, v.65, p. 9-10, 2012.

MUSZKAT, M. Música, neurociência e desenvolvimento humano. In: JORDÃO, G. & ALUCCI,


R. A música na escola. São Paulo: Allucci & Associados Comunicações. p. 67-71, 2012.

NORDOFF, P. Music therapy and personality change in autistic children. Journal of the Ameri-
can Institute of Homeopathy, v.57, p. 305, 1964.

71
GATTINO, G. S. Algumas considerações sobre os efeitos negativos da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 62-72

PITTAU, F.; TINUPER, P.; BISULLI, F.; NALDI, I.; CORTELLI, P.; BISULLI, A.; STIPA, C.;
CEVOLANI, D.; AGATI, R.; LEONARDI, M., BARUZZI, A. (2008). Videopolygraphic and func-
tional MRI study of musicogenic epilepsy. A case report and literature review. In: (Ed.). Epilep-
sy Behavior, v.13, p. 685-92, 2008.

SACKS, O. Alucinações musicais: relatos sobre a música e o cérebro. São Paulo: Editora Compa-
nhia das Letras, 2007.

SALIMPOOR, V. N.; BENOVOY, M.; LARCHER, K.; DAGHER, A.; ZATORRE, R. J. Anatomi-
cally distinct dopamine release during anticipation and experience of peak emotion to music.
Nature Neurosciense, vol. 14, n.2. p. 257-262, 2011.

SILVA, F. O.; SÁ, L. Perdas na adolescência: Música como expressão de sofrimento. In: Congres-
so da ANPPOM, 17., São Paulo, 2007. Anais... São Paulo: ANPPOM.

WANG, Z.; JIN, K.; KAKISAKA, Y.; BURGESS, R.; GONZALEZ-MARTINEZ, J.; WANG, S.;
ITO, S.; MOSHER, J.; HANTUS, S.; ALEXOPOULOS, A. Interconnections in superior temporal
cortex revealed by musicogenic seizure propagation. Journal of neurology, p. 1-4, 2012.

WATKINS, G. R. (1997). Music therapy: proposed physiological mechanisms and clinical impli-
cations. Clinical Nurse Specialist, v.11, p. 43-50.

WAZLAWICK, P. Quando a música entra em ressonância com as emoções: significados e sen-


tidos na narrativa de jovens estudantes de musicoterapia. Revista Científica da FAP, Curitiba,
v.1, p. 1-15, 2006.

YACUBIAN, E. M. T. Proposta de classificação das crises e síndromes epilépticas. Correlação


videoeletroencefalográfica. Revista Neurociências, v.10, p. 49-65, 2002.

Gustavo Schulz Gattino - Graduado em musicoterapia pelas Faculdades EST (2007), mestre (2009) e doutor (2012)
pelo Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Medicina da Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É professor titular do curso de Licenciatura em Música da Universi-
dade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Membro do Grupo de Pesquisa Educação Musical e Formação Docente
(UDESC/CNPq). Realizou estágio de doutorado sanduíche pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar
(ICBAS) na Universidade do Porto (UP), cidade do Porto, Portugal. Foi musicoterapeuta voluntário em Portugal
na Associação Sócio-Terapêutica de Almeida (ASTA) e no Movimento de Pais e Amigos do Diminuído Mental
(MAPADI). Tem experiência no atendimento de indivíduos com deficiência intelectual, autismo e deficiências múl-
tiplas em musicoterapia. Pesquisa os efeitos da musicoterapia para pessoas com autismo, deficiência intelectual
e deficiências múltiplas. Desenvolve projetos de tradução e validação de instrumentos de avaliação em musicote-
rapia. Apresentou trabalhos na Argentina, Áustria, Brasil, Chile, Colômbia, Espanha, Estados Unidos e Portugal.
É o coordenador brasileiro do estudo multicêntrico de Musicoterapia e Autismo TIME-A. Atualmente, é membro
do conselho editorial da Revista Brasileira de Musicoterapia e coordena o Grupo Ibero-Americano de Investigação
em Musicoterapia (GIIMT) no Brasil.

72
PIAZZETTA, C. M.; SAKURAGI, M. E.; ZAGUINI, F. F.; SILVADO, C. E. Musicoterapia em ambulatório de epilepsia e aplicação de pré e pós teste da...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 73-84

Musicoterapia em ambulatório de epilepsia e aplicação de pré e pós teste da


escala de humor de brunel (brums) para averiguar a mudança de humor

Clara Márcia Piazzetta (Universidade Estadual do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil)


clara.marcia@gmail.com
Marcos Eikiti Sakuragi (Universidade Estadual do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil)
m_kiti@hotmail.com
Fernanda Franzoni Zaguini (Universidade Estadual do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil)
fercraft@gmail.com
Carlos Eduardo Silvado (Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil)
cesilvado@gmail.com

Resumo: Trata-se de um Ensaio randomizado controlado tipo Cluster para investigar sobre atividades musicotera-
pêuticas e mudanças de humor em pacientes do Ambulatório de Epilepsia. A metodologia utilizou a aplicação de
pré e pós teste da Escala de Humor de Brunel (Brums) e intervenção musicoterapêutica específica. Participaram 32
pessoas organizadas em: grupo “A” - musicoterapia e o grupo “B” - controle não equiparados. O resultado qualitativo
revelou que a intervenção contribuiu positivamente na mudança de humor no grupo “A”. Os resultados quantitati-
vos mais expressivos na comparação dos grupos foram: grupo “A”, fator vigor de 8,13 alcançou 10,18; o fator fadiga
baixou de 7,8 para 3,31, ou seja, mais vigor e menos fadiga; grupo “B” o fator vigor de 7,8 baixou para 6,47 e o fator
fadiga de 5,52 mudou para 6,9. Os participantes na sala de espera demonstraram mais fadiga e menos vigor.
Palavras-chave: Musicoterapia; Epilepsia; Teste de Brunel/Brums; Modelo de Cognição.

Music therapy in epilepsy clinic and application of pre and post test of brunel mood scale (brums) to ascertain the
change of mood
Abstract: This is a Randomized Controlled Trial Cluster type to investigate music therapeutic activities and mood
swings in Epilepsy Clinic patients. The methodology used application of pre and post test of Brunel (Brums) Mood
Scale and specific music therapeutic intervention. 32 people participated in organized non-treated groups: Group
“A” - music therapy and the group “B” - control. The qualitative result revealed that the intervention contributed pos-
itively to the change of mood in the group “A”. The most significant quantitative results when comparing the groups
were: Group “A”, force factor of 8.13 reached 10.18; the fatigue factor decreased from 7.8 to 3.31, meaning more en-
ergy and less fatigue; Group “B” the force factor of 7.8 down to 6.47 and 5.52 to fatigue factor changed to 6.9. Partici-
pants in the waiting room showed more fatigue and less force.
Keywords: Music therapy; Epilepsy; test of Brunel Mood Scale (Brums); Cognition Model.

Musicoterapia en ambulatório de epilepsia y aplicación de pre y post prueba de la escala de humor de brunel (brums)
para averiguar el cambio de humor
Resumen: Se trata de un Ensayo randomizado controlado tipo Cluster para investigar sobre actividades musico-
terapêuticas y cambios de humor en pacientes del Ambulatório de Epilepsia. La metodología utilizó la aplica-
ción de pre y post prueba de la Escala de Humor de Brunel (Brums) e intervención musicoterapêutica específica.
Participaron 32 personas organizadas en: grupo “A” musicoterapia y el grupo “B” – control no equiparados. El re-
sultado cualitativo reveló que la intervención contribuyó positivamente en el cambio de humor en el grupo “A”.
Los resultados cuantitativos más expresivos en la comparación de los grupos fueron: grupo “A” factor vigor de
8,13 alcanzó 10,18; el factor fatiga bajó de 7,8 para 3,31, o sea, más vigor y menos fatiga; grupo “B” el factor vigor
de 7,8 bajó para 6,47 y el factor fatiga de 5,52 cambió para 6,9. Los participantes en la sala de espera demostraron
más fatiga y menos vigor.
Palabras clave: Musicoterapia; Epilepsia; Prueba de Brunel/Brums; Plantilla de cognição.

Introdução

A epilepsia é um conjunto de manifestações clínicas que refletem disfunção neuro-


nal temporária, ou seja, descargas elétricas anormais e excessivas, sendo a Epilepsia do Lobo
Temporal - ELT a forma mais comum da doença e a de mais difícil controle (MENEGUELLO,
LEONHARDT e PEREIRA, 2006).

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 21/09/2015 - Aprovado em: 23/11/2015

73
PIAZZETTA, C. M.; SAKURAGI, M. E.; ZAGUINI, F. F.; SILVADO, C. E. Musicoterapia em ambulatório de epilepsia e aplicação de pré e pós teste da...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 73-84

O ambiente de ambulatório hospitalar público de uma maneira geral é composto


por cadeiras, um balcão onde o funcionário atende os pacientes e registra a chegada, e uma
televisão para distraí-los. O tempo de espera geralmente é grande e a ordem de chegada não
determina a ordem de chamada para a consulta. Pessoas idosas, acamados e crianças espe-
ciais têm preferência para a consulta. Somado a essa realidade as salas de espera são per-
meadas por diferentes sons do local e das ruas próximas.
Estudos comprovam que o indivíduo urbano exposto ao ruído de forma direta ou
indireta, pode ter a piora nas crises de epilepsia, o aumento dos índices de adrenalina e cor-
tizol, ansiedade, cansaço, estresse e mudança de humor (CARMO, 1999). O mesmo autor es-
clarece que o nível de ruído do ambiente urbano encontra-se quase sempre acima dos limi-
tes indicados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), influenciando nas condições psi-
cológicas, principalmente em indivíduos com predisposições. Segundo Penido, et al. (2011),
a OMS considera intensidades sonoras abaixo de 50 dB como o ideal para a manutenção da
saúde humana, contudo, informam que foram constatados em áreas escolares e hospitais
níveis de ruído acima do permitido por lei (50dB) e a exposição diária a esses ruídos pode
ocasionar nas pessoas, fadigas, irritabilidade e outros sintomas relacionados ao estresse.
Atualmente a musicoterapia é utilizada em hospitais, centros de saúde e clínicas
particulares no tratamento de autismo, distúrbios neurológicos, esquizofrenia, epilepsia,
Alzheimer, escleroses, deficiências motoras ou cognitivas (CUNHA e VOLPI, 2008).
A finalidade do trabalho é estimular a expressão de sentimentos, oferecer acolhi-
mento e presença, colaborar com a recuperação física, mental e emocional dos participan-
tes. “Estudos de neuroimagem indicam que as sessões de musicoterapia alteram o padrão de
ondas cerebrais e ativam algumas áreas da massa cinzenta como o hipotálamo, o tálamo e
o hipocampo” (SPONCHIATO, 2013, p. 39). Para o autor as melodias interferem no sistema
límbico, nosso centro das emoções, alterando o padrão de ondas cerebrais e propiciando a
liberação de substâncias relaxantes e analgésicas.
Gattino, Sorrentino e Vaccaro (2010) afirmam que a musicoterapia pode auxiliar
também na melhora do sistema imunológico, ativando o sistema dopaminérgico e aumen-
tando dessa forma a sensação de prazer e recompensa. Outro aspecto importante destacado
é que alguns trabalhos apontam que esse benefício que a musicoterapia proporciona ao sis-
tema imunológico, pode influenciar positivamente no comportamento do indivíduo dimi-
nuindo os níveis de ansiedade e depressão.
Os estudos de Maguire (2012) enfatizam as consequências do tratamento cirúrgi-
co da epilepsia. A autora enfatiza assim a necessidade de mais estudos sobre a desordem
de escuta cerebral nos substratos cerebrais de acordo com o processo do volume, processo
temporalidade, memória musical em pessoas com epilepsia submetidas à cirurgia. As áre-
as cerebrais envolvidas em maior ou menor grau nos casos de epilepsia do lobo temporal
são: amígdala; giro-ânterior-superior-temporal; gânglios basais; corpus caloso; frontal; hi-
pocampo; giro de Heschl; colículos inferior; inferior; insula; lateral; medial; tálamo; plano
temporal; giro temporais.
Assim, essa pesquisa contou com a participação de pacientes e acompanhantes em
sala de espera no ambulatório de epilepsia, e teve como foco os pacientes. Por se tratar de
um ambulatório de epilepsia todos os que aceitaram participar tinham epilepsia e estavam
em diferentes níveis de tratamento: fase inicial, tratamento medicamentoso e pré e pós-ci-
rurgia. Contudo, o nível de tratamento dos participantes da pesquisa não foi considerado.
Trabalhou-se com o conhecimento básico que todos tinham epilepsia de difícil controle.
O estudo bibliográfico sobre Música / Musicoterapia e Epilepsia nos colocou cien-
tes da eficácia acima de 50% no tratamento da epilepsia o uso de escuta musical da obra de

74
PIAZZETTA, C. M.; SAKURAGI, M. E.; ZAGUINI, F. F.; SILVADO, C. E. Musicoterapia em ambulatório de epilepsia e aplicação de pré e pós teste da...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 73-84

K448 de Mozart (CANDIDO e PIAZZETTA, 2015). Por outro lado, os resultados trazidos por
Maguire (2012) e Papp (2014) apontam a necessidade de maiores investigações para identifi-
car a eficácia da música como agente de ação sobre o sistema dopaminérgico ou como ação
anticonvulsivante. Com isso, para esse estudo optou-se pelo uso de dois instrumentos de co-
leta de dados: um protocolo de intervenção musical organizado a partir do modelo de cogni-
ção musical de Koelsch (2011) e a Escala de Humor de Brunel (Brums) (ROHLFS et al, 2011).
O modelo de cognição musical de Koelsch (2011) veio embasar a construção do pro-
tocolo de intervenção, uma vez que, segundo Meneguello, Leonhardt e Pereira (2006) a ELT,
ocasiona descargas elétricas excessivas antes de chegar no córtex auditivo primário e se-
cundário, passa por várias estruturas do sistema auditivo periférico e central e, portanto, o
correto processamento dos estímulos auditivos necessita da integridade anatômica e funcio-
nal de todas as estruturas envolvidas nas vias auditivas.
O Protocolo de Intervenção, a escala de Humor de Brunel (Brums) (ROHLFS et al,
2011) e o Modelo de Cognição Musical de Koelsch (2011) serão apresentados a seguir. O re-
sultado dessa pesquisa norteará estudos mais específicos no campo da musicoterapia como
colaboradora no tratamento de epilepsia de difícil controle.

1. A escala de humor de Brunel (Brums)

A escala de Humor de Brunel (Brums) foi desenvolvida com a finalidade de propor-


cionar uma rápida mensuração dos estados de humor de populações compostas por adul-
tos e adolescentes (PEREIRA e GORSKI, 2011; ROHLFS, et al., 2008; STIES, et al., 2014).
Organizada a partir da versão abreviada do Profile of Mood States (POMS), a escala é “um
instrumento de validação dos estados de humor, contendo 65 itens que medem 6 fatores
de humor como tensão, depressão, raiva, vigor, fadiga e confusão mental” (ROHLFS, et al.,
2008, p. 178).
Em sua dissertação de mestrado Rohlfs (2006, p. 39) diz que esse “teste foi desen-
volvido, no final da década de 50, para a observação de estados em diferentes momentos de
flutuação de humor em pacientes psiquiátricos por Mcnair, Lorr e Droppleman”. O avanço
aconteceu com uma das versões abreviadas do POMS que foi validada para o uso em ado-
lescentes, o POMS-A, e mais tarde através de um processo rigoroso de validação para a ava-
liação em adultos, passou-se a se chamar de Escala de Humor de Brunel (Brums) (ROHLFS,
et al., 2008).
A versão brasileira da Escala de Humor de Brunel foi desenvolvida por Peter C.
Terry e Andrew M. Lane em 2003, traduzida com a autorização dos autores, e validada por
Rohlfs (PEREIRA e GORSKI, 2011).
A escala possui 24 indicadores simples de humor que compõem seis subescalas,
cada uma contendo quatro itens: raiva (irritado, zangado, com raiva e mal-humorado), con-
fusão (confuso, inseguro, desorientado e indeciso), depressão (deprimido, triste, infeliz e
desanimado), fadiga (esgotado, exausto, sonolento e cansado), tensão (preocupado, tenso,
apavorado e ansioso) e vigor (animado, com disposição, alerta e com energia) (PEREIRA e
GORSKI, 2011; ROHLFS et al, 2008; STIES, et al., 2014).
Na aplicação da escala o avaliado responde o teste como se sente em relação às tais
sensações, tendo como base uma escala de 5 pontos, que varia de 0 para nada e 4 para extre-
mamente, levando cerca de um a dois minutos para ser respondido (ROHLFS, et al., 2008;
PEREIRA e GORSKI, 2011; STIES, et al., 2014). A soma das respostas de cada subescala ge-
ra um escore que pode variar de 0 a 16 pontos (PEREIRA e GORSKI, 2011; ROHLFS et al,

75
PIAZZETTA, C. M.; SAKURAGI, M. E.; ZAGUINI, F. F.; SILVADO, C. E. Musicoterapia em ambulatório de epilepsia e aplicação de pré e pós teste da...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 73-84

2008). As perguntas utilizadas para os avaliados responderem o teste podem ser: “Como
você se sente agora?”, “Como você tem se sentido nesta última semana, inclusive hoje?” ou
“Como você normalmente se sente?” (ROHLFS et al, 2008; STIES et al, 2014).
Vale destacar que em pesquisa na internet sobre o uso da escala foram encontrados
trabalhos com a atividade física, mas Rohlfs et al (2008, p. 177) comentam que o “uso des-
te instrumento pode ser ampliado para populações de não atletas, no controle de estresse
em indivíduos participantes de programas de atividade física e reabilitação”. A pesquisado-
ra ainda ressalta que o teste é considerado um instrumento apropriado para a avaliação de
perfis de humor e da coleta de dados em ambientes de pesquisa.

2. O protocolo de intervenção musicoterapêutica aplicado no grupo “A”

O tratamento de epilepsia por cirurgia no lobo temporal direito e esquerdo produ-


zem lesões parciais em algumas dessas áreas. Essa lesão ocasiona dificuldade com a memó-
ria, localização espacial e perda da capacidade de se emocionar com a música dependendo
do local da lesão. A organização do protocolo em quatro etapas levou em conta essa realida-
de e proporcionou atividades que possibilitaram o acionar os processos de percepção quan-
to à identificação, amplitude e frequência sonoras. Nos aspectos de memória envolveram:
memória recente, memória associativa, memórias de fatos de vida e memória de manuseio
de instrumentos musicais.
A intervenção seguiu assim, um protocolo organizado para a pesquisa embasado no
processamento cognitivo musical descrito por Koelsch (2011). O modelo do processamento
cognitivo permite identificar as diferentes fases de percepção da música. Para esse autor a
percepção musical pelo cérebro humano ocorre por uma Gestalt Auditiva. Sendo assim, ele
apresenta o processo da percepção musical em sete módulos, nos quais, estão envolvidos
elementos da memória auditiva sensorial, “fontes neurais localizados nos campos auditivos
adjacentes, o Processamento Auditivo Central (PAC), com contribuições adicionais nas áre-
as corticais frontais” (KOELSCH, 2011, p. 4).
Koelsch (2011) com diferentes instrumentos tais como audiometria e exames de
neuroimagem, mapeou o tempo de processamento musical organizando assim o seu mode-
lo: Características I (periodicidade, timbre, indicativo de rugosidade, intensidade e localiza-
ção) 10ms até o evocado auditivo e tálamo; Característica II (altura, cromatismo, indicativo
de rugosidade, menor volume e localização) de 10 à 100ms; Formação de Gestalt auditiva
(melodia, ritmo, agrupamento) e análise dos intervalos (acordes e melodias) localizados no
giro temporal superior; memória auditiva sensorial de 100 à 200ms, localizado no giro fron-
tal inferior; Construção das estruturas (harmônica, métrica, rítmica, tímbrica) localizado
no lobo da ínsula e no giro frontal inferior; Reanálise estrutural e reparo de 600 à 900ms;
Vitalização (sistemas endócrino, autônomo e córtex de associações multimodais); e, Ação
pré-motora, localizada no córtex ventral e dorsal pré-motor.
O protocolo organizado considerou o objetivo da pesquisa, investigar sobre a mu-
dança de humor. Assim trabalhou-se para o propósito de coletar informações pela observa-
ção e relato dos participantes.
Quatro etapas compuseram o protocolo de intervenção e nortearam a análise dos
vídeos: 1) Percepção e localização da fonte sonora; 2) Identificação de freqüências agudas e
grave e amplitudes fortes e fracas; 3) Ativação da memória, reconhecimento e interação com
os instrumentos musicais 4) Participação em atividades musicais complexas.

76
PIAZZETTA, C. M.; SAKURAGI, M. E.; ZAGUINI, F. F.; SILVADO, C. E. Musicoterapia em ambulatório de epilepsia e aplicação de pré e pós teste da...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 73-84

3. A paisagem sonora na sala de espera no grupo “B”

Um dos conceitos que fazem parte do corpo teórico da Musicoterapia é o de paisa-


gem sonora. A paisagem sonora é o ambiente sonoro e, tecnicamente, qualquer porção do
ambiente sonoro visto como um campo de estudos. Essa paisagem está mudando e, se dife-
renciando em qualidade e intensidade daqueles do passado, alertando pesquisadores sobre
o problema que o mundo está passando com relação à poluição sonora (SCHAFER, 2001).
Os usuários do ambulatório aguardam a consulta, sentados em bancos que ficam
dispostos um atrás do outro, enfileirados. A sala de espera possui uma televisão e revistas
para que os mesmos se entretenham enquanto aguardam serem chamados pelos médicos.
Alguns usuários preferem utilizar o aparelho celular ou conversar com a pessoa ao lado du-
rante este tempo de espera. Outros confirmam a presença e saem do local, para voltarem
apenas alguns minutos antes do início das consultas.
Os sons presentes na sala de espera do ambulatório durante a pesquisa foram por-
tas abrindo e fechando, burburinho de pacientes e acompanhantes conversando, som da te-
levisão ligada, som do elevador chegando e saindo do andar, choros de crianças, conversas
dos profissionais do hospital e ruídos da rua e de geradores do hospital vindos de fora devi-
do às janelas estarem abertas.

4. Objetivo

Investigar a intervenção musicoterapêutica como experiência sonoro/musical para a


mudança de humor dos pacientes que estão na sala de espera do Ambulatório de Epilepsia.

5. Metodologia

Este estudo quanti-qualitativo obedece ao modelo de Ensaio Randomizado Contro-


lado tipo Cluster (FOZ et al, 2011). Pesquisas por Clusters envolvem estudos experimentais
em investigações médicas onde todos os indivíduos têm uma mesma doença e avaliam-se
possibilidades de tratamentos. A escolha pelo tratamento misto dos dados (quanti-qualitati-
vo) se deu pela intervenção musicoterapêutica realizada considerar o musicoterapeuta pes-
quisador como parte do grupo de intervenção. Essa escolha favoreceu a ampliação do enten-
dimento dos resultados encontrados (MORESI, 2003)
Foram realizadas oito intervenções as quintas-feiras, totalizando 57 participantes
entre pacientes e acompanhantes (36 no grupo “A” musicoterapia e 21 no grupo “B” contro-
le), no período de 22 de Janeiro de 2015 a 12 de Março de 2015, das12h00min às 13h00min
no Ambulatório de Epilepsia, 6º andar no Hospital das Clínicas/UFPR, Curitiba/PR.
Dois protocolos foram aplicados: 1) pré e pós teste de Brunel (Brums); 2) protocolo de inter-
venção musical organizado para a pesquisa com base no modelo de Cognição Musical de
Koelsch (2011)1.
Para a análise dos dados foram considerados os pacientes entre 18 e 60 anos alfa-
betizados e sem deficiência mental num total de 17 pessoas no Grupo “A” e 15 pessoas no
Grupo “B”. Para a análise estatística da escala de Brunel (Brums) foram considerados 32 for-
mulários: 17 do grupo “A” e 15 no grupo “B”. A diferença do número dos participantes (57)
para o número dos formulários (32) ocorreu devido a formulários preenchidos erroneamen-
te e/ou incompletos e formulários preenchidos por acompanhantes do Grupo “A”.

77
PIAZZETTA, C. M.; SAKURAGI, M. E.; ZAGUINI, F. F.; SILVADO, C. E. Musicoterapia em ambulatório de epilepsia e aplicação de pré e pós teste da...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 73-84

O procedimento descrito a seguir foi igual para todos os dias de coletas. 1) apresen-
tação da pesquisa para todos os presentes na sala de espera; 2) identificação com um adesivo
colorido aplicado no ombro os pacientes (alaranjado) e acompanhantes (azul) que aceitaram
colaborar; 3) Após a identificação seguiu-se a randomização onde os pacientes retiraram, sem
olhar, uma carta colorida de dentro de um envelope. Conforme a cor retirada ele permanece-
ria na sala de espera (grupo “B”, controle) ou iria para outra sala no mesmo andar (grupo “A”,
com intervenção de musicoterapia). 4) Após configurados os grupos os pacientes e acompa-
nhantes receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; 5) seguiu-se a
aplicação do pré teste; 6) Grupo A participou da intervenção musicoterapêutica, grupo B per-
maneceu com a paisagem sonora da sala de espera; 7) após cinquenta minutos passou-se para
o preenchimento do pós teste e a resposta por escrito à pergunta: Como foi sua espera hoje?
Os critérios de inclusão na análise dos dados foram baseados na seleção de pacien-
tes com epilepsia, de ambos os sexos com idade entre 18 a 60 anos, alfabetizados e sem dé-
ficits cognitivos e/ou auditivos graves e evidentes.
Os Critérios de exclusão foram baseados na não concordância em participar da pes-
quisa, não serem capazes de preencher o formulário da pesquisa ou preenchimento incom-
pleto e pacientes acamados, serem acompanhantes dos pacientes.
As práticas musicoterapêuticas foram realizadas na sala de reuniões arrumada de
maneira condizente com a proposta das atividades. Uma mesa foi posta ao lado das janelas
para que os instrumentos fossem colocados em algumas aberturas laterais da mesma e pa-
ra que o tripé com a filmadora fosse posicionado em cima, possibilitando filmar toda a ati-
vidade realizada. No centro da sala as cadeiras foram posicionadas em círculo para que os
participantes se acomodassem. Em volta do círculo alguns instrumentos com diferenças de
frequência (aguda, média e grave) foram dispostos, estrategicamente, em cadeiras e no chão,
para a realização da atividade de percepção sonora (etapas 1 e 2).
Na aplicação do protocolo foi necessário que os participantes (pacientes e acompa-
nhantes) seguissem algumas orientações: 1) Percepção e localização da fonte sonora: as pes-
soas de olhos fechados precisaram localizar a fonte sonora apontando a mão na direção do
som; 2) Identificação de frequências agudas e grave e amplitudes fortes e fracas: de olhos fe-
chados os participantes demonstraram com movimentos dos braços para cima e para baixo
seguindo os sons se agudos ou graves respectivamente e os movimentos de abrir e fechar os
braços para mudanças de intensidade, abertos para sons fortes e fechados para sons fracos;
3) Ativação da memória, reconhecimento e interação com os instrumentos: com os olhos
abertos os participantes puderam ver os instrumentos, (que agora estavam colocados no
centro da roda) experimentá-los isoladamente e em conjunto. Nessa etapa eles foram convi-
dados a falar sobre os instrumentos de modo a compartilhar memórias ativadas; 4) Partici-
pação em atividades musicais complexas: os participantes foram convidados a tocar, cantar
e movimentar o corpo.

6. Resultados

De posse da seleção do material coletado (n 32 pacientes), as análises realizadas fo-


ram quantitativas para o Teste de Humor Brunel e análise das etapas 1,2 do protocolo de
intervenção. E, qualitativas para as anotações do caderno de campo, as repostas à questão
aberta: “Como foi sua espera hoje?” e a observação dos vídeos etapas 3 e 4.
Para a análise quantitativa dos itens do Teste de Humor de Brunel quanto maior
o valor observado maior seria a alteração no humor. Para verificar se as diferenças médias

78
PIAZZETTA, C. M.; SAKURAGI, M. E.; ZAGUINI, F. F.; SILVADO, C. E. Musicoterapia em ambulatório de epilepsia e aplicação de pré e pós teste da...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 73-84

observadas no grupo “A” e no grupo controle “B” são semelhantes foi aplicado o teste de
Mann-Whitney de forma que um p-valor observado menor do que 5% (nível de significân-
cia) rejeitam-se a hipótese nula de que os dois grupos possuem a mesma média, isto é, as
diferenças pré e pós calculadas para cada grupo não são iguais ao nível de significância
considerada (CONOVER, 1980; ZAR, 1980). O p-valor para cada Estado de Humor pode ser
observado na Tabela 1.

Tabela1: Teste Grupo “A” - Grupo “B” das diferenças antes menos depois.

Grupo “A” Grupo “B”


Estados de Humor p-valor
Média DP Média DP
Tensão -3,3636 4,1466 -0,2380 2,8089 0,0059
Depressão -3,3636 4,3484 0,0952 2,75 0,0044
Raiva -3,1818 3,9477 0,1428 2,7619 0,0021
Vigor 2,0454 4,1801 -1,3333 3,5402 0,0036
Fadiga -4,5454 3,9488 1,3809 2,7834 <0,001
Confusão -2,9545 4,9036 -0,1428 3,2138 0,0549

A análise estatística do Teste de Humor de Brunel foi realizada com a aplicação do


teste de Wilcoxon para verificar se a média dos valores observados, antes e depois [da in-
tervenção musicoterapêutica/paisagem sonora] é igual (IKEWELUGO, 2012; WILCOXON,
1945). Verificaram-se assim as diferenças médias dos valores observados no grupo “A” e no
grupo “B” (Gráfico 1). Para todos os estados de humor a amostra forneceu evidências esta-
tísticas ao nível de significância de 5% para rejeitar a hipótese nula do teste (médias iguais).

Gráfico 1: Média pré e pós-teste de acordo com o grupo “A” e “B”.

79
PIAZZETTA, C. M.; SAKURAGI, M. E.; ZAGUINI, F. F.; SILVADO, C. E. Musicoterapia em ambulatório de epilepsia e aplicação de pré e pós teste da...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 73-84

O gráfico 1 demonstra os resultados comparativos do grupo “A” antes e depois e o


grupo “B” antes e depois. Para o grupo “A” verificou-se que houve alterações significativas
em todas as 6 subescalas do teste, diminuindo os estados de tensão, depressão, raiva, fadiga
e confusão e aumentado o fator vigor.
No gráfico do grupo “B” observaram-se mudanças significativas nos fatores vigor e
fadiga, tendo uma diminuição no primeiro fator e um aumento no segundo. Esse grupo mos-
trou também que não houve grandes mudanças nos demais fatores, apresentando pequenos
aumentos nos estados de depressão e raiva.
Os resultados quantitativos da aplicação do protocolo de intervenção foram ob-
tidos pela observação dos pacientes segundo os critérios de inclusão, entre 18 e 60 anos e
sem deficiência mental. Dezessete (17) pacientes foram observados a partir do número total
dos integrantes do Grupo “A”: trinta e seis (36) participantes (pacientes e acompanhantes).
A participação dos acompanhantes foi muito importante pela segurança e apoio às ativida-
des junto aos pacientes.
Etapa 1: 56% perceberam e localizaram a fonte sonora, 25% não responderam e 19%
realizaram de modo diferente: por imitação ou respostas atrasadas ou respostas parciais.
Etapa 2: 50% perceberam a diferença de frequências agudas, médias e graves; 19%
não perceberam e 31% realizaram a tarefa por imitação ou de modo parcial. Ainda na etapa
2 - 69% identificaram diferença de amplitude forte e fraca e 16% não identificaram e 15%
realizaram de modo parcial a tarefa.
A análise qualitativa composta a partir das respostas da questão aberta foi trans-
crita neste artigo. Para isso considerou-se os trechos similares e mais frequentes. Também
foram consideradas as anotações no caderno de campo e a observação das categorias encon-
tradas nas etapas 3 e 4 do protocolo.
A sala de espera sem a Musicoterapia teve como característica, além da paisagem
sonora descrita anteriormente, expressões faciais dos usuários com demonstração de insa-
tisfação, ansiedade, cansaço e mau humor. Alguns pacientes reclamavam em voz alta do
descontentamento da espera do atendimento médico e outros preferiam queixar-se em um
tom mais baixo para o(a) companheiro(a) ao lado. Alguns participantes desse grupo contro-
le confidenciaram ao pesquisador que gostariam de terem sido sorteados para o grupo com
Musicoterapia, pois a sala de espera estava entediante e cansativa e acreditavam que com o
outro grupo estaria mais divertido.
Recortes das respostas à questão, “como foi sua espera hoje?” no Grupo “B”: “Bem
cansativa. Eles marcam um horário e é outro e moro em Foz de Iguaçu. É cansativo”; “Irrita-
do”; “Cansada e preocupada”; “O já esperado de sempre, demorado”; “Foi cansativa, devido
à demora em ser chamado”; “Com uma quantia de ansiedade e medo”.
Os aspectos que mais chamaram a atenção nos relatos deste grupo foram identifi-
cados em sua maioria como irritação, preocupação, ansiedade e cansaço.
No grupo “A” com a Musicoterapia a produção sonora e musical foi eclética com
predomínio de temas religiosos. Observou-se também a mudança de semblantes dos partici-
pantes após a experiência, saindo da sala com uma expressão facial demonstrando alegria.
Durante os trabalhos com a Musicoterapia, os pacientes, puderam se conhecer melhor e par-
ticipar coletivamente do trabalho, proporcionando trocas e diálogos entre eles.
As respostas à questão aberta colocada vieram ao encontro do observado nos sem-
blantes: “Foi melhor que as outras consultas”; “Foi divertido e alegre”; “Foi agradável, tirou
um pouco do estresse da espera”; “Muito melhor de que quando cheguei. Mais animada,
bem melhor do que as outras consultas”; “Animada. Bem melhor que ficar sem fazer nada
na sala de espera”; “Hoje foi muito legal, menos cansativa”; “Queria que tivesse mais”; “Foi
muito bom... conheci pessoas maravilhosas e os sons dos instrumentos”.

80
PIAZZETTA, C. M.; SAKURAGI, M. E.; ZAGUINI, F. F.; SILVADO, C. E. Musicoterapia em ambulatório de epilepsia e aplicação de pré e pós teste da...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 73-84

Nota-se na análise das respostas que o grupo “A” expressou o sentimento agradável
na espera com a intervenção musicoterapêutica e o grupo “B” expôs o sentimento oposto
com a rotina da sala de espera.
A observação dos vídeos para as etapas 3 e 4 revelou em primeiro plano a interação
sonora, com o uso de memórias referenciadas no modo de tocar os instrumentos e produ-
ções rítmicas integradas ou não à sonoridade do grupo.
A produção instrumental esteve presente na minoria das intervenções. O trabalho
com canções, acompanhadas por instrumentos de percussão, ocupou a grande parte das so-
noridades compartilhadas nas etapas 3 e 4. Das perdas de capacidades musicais para: rit-
mo, melodia, timbre e harmonia, os estudos sobre epilepsia e música não fazem referência
ao ritmo diretamente. Abordam perdas de memória, da emoção e da localização espacial
(CORREIA et al, 1998; MAGUIRE, 2012; PAPP, 2014). Deste modo estudos mais aprofunda-
dos e direcionados para mapeamento das capacidades musicais durante o tratamento para
epilepsia fazem-se necessários.

Conclusão

O propósito de observar mudanças de humor em pacientes com epilepsia em uma


sala de espera após intervenção musicoterapêutica foi alcançado. É importante destacar que
a metodologia aplicada não levou em conta algumas características particulares de cada pa-
ciente, tais como: a localização do foco de descargas (hemisfério direito ou esquerdo); trata-
mento medicamentoso utilizado; paciente submetido ou não à intervenção cirúrgica.
Contudo, os resultados encontrados, quando discutidos a partir da literatura espe-
cífica corroboram com a literatura sobre Epilepsia e tratamentos com Música (MAGUIRE,
2012; PAPP, 2014). Ou seja, a maioria dos pacientes com epilepsia realizou a atividade sobre
a localização fonte da sonora, porém uma menor parte encontrou dificuldades na escuta e
localização dos sons e alguns não perceberam qualquer diferença enquanto frequências e
amplitude. Nas etapas 1 e 2 eles estavam de olhos fechados, aqueles que não fecharam os
olhos algumas vezes copiavam os movimentos da pessoa que os acompanhava.
Os resultados cognitivos evidenciaram manifestações mais intensas como manu-
seio dos instrumentos musicais a partir de referência de memória. Nesta classificação con-
sideramos as memórias e as expressões faciais, pois a forma com que os pacientes manusea-
vam o instrumento remetia a lembranças do mesmo instrumento em outra situação. Na eta-
pa três os pacientes geralmente estavam sorrindo e movimentando-se corporalmente, com
expressões que demonstravam satisfação em experimentar os instrumentos de modo com-
partilhado e depois contextualizado em uma experiência musical.
Os dados mostram uma menor, porém significativa amostragem quanto à: falta de
expressividade facial diante da música, uma redução de memória e cantar uma música de-
pois da outra. Esses dados vêem ao encontro do perfil dos pacientes e seus diferentes níveis
de tratamento. Contudo, competência musical básica, como o ritmo mostrou-se preservada.
Os resultados qualitativos apontam para o interesse no instrumento musical, pois
todos os participantes manusearam e experimentaram alguns dos instrumentos musicais
disponíveis e tiveram muitas manifestações de integração rítmica com o grupo. Em menor
intensidade apresentaram-se lembranças de fatos da vida, capacidades de cantar e tocar ao
mesmo tempo; um padrão rítmico desconectado da sonoridade do grupo e o canto sem a ex-
pressão facial. Considerando que os participantes da atividade são portadores de ELT, esses
achados são coerentes.

81
PIAZZETTA, C. M.; SAKURAGI, M. E.; ZAGUINI, F. F.; SILVADO, C. E. Musicoterapia em ambulatório de epilepsia e aplicação de pré e pós teste da...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 73-84

Os resultados encontrados através do diário de campo e da resposta à questão aber-


ta confirmam a eficácia da atividade musical em dinâmicas musicoterapêuticas na mudan-
ça de humor, assim como os relatos pelo grupo “B” revelaram que os significados expressos
em relação à espera foram em sua maioria preocupação, ansiedade e irritação..
O resultado da análise estatística do Teste de Humor de Brunel corroborou os da-
dos qualitativos e demonstrou alterações de humor para mais ou para menos nos dois gru-
pos nos fatores de vigor e fadiga. No grupo “A” o fator vigor de 8,13 passou para 10,18; o fator
fadiga de 7,86 passou para 3,31, ou seja, os participantes apresentaram mais vigor e menos
fadiga após a atividade com musicoterapia. No grupo “B” o fator vigor de 7,8 passou para
6,47; o fator fadiga de 5,52 passou para 6,9, ou seja, os participantes na sala de espera de-
monstraram mais fadiga e menos vigor.
Os estudos de Gattino, Sorrentino e Vaccaro (2010) apontaram, pela identificação
de níveis de hormônios no sangue, o efeito benéfico da experiência musical para o siste-
ma imunológico por acionar o sistema dopaminérgico. O estudo realizado na sala de espe-
ra com a utilização de formulário identificou outros fatores anti estresse importantes que
foram alterados para mais, o vigor e para menos a fadiga no grupo que participou da inter-
venção musicoterapêutica.
Esses resultados apontam que a espera pela consulta na sala e os ruídos do dia a
dia no ambiente favoreceram situações estressantes para os participantes do grupo “B”, in-
dicando à diferença da paisagem sonora com relação ao grupo “A”. A prática da atividade
musicoterapêutica compartilhada para o grupo “A”.
A utilização de um Modelo de Cognição para embasar o protocolo de intervenção
mostrou-se bastante válida e abre precedentes para investigações mais aprofundadas com
essa clientela usando como instrumentos de análise exames de neuroimagens.
A escolha do Teste de Humor de Brunel para a pesquisa quantitativa alcançou a
proposta do teste, ou seja, indicar alterações nos fatores de humor para níveis de mais ou
menos estresse. Como o questionário foi adaptado de outra área, este resultado sugere que o
mesmo possa ser validado para a avaliação de trabalhos com musicoterapia para mudança
de humor e redução dos fatores de estresse. Embora haja essa ressalva foi possível verificar
a efetividade do método de forma que o estudo serve de indicativo para pesquisas futuras
na musicoterapia, seguindo todos os critérios científicos de pesquisa, para que seja um ins-
trumento para a área.

Nota
1
Pesquisa com registro na Plataforma Brasil e parecer do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas
da UFPR e da Unespar - FAP. CAAE 37051114.7.3001.0096 de 13 de janeiro de 2015.

Referências

CANDIDO, L. E.; PIAZZETTA, C. M. Musicoterapia como tratamento de Epilepsia de difícil


Controle, uma revisão sistemática. In Anais do XV SIMPÓSIO BRASILEIRO DE MUSICOTE-
RAPIA, XV ENCONTRO NACIONAL DE PEQUISA EM MUSICOTERAPIA. Rio de Janeiro, no-
vembro 2015.

CARMO, L. I. C. Efeitos do ruído ambiental no organismo humano e suas manifestações au-


ditivas. Monografia de conclusão do Curso de Especialização em Audiologia Clínica. Goiânia.
1999.

82
PIAZZETTA, C. M.; SAKURAGI, M. E.; ZAGUINI, F. F.; SILVADO, C. E. Musicoterapia em ambulatório de epilepsia e aplicação de pré e pós teste da...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 73-84

CONOVER, W. J.; Practical Nonparametric Statistics, John Wiley & Sons, 1980 (2nd Edition),
p. 225-226.

CORREIA, C. M. F.; MUSZKAT, M.; VICENZO, N. S. e CAMPOS, C. J. R. Lateralização das fun-


ções musicais na epilepsia parcial. Arq. Neuro-Psiquiatr. 1998, v.56, n.4, p. 747-755. ISSN 0004-
282X. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/anp/v56n4/1627.pdf> Acesso em 28 de abril
de 2015

CUNHA, R.; VOLPI, S. A prática da musicoterapia em diferentes áreas de atuação. Revista Cien-
tífica/FAP, vol. 3, p. 85-97. Curitiba. 2008.

FOZ, A., et al., Delineamentos de Ensaios clínicos em pesquisas odontológicas. In Braz J Perio-
dontol - volume 21 - issue 04, December, 2011

GATTINO, G. S.; SORRENTINO, J. M.; VACCARO, T. S. Evidências dos efeitos da Musicoterapia


no sistema imunológico humano. ANAIS DO X ENPEMT, p. 124-130. Salvador. 2010.

IKEWELUGO C. A. O. “Modified Wilcoxon Signed-Rank Test”. Open Journal of Statistics: April,


2012, p. 172–176

KOELSCH, S. Toward a neural basis of music perception – a review and updated model. Fron-
tiers in Psychology Front. Psychol., 09 June 2011. Acesso em: 30 de Agosto de 2014 em <http://
journal.frontiersin.org/Journal/10.3389/fpsyg.2011.00110/abstract>

MAGUIRE. M.J. Music and epilepsy: a critical Review Epilepsia. Jun;53(6): 947-61. 2012

MENEGUELLO, J; LEONHARDT, F. D.; PEREIRA, L. D. Processamento auditivo em indivíduos


com epilepsia de lobo temporal. Rev Bras Otorrinolaringol. 72(4): 496-504, 2006.

MORESI. E. Metodologia da Pesquisa. Material do Programa e Pós Graduação da universidade


Católica de Brasília. 2003.

PAPP, G.; KOVAC, S.; FRESE, A.; EVERS, S. The impact of temporal lobe epilepsy on musical
ability. PubMed. Aug; 23(7), p. 533-6, 2014.

PENIDO, E. C.; AZEVEDO, F. R.; SOUZA, J. H.. Poluição sonora: aspectos ambientais e saúde pú-
blica. Revista das Faculdades Integradas Vianna Junior, vol. 2, n.1, p. 153-173. Juiz de Fora. 2011.

PEREIRA, D. L.; GORSKI, G. M. A influência do exercício físico no humor em dependentes quí-


micos em tratamento. s/d Acesso em: 12 de Novembro de 2014 em <http://www.efdeportes.com/
efd153/exercicio-fisico-em-dependentes-quimicos.htm>

ROHLFS, I. C. P. M. Validação do Teste de Brums para avaliação de humor em atletas e não atle-
tas brasileiros. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação/Mestrado em Ciências
do Movimento Humano do Centro de Educação Física e Desportos (CEFID) da Universidade do
Estado de Santa Catarina (UDESC). Florianópolis. 2006

ROHLFS, I. C. P. M.; ROTTA, T. M.; LUFT, C. D. B.; ANDRADE, A.; KREBS, R. J.; CARVALHO,
T. A Escala de Humor de Brunel (Brums): instrumento para detecção precoce da síndrome do
excesso de treinamento. Revista Brasileira Medicina do Esporte, vol. 14, n.3, p. 176-181. Floria-
nópolis. 2008.

SCHAFER, R. M. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo
atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. São Paulo:
Ed. UNESP. 2001.

SPONCHIATO, D. Dossiê: Medicina Integrativa. Revista Galileu, vol. n.259, p. 35-45. São Paulo:
Ed. Globo. 2013.

83
PIAZZETTA, C. M.; SAKURAGI, M. E.; ZAGUINI, F. F.; SILVADO, C. E. Musicoterapia em ambulatório de epilepsia e aplicação de pré e pós teste da...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 73-84

STIES, S. W.; GONZÁLES, A. I.; NETTO, A. S.; WITTKOPF, P. G.; LIMA, D. P.; CARVALHO, T.
Validação da Escala de Humor de Brunel para programa de reabilitação cardiovascular. Revista
Brasileira Medicina do Esporte, vol. 20, n.4, p. 281-284. Florianópolis. 2014.

WILCOXON, F. “Individual comparisons by ranking methods” Biometrics Bulletin 1 (6) p. 80-83.


1945.

ZAR, J. H. Biostatistical Analysis. New Jersey: Prentice Hall International, INC. p. 147. 1998
ISBN 0-13-082390-2.

Clara Márcia Piazzetta - Docente do Curso de Bacharelado em Musicoterapia da Unespar - FAP. Mestre em Músi-
ca/Musicoterapia pela Universidade Federal de Goiás. Coordenadora do Centro de Atendimento e Estudos em Mu-
sicoterapia Profa. Clotilde Leinig CAEMT-FAP.

Marcos Eikiti Sakuagi - Estudante do curso de Bacharelado em Musicoterapia da Unespar –FAP, bolsista do Pro-
grama de Iniciação Científica 2014 -2015 Unespar, Fundação Araucária.

Fernanda Franzoni Zaguini - Estudante do curso de Bacharelado em Musicoterapia da Unespar - FAP, bolsista do
Programa de Iniciação Científica 2014 -2015 Unespar, Fundação Araucária.

Carlos Eduardo Silvado - Professor Assistente de Neurologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), coordena-
dor do Grupo de Epilepsia e EEG e do Programa de Cirurgia de Epilepsia do Hospital de Clínicas da UFPR.

84
SOUSA, R. B. N.; ALCÂNTARA-SILVA, A. L.; VALE, A. F.; ALCÂNTARA-SILVA, T. R. Ampliando a compreensão sobre a relação entre a música e a...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 85-91

Ampliando a compreensão sobre a relação entre a música e a


expressão gênica através de uma revisão sistemática

Romes Bittencourt Nogueira Sousa (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil)
romesbittencourtsousa@gmail.com
Ana Lidia Alcântara-Silva (Escola Superior de Ciências da Saúde, Brasília, DF, Brasil)
analidia.mas@gmail.com
Arthur Ferreira Vale (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil)
arthur_vale27@hotmail.com
Tereza Raquel Alcântara-Silva (EMAC/UFG, Goiânia, Goiás, Brasil)
terezaraquel.mas@gmail.com

Resumo: Revisão sistemática sobre Música e expressão gênica, com o objetivo de ampliar conhecimentos sobre o
tema. As bases de dados utilizadas foram Scopus, Pubmed e Scielo. Foram incluídas publicações dos últimos cin-
co anos, nos idiomas português, inglês e espanhol, que contivessem no título Música ou Musicoterapia associadas
a pelo menos um dos demais descritores: Biologia Molecular ou Celular e Genética. Dos 394 artigos encontrados,
389 foram excluídos. Observamos que o tema é pouco estudado, a maioria dos estudos prioriza a relação música e
habilidades musicais e, nenhum deles teve a participação de musicoterapeuta. Novas pesauisas são necessárias pa-
ra melhorar a compreensão sobre o assunto e, com isso aumentar as contribuições para a clínica musicoterapêutica.
Palavras-chave: Música; Habilidade musical; Musicoterapia; Expressão gênica; Biologia molecular

Expanding the understending on the music and gene expression related trough a systematic review
Abstract: Systematic review of Music and gene expression, wich aim to expand knowledge on the subject. The data-
bases used were Scopus, Pubmed and Scielo. They were included in the publications of the last five years in Portu-
guese, English and Spanish, which contained the title song or music therapy associated with at least one of the other
descriptors: Molecular Biology and Genetics and Cell. We found 394 articles and were excluded 389. We observed
that the subject is poorly studied, most studies prioritize the relationship music and musical abilities, and music
therapist attended none of them. Further research is needed to expanding the understanding of the subject and there-
by increase contributions to the music therapy clinic.
Keywords: Music. Musical ability; Music therapy; Gene expression; Molecular biology.

Ampliando la compreensión sobre la relación entre la música y la expresión génica a través de una revisión sistemática
Resumen: Revisión sistemática sobre música y expresión génica, con el objetivo de ampliar conocimientos sobre el
tema. Las bases de datos utilizados fueron Scopus, Pubmed, y Scielo. Fueron incluidas publicaciones de los últimos
cinco años, en los idiomas portugués, inglés y español, que contuviesen en el título Música o Musicoterapia asocia-
dos a por lo menos uno de los demás descriptores: Biología Molecular o Celular y Genética. De los 394 artículos en-
contrados, 389 fueron excluidos. Observamos que el tema es poco estudiado, la mayoría de los estudios prioriza la
relación música y habilidades musicales y, ninguno de ellos tuvo la participación de musicoterapeuta. Esperamos
que más investigaciones sean realizadas visando mayor comprensión del asunto y, con eso aumentar las contribu-
ciones para la clínica musicoterapeutica.
Palabras clave: Música; Habilidad musical; Musicoterapia; Expresión génica; Biología molecular.

Introdução

A música sempre se constituiu um recurso amplamente utilizado por todas as so-


ciedades desde os primórdios, incluindo, principalmente, seu uso estético, social, espiri-
tual, relacionados a saúde, dentre outras funções. Talvez, por tal razão ela, há muito se
tornou objeto de estudo em vários segmentos, como estudos sobre habilidades musicais
e aspectos cognitivos (WANG, et al., 2015; FARRUGIA, et al., 2015; SACHS, DAMASIO,
HABIBI, 2015; MELTZER, et al., 2015); bases biológicas e neurofisiológicas da ativida-
de cerebral frente a estímulo musical (PALMIERO, et al., 2015; VERRUSIO, et al., 2015;
FARRUGIA, et al., 2015) funcionamento cerebral durante o estado criacional em composi-

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 17/09/2015 - Aprovado em: 10/12/2015

85
SOUSA, R. B. N.; ALCÂNTARA-SILVA, A. L.; VALE, A. F.; ALCÂNTARA-SILVA, T. R. Ampliando a compreensão sobre a relação entre a música e a...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 85-91

tores (LU, et al., 2015); neuroplasticidade (EMBLETON, MORRIS, SLUMING, 2011); meca-
nismos neurais relacionados a percepção musical (MULLER, et al., 2015; YUSKAITIS, et
al., 2015). Outros, estão relacionados, de forma mais específica a alguma doença como as-
sociação entre a melhora da memória verbal e prática musical em indivíduos com Síndro-
me de Williams (DUNNING, MARTENS, JUNGERS, 2014), música e dislexia (YUSKAITS,
et al., 2015) reabilitação cognitiva em pacientes com doença de Alzheimer (ALCÂNTARA-
SILVA, MIOTTO, MOREIRA, 2014); música e doença de Parkinson (DREU, et al., 2013;
ELEFANT, et al., 2012).
Outro tema que tem despertado interesse de pesquisadores são os componentes ge-
néticos da percepção e habilidades musicais (PINHO, et al., 2014); Destacamos uma pesqui-
sa proposta por (LESTARD, et al., 2013) que avaliou a resposta de uma linhagem celular
tumoral de células mamárias (MCF7) frente à estimulos musicais. Os resultados deste es-
tudo mostraram que a música pode alterar parâmetros morfofuncionais das células como a
granularidade em células em cultura, bem como modular processos fisiológicos e fisiopa-
tológicos além de promover alterações nos componentes hormonais. Importante estudo de-
senvolvido por Kanduri, et al. (2015), sugere que que ouvir música clássica aumenta a regu-
lação de genes relacionados com a secreção de dopamina. Mostraram, ainda, quanto a per-
cepção musical, que ocorre uma expressão gênica diferenciada no ser humano, após ouvir
música. Sugerem, também, que a música pode funcionar como agente neuroprotetor, isto é,
regula vários genes indutores de neuroproteção, razão pela qual pode ser utilizada como te-
rapia no tratamento de doenças neurodegenerativas como doença de Parkinson, doença de
Alzheimer, esclerose múltipla, dentre outras.
Com o objetivo de ampliar conhecimentos sobre as respostas moleculares e expres-
são gênica relacionadas a música em seres humanos, esta revisão foi proposta.

1. Metodologia

As bases de dados utilizadas para a busca foram Scopus, Pubmed e Lilacs, por meio
dos descritores Música ou Musicoterapia e Biologia Molecular; Música ou Musicoterapia e
Genética; Música ou Musicoterapia e Biologia Celular e seus correlatos em inglês e espa-
nhol. Foram incluídos artigos publicados nos últimos cinco anos (janeiro de 2011 a maio de
2015), nos idiomas português, inglês ou espanhol, que contivessem no título ou no resumo
Música ou Musicoterapia, associadas a pelo menos um dos descritores mencionados. Foram
excluídos artigos de revisão, capítulos de livros e similares, artigos de conferência, aqueles
artigos sem resumo disponibilizados na íntegra por meio do convênio de bibliotecas dos Pe-
riódicos CAPES.

2. Resultados

Os resultados da busca e o processo de seleção e exclusão dos artigos estão su-


marizados na Figura 1. As informações referentes aos artigos incluídos estão expostas no
Quadro 1. Para a busca dos artigos estiveram envolvidas duas pessoas, para a seleção e a
análise, três.

86
SOUSA, R. B. N.; ALCÂNTARA-SILVA, A. L.; VALE, A. F.; ALCÂNTARA-SILVA, T. R. Ampliando a compreensão sobre a relação entre a música e a...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 85-91

Figura 1: Fluxograma do processo de seleção dos artigos.

Quadro 1: Descrição por autor, ano, título e periódico de publicação dos artigos selecionados para a presente revisão.

Autores/Datas Título do artigo Periódico publicado


Morley, A. P. et al., AVPR1A and SLC6A4 Polymorphisms in Choral Singers and Non-Musicians: A Ge- PLoS ONE
2012 ne AssociationStudy
Park, H. et al., Comprehensive genomic analyses associate UGT8 variants with musical ability in J MedGenet
2012. a Mongolian population
Ukkola-Vuoti, L. et al., Genome-Wide Copy Number Variation Analysis in Extended Families and Unrelated PlosOne
2013 Individuals Characterized for Musical Aptitude and Creativity in Music
Bittman, B. et al., Recreational music-making alters gene expression pathways in patients with coro- Medical Science
2013 nary heart disease Monitor

Morley et al (2012) estudaram a associação de polimorfismos genéticos do AVPR1A


e SLCA4 entre cantores de coral e não músicos. AVPR1A, SLC6A4, TPH1 são proteínas rela-
cionadas com a neurotransmissão, influenciados pelo sistema serotoninérgico. Polimorfis-
mos em AVPR1A, SLC6A4 aparentemente podem influenciar traços sociais e musicais. Pa-
ra investigar essa associação, os pesquisadores utilizaram testes de música que avaliavam
a percepção e habilidade musical. O objetivo da pesquisa foi determinar, através de um es-
tudo de associação genética, a variabilidade genética bem como a comparação genotípica
entre os dois grupos em um conjunto de marcadores de polimorfismos para AVPR1A, SL-
C6A4. A hipótese deste estudo foi a de que variantes alélicas nos genes AVPR1A, SLC6A4,
conhecidos por estarem associados com a aptidão musical, também estariam relacionadas a
resultados comportamentais, principalmente no que se referia a adesão ao coro. Foi possível
observar que existe alguma evidência de associação entre o polimorfismo e dependência de

87
SOUSA, R. B. N.; ALCÂNTARA-SILVA, A. L.; VALE, A. F.; ALCÂNTARA-SILVA, T. R. Ampliando a compreensão sobre a relação entre a música e a...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 85-91

recompensa. Encontraram, ainda, associação destes genes com a habilidade musical, mas
não ficaram convencidos se essa relação estava vinculada mais a habilidade musical em si
ou à capacidade de compreender os sinais não verbais do regente.
No estudo de Park et al (2012) os autores investigaram os determinantes gênicos da
capacidade musical em um grupo de indivíduos da Mongólia. Descreveram a habilidade
musical como sendo uma característica complexa e multifatorial (ambientais e genéticos),
isto é, além de envolver a capacidade cognitiva vinculada a habilidade musical, envolve
também uma variedade de genes. Os autores confirmaram também, a hipótese da heredi-
tariedade da habiliade musical, verificadas de forma significativa em grupos de familiares.
O estudo encontrou uma associação da região cromossómica 4q22 com aptidão musical.
Finalmente, afirmaram que variantes genéticas comuns na UGT8 estão associados com a
habiliade musical.
Ukkola-Vouti et al, 2013 avaliaram a base genético-molecular de fenótipos relacio-
nados com a música. O estudo teve como objetivo obter uma maior compreensão sobre a
base biológica da percepção musical. Para tanto, foi realizado um levantamento de todo o
genoma de CNVs (número de cópias de segmentos de DNA) em cinco famílias multigeracio-
nais e em 172 indivíduos não relacionados, que foram caracterizados por aptidão e criativi-
dade musical. Esta, foi definida, neste estudo, como a capacidade para compor e improvisar
e foi verificada através de um questionário de música. Os resultados mostraram uma dele-
ção no 5q31.1, presente no gene Pcdha que está associado a baixos escores nos testes. Esse
gene está envolvido na migração neural, diferenciação e formação sináptica. Criatividade
musical está relacionado a uma duplicação no 2p22 no gene GALM. Ambos os genes cita-
dos estão envolvidos com o sistema serotoninérgico, que influencia funções motoras e cog-
nitivas. Tais funções são importantes na percepção e na prática musical. Esse estudo con-
tribuiu para a descoberta de novos genes relacionados à prática musical.
Estudo randomizado sobre avaliação da expressão genética em pacientes com do-
ença cardíaca, por meio de atividade musical recreacional, foi proposto por Bittman et al
(2013). Foram incluídos indivíduos com histórico de isquemia cardiovascular. Inicilamen-
te, todos os participantes foram submetidos a um “momento de estress” que compreendia
montar um quebra-cabeça, com nível alto de dificuldade, em um tempo determinado pelos
pesquisadores. No segundo momento, aleatoriamente o grupo controle foi para leitura de
revista ou jornais de livre escolha e, o grupo de intervenção musical participaram de ses-
sões com teclados eletrônicos individuais, tendo por perto o médico facilitador. O protocolo
RMM (“recreational making music”), para o grupo de intervenção, seguiu uma base algo-
rítmica de melhoria de estresse multifacetada bio-comportamental que incluia: a) chegada:
uma canção era tocada enquando o facilitador desejava boas vindas aos participantes; b)
Bem-estar mente-corpo: aquecimento com música relaxamente (não especificada no artigo
sobre o critério utilizado para definir), movimento, imagem e expressão melódica pentatô-
nica à base de um fundo calmante de sons da natureza; c) Roda de tambores: uma simula-
ção de comunicação através dos teclados baseado em improvisação ritmica; d) Percepção
musical utilizando uma breve discussão de um conceito musical/metáfora pertinente ao
contexto; e) Canção do dia: excecução de uma canção, pelos participantes, guiada por luzes
do teclado; f) Bem-estar mente-corpo de arrefecimento; g) Reflexão – discussão do grupo so-
bre consciência e pregresso pessoal e; h) Canção de despedida. A coleta do sangue ocorreu
em três momentos: a primeira antes do início de todos os procedimetos, a segunda após o
“momento de estress” e a terceira ao final do relaxamento.
Este estudo mostrou mudanças na expressão gênica dos componentes sanguineos
do sangue periférico durante uma experiência de duas fases: estresse e relaxamento subse-

88
SOUSA, R. B. N.; ALCÂNTARA-SILVA, A. L.; VALE, A. F.; ALCÂNTARA-SILVA, T. R. Ampliando a compreensão sobre a relação entre a música e a...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 85-91

quente, para investigar vias moleculares relevantes para modulação de tensão-relaxamento.


Os integrantes do grupo controle, que estavam sentados lendo silenciosamente mostraram
regulação diferencial de apenas duas vias, enquanto os participantes randomizados para o
protocolo RMM demonstraram mudanças na expressão de 12 caminhos que regem a função
imunológica e processamento da informação genética.
Em conclusão, os autores observaram maior mudança molecular no grupo de in-
tervenção quando comparado ao grupo de leitura,sugerindo que o RMM pode diminuir o
nivel de estresse com importantes implicações para o tratamento de pacientes com doen-
ças cardiovasculares. Os autores sugeriram que o sangue periférico, por ser de fácil aces-
so, pode ser importante para o exame dos processos biológicos relacionados à saúde e do-
ença. Outra observação, foi a de que episódios de estresse psicológico, mesmo que de cur-
ta de duração, mostrou ser fator desencadeante de respostas metabólicas agudas no san-
gue periférico. Os autores se fundamentaram em dois trabalhos publicados anteriormente
(MORITA, et al., 2005; KAWAI, et al., 2007) sobre genes responsivos ao estresse dos quais
ascitocinas, moléculas de adesão, proteínas de choque térmico, genes de crescimento ou
apoptose com uma ampla gama de funções biológicas, incluindo a sinalização celular, in-
flamação, imuno-modulação, e neuroproteção. A pesquisa mostrou, ainda, que o treino de
relaxamento provoca mudanças na expressão gênica dos componentes do sangue periféri-
co. Durante a fase de relaxamento do estudo, observou-se a expressão do gene de modula-
ção em vias moleculares que regulam a função imune semelhantes, processamento de in-
formação genética, a sinalização celular e citotoxicidade. Finalmente os autores afirmaram
que o envolvimento ou participação em atividade musical expressiva-criativa pode vir a
desempenhar um papel importante na redução do estresse no tratamento e administração
de doenças crônicas.

Considerações finais

Esta revisão nos possibilitou concluir que ainda são escassos os trabalhos que en-
volvem a avaliação de alterações da expressão gênica relacionadas ao estímulo musical. Foi
possível observar que não houve a participação de um musicoterapeuta na realização das
pesquisas em nenhum dos trabalhos incluídos. À exceção do estudo desenvolvido por Bitt-
man et al (2013), os demais tiveram por objetivo identificar a relação entre música e expres-
são gênica, que fortaleceu a inegabilidade da relação entre habilidade musical e regulação
genética e que há hereditariedade genética para música e criatividade musical, muito embo-
ra necessite de estudos para isolar e caracterizar os genes que predispõem a aptidão musi-
cal, conforme afirmaram os autores.
A identificação de genes ou variantes genéticas envolvidas na mediação da percep-
ção musical e performance musical pode favorecer a compreensão do papel da música e a
neurofisiologia humana. Fato é que estes estudos nos incitaram a refletir, ainda mais, so-
bre a participação do musicoterapeuta em pesquisas relacionadas sobre o tema, que poderia
abrir a possibilidade de ampliar conhecimentos não apenas da música como um estímulo
biogenético, mas da sua contribuição, de forma evidenciada em processo musicoterapêuti-
co, assim como seus possíveis efeitos benéficos como terapia complementar integrativa no
tratamento de várias doenças a partir do conhecimento sobre as expressões gênicas relacio-
nadas à música, tanto como efeito biológico físico e cognitivo como emocional sobre o ser
humano, para proporcinar uma prática clínica musicoterapêutica cada vez mais científica
e com maiores ganhos ao paciente.

89
SOUSA, R. B. N.; ALCÂNTARA-SILVA, A. L.; VALE, A. F.; ALCÂNTARA-SILVA, T. R. Ampliando a compreensão sobre a relação entre a música e a...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 85-91

Referências

ALCÂNTARA-SILVA, T. R. M.; MIOTTO, E. C.; MOREIRA, S. V. Musicoterapia, Reabilitação


Cognitiva e doença de Alzheimer: revisão sistemática. Revista Brasileira de Musicoterapia, Ano
XIV n.17 ano 2014. p. 56-68.

DREU, M. J.; van der WILK, A. S. D.; POPPE, E.; KWAKKEL, G.; van WEGEN, E. E. H. Reha-
bilitation, exercise therapy and music in patients with Parkinson’s disease: a meta-analysus
of the effects of music-based movement therapy on walking ability balance and quality o life.
Parkinsonism and Related Disorders, v.1851, 2012 p. 114-119.

DUNNING, B. A.; MARTENS, M. A.; JUNGERS, M. K. Music lessons are associated with incre-
ased verbal memory in individuals with Williams syndrome. DevDisabil. 2014. Disponível em:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25462517. Acesso em: 20/07/2015.

ELEFANT, C.; LOTAN, M.; BAKER, F. A.; SKEIE, G. O. Effects of music therapy on facial ex-
pression of individual with Parkinson´s disease: A pilot study. Music Scientia. v.16 (3), 2012,
p. 392-400.

EMBLETON, K.; MORRIS, D.; SLUMING, V. Plasticity of the superior and middle cerebellar pe-
duncles in musicians revealed by quantitative analysis of volume and number of streamlines
based on diffusion tensor tractography. Cerebellum. 2011. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.
nih.gov/pubmed/21503593. Acesso em: 20/07/2015.

FARRUGIA, N.; JAKUBOWSKI, K.; CUSACK, R.; STEWART, L. Tunes stuck in your brain:
The frequency and affective evaluation of involuntary musical imagery correlate with cortical
structure. Consciousness and Cognition. 35. 2015, p. 66-77.

KANDURI, C.; RAIJAS, P.; AHVENAINEN, M.; PHILIPS, A. K.; UKKOLA, L.; AKI, H. L.; JAR-
VËL, I. The effect of listening to music on human transcriptome. PEERJ 3:e830 DOI 10.7717/
peerj.830. 2015. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25789207, acesso em
11/12/2015.

KAWAI, T.; MORITA, K.; MASUDA, K. et al. Gene expression signature in peripheral blood
cells from medical students exposed to chronic psychological stress. BiolPsychol, 2007; 76:
p 147–55

LESTARD, N. R.; VALENTE, R. C.; LOPES, A. G.; CAPELLA, M. A. M. Direct effects of music in
no-auditory cells in culture. Noise & Health: a Biomonthly Inter-disciplinary International Jour-
nal, 2013. v.15 (66) p. 307-314.

LU, J.; YANG, H.; ZHANG, X.; LUO, C.; YAO, D. et al. The Brain Functional State of Music Cre-
ation: An fMRI Study of Composers. Scientific Reports. 5, 12277. 2015. Disponível em: http://
www.nature.com/articles/srep12277. Acesso em: 10/08/2015.

MELTZER, B.; REICHENBACH, C. S.; BRAIMAN, C.; (...); HUDSPETH, A. J.; REICHENBACH,
T. The steady-state response of the cerebral cortex to the beat of music reflects both the com-
prehension of music and attention. Frontiers in Human Neuroscience. 436. 2015, p. 1-11.

MORITA, K.; SAITO, T.; OHTA, M. et al. Expression analysis of psychological stressassociated
genes in peripheral blood leukocytes. Neurosci Lett, 2005; 381: 57-62.

MUELLER, K.; FRITZ, T.; MILDNER, T.; SCHROETER, M. L.; MÖLLER, H. E. Investigating the
dynamics of the brain response to music: A central role of the ventral striatum/nucleus accum-
bens. NeuroImage. 116. 2015, p. 68-79.

90
SOUSA, R. B. N.; ALCÂNTARA-SILVA, A. L.; VALE, A. F.; ALCÂNTARA-SILVA, T. R. Ampliando a compreensão sobre a relação entre a música e a...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 85-91

PALMIERO, M.; NORI, R.; ROGOLINO, C.; D’AMICO, S.; PICCARDI, L. Situated navigational
working memory: the role of positive mood. Cognitive Processing. 2015. Disponível em: http://
www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26216759. Acesso em: 20/07/2015.

PINHO A.L., DE MANZANO Ö., FRANSSON P., ERIKSSON H., ULLÉN F. Connecting to crea-
te: expertise in musical improvisation is associated with increased functional connectivity be-
tween premotor and prefrontal areas. Neurosci. 2014. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.
gov/pubmed/24790186. Acesso em: 21/07/2015.

PULLI, K. A.; KARMA, K. B.; NORIO, R. C.; SISTONEN, P. D.; GORING, H. H. H. E.; JARVELA,
I. A. F. Sex, Drugs, and Rock ‘N’ Roll: Hypothesizing common mesolimbic activation as a func-
tion of reward gene polymorphisms. Journal of Psychoactive Drugs. 44 (1). 2012, p. 38-55.

SACHS, M. E.; DAMASIO, A.; HABIBI, A. The pleasures of sad music: A systematic review.
Frontiers in Human Neuroscience. 404. 2015, p. 1-12.

VERRUSIO, W.; ETTORRE, E.; VICENZINI, E.; (...); CACCIAFESTA, M.; MECARELLI, O. The
Mozart Effect: A quantitative EEG study. Consciousness and Cognition. 35. 2015, p. 150-155.

WANG, X.; OSSHER, L.; REUTER-LORENZ, P. A. Examining the relationship between skilled
music training and attention. Consciousness and Cognition. vol 36. 2015, p. 169-179.

YUSKAITIS, C. J.; PARVIZ, M.; LOUI, P.; WAN, C. Y.; PEARL, P. L. Neural Mechanisms Under-
lying Musical Pitch Perception and Clinical Applications Including Developmental Dyslexia.
Current Neurology and Neuroscience Reports, 15 (8), 51. 2015.

Romes Bittencourt Nogueira Sousa - Acadêmico do Curso de Musicoterapia da Escola de Música e Artes Cênicas
da Universidade Federal de Goiás - EMAC/UFG, em Goiânia - GO - Brasil.

Ana Lidia Alcântara-Silva - Acadêmica do curso de Medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde - ESCS,
Brasília, DF, Brasil.

Arthur Ferreira Vale - Acadêmico do curso de Biomedicina do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Fe-
deral de Goiás - ECB/UFG, Goiânia - GO - Brasil.

Tereza Raquel Alcântara-Silva - Professora do Curso de Musicoterapia EMAC/UFG, Doutora em Ciências da Saúde
- UFG, Mestre em Música - UFG, Especialista em Reabilitação Cognitiva - USP, certificação em Musicoterapia Neu-
rológica pelo Center for Biomedical Reserch in Music - Colorado State University - EUA.

91
SANTOS, E. A.; ZANINI, C. R. O.; ESPERIDIÃO, E. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 92-104

Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia


como possibilidade terapêutica no cuidado ao cuidador1

Elvira Alves dos Santos (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil)
mtelvir@gmail.com
Claudia Regina de Oliveira Zanini (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil)
mtclaudiazanini@gmail.com
Elizabeth Esperidião (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil)
betesper@gmail.com

Resumo: Aspectos como ansiedade, insegurança, sobrecarga e desgastes emocionais interferem no trabalho de cuida-
dores. Objetivou-se, por meio de uma revisão integrativa, identificar aspectos referentes à utilização da música e da
musicoterapia no cuidado aos cuidadores. Teve-se como fonte: base de dados (SCIELO, PUBMED, MEDLINE, LILACS
e BDENF), volumes da Revista Brasileira de Musicoterapia, Anais dos Simpósios Brasileiros de Musicoterapia e dos
Congressos Mundiais de Musicoterapia, de 2004 a 2014. Os artigos foram selecionados a partir dos descritores Música,
Musicoterapia, Cuidadores e Cuidado e seus correlatos em inglês e espanhol. Concluiu-se que a utilização da Música
e da Musicoterapia pode ser uma estratégia no cuidado ao cuidador, proporcionando: redução da ansiedade e da fadi-
ga, momentos de prazer e de relaxamento. Observou-se que o musicoterapeuta atua utilizando experiências musicais
interativas, além das receptivas, que são as mais empregadas pelos demais profissionais da área de saúde.
Palavras-chave: Música em medicina; Musicoterapia; Cuidadores; Cuidado.

Taking care of who cares: an integrative review about music therapy as a therapeutic possibility in the caregiver care
Abstract: Aspects such as anxiety, insecurity, emotional overload and wear interfere with the work of caregivers. The
objective was identify aspects regarding the use of music and music therapy in the care of caregivers, using an inte-
grative review. It had as source: Database (SCIELO, PubMed, MEDLINE, LILACS and BDENF), volumes of the Brazil-
ian Journal of Music Therapy, Proceedings of Brazilian Symposium of Music Therapy and the World Congresses of
Music Therapy, 2004-2014. The articles were selected from the descriptors Music, Music Therapy, Caregivers and
Caring and its correlates in Portuguese and Spanish. It was concluded that the use of music and music therapy can
be a strategy in the care of the caregiver, providing: reducing anxiety and fatigue, moments of pleasure and relax-
ation. It was observed that the music therapist works using interactive musical experiences, beyond to receptive ex-
periences, which are the most used by other health professionals.
Keywords: Music in medicine; Music Therapy; Caregivers; Care.

Cuidando a quién le importa: una revisión integradora sobre la musicoterapia como posibilidad terapéutica en el
cuidado en el cuidador
Resumen: Aspectos tales como la ansiedad, la inseguridad, la sobrecarga emocional y el desgaste interfieren con el
trabajo de los cuidadores. El objetivo de esta revisión integradora fue identificar aspectos relacionados con el uso de
la musicoterapia y la música en el cuidado de los cuidadores. Tuvo como fuente: Base de datos (SCIELO, PubMed,
MEDLINE, LILACS y BDENF), volúmenes de la Revista de Musicoterapia, Terapia de música Simposio Actas de la
brasileña y los Congresos Mundiales de Musicoterapia de 2004 a 2014. Se seleccionaron los artículos con los descrip-
tores Música, Musicoterapia, cuidadores y cuidados y sus correlatos en Inglés y Español. Se concluyó que el uso de
la música y de la musicoterapia puede ser una estrategia en el cuidado del cuidador, proporcionando: redución de
la ansiedad y de la fatiga, momentos de placer y relajación. Se observó que el musicoterapeuta atúa mediante expe-
riencias musicales interactivas, además de receptivo, que son las más utilizados por otros profesionales de la salud.
Palabras clave: Música en medicina; Musicoterapia; Cuidadores; Cuidado.

Introdução

No trabalho cotidiano dos diferentes tipos de cuidadores observam-se aspectos que


podem interferir diretamente no cuidado prestado, seja ao familiar, seja ao cliente, como:
ansiedade, insegurança, medo, sobrecarga, diminuição da qualidade de vida, a perca da
identidade, fadiga física, irritabilidade desgaste físico e mental, a falta o autocuidado, alte-
rações nas relações interpessoais.

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 09/10/2015 - Aprovado em: 01/11/2015

92
SANTOS, E. A.; ZANINI, C. R. O.; ESPERIDIÃO, E. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 92-104

Cuidado é uma ação desenvolvida com a finalidade de atender uma necessidade ou


auxiliar o outro na busca por melhor qualidade de vida, através do zelo, da presença, do ou-
vir com atenção (ERDMANN et al, 2005). A prática do cuidar mostra importância entre as
ações e as relações humanas, revelando as divergências e convergências de cada ser, tornan-
do-se vital a preocupação, o respeito, a responsabilidade com e pelo cuidado do outro que
advém do envolvimento e da ligação afetiva. (BAGGIO et al, 2008).
Para Motta (2004), o cuidado é compreendido pelo cuidador a partir do encontro
com o outro. É um processo complexo, com uma variedade de significados, envolvendo o
ser doente, a família e os integrantes da equipe de saúde, buscando compreender o modo de
ser do ser cuidado, bem como seu mundo e o cuidado de si próprio.
O cuidador é toda pessoa que dá assistência a uma outra pessoa que foi atingida por
uma incapacidade, de grau variável, que não lhe permite cumprir, sem ajuda de outro, ativi-
dades necessárias à sua existência enquanto ser humano (OLIVEIRA, et al, 2009).
Existem duas definições para cuidadores: formais e informais. Entende-se por cui-
dador informal o membro ou pessoa próxima à família sem preparação, formação técnica
e/ou remuneração. O cuidador formal, no entanto, é o profissional de saúde com vínculos
empregatícios (MENDES et al, 2010).
Estudos comentam que as principais dificuldades relatadas pelos cuidadores fami-
liares são: a falta de recursos financeiros e a falta de apoio familiar, dificultando o autocui-
dado e causando a impossibilidade de trabalhar fora; a falta de atividades de lazer; a falta de
independência do paciente na higiene, na alimentação e na mobilidade; a falta de estrutura
física; o prejuízo da vida social; a perda do controle da autonomia; a sobrecarga influencia-
da pelo grau de parentesco, personalidade e cotidiano entre cuidado e cuidador; e, pelo su-
porte social e serviços de saúde adequados e estruturados. (ALMEIDA et al, 2010; MENDES
et al, 2010; REIS et al, 2011)
Pesquisas afirmam que é impossível trabalharmos com o paciente sem que as mu-
danças que ocorram nele sejam sentidas também pela família e outras redes as quais ele
pertence, pois os relacionamentos são fundamentais. (BERNARDES, 2012).
No que se refere ao cuidador formal, este costuma ser um individuo que passou
profundas modificações, como resultado de treinamento especializado, do conhecimento
e da experiência. O trabalho em saúde impõe uma rotina carregada de alto grau de tensão
que envolve toda equipe. (OLIVEIRA, 2009) Nessa perspectiva, é imprescindível a imple-
mentação de atividades voltadas para a prevenção e a promoção da saúde dos trabalhado-
res, visando amenizar o risco de desenvolver doenças e reconhecendo que atividades físi-
cas, bom relacionamento interpessoal e realização interna para com a profissão que exerce
pode afastar doenças do ambiente de trabalho e melhorar a qualidade de vida do profissio-
nal (SOUSA, 2012).
Garrido & Menezes (2004) afirmam que a fim de evitar danos para os cuidado-
res, bem como para os pacientes, faz-se necessário criar ações que apoiem os familiares
cuidadores. Ao encontro desta afirmação, Almeida et al (2010) enfatizaram a necessidade
dos cuidadores terem um espaço para aliviar as tensões, onde pudessem ser escutados e
cuidados.
Uma das formas de se cuidar e cuidar do outro pode ser por meio da utilização da
música. A música expressa a dinâmica da personalidade humana, a qualidade do ser, difícil
de ser captada por palavras, que são limitadas para explicar a música, que por si, expressa
o significado da experiência. É uma linguagem que pode curar, elevar, acalmar, iluminar,
nutrir, fortalecer, estimular, confortar, encorajar, animar e ainda, fazer perguntas estimu-
lantes e dar respostas satisfatórias. A música é um veículo expressivo para alivio da tensão

93
SANTOS, E. A.; ZANINI, C. R. O.; ESPERIDIÃO, E. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 92-104

emocional, superando dificuldades de fala e de linguagem, podendo servir como elo com as
experiências significativas do passado de um individuo, podendo evocar memórias especí-
ficas e sentimentos (BRESCIA, 2009).
A música é capaz de exercer ação psicofisiologica, favorecendo o individuo, através
de seus elementos constitutivos (ritmo), elementos ativos (melodia), elemento afetivo (har-
monia), elemento intelectual podendo alcançar o sujeito (SEKEFF, 2007). Para a autora, a
música concretiza sentimentos, captada conscientemente de maneira mais global e abran-
gente do que no pensamento rotineiro, induzindo a afetividade que se processa na escuta
pela vivencia de estruturas que nela existem. Caracteriza-se como um recurso de desenvol-
vimento pessoal, equilíbrio, estímulo e integração do individuo ao meio em que vive.
As vivências musicais possibilitam a ampliação do autoconhecimento do cliente
em relação às suas capacidades, à valorização da vida e do seu eu. A música também ex-
pressa o desenvolvimento psíquico e sociocultural, uma vez que agrega em si valores e sig-
nificados provenientes dos desejos e dos sentimentos que vão desde o desenvolvimento in-
dividual ao social. (FAGALI, 2005)
O valor terapêutico está na capacidade de a música produzir efeitos no ser huma-
no nos níveis biológicos, fisiológicos, psicológico, intelectual, social e espiritual (BLASCO,
1999). A música, envolvendo paciente e cuidador, ocorre no movimento, no tempo e no es-
paço, entre os mundos físico e psíquico, propiciando uma outra visão da realidade. Des-
sa forma o cuidador poderá encontrar, na música em Musicoterapia, o contingente que
pode dar suporte e transformar ansiedades insuportáveis (ZUKERKANDL, 1973, apud
GALLICHIO, 2008).
A Musicoterapia pode ser definida como um processo sistemático de intervenção
que requer planejamento e monitoramento, em que o terapeuta ajuda o cliente a promover a
saúde utilizando experiências musicais e as relações que se desenvolvem através delas co-
mo forças dinâmicas de mudança, na qual, o que importa é a relação da música com o pa-
ciente e não ela em si mesma, nem os conceitos estéticos que a permeiam. (BRUSCIA, 2000).
Estuda o ser humano, suas manifestações sonoras e os fenômenos que decorrem das intera-
ções entre pessoas, ritmos, melodias e harmonias. Os processos estabelecem-se a partir da
relação entre as pessoas e suas musicalidades, permitindo o desenvolvimento de vínculos
significativos que levam à construção de canais de comunicação, de redes de convivência e
das possibilidades de ação terapêutica. (CUNHA et al, 2010)
Segundo Bernardes (2012), as sessões de Musicoterapia podem proporcionar mo-
mentos onde os cuidadores podem extravasar seus sentimentos, o que ajuda a combater o
cansaço e estresse do cotidiano, melhorando seu bem estar.
Considera-se três objetivos fundamentais da Musicoterapia: 1) o estabelecimento e/
ou restabelecimento de relações interpessoais do indivíduo; 2) a conquista da autoestima
com o recurso da autorealização; 3) o emprego do poder singular do ritmo no sentido de
energizar o indivíduo, ajudando-o a organizar. (BERNARDES, 2012)
A Musicoterapia pode ajudar o cuidador a se manifestar, através das técnicas musi-
coterapêuticas, fazendo-o expor melhor as suas ideias e pensamentos, verbalizar e até cho-
rar sentimentos que antes estavam escondidos.
Bruscia (2000) afirma que a auto-expressão musical nos permite exteriorizar o que
é interno. Esta exteriorização é significativa, pois possibilita manifestar o que está latente,
permitindo trazer à consciência o que estava inconsciente e, finalmente transformando as
imagens internas em realidades externas. Esse processo permite significativas oportunida-
des de reflexão sobre si e de percepção de como soam as pressões e dificuldades internas, e
percepção da própria identidade.

94
SANTOS, E. A.; ZANINI, C. R. O.; ESPERIDIÃO, E. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 92-104

Pesquisas em que os cuidadores tiveram atendimentos musicoterapêuticos demons-


traram a melhora na postura e na autoestima dos mesmos. Relatam ainda que as experiên-
cias musicais proporcionaram tranquilidade no ato de cuidar e tomar atitudes ao familiar
e ou paciente; atenção a si, propiciando o autocuidado, diminuição da ansiedade, alivio de
tensões, autoconhecimento, reflexão sobre suas necessidades e seu bem estar, expressão das
preocupações e projeção do futuro. (BERNARDES, 2012; PINHO & TRENCH, 2012)
A Musicoterapia é capaz de facilitar a expressão e a elaboração de várias dimensões
do processo de desenvolvimento dos cuidadores. A relação consigo mesmo, com o grupo e
com a comunidade na qual estão inseridos, aponta todo o tempo para uma questão compre-
endida como o cuidar e ser cuidado, questão relevante neste trabalho e em todas as profis-
sões de ajuda. (PINHO & TRENCH, 2012)
O prazer sensorial advindo do som e os diferentes aspectos psicológicos e de moti-
vação que surgem através do envolvimento no ato de fazer música podem ser fortes instru-
mentos de intervenção positiva no vínculo cuidador/paciente. A influência da música no
ser humano é uma constante e sua ação, além de afetar o humor, pode gerar e alterar sen-
sações, estados e emoções. Através da Musicoterapia, podemos proporcionar um suporte
para os cuidadores de pacientes em atendimento para que o vínculo entre eles e seus fami-
liares e ou pacientes se fortaleça e se mantenha saudável, diante das dificuldades. (BER-
NARDES, 2012)
Ao considerar que a Musicoterapia busca proporcionar a expressão ao cuidador, se-
ja em forma de palavras, sons ou mesmo silêncios, pode auxiliar na melhoria da qualidade
de vida dos cuidadores e seus entes “cuidados”, contribuindo para que essa relação/vincu-
lação seja mais saudável.
O objetivo geral deste estudo foi identificar aspectos referentes à utilização da mú-
sica e da musicoterapia no cuidado aos cuidadores.

1. Metodologia

O presente estudo trata de uma revisão integrativa de literatura de artigos encontra-


dos em base de dados nacionais e internacionais. A Revisão Integrativa permite a inclusão
de vários métodos, estudos experimentais e não experimentais e dados de literatura teórica
e empírica. (WHITTERMORE, 2005).
As fontes para coleta de dados foram as bases de dados: LILACS, PUBMED, BDENF,
SCIELO E MEDLINE, através de busca realizada pela Biblioteca Virtual em Saúde (BVS); e
ainda, nos volumes da Revista Brasileira de Musicoterapia e nos anais dos Simpósios Brasi-
leiros de Musicoterapia e dos Congressos Mundiais de Musicoterapia.
Os artigos foram selecionados a partir dos descritores e seus correlatos em Inglês
e Espanhol: “Música e Cuidadores” e “Musicoterapia e Cuidadores”; “Música e Cuidado” e
“Musicoterapia e Cuidado”;
Os artigos foram selecionados, obedecendo aos critérios de inclusão: artigos publi-
cados em português, espanhol e inglês; artigos com o tema música/musicoterapia no cuida-
do com cuidadores; artigos com textos completos disponíveis online; artigos publicados no
período de janeiro de 2004 a agosto de 2014; trabalhos veiculados nas fontes citadas; artigos
que disponibilizassem o resumo/resumen/abstract; e, exclusão: artigos que não obedeces-
sem aos critérios de inclusão; impossibilidade de aquisição do artigo na íntegra; artigos que
não especificassem a metodologia da pesquisa realizada; trabalhos em forma de monogra-
fia, dissertação e tese; trabalhos que citassem a utilização da Música/Musicoterapia com ex-

95
SANTOS, E. A.; ZANINI, C. R. O.; ESPERIDIÃO, E. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 92-104

-cuidadores, como enlutados ou aqueles que cuidaram de pacientes que se recuperaram; e,


resumos que não citassem a utilização da música/musicoterapia no cuidado integral, e/ou
no cuidado com cuidadores.
A seleção dos artigos inclusos no estudo foi realizada em quatro etapas: pré-seleção
dos artigos, a partir da leitura dos títulos e resumos; exclusão de artigos que não possuem
texto completo disponível online e que não atendam ao período de publicação; leitura dos
artigos na íntegra para selecionar os artigos de interesse do estudo; preenchimento do pro-
tocolo elaborado para esta pesquisa.
A análise e discussão dos resultados encontrados foi realizada confrontando-se o
material obtido nas buscas em triangulação com o conteúdo da revisão de literatura feita
inicialmente nas áreas de Música, Musicoterapia, Cuidado e Cuidadores.

2. Resultados

Através da busca de artigos nas bases de dados pela Biblioteca Virtual em Saúde
(BVS) foram encontrados 754 artigos a partir dos descritores escolhidos, dentre eles artigos
em inglês, espanhol, português e em outras línguas. Dentre os artigos encontrados 43% fo-
ram publicados em inglês, 33% em português e 24% em espanhol. Em relação aos descrito-
res, 19% dos trabalhos encontrados formam encontrados a partir dos descritores “Música
e Cuidadores”; 21% a partir dos descritores “Musicoterapia e Cuidadores”; 31% a partir dos
descritores “Musicoterapia e Cuidado”; 29% a partir dos descritores “Música e Cuidado”.
Dos 754 artigos encontrados, 749 artigos foram excluídos por não atenderem aos
critérios de inclusão estabelecidos para este estudo, conforme o quadro abaixo:

Figura 1: Quantidade de artigos excluídos, de acordo com os critérios de exclusão e inclusão.

96
SANTOS, E. A.; ZANINI, C. R. O.; ESPERIDIÃO, E. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 92-104

Artigos encontrados em mais de uma base de dados ou em mais de um descritor ou


ainda em mais de uma língua foram desconsiderados. Desta forma, foram selecionados cin-
co artigos para compor o estudo, dentre eles 43% eram referentes a Música/Musicoterapia e
Cuidado, 57% Música/Musicoterapia e Cuidadores.
Foram também considerados, dentro do período previamente definido, trabalhos
publicados nos Anais dos Simpósios Brasileiros de Musicoterapia, nos anais do Congresso
Mundial de Musicoterapia, e na Revista Brasileira de Musicoterapia. Considerando os crité-
rios prévios de inclusão e exclusão, obteve-se um total de três artigos. Quando não foram en-
contrados o resumo e os descritores dos trabalhos, realizou-se a leitura integral dos artigos.
Após realizar a busca nas bases de dados pela BVS (Biblioteca virtual em saúde),
Revista Brasileira de Musicoterapia (RBM), Anais dos Simpósios Brasileiros de Musicotera-
pia, Anais do Congresso Mundial de Musicoterapia (CMMT), encontrados na edição espe-
cial da revista Music Therapy Today, utilizando os descritores eleitos, realizou-se a leitura
integral dos artigos e seleção daqueles que se encaixavam nos critérios de inclusão. Assim,
foram selecionados um total de oito artigos para a presente pesquisa (Quadro 2). Dentre
eles, um publicado na RBM, dois encontrados nos Anais do XIV CMMT, um localizado no
SCIELO e quatro localizados na MEDLINE.

Quadro 2: Artigos selecionados para compor o estudo.

Nome do artigo Autores Data Base Publicação Veiculada


The spiritual meaning of pre-loss music therapy to MAGILl, L. 2009 MEDLINE Palliat Support Care. 2009
bereaved caregivers of advanced cancer patients. Mar; 7(1): 97-108.
Randomized controlled trial of music during kan- LAI, H. L.; CHEN, C. J.; 2006 MEDLINE Int J Nurs Stud. 2006 Feb;
garoo care on maternal state anxiety and pre- PENG T. C.; CHANG, 43(2): 139-46.
term infants’ responses. F. M.; HSIEH, M. L.;
HUANG, H. Y.
Saying it in song: music therapy as a carer sup- O’KELLY, J. 2008 MEDLINE Int J Palliat Nurs. 2008,
port intervention. Jun; 14(6): 281-6.
The effect of music and progressive muscle re- CHOI, Y. K. 2010 MEDLINE J Music Ther. 2010, Spring;
laxation on anxiety, fatigue, and quality of life in 47(1): 53-69.
family caregivers of hospice patients.
Percepções de familiares de pessoas portadoras SILVA, V. A.; MARCON, 2014 SCIELO Rev Bras Enferm. 2014,
de câncer sobre encontros musicais durante o S. S.; SALES, C. A. mai-jun; 67(3): 408-14.
tratamento antineoplásico
Musicoterapia e o cuidado ao cuidador: uma PINHO, M. C. C. A; 2012 Rev. Bras Ver Brasileira de Musicotera-
experiência junto aos Agentes Comunitários de TRENCH, B. V. pia, 2012. Ano XIV, n. 13.
saúde na favela Monte Azul.
Music therapy (MT) with premature infants and ETTENBERGER, M. 2014 14th WFMT MUSICTHERAPY
their caregivers in the neonatal intensive care Congress TODAY Summer 2014,
unit (nicu) in Colombia Volume 10, n. 1.
Music’s relevance for 138 Australian patients O’CALLAGHAN, C. 2014 14th WFMT MUSICTHERAPY
and caregivers affected by Cancer: Music Ther- Congress TODAY Summer 2014,
apy implications Volume 10, n. 1.

Para a coleta dos dados foi elaborado um protocolo, que inclui dados referentes a ca-
da publicação, como: título, idioma, autores, área do estudo, ano de publicação, publicação
veiculada, amostra, objetivos, metodologia e resultados da pesquisa, tipo de estudo e inter-
venção, tipo de música e atividade musical, condutor da atividade musical, participação do
sujeito, entre outras.

97
SANTOS, E. A.; ZANINI, C. R. O.; ESPERIDIÃO, E. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 92-104

3. Discussão

A partir dos resultados observou-se que 99% dos trabalhos selecionados tem enfo-
que para aqueles que são cuidados, não se atentando para os indivíduos que prestam cuida-
do. Dentre os artigos incluídos, 75% referem-se aos cuidadores informais, enquanto 25% se
referem aos cuidadores formais. Quanto à condução das atividades musicais, 62% dos tra-
balhos selecionados apresentaram o musicoterapeuta como condutor das atividades, 25%
apresentaram os enfermeiros como condutores e 13% não específica qual o profissional que
conduziu as atividades musicais.
O cuidado por sua própria natureza é uma atitude de atenção e solicitude para com
o outro, ao mesmo tempo em que representa preocupação e inquietação, pois o cuidador se
sente envolvido afetivamente e ligado ao outro. Baggio (2007) relata que o cuidado ao cuida-
dor tem sido pouco explorado pelos profissionais de saúde. Waldow (1998, apud Damas et
al, 2004) ressalta que cuidado humano dispensado pela equipe de saúde deve atingir, além
dos clientes e seus familiares, a sua equipe de modo a garantir melhor relacionamento, in-
terdependência, coesão e competência.
O cuidado em Enfermagem consiste na essência da profissão, pelo fato de estar em
maior contato com o paciente, e pertence a duas esferas distintas: uma que se refere ao de-
senvolvimento de técnicas e procedimentos, e outra que se baseia em sensibilidade, criati-
vidade e intuição para cuidar do outro. (STUMM, 2009; SOUZA, et al, 2005).
A partir da análise dos artigos selecionados para esse estudo, observa-se que a saú-
de dos cuidadores e a utilização da música no cuidado aos cuidadores tem sido objeto de
interesse não só dos musicoterapeutas, mas também de outros profissionais. Silva Junior
(2008) sustenta que a utilização da música por profissionais de saúde sugere a quebra da
objetividade da ciência, bem como a busca por uma maior subjetividade na prática clínica,
encontrada nas artes, na música.
Os estudos reforçam a compreensão de que a utilização da música pelos profis-
sionais de saúde não musicoterapeutas se insere dentro da prática denominada por Dileo
(1999, apud BARCELOS e TAETS, 2010) como “Musica em medicina” e a utilização da mú-
sica pelo musicoterapeuta insere-se dentro da prática denominada como “Musicoterapia em
medicina”. A música e a relação terapêutica servem como componentes curativos, mesmo
que se tenha ênfase em um deles, ou ambos, durante o tratamento.
Quanto às atividades musicais, verifica-se que a experiência musical (BRUSCIA,
2000) mais utilizada foi a audição, realizada em 37% dos estudos analisados, enquanto a
experiência de composição musical foi utilizada em 25% dos trabalhos incluídos, re-cria-
ção em 13%, e 25% dos estudos não mencionam qual o tipo de atividade musical realizada.
A análise dos artigos incluídos aponta que, em sua totalidade, os estudos conduzidos por
profissionais não musicoterapeutas, os sujeitos de pesquisa têm atitude passiva. Observa-se
ainda que dos trabalhos selecionados 50% relatam que as músicas foram escolhidas pelos
participantes, 12% apontam que as músicas escolhidas foram selecionadas pelos pesquisa-
dores, 38% não mencionam como foram feitas as escolhas das músicas.
Estudos associam a escolha das intervenções, bem como a escolha individualiza-
da com a habilidade musical do condutor. (SANTANA, ZANINI e SOUSA, 2014). Barcellos
(1999) afirma que as atividades interativas como as experiências de re-criação, composi-
ção e improvisação musical exigem conhecimento e domínio do seu elemento da música.
Castro Silva (2011) destaca a importância de os profissionais que utilizam a música se aten-
tarem à forma de seleção destas, sendo importante considerar a História Sonoro-Musical
do paciente.

98
SANTOS, E. A.; ZANINI, C. R. O.; ESPERIDIÃO, E. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 92-104

A escolha das músicas ou atividade musical pelo musicoterapeuta dá-se de forma


cuidadosa, baseada no conhecimento que se adquire sobre os efeitos da música, sobre o
comportamento humano e no que se refere aos objetivos terapêuticos. O papel ativo do mu-
sicoterapeuta ajuda o cliente a obter uma experiência terapêutica a partir do envolvimento
com a música e atividades musicais, promovendo o crescimento e estruturando um ambien-
te que ajude o cliente a alcançar metas terapêuticas pré-estabelecidas (PETERS, 1987 apud
BRUSCIA, 2000).
Castro Silva (2011) destaca que a audição musical é uma técnica que requer bastan-
te cuidado por parte da pessoa que a conduz. Nesse sentido, Barcellos e Santos (1996) as-
seguram que a utilização da música gravada, não considerando as necessidades e desejos
do paciente, caracteriza uma situação próxima de um procedimento iatrogênico. Estudos
comprovam o poder da música em exercer uma ação benéfica no homem, contudo, quan-
do a música é utilizada de maneira indiscriminada pode se tornar um agente nocivo, po-
dendo ocorrer uma dessincronização vital, com rupturas dos mecanismos de defesa, provo-
cando ao estresse e à doença, ao expor um indivíduo a sons desagradáveis ou indesejáveis
(CONDE, 1997)
Os dados encontrados nos artigos incluídos neste estudo demonstraram que a ex-
periência de composição musical foi a mais utilizada nas intervenções feitas pelos musico-
terapeutas nos estudos selecionados, seguida pela experiência de re-criação musical. Para
Schapira, et al. (2007), a composição introduz uma variável lúdica que fortalece a aliança
de trabalho entre paciente e musicoterapeuta.
Ribeiro (2014) assinala que a composição é fruto de um processo criador que pos-
sibilita ao sujeito articular percepção, sentimentos e emoções e, ao musicoterapeuta, o co-
nhecimento de aspectos ainda não revelados. Segundo a autora, é importante que o musico-
terapeuta se atente à complexidade musical da composição, devendo ser utilizada somente
após o cliente ter vínculo bem estabelecido com a música e com o musicoterapeuta, consi-
derando a evolução do cliente junto ao processo musicoterapêutico, respeitando a sua indi-
vidualidade.
Quanto à Re-criação Musical, Barcellos (1992) relata que “quando é difícil dizer al-
go com as nossas próprias palavras lançamos mão daquilo que já foi dito por outras pes-
soas e fazemos nossas as suas palavras” (p. 25). As canções pré-existentes possibilitam ao
cliente a expressão de sentimentos e desejos que, muitas vezes não podem ser expressas em
palavras.
Estudo realizado por Castro Silva (2011) destaca que a escolha adequada da experi-
ência musical pode oferecer ao cliente oportunidades para auto-reflexão, exteriorização de
conteúdos internos e para tornar consciente aquilo que estava inconsciente. O cliente po-
de se ouvir e se compreender através do fazer musical, exteriorizar suas dores, angústias e
tristezas.
A análise dos trabalhos confirma uma semelhança entre os objetivos traçados por
profissionais musicoterapeutas e não musicoterapeutas, relacionados ao uso da música no
contexto clínico, visto que ambas as categorias profissionais têm tido a preocupação em tor-
nar o ambiente hospitalar o mais humanizado possível com a inserção da música.
Entende-se que, para alcançar esses objetivos, o musicoterapeuta fundamenta a sua
prática no conhecimento específico da área e nos conhecimentos de áreas afins que com-
põem a sua formação profissional. O papel do musicoterapeuta vai além de prescrever e mi-
nistrar a música mais apropriada (BRUSCIA, 2000).
A análise dos artigos incluídos aponta que, em sua totalidade, os estudos condu-
zidos por profissionais não musicoterapeutas, os sujeitos de pesquisa têm atitude passiva.

99
SANTOS, E. A.; ZANINI, C. R. O.; ESPERIDIÃO, E. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 92-104

Considera-se que as atividades interativas como as experiências de re-criação, com-


posição e improvisação musical exigem conhecimento e domínio do seu elemento da mú-
sica, conforme afirma Barcellos (1999). Segundo Zarate e Diaz (2001, apud BARCELOS e
TAETS, 2010), os profissionais musicoterapeutas recebem uma formação específica para
trabalhar com a utilização de técnicas e métodos intrínsecos à Musicoterapia.
As análises dos estudos não apontaram discrepâncias quanto ao tipo de interven-
ção, 50% dos estudos tiveram atendimentos grupais, e 50% foram individuais. Observamos
ainda que dos trabalhos selecionados 50% relatam que as músicas foram escolhidas pelos
participantes, 12% apontam que as músicas escolhidas foram selecionadas pelos pesquisa-
dores, 38% não mencionam como foram feitas as escolhas das músicas.
Quanto aos resultados dos estudos pesquisados, três artigos mencionam que não
houveram diferenças significativas nos sinais vitais/efeitos fisiológicos; dois mencionam
que as intervenções propiciaram reflexão sobre o olhar para si e para o outro, apoio emo-
cional e suporte para o enfrentamento; dois artigos descrevem melhora no nível de estres-
se, fadiga e ansiedade dos cuidadores; e, um relata a melhora no estado de relaxamento dos
sujeitos de pesquisa.
Atenta-se que os estudos conduzidos por profissionais da área médica/enfermagem,
apontam para a manutenção das variáveis observadas, mencionando a manutenção dos si-
nais vitais/ índices fisiológicos e a melhora no nível de estresse, fadiga e ansiedade, bem co-
mo a melhora do estado de relaxamento dos sujeitos de pesquisa. Com relação aos estudos
conduzidos por musicoterapeutas, vislumbram resultados que envolvem a melhora da qua-
lidade de vida dos cuidadores e nas relações interpessoais, facilitação das expressões, refle-
xões acerca de si, apoio emocional que pode propiciar o alívio da sobrecarga do cuidador,
manutenção da identidade (cuidador) e resgate de memórias
A partir dos resultados referidos acima, reconhecemos sete entre as dez funções da
música relatadas por Merrian (1964, apud Hummes, 2004): função de expressão emocional;
função de divertimento, entretenimento; função de comunicação; função de validação das
instituições sociais e dos rituais religiosos; função de integração da sociedade; e, função de
reação física.
Todas as funções observadas acima vem ao encontro de pensamentos como o de
Bruscia (2000), ao considerar que a música envolve e afeta muitas facetas do ser humano e,
em função da grande diversidade de suas aplicações clínicas, a Musicoterapia pode ser uti-
lizada para se obter um grande espectro de mudanças terapêuticas que envolvem tanto as-
pectos físicos como psíquicos.
Estudos apontam que a música age diretamente no corpo provocando reações
tais como: aumento ou redução da frequência cardíaca e pressão arterial, alteração da
respiração, aumento da tolerância a dor, entre outras. A música pode ainda estimular o
pensamento e a reflexão; induzir a afetividade; pode evocar sentimentos e memórias; fa-
cilitar a auto expressão, entre outros (BRÉSCIA, 2009; SEKEFF, 2007; BRUSCIA, 2000;
RUUD, 1991).
Observa-se nos estudos incluídos na pesquisa que os resultados dos trabalhos rea-
lizados por musicoterapeutas apontam dados qualitativos e mudanças significativas para a
saúde do cuidador. Compreende-se que a escuta e a análise musicoterapêutica é o diferen-
cial para a compreensão desses resultados. Isto vem ao encontro de Piazzetta (2006), quando
destaca que os fenômenos musicais abrangem toda uma estrutura organizada. Para a auto-
ra, a musicalidade é compreendida como capacidade constitutiva do ser humano, uma for-
ma de cognição.

100
SANTOS, E. A.; ZANINI, C. R. O.; ESPERIDIÃO, E. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 92-104

Ainda sobre a musicalidade clínica, Barcellos (2004) evidencia que é a aptidão do


musicoterapeuta captar os elementos sonoros musicais contidos na produção ou reprodução
sonora de seu cliente, bem como a capacidade de responder, interagir, mobilizar ou intervir
musicalmente, na produção musical do paciente.
O musicoterapeuta deve desenvolver uma escuta musical e musicoterapêutica que
se volte para o cliente numa atitude empática relacionada com as experiências de cada in-
divíduo. (PIAZZETTA, 2007). Barcellos (2007) destaca a importância da análise musical em
Musicoterapia, sendo o musicoterapeuta responsável por ter condições de fazê-la na cons-
trução da leitura do processo.
Os estudos selecionados demonstraram que a Musicoterapia é um meio versátil e
capaz de atender uma variedade de objetivos clínicos. O’Kelly (2008), ao descrever um es-
tudo de caso, demonstra que a experiência de composição musical no estudo pode atender
as necessidades clínicas do cliente, a partir da relação cliente-música-terapeuta. Para o au-
tor, o cliente deve estar envolvido, determinando a experiência na qual gostaria de parti-
cipar. Assim, o musicoterapeuta, ao conduzir as atividades musicais, deve respeitar as es-
colhas do cliente e fornecer apoio e suporte ao fazer musical, ajudando o cliente a criar e
a improvisar.

Considerações finais

O presente estudo demonstrou que o cuidar do ser que é cuidador tem sido pou-
co explorado pelos profissionais de saúde e que a equipe deve se atentar para o cuidado ao
cuidador, proporcionando a esses, a expressão de suas dúvidas e angústias, oferecendo su-
porte e promovendo o envolvimento entre cuidadores e aqueles que são cuidados (paciente,
cliente ou ente querido). Ressalta-se a utilização da Música e da Musicoterapia como impor-
tantes estratégias no cuidado ao cuidador, como apontam os estudos incluídos nesta revi-
são integrativa.
Observou-se que diversos profissionais da área da saúde tem utilizado a música,
buscando humanizar a assistência ao cuidador. A partir deste estudo acredita-se na possi-
bilidade de contribuir no sentido de esclarecer as peculiaridades de cada uma, com ênfa-
se nas especificidades da Musicoterapia. Assim, o musicoterapeuta se diferencia de outros
profissionais, ao desenvolver uma análise e uma escuta musicoterapêutica, partindo da ob-
servação acerca da produção sonora do paciente-cliente-usuário.
O cuidado ao cuidador oferece possibilidades de atuação para o musicoterapeuta,
porém tendo em vista o numero de artigos incluídos neste estudo, considera-se a importân-
cia dessa temática servir como campo de investigação e atuação dos musicoterapeutas, uma
vez que pode interferir diretamente no estado ou nível de comprometimento em função da
doença e no tratamento do ser que requer o cuidado.
Com esse estudo e a apresentação de conteúdos específicos sobre a utilização da
Música e da Musicoterapia no cuidado aos cuidadores, espera-se contribuir para: reflexões
metodológicas acerca da atuação do profissional musicoterapeuta nas equipes multiprofis-
sionais de saúde, verificar o potencial terapêutico da música sobre os aspectos emocionais
e orgânicos dos cuidadores e incentivar novos estudos e publicações referentes às temáticas
aqui discutidas.

101
SANTOS, E. A.; ZANINI, C. R. O.; ESPERIDIÃO, E. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 92-104

Nota
1
O presente artigo acrescenta dados ao trabalho apresentado no XV Simpósio Brasileiro de Musicoterapia, XV
Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia e I Seminário Estadual de Musicoterapia do Rio de Janeiro,
sob o título “A Musica e a Musicoterapia no cuidado ao cuidador – uma revisão integrativa” (SANTOS; ZANINI;
ESPERIDIÃO, 2015).

Referências

ALMEIDA, M. M.; SCHAL, V. T.; MARTINS, A. M.; MODERNA, C. M. A sobrecarda de cui-


dadores de pacientes com esquizofrenia. Rev. Psiquiatr. Rio Grande do Sul, v.32, n.3, p. 73-79,
2010.

BAGGIO, M. A.; CALLEGARO, G. D.; ERDMANN, A. L. Compreendendo as dimensões de cui-


dado em uma unidade de emergência hospitalar. Rev. Bras Enferm, Brasília, v.61, n.5, p. 552-557,
set-out, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reben/v61n5/a04v61n5.pdf>. Acesso
em: 21 nov. 2013.

BAGGIO M. A. Relações humanas no ambiente de trabalho: o (des)cuidado de si do profissio-


nal de enfermagem. Revista Gaúcha de Enfermagem, v.28, n.3, p. 409-15, 2007. Disponível em:
<http://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/4695/2599>. Acesso
em: 21 nov. 2013.

BARCELLOS, L. R. M.; TAETS, G. G. C. “Musicoterapia” ou Música em enfermagem? In: Anais


do X ENPEMT, Salvador, p. 97-109, 2010. Disponível em: <http://bibliotecadamusicoterapia.
com/biblioteca/arquivos/artigo//2011_musicoterapia_ou_musica_em_enfermagem_Lia_Rejane_
Barcellos_e_Gunnar.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2014.

BARCELLOS, L. R. M. Análise Musicoterápica: da produção à recepção da narrativa musical


do paciente em Musicoterapia: um caminho para a compreensão de sua história. São Paulo,
n/p, 2007.

. Musicoterapia: Alguns escritos. Rio de Janeiro: Enelivros, 2004.

. A importância da análise do tecido musical para a musicoterapia. Rio de Janeiro. Dis-


sertação (Mestrado em Musicologia). Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 1999.

. Cadernos de musicoterapia 1. Rio de Janeiro: Enelivros, 1992.

BERNARDES, M. M. Musicoterapia como recurso auxiliar na vinculação saudável de cuida-


dores e pacientes. Anais do Congresso Internacional das Faculdades EST. São Leopoldo: EST,
v.1, p. 957-975, 2012.

BLASCO, S. P. Compendio de Musicoterapia. v.1, Barcelona, Ed. Herder, 1999.

BRESCIA, V. P. A musica como recurso terapêutico. In: Encontro Paranaense, Congresso brasi-
leiro de Psicoterapias Corporais, XIV, IX. Anais... Curitiba: Centro Reichiniano, 2009. Disponí-
vel em: www.centroreichiniano.com.br/artigos. Acesso em: 18 mai. 2014.

BRUSCIA, K. E. Definindo Musicoterapia. Trad. Mariza Velloso Fernandez Conde. 2. ed. Rio de
Janeiro, Enelivros, 2000.

CASTRO SILVA, L. A música e a musicoterapia no contexto hospitalar: uma revisão integrati-


va de literatura. Monografia. Curso de graduação em Musicoterapia, Escola de Música e Artes
Cênicas da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2011.

102
SANTOS, E. A.; ZANINI, C. R. O.; ESPERIDIÃO, E. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 92-104

CONDE, K. C. N. Considerações acerca do uso indiscriminado do som e dos seus efeitos no


homem. In: Revista Brasileira de Musicoterapia. Rio de Janeiro: Ano 2, n.3, 1997. p. 51-60.

CUNHA, R.; ARRUDA, M.; SILVA, S. M. Homem, música e musicoterapia. Incantare - Revis-
ta do Núcleo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares em Musicoterapia, Curitiba v.1, p. 1-26,
2010 Disponível em: <http://www.fap.pr.gov.br/arquivos/File/NEPIM_conteudo.pdf>. Acesso em:
24 jun, 2014.

DAMAS, K. C. A.; MUNARI, D. B.; SIQUEIRA, K. M. Cuidando do cuidador: reflexões sobre


o aprendizado dessa habilidade. Revista Eletrônica de Enfermagem, v.6, n.2, p. 272-278, 2004.
Disponível em <www.fen.ufg.br>. Acesso em: 18 mai. 2014.

EDERMANN, A. L.; NASCIMENTO, K. C.; MARCELINO, G.; RIBEIRO, J. A. As interfaces do


cuidado pelo olhar da complexidade: Um estudo com um grupo de pós-graduandos de Enferma-
gem. Esc. Anna Nery R Enferm, v.9, n.3, dez, p. 411-20, 2005.

FAGALI, E. Q. Encontros entre Arteterapia e psicopedagogia: a relação dialógica terapêutica e


cliente, educador aprendiz. In: Percursos em Arteterapia: Arteterapia e Educação: Arteterapia e
Saúde; v.64. CIORNAI, S. São Paulo: Editora Summus, 2005.

GALLICCHIO, M. E. Técnicas Gallicchio de Musicoterapia em El Cuidado de los Cuidado-


res. In: Anais do XII Congresso Mundial de Musicoterapia. Libreria AKADIA Editorial, Buenos
Aires, p. 101-104, 2008.

GARRIDO, R.; MENEZES, P. R. Impacto em cuidadores de idosos com demência atendidos em


um serviço psicogeriátrico. Rev. Saúde Pública, v.38, n.6, p. 835-841, 2004.

HUMMES, J. M. As funções do ensino da música na escola, sob a ótica da direção escolar: um


estudo nas escolas de Montenegro. Dissertação. Mestrado em Educação Musical, Pró Reitoria de
Pesquisa e Pós Graduação da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.

MENDES, G. D.; MIRANDA, S. M.; BORGES, M. M. M. C. Saúde do cuidador de idosos – um de-


safio para o cuidado. Rev. Enfermagem Integrada, Ipatinga: Unileste – MG, v.3, n.1, jul-ago, 2010.
Disponível em: <http://www.unilestemg.br/enfermagemintegrada/artigo/v3/04-saude-cuidador-
-idosos-desafio.pdf>. Acesso em: 10 out. 2013.

MOTTA, M. G. O cuidado humanizado no ensino de enfermagem. Rev. Bras Enferm. Brasí-


lia, v.57, n.6, p. 758-760, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reben/v57n6/a27.pdf>.
Acesso em: 30 abr. 2014.

O’KELLY, J. Saying it in song: Music therapy as a carer support intervention. Intemational Jou-
mal of Palliative Nursing, v.14, n.6, 2008. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub-
med/18928132>. Acesso em: 30 ago. 2014

OLIVEIRA, A.; QUEIRÓS, C. & GUERRA, P. O conceito de cuidador analisado numa perspectiva
autopoiética: Do caos à autopoiése. Psicologia, Saúde & Doenças, n.8, v.2, 181-196, 2009. Disponí-
vel em: <http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/psd/v8n2/v8n2a03.pdf>. Acesso em: 14 mai. 2014.

PIAZZETTA, Clara Márcia. Musicalidade Clínica em Musicoterapia: um estudo transdiscipli-


nar sobre a construção do musicoterapeuta como um ‘ser musical clinico’. 200p. Dissertação de
mestrado. Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2006.

. A construção de serendipididades em musicoterapia: em destaque, a análise musical.


In: XVII CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
EM MÚSICA, 2007, São Paulo. Anais eletrônicos... São Paulo: 2007. Disponível em: <http://
www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2007/musicoterapia/musicoterap_CM-
Piazzetta.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2014.

103
SANTOS, E. A.; ZANINI, C. R. O.; ESPERIDIÃO, E. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 92-104

PINHO, M. C. C. A.; TRENCH, B. V. Musicoterapia e o cuidado ao cuidador: Uma experiência


junto aos agentes comunitários de saúde na favela Monte Azul. Rev. Brasileira de Musicoterapia,
Ano XIV, n.13, p. 53-65, 2012.

REIS, L. A.; BRASILIANO, A. C.; MASCARENHAS, C. H. M.; REIS, L. A. Repercussões do pro-


cesso de cuidar de idosos na vida cotidiana do cuidador. C&D-Revista Eletrônica da Fainor,
Vitória da Conquista, v.4, n.1, p. 119-129, jan./dez. 2011. Disponível em: <http://srv02.fainor.
com.br/revista/index.php/memorias/article/download/101/92>. Acesso em: 30 abr. 2014.

RIBEIRO, M. K. A. Análise musicoterapêutica da experiência de composição musical: interfaces


com o psicodrama. Dissertação de mestrado. Programa de Pós Graduação em Música da Escola
de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2014.

RUUD, E. Música e Saúde. Trad. Vera Wrobel, Glória P. de Camargo, Mirian Goldfeder. São
Paulo, Summus, 1991.

SANTANA, D. S. T.; ZANINI, C. R. O.; SOUSA, A. L. L. Efeitos da música e da musicoterapia


na pressão arterial: uma revisão de literatura. InCantare: Rev. do Núcleo de Estudos e Pesquisas
Interdisciplinares em Musicoterapia. Curitiba, Paraná, v.5, p. 37-57, 2014. Disponível em: <http://
periodicos.unespar.edu.br/index.php/incantare/article/view/261/pdf_9>. Acesso em: 21 nov. 2014.

SCHAPIRA, D.; FERRARI, K.; SANCHEZ, V. et al. Musicoterapia: abordaje plurimodal. Buenos
Aires: ADIM Ediciones, 2007.

SEKEFF, M. L. Da Musica: Seus Usos e Recursos. Editora Unesp São Paulo-SP 2007.

SILVA JUNIOR, J. D; CRAVEIRO DE SÁ, L. Musicoterapia e Bioética: um estudo da música co-


mo elemento iatrogênico. In: Anais do XVII Congresso da ANPPOM. São Paulo: ANPPOM, 2007.
Disponível em: <http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_ anppom_2007/musicotera-
pia/musicoterap_JDSilvaJunior_LCSa.pdf>. Acesso em 15 nov. 2014.

SOUSA, M. V. H. Síndrome de Burnout em profissionais da saúde: Estudo Bibliográfico. Mono-


grafia (Bacharelado em Enfermagem) – Universidade Federal do Piauí, Picos, 2012.

SOUZA, M. L.; SARTOR, V. V. B.; PADILHA, M. I. C. S.; PRADO, M. L. O cuidado em enferma-


gem - Uma aproximação teórica. Texto Contexto Enferm, n.4, v.4, Abr-Jun, p. 266-70, 2005 Dispo-
nível em: <http://www.scielo.br/pdf/tce/v14n2/a15v14n2>. Acesso em 17 nov. 2014

STUMM, E. M. F.; SCAPIN, D.; FOGLIATTO, KIRCHNER, R. M.; HILDEBRANDT, L. M. Quali-


dade de vida, estresse e repercussões na assistência: equipe de enfermagem de uma unidade de
terapia intensiva. Rev. Textos Contextos. v.8, n.1, p. 140-155. Jan-jun. 2009.

WHITTEMORE, R.; KNAFL, K. The integrative review: update methodology. Blackwell Pu-
blishing Ltd, Journal of Advanced Nursing, p. 546-553, 2005. Disponivel em: <http://users.phhp.
ufl.edu/rbauer/EBPP/whittemore_knafl_05.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2014.

Elvira Alves dos Santos - Musicoterapeuta pela Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goi-
ás. Pós-graduanda em Desenvolvimento Humano e Psicologia Positivista pelo IPOG. 

Claudia Regina de Oliveira Zanini - Musicoterapeuta, Mestre em Música e Doutora em Ciências da Saúde pela Uni-
versidade Federal de Goiás. Profa Adjunta da Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás.
Coordenadora da Comissão de Pesquisa e Ética da World Federation of Music Therapy.

Elizabeth Esperidião - Enfermeira pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Psi-
cologa pela Pontifica Universidade Católica de Goiás. Mestre e Doutora em Enfermagem pela EERP-SP. Profa Adjun-
ta da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás.

104
Artigos Científicos -
Música em Geral

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015


NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

Algumas questões sobre a significação musical e


suas implicações para o ensino da música1

Silvia Cordeiro Nassif (Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo)


scnassif@terra.com.br

Resumo: Este trabalho propõe uma discussão sobre a questão da significação musical como ponto de partida para
uma reflexão sobre a educação musical. Partindo de concepções polarizadas sobre o tema, vai se aproximando de au-
tores que propõem uma visão mais integradora, até chegar à abordagem dialética dos sistemas simbólicos de Mikhail
Bakhtin, cujo pensamento permite pensar a questão de maneira bastante abrangente. Toda essa discussão é trazida,
então, para o campo da educação musical, dando-se ênfase à necessidade de considerar, nos processos educativos,
os vários modos de relação significativa que os indivíduos estabelecem com a música e, portanto, as várias portas de
entrada para o conhecimento musical.
Palavras-chave: Significação musical; Educação musical; Estética; Semiologia da música.

Some aspects about musical signification and its implications on the teaching of music
Abstract: This work proposes a discussion regarding the aspects of the musical signification as a bottom line to a re-
flection on musical education. Starting off from polarized conceptions about the theme, it converges to authors who
propose a more integrative vision, culminating at a dialetic approach of the symbolic systems of Mikhail Bakhtin,
whose ideas allow a rather broad interpretation of the topic. All this discussion is then brought to the field of mu-
sical education, giving emphasis to the necessity of considerating, in educative processes, the various ways of sig-
nificative relationship that individuals establish towards music and hence the various forms in which to access the
musical knowledge.
Keywords: Musical signification, Musical education, Aesthetic, Music semiology.

Algunas cuestiones sobre el significado musical y sus implicaciones para el proceso de enseñanza de la de música
Resumen: El presente trabajo propone una discusión sobre la cuestión de significado musical siendo un punto de
partida para una reflexión sobre la educación musical. Partiendo de concepciones polarizadas, sobre el tema pro-
puesto, se va aproximando de autores que proponen una visión más integradora, hasta llegar al abordaje dialéctico de
los sistemas simbólicos propuesto por Mikhail Bakhtin, cuyo pensamiento permite pensar la cuestión de una forma
bastante amplia. Toda esa discusión es traída para el campo de la educación musical, dando un énfasis a la necesi-
dad de considerar, en los procesos educativos, varios modos de relación significativa que los individuos establecen
con la música y, por tanto, las diferentes puertas de entrada para la adquisición de conocimiento musical.
Palabras clave: Significad musical; Educación musical; Estética; Semiología de la música.

A questão da significação musical há muito tempo vem sendo estudada e discuti-


da por teóricos das mais variadas áreas, que vão da filosofia e semiologia à análise musical.
Todo esse conhecimento produzido nesses estudos tem causado interesse no campo educa-
cional da música, uma vez que parece ser consensual hoje na educação em geral e na edu-
cação musical, em particular, que os processos de aprendizagem estão fortemente vincula-
dos ao significado que determinado conhecimento possui para o aluno. No caso específico
da música, se a sua aprendizagem depende de alguma forma dos modos como essa lingua-
gem é significada pelos indivíduos, para que seja possível um ensino mais efetivo, precisa-
mos saber de que maneiras a música, enquanto uma forma simbólica, engendra significa-
dos, ultrapassa o estatuto de mero estímulo psico-fisiológico e torna-se para as pessoas algo
efetivamente “com sentido”. Assim sendo, acredito que os estudos sobre significação musi-
cal podem colaborar para que os educadores musicais organizem suas práticas levando em
conta, entre outros aspectos, essa importante questão.
Visando dar uma contribuição nessa direção, este trabalho parte de algumas vi-
sões clássicas e dicotômicas sobre o tema, passa por posições mais integradoras que bus-
cam uma conciliação entre as oposições, para em seguida apresentar a abordagem dialé-

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 01/08/2015 - Aprovado em: 30/09/2015

106
NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

tica de Mikhail Bakhtin, considerada dentre as apresentadas a mais promissora para as


especificidades da educação musical. Com base nessa perspectiva, propõe ainda um mo-
do de pensar a significação musical que leva em conta não apenas a música, tomada em si
mesma, como também as suas condições de produção e recepção e as particularidades de
cada ouvinte, aspectos considerados de extrema importância para as práticas educativas
musicais.

1. A significação musical: visões dicotômicas

A ideia de que a música possa significar alguma coisa parece não ser consensu-
al. Se poucos teóricos negariam a existência de uma sintaxe musical, ou seja, o fato de
que a música é composta por unidades menores que, agrupadas segundo determinadas re-
gras combinatórias, dão origem a unidades maiores, o mesmo não se pode dizer em rela-
ção à possibilidade de que exista uma semântica musical. E, mesmo entre os que a admi-
tem, não há consenso em relação a como seria essa semântica ou mesmo onde procurá-la.
De maneira geral, grande parte das elaborações teóricas que visam discutir a questão da
significação musical podem ser agrupadas em dois grandes blocos: 1- os que procuram
sentidos para a música nas remissões que o material sonoro musical possa fazer ao mun-
do extra-musical; 2- os que pleiteiam uma autonomia para a linguagem musical em rela-
ção ao mundo exterior e, portanto, buscam sentidos nas suas próprias relações internas.
Caznok (2003) denomina essas duas correntes, respectivamente, estética referencialista e
vertente absolutista:

A primeira acredita que a música tenha seu significado assentado sobre a possibilida-
de de o mundo sonoro remeter o ouvinte a um outro conteúdo que não o musical: ele
se torna meio para atingir algo que está além dele. Expressar, descrever, simbolizar
ou imitar essas referências extramusicais – relações cosmológicas ou numerológicas,
fenômenos da natureza, conteúdos narrativos e afetivos, entre outras possibilidades –
seriam a razão de ser de um discurso musical. [...]
A corrente absolutista, ligada prioritariamente à música instrumental, concebe a mú-
sica como linguagem autônoma em relação a quaisquer outros conteúdos, consideran-
do-a auto suficiente na construção e no estabelecimento de relações puramente so-
noras, intramusicais. Imitações, descrições e referências a outros conteúdos que não
o sonoro são consideradas interferências a uma suposta “audição verdadeira” e dimi-
nuem o valor de uma obra (CAZNOK, 2003, p. 23-24).

Embora cronologicamente essas duas formas de conceber a significação musical te-


nham se sucedido2 e, inclusive, sido a causa de inúmeras polêmicas, podemos dizer que, na
atualidade, elas coexistem de modo razoavelmente pacífico e, de acordo com Caznok, não
necessariamente excludente.
Neste trabalho, aprofundarei um pouco cada uma dessas vertentes, mostrando al-
guns de seus defensores históricos e atuais, bem como os argumentos a favor de uma ou ou-
tra. Buscando fundamentação em concepções de autores da perspectiva histórico-cultural e
da semiologia da música, procurarei mostrar que, quando se leva em conta o caráter relacio-
nal e convencional dos signos (e das formas simbólicas), torna-se necessário buscar outros
modelos, mais abrangentes, que sejam capazes de ampliar a visão de significação musical,
possibilitando também, ainda que de uma maneira indireta, uma revisão e ampliação das
possibilidades educativas com a música.

107
NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

2. A música como meio

Entre as teses mais comuns a respeito da significação musical, encontra-se a ideia


de que a música é uma forma de provocar determinadas respostas emocionais. A música
seria, então, para aquele que cria ou interpreta, uma espécie de catarse, uma forma de res-
tabelecimento do equilíbrio emocional. Essa teoria faz parte do senso-comum e é talvez a
mais difundida, colocando a música como um meio de atingir alguma forma de sentimento
ou estado emocional.
Na mesma linha explicativa, mas com um embasamento teórico mais consisten-
te, está a versão de alguns ramos da psicanálise freudiana, que veem na arte de modo ge-
ral (e não apenas na música), uma forma de expressão de desejos inconscientes, que possui
a capacidade de corporificar, através das obras artísticas, as fantasias secretas do artista
(LANGER, 1989, p. 207)3. De acordo com essa abordagem o verdadeiro sentido de uma obra
de arte estaria centrado sempre em um “conteúdo oculto”.
Historicamente, a ideia de que a música tem como função representar, simbolizar
ou mesmo descrever algo é bastante antiga. Teve o seu período de ouro entre os séculos XVI
e XVIII, logo após começou a perder força, dando lugar aos ideais românticos de arte, aos
quais até hoje ainda estamos muito atrelados (TODOROV, 1996). A chamada “música des-
critiva”, que prevaleceu nesse período, tinha como objetivo a imitação não somente dos sons
da natureza e da vida cotidiana, mas, de um modo musicalmente convencionalizado, repre-
sentar também estados de ânimo. Criaram-se, com essa finalidade, uma série de padrões
composicionais relacionando elementos musicais a estados ou movimentos físicos e emo-
cionais. A Teoria dos Afetos4, por exemplo, já no período barroco, foi uma tentativa de sis-
tematizar essa vinculação de elementos musicais a estados de ânimo ou afetos específicos.
Também data dessa época o famoso tratado de harmonia de Rameau (1683-1764), o primeiro
livro teórico que reconhecia “cientificamente” – por meio de estudos acústicos e matemáti-
cos – o poder musical de imitação da natureza (CAZNOK, 2003, p. 93-94).
Além da imitação, outro modo de atribuir sentidos à música a partir de referências
externas é estabelecer paralelos entre a estrutura formal musical e a estrutura social em vi-
gor na época em que ela foi composta. Essa tese é defendida, entre outros, por Ernest Schur-
mann (1990), especificamente em relação ao sistema tonal. Também Wisnik (1999), a partir
de outra perspectiva, procura mostrar homologias entre aspectos da tonalidade e caracterís-
ticas da história da modernidade.
A despeito de algumas exceções, podemos dizer que a procura por sentidos em re-
missões à realidade exterior à materialidade sonora da música parece ser menos comum nos
teóricos atuais, muitos dos quais, conforme veremos a seguir, ainda estão ligados a um ideal
romântico de arte. Vamos, então, conhecer alguns autores que propuseram teorizações so-
bre o significado musical e que, de um modo ou de outro, estão sob essa influência.

3. A música como fim

De acordo com a ideologia romântica, nascida no final do século XVIII, a obra de


arte não diz respeito a nada que lhe seja exterior (não é imitativa e nem representativa), a
não ser o próprio artista (é subjetiva e expressiva), e tem um significado e uma finalidade
em si mesma (é auto-referente e, portanto, autônoma em relação ao mundo real): “A obra de
arte significa a si própria, pelo jogo das suas partes; ela é, portanto, sua própria descrição, a
única que lhe pode ser adequada” (TODOROV, 1996, p. 207).

108
NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

Esse modo de conceber a arte e o seu significado influenciou, profundamente,


muitos dos pensadores que se debruçaram sobre a questão da significação musical e, guar-
dadas algumas diferenças, é absolutamente predominante entre os teóricos atuais. Entre
as variantes da vertente estética absolutista, Caznok (2003)5, coloca uma distinção entre os
que “apreendem o significado musical de uma forma mais intelectual, racional e catego-
rizante” (p. 24), os quais ela denomina formalistas, e “os que estabelecem com o discurso
musical um relacionamento mais emocional e afetivo” (p. 24), chamados expressionistas.
É importante assinalar que não se trata de posturas fechadas, conforme enfatiza a autora,
pois pode-se transitar de uma para a outra de acordo com o tipo de música em questão, ou
seja, pode-se olhar para determinadas músicas de um modo totalmente formalista e apre-
ender outras de uma maneira predominantemente emotiva. Vamos, a seguir, conhecer al-
gumas tentativas de buscar o significado da música entre autores mais ligados a cada uma
dessas posturas.

3.1 O expressionismo

A postura expressionista concebe o significado musical como algo que, de certo


modo, está sempre ligado a sentimentos (no sentido mais amplo possível da palavra) ou
estados de ânimo. Não há, contudo, a ideia de “representação” dos sentimentos, como na
vertente referencialista, pois essa vinculação ao mundo emotivo acontece, segundo essa
visão, de um modo bem mais sutil. Para Langer (1989), por exemplo, a música existe não
para provocar emoções ou mesmo para apenas anunciá-las, mas tem um conteúdo emocio-
nal simbólico. Nas suas próprias palavras, a música é a “expressão lógica” dos sentimentos,
pois revela não os sentimentos particulares de um compositor, mas o seu “conhecimento
do sentir humano”. Há, desse modo, um certo distanciamento entre as emoções pessoais
do compositor e as emoções formalmente expressas em sua obra, as quais, inclusive, não
têm necessariamente que fazer parte da experiência dele. Marca-se assim uma linha divi-
sória bem clara entre a expressão artística e a autoexpressão, com a qual ela não deve ser
confundida:

Assim como as palavras podem descrever eventos que não presenciamos, lugares e
coisas que não vimos, a música pode apresentar emoções e estados de espírito que
não sentimos, paixões que antes não conhecíamos. Seu tema é o mesmo que o da “au-
to-expressão”, e seus símbolos podem até ser emprestados, de vez em quando do rei-
no dos sintomas expressivos; todavia os elementos sugestivos tomados de emprésti-
mo são formalizados, e o tema “distanciado” em uma perspectiva artística (LANGER,
1989, p. 221, grifos e aspas da autora).

A relação da música com a emoção, de acordo com Langer, não acontece num ní-
vel meramente superficial, mas existem pesquisas que, segundo a autora, revelam uma se-
melhança lógica entre as estruturas musicais e aspectos formais da nossa vida interior (fí-
sica ou mental): “padrões de movimento e repouso, de tensão e alívio, de concordância e
discordância, de preparação, de efetuação, de excitação, de mudança súbita etc.” (LANGER,
1989, p. 226).
Esse modo de conceber a significação musical como algo que diz respeito à vida
emotiva de uma maneira paradoxalmente racional tem seguidores também entre os pensa-
dores da educação musical. K. Swanwick (2003), por exemplo, expõe detalhadamente como
seria o processo de apropriação simbólica da música. De acordo com esse autor, o lugar por

109
NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

excelência da significação musical, a genuína experiência estética com a música, dar-se-ia


no momento em que as formas musicais percebidas fundem-se com as nossas experiências
prévias e os materiais sonoros são ouvidos como se tivessem uma expressividade intrínse-
ca. Aí estaria, para esse autor, “a transformação metafórica compartilhada com todas as for-
mas simbólicas” (SWANWICK, 2003, p. 35).

3.2 O formalismo

Entre os defensores mais radicais de uma estética que poderíamos chamar de ab-
solutista formalista está Eduard Hanslick (1989), cuja obra Do Belo Musical (publicada pe-
la primeira vez em 1854) é uma crítica severa tanto à música imitativa quanto às concep-
ções musicais dominantes na época, que atribuíam um papel primordial aos sentimentos
na música. Hanslick criticava tanto a ideia de que a função da música seria despertar sen-
timentos, quanto a ideia de que o sentimento é o conteúdo a ser expresso pela música. Em-
bora admitindo que toda arte tenha relação com sentimentos, esse filósofo considerava-os
apenas um efeito secundário, que de modo algum poderia explicar os seus princípios es-
téticos. A beleza só poderia ser encontrada, nesse modo de ver, na própria obra e não na
relação entre esta e o ouvinte. O autor atestava também que o conteúdo de uma música
dizia respeito apenas à sua estrutura interna, às suas “formas sonoras em movimento”
(HANSLICK, 1989, p. 62):

A música compõe-se de séries de sons, de formas sonoras; estas não têm outro conteú-
do senão elas mesmas. [...] Cada um pode avaliar e designar o efeito de uma peça mu-
sical segundo sua individualidade, mas o conteúdo dela nada mais é do que as formas
sonoras ouvidas, porque os sons não são apenas aquilo com que a música se expressa,
mas também são a única coisa expressa (HANSLICK, 1989, p. 155-156).

Como o juízo estético estava ligado exclusivamente ao modo como os sons se estru-
turam numa obra musical, tanto os sentimentos do compositor quanto as condições sociais
e políticas de sua produção eram consideradas totalmente estranhas à obra: “A pesquisa
estética nada sabe e nada saberá das relações pessoais e do ambiente histórico do compo-
sitor; ela só ouvirá o que a própria obra de arte exprime e acreditará nisso” (HANSLICK,
1989, p. 81).
Temos, em suma, uma concepção da música como totalmente autônoma em relação
ao seu contexto de produção e cujos significados são intrínsecos e autorreferentes. Como a
beleza estética é tida como uma característica inerente a algumas músicas (as “artísticas”),
considera-se que não esteja sujeita (como os sentimentos) a variações históricas e culturais
e não dependa da interpretação de um ouvinte para que possa existir.
Esse formalismo radical de Hanslick teve como inimigas as concepções de músi-
ca predominantes naquele tempo, contra as quais foi declaradamente formulado e encontra
eco ainda hoje nas ideias de pensadores atuais. Pierre Schaeffer (1993), por exemplo, embo-
ra admitindo que a percepção de sentido na música dependa de uma familiarização prévia
com ela, coloca como uma das principais diferenças entre o signo linguístico e o signo mu-
sical a não arbitrariedade do último:

Qual é a diferença fundamental entre esses dois jogos de sinais [língua e música],
tão evidentemente oriundos do mesmo suporte? Em um caso, o da linguagem, acon-
tecerá agora disjunção do suporte sonoro significante e do conceito significado. [...]

110
NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

No outro caso, se ainda falamos de sinais, isso não é mais no sentido saussureano do
termo, como de um elo arbitrário, que remete a alguma coisa, a menos que se susten-
te a tese acrobática de uma valorização caprichosa, exclusivamente social, dos va-
lores musicais. Tese pouco provável. Por que as sociedades haveriam de fixar capri-
chos improváveis, que não se justificariam por muito tempo junto a outros ouvidos?
(SCHAEFFER, 1993, p. 273)

Já num outro momento, diz o autor: “O sinal musical, este não é arbitrário. Vejamos
a quinta e a oitava: são relações simples, inscritas na natureza, e que não foram adotadas pe-
las sociedades arbitrariamente, mas logicamente” (SCHAEFFER, 1993, p. 261, grifos meus).
O que percebemos aqui é uma postura absolutista formalista (nos termos de
Caznok, 2003) onde os sentidos musicais estão vinculados a signos (que por um equívoco da
tradução aparecem como “sinais”) não convencionalizados, onde existe uma relação neces-
sária entre significante e significado. O argumento é a inscrição desses signos na natureza
e a sua autor-referência (não remetem a outra coisa). Compreender o significado da música,
nesse sentido, passaria pelo conhecimento das determinações acústicas de suas unidades
significativas. Assim como em Hanslick, também para Schaeffer os valores musicais não
têm nenhuma relação com os valores sociais.
Ainda outra forma de abordar a significação musical de um modo formalista en-
contramos em Maria de Lourdes Sekeff Zampronha (1996). Essa autora faz uma transposi-
ção das categorias peirceanas de primeiridade, secundidade e terceiridade para o universo
musical, colocando que toda música pode ser apreendida: 1- como uma experiência global
e indistinta com a materialidade sonora; 2- como uma vivência fenomenológica que causa
uma reação tal que permite algum tipo de classificação do que foi ouvido; 3- como um dis-
curso musical formalmente estruturado. De acordo com Zampronha (1996), a dimensão sig-
nificativa da música estaria na terceiridade, ou seja, no modo de apreensão musical predo-
minantemente intelectual:

Sendo o significante suporte do significado, a significação na música é manifesta-


da tendo por base a relação de seus elementos constitutivos, o que vale dizer que a
linguagem musical é relacional. O seu sentido surge da relação em que se inscreve,
do efeito do fecho, do corte na cadeia de significantes, tudo inscrito numa ordem
constitutiva. Sem esquecermos que o significante é sempre polívoco, entrando as-
sim em contradição com o conceito de código (ZAMPRONHA, 1996, p. 29, grifos
da autora).

Assinala-se também no pensamento dessa autora a ideia de que não somente o as-
pecto estrutural é o que torna a música significativa, mas sobretudo o que lhe confere valor
e importância.
Em suma, temos, entre os modos predominantes de pensar a questão da significa-
ção musical como algo que deve ser buscado nos limites de sua materialidade sonora, uma
vertente que, embora considere que as formas sonoras são significativas por si mesmas, atri-
bui a possibilidade de perceber sentidos musicais na ligação que essas estruturas teriam
com a nossa vida interior (física e mental), e outra que considera a percepção estrutural, pu-
ramente intelectual, suficiente para que se tome a música como significativa. Em comum a
essas duas vertentes o fato de desconsiderarem as relações contextuais (históricas e sociais)
da obra musical para sua apreensão como algo dotado de sentido e valor, uma vez que estes
aparecem aqui como qualidades intrínsecas. De outro lado, em oposição a essas duas ver-
tentes, temos a ideia de que os sentidos da música estão sempre fora dela, em possíveis re-
ferências a sua exterioridade.

111
NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

4. Integrando as dimensões sonora e extrassonora

Além desses posicionamentos mais polarizados descritos acima, podemos perce-


ber, sobretudo em pensadores mais atuais, formulações teóricas que demonstram uma pre-
ocupação com a totalidade do fenômeno musical, ou seja, que tentam dar igual peso às du-
as dimensões da música (interior e exterior) na discussão sobre “onde” estaria o seu signi-
ficado.
Nessa linha temos, por exemplo, Lucy Green (1997) que, falando do ponto de vis-
ta da sociologia da música, reconhece que o significado musical tem dois aspectos comple-
mentares, um que “lida com as inter-relações dos materiais sonoros” (p. 27) e outro que diz
respeito aos contextos de produção, distribuição e receptividade da música e que, segundo
a autora, “afetam a nossa compreensão musical” (p. 29). Ao primeiro, ela denomina signifi-
cados inerentes, fazendo a importante ressalva de que, apesar da denominação, trata-se de
algo construído historicamente:

Significados inerentes não são nem naturais, essenciais, nem não históricos: pelo
contrário, eles são artificiais, históricos e aprendidos. As respostas e compreensão
dos ouvintes a eles dependem da competência e referência em relação ao estilo mu-
sical. O ouvinte deverá ter alguma experiência musical prévia desse tipo de música
e estar familiarizado ou deter algum conhecimento com o estilo musical para perce-
ber algum conhecimento inerente. Do contrário, poucos significados serão percebi-
dos (GREEN, 1997, p. 28).

Ao segundo aspecto a autora dá o nome de significados delineados, os quais tam-


bém são construídos a partir dos referenciais (coletivos e individuais do ouvinte), afetando
de tal modo a audição de uma obra, que são considerados parte do seu significado. Green
chama a atenção também para o fato de que esses dois aspectos da significação musical nor-
malmente aparecem-nos de modo indiferenciado, a tal ponto que é muito comum atribuir-
-se a razões internas formais de determinada música uma qualidade que advém exclusiva-
mente de suas delineações contextuais. Assim, por exemplo, podemos rejeitar um tipo de
música atribuindo-lhe uma qualidade musical inferior só porque socialmente ela não é va-
lorizada (ou porque não faz parte de nossas experiências pessoais).
Como segundo exemplo dessa posição integradora, temos também o trabalho do
semiólogo da música Jean-Jacques Nattiez (2004). Em sua proposta explicativa, ele divide a
significação musical em natural (que seria a capacidade da música ser expressiva por ela
mesma, como, por exemplo, através da imitação stricto sensu de sons produzidos por ani-
mais, na qual a compreensão supostamente é imediata) e convencional (associações funda-
das no hábito e não em características naturais musicais, cuja percepção depende de um
conhecimento prévio dos códigos da cultura). Segundo o pensamento de Nattiez, nas atri-
buições de sentido convencionais, o contexto (social, situacional) exerce um papel extrema-
mente importante, pois é ele que cria uma ligação possível entre uma música e suas signifi-
cações. Nesse sentido, é impossível, por exemplo, entender o conteúdo de determinada mú-
sica programática baseando-se apenas na sua materialidade sonora, sem nenhuma informa-
ção prévia sobre o tema retratado. Por conceder à música um nível natural de significação,
porém, Nattiez considera que o papel do contexto exterior é apenas o de reduzir o número
de conotações possíveis associadas à música:

Dito de outra forma, pode-se bem ter dentro das características desta ou daquela mú-
sica qualquer coisa que a predisponha a ser utilizada em um contexto dramático, ale-
gre, solene, humorístico, etc., mas uma associação semântica mais precisa entre essa

112
NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

música e um objeto ou uma situação só é possível se um elemento contextual – ceno-


gráfico ou linguístico – venha reduzir o número de conotações possíveis associadas a
essa música, ao ponto, por vezes, de reduzir essa proliferação de significações poten-
ciais a uma denotação estável (NATTIEZ, 2004, p. 279, tradução livre).6

Podemos dizer, então, que, para Nattiez, a música produz sentidos pela combinação
de características intrínsecas e contextuais.
Ainda outro semiólogo da música, Jean Molino (s/d), amplia a discussão enfatizan-
do a necessidade de se considerar não apenas a música em si, mas o que ele denomina o
fato musical, constituído pela produção do objeto sonoro, o objeto sonoro e a recepção des-
se mesmo objeto. Segundo esse autor, nessas três dimensões se fundamenta a especificida-
de do simbólico (p. 112) e, portanto, não é possível mais falar em música como uma coisa
única: “Não há, pois uma música, mas músicas. Não há a música, mas um facto musical.
Este facto musical é um facto social total [...]” (Op. cit., p. 114, grifos do autor, grafia por-
tuguesa).
Além de alertar para a necessidade de se considerar a totalidade do fato musical e
diretamente ligada a ela, Molino estabelece ainda uma importante distinção nos fenôme-
nos simbólicos que interessa de perto a esta discussão: a dimensão poiética (ponto de vista
do produtor) e a dimensão estésica (ponto de vista do receptor). De acordo com sua visão,
não há coincidência entre essas duas dimensões, de modo que a percepção musical (este-
sia) normalmente tem como norte os nossos hábitos perceptivos e não necessariamente as
intenções composicionais do compositor (as quais estariam no âmbito da poiética). Em ou-
tras palavras, a significação musical nunca é unívoca e deve levar em conta no mínimo dois
pontos de vista distintos: o compositor e o ouvinte. Essa distinção assinala de maneira cla-
ra a natureza relacional e convencional da significação musical que em muitos pontos se
aproxima da visão bakhtiniana dos fenômenos simbólicos a seguir delineada. Vejamos essa
questão mais de perto.

5. Signo e produção de sentidos na música

Falar de significação, de produção de sentidos, leva quase sempre a uma discussão


sobre o signo, pois, embora o sentido não seja o signo e não esteja no signo, produz-se a par-
tir dele (SMOLKA, 2004, p. 38). De acordo com Bakhtin (2002), o signo é por natureza inte-
rindividual, o que torna impossível lhe atribuirmos um valor intrínseco. Sendo, portanto,
relacional e convencional, “um signo é caracterizado por sua flexibilidade semântica e ide-
ológica, a qual o torna disponível e adaptável a contínuas renovações e diferentes contex-
tos” (PONZIO, 1984, p. 277). Em outras palavras, a ideia de que possa haver conotações fi-
xas e significações inerentes é incompatível com essa visão do signo, que é concebido “não
como uma coisa, mas um processo, um entrelaçamento de relações nas quais uma relação
social é sempre incluída” (Idem, ibidem, p. 281). Entretanto, olhando atentamente para as
abordagens estudadas, constatamos que há, em muitos teóricos, uma ênfase muito grande
no significado musical como algo que está na música, bastando apenas que alguém devida-
mente preparado para tal o interprete para que ele venha à tona (nos autores mais radicais
nem mesmo isso é necessário). Conforme vimos, entre os autores citados uma das exceções
ficou por conta de Lucy Green que enfatiza a importância social e histórica na produção
dos sentidos musicais. Além disso, essa autora propõe uma visão da significação da música
que engloba tanto as suas relações internas quanto as externas. Entretanto, Green, ao ten-

113
NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

tar uma síntese dessas duas dimensões, não consegue escapar de um pensamento dualista:
existe um significado interno e outro externo. De acordo com Bakhtin (2002), contudo, não
há como separar a significação de sua “encarnação material”, ou seja, se há um significa-
do externo, ele de algum modo deve estar imbricado no interno. Se fazemos associações da
música com elementos/situações/sentimentos etc. para além de sua materialidade, o faze-
mos a partir de possibilidades estruturais da própria música, caso contrário não estaremos
falando de significados musicais, mas de significados outros, ligados a outros sistemas sim-
bólicos, e que, por coincidência, têm uma relação qualquer com a música. Nesse sentido, o
modelo proposto por Nattiez, por estabelecer uma relação necessária entre o material sono-
ro, o contexto e a significação chega bastante perto dessa perspectiva dialética. Todavia, co-
mo vimos, para esse autor o contexto social funciona apenas como uma forma de reduzir a
um denominador comum as significações (intrínsecas) potencialmente existentes nas mú-
sicas. Ou seja, embora ressaltando a importância dos fatores sociais, ele também parece não
escapar de uma visão dualista da significação musical. Ora, se é verdade que todo signo só
se constitui como tal numa relação social, então essa relação de algum modo faz parte do
seu significado, ou, dito de outro modo, mesmo numa dimensão estrutural, os sentidos não
se descolam de sua natureza social, não há como conceber os signos somente em relação a
outros signos, como se eles tivessem uma existência independente (não é possível, portanto,
numa perspectiva bahktiniana, falar em significações naturais):

Desse modo, o signo não é concebido numa relação “abstrata” entre signos (caracte-
rística de uma posição idealista, representacional, estruturalista, formalista...). Ele é
concebido como produzido a partir de condições materiais de existência, resultante,
portanto de relações sociais de produção. A significação é concebida como a produ-
ção material, de natureza social, de signos e sentidos (SMOLKA, 2004, p. 43).

Já Molino, ao incorporar na discussão sobre os processos simbólicos musicais os


convencionalismos, relativismos, diferentes pontos de visão e remissões a outros sistemas
simbólicos, amplia de tal modo as possibilidades de compreensão sobre o que seja a signi-
ficação musical que em muito se aproxima da perspectiva histórico-dialética de Bahktin,
assumida neste trabalho como um ponto de vista que se mostra bastante promissor, sobre-
tudo quando o principal objetivo é trazer toda essa discussão para o campo da educação
musical.
Sintetizando a perspectiva bakhtinana e trazendo-a para o campo musical, pode-
mos dizer que a música, enquanto uma forma simbólica que produz sentidos, o faz a partir
de relações e convenções sociais, as quais permanecem nas significações que lhe atribuí-
mos, quer olhemos para o seu interior, quer olhemos para o seu exterior. Por mais formal
que seja o nosso olhar, a significação musical nunca é unívoca e muito menos autônoma em
relação à história. Ao contrário, a música é essencialmente polissêmica e seus sentidos to-
talmente ligados às condições históricas de sua produção e/ou recepção. A autorreferência
pura é uma ilusão criada pela cultura ocidental no período romântico e que, como vimos,
se perpetua em parte do pensamento atual.
Com base nessas premissas, assumindo uma concepção dialética do signo (pensan-
do no signo como resultado da interação de várias dimensões significativas) e tomando a
música no seu nível discursivo (na sua concretude sonora, como algo que está em constante
processo de reelaboração), proponho, então, que se pense a significação musical como algo
complexo, que permeia vários níveis de apreensão e que não pode ser reduzido a nenhum
deles, muito embora comumente, conforme o tipo de música e/ou nossa familiaridade com
ela, nos fixemos em algum7. Assim, podemos dizer que toda e qualquer música pode ser

114
NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

apreendida significativamente pelo menos de três modos distintos: num nível predominan-
temente sensorial (próximo do puramente biológico, embora não se reduza a ele), num ní-
vel referencial (como referência de algo extra-musical) e num nível estético (com ênfase nos
modos de organização sonora)8. Em qualquer desses níveis – que não são absolutamente ex-
cludentes entre si, há apenas uma predominância de um sobre os outros em determinadas
situações de escuta – as dimensões interna e externa da música encontram-se totalmente
imbricadas, embora aparentemente poderíamos estar descartando uma delas, uma vez que
direcionamos nosso olhar para a outra. Vejamos, então, com mais detalhes como seria cada
um deles.

5.1 Nível sensorial

Numa apreensão predominantemente sensorial da música, estabelece-se com ela,


na sua totalidade, uma relação fortemente corporal. Ela nos afeta de tal modo que provoca
uma alteração na nossa tonicidade muscular (mas não necessariamente provocando algum
tipo de movimento). Essa reação, contudo, nunca é demais frisar, por mais próxima do re-
flexo inato ou do puramente biológico, é algo aprendido e significado através de relações
sociais e culturais. Trata-se de uma sensorialidade humanizada, (trans)formada pelas expe-
riências vividas. Pessoas diferentes, com experiências diferentes, reagem corporalmente à
música de modo completamente distinto9.
É importante assinalar que não me refiro aqui aos efeitos fisiológicos da música, já
amplamente pesquisados sobretudo pela psicologia e neurologia, uma vez que não fica cla-
ro em muitas dessas pesquisas o que realmente é efeito da música (o que está condicionado
às suas formas de organização sonora) ou apenas do som enquanto um estímulo psico-fisio-
lógico. Entretanto, no caso específico da mobilização da atividade motora à qual me refiro,
esta se deve principalmente (mas não só) à organização temporal da música, o que já é um
elemento da linguagem musical e não uma propriedade do som. Ao ouvir a bateria de uma
escola de samba, por exemplo, a maioria das pessoas da nossa cultura tem uma tendência
a reagir com um aumento da tonicidade muscular, como que se preparando para acompa-
nhar o ritmo corporalmente de algum modo. O mesmo não acontece se ouvirmos um ritmo
forte e constante provocado, por exemplo, pelo bater de estacas de uma construção próxima.
Não somente o modo de organização rítmica é diferente, mas principalmente as situações a
que remete cada uma (alegria, no primeiro caso, e irritação, no segundo) são determinantes
nessa nossa forma de reação corporal. Além do caso da bateria de escola de samba, poderí-
amos citar como exemplos o rock ou as músicas dançantes atuais para os jovens, as antigas
“músicas de baile” para as pessoas que viveram essa experiência, a música sinfônica para os
regentes etc. Em todos esses casos, geralmente a música provoca uma predisposição ao mo-
vimento. Vemos, então, que o significado da música, nesse caso, acontece como resultante
ao mesmo tempo das suas características estruturais e situacionais.

5.2 Nível referencial

No nível referencial a significação da música está vinculada a associações que se


possa fazer em relação à sua exterioridade. Essas associações, contudo, só podem ser feitas
a partir de aspectos intrínsecos à materialidade sonora da música, ou seja, mesmo que nos-
sa atenção esteja concentrada em algo extramusical, não devemos considerar que se trata de

115
NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

sentidos totalmente extrínsecos, existentes a priori, e que, por acaso, podem ser percebidos
através de determinadas músicas. Mais do que no nível sensorial, aqui o caráter convencio-
nal e, portanto, social/cultural da significação é evidente, pois o tipo de associações que po-
demos fazer a partir de uma música depende completamente de nosso referencial cultural.
Outra característica dessa forma de apreensão da música é que ela não depende de experi-
ências musicais sistematizadas. O simples fato de estarmos inseridos na cultura nos torna
aptos a estabelecer essas relações. Por essa razão, é o nível de apreensão por excelência das
pessoas que não têm nenhuma familiaridade mais profunda com a linguagem musical, as
quais, ao ouvirem música, procuram imediatamente uma referência externa que lhes dê um
ancoradouro seguro para algo normalmente percebido de modo abstrato e fugidio10.
Podemos reconhecer diversos tipos de significação referencial, que variam desde
as intencionalmente provocadas por procedimentos composicionais específicos – como por
exemplo o uso de signos musicais motivados –, até as mais imprevistas e casuais, que acon-
tecem sem que haja nenhum planejamento anterior. Assim, temos, por exemplo, os efeitos
daquelas músicas que, utilizando diversos recursos técnicos, criam onomatopéias musicais
(imitações de galope de cavalo, canto de diversos pássaros, relógios etc.) ou mesmo “pin-
tam” cenas completas (paisagens campestres, tempestades, cachoeiras etc.)11. Temos tam-
bém as associações convencionais entre elementos musicais e determinados estados de âni-
mo ou movimentos (modo maior/alegria, modo menor/tristeza; dominante/tensão, tônica/
repouso etc.). No caso específico das canções (músicas com letra), podemos ter ainda signi-
ficações referenciais de outro tipo. É muito comum, ao ouvirmos uma canção, transportar-
mos os sentidos da letra para a música, de tal modo que, ao ouvirmos a mesma música sem
a letra (numa versão instrumental, por exemplo), reconhecermos na sua estrutura aqueles
mesmos sentidos trazidos antes pelas palavras. Na verdade, isso pode ocorrer por diversas
razões que vão desde uma mera associação por contiguidade até uma escolha deliberada
do compositor de elementos musicais cujos sentidos convencionais estabelecem algum tipo
de relação com a letra (nesse caso estaríamos próximos do caso descrito anteriormente)12.
Temos ainda as grandes referências musicais coletivas de uma comunidade, que vinculam
determinados estilos musicais a situações específicas (hinos patrióticos ou litúrgicos, can-
ções de ninar, músicas para brincar, canções para o trabalho etc.), e também as referências
individuais, que associam músicas particulares a experiências pessoais vividas.

5.3 Nível estético

O nível estético de apreensão significativa é o mais abstrato de todos e o que mais


depende de um processo de familiarização com a música. A atribuição de sentidos nesse ní-
vel se dá pela percepção dos modos de organização sonora no tempo e no espaço (contras-
tes e repetições, formas, texturas, fluxos temporais etc.) e, ao mesmo tempo, da sua vincu-
lação a uma tradição musical qualquer. É no nível estético que conseguimos perceber a fi-
liação de uma obra musical a um gênero específico e, ao mesmo tempo, a sua singularidade
dentro desse gênero. Esse ponto é particularmente importante e merece um esclarecimen-
to maior, visto ser alvo comum de equívocos. Normalmente existe uma tendência (tanto no
meio musical quanto entre os “leigos” em música) em se achar que o simples (re)conheci-
mento estrutural de uma obra é suficiente para compreendê-la significativamente, pois, de
acordo com essa visão, os próprios elementos gramaticais teriam identidades significativas
próprias13. Entretanto, uma obra musical corresponde, em relação à linguagem verbal, a um
enunciado e tem os seus sentidos totalmente voltados para o contexto enunciativo. Sendo

116
NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

assim, não basta identificar temas e desenvolvimentos, cadências harmônicas, estruturas


rítmicas. É necessário perceber esses elementos como progressões, como eventos sonoros
que se articulam de modo a dar conta de uma proposta estética particular. E isso só pode
ser feito reconhecendo-se a natureza social e dialógica da música: para entender o sentido
de uma música é preciso confrontá-la com outras, às quais ela de algum modo está vincula-
da. Só identificamos gêneros, filiações, elementos estetizados etc. se possuímos referenciais
musicais, se temos onde buscar sentidos. O universo estético é um universo relacional – as
significações surgem da comparação entre materiais sonoros – e relativo – as possibilida-
des significativas da música estão diretamente ligadas às condições históricas de quem es-
tá olhando para ela. Desse modo, quanto mais referências possuirmos, mais rica será nossa
audição. Assim, por exemplo, uma pessoa habituada a frequentar concertos ou ouvir grava-
ções de música erudita terá maiores chances de desenvolver ferramentas analíticas que lhe
permitam compreender esse tipo de música do que outra para a qual ela é totalmente estra-
nha (o mesmo poderia ser dito em relação ao jazz, à MPB ou à música sertaneja). O simples
hábito de ouvir um tipo de música específico, contudo, não garante uma apreensão estética,
pois as mediações necessárias a qualquer apropriação simbólica, neste caso, envolvem cer-
ta sistematização (o que não significa necessariamente “aulas” de música, mas pelo menos
um interesse analítico mais acentuado). Vemos aqui, mais do que nos outros níveis de sig-
nificação, que a possibilidade de atribuição de sentido depende tanto de aspectos internos
quanto externos/contextuais.

6. Desdobramentos educacionais

Como podemos notar, o tema da significação musical é uma discussão bastante


complexa e que permite várias abordagens. A proposta aqui apresentada não visa, eviden-
temente, fechar a questão, fornecendo um modelo definitivo, mas tão somente abrir a dis-
cussão de modo a contribuir para uma ampliação das reflexões sobre a educação musical.
Já se vão muitos anos (na verdade praticamente um século) desde que teóricos da
educação começaram a questionar um modelo de ensino demasiadamente intelectualiza-
do, diretivo, reprodutivista, calcado na ideia de conhecimento como algo pronto e imu-
tável e na passividade do educando nos processos de ensino/aprendizagem14. Contrarian-
do esse modelo, teóricos de ontem e de hoje advogam a favor de um ensino contextualiza-
do, que considere o aluno um ser ativo no processo de aprendizagem e leve em conta seus
conhecimentos prévios, seus modos de significar o mundo já construídos nas vivências
cotidianas.
No caso específico da educação musical, não seria exagero dizer que, dada a forte
presença da música na sociedade e na cultura, todos os indivíduos possuem alguma forma
de conhecimento musical15, todos possuem diversas relações de sentido musicais já cons-
truídas. Se essa premissa é verdadeira, então todo processo de educação musical deveria
ser, antes de qualquer coisa, um processo dialógico, no qual a troca de experiências seria a
tônica. Não é bem isso que acontece normalmente nas aulas de música, pois, partindo do
pressuposto de que os significados musicais, sejam eles quais forem, estão a priori na mú-
sica, muitas práticas educativas se limitam a tentar transmitir esses supostos significados.
Isso é mais ou menos óbvio no chamado ensino “tradicional” de música erudita (tanto nas
disciplinas técnicas, quanto de história e até mesmo estética), no qual o objetivo princi-
pal talvez seja dar a conhecer e perpetuar certa tradição e o ponto de vista é sempre o poi-
ético (daí talvez a predominância da visão absolutista formalista). Entretanto, mesmo em

117
NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

abordagens mais em sintonia com os preceitos inovadores da pedagogia musical, vemos


muitas vezes certa dificuldade em se articular as várias camadas de sentido propiciadas
pelas músicas.
O que ocorre com frequência, sobretudo nas propostas que buscam fugir do ensino
tradicional, é a prática de um ensino de caráter totalmente espontaneísta, no qual apenas
o nível de significação sensorial – às vezes também o referencial – é trabalhado, e de uma
maneira em que o aluno fica completamente abandonado a seus próprios recursos de apre-
ensão musical. Principalmente quando se trabalha com crianças pequenas, parece que há
uma espécie de consenso de que elas ainda não possuem maturidade suficiente para serem
capazes de uma apreensão estética. Contudo, se não faz sentido trabalhar questões estéticas
conceitualmente com essas crianças, com certeza elas já podem vivenciar elementos de na-
tureza estética (como o caráter geral da música, os grandes e pequenos contrastes, os fluxos
temporais e espaciais etc.) de uma maneira corporal e lúdica16.
O mergulho no mundo simbólico começa no nascimento e cabe à escola ampliar
ao máximo as experiências simbólicas das crianças e não aprisioná-las nas formas de sig-
nificação que elas adquirirão independentemente de um ensino sistematizado. O que mui-
tas vezes ocorre, porém, é que, na ânsia de respeitar as vivências anteriores dos alunos (um
dos principais preceitos da educação contemporânea), muitos educadores não os estimulam
a construírem/ampliarem um conhecimento musical, um modo de relação com a música a
partir dessas referências. Os significados musicais, de acordo com a visão aqui proposta,
não estão na música nem tampouco nas pessoas, mas na relação que os indivíduos estabe-
lecem com as músicas, relação essa perpassada pelo social. Isso significa, na prática, que,
em se tratando de educação musical, não podemos prescindir nem das relações de sentido
individuais, sempre únicas, mas que serão a porta de entrada para um conhecimento mais
sistematizado, nem das coletivas, socialmente mais estáveis e tributárias de todo conheci-
mento musical elaborado.
Por outro lado, mesmo considerando que possibilitar que o aluno adentre no nível
estético de apreensão musical é o objetivo por excelência do ensino de música sistematiza-
do, penso que a educação musical não deveria, em nenhum contexto educativo (mesmo na
formação do músico profissional), desconsiderar os outros níveis de significação, pois é so-
bre eles ou a partir deles que aquele será construído. Nesse sentido, a busca pelo equilíbrio
é sempre o melhor conselho: nem um aprisionamento nos níveis sensorial e referencial de
significação musical, nem uma limpeza completa deles em busca de uma pureza musical
impossível e que fragmenta o ser humano. Como diz Molino (s/d), a música é uma fato mu-
sical total e, nesse sentido, não dá para pensar em uma apreensão musical “pura”, comple-
tamente destituída de fatores contextuais e extra-sonoros17. Ademais, o próprio nível estéti-
co de significação musical pode dialogar de maneira bastante produtiva educacionalmente
com outros fenômenos simbólicos da cultura (sobretudo com outras linguagens artísticas).
Ao invés de lutar contra isso, penso que a educação musical deveria, ao contrário, procurar
fazer dessas relações com o contexto extra-sonoro, desses modos “impuros” de nos relacio-
narmos com a música, verdadeiros aliados nos processos educativos18.
Em suma, podemos dizer que conhecer as possibilidades de significação musical,
ou seja, os diversos modos como a música pode se tornar uma linguagem significativa às
pessoas, as múltiplas maneiras que possuímos de nos relacionarmos significativamente
com ela, amplia enormemente as suas possibilidades educativas. As portas de entrada pa-
ra o conhecimento musical são muitas. Cabe ao educador musical ser sensível a esse fato e
buscar recursos e estratégias adequados a cada situação, a cada modo de relação com a mú-
sica, a cada aluno.

118
NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

Notas
1
Este trabalho amplia uma discussão iniciada em minha tese de doutorado. Agradeço à FAPESP (Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pelo apoio financeiro recebido para a realização daquela pesquisa.
2
Como veremos mais adiante, entre os séculos XVI e XVIII houve um predomínio da “estética referencialista” e,
posteriormente a esse período, começa a ganhar força a “vertente absolutista”.
3
Para um maior aprofundamento nessa questão, c.f. Langer (1989) que enumera uma lista bastante representativa
de textos nos quais essa teoria aparece explicitada. Vale assinalar, contudo, que essa não é a posição defendida
pela autora. Também em Vigotski (1999) encontramos extensa discussão a esse respeito.
4
Doutrina dos Afetos: “Termo utilizado para descrever um conceito teórico da era barroca, derivado das ideias
clássicas de retórica, sustentando que a música influenciava os ‘afetos’ (ou emoções) do ouvinte, segundo um
conjunto de regras que relacionavam determinados recursos musicais (ritmos, motivos, intervalos etc.) a estados
emocionais específicos” (SADIE, 1994).
5
Essa distinção é feita por Caznok (2003) com base em Meyer (1956).
6
No original: “Autrement dit, il peut bien y avoir dans le caractère de telle ou telle musique quelque chose qui la
prédispose à être utilisée dans un contexte dramatique, joyeux, solennel, humoristique, etc., mais une associac-
tion sémantique plus précise entre cette musique et un objet ou une situation n’est possible que si un élément
contextuel – scénographique ou linguistique – vient réduire le nombre de connotations possibles associées à cette
musique, au point, parfois, de réduire cette prolifération de significations potentielles à une dénotation stable.” 
7
Vale assinalar que o termo “níveis” será aqui usado sem nenhuma conotação de valor (superior/inferior). A esco-
lha do mesmo se deve ao fato de que cada nível representa um tipo de mergulho distinto nas várias camadas de
sentido musicais.
8
É importante ressaltar que essa maneira tripartite de se pensar a apreensão musical já foi colocada de diferen-
tes formas por diferentes autores (ver, entre outros, Moraes, 1985; Molino, s/d; Copland, 2013). Além disso, não
podemos esquecer que Charles Peirce (1972), embora não tenha nenhuma preocupação específica com a música,
construiu toda sua teoria assentada sobre um pensamento triádico. Nesse sentido, a proposta aqui delineada não
tem a pretensão de ser original, mas apenas organizar essa questão de tal maneira que possa iluminar questões
educacionais. Assinalo, ainda, a proximidade dessa minha categorização com a semiótica peirceana em relação
ao entendimento de que estudar a significação não é propriamente estudar o signo, mas a semiose, ou seja, “a
ação do signo”, o “processo no qual o signo tem um efeito cognitivo [não apenas cognitivo, no caso da arte] sobre
o intérprete” (Peirce, 1931-58, vol.5, p. 484, apud Nöth, 1995, p. 68).
9
Em algumas abordagens teóricas, esse modo de apreensão poderia ser chamado de “emotivo”, já que toda emo-
ção tem um substrato orgânico ligado à tonicidade muscular, mas entendo que nos três níveis a dimensão afeti-
va entra em jogo, às vezes de maneira muito intensa. Prefiro, então, não dar um destaque especial para a questão
da emoção em nenhum dos níveis.
10
Para quem trabalha com apreciação musical para não músicos, isso fica bem claro. Ao serem convidados a ex-
pressarem o que perceberam em determinada música, geralmente os alunos se atém a estabelecer associações
com paisagens imaginadas, lembranças de fatos vividos, cenas de filmes etc.
11
Caznok (2003, p. 98-100) faz um extenso levantamento de obras, dentro da tradição erudita ocidental, que têm
esse tipo de proposta.
12
Para um aprofundamento sobre essa relação entre a significação da música e da letra, cf. Tatit (1997).
13
Procedimento semelhante é detectado por Bakhtin (2002b) em relação à análise literária: “o poeta toma a pa-
lavra já estetizada, mas interpreta o elemento estético como pertencente à essência da própria palavra e assim
transforma-a numa grandeza mítica ou metafísica” (p. 45). Na música, da mesma forma, tomam-se os elementos
gramaticais (harmônicos, melódicos ou rítmicos) já dotados de significação estética em contextos específicos e
atribui-se a eles uma essência estética.
14
Podemos dizer que esse questionamento teve início, na educação em geral, no movimento conhecido como Es-
cola Nova, que viria a influenciar em grande medida os educadores musicais da primeira metade do século XX,
os quais acabaram fundando a pedagogia que conhecemos hoje por “Métodos Ativos”.
15
É importante assinalar que a noção de conhecimento musical aqui colocada inclui não apenas o conhecimen-
to de música, mas também o conhecimento sobre música, o qual inclui, por exemplo, informações contextuais
diversas (TAGG, 2011). Acrescenta-se, ainda, que, de acordo com perspectiva proposta neste trabalho, qualquer
modo de escuta musical com uma carga significativa pode ser considerada uma forma de conhecimento, ainda
que de um tipo completamente distinto do conhecimento técnico musical.
16
Em pesquisa realizada com crianças em idade pré-escolar, constatamos, na observação de campo, que valores
estéticos podem ser fortemente percebidos nessa faixa etária através de um trabalho devidamente mediado pela
educadora. A esse respeito, ver Schroeder, S. C. N.; Schroeder, J. L. (2011).
17
Semelhante posição é adotada também por alguns pesquisadores da educação musical, que enfatizam a neces-
sidade de se considerar, no ensino de música, as diversas maneiras como as pessoas a vivenciam no cotidiano.
Ver, por exemplo, Souza (2008).
18
Diversos autores de propostas didáticas na atualidade exploram essas relações estéticas da música com outras
linguagens. Nessa linha, ver, por exemplo, os livros didáticos da educadora musical e pesquisadora Cecília
Cavalieri França.

119
NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 9. ed. São Paulo: Hucitec / Annablume,
2002. 196p.

. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 5. ed. São Paulo: Annablume,


2002b. 439p.

CAZNOK, Yara B. Música: entre o audível e o visível. São Paulo: Unesp, 2003. 231p.

COPLAND, Aaron. Como ouvir e entender música. São Paulo: É Realizações, 2013. 216p.

GREEN, Lucy. Pesquisa em sociologia da educação musical. Revista da ABEM, n.4, p. 25-35,
1997.

HANSLICK, Eduard. Do belo musical: uma contribuição para a revisão da estética musical.
Campinas: Editora da Unicamp, 1989, 180p.

LANGER, Susanne K. Filosofia em nova chave. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1989. 301p.

MEYER, Leonard B. Emotion and meaning in music. Chicago: Chicago University Press, 1956.

MOLINO, Jean. Facto musical e semiologia da música. In: NATTIEZ, Jean-Jacques. et al. Semio-
logia da música. Lisboa: Vega, s/d. p. 109-164.

MORAES, J. Jota. O que é música. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.

NATTIEZ, Jean-Jacques. La signification comme paramètre musical. In NATTIEZ, Jean-Jacques


(Org.). Musiques: une encyclopédie pour le XXIe siècle, v.2. Actes Sud/Cité de la Musique, 2004.
p. 256-289.

NÖTH, Winfried. Panorama da semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo: Annablume, 1995.
154p.

PEIRCE, Charles S. Semiótica e filosofia. São Paulo: Cultrix, 1972. 164p.

PONZIO, Augusto. Semiotics between Peirce and Bakhtin. Recherches Sémiotiques / Semiotic
Inquiry, n.4, p. 273-292, 1984.

SADIE, Stanley. Dicionário Grove de Música: edição concisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
1048p.

SCHAEFFER, Pierre. Tratado dos objetos musicais. Brasília: Edunb, 1993. 517p.

SCHROEDER, Silvia C. N.; SCHROEDER, Jorge L. Apropriação da música por crianças peque-
nas: mediação, sentido musicais e valores estéticos. In: SMOLKA, Ana Luiza B.; NOGUEIRA,
Ana Lúcia H. (Orgs.). Emoção, memória, imaginação: a constituição do desenvolvimento huma-
no na história e na cultura. Campinas: Mercado de Letras, 2011. p. 57-83.

SCHURMANN, Ernst F. A música como linguagem: uma abordagem histórica. São Paulo: Bra-
siliense, 1990. 187p.

SMOLKA, Ana Luiza B. Sobre significação e sentido: uma contribuição à proposta da Rede de
Significações. In ROSSETI-FERREIRA, Maria C. et al (Orgs.). Rede de significações e o estudo
do desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 35-49.

SOUZA, Jusamara (Org.). Aprender e ensinar música no cotidiano. Porto Alegre: Sulina, 2008.
287p.

120
NASSIF, S. C. Algumas questões sobre a significação musical e suas implicações para o ensino da música.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 106-121

SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. São Paulo: Moderna, 2003. 128p.

TAGG, Philip. Análise musical para “não-musos”: a percepção popular como base para a com-
preensão de estruturas e significados musicais. Per Musi, n.23, p. 7-18, 2011.

TATIT, Luiz. Musicando a semiótica: ensaios. São Paulo: Annablume, 1997. 163p.

TODOROV, Tzvetan. Teorias do símbolo. Campinas: Papirus, 1996. 413p.

VIGOTSKI, Lev Semenovich. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: uma outra história das músicas. 2. ed. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1999. 283p.

ZAMPRONHA, Maria de Lourdes. S. Curso e dis-curso do sistema musical (tonal). São Paulo:
Annablume, 1996. 191p.

Silvia Cordeiro Nassif - Graduada em Letras e Música e Doutora em Educação pela Unicamp. Foi docente da Facul-
dade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto/USP de 2007 a 2014 e, desde então, é docente do Departamen-
to de Música do Instituto de Artes da Unicamp. Pesquisadora dos grupos de pesquisa Laboratório de Estudos sobre
Corpo, Arte e Educação (LABORARTE) e Música, Linguagem e Cultura (MUSILINC), desenvolve pesquisas na área
de educação musical na sua interface com a linguagem, o desenvolvimento humano e a cultura.

121
KOGA, F. O.; CHACON, M. C. M. Oficina de enriquecimento musical do Programa de Atenção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 122-136

Oficina de enriquecimento musical do programa de atenção a


alunos precoces com comportamento de superdotação (PAPCS)

Fabiana Oliveira Koga (Universidade Estadual Paulista, Marília, São Paulo, Brasil)
fabianapsicopedagogiamusical@gmail.com
Miguel Claudio Moriel Chacon (Universidade Estadual Paulista, Marília, São Paulo, Brasil)
miguelchacon@unesp.marilia.br

Resumo: O presente artigo tem por objetivo apresentar o processo de avaliação musical e uma das experiências de
“enriquecimento” realizadas entre 2013 e 2014, com 17 crianças, do Programa de Atenção a Alunos Precoces com
Comportamento de Superdotação (PAPCS) da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulis-
ta - UNESP, Campus de Marília/SP. Com base em teóricos como Edwin Gordon e Violeta H. de Gainza, este estudo
contou com o uso dos instrumentos de avaliação musical: Primary Measures of Music Audition (PMMA), Interme-
diate Measures of Music Audition (IMMA) (GORDON, 1986) e a Ficha orientadora da conduta musical (FOOCM)
(GAINZA, 1988). Também, com base no Modelo de Enriquecimento para superdotados, de Joseph S. Renzulli, e dos
teóricos da área da Educação Musical, este trabalho apresenta o processo de “enriquecimento” musical que foi re-
alizado após a avaliação, como uma continuidade de um processo que objetivou maximizar e tornar cada vez mais
acessível o contanto, destas crianças avaliadas, com a música.
Palavras-chave: Superdotação musical. Avaliação. Oficina de enriquecimento musical.

Enrichment musical workshop of the attention program for students with early behavior giftedness (PAPCS)
Abstract: This article aims to present the process of musical evaluation and one of the “enrichment” experiences
conducted between 2013 and 2014 with 17 kids, from the Attention Program for Students with Early Behavior Gift-
edness (PAPCS) of the Faculty of Philosophy and Science of São Paulo State University – UNESP, Campus Marília/
SP. Based on theorists like Edwin Gordon and Violeta H. de Gainza, this study counted on the use of music evalua-
tions instruments: Primary Measures of Music Audition (PMMA), Intermediate Measures of Music Audition (IMMA)
(GORDON, 1986) and the guiding sheet of music conduct (FOOCM) (GAINZA, 1988). Likewise, based on the Enrich-
ment Model for Gifted, from Joseph S. Renzulli, and on the theorists of Music Education this paper presents the Mu-
sic enrichment process that was conducted after the evaluation, as a continuity of a process that aimed to maximize
and turn increasingly accessible the contact of these kids evaluated with music.
Keywords: Musical giftedness. Evaluation. Musical enrichment workshop.

Taller de enriquecimiento musical del programa de atención a alumnos precoces con comportamiento de superdota-
ción (PAPCS)
Resumen: El presente artículo tiene por objetivo presentar el proceso de evaluación musical y una de las experien-
cias de enriquecimiento hechas entre 2013 y 2014, con 17 niños, del Programa de Atención a Alumnos Precoces con
Comportamiento de Superdotación (PAPCS) de la Facultad de Filosofía y Ciencias de la Universidad Estatal Pau-
lista - UNESP, Campus de Marília/SP. Basado en teóricos como Edwin Gordon y Violeta H. de Gainza, este estudio
contó con el uso de los instrumentos de evaluación musical: Primary Measures of Music Audition (PMMA), Inter-
mediate Measures of Music Audition (IMMA) (GORDON, 1986) y la Registro Guía de la conducta musical (FOOCM)
(GAINZA, 1988). Igualmente basado en el Modelo de Enriquecimiento para Superdotados, de Joseph S. Renzulli, y
de los teóricos del campo de actuación de la Educación Musical, este trabajo presenta el proceso de enriquecimien-
to musical hecho después de la evaluación, como una prolongación de un proceso que objetivó maximizar y tornar
cada vez más accesible el contacto de estos niños evaluados con la música.
Palabras clave: Superdotación musical. Evaluación. Taller de enriquecimiento musical.

Introdução

A superdotação foi postulada por Renzulli e Reis (1985) como algo que precisa ser
visto em múltiplas direções e distintamente em duas faces: a superdotação acadêmica e
produtivo-criativa. Renzulli e Reis (1985) enfocam a importância da identificação, tanto da
superdotação acadêmica, bem como, da superdotação produtivo-criativa e, por meio da ma-
nifestação dos Três Anéis, teoria esta criada por Renzulli (2004), tem permitido observar na

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 12/08/2015 - Aprovado em: 11/10/2015

122
KOGA, F. O.; CHACON, M. C. M. Oficina de enriquecimento musical do Programa de Atenção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 122-136

criança a intensidade do envolvimento com a tarefa, habilidade acima da média e a criati-


vidade, fatores estes que permitem afirmações iniciais de comportamento de superdotação,
inclusive em música. No entanto, para que se confirme a superdotação de maneira efetiva,
a criança ainda precisará ser avaliada por uma equipe multidisciplinar, além de ser acom-
panhada longitudinalmente, isso porque, a superdotação, em alguns casos, pode ser um fe-
nômeno complexo de observação e mensuração.
A identificação é algo extremamente importante, porque permite atender a criança
dando-lhe melhores e variadas possibilidades e oportunidades de potencializar ao máximo
sua área de domínio. Na perspectiva teórica de Renzulli (2004) não se trata de acompanhar
e apoiar somente a criança superdotada, mas sua escola como um todo, sua família e ou-
tros. Atenção esta, que não se concentra em um indivíduo superdotado específico, mas no
seu entorno, melhorando-o e subsidiando-o, na medida da necessidade da criança superdo-
tada e de seus pares.
Dentre os programas que atuam na área da superdotação está o Programa de Aten-
ção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação (PAPCS) da Faculdade de
Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus de Marília/SP, ini-
ciado em 2011 sob a coordenação do professor Dr Miguel Cláudio Moriel Chacon. O PAPCS
é um programa de extensão e pesquisa, que tem por objetivo identificar crianças preco-
ces com comportamento de superdotação e oferecer atenção educacional especializada às
crianças identificadas e seus respectivos responsáveis legais.
Inicialmente, antes de chegar ao projeto, as crianças são identificadas ou pelos seus
respectivos professores, que recebem capacitação sobre a temática em forma de curso de ex-
tensão oferecido pelo coordenador do PAPCS e sua equipe de trabalho em parceria com a
Secretária Municipal da Educação de Marília/SP, ou por demanda espontânea de suas res-
pectivas famílias que as identificam por alguns indicadores que lhes “saltam aos olhos”.
Após realizada as indicações iniciais, as crianças são encaminhadas para triagem no Cen-
tro de Educação e da Saúde (CEES) e no próprio PAPCS, onde são avaliadas por uma equipe
multidisciplinar composta por profissionais das áreas de: psicologia, pedagogia, música e
nutrição. Também é realizada uma entrevista com os pais a fim de se verificar informações
sobre o desenvolvimento da criança e a vida familiar em âmbito geral (CHACON; PEDRO;
KOGA, 2014).
Especificamente para este artigo serão destacados o processo de avaliação musi-
cal, que compõem a triagem inicial, e a oficina de enriquecimento musical, que tem por
objetivo potencializar musicalmente as crianças que se destacam nesta área de domínio e
interesse. Por meio dos testes psicométricos Primary Measures of Music Audition (PMMA)
(GORDON, 1986a), Intermediate Measures of Music Audition (IMMA) (GORDON, 1986b)
e a Ficha orientadora da conduta musical (FOOCM) (GAINZA, 1988) as crianças são ava-
liadas quanto ao índice de envolvimento com a tarefa, criatividade e habilidade acima da
média. Estes instrumentos de avaliação musical fazem parte de uma pesquisa de mestra-
do que utilizou os três instrumentos para a coleta de dados. No entanto, para o presente
artigo será feita menção a apenas dois, PMMA e IMMA, isso, em virtude da quantidade de
dados gerados.
Com o término das etapas de avaliação musical, é feita uma triangulação dos resul-
tados a fim de verificar quais crianças se destacam ao longo do processo avaliativo e, diante
desses resultados, os estudantes com melhores resultados são convidados para participar da
oficina de música do PAPCS, mas vale lembrar que, se houver algum estudante com resulta-
do inferior interessado pela oficina, este também é convidado a participar. O objetivo da ofi-
cina de música é “enriquecer” a todos, cada um na medida da sua diferença e necessidade.

123
KOGA, F. O.; CHACON, M. C. M. Oficina de enriquecimento musical do Programa de Atenção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 122-136

Após essa triagem, os estudantes são organizados em três grupos (Educação Infan-
til e Ciclos do Ensino Fundamental I e II), a partir dos quais inicia-se o processo de “enri-
quecimento” baseado no modelo de Joseph S. Renzulli e Reis (1985). O autor assim define os
tipos de “enriquecimento”: Tipo I - que se configura como experiências exploratórias gerais
ou atividades de sondagem de interesses; Tipo II - consiste em atividades que exploram e
acessam técnicas variadas e materiais instrucionais; Tipo III - configura-se por uma atenção
mais individualizada, cujo objetivo trata-se de investigar problemas reais. Adicionalmente,
é desenvolvido o Tipo IV, de Freitas e Pérez (2012), que se caracteriza pela pesquisa de pro-
dutos reais individuais ou em pequenos grupos.
Além da oficina de música, nos anos de 2013 e 2014 foram oferecidas no PAPCS
oficinas de: atividades pedagógicas, informática, RPG (Role Playing Game), lógico-matemá-
tica, inglês, reeducação alimentar e filosofia. Além destas oficinas, comumente são elabora-
das oficinas interdisciplinares, com objetivo de propor aos estudantes atividades desafiado-
ras que vão além dos conteúdos desenvolvidos nos currículos escolares (CHACON; PEDRO;
KOGA, 2014).
A oficina de enriquecimento musical tem por bases teóricas, para promover as
atividades musicais de enriquecimento, os seguintes métodos musicais: Gordon (2008),
Schafer (2011), Dalcroze (MARIANI, 2012), Kodály (HOULAHAN; TACKA, 2008; SILVA,
2012) Orff (BONA, 2012) e outros, além de teóricos da área da música como Gainza (1988)
e Kirnarskaya (2004), por exemplo, e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRA-
SIL, 1997, 1998a, 1998b, 2000), com enfoque na área da Educação Musical no âmbito da
escola regular.
Gordon (2008), com base em pesquisas nas áreas de neurociência, música e educa-
ção, estudou o processo cognitivo de significação a partir das representações, e desenvolveu
um método de ensino musical com base na evolução da percepção rítmica e melódica de
cada indivíduo. Por essa razão, o autor propõe que os elementos musicais como tom, ritmo,
dinâmica, timbre e outros sejam apresentados, estimulados e trabalhados com as crianças
pouco a pouco conforme os estágios de desenvolvimento postulados por Jean Piaget.
Schafer (2011), por sua vez, estimula as crianças à mais elevada reflexão e vivência
musical, e procura descobrir, nesse processo, qual o potencial criativo de cada uma delas
para que se tornem capazes de criar sua própria música.
O método Dalcroze, por outro lado, proporciona um trabalho voltado para os movi-
mentos naturais do corpo da criança, como andar, correr, saltitar e balançar, e estes aspec-
tos interligados tornam-se o meio principal para se observar a vivencia musical da criança
de maneira precoce e, também, como ela utiliza o corpo como mais um recurso instrumen-
tal (MARIANI, 2012).
O método Kodály explora o solfejo melódico e rítmico atrelado a divisão silábica
das palavras associada às canções infantis, incluindo a grafia musical (leitura de partitura),
por meio do nome das notas. Nesse método observa-se o uso de intervalos, semitons e es-
calas, entre outros, bem como o sistema monossolfa (uso da língua de sinais para represen-
tação das notas) que permite ampliar o trabalho com esse método para crianças surdas em
geral, bem como aquelas que apresentam precocidade e com comportamento de superdota-
ção na área da música (HOULAHAN; TACKA, 2008; SILVA, 2012).
O método Orff (SOUZA, 2012), em contrapartida, tem por objetivo desenvolver ca-
pacidades expressivas e perceptivas das crianças por meio do cantar, recitar, tocar e outros
mediante três princípios elementares: movimento, linguagem e improvisação. Nesse méto-
do há um enfoque bastante forte quanto ao uso de instrumentos musicais, inclusive artesa-
nais e antigos.

124
KOGA, F. O.; CHACON, M. C. M. Oficina de enriquecimento musical do Programa de Atenção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 122-136

Por fim, Gainza (1988), Kirnarskaya (2004) e os PCNs (BRASIL, 1997, 1998a, 1998b,
2000) apresentam aspectos ligados ao desenvolvimento musical e concepções referentes a
superdotação musical. Gainza (1988), por exemplo, apresenta aspectos comportamentais
musicais que são esperados para os estágios de desenvolvimento de acordo com o período
no qual a criança se encontra; diante disso, suas menções tornam-se parâmetros para ob-
servar a habilidade da criança diante da estrutura formal musical e da manipulação que a
criança faz dos instrumentos e do repertório musical. Ademais, Kirnarskaya (2004) discu-
te as características das crianças musicalmente superdotadas e aponta que as mesmas pos-
suem: ouvido expressivo, senso apurado de ritmo, ouvido analítico, ouvido arquitetônico
(senso estético) e habilidade para tocar e compor música. Por outro lado, os PCNs, no mo-
mento que enfoca a disciplina de Educação Musical, apresenta os conteúdos que devem ser
trabalhados em cada fase escolar. Diante disso, caso a criança precoce com comportamento
de superdotação tenha aulas de música regularmente na escola, com base nos PCNs, torna-
-se possível nortear quais conteúdos musicais a criança deveria dominar ou estar em con-
tato no momento. Assim, com base nos PCNs é possível avaliar se a criança está ou não à
frente de seus pares, e também ter parâmetros para o enriquecimento musical, quanto à an-
tecipação ou adaptação de conteúdo.
Em âmbito geral, a oficina de enriquecimento musical do PAPCS associa os méto-
dos acima descritos ao Modelo de Enriquecimento de Renzulli e Reis (1985). Nesta perspec-
tiva teórica, o estudante é avaliado a cada oficina, o que possibilita o acompanhamento lon-
gitudinal. A orientação e apoio aos mesmos tem por objetivo possibilitar o acesso à música e
aos seus conteúdos, potencializando ao máximo essa área de domínio. Tendo em vista que
muitos estudantes não possuem condições de custear um estudo formal de música, e tam-
pouco possuem a possibilidade de acessar tais conteúdos por meio da escola regular ou de
projetos sociais de música da cidade, a oficina de música do PAPCS torna-se de grande va-
lia para aqueles que a frequentam.

1. Método

1.1. Participantes

Participaram da pesquisa 17 estudantes identificados no PAPCS como precoces


com comportamento de superdotação. As idades dos participantes variaram entre cinco e
12 anos, sendo sete meninas e 10 meninos. Quanto ao grau de escolaridade dois são da Edu-
cação Infantil, 11 são do Ensino Fundamental I e quatro são do Ensino Fundamental II.

1.2. Procedimentos

Inicialmente foi solicitada autorização para a coleta de dados no CEES e posterior-


mente ao Comitê de Ética da FFC/UNESP, Campus de Marília/SP, com aprovação (0649/2013),
para a realização da pesquisa.
A avaliação musical foi realizada no PAPCS em 2013, o que aperfeiçoou as oficinas
ocorridas em 2013 e 2014. Os instrumentos para a coleta de dados a ser discutido neste ar-
tigo e que compuseram o processo de avaliação dos estudantes do PAPCS, foram os testes
PMMA e IMMA. Os mesmos foram ministrados individualmente e seguiram rigorosamen-
te as indicações de seus respectivos manuais. A aplicação de ambos atendeu à recomenda-

125
KOGA, F. O.; CHACON, M. C. M. Oficina de enriquecimento musical do Programa de Atenção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 122-136

ção do teste para a duração de 20 minutos e ocorreu dentro de uma sala acústica de audio-
metria do CEES. Tanto para o PMMA quanto para o IMMA há gravações em CD para cada
exercício, sendo primeiramente apresentados os sons de uma sequência de notas musicais
para que o participante identificasse mudança nos tons, posteriormente foram apresentadas
sequências de batidas rítmicas para que a criança discernisse se a sequência era rigorosa-
mente igual ou diferente. Para cada teste há uma folha de respostas específicas, ambas as
folhas contêm oito sequências, cada qual com cinco exercícios a serem discernidos auditi-
vamente e assinalados graficamente (Figuras 1 a 4). Dessa maneira, inicialmente a criança
é avaliada quanto ao tom (Figuras 1 e 3) e posteriormente quanto ao ritmo (Figuras 2 e 4).
Para cada exercício são executadas seguidamente duas sequências, ao ouvi-las, o estudan-
te deve circular as figuras iguais, para tons ou ritmos iguais ou as figuras diferentes, para
tons ou ritmos diferentes.

Figura 1: Uma das sequências da folha de resposta do Teste PMMA para discernimento Tonal.
Fonte: Gordon (1986b, p. 37-38).

Figura 2: Uma das sequências da folha de resposta do Teste PMMA para discernimento Rítmico.
Fonte: Gordon (1986b, p. 43-44).

Figura 3: Uma das sequências da folha de resposta do Teste IMMA para discernimento Tonal.
Fonte: Gordon (1986a, p. 37-38).

126
KOGA, F. O.; CHACON, M. C. M. Oficina de enriquecimento musical do Programa de Atenção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 122-136

Figura 4: Uma das sequências da folha de resposta do Teste IMMA para discernimento Rítmico.
Fonte: Gordon (1986a, p. 43-44).

Feita a aplicação de cada teste, utiliza-se uma máscara corretora para cada uma das
folhas de resposta dos respectivos testes. Ao se apropriar dos resultados de cada estudante,
recorre-se ao manual específico de cada teste para iniciar a análise preliminar que culmina
em um processo avaliativo detalhado do desempenho de cada estudante, que será discutido
com base na teoria dos três anéis de Renzulli (2004).
Quanto às oficinas de enriquecimento musical, tem por base o Modelo de Enri-
quecimento de Renzulli (2004) que postula como proposta, atingir a todos os estudantes,
independente de sua área de domínio, afinal “Uma maré elevada eleva todos os barcos”
(ALONSO; RENZULLI; BENITO, 2003, p. 248).
Ademais, o processo de avaliação embasa a preparação e a condução das oficinas
de enriquecimento musical, e tem por objetivo potencializar a área musical para aqueles
estudantes que se destacaram musicalmente, enquanto aqueles estudantes com pontuação
mais baixa ou que se encontram na média geral, terão a maximização do contato com a
música, seja por meio da apreciação musical, do uso variado de instrumentos musicais, do
acesso à história da música, do contato com a estrutura teórica da música e outros.

2. Resultados

Na Tabela 1 é possível visualizar os resultados que permitiram identificar os estu-


dantes que se destacaram musicalmente e os que ficaram na média ou abaixo dela. Primei-
ramente, os testes e o escore bruto foram correlacionados ao nível de escolaridade do estu-
dante o que gerou o Rank Percentil, que equivale ao nível de acuidade auditiva de cada um
dos participantes. Também, foi possível contabilizar os mesmos escores brutos, o que per-
mitiu atrelá-los ao número de itens (80) que compunham as folhas de resposta T (tom) e R
(ritmo), geradores dos resultados de percentual de acertos. A seguir, nas Tabelas 1 e 2 serão
apresentados esses dados preliminares.

127
KOGA, F. O.; CHACON, M. C. M. Oficina de enriquecimento musical do Programa de Atenção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 122-136

Tabela 1: Resultados preliminares dos testes PMMA e IMMA.

Gênero Idade Ano Escolar Testes Escore Bruto Rank Percentil % De Acertos
M1 5 EI PMMA 49 59 61,25
F2 5 EI PMMA 42 38 52,5
M3 6 1º PMMA 36 7 45
M4 7 2º PMMA 50 22 62,5
F5 7 2º PMMA 59 46 73,75
M6 9 4º PMMA 55 19 68,75
F7 9 4º PMMA 77 96 96,25
F8 9 4º PMMA 62 40 77,5
M9 9 4º PMMA 64 46 80
F10 10 5º IMMA 59 1 73,75
M11 10 5º IMMA 71 60 88,75
M12 10 5º IMMA 65 15 81,25
M13 10 5º IMMA 65 15 81,25
F14 12 7º IMMA 73 75 91,25
M15 12 7º IMMA 48 0 60
M16 12 7º IMMA 68 30 85
F17 12 7º IMMA 48 0 60
Fonte: Elaborado pelo autor.
Legenda: M: masculino; F: Feminino; EI: Educação Infantil.

Conforme parâmetros estatísticos do teste, o estudante que apresentar Rank


Percentil de 20 será considerado abaixo da média; entre 20 e 79, será considerado na mé-
dia; e acima de 80, será considerado precoce com comportamento de superdotação. O Rank
Percentil gerado a partir do resultado de escore bruto permite estabelecer relação prévia en-
tre o esperado e o encontrado. Essa relação se fez necessária porque ao observar o gráfico 2
é possível identificar apenas uma estudante (F7) no Rank Percentil acima de 80. Há que se
observar as diferenças entre as realidades norte americanas e brasileiras, uma vez que na-
quela todas as escolas oferecem Educação Musical em sua grade curricular, ao passo que
nesta ainda encontra-se em fase de implantação, de maneira que a linha de base avaliativa
de ambos os testes é suficientemente alta para a realidade brasileira.

128
KOGA, F. O.; CHACON, M. C. M. Oficina de enriquecimento musical do Programa de Atenção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 122-136

Gráfico 1: Escore bruto e percentil dos testes PMMA e IMMA.


Fonte: Elaborado pelo autor.

Após revelar os resultados preliminares entre o escore bruto e o Rank Percentil dos
testes, é possível observar no Gráfico 2 os estudantes que mais se destacaram no escore bru-
to em relação à média estabelecida pelo teste. Por haver diferenças na média para cada ano
escolar, o Gráfico 2 expressa o agrupamento dos estudantes segundo o nível de escolarida-
de. Desta maneira, tem-se os resultados diferenciados, sendo dois na Educação Infantil, e
os demais no Ensino Fundamental, sendo um no 1º ano, dois no 2º ano, quatro no 4º ano,
quatro no 5º ano e quatro no 7º ano.

Gráfico 2: Percentual de acertos com base na média prevista pelo teste PMMA.
Fonte: Elaborada pelo autor.

129
KOGA, F. O.; CHACON, M. C. M. Oficina de enriquecimento musical do Programa de Atenção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 122-136

Gráfico 3: Percentual de acerto do grupo nos testes PMMA e IMMA.


Fonte: Elaborado pelo autor.
Legenda: média do grupo foi de 72,86.

Após análise dos resultados, todos os estudantes do PAPCS foram convidados a


participar da oficina de enriquecimento musical. É preciso destacar que o programa pos-
sui uma programação semanal que possibilita que os estudantes possam frequentar todas
as oficinas e conhecer um pouco dos conteúdos abordados por elas. Todos os mentores das
oficinas são informados dos processos de avaliação, incluindo o musical, no intuito de tra-
çar os pontos fortes e fracos dos estudantes a fim de possibilitar desenvolvimento desses
pontos, além de potencializar e maximizar a área de domínio de cada estudante. Com essas
informações torna-se possível realizar atividades nas quais todos são contemplados na me-
dida de suas diferenças e interesse.
É preciso destacar que a oficina de enriquecimento musical faz uso de atividades
variadas, dividindo os estudantes em pequenos grupos. Há sempre uma temática eixo que
permite estabelecer um ponto de unificação com as atividades polos, as quais são sempre de
escolha dos estudantes. Há momentos nos quais, as atividades necessitam de um determi-
nado números de estudantes, por essa razão, os mesmos são agrupados na mesma atividade
como por exemplo, a atividade Palma Passa e Yapo de autoria Pérez e Tatit (2010).
As idades na oficina de “enriquecimento” musical são variadas, por essa razão,
as atividades são sempre pensadas considerando a essa variação sem favorecer uma ida-
de em específico. Também, sempre há uma pequena antecipação de determinados conteú-
dos em virtude da precocidade dos estudantes do PAPCS. A seguir, no quadro 1, haverá al-
guns exemplos de atividades exploradas pela oficina de enriquecimento musical do PAPCS.
É preciso ressaltar que existem outras atividades, jogos e momentos nos quais são trabalha-
dos os conteúdos próprios da música como: linguagem e teoria musical, percepção (ditados:
rítmicos e melódicos), conteúdos de história da música, contato com instrumentos musi-
cais e outros. Também é preciso salientar que, em todas as atividades, o processo avaliativo
considera como ponto base de observação, o nível de envolvimento com a tarefa, habilida-
de acima da média e criatividade, ou seja, a teoria dos três anéis postulado por Renzulli e
Reis (1985).

130
KOGA, F. O.; CHACON, M. C. M. Oficina de enriquecimento musical do Programa de Atenção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 122-136

Quadro 1: Conteúdo da Oficina de Enriquecimento Musical do PAPAHS.

Atividades/Jogos Objetivo Exemplificação


Descobrindo as variações Observar os níveis de acuidade auditiva
de alturas do som e capacidade de corelacionar a imagem
das figuras com as alturas (sons grave,
médio e agudo)

Apreciando a música: Observar a capacidade de interpretar,


Ópera criar e assimilar os aspectos de
determina época e estilo utilizando a
rota auditiva em primeira instância

Bingo Sonoro Discriminar o som e coorelacionar


(FERNANDES, 2011) diferentes timbres com instrumentos
diversos dispostos

Vamos solfejar? Observar se os estudantes que


(FERES, 1989) conseguem associar o som à
representação simbólica da música

Amarelinha Musical Observar mémória musical,


(FERNANDES, 2011) desempenho motor, entonação vocal,
afinação e senso rítmico

Bandinha Rítmica Observação do comportamento,


criatividade e habilidades dos
estudantes em relação ao uso dos
instrumentos

Fonte: Elaborado pelo autor.

131
KOGA, F. O.; CHACON, M. C. M. Oficina de enriquecimento musical do Programa de Atenção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 122-136

3. Discussão

No PAPCS, atualmente, a oficina de enriquecimento musical desenvolve suas ati-


vidades com base no enriquecimento de Tipo I, conforme a teoria de Renzulli e Reis (1985).
Isso ocorre, em virtude dos estudantes estarem ainda voltados para a fase de exploração em
âmbito geral. Somente uma das participantes, a F10, cuja área de domínio trata-se do canto
lírico, chegou ao Tipo III de ‘enriquecimento’.
É preciso ressaltar que a estudante F10 apresentou-se abaixo da média no teste
de acuidade auditiva de Gordon (1986b). No entanto, a estudante apresenta uma afinação
apurada, certa musicalidade e senso rítmico ao cantar algumas obras como, por exemplo,
“Quem sabe?”, do compositor Carlos Gomes. Diante disso, é preciso resgatar os postulados
de Joseph S. Renzulli que trazem à tona a importância do enriquecimento. F10 é uma estu-
dante do PAPCS que reside uma região bastante humilde da cidade de Marília/SP. Ela fre-
quenta a rede pública de ensino, a qual não possui aulas regulares de música e tão somen-
te voltadas para o canto lírico. Seu contato com os aspectos que compõe a música erudita é
muito restrito.
No programa PAPCS, F10 pode ter contato com as obras líricas, quanto a aprecia-
ção, contato com a técnica vocal, com a teoria e história da música e, sobretudo, pode de-
senvolver sua habilidade vocal por meio de estratégia advindas da Educação Musical, que
tomou por base o resultado do teste. Foi estabelecido como meta de enriquecimento musical
o desenvolvimento da acuidade auditiva. Por essa razão, o método Kodály de ensino foi uti-
lizado inicialmente porque uma de suas metas de ensino musical ocorre por meio do solfejo
melódico e rítmico. Para Zóltan Kodály, o uso da voz é o ponto de partida para a musicali-
zação de qualquer indivíduo por mais específico que seja as suas necessidades e interesses
(SILVA, 2012).
Por outro lado, a estudante F7 foi a única que se apresentou extremamente acima
da média no teste. No entanto, é preciso destacar que seus pais são músicos, o que pode ter
ocasionado para F7 um ambiente bastante enriquecido musicalmente. Ressalta-se que, por
mais que os pais sejam músicos, F7 nunca estudou música formalmente.
A estudante também se destacou no contexto norte americano, haja visto que o tes-
te estabelece que para ser considerado musicalmente superior, o estudante deve apresentar
pontuação acima de 80 no rank percentil e F7, consideravelmente acima, fez uma pontua-
ção de 96. Mesmo na média especifica para o seu ano escolar F7 apresentou-se considera-
velmente superior, em relação aos demais.
Diante disso, a oficina de enriquecimento musical é pensada para F7 com base no
Tipo I de enriquecimento. Isso porque, F7 não demonstra com clareza que sua área de do-
mínio seja a musical. De acordo com Chacon, Pedro e Koga (2014), F7 se destaca também
na área acadêmica e não somente na produtivo-criativa, o que torna difícil uma afirmação,
nesse momento. Diferentemente de F10, que expressa nitidamente sua área de domínio, F7,
talvez por conta da convivência com a música em casa, ainda precise explorar mais a fundo
o que o mundo pode proporcionar enquanto conhecimento e desse ponto em diante poder
tornar mais em evidencia sua área de domínio.
Ao observar os estudantes M1 e F2, quando avaliados na perspectiva do rank per-
centil do teste, ambos encontram-se na média da expectativa proposta. No entanto, quando
avaliados na perspectiva do percentual de acertos em relação à média para a Educação In-
fantil, M1 encontra-se acima da média e F2 permanece na média. Em ambas as perspecti-
vas avaliativas percebe-se que M1 sempre esteve à frente nos resultados quando comparado
a F2. O que demonstra que a oficina tem promovido uma sensibilização mais efetiva em M1

132
KOGA, F. O.; CHACON, M. C. M. Oficina de enriquecimento musical do Programa de Atenção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 122-136

em comparação com F2. Ressalta-se que ambos estão expostos as oficinas de enriquecimen-
to musical sob a mesma estratégia pedagógica, no entanto, cada um tem respondido ao “en-
riquecimento” de maneiras bastantes diferentes.
Ao observar os estudantes M3, M15 e F17, percebe-se que a oficina de enriqueci-
mento musical ainda precisa ser mais intensificada e, ao considerar que estes estudantes
permaneceram constantemente abaixo da média, evidencia que as estratégias para essa ofi-
cina devem proporcionar mais atividades tenham por meta o contraste, conforme expõem
Jensen (2011) e o desafio, conforme expõe Renzulli (2004). Também a utilização de métodos
como Dalcroze, Kodály, Orff, apreciação musical e outros e perspectivas teóricas como das
autoras Gainza (1988) e Kirnarskaya (2004) são imprescindíveis enquanto meta de enrique-
cimento musical.
A estudante F14 obteve resultados bastante consideráveis no teste. Ela quase atin-
giu a margem superior definida pelo rank percentil de 80. F14 também possui uma vida cul-
tural bastante simples. No entanto, segundo F14 e sua mãe, há uma preocupação por par-
te delas em apreciar músicas consideradas de qualidade pelas mesmas como, por exemplo,
as músicas minimalistas, orientais, alguns clássicos e outras. Provavelmente, por meio da
oferta das oficinas de enriquecimento musical há possibilidade de F14 aumentar seu rendi-
mento em virtude do ambiente enriquecido nesse sentido. É preciso destacar que o PAPCS
oferece o mesmo enriquecimento, que é oferecido para os estudantes, para seus responsá-
veis. Isso para que eles continuem o processo de enriquecimento em casa. A mãe de F14 tem
sido enriquecida musicalmente e também em outras áreas do conhecimento, assim como,
outros pais e/ou responsáveis.
Ademais os outros participantes apresentaram-se na média e quando avaliados fora
da perspectiva americana encontraram-se acima da média conforme o ano escolar. Diante
disso, acredita-se que, com a possibilidade do enriquecimento musical, tais estudantes, po-
derão ampliar seus resultados.
De modo geral, todos os estudantes são trabalhados na perspectiva do enriqueci-
mento do Tipo I até que demonstrem com clareza ou apresentem a necessidade de aprofun-
damento de determinado conhecimento em prol de sua área de domínio. Isso ocorre, porque
por mais que eles tenham atingido resultados significativos no presente teste, arrolado nes-
te artigo, alguns apresentam-se indefinidos quanto a área de domínio e outros se destacam
em outras áreas que não a musical. Dessa maneira, as oficinas de enriquecimento musical,
bem como as demais oficinas do PAPCS, trazem como preocupação avaliar longitudinal-
mente o estudante e, sobretudo, ofertar espaços para que este estudante possa expressar su-
as necessidades e interesse. No entanto, a avaliação continua permite realizar devolutivas
que promovem no estudante momentos de reflexão fazendo-o confrontar seu próprio olhar,
quanto ao que considerar saber e fazer, em relação a suas reais potencialidades, também re-
fletir sobre o que está pronto e o que precisa melhorar.

Considerações finais

A oficina de enriquecimento musical apresenta um papel importante no processo


de avaliação e atenção aos estudantes precoces com comportamento de superdotação mu-
sical na cidade de Marília/SP. Ela possibilita, a todos os estudantes triados, contato com os
conteúdos diversos dentre estes, musicais. Independentemente dos resultados dos testes re-
alizados pela equipe multidisciplinar todas os estudantes são convidados, juntamente com
seus responsáveis, a participarem do enriquemento, segundo Renzulli (2004), promovido

133
KOGA, F. O.; CHACON, M. C. M. Oficina de enriquecimento musical do Programa de Atenção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 122-136

pelo PAPCS. No entanto, para que isso se tornasse verdadeiramente efetivo foi preciso levar
em conta que os estudantes do PAPCS, assim como, qualquer criança, possui necessidades
especificas e linhas de interesses diferentes, mas no geral todos buscam o mesmo objetivo,
conhecer o novo.
Durante o processo de avaliação foi possível perceber que o ambiente enriquecido,
de fato, interfere no desenvolvimento de qualquer indivíduo. Segundo Jensen (2011) o en-
riquecimento promove aprimoramentos diários e ele, por essa razão, deveria ser a razão de
qualquer ambiente, inclusive da própria escola.
Jensen (2011), assim como Renzulli e Reis (1985), concordam que o currículo es-
colar como está posto desestimula tanto os estudantes superdotados como qualquer outro
e as condições socioeconômicas das famílias e a dificuldade de acesso as oportunidades
ainda são barreiras altíssimas para aqueles em situação de desfavorecimento. Jensen (2011)
destaca que, se o ambiente de ensino não for contrastante, não haverá desenvolvimento ou
aprendizado para ninguém e Renzulli e Reis (1985) destacam que, se não houver desafio,
não haverá interesse ou entrega por parte do estudante. Ambos em suas teorias destacam
duas palavras-chaves fundamentais para qualquer ambiente de ensino: Desafio e Contraste.
Diante disso, como uma família em condições precárias de subsistência, com dificuldades
de acesso a informações, conteúdos e materiais poderá promover esse tipo de ambiente de-
safiador e contrastante?
Foi por meio desta reflexão e com base nos teóricos da área da superdotação que os
integrantes do PAPCS visualizaram uma possibilidade de acesso ao enriquecimento, tanto
da criança quanto de seus cuidadores, independentemente de suas respectivas condições
sociais. Em parceria com a UNESP, campus de Marília/SP, os responsáveis com menor con-
dição têm a possibilidade de recebem subsídio para o transporte e todos os materiais utili-
zados, tanto pelos responsáveis, quanto pelas crianças, são subsidiados pelo PAPCS que re-
cebe apoio, como, por exemplo, do Ministério da Educação.
Embora isso seja realizado, para que todos possam frequentar o programa, tais sub-
sídios não são interpretados como assistencialismo. Entende-se que é preciso estimular nes-
sas famílias a necessidade de se desenvolverem de maneira autônoma e mediante seus pró-
prios recursos, com o intuito e a responsabilidade de melhorá-los e aprimorá-los a cada dia.
No entanto, entende-se que os recursos propiciados pelo programa impulsionam o interesse
do estudante fazendo com que ele possa encontrar no programa uma maneira de se desen-
volver mesmo que sua família e sua escola não possam propiciar tais recursos, dentre este
estão os recursos: tecnológicos, culturais, pedagógicos e outros.
O espaço do PAPCS proporciona para os estudantes dos níveis de graduação e pós-
-graduação contato com estes indivíduos precoces com comportamento de superdotação a
fim de conhecer melhor a temática e poder contribuir para uma melhor qualidade de vida
desses indivíduos e de suas famílias. No caso da área da música atrelada a educação, pes-
quisas dessa natureza são fontes importantes de dados para pensar atividades de enrique-
cimento musical que contemplem a todos os estudantes, conforme os níveis de acuidade
auditiva.

Referências

ALONSO, J. A.; RENZULLI, J. S.; BENITO, Y. Manual internacional de superdotados: manual


para professores y padres. Madrid: EOS, 2003.

134
KOGA, F. O.; CHACON, M. C. M. Oficina de enriquecimento musical do Programa de Atenção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 122-136

BONA, M. Carl Orff: um compositor em cena. In: MATEIRO, T.; ILARI, B. (Org.). Pedagogias em
educação musical. Curitiba: Intersaberes, 2012. p. 125-156.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Conhecimentos de ar-


te. In: _______. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio: linguagem, códigos e suas
tecnologias. Brasília, 2000. p. 46-55. Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/links-
CursosMateriais.html?categoria=23>. Acesso em: 20 jun. 2014.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Música. In: _______.


Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997. v.6. Disponível em: <http://
portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro06.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2014. p. 75-82.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Música. In: _______.


Parâmetros Curriculares Nacionais: arte: 3º e 4º ciclos do ensino fundamental. Brasília: MEC/
SEF, 1998b. v.7. p. 78-87. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/arte.pdf>.
Acesso em: 20 jun. 2014.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Presença de música na


educação infantil. In: _______. Referência curricular nacional para a educação infantil: conhe-
cimento de mundo. Brasília: MEC/SEF, 1998a. v.3. p. 45-79. Disponível em: <http://portal.mec.
gov.br/seb/arquivos/pdf/volume3.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2014.

CHACON, M. C. M.; PEDRO, K. M.; KOGA, F. O. Programa de Atenção ao aluno Precoce


com Comportamentos de Altas Habilidades/Superdotação (PAPAHS). La Nouvelle Revue de
l’Adaptation et de la Scolarisation, Paris, v.65, p. 13-29, 2014.

FERES, J. S. Iniciação musical: brincando, criando e aprendendo. São Paulo: Ricordi, 1989.

FERNANDES, I. M. B. A. Brincando e aprendendo: um novo olhar para o ensino da música. São


Paulo: Cultura Acadêmica: Universidade Estadual Paulista, 2011.

FREITAS, S. N.; PEREZ, S. G. P. B. Altas habilidades/superdotação: atendimento especializado.


2. ed. Marilia: ABPEE, 2012.

GAINZA, V. H. Estudos de psicopedagogia musical. Trad. de Beatriz A. Cannabrava. 3. ed. São


Paulo: Summus, 1988.

GORDON, E. Intermediate Measures of Music Audition. Chicago: GIA Publication, 1986a.

. Primary Measures of Music Audition. Chicago: GIA Publication, 1986b.

. The Gordon Institute for Music Learning. Chicago: GIA Publication, 2008. Disponível
em: <http://www.giml.org>. Acesso em: 19 jun. 2014.

HOULAHAN, M.; TACKA, P. Kodály today: a cognitive approach to elementary music educa-
tion. New York: Oxford, 2008.

JENSEN, E. Enriqueça o cérebro: como maximizar o potencial de aprendizagem de todos os alu-


nos. Porto Alegre: Artmed, 2011.

KIRNARSKAYA, D. The natural musician: on abilities, giftedness and talent. Trad. do russo por
Mark H Teeter. New York: Oxford, 2004.

MARIANI, S. É. Jaques-Dalcroze: a música e o movimento. In: MATEIRO, T.; ILARI, B. (Org.).


Pedagogias em educação musical. Curitiba: Intersaberes, 2012. p. 25-54.

PEREZ, S.; TATIT, P. Livro de brincadeiras musicais da palavra cantada. São Paulo: Melhora-
mentos, 2010.

135
KOGA, F. O.; CHACON, M. C. M. Oficina de enriquecimento musical do Programa de Atenção a Alunos Precoces com Comportamento de Superdotação...
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 122-136

RENZULLI, J. S. O que é essa coisa chamada superdotação e como a desenvolvemos? uma re-
trospectiva de vinte e cinco anos. Educação, Porto Alegre, v.52, n.1. p. 75-131, jan./abr. 2004.

RENZULLI, J. S.; REIS, S. M. The schoolwide enrichment model: a comprehensive plan for edu-
cation excellence. Connecticut: Creative Learning Press, 1985.

SCHAFER, R. M. O ouvido pensante. 2. ed. São Paulo: UNESP, 2011.

SILVA, W. M. Zoltán Kodály: alfabetização e habilidades musicais. In: MATEIRO, T.; ILARI, B.
(Org.). Pedagogias em educação musical. Curitiba: Intersaberes, 2012. p. 55-87.

SOUZA, J. Gertrud Meyer-Denkmann: uma educadora musical na Alemanha pós-Orff. In:


MATEIRO, T.; ILARI, B. (Org.). Pedagogias em educação musical. Curitiba: Intersaberes, 2012.
p. 219-241.

Fabiana Oliveira Koga - Graduada em instrumento piano pela USC/Bauru; Graduação em Educação Musical em
andamento; Psicopedagoga clínica; Mestrado na área de Educação pela UNESP - Campus de Marilia. Bolsista do
CNPq.

Miguel C. M. Chacon - Docente da Faculdade de Filosofia e Ciências - UNESP/Marília; Graduado em psicologia


pela UNESP/Assis; Mestre em Educação pela UNICAMP/Campinas; Doutor em Educação pela UNESP/Marília, foi
bolsista na Sorbonne - Paris/França, na área de Educação, e pós-doutorado em Altas habilidades/Superdotação pela
Universidade Federal de Santa Maria - RS.

136
CLÍMACO, M. M. Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro: interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro em Brasília.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 137-150

Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro:


interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro em Brasília

Magda de Miranda Clímaco (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil)


magluiz@hotmail.com

Resumo: Esse trabalho teve como objetivo identificar e relacionar as representações evidenciadas pelos processos de
ensino do choro na Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello em Brasília e pelas circunstâncias ligadas à história
desse gênero musical na cidade, visando os possíveis nexos existentes entre uma prática significativa para um con-
texto social e o grande investimento nessa prática. Foi considerado que o contexto significativo ligado a um gênero
discursivo (BAKHTIN, 2003), junto à abordagem de diferentes modalidades de ensino desse gênero na escola brasi-
liense, em estreita interação com as atividades do Clube do Choro, traz a motivação necessária que atrai, congrega, e
coloca em lista de espera um grande número de alunos.
Palavras-chave: Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello; Clube do Choro de Brasília; Interação; Prática
Significativa.

Brazilian choro school Raphael Rabello and choro club: effective interaction in the choro’s processes of meaning
and teaching in Brasília
Abstract: This study aimed to identify and relate the representations evidencied by choro’s musical genre teaching
processes at the Brazilian Choro School Raphael Rabello in Brasilia and the circunstances connected with the history
of the genre in the city, to discover the potential links that occurs between a significant practice to a social context
and the large investment in this practice. It was considered that the meaningful context linked to a discursive genre
(BAKHTIN, 2003), with the approach of different teaching modalities of its genre in brasiliense school, stablishing
circularity with the activities of the Choro Club, brings the necessary motivation that attracts, connects, and put on
waiting lists one large number of students.
Keywords: Brazilian Choro School Raphael Rabello; Brasilia Choro Club; Interaction; Significant practice.

Escuela brasileña de choro Raphael Rabello e clube de choro: una interacción eficaz en los procesos de significación
y de la enseñanza del choro en Brasília
Resumen: Este trabajo tuvo como objetivo identificar y relacionar las representaciones evidenciadas por los procesos
de enseñanza del choro en la Escuela Brasileña de Choro Raphael Rabello en Brasilia y por las circunstancia asocia-
das a la historia de este género musical en la ciudad, buscando los posibles nexos existentes entre una práctica sig-
nificativa para un contexto social y la gran dedicación a esa práctica. Fue considerado que el contexto significativo
ligado a un género discursivo (BAKHTIN, 2003), junto al abordaje de diferentes modalidades de enseñanza de ese
género en la escuela brasiliense, en estrecha interacción con las actividades del Clube de Choro, trae la motivación
necesaria que atrae, junta, y pone en lista de espera a un gran número de estudiantes.
Palabras clave: Escuela Brasileña de Choro Raphael Rabello; Club de Choro de Brasilia; Interacción; Práctica
significativa.

O grande número de crianças, jovens, adultos e velhos que buscam iniciar ou de-
senvolver a prática do Choro na Escola de Choro Raphael Rabello em Brasília (EBCRR), fa-
zendo que a escola tenha sempre uma grande lista de espera por novas vagas, chamou a
atenção no percurso de uma pesquisa (CLÍMACO, 2008) que visava entender o choro como
expressão musical no cenário brasiliense. Essa primeira pesquisa tornou-se um ponto de
partida deste trabalho, já que levou à percepção de dois grandes momentos de ressignifica-
ção do Choro na cidade de Brasília1. Um primeiro momento, em que o gênero musical cum-
priu um processo de reconstrução de identidades nas décadas de 1960 a 1970, fundamental
para a adaptação dos antigos funcionários públicos cariocas na nova capital brasileira que
emergia no interior do país, funcionários que ajudaram a fundar o Clube do Choro de Brasí-
lia na década de 1970. E um segundo momento, em que o choro teve esse clube, desativado
na década de 1980 e re-construído na década de 1990, como um elemento fundamental para
a sua sobrevivência na cidade. Depois de cumprida a primeira função, pôde compartilhar o

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 19/09/2015 - Aprovado em: 30/11/2015

137
CLÍMACO, M. M. Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro: interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro em Brasília.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 137-150

seu espaço no clube com outros gêneros musicais, inclusive, com gêneros globais como o ro-
ck e o jazz, numa circunstância em que, interagindo com a mídia e com a diversidade cultu-
ral, marcou sua atuação no cenário pós-moderno brasiliense nas décadas de 1990 ao Tempo
Presente. Nesse contexto descreveu inúmeras e distintas trajetórias pela cidade (CLÍMACO,
2008), provocando percepções diversas referentes à sua interação com a moderna capital do
país na primeira década do século XXI. Por outro lado, foi interessante observar que nesse
cenário, marcado por acentuada diversidade, a prática do choro provocou sempre a expres-
são “genuína música brasileira”2 por parte de seus fruidores.
Conferindo hoje a divulgação da escola e do clube do choro de Brasília pelos seus
sites na internet, a abordagem de trabalhos acadêmicos como o de Pereira (2004), Teixeira
(2007), De Lara Filho (2009), Guimarães (2013), Gonçalves (2013), Carvalho (2015), dentre
outros, volto ao material que colhi sobre essas instituições na primeira década do século,
buscando novas reflexões. Continuo interessada em compreender a contínua difusão desse
gênero musical na cidade e a significativa fila de espera por uma vaga na EBCRR, o que me
levou, com fundamentação em Bakhtin (2003), a lançar mão de alguns elementos do concei-
to de gênero do discurso.
Mikhail Bakhtin, partindo da valorização de uma relação dialógica, entende por
gênero discursivo uma matriz cultural inerente a um campo de produção cultural específi-
co, percebida na sua capacidade de atualização constante em cada tempo e espaço em que
é ressignificada. Atualização essa resultante do entrecruzar de uma polifonia de vozes, ou
seja, do encontro dessa matriz com elementos de diferentes dimensões culturais e tempo-
rais. Em cada processo de atualização revela uma “forma composicional”, capaz de eviden-
ciar um “conteúdo temático” (resultante dos encontros mencionados, que implicam em va-
lorações e responsabilidades assumidas) e “características de estilo de índole contextual/
individual”. As características contextuais peculiarizam o gênero que “faz história” de um
modo geral e as características individuais revelam os elementos estilísticos característicos
de cada uma de suas atualizações. No caso especial desse texto, o gênero musical choro e
suas práticas passaram a ser percebidos como uma matriz cultural carioca que se atualiza
na cidade de Brasília em vários momentos, evidenciando na sua base, em cada um desses
momentos, a polifonia de vozes mencionada, o encontro entre diferentes representações.
Do mesmo modo são também consideradas matrizes culturais os relatos sobre o choro e a
EBCRR colhidos através das entrevistas realizadas com o público brasiliense. São capazes
de revelar o entrecruzar de representações que circulavam em Brasília na primeira década
do século XXI, em especial no circuito do choro.
Assim, as reflexões realizadas num outro momento de pesquisa, que incluíram
na busca dos projetos efetivados pelo Clube do Choro o contato com a criação e com as pe-
culiaridades inerentes ao projeto da EBCRR (uma das primeiras escolas de choro no país),
acrescidas de outras leituras e informações, levaram a algumas questões: Haveria na busca
de uma vaga na EBCRR, por um público diverso e numeroso, uma relação estreita com sen-
tidos e significados relacionados a um gênero discursivo que interagiu com dois diferentes
momentos da curta trajetória de vida da capital brasileira? Essa relação significativa estaria
determinando essa procura pela vaga, o contínuo investimento nessa prática musical e, por
outro lado, interferindo no processo de musicalização? Como funciona essa escola? Qual a
sua relação com o ensino musical formal, não-formal e informal? Qual o papel do Clube do
Choro em todo esse contexto?
Parti da pressuposição de que existiam grandes possibilidades da circunstância
significativa do choro em Brasília, integrada a uma prática do ensino musical formal, não-
-formal e informal do gênero, se consistir em mola propulsora que leva os brasilienses a cul-

138
CLÍMACO, M. M. Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro: interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro em Brasília.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 137-150

tivar o gênero, reunindo na EBCRR crianças, adolescentes, adultos, de diferentes níveis so-
ciais, idade e gênero. Tive como objetivo, portanto, identificar e relacionar as representações
implicadas com o processo de ensino do choro na EBCRR em Brasília e com a história do
gênero na cidade, investigar as práticas e métodos utilizados pelos professores no processo
de ensino-aprendizagem desse gênero musical, buscando identificar e compreender os mo-
tivos que levaram esse público numeroso e eclético a procurar a Escola de Choro brasilien-
se, descobrir os possíveis nexos existentes entre uma prática significativa para um contexto
social e o grande investimento nessa prática por parte dos alunos e professores.
A abordagem metodológica investiu no levantamento bibliográfico, que permitiu
o contato com autores como Bakhtin (2003), Chartier (2002), Libâneo (2010) e Gohn (2010),
que fundamentam teoricamente esse trabalho. Bakhtin, quando aborda as noções de gênero
do discurso e enunciado3, o que remete ao gênero musical choro e seus processos de atua-
lização/significação/ressignificação na cidade de Brasília. Chartier (2002), quando discorre
sobre as representações sociais que, num processo simbólico, se evidenciam nas práticas,
obras e formulações intelectuais que forjam processos identitários de um grupo, apontan-
do para valorações, classificações, categorizações, conceituações, aceitas e divididas pelo
grupo, nesse caso, o grupo que faz a escola de choro existir nas suas peculiaridades (alu-
nos, professores, e a coordenação do Clube e da Escola). Já o embasamento em autores como
Libâneo (2010) e Gohn (2010), possibilitou o enfoque do ensino formal, não-formal e info-
mal. Por outro lado, a abordagem metodológica configurou-se também através da pesquisa
de campo, realizada na EBCRR e no Clube do Choro de Brasília, em bares e shoppings da
cidade, e da exploração de fontes como Cds, DVDs, sites na Internet, fotos, gravações e fil-
magens. Entrevistas com atores sociais envolvidos com a prática, ensino, aprendizagem do
choro e com as atividades do Clube do Choro também foram realizadas, buscando sempre
as suas vivências e impressões sobre a Escola e o Clube, as duas instituições que estão na
base do “complexo do choro”4 em Brasília. Três momentos de reflexão, que serão descritos
a seguir, integram o desenvolvimento do trabalho, começando pela abordagem da escola de
choro e dos processos de ensino por ela desenvolvidos.

1. A Escola de Choro Raphael Rabello

Um primeiro momento de reflexão levou à Escola Brasileira de Choro Raphael Ra-


bello (EBCRR), vinculada ao Instituto Cultural de Educação Musical de Brasília (ICEM) e em
diálogo permanente com o Clube do Choro dessa cidade. Essa instituição tem investido mui-
to no cultivo do ensino formal, não-formal e informal da música, na priorização da formação
e proliferação de grupos de choro e na profissionalização do músico, na apreciação e prática
da música brasileira, tendo como referência o resgate de um gênero musical, cuja história se
confunde com a própria história dessa música e da cidade de Brasília, segundo Clímaco (2008).
A escola foi criada em 29 de abril de 1998, oferecendo o ensino do choro e de instrumentos
como bandolim, cavaquinho, pandeiro, saxofone e violão de seis e sete cordas. Posteriormen-
te foi acrescentado flauta, clarineta, viola caipira e gaita. Matricularam-se inicialmente 162
alunos e, no ano seguinte, o número de pedidos de vaga subiu vertiginosamente para 631.
Além das aulas de instrumento, das aulas teóricas, do trabalho em conjunto, das rodas de
choro no último sábado do mês, da oportunidade de participar de rodas informais, do in-
centivo à frequência às apresentações do Clube, os alunos têm acesso também a workshops
ministrados por alguns dos maiores músicos brasileiros que, sempre de passagem pelo Clu-
be do Choro de Brasília, se dispõem a um intercâmbio com os estudantes (Hermeto Pascoal,

139
CLÍMACO, M. M. Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro: interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro em Brasília.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 137-150

Armandinho Macedo, Odette Ernest Dias, são alguns nomes, dentre muitos outros). As rodas
de choro no último sábado do mês são constituídas por vários grupos que mesclam alunos
de diferentes idades, profissões e níveis sociais, sempre tendo em vista grupos de iniciantes
e grupos mais avançados. Circunstância de grupo em que comentam e observam o trabalho
um dos outros, descobrem afinidades e o prazer de tocar juntos, de forma espontânea.
A estrutura básica de ensino pode ser conferida atualmente no site da escola (http://
escoladechoro.com.br/site/), que traz a seguinte informação, confirmando, logo no início, o
aspecto formal do ensino:

São ministradas aulas de teoria musical, requisito básico para freqüentar o curso.
Os cursos oferecem formação teórica e prática em classes coletivas. Serão ministra-
das 4 aulas por semana, com a duração 50 minutos cada. Cada aluno deverá ter o seu
instrumento e será obrigatória a sua participação em duas horas semanais para estu-
dos, com acompanhamento de monitor. A partir do Segundo semestre uma hora de
monitoria dará lugar a uma hora de prática em conjunto.

Por outro lado, mencionando que o “caráter de informalidade é predominante” nas


práticas relacionadas às Rodas de Choro, comenta:

Nos primeiros sábados de cada mês são realizadas as Rodas de Choro, encontro dos
alunos e professores, em que é estabelecido o diálogo musical entre todos os partici-
pantes [...] sendo considerada como atividade pedagógica de prática de conjunto que
reforça a união e o companheirismo entre músicos, alunos e professores. Os fami-
liares e amigos também participam, eventualmente, e o caráter de informalidade é
predominante.

Já evidenciando a interação entre as atividades da escola e do Clube do Choro, é


lembrado que

os alunos também participam dos shows musicais e Workshops programados pelo


Clube do Choro de Brasília. No final do encerramento do ano letivo, serão realizadas
as apresentações dos grupos de alunos formados pela Escola durante o ano, no palco
do Clube.

Os depoimentos do professor de violão Fernando Vasconcelos sobre os processos


didáticos da escola, concedidos a esse pesquisador (2006)5 e a Gonçalves (2013), assinalam
o investimento na execução instrumental e na audição aliadas à leitura e à escrita musical,
a importância de ouvir e desenvolver a percepção de determinados esquemas harmônicos
característicos do choro, encontrados na obra dos compositores do gênero. Antunes, por
sua vez, já em 2003, ressaltava que em se tratando da performance, “esses alunos estudam
a obra dos grandes mestres do choro e convivem com professores que são músicos atuantes,
fazendo, assim, a ligação entre passado e modernidade” (ANTUNES, 2003, p. 10), uma cir-
cunstância que pôde ser comprovada também nas vezes que tive oportunidade de assistir
às apresentações de final de ano dos alunos da Escola. Segundo essa autora, no contexto de
apreciação e prática, eles aprendem também um sistema de composição e inventam novas
produções com todas essas influências. Sève (1999), responsável pela sistematização de um
trabalho relacionado a um aprendizado prático do choro, reafirma a eficiência dessas práti-
cas da escola, ao observar que “analisando a música de Pixinguinha, percebe-se um estilo
comum de fraseado composto por módulos (patterns, para os jazzistas) que, agrupados de
diferentes maneiras, caracterizam a sua composição.” Percebendo as possibilidades didáti-
cas contidas nessa abordagem, comentou ainda que,

140
CLÍMACO, M. M. Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro: interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro em Brasília.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 137-150

embora possa parecer um modo frio de olhar a música do mestre, esta análise vai
contribuir para a criação e sistematização de um estudo técnico sobre o Choro, valo-
rizando sua importância na formação de uma escola (de fato) para a música brasilei-
ra. (SÉVE, 1999, p. 6)

Almada (2006), autor do livro A estrutura do choro, também corrobora essa aborda-
gem metodológica ao comentar que um conjunto de material básico apreendido na vivência
e prática musical do choro, pode consistir em fundamento importante no momento do ensi-
no, composição, improvisação e arranjo do gênero. O trabalho didático e performático que
utiliza algumas passagens típicas do gênero, segundo o autor, se apóia

não só no mais evidente – o ritmo e suas figurações típicas – mas principalmente na


mais subterrânea estrutura harmônico-formal, fonte vital de referências para a cons-
trução melódica. Os elementos que constituem essa arquitetura sintática são de tal
forma amarrados entre si [...] que um “aparentamento” motívico parece existir em
quaisquer fragmentos extraídos de Choros (ALMADA, 2006, p. 56).

Na sua abordagem, que remete à sistematização das bases necessárias à estrutura-


ção de um trabalho com o Choro, Almada utilizou a expressão “sintaxe do choro”.
Gonçalves (2013), de forma mais direta, apresentou depoimentos de professores da
EBCRR que evidenciam essa prática metodológica, a necessidade de se adquirir um “vo-
cabulário” do choro através do contato com o seu repertório. “O aluno precisa adquirir
um ‘vocabulário’, ouvir muito choro para aí sim começar a criar” (GONÇALVES, p. 131).
Um professor entrevistado, o professor Vinícius, citado por esse autor, observou que se
aprende esse vocabulário muitas vezes através das “baixarias”, padrões que se repetem em
diferentes Choros de distintas tonalidades. No seu relato afirmou que o aluno primeiro tem
que executar um repertório tradicional e, através de um exemplo, visando a execução do
choro, mostrou o efeito desse trabalho: “um baixo que acontece, por exemplo, no ‘Carioqui-
nha’, ele acontece também no ‘Vibrações’, vai acontecer em várias músicas que são nessa to-
nalidade [...] e aos poucos você... vai deixando o aluno consciente disso” (Prof. Vinícius apud
GONÇALVES p. 131). Insistindo na importância da prática e conhecimento do repertório do
choro antes de muitas explicações teóricas, mencionou ainda que o caminho é “tocar” pri-
meiro e “entender” depois, é da prática do repertório que virá a apreensão do “vocabulário”
(Ibidem). Observou também que depois de aprendido o vocabulário tradicional, o aluno es-
tá pronto para investir numa harmonia mais complexa, plena de notas de tensões, trabalhar
com escalas pentatônicas... Segundo esse professor,

em primeiro lugar o repertório, a partir desse repertório, ele tem que absorver o voca-
bulário tradicional da frase, feito isso, ele tem que entender o que ele ta tocando, aí,
quando ele entendeu, já pode começar a buscar outras gravações, começar a ouvir o
Dois de Ouro [Hamilton de Holanda e Fernando César]. Aqueles baixos com pentatô-
nica... (Prof. Vinícius apud GONÇALVES, p. 131)

As circunstâncias e depoimentos de estudiosos do choro, de professores da esco-


la, comprovam, portanto, que essa instituição sempre teve uma proposta didática geral que,
num âmbito mais amplo, além da percepção auditiva, da teoria, leitura e escrita musical, va-
loriza também uma aprendizagem musical conjunta que remete à vivência e espontaneida-
de das rodas dos chorões, à apreciação musical, à prática conjunta da obra de grandes mes-
tres do Choro, a um ambiente e oportunidade de fazer música com espontaneidade e cria-
tividade. Remete “às circunstâncias práticas e ao conhecimento necessário”, portanto, que
se constituem nos elementos básicos para que aconteça a aprendizagem e a improvisação,

141
CLÍMACO, M. M. Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro: interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro em Brasília.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 137-150

conforme abordagem também de Gainza (1984)6, que, ao referir-se à condução da prática da


improvisação, permite o diálogo estreito com Seve (1999) e Almada (2006).
Referindo-se também às modalidades de ensino relacionadas ao trabalho da EBCRR,
Antunes (2003, p. 12) comenta o projeto pedagógico que evidencia a “junção do ensino in-
formal com o formal, da teoria e da prática, da escrita e da oralidade, a preocupação com
um espaço para encontros e formação de novos grupos”. Lembra ainda que a escola é estru-
turada em níveis inicial, intermediário e avançado, realiza testes de aptidão relacionados
aos objetivos de cada nível, mantém aulas de grupo e de teoria.
O ensino formal é entendido aqui com base em autores como Libâneo (2010) e Gohn
(2010). Libâneo aborda essa modalidade de educação nas suas implicações com uma educa-
ção intencional que acontece em instituições educativas formais e que envolve “objetivos
explícitos, ação deliberada e sistemática, estruturação didática e condições organizativas,
uso de métodos e procedimentos, expectativa definida de resultados de aprendizagem”
(LIBÂNEO, 2010, p. 145-146). Gohn (2010) na mesma linha de pensamento desse autor,
observa:

requer tempo, local específico, pessoal especializado. Requer normatização das for-
mas de organização de vários tipos (inclusive o curricular), sistematização seqüen-
cial das atividades, tempos de progressão, disciplinamento, regulamentos e leis, ór-
gãos superiores, etc. (GOHN, 2010, p. 19)

Por outro lado, a educação não-formal é percebida por Libâneo nas suas impli-
cações com “atividades com caráter de intencionalidade, porém com baixo grau de es-
truturação e sistematização, implicando em relações pedagógicas mas não formalizadas”
(LIBÂNEO, 2010, p. 89). Acredita que essa modalidade de educação pode estar presente
também nas instituições educacionais, interagindo com a educação formal. Gohn (2010, p.
16), por sua vez, afirma que “a educação não-formal não é nativa, ela é construída por esco-
lhas ou sob certas condicionalidades, há intencionalidade no seu desenvolvimento, o apren-
dizado não é espontâneo”. Acredita que a educação não-formal não é organizada por séries,
conteúdos, ou mesmo por idades.
Já referente à educação informal, uma terceira modalidade discutida por esses au-
tores, Libâneo observa:

[...] a educação informal perpassa as modalidades de educação formal e não-for-


mal. O contexto da vida social, política, econômica e cultural, os espaços de convi-
vência social na família, nas escolas, nas fábricas, na rua, na variedade de organiza-
ções e instituições sociais, formam um ambiente que produz efeitos educativos, em-
bora não se constituam mediante atos conscientemente intencionais, não se realizem
em instâncias claramente institucionalizadas, nem sejam dirigidas por sujeitos deter-
mináveis. (LIBÂNEO, 2010, p. 91) [Grifo meu]

Gohn (2010) estabelece diálogo com esse autor, ao lembrar que os resultados da
aprendizagem na educação informal não são esperados, acontecem naturalmente a partir da
vivência, em ambientes que produzem efeitos educativos de forma não intencional, sejam
eles ligados a instituições ou não.
Como pôde ser observado, depois da descrição das atividades implicadas com a
EBCRR, as três modalidades de ensino – formal, não-formal e informal – integram o proces-
so de ensino-aprendizagem do Choro em Brasília. A educação formal é caracterizada pelo
ensino da teoria musical, pela utilização dos métodos e repertórios que embasam a prática
dos instrumentos, pela utilização de materiais estruturais do gênero choro, da consideração

142
CLÍMACO, M. M. Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro: interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro em Brasília.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 137-150

das etapas “escalares”, de níveis diferentes dos programas, implicados até certo ponto com
a idade e experiência do aluno. A educação não formal acontece através das rodas de choro
que se realizam uma vez por mês, conduzidas, corrigidas e preparadas de forma intencional
pelos professores, apesar do espaço para o aluno simplesmente “tocar” na roda com cole-
gas e convidados. Finalmente, a educação informal, que ocorre através da oportunidade de
tocar nas rodas de choro mensais e nas constantes rodas que naturalmente são realizadas
no pátio da escola e nos encontros de alunos em bares e residências. Citado por Gonçalves
(2013), o professor de violão Henrique Neto, evidenciando a informalidade que caracteriza
o trabalho com Rodas de Choro espontâneas que a EBCRR também não deixa de oportuni-
zar, observa:

Na roda de choro não tem ninguém te falando nada, você não aprende porque alguém
ta te falando, você aprende porque você observa e isso vai da sua percepção, se você
for uma pessoa desatenta, muita coisa vai passar. Agora se você é uma pessoa que se
dedica realmente ao gênero, que ta assim disposto a aprender e tem essa sensibilidade
para pegar cada elemento que ta sendo tocado ali, você vai aprender muito mais [...]
(Prof. Henrique Neto apud GONÇALVES, 2013, p. 134)

Essas atividades relacionadas ao ensino e aprendizagem do choro em Brasília não


deixam de estar em interação com as apresentações que acontecem no Clube do Choro três
vezes por semana. Essas apresentações efetivam um projeto temático elaborado por essa ins-
tituição, apoiado pelas Leis de Incentivo à Cultura, que é divulgado e aproveitado no pro-
cesso didático da Escola. Gonçalves (2013, p. 129-130) afirma que há um incentivo dos pro-
fessores no sentido dos alunos “vivenciarem e comparecerem às apresentações do Clube na
intenção de se criar de fato, um movimento cultural na Escola”. O professor Vinícius, citado
por esse autor, acrescenta:

O diferencial aqui [na Escola Raphael Rabello] é o foco do fraseado específico, do rit-
mo específico, do tentar mostrar pros alunos que é importante vivenciar, ouvir, vir
nos shows, assistir esse tipo de coisa, meio que criar um... meio que criar um movi-
mento cultural mesmo. (Prof. Vinícius apud GONÇALVES, 2013, p. 130) [Grifo meu]

É esse ponto que anuncia as possibilidades de troca entre a EBCRR e o Clube, que
leva ao item seguinte, remetendo a um segundo momento de reflexão nesse trabalho: a in-
teração acentuada estabelecida por essas duas instituições nos processos de execução, apre-
ciação e ensino do gênero choro, que levou à expressão “via de mão dupla”7.

2. A via de mão dupla estabelecida entre a EBCRR e o Clube do Choro

Na verdade a EBCRR nasceu como um investimento especial do Clube do Choro de


Brasília e em interação com suas atividades, mais precisamente um investimento de Hen-
rique Lima Santos Filho – o Reco do Bandolim – responsável pela reestruturação do Clube
na década de 1990 e seu presidente desde então (CLÍMACO, 2008). Isso trouxe um campo
peculiar de atuação à escola, propiciando um trânsito institucional, circunstâncias que re-
metem ao “sentido de mão dupla”, ou seja, à circularidade que vem sendo cada vez mais es-
tabelecida entre o Clube e a Escola de Choro.
Circularidade que se caracteriza quando as apresentações do Clube interagem com
as atividades da escola, conforme já observado, se constituindo em um dos elementos que
contribuem para o processo ensino-aprendizagem e para o aumento da prática do choro e

143
CLÍMACO, M. M. Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro: interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro em Brasília.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 137-150

procura pela instituição de ensino. A escola, por sua vez, tem ocupado o palco do Clube
com as atividades de alunos (apresentações do final de ano – em dezembro), assim como
tem integrado a sua platéia (freqüência constante nos shows).
Circunstâncias que lembram também os depoimentos colhidos nas dependências
da própria escola, em que a menção à freqüência ao Clube teve um ponto alto no comentário
entusiasmado dos alunos que participaram de uma das apresentações do bandolinista Ha-
milton Holanda8. Reconhecido por muitos como uma importante referência musical na ci-
dade e grande estímulo ao estudo do gênero Choro e à prática das inovações estilísticas que
se evidenciam na sua obra, esse músico tem investido no diálogo com o jazz e com o rock,
no ecletismo e hibridismo musical pregado e vivenciado pelo clube do choro. A via de mão
dupla, portanto, se incorpora também na figura desse músico, um dos principais represen-
tantes dessa realidade musical. Admirado e aplaudido no palco, na sua trajetória nacional
de sucesso, tem as suas composições tocadas por alunos da escola, como pôde ser consta-
tado em algumas das apresentações observadas no clube. Efetivando a circularidade men-
cionada, Hamilton de Holanda tem contribuído para o contato do choro tradicional com o
choro moderno, para a atualização desse gênero na cidade que tem levado a uma maneira
própria de chorar, ao “choro livre, multicultural e transregional, pouco apegado ao classi-
cismo do gênero, mais inovador e alegre” (TEIXEIRA, 2007, 43).
É aqui que a atualização do gênero se apresenta de forma mais radical, conforme
constatado com a pesquisa de campo, fazendo que, no palco do clube, o choro tradicional
conviva com o choro moderno e, através da interação entre as duas instituições, signifique
de forma peculiar na EBCRR. Se a sintaxe do Choro tradicional, segundo Almada (2006), se
apresenta na forma rondó (ABACA), ou binária (AB), trabalhando a harmonia funcional e
um estilo improvisatório que se aproxima da variação – o que foi mantido na primeira gran-
de atualização do choro em Brasília que marcou um processo de re-construção de identida-
des – a sintaxe do choro moderno já apresenta uma estrutura mais livre, o diálogo com uma
harmonia mais próxima do jazz, plena de notas de tensão, de acordes não resolvidos, com
espaços para uma improvisação que se afasta da linha melódica. Esse foi o estilo que mar-
cou o segundo grande momento de atualização do choro na cidade pós-moderna, conforme
já mencionado. Por outro lado, o trabalho com o choro tradicional e com o choro moderno
convive nos palcos do clube com um repertório eclético, com o jazz, com o rock, com ou-
tros gêneros brasileiros, com a música regional, com a música erudita. O caráter dialógico
do gênero do discurso que traz na sua base uma polifonia de vozes em cada atualização que
realiza se mostra novamente evidente aí, revelando diálogos culturais e temporais. O choro
brasiliense – um gênero musical percebido aqui como estrutura simbólica portadora de um
conteúdo temático que se imbrica numa forma composicional – é constituído nesse momen-
to não só do resíduo que estabelece o gênero estilísticamente (peculiaridades de índole con-
textual), mas também da interação e diálogo com a base estilística de outros gêneros locais
e globais (peculiaridades de índole individual).
Abordagem das peculiaridades e práticas do choro em Brasília que atualmente re-
mete ao ecletismo e hibridismo musical mencionados por Teixeira (2007), e a dois nomes
profundamente envolvidos com essa via de mão dupla que se estabelece entre a EBCRR e o
Clube do Choro de Brasília. Segundo esse autor,

os projetos artísticos realizados por dois próceres desse processo, Reco do bandolim
e Hamilton de Holanda, excelências de Brasília, atestam no sentido da existência de
uma maneira brasiliense de criação artística, assim como de que já haveria, nessa ci-
dade, uma maneira própria de chorar: o choro livre, multicultural e transregional,
pouco apegado ao classicismo do gênero, mais inovador e alegre. (TEIXEIRA, 2007, 43)

144
CLÍMACO, M. M. Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro: interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro em Brasília.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 137-150

Considerando as trocas estabelecidas entre as duas principais instituições que inte-


gram o “Complexo do Choro em Brasília”, envolvendo também o representacional, Teixeira
insiste em reconhecer uma tradição musical “nacional” no cenário brasiliense ligada à prá-
tica dos chorões, embora afirme ainda que criatividade e originalidade estão na base dessas
instituições, percebidas como “exemplos privilegiados da usina de talentos em que Brasília
já teria se tornado”. Observa: “Isso porque ambas resultam de processos híbridos de cons-
trução institucional, virtuosismo artístico, flexibilidade estilística, profissionalismo e pre-
servação das tradições musicais nacionais”. (TEIXEIRA, 2007, 43). [Grifo meu]
O autor lembra que nunca é suficiente reiterar a importância da institucionaliza-
ção do ensino da música e do parentesco (prática musical passada de pai para filho) como
características recorrentes de transferência do capital cultural (BOURDIEU, 2003)9. Insti-
tucionalização e parentesco que, através da circularidade observada, convivem no univer-
so chorão brasiliense com uma feição destradicionalizante que incorpora as realizações de
uma verdadeira vanguarda.
Esse gênero discursivo, que faz com que processos de hibridação convivam com a
tradição, no entanto, continua provocando no contexto da EBCRR opiniões que estabele-
cem uma conexão com a sua representatividade enquanto “genuína música brasileira” que
interage com a capital do país que abriga a diversidade. Capital do país que, enquanto capi-
tal, num processo metonímico, é capaz também de representá-lo (PESAVENTO, 2002), con-
forme vai ser abordado no próximo item. Representações se evidenciam aí, portanto, nessa
via de mão dupla estabelecida entre instituições, num cenário de cidade modernista extre-
mamente racionalizada e funcional que convive de forma intensa com a diversidade, o que
vai permitir a observação de um trânsito mais amplo de representações entre o Clube e a
EBCRR, apontando para o terceiro momento de reflexão desse trabalho.

3. O trânsito entre representações

Esse terceiro momento de reflexão permitiu observar que o trânsito entre as ativi-
dades das duas instituições brasilienses revela também um trânsito entre as representa-
ções10 que objetivam. As representações evidenciadas no contexto das apresentações musi-
cais do Clube, que favorecem a percepção do “cultivo do músico profissional e da boa mú-
sica brasileira” no seu inevitável diálogo com o diverso e com o global, foram captadas tam-
bém de forma semelhante nos depoimentos vários colhidos em rodas de choro que aconte-
cem na Escola11 e nas circunstâncias ligadas a dias normais de aulas. Esses depoimentos
levaram à percepção de que grande parte dos alunos busca a EBCRR porque almeja um
trabalho mais elaborado com a música brasileira, um aprofundamento técnico, visando se
profissionalizar. Acham que o Clube e a Escola oferecem essa oportunidade, se constituin-
do numa importante referência na cidade em termos da música brasileira de muita quali-
dade, assim como de acessibilidade a esse trabalho e a essa música de forma prática. Já no
referente à preferência pelo investimento no gênero musical choro, registrada também a
partir desses depoimentos, ficou evidente que o interesse por essa manifestação musical
passa pela consciência da sua diversidade, riqueza estrutural rítmica, capaz de condensar
a estrutura rítmica da própria música brasileira e de outras realidades culturais. Peculia-
ridades estilísticas que possibilitam elementos para uma formação teórica e musical mais
ampla, assim como o prazer de se estar praticando uma “música genuinamente brasileira”
na capital da república, mesmo que essa música esteja às vezes em diálogo com manifes-
tações globais.12

145
CLÍMACO, M. M. Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro: interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro em Brasília.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 137-150

São várias as representações que se evidenciam, portanto, tanto na prática do gêne-


ro choro, que remete a uma “forma composicional” que revela “características de estilo de
índole contextual/individual”, quanto na fala dos alunos. Práticas e depoimentos que torna-
ram evidentes esse interesse pela escola estruturada que ensina música popular, o apreço
por um gênero musical, tendo em vista as suas peculiaridades estilísticas, inclusive, aque-
las resultantes de sua inserção em um contexto social que mantém diálogo com gêneros
musicais globalizados, como o jazz e o rock, um diálogo tão prestigiado pelas apresentações
do Clube do Choro. Um gênero musical que o brasiliense busca ao lotar as listas de espera
na EBCRR, e que aprecia, porque tem contato com ele não só na escola, mas também nos vá-
rios locais em que alunos ou egressos dessa escola se apresentam em rodas de choro, como
demonstrou a pesquisa realizada em bares, restaurantes, áreas de lazer de shopping centers,
casas de famílias, dentre outros locais.
Enfim, considerada por muitos no cenário brasiliense como um celeiro de músi-
cos, em perfeita sintonia com a filosofia do Clube, a EBCRR, através de suas práticas e dos
depoimentos de seus alunos e professores, foi capaz de evidenciar enunciados13 que dialo-
garam de perto com aqueles que aparecem na apresentação e/ou comentários dos projetos
anuais do Clube do Choro no seu site na Internet14, tais como: “esse projeto é mais uma ini-
ciativa do Clube do Choro, em sua constante luta para manter vivo esse gênero musical ge-
nuinamente brasileiro, cuja importância para a cultura e formação do músico brasileiro é
incontestável”; enunciados como aqueles que apontaram para o “aprofundamento, preserva-
ção e divulgação de manifestações genuínas de nossa cultura popular”, ou mesmo aqueles
que evidenciaram “preservação com renovação – este é o nosso lema, que abre espaço para
a manifestação do novo sem esquecer de cultuar as raízes, os clássicos que dão identidade
e fisionomia ao Brasil e ao povo brasileiro.”
Imagens, idéias, enunciados, enfim, representações sociais que se objetivam atra-
vés das práticas e das concepções que os alunos têm da Escola e do gênero Choro, assim co-
mo se objetivam através das atividades relacionadas ao Clube, capazes de evidenciar ainda,
por outro lado, os “elementos constituintes” do representacional conforme esboçados por
Jodelet (2001): “informações, crenças, valores, opiniões, elementos culturais, ideológicos,
etc.” (JODELET, 2001, p. 38). Esses sujeitos emitem opiniões, valorizam, buscam e investem
num elemento cultural, um capital cultural, um objeto imajado15 (MAFFESOLI, 1995) que
cultivam porque ligado a elementos do feixe de significações que integram os brasilienses/
brasileiros como um grupo.

Considerações finais

Foram delineados até aqui os três momentos de reflexão mencionados, que, nesse
ponto do trabalho, pedem que seja feita uma conexão mais efetiva entre eles. O primeiro
momento remete aos investimentos dos professores e alunos no trabalho com o ensino for-
mal, não-formal e informal relacionado ao gênero choro na EBCRR, e, nessa circunstância,
à necessidade não só de conhecer e aprender a executar elementos estruturais desse gênero,
mas também de praticar as rodas de choro mais direcionadas e mais informais que aconte-
cem na escola. Rodas de choro com as quais se identificam, que os fazem se sentirem incen-
tivados em integrá-las por ser natural encontrá-las em vários pontos da cidade. Essa última
afirmação já possibilita observar mais uma vez que se trata aqui do investimento de profes-
sores e alunos num gênero e prática musical que se tornaram um dos capitais culturais e
simbólicos de Brasília, sobretudo, se forem levadas em consideração as representações evi-

146
CLÍMACO, M. M. Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro: interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro em Brasília.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 137-150

denciadas e os dois grandes momentos de significação do gênero choro na cidade, mencio-


nados no início do texto.
Um segundo momento de reflexão já trouxe a percepção da via de mão dupla es-
tabelecida entre as duas instituições que integram de forma básica o “complexo do choro”
brasiliense: o Clube do Choro e a EBCRR. Circunstância de trocas em que o Clube propi-
cia constantes condições de vivência e apreciação do choro tradicional e do choro moderno
aos alunos, a possibilidade de conviver com importantes frutos do “complexo do choro em
Brasília”, como é o caso de Hamilton de Holanda, já citado, a possibilidade de participar de
Workshops com grandes nomes da música nacional. Alunos que, por sua vez, além da fre-
qüência às programações do Clube, usam seu palco para demonstrar a sua prática e inves-
timento no choro.
Já um terceiro momento de reflexão possibilitou identificar representações nos rela-
tos dos alunos e professores que coincidiram, no seu teor, com as representações divulgadas
pelo Clube do Choro em seus sites na Internet (CLÍMACO, 2008). Representações em que o
choro e suas práticas, percebidos aqui como um dos capitais culturais e simbólicos da ci-
dade de Brasília, representam sempre a “genuína música brasileira”, um patrimônio que de-
ve ser cultivado na cidade, aprendido e praticado na EBCRR através do ensino formal, não-
-formal e informal.
É nessa cidade, portanto, em sua condição de capital que num processo metonímico
é capaz de representar o país, segundo reflexões de Pesavento (2002), que seus habitantes di-
videm o significado que remete ao cultivo da “genuína música brasileira”. Música brasileira
que, também num processo metonímico, é representada pelo choro brasiliense e suas práti-
cas. Como já observado, há uma preocupação evidente em aprender as estruturas do choro
e a necessidade de praticar as rodas de choro, mas essa realidade está sempre relacionada à
menção da “genuína música brasileira”. Nessa última conexão outros sentidos brotam, evi-
denciando não só o cultivo do capital cultural que tem uma história em Brasília, mas tam-
bém a presença na cidade de um bem simbólico capaz de contribuir para uma “construção
simbólica do nacional”. Nesse momento Ayres (2004) e Teixeira (2007) podem ser lembra-
dos. O primeiro, por ter afirmado a importância do choro não somente no processo educati-
vo, mas também na formação da consciência do povo brasileiro, por dizer respeito “à nossa
memória e identidade cultural” (AYRES, 2004, p. 32), e o segundo, por lembrar que as duas
instituições ligadas ao choro, em foco nesse trabalho, “resultam de processos híbridos de
construção institucional, virtuosismo artístico, flexibilidade estilística, profissionalismo e
preservação das tradições musicais nacionais” (TEIXEIRA, 2007, p. 43).
Assim, as crescentes filas de espera por vagas na EBCRR estariam relacionadas
com sentidos e significados vários que estão na base da polifonia de vozes que estabelece
o choro na cidade como um capital cultural e simbólico. Do mesmo modo, se de um lado,
o ensino formal, não-formal e informal, tem sentido didático/ metodológico, conforme foi
analisado aqui, de outro lado, essas diferentes modalidades de ensino tem sentido especial
nesse contexto, contribuindo, nas suas especificidades, para que se objetivem os significa-
dos que dão suporte às representações analisadas: conhecer e praticar a “genuína música
brasileira”, mesmo que essa música também interaja com manifestações globais. Música
que deve ser aprendida e analisada na sua parte estrutural e peculiaridades estilísticas, as-
sim como deve ser também praticada nas rodas de choro, para que se cumpra o que se es-
pera do seu cultivo em Brasília. Significados se aglomeram na base desse vetor identitário
dos brasilienses, portanto. Se essa música deve ser racionalizada, aprendida e apreendida,
realizar diálogos diversos, ela nunca deve perder o seu teor significativo, o seu potencial li-
gado a uma ambiência de afeto, de confraternização, dentre os vários elementos que a fazem

147
CLÍMACO, M. M. Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro: interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro em Brasília.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 137-150

ser abordada aqui como um gênero discursivo atualizado na cidade modernista. Um gênero
discursivo que nas suas diferentes possibilidades de atualização apresenta sempre na sua
base uma polifonia de vozes, e, consequentemente, características de estilo de índole con-
textual e individual.

Notas
1
As reflexões sobre os dois momentos de ressignificação do choro em Brasília (CLÍMACO, 2008), no contexto des-
se trabalho, é que possibilitaram denominar as práticas do choro na cidade de práticas significativas.
2
“Genuína música brasileira” – essa expressão foi identificada de forma insistente em vários momentos de uma
pesquisa realizada, que visou o choro como expressão musical no cotidiano de Brasília (CLÌMACO, 2008). Foi
muito pronunciada por Francisco Carvalho de Assis – o six – (antigo chorão muito atuante na cidade e um dos
presidentes do Clube do Choro de Brasília) em vídeos caseiros e outros documentos cedidos por sua família ao
pesquisador; foi pronunciada de forma insistente nas entrevistas realizadas com alunos e professores nas de-
pendências do Clube e da EBCRR; nas entrevistas concedidas por uma figura central do “complexo de choro em
Brasília”: Henrique Santos Filho: o Reco do Bandolim. Foi utilizada com freqüência também nos textos do site
do Clube do Choro de Brasília, em matérias de jornais. Enfim, é uma expressão muito recorrente no cenário mu-
sical brasiliense, muito relacionada à prática do choro.
3
Na perspectiva do tradutor da obra de Bakhtin tomada como referência nesse trabalho (BAKHTIN, 2003, p. 261),
o termo viskázivania, derivado do infinitivo viskázivat, significa “enunciar”, um ato de exprimir, transmitir pen-
samentos, sentimentos pelas palavras (e através de outras formas ligadas a modalidades de linguagem diferentes
da verbal). Nesse contexto significativo, quando menciona “enunciado”, Bakhtin refere-se a objetivações cultu-
rais cujo sentido depende do contexto sócio-histórico a que pertencem e da relação dialógica que estabelecem,
alem de estarem ligadas a um campo específico de atuação. Ao abordar a noção de gênero do discurso (ibidem,
p. 262), observa que “cada campo de utilização da língua elabora os seus tipos relativamente estáveis de enun-
ciados”. Considera, portanto, o gênero discursivo como um tipo relativamente estável de enunciado, que inevi-
tavelmente é atualizado, ressignificado, em outros tempos e/ou novos contextos de interação social.
4
A expressão “Complexo do Choro de Brasília” foi utilizada por Teixeira (2007, 31-32), referindo-se à grande difu-
são do gênero choro na cidade, percebida como resultado do investimento de duas instituições: Clube do Choro
de Brasília e Escola Brasileira de Choro Rapahel Rabelo.
5
Entrevista concedida por Fernando César Vasconcelos Mendes nas dependências da Escola Brasileira de Choro
Raphael Rabello em Brasília, em 03 de dezembro 2006.
6
Para Gainza (1983, p. 14), a improvisação define-se “como toda execução musical instantânea produzida por um
indivíduo ou grupo.” Em um sentido mais amplo, entende que improvisar é sinônimo de jogar musicalmente e, na
abordagem de um sentido mais restrito, entende que “ a improvisação constitui uma atividade submetida a certas
regras que se relacionam tanto com o nível interpretativo (aspectos técnicos expressivos da execução) como com
a capacidade criativa (que determina a seleção, organização e manejo dos materiais musicais) do músico que a
realiza. Fala, na verdade, de um processo de performance e criação musical desenvolvido a partir de um jogo ini-
cial com estruturas sonoras e musicais conhecidas (melodias ritmos, harmonias, formas e estilos) que conduz à
internalização das mesmas e, depois, a um processo gradativo que levará cada vez mais à capacidade de “quebrar”
essas estruturas absorvidas, permitindo uma “posterior recomposição durante o processo de expressão”.
7
A expressão “via de mão dupla” é utilizada nesse artigo visando expressar a interação acentuada que se estabele-
ce entre a Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello e o Clube do Choro de Brasília na efetivação dos processos
de ensino e apreciação musical relacionados ao gênero choro. Existe uma contribuição mútua entre essas duas
instituições.
8
Hamilton de Holanda vivenciou as rodas de choro e interagiu com o Clube do Choro de Brasília desde criança.
Terminou o curso de Composição no Departamento de Música da UnB e é hoje reconhecido pela França e pe-
los músicos Beth de Carvalho e Hermeto Pascoal, como um dos maiores instrumentistas da atualidade. Compôs
choros que denominou de Choro exaltação; Choro jazz, que caracterizam o que foi chamado por Climaco (2008)
de choro moderno. Atualmente tem investido numa música instrumental que afastou muito das características
contextuais do gênero e que, segundo ele, só o tempo permitirá uma classificação (Entrevista observada no ví-
deo O prazer de tocar juntos (S/D)
9
Os capitais cultural, econômico e simbólico são para Bourdieu (2003, p. 133-135), as propriedades atuantes num
campo de produção cultural, são as diferentes espécies de poder ou de capital que nele atuam. Segundo esse au-
tor, “as espécies de capital, à maneira dos trunfos num jogo, são os poderes que definem as probabilidades de
ganho num campo determinado (de fato, a cada campo ou subcampo corresponde uma espécie de capital parti-
cular, que ocorre como poder e como coisa em jogo nesse campo). Por exemplo, o volume do capital cultural (o
mesmo valeria, mutatis mutantis para o capital econômico) determina as probabilidades agregadas de ganho em
todos os jogos em que o capital cultural é eficiente, contribuindo deste modo para determinar a posição no espa-
ço social (na medida em que essa posição é determinada pelo sucesso no campo cultural).”

148
CLÍMACO, M. M. Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro: interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro em Brasília.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 137-150

10
As informações que levaram às representações aqui comentadas são resultantes da análise de entrevistas conce-
didas a Clímaco (2008, p. 271-272) por alunos da EBCRR e da análise de textos integrantes de sites do Clube do
Choro de Brasília.
11
Foram colhidos depoimentos em algumas rodas observadas no pátio da Escola: uma delas, quando os alunos es-
tavam se preparando para tocar na apresentação do Clube em dezembro de 2005, outra em 2006 e outra ainda
quando se preparavam para o workshop com a veterana Odette Dias no final de 2007.
12
Depoimentos colhidos entre alunos nas dependências da Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello em vários
dias e momentos.
13
As representações, de acordo com a fundamentação teórica desse trabalho, são consideradas enunciados.
14
As informações que levaram às representações aqui comentadas são resultantes da análise de textos integrantes
de sites do Clube do Choro de Brasília (CLÍMACO, 2008, p. 271-272).
15
Para Maffesoli (1995), o objeto imajado é aquele que está dado como lembrança de uma imagem primordial, fun-
dante, que transcende o indivíduo e imanentiza-se no grupo estabelecendo a comunhão, trazendo a experiência
de sentimentos, sensações e emoções com o outro pela forma. Objeto emblemático qualquer que mantém coesa
a comunidade, instaurando o coletivo.

Referências

ALMADA, Carlos. A estrutura do choro. Rio de Janeiro: Da Fonseca, 2006.

ANTUNES, Milena Tibúrcio de O Choro: a força de um gênero na capital. Brasília: Universida-


de de Brasília (UnB), 2003. [Trabalho apresentado ao Programa Institucional de Iniciação Cien-
tífica (PIBIC). Departamento de Música, UnB, 2003].

AYRES, Oscar. O gênero choro na educação. Goiânia: Universidade Federal de Goiás (UFG),
2004. [Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Música Brasileira no séc. XX.
Escola de Música e Artes Cênicas, UFG, 2004].

BAKHTIN, Mikhail. Estética da comunicação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

CARVALHO, Guilherme Paiva. Identidade, cultura e música em Brasília. Ciências Sociais


Unisinos, v.51, n.1, jan-abr, p. 10-18, 2015.

CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações sociais. Rio de Janeiro:
Bertrand, 2002.

CLÍMACO, Magda de Miranda. Alegres dias chorões: o choro como expressão musical no co-
tidiano de Brasília. 2008. 393 p. Tese de Doutorado. Brasília, Universidade de Brasília (UnB),
2008.

DE LARA FILHO, Ivaldo Gadelha. O choro dos chorões de Brasília. 2009. 208 p. Dissertação de
Mestrado. Brasília, Universidade de Brasília (UnB), 2009.

GAINZA, Violeta H. de. La improvisacion musical. Buenos Aires: Ricordi, 1983.

GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal e o educador social: atuação no desenvolvimento


de projetos sociais. São Paulo: Cortez, 2010

GONÇÁLVES, Augusto Charan A. B. O ensino do choro no contexto da Escola Raphael Rabello


de Brasília. 2013. 184 p. Dissertação (Trabalho de Mestrado). Brasília. Universidade de Brasília
(UnB), 2013.

GUIMARÂES, Felipe Nunes. O ensino do Bandolim em três contextos letivos de Brasília. 2013.
37 f. Monografia (Licenciatura em Música). Brasília, Universidade de Brasília, 2013.

HOLSTON, James. A cidade modernista – uma crítica de Brasília e sua utopia. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1993.

149
CLÍMACO, M. M. Escola brasileira de choro Raphael Rabello e clube do choro: interação eficaz nos processos de significação e ensino do choro em Brasília.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 137-150

JODELET, Denise. As representações sociais no campo das ciências humanas. Rio de Janeiro:
Ed. Da UERJ, 2001

LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 2010.

MAFFESOLI, Michel. Objeto Imajado. In: MAFESOLI, Michel. A contemplação do mundo.


Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995.

NUNES, Brasilmar Ferreira. Brasília – A fantasia corporificada. Brasília: Paralelo 15, 2004.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS,


2002.

PEREIRA, Erika Ruas. A trajetória do Clube do Choro de Brasília. 2004. 42 f. Monografia (Espe-
cialização em Turismo e Hospitalidade). Brasília, Universidade de Brasília (UnB), 2004.

SEVE, Mário. Vocabulário do Choro – estudos e composições. Rio de Janeiro: Lumiar, 1999

TEIXEIRA, João Gabriel de Lima. A Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello: um estudo de
caso de preservação musical bem sucedida. In Congresso Brasileiro de Sociologia, 12º, 2007,
Recife. Recife: UFPE, 2007.

DVD

O PRAZER de tocar juntos. Produção executiva: J. Procópio. Pesquisa e Produção: Flávio


Carneiro. Produtor Associado: Mário Ligocki. Direção de Arte: Bruna Bittes. Finalização: Fábio
Lima. Produtora: Pavirada Filmes. Extra. DVD. S/D

Sites mencionados:

Disponível em: <http://escoladechoro.com.br/site/>. Acessado em: 29 abril 2015.

Magda de Miranda Clímaco - Doutora em História Cultural pela Universidade de Brasília (UnB) e Mestre em
Música pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Atualmente é professora e orienta trabalhos na Graduação e na
Pós-Graduação da Escola de Música e Artes Cênicas da UFG, é coordenadora do Núcleo de Estudos Musicológicos,
integra o Laboratório de Musicologia Braz W. P. de Pina dessa instituição, o Núcleo Caravelas/CESEM/Universida-
de Nova de Lisboa e o Grupo de Pesquisa/CNPq Arte, Educação e Cultura.

150
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes

Rita de Cássia Domingues dos Santos (Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, Mato Grosso)
rita.domingues@gmail.com
Teresinha Prada (Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, Mato Grosso)
teresinha.prada@gmail.com

Resumo: Este artigo apresenta considerações em torno de duas obras de Gilberto Mendes (1922) sob os pressupostos
da Estética da Impureza de Guy Scarpetta (1985) cuja teoria sustenta a preponderância da mistura nas obras de arte.
Para Scarpetta, a vanguarda primou pela pureza de seus procedimentos, em oposição ao momento seguinte, no qual
prevaleceu o manejo da transversalidade das referências. Für Anette (1993) e Issa (1995) foram escolhidas por serem
da terceira fase composicional de Mendes, que teria sido marcada pela mistura de processos composicionais ao Mi-
nimalismo. É feita uma contextualização do Minimalismo em composições contemporâneas e um exame destas duas
obras pelo viés analítico-musical de Warburton (1988), Schoenberg (1991) e Cervo (2005, 2007).
Palavras-chave: Estética da Impureza; Gilberto Mendes; Vanguarda.

The impurity aesthetics in the analysis of two works of Gilberto Mendes


Abstract: This paper presents considerations over two works of Gilberto Mendes (1922) under the perspective of Im-
purity Aesthetics by Guy Scarpetta (1985) whose theories support the tendency of technique blending in artworks.
To Scarpetta, the avant-garde gave great value for the purity in its procedures, in opposition to the following mo-
ment, in which prevailed the handling of cross-cutting references. Für Anette (1993) and Issa (1995) were chosen
because they are in the Mendes’ third compositional phase, which has been marked by a blending of compositional
processes to Minimalism. A contextualization of Minimalism in contemporary compositions was made, as well as
an examination of these two works by the analytical-musical point-of-view of Warburton (1988), Schoenberg (1991)
and Cervo (2005, 2007).
Keywords: Impurity Aesthetics; Gilberto Mendes; Avant-garde.

Estética de la impureza en el análisis de dos obras de Gilberto Mendes


Resumen: Este artículo presenta consideraciones en torno a dos obras de Gilberto Mendes (1922) bajo los presupues-
tos de la estética de la impureza de Guy Scarpetta (1985), cuya teoría sustenta la preponderancia de la mezcla en
las obras de arte. Para Scarpetta, la vanguardia primó por la pureza de sus procedimientos, en oposición al momen-
to siguiente, en el cual prevaleció el manejo de la transversalidad de las referencias. Für Anette (1993) e Issa (1995)
fueron escogidas por ser parte de la tercera fase composicional de Mendes, que habría sido marcada por la mezcla
de procesos composicionales al minimalismo. Se hace una contextualización del minimalismo en composiciones
contemporáneas y un examen de las dos obras desde el marco analítico-musical de Warburton (1988), Schoenberg
(1991) y Cervo (2005, 2007).
Palabras clave: Estética de la Impureza; Gilberto Mendes; Vanguardia.

Introdução

Este artigo apresenta um recorte da pesquisa em andamento “Ressonâncias mini-


malistas na obra de Gilberto Mendes” e propõe a discussão sobre o desvelamento da Es-
tética da Impureza em sua poética, demonstrando nesta discussão como ocorre a hibri-
dação nos procedimentos composicionais de duas obras de Gilberto Mendes, Für Annet-
te (1993 – para piano) e Abertura Issa (1995 – para orquestra). O termo “poética” é usado
aqui de acordo com a conceituação de Pareyson no livro Os Problemas da Estética. Nesta
obra consta:

(...) uma poética é um determinado gosto convertido em programa de arte, onde por
gosto se entende toda a espiritualidade de uma época (...) uma poética é eficaz so-
mente se adere à espiritualidade do artista e traduz seu gosto em termos normativos
e operativos, o que explica como uma poética está ligada a seu tempo. (PAREYSON,
1997, p. 17-18)

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 01/08/2015 - Aprovado em: 20/10/2015

151
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

Com sua Estética da Impureza, Guy Scarpetta (1946) critica o mito moderno da es-
pecificidade ou a pureza das artes e aborda uma possibilidade de reafirmar as exigências
da invenção sem negar nem o passado, nem a cultura de massa. O paradoxo que Scarpetta
pontua é que a invenção pode também vir do passado: “o arcaísmo também pode, sob certas
condições, produzir outra escolha do que a regressão” (SCARPETTA, 1985, p. 50).
A Estética da Impureza é a negativa da dissertação homogênea, massiva, é o texto
poético sem progressão linear e lógica (oposto da tese), sendo um discurso disperso, deli-
beradamente estilhaçado, com lacunas, perfeitamente alusivo a uma espécie de montagem,
preservando a heterogeneidade e o choque dos seus planos.
A par disso, observamos a possibilidade de existirem características da Estética da
Impureza em grande parte da terceira fase composicional de Gilberto Mendes. Estudos já re-
alizados por Francato e Santos, dentre outros, apontam três fases composicionais distintas
na produção do compositor: Formação (de 1945 a 1959), Experimentalismo (de 1960 a 1982)
e uma última fase de produção (de 1982 a hoje).
De acordo com a pesquisadora Adriana Francato, “pode-se classificar a sua produ-
ção musical em três grandes períodos: Formação (de 1945 a 1959), Experimentalismo (de
1960 a 1982) e Pós-Tudo, como ele mesmo denomina sua última fase de produção (de 1982
a hoje)” (FRANCATO, 2003, p. 6). Abordando a obra pianística de Mendes, Antonio Eduar-
do Santos divide esta produção da seguinte forma: Formação (de 1945 a 1959), Experimen-
talismo (de 1960 a 1982) e a fase da Trans-Formação (após 1982), “marcada por uma nova
sintaxe (...) e para a possibilidade de uma revolução permanente” (SEKEFF apud SANTOS,
1997, p. 9). Acreditamos que estas divisões denotam, principalmente em sua terceira fase
composicional, a questão da Impureza, demonstradas nas duas classificações (Pós-Tudo e
Trans-Formação).
O compositor santista, criador de uma extensa obra, que abarca variado repertório
para instrumentos solistas, voz e piano, música de câmara, peças corais e orquestrais, não
opta pela insistência em uma única tendência, mas, sim, prefere a riqueza da diversidade.
Além do êxito da realização artística de suas obras, Mendes também contribuiu para a re-
novação da música de concerto no Brasil com a criação do Festival Música Nova, sendo sig-
natário do Manifesto Música Nova (1963).
Gilberto Mendes transita com desenvoltura entre os mais diversos sistemas mu-
sicais, observando-se que, a partir de 1982, grande parte de suas obras apresenta algumas
características próprias do minimalismo. Como recorte para este artigo delimitamos duas
obras com formação instrumental bem diversa, uma para instrumento solo (piano) e ou-
tra para orquestra, mas ambas da última década do século XX, século emblemático das
vanguardas.

1. Morte das Vanguardas?

O conceito de vanguarda é de origem militar, conforme Bauman:

Avant-garde significa, literalmente, vanguarda, posto avançado, ponta-de-lança da


primeira fileira de um exército em movimento: um deslocamento que se move na
frente do corpo mais importante das forças armadas – mas permanece adiante ape-
nas com o fim de preparar o terreno para o resto do exército. (BAUMAN, 1998, p. 121)

Ao longo do século XIX o conceito de vanguarda se estendeu a outros campos, prin-


cipalmente para a política e a arte, que lhe deram um significado metafórico. Em relação

152
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

à música “(...) os movimentos de vanguarda musical sucederam-se no período pós-guerra,


mantendo uma forte ligação com o projeto modernista, que se estabeleceu desde o início do
século XX” (IAZZETTA, 2005, p. 233). Scarpetta afirma que “as vanguardas, até uma época
recente, funcionaram segundo uma série de oposições simples, o novo contra o passado, a
invenção contra o academicismo, a ruptura contra a continuidade, a revolução contra a rea-
ção” (SCARPETTA, 1985, p. 8).
Construindo nossa linha de raciocínio, importa contextualizar o sistema composi-
cional ocidental, que pode ser considerado um sistema de prioridades no qual se ordenam
as relações dualistas e antagônicas entre os componentes, e onde a lógica é definida em
termos de oposições: alto/baixo, ascensão/queda, rápido/lento, melodia/acompanhamento,
denso/textura aberta, solo/tutti, mobilidade/imobilidade, som/silêncio. Este sistema de prio-
ridades estabelecia uma série de funções na música clássica como, por exemplo, o tema de
fechamento (closing theme), cuja função era encerrar a exposição do movimento da forma
sonata (NYMAN, 1981, p. 24).
Sobre o século XX, “o século das vanguardas”, após a Segunda Guerra Mundial a
inovação e o experimento na área musical eram dominantes, ensejando entre outros, o inde-
terminismo, a música eletrônica e o ecletismo (SIMMS, 1986, p. 420). O experimentalismo
nova-iorquino teve seu precursor em John Cage (1912-1992) e prosseguiu com Morton Feld-
man (1926-1987) e Christian Wolff (1934), dentre outros.
Na opinião de Scarpetta (1985, p. 14), “após um período do tabu da pureza e do as-
cetismo, impostos pela Vanguarda, poderia ser espontaneamente percebida, ao seu final,
uma liberação com o redescobrimento do sentido do jogo e do divertido, advindo com o mo-
vimento nômade e rizomático que começou a penetrar nas poéticas”.
Na segunda metade do século XX, vários compositores em toda a Europa procura-
ram possibilidades diversas: Olivier Messiaen (1908-1992) elaborou uma arquitetura sono-
ra estática, concebida após incursões pelo canto gregoriano e pelas rítmicas grega e hindu;
e György Ligeti (1923-2006) construiu densas texturas sonoras em obras como Atmospheres
(1961), dentre inúmeras obras que poderiam ser elencadas. Gubernikoff afirma:

A música ocidental se acreditava universal e histórica e baseava sua produção nes-


sas premissas. As músicas do século XX, com a multiplicação das tendências e o re-
conhecimento das músicas de outras culturas mostraram como pode haver inúmeras
possibilidades de se produzir música (GUBERNIKOFF, 1992, p. 14).

Com este amplo leque de possibilidades, observa-se que a concepção de arte não
é mais direcionada pelos conceitos específicos das vanguardas, como “avanço”, “novo”,
“progresso”, “pureza”. De acordo com Costa:

O que ocorre hoje é que há uma descrença nas hipóteses modernistas de progresso
histórico da linguagem e, portanto, da possibilidade de uma produção “correta” ou
“incorreta” deste ponto de vista. A arrogância das vanguardas já não tem lugar. Já não
há critérios válidos, universais, para se avaliar e julgar. (COSTA, 2007, p. 84)

Outro fator que contribui para a queda da vanguarda é a postura dos compositores
do período em não se preocuparem com a comunicabilidade de suas obras. Segundo Salles:

O pouco interesse despertado pela música contemporânea – restrita a festivais espe-


cializados e gravações de pouco apelo comercial – fez com que por vezes fosse atribu-
ída uma “culpa” às inovações técnicas, aos novos paradigmas compartilhados pelos
compositores e iniciados, mas inacessíveis ao grande público. (SALLES, 2003, p. 60)

153
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

Para Scarpetta (1985), a vanguarda primou pela pureza de seus procedimentos, em


oposição ao momento seguinte, no qual prevaleceu o manejo da transversalidade das refe-
rências, conectado também à comunicação de massa.1
Gilberto Mendes tem a sua segunda fase composicional marcada pelo experimen-
talismo típico da vanguarda (1960-1982). Na sua terceira e atual fase composicional ele se
posiciona em reportagem no jornal Estado de São Paulo (6 de agosto de 2004) a favor da co-
municabilidade através da mistura de diversas técnicas, sem descartar as contribuições da
vanguarda.

Continuo usando as técnicas que adquiri experimentando uma neue musik dar-
mstadtiana, mas para fazer uma outra música nova, mais nova para mim, mais li-
gada à comunicação de massa. Uma música semântica, às voltas com significados
musicais. Uma experiência agora com linguagens diversas, de todos os tempos e
lugares, em continuidade, sobrepostas, transfiguradas... (MENDES apud COSTA,
2007, p. 76)

Ramaut-Chevassus (1998) descreve o surgimento de um conjunto de técnicas que


diz respeito a uma compreensão da música em torno do eclético e do híbrido e Buckinx
classifica alguns estilos diferentes, todos com o uso de técnicas como meio de estabelecer
vínculos com a audiência (BUCKINX, 1998, p. 62-63). O minimalismo, que surgiu no bojo
do Moderno, traz à tona a discussão sobre simplicidade e complexidade, e o pós-minimalis-
mo retoma a questão dos vínculos com a audiência.

2. Minimalismo e pós-minimalismo

Nos anos sessenta, surge o conceito “Minimal Art” e que diz respeito inicialmente
às artes visuais, destacando-se o trabalho pioneiro de artistas tais como Sol Le Witt, Carl
André e Donald Judd (SANTOS, 2004, p. 49-50). Paralelamente, outro predecessor foi o mo-
vimento da “concept art” que, com La Monte Young (1935), concebia a obra musical apenas
como conceito (BUCKINX, 1998, p. 34).
De acordo com Nyman (1981, p. 119), La Monte Young era atraído por aspectos
das composições de Anton Webern (1883-1945), sendo que o clima estático que ele viu
em Webern, também encontrou na música fora da tradição ocidental. Segundo Kostka
(1999, p. 296), a música minimalista, aliás, também denominada por este autor de músi-
ca processual, música sistêmica e música repetitiva, teve raízes em alguns trabalhos que
Cage, Wolff e Feldman compuseram nos anos 50. Ainda sobre este tema, Grout e Palisca
afirmam:

A partir de 1956, Cage foi se aproximando cada vez mais da abertura total em todos
os aspectos da composição e da execução, construindo as partituras por métodos in-
teiramente aleatórios (...). O termo entropia, da termodinâmica e da ciência da infor-
mação, é por vezes utilizado para caracterizar a organização absolutamente aleató-
ria que é um dos extremos da música indeterminada. O oposto é a redundância, a
redução ao mínimo de informação através da igualização e da repetição extremas.
Foi este o caminho que tomou uma corrente musical denominada minimalismo.
(GROUT & PALISCA 2001, p. 751)

Este termo, minimalismo, foi aplicado à música na década de setenta referindo-se


a várias práticas composicionais utilizadas desde o início dos anos sessenta, em particular

154
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

em Nova York e São Francisco, e cujas características (harmonia estática, ritmos e repetição
padronizados) buscavam reduzir a gama de elementos compositivos. (SADIE, 1994, p. 607)
Seus precursores foram o já citado La Monte Young, além de Terry Riley (1935), Steve Reich
(1936) e Philip Glass (1937). Neste período estes compositores criaram obras frequentemen-
te denominadas minimalistas, muito embora afigure-se inadequado um único termo para
descrever estilos tão diversos quanto os deles. Todavia, as características unificadoras do
estilo de suas composições são: repetição e ostinato (portanto “mínima” em materiais com-
posicionais), melodias e harmonias diatônicas, improvisação controlada e longa duração
(SIMMS, 1986, p. 421-422).
Os minimalistas estadunidenses, em suas obras, traçam paralelos com inumeráveis
músicas étnicas não ocidentais cujas características mais notáveis são a repetição e a evo-
cação de um sentimento ritual. Neste sentido pode-se citar o interesse de Reich pelos tam-
bores africanos e o encanto de Glass pela ciclicidade da música indiana. (ANTOKOLETZ,
1992, p. 499-500) Young e Riley envolveram-se de diferentes modos com a música indiana,
enquanto seu conterrâneo Reich era simpático às estruturas rítmicas da África e da música
balinesa. Em contraste a isto, os compositores minimalistas europeus apresentavam a ten-
dência de utilizar material dos clássicos ocidentais (NYMAN, 1981, p. 135-136).
Como se pode observar, não existe uma única definição, amplamente aceita e con-
sagrada, do que seja o minimalismo em música. Diante disso, o que se pode constatar é o
uso de procedimentos ou técnicas composicionais minimalistas, como indícios que condu-
zem a esta discussão de terminologias, ainda em suspensão.
Continuando com mais pontos de vista, Ross vê no minimalismo uma espécie de
crítica silenciosa à contemporaneidade. Em seu livro cita um estudo cultural de Robert
Fink sobre este movimento:

(...) É comum a música repetitiva prover um conhecimento, um alerta, uma defe-


sa – ou até mesmo uma simples emoção estética – em face da infinidade de rela-
ções repetitivas que, na moderna sociedade capitalista de consumo, todos enfren-
tamos cada vez mais (e cada vez mais e cada vez mais...). Nós nos repetimos dentro
da nossa cultura. Talvez possamos nos repetir para sair dela. (FINK apud ROSS,
2009, p. 536)

Há autores que enfatizam o caráter processual da música minimalista, como por


exemplo, Mertens, segundo o qual no minimalismo a ideia da obra é substituída pela ideia
de processo, pois este tipo de música não seria estruturada na forma de uma narrativa nem
tampouco expressaria subjetividade (MERTENS, 1983, p. 88).
No território do minimalismo, a função da teleologia na música ocidental é revista.
Em seu texto Repeating Ourselves: American Minimal Music as a Cultural Practice (2005),
Fink, partindo de um novo olhar sobre músicas repetitivas, ou seja, minimalismo e músi-
cas de pulsação regular, nos oferece uma alternativa ao impasse quanto à questão de deter-
minação da chegada a algum lugar, geralmente a um clímax ou algo equivalente, propon-
do uma variedade de teleologias que ele chama de “teleologias recombinantes”. De acordo
com Simms:

Minimalismo tem exercido enorme influência entre outros americanos e composi-


tores europeus da década de 80. Na Inglaterra, Gavin Bryars e Michael Nyman têm
utilizado elementos minimalistas para continuar o espírito de improvisação de Cage
e Cardew. A música do compositor holandês Louis Andriessen (incluindo De Staat,
De Tijd e Hoketus) usa ostinatos minimalistas, e Glenn Branca e Paul Dresher fazem
a fusão dos estilos minimalista e rock. (SIMMS, 1986, p. 428)

155
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

Neste contexto, acerca da influência exercida pelo minimalismo também em com-


positores brasileiros, alguns merecem especial destaque, como Gilberto Mendes, Rodolfo
Coelho de Souza (1952) e Dimitri Cervo (1968), mas de uma maneira transfigurada, diferen-
te do “minimalismo americano” dos anos iniciais, que nos levaria a indagar sobre um pos-
sível pós-minimalismo localizado e, por extensão, a um pós-minimalismo brasileiro.
Sobre o pós-minimalismo, Ross afirma que “Kyle Gann cunhou o termo ‘pós-mini-
malismo’, que ele descreve como uma espécie de música tonal de pulsação estável que não
se define como um processo de controle como a assincronia de Reich ou os ritmos hipnóti-
cos de Glass” (ROSS, 2009, p. 546). O termo pós-minimalismo foi usado pela primeira vez
pelo crítico John Rockwell no New York Times em 1981, sendo que em 1983 ele se referiu a
John Adams como “pós-minimalista” ao descrever sua obra Grand Pianola Music. Esta é ba-
seada em uma pulsação rítmica constante, mas com momentos complexos (GANN in POT-
TER, Keith; et all, 2013).
O editor deste jornal à época, Jon Pareles, tentou uma definição curta sobre pós-
minimalismo como sendo o processo composicional que “usa a repetição para a textura e
não para a estrutura, abrangendo os sons do jazz e clássicos” (PARELES,1983, p. 64). Cervo
também associa a origem deste termo a Adams e Schwarz:

Enquanto nos anos 1970 já existia um debate nas artes visuais a respeito de Mini-
malismo e Pós-Minimalismo, a ideia de pós-minimalismo em música foi concebida
muito mais tarde, na década de 1980. Pós-minimalismo em música foi originalmen-
te associado com a produção do compositor norte americano John Adams, que come-
çou a usar o termo ocasionalmente, denominando a si mesmo como um compositor
pós-minimalista. O crítico musical, e estudioso do Minimalismo, K. Robert Schwarz
mais tarde acolheu o termo e passou a adotá-lo. (CERVO, 2007, p. 36)

Este autor defende que no Quarteto de Cordas n° 2 (1988) de Nyman, bem como
nas obras La región más transparente (1982) de Leo Brouwer; Stabat Mater (1985) de Part;
Harmoniewerke (1986) de Adams, Viva Villa (1987) e A Lenda do Caboclo A Outra (1987) de
Gilberto Mendes, Tristes Trópicos (1990) de Rodolfo Coelho de Souza e na sua Abertura e
Tocata (1995 - Cervo) é possível distinguir três fatores comuns entre si e estranhos ao Mini-
malismo estrito dos anos iniciais (1964 a 1976): mistura de outros procedimentos composi-
cionais com o minimalismo, relevo na expressividade melódica e estas obras são estrutura-
das em seções contrastantes, com quebra do senso de continuidade do minimalismo estrito
dos anos iniciais (CERVO, 2007, p. 40-44).
Dentre estes três fatores, o que nos parece ser o fator mais marcante nas obras de
Mendes, em foco, é o que remete à Estética da Impureza com citações e mistura de proce-
dimentos composicionais, pois vemos que Gilberto Mendes procede dessa maneira acentu-
adamente nesta terceira fase, conforme vários estudos apontam. Antonio Eduardo Santos
disserta sobre o antropofagismo na obra pianística deste compositor (1997). Estas caracterís-
ticas de Mendes são abordadas no artigo O Limiar da pós-modernidade na obra de Gilberto
Mendes (Santos, 2005), sendo também apontadas na dissertação de Vera Lúcia Peres As ca-
racterísticas pós-modernas na obra Rimsky de Gilberto Mendes (2010), além do próprio livro
de Gilberto Mendes, Uma Odisseia Musical (1994), onde ele discorre fartamente sobre seus
procedimentos composicionais híbridos.
Veremos neste artigo como Mendes ressignifica o minimalismo quebrando o pa-
drão de repetição com rupturas, introduzindo seções contrastantes, que apesar disto se
“harmonizam” perfeitamente com o texto musical que vinha anteriormente. Passaremos en-
tão agora a discutir como estes aspectos “pós-minimalistas” se mostram nas obras brasilei-
ras em questão através de superposições e articulações.

156
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

3. Análise da obra Für Annette

Für Annette (1993 – para piano) foi escrita para a cravista belga Annette Sachs, ten-
do sido estreada por Antonio Eduardo Santos no XXIX Festival Música Nova, em agosto
de 1993. Esta obra é um tríptico formado por três miniaturas (que denominaremos Peça I,
Peça II e Peça III).
O destaque na expressividade melódica desta obra pode ser observado na Peça I.
Sobre esta obra, Gilberto Mendes comenta em seu livro que a música de Brian Easdale com-
posta para o filme Sapatinhos Vermelhos, especialmente seu melodismo sobre o acorde de
sétima maior, inspirou a abertura de Für Annette (MENDES, 2013, p. 31-33).
A melodia principal é antiga, Gilberto Mendes a usou no ano de 1968 na trilha mu-
sical da peça infantil “As beterrabas do Sr. Duque”, de Oscar Von Pfuhl. Na Peça I, de acor-
do com Santos:

(...) escrita em A A’, em andamento de valsa lenta, cuja harmonia, forçadamente estra-
nha à melodia, gera uma atmosfera misteriosa que o compositor afirmou-nos ser uma
‘lembrança que deixou um clima harmônico que envolvia a música do famoso cult
movie Sapatinhos vermelhos, uma produção inglesa do final da década de 1940, com
a bailarina Moira Shearer. (SANTOS, 1997, p. 123)

Ocorre a fusão neste agenciamento composicional de outras tendências com o mi-


nimalismo (que aparecerá claramente só na segunda peça), ou seja, a possível presença da
Estética da Impureza, que já surge na Peça I com o uso de leve matiz jazzístico na coda
(compassos 15 a 19).

Figura 1: Coda da Peça I (compassos 15 a 19) da obra Für Annette, de Gilberto Mendes.

A segunda peça não tem notação de andamento, tem 25 compassos, usando a repe-
tição por módulo que se apresenta por variações mínimas, gradualmente.
Segundo Santos, a Peça II se desenvolve a partir de um motivo melódico encontra-
do no compasso 180 da obra Estudo Magno, também de 1993, de Gilberto Mendes (SANTOS,
1997, p. 123).
De acordo com a nomenclatura de Warburton (1988), esta obra foi construída com
técnicas de processo aditivo linear e textural. O compositor interpola os processos de repe-
tição iniciais com variações melódicas e harmônicas do motivo inicial até chegar, no com-
passo 11, à sua liquidação neste trecho, restando apenas elementos residuais que pouco pos-
suem em comum com o motivo básico (SCHOENBERG, 1991, p. 59).2

157
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

Figura 2: Compasso 11 da Peça II da obra Für Annette, de Gilberto Mendes.

Conforme Santos, este compasso 11 servirá de ponte para uma nova seção, surgin-
do “com uma nova atmosfera harmônica, à maneira medieval, até chegar a um acorde per-
feito maior em quintas e quartas no compasso 12 que, segundo o compositor, reforçam o
aspecto medieval por ele idealizado” (SANTOS, 1997, p. 124). Este procedimento reiteraria
a Estética da Impureza de Scarpetta, que conclama o uso de ambiências de outras épocas,
numa colagem irrestrita e plural.

Figura 3: Compassos 12 e 13 da Peça II da obra Für Annette, de Gilberto Mendes.

No compasso 12, os processos aditivos texturais (WARBURTON, 1988) são retoma-


dos a partir de uma nova variação do motivo melódico inicial.
A Peça III, segundo Santos, tem “(...) clima harmônico que, segundo o próprio com-
positor, pretende remeter às suas lembranças de música alemã da década de 1930 e às can-
ções que o mestre ouvia nos filmes musicais da antiga UFA” (SANTOS, 1997, p. 125,126).
Esta parte abandona o caráter minimalista, tem forma AB, com 53 compassos, é for-
mada por blocos (a, b, c, d, b, c, c, e) e tem um ritmo de “valsa swing” constante no baixo,
mais um jogo de mistura (livre apropriação de gêneros – no caso aqui o jazz), no que se po-
de aludir novamente à presença da Estética da Impureza.
Assim, concluindo, Für Anette é estruturada em três peças com seções contrastan-
tes, com quebra do senso de continuidade do minimalismo estrito dos anos iniciais, carac-
terizando a tendência pós-minimalista. Apesar desta quebra, a consistência composicional
é garantida pela “atmosfera impressionista, em contraste com o clima de cabaré expressio-
nista na antiga Friedrichstrasse da Berlim do início da década de 1920, que percorre toda a
peça” (SANTOS, 1997, p. 126).

4. Análise da Abertura Issa

Em 1995 Gilberto Mendes compôs a Abertura para a Ópera Issa, que teria libreto
de Décio Pignatari. Não foi possível escrever a ópera, mas a abertura fez sucesso, sendo exe-
cutada como peça autônoma. Como o personagem principal da ópera seria o poeta budista

158
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

Issa, grande hacaísta japonês, Mendes construiu esta obra com feições minimalistas, traba-
lhando na terceira parte com uma melodia extraída da escala Ritsu do Gagaku. O composi-
tor santista comenta sobre o Gagaku em seu primeiro livro: “Estou pensando no Gagaku, a
velha música da corte imperial japonesa, que no passado era interditada ao povo em geral,
música reservada, só para iniciados em sua linguagem, depois de fazerem um curso para
sua compreensão e prática” (MENDES, 1994, p. 61).
A Abertura Issa é dividida em três grandes partes (dez seções: A até I) e não se ba-
seia em processos sistemáticos de repetição em sua totalidade, muitas vezes limitados a par-
tes ou trechos, combinando técnicas composicionais do minimalismo estadunidense com
linhas melódicas expressivas.
O compositor utilizou-se basicamente na primeira parte da obra do processo aditivo
(subtrativo) textural que, de acordo com Cervo, consiste em:

(...) adicionar vozes, uma a uma, até o ponto em que toda textura se completa (...).
A ideia de uma textura que se incrementa (ou se extingue) gradualmente tem muitos
antecedentes na música ocidental, mas a maneira pontual como os compositores mi-
nimalistas a utilizaram, subjugando a técnica a um processo gradual, criou efeitos
tímbricos de grande variedade, riqueza e sofisticação (...) Assim, o timbre ganha uma
importância estrutural de relevância na música minimalista, já que ele é um elemen-
to que pode variar de forma bastante rica e complexa, enquanto outros elementos de
um processo de repetição permanecem estáticos. (CERVO, p 41, 2005)

Tem três elementos estruturais, que dividem a obra em três partes distintas, confor-
me discutiremos na análise.
O primeiro elemento estrutural da obra é o motivo básico 1 (ver figura 4). Na pri-
meira parte desta obra notam-se onze variações do motivo básico 1, que aparecem nos com-
passos 12, 31, 41, 47, 79, 85, 96, 116 e 117, 137, 142. Estas variações sistemáticas do motivo
básico minam o território usual do minimalismo, que é o padrão da repetição ostensiva com
o mínimo de variações. Devido ao espaço exíguo, demonstraremos apenas algumas varia-
ções. A análise completa se encontra na dissertação A Abertura da Ópera Issa, de Gilberto
Mendes (SANTOS, 2005).

Figura 4: Motivo básico 1 da Abertura Issa, de Gilberto Mendes (primeiro elemento estrutural da obra).

Os Motivos 1.1 e 1.2 aparecem no compasso 12. São motivos apresentados em oita-
vas diferentes com variação rítmica e de articulação, com adição de contratempos e repeti-
ção de elementos.

159
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

Figura 5: Motivos 1.1 e 1.2 da Abertura Issa de Gilberto Mendes.

O Motivo 1.3 aparece no compasso 31, com variação rítmica, melódica e timbrísti-
ca, apresentada nos primeiros violinos.

Figura 6: Motivo 1.3 da Abertura Issa de Gilberto Mendes.

No compasso 79 o Motivo 1.6 aparece com variação no tratamento dos intervalos,


de melódicos para harmônicos, e adição de outros sons (Lá bemol, Mi bemol e Si). O Moti-
vo 1.7 aparece no compasso 85 como variação do motivo 1.6, com defasagem no ataque da
voz superior do piano.

Figura 7: Motivos 1.6 e 1.7 da Abertura Issa de Gilberto Mendes.

O Motivo 1.13, no compasso 173, apresenta variação melódica do motivo básico 1,


transposta meio tom abaixo.

160
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

Figura 8: Motivo 1.13 da Abertura da opera de Issa de Gilberto Mendes.


Mendes agencia, na primeira parte da Abertura Issa, inúmeras variações e ainda
usa este motivo inicial para criar o segundo elemento estrutural da obra, uma frase do oboé
que irrompe após uma grande pausa e término da seção minimalista. Assim o Motivo 1.14,
no compasso 176, compõe o início da frase do oboé com variação melódica e timbrística do
motivo básico 1, transposta meio tom abaixo.

Figura 9: Motivo 1.14 da Abertura Issa de Gilberto Mendes.

O Motivo 1.15, no compasso 179. Apresenta variação do motivo 1.14, retrógrada


com omissão de Mi e adição de Dó, sendo que compõe a continuação da frase do oboé.

Figura 10: Motivo 1.15 da Abertura Issa de Gilberto Mendes.

Estas variações são agenciadas de inúmeras maneiras: por variação rítmica e de ar-
ticulação; por variação melódica e timbrística; por variação no tratamento dos intervalos, de
melódicos para harmônicos; por supressão (fragmento) ou ampliação (acréscimo de sons);
etc.. A intensa atividade rítmica da superfície na primeira parte desta obra sugere uma pai-
sagem territorial musical vivaz, numa espécie de moto-contínuo e um fluxo intermitente de
figurações rítmicas. Esses padrões geralmente são mantidos por largos períodos de tempo,
sendo algumas vezes superpostos, defasados (como no caso das vozes do piano), ou ainda
gradualmente modificados.
Na segunda e na terceira partes desta obra observar-se-ia mais claramente a Estéti-
ca da Impureza. Assim, na seção H (compassos 168 e 169 - segunda parte), após uma grande
pausa, ocorre mudança de andamento e caráter, surgindo o segundo elemento estrutural da
obra, uma frase melódica no oboé que foi construída com uma variação transposta retrógra-

161
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

da do motivo 1. Nota-se que esta frase usa uma escala assemelhada ao modo mixolídio (pois
polariza em Sol e tem o Fá natural), mas o acompanhamento apresenta acordes com notas
que não são contempladas neste modo, caracterizando assim, mais uma vez, indícios da
Estética da Impureza deste trecho. Isto porque nenhum material musical usado neste tre-
cho é “puro”: o modo mixolídio está com alterações, e ocorre a quebra total com os procedi-
mentos minimalistas anteriores, caracterizando o novo trecho como de textura de melodia
acompanhada, com as outras linhas acompanhando homofonicamente, realizando acompa-
nhamento harmônico, procedimento totalmente diverso do que vinha anteriormente e que
não foi preparado, ocorrendo abruptamente após a grande pausa, como se fosse outra paisa-
gem sendo descortinada.

Figura11: Compasso 172 a 182- segundo elemento estrutural da Abertura Issa, de Gilberto Mendes.

O acompanhamento desta frase é executado pelo fagote apresenta a quinta aumen-


tada, descaracterizando o modo mixolídio.

Figura 12: Acompanhamento do segundo elemento estrutural da Abertura Issa de Gilberto Mendes.

Na terceira parte (seção I, compassos 190 a 218) a obra apresenta o terceiro elemen-
to estrutural, uma frase executada pelas trompas.3
Acreditamos que o caráter oriental da melodia se deva a seus dois primeiros com-
passos, que lembram a escala Ritsu do Gagaku. Esta escala é pentatônica, mas o composi-
tor constrói a frase com notas além da escala pentatônica (compasso 192), e cria uma remi-
niscência tonal, que logo é esmaecida pelos contornos vagos da frase, apresentando assim o
sincretismo da Estética da Impureza.
Portanto, aqui também fica clara a proposta de ecletismo e impureza de Mendes,
pois usa a escala Ritsu não com seu caráter solene e religioso, mas com lacunas na escala
que são preenchidas estrategicamente com alturas que remetem ao sistema tonal, sistema
este que não tem nada a ver com o pentatonismo da escala Ritsu que originou esta seção,
como podemos observar na frase das trompas que constitui o terceiro elemento estrutural
da Abertura Issa.

Figura 13: Escala Ritsu do Gagaku.

162
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

Figura 14: Compassos 190 a 198 - Terceiro elemento estrutural da Abertura Issa de Gilberto Mendes.

Gilberto Mendes finaliza a obra com um acorde menor com sétima menor, meio
tom abaixo do acorde anterior. A mistura de linguagens e este cromatismo harmônico
são marcantes na poética deste compositor, como podemos encontrar em seu livro Uma
Odisséia Musical.

Aprendi com Cole Porter o cromatismo que evoca paragens e estados de além distan-
tes, que também encontramos em Kurt Weill e, pasmem, Schubert, que acabaria re-
sultando em música havaiana de Hollywood... O Friedrich Hollaender ‘von Kopf bis
Fuss’ utiliza (não ele, na verdade, mas o fabuloso arranjador Peter Kreuder, ao piano...)
uma concatenação de acordes também utilizadas por Hanns Eisler em Vom Sprengen
des Gartens, marcante no estilo musical da época. (MENDES, 1994, p. 22-23)

Esta obra é estruturada em seções contrastantes, com a grande pausa no final da se-
ção G, gesto característico de obras minimalistas, que ocorre como uma finalização abrupta
e inesperada, sugerindo a ideia de parada antes de iniciar a segunda parte. O destaque na
expressividade melódica é acentuado na segunda e terceira partes. Nota-se também nesta
obra a mistura de outros procedimentos composicionais com o minimalismo.

Considerações finais: Gilberto Mendes, Impureza e Pós-Minimalismo

Teorias culturais, como a de Guy Scarpetta, costumam fornecem subsídios para a


abordagem das Artes e deixam possibilidades abertas para a intuição de outros processos,
uma espécie de atualização de pressupostos. As superposições decorrentes devem ser tra-
duzidas em termos que convidem não ao abandono dos complexos teórico-históricos ante-
riores, mas que conduzam nossa atenção à coexistência de diversas possibilidades teóricas.
Assim, os termos impureza e mistura podem aludir, em geral, ao que os criadores assumem
como referências pari passu a seus propósitos originais.
Através do estudo e análise destas duas obras de Mendes pode-se perceber a mis-
tura de seus procedimentos pelo viés da Estética da Impureza defendida por Scarpetta, cor-
roborando o uso do conceito de pós-minimalismo, já que este surge com a marca da impu-
reza, no território desta.
Encontramos nestas duas obras os três fatores elencados por Cervo e diversos do
Minimalismo inicial: mistura de outros procedimentos composicionais com o minimalis-
mo, destaque na expressividade melódica e que estas obras são estruturadas em seções con-
trastantes, com quebra do senso de continuidade do minimalismo estrito dos anos iniciais.
Mendes na sua Abertura Issa mistura elementos musicais totalmente diversos co-
mo o uso de técnicas minimalistas na primeira parte da obra e o uso da escala Ritsu do
Gagaku na terceira parte. Apresenta inúmeras variações motívicas na primeira parte, ape-

163
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

sar de usar o processo aditivo (subtrativo) textural do minimalismo, e uma quebra de conti-
nuidade a partir de grande pausa e introdução de linhas melódicas expressivas na segunda
e na terceira parte da obra.
A Estética da Impureza, diferentemente das vanguardas radicais, aceita o passado
e a cultura de massa, e isto dá fundamentos teóricos para que possamos ver indícios desses
agenciamentos, como se observa na abertura da obra Für Annette, inspirada na música de
Brian Easdale composta para o filme Sapatinhos Vermelhos, além do uso de leve matiz ja-
zzístico na coda. Observa-se também em Für Annette o destaque na expressividade melódi-
ca e a mistura de outras tendências composicionais com o minimalismo, sendo estas obras
estruturadas em seções contrastantes, características do pós-minimalismo.
O compositor encara neste período o sistema atonal como uma expansão do siste-
ma tonal e suas obras desta época revelam seu singular imaginário musical, que vai desde
as lembranças fugazes do filme que inspirou Für Annette até a corte imperial japonesa, ex-
pressando a individualidade do compositor, com cunho quase autobiográfico.
A análise destas duas obras corrobora o escopo da pesquisa em andamento “Res-
sonâncias minimalistas na obra de Gilberto Mendes”. Isto porque nesta tese perscrutamos
como Mendes usa o minimalismo em sua terceira fase composicional, com agenciamentos
prenhes de impureza, descortinando um pós-minimalismo brasileiro. Conforme Mendes
pontua em seu artigo Do velho Jazz ao Rock and roll há um “inestimável lucro que traz a
mistura impura, vale dizer, o intercâmbio cultural.” (MENDES, 2013, pp 163-166).
Observa-se também em Für Annette e na Abertura Issa o destaque na expressivi-
dade melódica e a mistura de outras tendências composicionais com o minimalismo, sen-
do estas obras estruturadas em seções contrastantes, características do pós-minimalismo.
Combinando tendências composicionais do minimalismo estadunidense com linhas me-
lódicas expressivas, Gilberto Mendes mobiliza a Estética da Impureza para criar uma obra
que remete ao pós-minimalismo, como algumas obras de Arvo Part ou de John Adams,
por exemplo.
O estudo destas duas peças nos leva a considerar ser esta sua terceira fase compo-
sicional um período onde se sobrepõem ressonâncias minimalistas a uma química de lin-
guagens múltiplas e de mistura de protocolos, navegando Gilberto Mendes entre estilos di-
versos sob o signo da liberdade criadora, com obras ímpares ricamente impuras e significa-
tivas. Este é o seu mister, e ele o faz com maestria.
A nossa pesquisa se abre a outra questão subjacente, a discussão acerca do denomi-
nado minimalismo (e seu pós) se configurar como um termo adequado para descrever es-
tilos tão diversos quanto os de tantos compositores e de países/origens diferentes. Se existe
um minimalismo chamado ora americano ora estadunidense e um europeu (vasto território),
onde nos encaixaríamos por estes termos? Poderíamos afirmar a vigência de um pós-mini-
malismo brasileiro? Com certeza a problemática entrará no campo da cultura contemporâ-
nea para poder pontuar diferenças de poéticas ainda que com as feições de nosso entorno.

Notas
1
Acerca da opinião de Scarpetta sobre a autodestruição das vanguardas, consultar páginas 13 a 16 do seu livro
L’IMPURETÉ (1985).
2
Arnold Schoenberg escreveu Fundamentals of Music Composition em 1967. Conforme a edição brasileira tradu-
zida por Eduardo Seincman (1991, p. 59): “A liquidação é um processo que consiste em eliminar gradualmente
os elementos característicos, até que permaneçam, apenas, aqueles não característicos que, por sua vez, não exi-
gem continuação”.

164
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

3
Sobre esta melodia, segundo o compositor Gilberto Mendes: “Vai chegando ao fim... E aí engata uma segunda
melodia que finaliza... Uma melodia bem japonesa... e bem ocidental também, uma mistura das duas coisas.
A música vai terminar aí, a orquestra fazendo... uma coisa meio havaiana.” Trecho de entrevista dada pelo com-
positor Gilberto Mendes apud SANTOS, 2005, p. 79.

Referências

ANTOKOLETZ, Elliot. Twentieth-Century Music. New Jersey: Prentice-Hall, 1992.

BAUMANN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

BUCKINX, Boudewijin. O Pequeno Pomo. Tradução: Álvaro Guimarães. São Paulo: Giordano,
1998.

CERVO, Dimitri. O Minimalismo e sua Influência na Composição Musical Brasileira Contempo-


rânea. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2005. 

CERVO, Dimitri. Minimalismo e Pós-minimalismo: distinções necessárias. In: Debates, n.9,


p. 35-50, 2007.

COSTA, Rogério. Reflexões sobre a situação da música brasileira no início do século XXI: quan-
do a ideologia é um obstáculo para a criação. In: Debates, n.9, p. 73-85, 2007.

FINK, Robert. Repeating Ourselves: American Minimal Music as Cultural Practice. California:
University of California Press, 2005.

FRANCATO, Adriana A. Asthmatour de Gilberto Mendes: elaboração de partitura oficial super-


visionada pelo compositor. Dissertação de mestrado. USP, São Paulo, 2003.

GANN, Kyle. A Technically Definable Stream of Postminimalism, Its Characteristics and Its
Meaning. In: POTTER, Keith; GANN, Kyle; SIÔN, Pwyll ap. The Ashgate Research Companion
to Minimalist and Postminimalist Music. England: Ashgate, 2013.

GROUT, Donald J. e PALISCA, Claude V. História da Música Ocidental. 2. ed. Tradução: Ana
Luisa Faria. Lisboa: Gradiva, 2001.

GUBERNIKOFF, Carole. Música e representação das durações aos tempos. Rio de Janeiro:
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1992. Tese (Doutorado).

IAZZETTA, Fernando. Além da Vanguarda Musical. In: GUINSBURG, J. e BARBOSA, Ana


Mae (Orgs.). O Pós Modernismo. São Paulo: Perspectiva, p. 227-245, 2005.

MENDES, Gilberto Uma Odisséia Musical: dos Mares do Sul à Elegância Pop/ Art Déco. São
Paulo: EDUSP; Giordano, 1994.

MENDES, Gilberto. Música, Cinema do Som. São Paulo: Perspectiva, 2013.

MERTENS, Win. American minimal music. New York: Alexandre Broude, 1983.

NYMAN, M. Experimental Music: Cage and beyond. NY: Schirmer Books, 1981.

PARELES, Jon. “Music: Six at La Mama”. The New York Time, 06/03/1983.

PAREYSON, Luigi. Os Problemas da Estética. 3. ed.Tradução: Maria Helena Nery Garcez. São
Paulo: Martins Fontes, 1997.

PERES, Vera Lúcia Rocha Pedron. As características pós-modernas na obra Rimsky de Gilberto
Mendes. Dissertação de mestrado. ECA- USP, São Paulo, 2008.

165
SANTOS, R. C. D.; PRADA, T. Estética da impureza na análise de duas obras de Gilberto Mendes.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 151-166

RAMAUT- CHEVASSUS, B. Musique et postmodernite. Paris: PUF, 1998.

ROSS, Alex. O Resto é Ruído.... Tradução: Claudio Carina e Ivan Weisz Kuck. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 2009.

SADIE, Stanley. The new Grove dictionary of music and musicians. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1994.

SALLES, Paulo de Tarso. Aberturas e Impasses: o pós-moderno na musica e seus reflexos no


Brasil... São Paulo: Ed. UNESP, 2005.

SANTOS, Antônio Eduardo. O Antropofagismo na Obra Pianística de Gilberto Mendes. São Pau-
lo: Annablume, 1997. 

SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é o pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 2004.

SANTOS, Rita de Cássia Domingues. A abertura ISSA, de Gilberto Mendes: edição de partitura
e contextualização. Dissertação de mestrado. Escola de Comunicação e Artes - ECA da Univer-
sidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2005.

SCARPETTA, Guy. L’IMPURETÉ. Paris: Grasset & Fasquelle, 1985.

SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da composição musical. Tradução: Eduardo Seincman.


São Paulo: Universidade de São Paulo, 1991.

SIMMS, Bryan R. Music of the twentieth-century: Style and Structure. New York: Schirmer
Books, 1986.

WARBURTON, Dan. A working terminology for Minimal Music. Integral, v.2, 1988.

Rita de Cássia Domingues dos Santos - Bacharel em Composição e Regência pela UNESP; Mestre em Artes pela
ECA-USP e doutoranda do Programa de Estudos de Cultura Contemporânea da UFMT (ECCO); docente da licencia-
tura em Música da UFMT e coordenadora do subprojeto PIBID; membro da Society for Minimalist Music, participa
do Núcleo de Estudos de Composição e Interpretação da Música Contemporânea - UFMT; e do grupo de pesquisa
Música e Educação da UFMT.
 
Teresinha Prada - Bacharel em Música pela Universidade Estadual Paulista - UNESP; Mestre em Comunicação e
Cultura pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina - PROLAM e Doutora em História Cul-
tural, ambos pela Universidade de São Paulo - USP; professora associada da graduação em Música e do Programa
de Pós-graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT.

166
SOBRAL, M. A. C.; SANTOS, D. G. Verdade em música sobre o pensamento de Martin Heidegger.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 167-175

Verdade em música sobre o pensamento de Martin Heidegger

Marcos Antonio Cardoso Sobral (Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, Sergipe, Brasil)
marcosantoniovioloncelista@gmail.com
Danielle de Gois Santos (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Rio Grande do Norte,
Brasil)
danielledegoissantos@gmail.com

Resumo: O presente estudo versa sobre a verdade, conforme abordada pelo filósofo Martin Heidegger, e observada
em contexto de ensino em música. O trabalho destaca os diversos modos de observância da verdade. Para observa-
ção desses modos, recorremos a escritos que abordam o assunto, em especial os de Heidegger, que pautou boa parte
de sua filosofia no privilégio às experiências cotidianas, as quais nos interessam nesta oportunidade. Também se fez
mister a análise ao seu exímio ensaio sobre as obras de arte, devido à estas serem um modo específico de atuação do
ser e, consequentemente, desveladora de seu mundo portador da verdade. O foco do trabalho incide no ensino ins-
trumental, onde observamos maior proximidade quanto ao pensamento heideggeriano. A hipótese levantada quer, a
todo instante, que nos remetamos à verdade como um modo ideal de tratamento. As considerações alcançadas con-
cernem à verdade como princípio pertinente ao ato docente alusente às suas possibilidades infindas.
Palavras-chave: Verdade; Obras de arte; Docência; Heidegger.

Truth in music on the thought of Martin Heidegger


Abstract: This article touches on the truth as addressed by the philosopher Martin Heidegger, seen in the context of
teaching in music. The work highlights the various modes of observance of the truth. To observation these modes,
we seek help to writings that discuss the matter, especially those ofHeidegger, who guided much of his philosophy
the embrace to everyday experiences, which interest us. Also it was necessary the analysis your expert essay on the
works of art, due to these be a specific mode of action of being and, consequently, revealing its supported world of
truth. The focus of the work focuses on instrumental education, where we see greater proximity as to Heidegger’s
thought. The hypothesis wants, all the time, we turn to the truth as an ideal mode of treatment. The achieved con-
siderations attribute to the truth as relevant principle to teaching act with respect to their endless possibilities.
Keywords: Truth; Works of Art; Teaching; Heidegger.

La verdad en la música en el pensamiento de Martin Heidegger


Resumen: Este estudio se ocupa de la verdad como se discute por el filósofo Martin Heidegger, visto en el contexto de
la enseñanza de la música. El trabajo pone de relieve los diversos modos de la práctica de la verdad. Ver a estos mo-
dos, nos volvemos a los escritores que abordan el tema, especialmente los de Heidegger, quien guió gran parte de su
filosofía el privilegio de experiencias cotidianas, que nos interesan esta oportunidad. También hace el señor revisar
su ensayo de expertos sobre las obras de arte, debido a que esto sea una modalidad específica de la acción del ser y,
por tanto, desveladora su mundo portador de la verdad. El enfoque del trabajo se centra en la educación instrumen-
tal, donde vemos una mayor proximidad en cuanto a pensamiento de Heidegger. La hipótesis quiere, todo el tiempo,
lo que nos lleva a la verdad como un modo ideal de tratamiento. Las consideraciones alcanzados en relación con la
verdad como principio pertinente a la enseñanza alusente acto a sus infinitas posibilidades.
Palabras clave: la Verdad; Obras de arte; Enseñanza; Heidegger.

Introdução

Falar sobre verdade é tarefa árdua que exige muito do pensar humano, ainda mais
quando falamos de verdade em música, uma arte que, de acordo com a fundamentação des-
se texto, por si só se apresenta não dita e, tal como o ser ontológico, exige nossa compre-
ensão de fenômenos inerentes à ontologia do ser, como tempo1, linguagem2 e pensamento
etc. Essa experiência de busca da verdade, conforme abordada por Heidegger, permite com-
preender o que pode se mostrar do ser ontológico através do pensamento musical. Compre-
endendo-a, nos aproximamos de forma mais efetiva de uma experiência musical vultosa.
Assim, já podemos delinear alguns questionamentos que circundarão tal texto, a saber: co-
mo se caracteriza a verdade no âmbito da abordagem desse texto fundamentado em Martin

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 12/08/2015 - Aprovado em: 08/11/2015

167
SOBRAL, M. A. C.; SANTOS, D. G. Verdade em música sobre o pensamento de Martin Heidegger.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 167-175

Heidegger? Como se demonstra em música a verdade aqui contextualizada? É relevante essa


compreensão para o ato docente em música?
Para podermos esclarecer3 tais questionamentos, pautamo-nos nas investigações
sobre a filosofia de Martin Heidegger, buscando outros posicionamentos em autores que se
dispuseram a estudar a verdade sobre os mesmos horizontes. Vemos que a verdade é um ter-
mo que adquire posição notória sobre as reflexões do ser nos textos de Heidegger, por isso,
a adoção por tal filósofo para conduzir nossa produção.Incorporados ao mesmo autor, nos
aproximamos também de sua Fenomenologia hermenêutica, oportuna para compreensão
da verdade. Tal perspectiva metodológica nos fornece um caminho seguro para discutir os
aspectos concernentes à verdade, seguindo um viés a partir das compreensões textuais que
nos direcionam ao exercício fenomenológico.
A palavra verdade adquire compreensões variadas na esfera acadêmica. Contudo,
neste trabalho, a abordagem está guiada pelo sentido proposto por Heidegger através de sua
tradução da palavra alethéia, como desvelamento ou aquilo que se mostra a nós mesmos.
Em uma palavra, alethéia compreende fazer aparecer o que ainda é incompreensível.
A abordagem de exemplos do cotidiano se faz presente neste trabalho como forma
de elucidar ao leitor a aplicação de ideias do filósofo. Admitimos a dificuldade de encon-
trarmos um paralelo com situações de especificidade musical, para melhor contextualizar
o trabalho no âmbito referido, mas o filósofo em questão eleva a experiência cotidiana a um
patamar substancial, porque ela consolida a compreensão e posteriormente abre espaço pa-
ra novas acepções próprias do ser.
Nossa primeira missão se resume a nos aproximarmos de uma compreensão apro-
priada do que seja a verdade, por meio da análise dos textos do autor delineado, a fim de ad-
quirir uma proximidade com o que queremos essencialmente expor, a saber, as contribuições
para a prática docente em música. Em seguida, percorremos uma observação às obras de arte,
com a pretensão de nos aconchegarmos às abordagens heideggerianas disponíveis sobre o ser
e a arte. Como texto-base para a seção, utilizamos a tradução feita por Moosburguer (2007)
em sua dissertação de mestrado de A origem da obra de arte, de Martin Heidegger.
Como a obra de arte aponta para uma abertura de compreensões das quais não per-
cebemos na vivência dial, nos aproximamos da temática deste trabalho no tocante à aber-
tura proporcionada por ela. Sabemos que uma abertura do ser é tônica comum aos textos
heideggerianos, devido ao ser nunca limitar-se às definições postas sobre ele, isto é, não en-
contramos conceituações que o representem em sua integridade. Por isso, nada mais opor-
tuno do que abordá-las.
Por fim, apresentamos uma seção direcionada ao âmbito docente em música, mani-
festando as reflexões adquiridas nas seções anteriores e apontando fatos relevantes para a área.

1. A verdade a partir de considerações filosóficas

Vejamos o posicionamento de Heidegger a respeito da verdade em sua clássica obra


Ser e Tempo, publicada em 1927.

Três teses caracterizam a apreensão tradicional da essência da verdade e a opinião


gerada em torno de sua primeira definição: 1. O “lugar” da verdade é o enunciado (o
juízo). 2. A essência da verdade reside na “concordância” entre o juízo e seu objeto.
3. Aristóteles, o pai da lógica, não só indicou o juízo como o lugar originário da ver-
dade, como também colocou em voga a definição da verdade como “concordância”
(HEIDEGGER, 2012a, p. 284).

168
SOBRAL, M. A. C.; SANTOS, D. G. Verdade em música sobre o pensamento de Martin Heidegger.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 167-175

Atentemos à tese 2: a essência da verdade reside na “concordância” entre o juízo e


seu objeto. Como Heidegger demarcou na tese 1, juízo pode ser compreendido como enun-
ciado, como o que se diz, e entenda-se objeto como ao que me refiro, a quem direciono o
enunciado. Percebemos que a verdade como “concordância” ocorrerá quando a minha posi-
ção verbal (meu enunciado) estiver de acordo com os princípios de compreensão de mundo
a quem me direciono (objeto). Dessa forma, a verdade se estabelece pela relação de concor-
dância, pelo fato da minha compreensão se adequar aos preceitos do referente. Mas, quan-
do não nos relacionamos com seres ontológicos4e sim com entes5, como podemos identificar
uma verdade? Por exemplo, quando uma ideia é verdadeira? Quando há concordância, onde
há manifestação de sentido. Nesse sentido, o que interessa em tal concordância é o que se
descobre, o que se mostra na relação enunciado-objeto.
A partir dessa reflexão, percebemos ainda que a verdade como concordância en-
contra-se intrinsecamente relacionada à definição, como o que permite uma adequação.
Ou seja, “a essência da adequação se determina antes pela natureza da relação que reina en-
tre a enunciação e a coisa” (HEIDEGGER, 1970, p. 5, grifo nosso).
É o vocábulo entre que nos leva a pensar em uma definição, justamente porque
para haver uma concordância entre dois entes, faz-se mister algumas definições congêne-
res entre ambos. A adequação diz respeito à necessidade da totalidade humana alcançar
as mesmas conclusões, em determinados aspectos, para permitir a coerência do convívio.
Por exemplo, é inevitável que todas as pessoas – até mesmo as que não dirigem – compre-
endam o significado de cada cor do semáforo: o sinal verde, continuar o percurso; amarelo,
atentar; vermelho, aguardar. Sem a definição conjunta desses parâmetros, é impossível es-
tar em adequação. Todos precisam chegar à mesma conclusão. Caso não, se algum homem,
por circunstâncias desconhecidas, tenha definido que a cor vermelha representa a continu-
ação do trajeto, todos os demais não estarão adequados a ele devido à obtenção de conclu-
sões distintas.
Em um contexto de execução musical, podemos ainda estabelecer a seguinte rela-
ção com base nessa reflexão. Dois músicos apenas poderão ler uma partitura que soe de for-
ma semelhante se o conhecimento alcançado entre ambos tenha definido que tal nota repre-
senta aquela tecla (comparando a um piano) e não outra.
Nesse exemplo de uma situação em música, vemos a clara aplicação das noções de
concordância e definição. A definição é necessária para permitir a concordância com o outro.
Em seu texto Sobre a Essência da Verdade, Heidegger nos aponta outro argumento.

O que, pois, se entende ordinariamente por ‘verdade’? Esta palavra tão sublime e, ao
mesmo tempo, tão gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro enquanto
verdadeiro. O que é ser verdadeiro? Dizemos, por exemplo: ‘É uma verdadeira alegria
colaborar na realização desta tarefa’. Queremos dizer que se trata de uma alegria pu-
ra, real. O verdadeiro é o real (HEIDEGGER, 1970, p. 3).

Quando Heidegger nos afirma na última frase da citação que o verdadeiro é o re-
al, logo podemos articulara uma verdade dentro de algum contexto. O que queremos dizer?
Ao nos depararmos com a palavra real, expressa na frase, imediatamente nos remetemos
ao que ela possa significar: algo que vivenciamos, a própria realidade humana, o que existe
efetivamente. Então, se um professor estabelece uma relação – nos apoiando na verdade co-
mo uma relação de concordância explicitada anteriormente – com seus alunos e essa rela-
ção efetivamente existe, acontece, dizemos, assim, que o verdadeiro é o real. A relação que
existe é real, pura, única, isto é, não foi vivenciada anteriormente. Ela apenas existe naque-
le momento, e mesmo que queiramos construí-la novamente em um momento ulterior, não

169
SOBRAL, M. A. C.; SANTOS, D. G. Verdade em música sobre o pensamento de Martin Heidegger.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 167-175

é possível; já nos encontramos numa outra condição, que arrola novas relações edificadas
pelos pregressos contatos.
Sabemos que em cada relação lapidamos o ângulo de percepção dos fatos, mesmo
em vil grau, a ponto de dizermos que nada de pertinente retiramos daquele momento. Mas
através do simples estar na relação, alguma mudança de conceito dos pensamentos corren-
tes já pode ser concebida. Observe a seguinte ocorrência. Certa pessoa, ao estar almoçando,
estabelece que amanhã, ao acordar, fará uma determinada tarefa. Até lá, ela ainda partici-
pará de muitas relações que, possivelmente, alterem seus pensamentos sobre as atividades
a serem desenvolvidas no dia seguinte. Com isso, o ato de estar presente nas relações de
hoje pode resultar em não mais executar a tarefa programada para amanhã, e se dirigir a
outra. Qual a expectativa do ocorrido acontecer? Sempre. Basta perceber que muitas ações
planejadas anteriormente não são desenvolvidas em razão que, no ínterim do até lá, vive-se
momentos não alcançados, melhor dizendo, não imaginados, que possam alterar os planos.
Assim, nos amparando na concepção fenomenológica de observar os fenômenos, é de total
importância considerar as relações que cada homem conserva em sua convivência diária.
Observamos tal exemplo em música quando, por estar presente na aula, o aluno co-
nhece novas formas de tocar uma mesma nota (em um violoncelo, por exemplo) com dedi-
lhados diferentes. As possibilidades de um maior domínio instrumental se ampliam com o
conhecimento de novas maneiras de dedilhar trechos de peças em estudo. Isso é possível
por estar na relação, que faz com que novas interpretações se instalem.
Seguindo uma nova perspectiva, no texto A compreensão grega da verdade, Heide-
gger escreve que “a verdade, em relação ao ente, pode ser constatada quando toda e qual-
quer possibilidade da inverdade está excluída em todos os aspectos” (HEIDEGGER, 2012b,
p. 115). Talvez por isso, o ato espontâneo e criativo que acompanha a música – e em geral
todas as artes – seja considerado uma verdade, por não estar baseado em “regras”, mas de-
pendente da capacidade inventiva do homem. Este “criar”, para Heidegger, pode ser entendi-
do como uma possibilidade a mais de alcançar uma verdade, atentando para a ideia de que
a nova criação permite ao ser conhecer novas alternativas. E isso é perceptível na música.
Quando um músico constrói um caminho interpretativo próprio e, portanto, desconhecido
até o momento de exibição, ali está à verdade, alimentada pela noção de que o novo mostra
outra possibilidade. O que nós, homens, queremos acreditar é que a verdade habita quando
uma maneira ideal de lidar com qualquer situação irrompe-se, sendo adaptável a todos. Mas
o que se constata é que essa concepção não é aceita pelo olhar heideggeriano. Ele encontra,
como exposto, a verdade na exegese criativa e inerente ao ser.
Vemos que noções como definição, relação de concordância, aquisição de novas
possibilidades são aspectos relevantes a serem considerados no ensino instrumental. A se-
guir, discorremos sobre a relevância das obras de arte e sua relação com a verdade estuda-
da neste artigo.

2. A verdade através das obras de arte

No mole chão andais


Do éter, gênios eleitos!
Ares divinos
Roçam-vos leve
Como dedos de artista
As cordas sagradas [...]
F. Holderlin, Canto do Destino de Hiperíon

170
SOBRAL, M. A. C.; SANTOS, D. G. Verdade em música sobre o pensamento de Martin Heidegger.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 167-175

Nesta segunda seção, analisaremos a verdade por meio das obras de arte, fato digno
de destaque porque o filósofo delineado encontrou nas obras de arte um modo de acesso ao
ser, por serem elas uma forma de manifestação do mundo humano e individual do artista.
São elas que guardam a verdadeira significação, que, em relação a um sapato, por exemplo,
não percebemos, na vivência cotidiana, a sua real serventia, por estarmos tão habituados a
vê-lo como um simples instrumento de uso cotidiano. Quando observamos algo comum à
nossa rotina sendo representado em obra de arte, concebemos novas interpretações. Como
assinala Heidegger (apud MOOSBURGER, 2007, p. 21): “Na proximidade da obra nós estive-
mos repentinamente em outro lugar do que aquele em que habitualmente cuidamos de es-
tar.” Complementa que “é somente através da obra e somente na obra que o ser-utensílio6 do
utensílio vem expressamente a aparecer.” (Ibid., p. 21, grifo nosso).
Heidegger, na tradução de Moosburger (2007, p. 5), deixa inferir que a arte aconte-
ce quando o artista está em relação com a obra de arte, fazendo gerá-la a partir e apenas do
momento em que se executa, no nosso caso da música. Depois que a execução se finda –
quando o artista e a obra não estão mais em relação –, só existe a obra e o artista, ambos em
sua posição devida. O que resta são lembranças da arte no momento em que ela acontecia.
Assim, obra de arte e artista existem, concomitantemente, no passado, presente e futuro, ao
ponto que arte só encontramos no tempo presente, como dito, no relacionar-se da obra com
o artista. Portanto, “o ser-criada da obra deixa-se abarcar abertamente apenas a partir do
transcurso do criar.” (MOOSBURGER, 2007, p. 42).
Dizemos isto porque o artista, como também a obra, não é criado em um dado mo-
mento, mas sim em vários, para tornar válida a crença de artista. É um processo de vir-a-
-ser7do artista, que exige uma laboriosa continuidade para o alcance da meta. Este vir-a-ser
constitui-se de acontecimentos, remetendo ao aparecimento da verdade.
As gravações, por serem execuções de momentos findos, também remetem à cria-
ção da arte, uma vez que também podemos reencontrar nelas o mundo do artista. Se houver
relacionamento com o que se ouve, se houver captação de sentidos, brota-se aí a arte. Vol-
tamos a dizer: o acontecer da arte é verificado no tempo presente, no relacionar-se da obra
com o artista. Isso como tarefa de quem a produz, e quem a contempla, é preciso observar,
exegeticamente, para haver o irrompimento da arte.
Assim, nessa proposta, a arte emana da relação do artista em contato com a obra.
Mais uma vez, a verdade como relação pode ser percebida.
Trouxemos apontamentos sobre a arte, mas em relação à obra de arte, como é que a
verdade se mostra? Vejamos: “A obra pertence como obra somente ao âmbito que é aberto por
ela mesma. Pois o ser-obra8 da obra se essencializa e somente se essencializa em tal abrir-se.
Dissemos que na obra está em obra o acontecimento da verdade (MOOSBURGER, 2007, p. 27,
grifo nosso).Esse abrir-se ocorre por meio de uma busca representativa nossa, que anseia com-
preender o real significado da obra. Encontramos o real significado da obra quando alcança-
mos o mundo que nela existe. O mundo permite que uma pintura, por exemplo, deixe de ser
coisa e seja elevada à categoria de obra. Quando há ausência de mundo, a obra volta a ser coisa.
Na imanência do mundo, apreendem-se as intenções, os sentidos, valores etc. A vi-
sibilidade de sentido se encontra na observação do mundo da obra. Como em uma compo-
sição musical, que conserva e revela toda a experiência do compositor.
Sobre tal mundo, bem observamos no caráter díspar das composições de Mozart
e Beethoven. O primeiro evidencia sua índole jubilosa em boa parte de sua música; já o
segundo, com seu temperamento agressivo manifesto na maioria de suas composições.
No imo das composições, a compreensão da existência diluída em sons. Por isso, a partir
delas, constrói-se uma conexão ao mundo do artista.

171
SOBRAL, M. A. C.; SANTOS, D. G. Verdade em música sobre o pensamento de Martin Heidegger.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 167-175

Sobre a perspectiva dos textos de autores que também fizeram uso da filosofia de
Martin Heidegger para depreender algo significativo sobre a verdade, encontramos aproxi-
mações mais diversificadas.
No texto de Silva (2013), permite-se inferir que as obras de arte não carregam uma
verdade única. Os entes podem ser determinados, ou seja, cumprem uma finalidade, mas
a obra de arte, não. Esta é um ente extra (no sentido de ente superior) porque não traz uma
síntese final; ela é atuação do ser. Dessa forma, como a obra de arte apresenta uma indefini-
ção, uma não-síntese, ela é portadora da verdade.
Como já exposto, em relação à verdadeira arte, de acordo com a fundamentação te-
órica e filosófica desse trabalho, a música não é uma obra de arte quando analisada com a
pintura, a escultura, visto que ela acontece no tempo (atemporal), e não é uma forma fixa
passível de análise em relação à compreensão de seu significado. Queremos dizer que: não
podemos chegar a uma definição do que ela representa para cada homem. As experiências
que cada homem carrega constroem parâmetros compreensivos sobre a realidade à sua vol-
ta. Tanto é que ela pode ser considerada como lógos (não dito). O exposto corrobora-se quan-
do Heidegger (MOOSBURGER, 2007, p. 24) aponta: “Verdade, como se diz, é algo atemporal
e supratemporal.”

3. A verdade em contexto do ensino em música

As proposições expostas nos levam a traçar uma perspectiva de muita significação


para o ensino em música, e por isso, apresentamos nossas reflexões.
Verdade é abertura. Portanto, não há esgotamento das possibilidades. Isso nos leva
a pensar que nunca existirá a forma ideal de abordagem de qualquer assunto em uma au-
la de música. O que existe são maneiras, modos, possibilidades de abordagem. E sempre se
buscará a possibilidade mais coerente de abordagem, que permita que a compreensão seja
a mais clara possível. Espera-se que seja indispensável o esforço por variadas abordagens, e
não a uma abordagem fixa. A partir da abertura, isto é, a busca por “formas de tratamento”
de qualquer conteúdo, pode-se alcançar a “possibilidade de ‘algum lugar’ e de um local ple-
no de presença” (MOOSBURGER, 2007, p. 45, grifo do autor).
A verdade como relação se apresenta como o modo de maior aproximação para o
nosso contexto. É na relação que a verdade vai acontecer. Qualquer relação vivida irá ex-
primi-la. Com isso, surge o seguinte questionamento: a verdade não se aproximaria de uma
forma ideal, sublime? Não. Qualquer relação que seja vivenciada e promova sentido, é uma
verdade. Não é apenas estar lá, mas fazer do estar lá uma busca de sentidos que possa pro-
duzir mudança das concepções mundanas.
Se nos aproximarmos da verdade tendo-a como algo ideal, estaremos nos entregan-
do a uma situação impossível, visto que, como saberemos que na abordagem de um profes-
sor não há mais nada a ser modificado, no sentido de que ele não pode mais avançar na sua
maneira de ensino?Toda exposição em uma aula revela o total conhecimento do assunto?
Entenda-se o adjetivo total como: não há algo mais a ser desvelado? Estaremos expostos a
estes questionamentos quando ansiarmos pela busca de um modo ideal de ensino.
Sabemos que é comum querermos a todo instante pensar a verdade de tal forma, co-
mo algo sublime. Mas nem algo que se diz sublime é um modo ideal ou, digamos, perfeito.
Esmiuçando o significado da palavra através deum simples utensílio como o dicionário Au-
rélio, encontramos que uma das conceituações da palavra sublime é quase perfeito. Atente-
-se: quase perfeito nos diz que ainda há algo a se fazer. Com isso, alegamos, mais uma vez,

172
SOBRAL, M. A. C.; SANTOS, D. G. Verdade em música sobre o pensamento de Martin Heidegger.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 167-175

a veemência da palavra verdade como não esgotamento das possibilidades, permitindo ao


professorbuscar incessantemente a rearticulação de seu pensamento perante sua posição de
docente.
Como Heidegger deixou patente ao longo do texto A origem da obra de arte
(MOOSBURGUER, 2007), uma das palavras que mais representam a percepção da verdade
é o verbo acontecer. E fazendo uma sondagem elementar do significado deste verbo, encon-
trar-se-á uma ação a ele inerente, um movimento que revela um aparecimento de algo, qual
seja: a verdade. Em qualquer relação – que não deixa de ser um acontecimento – que revele
um mundo, encontramos o irromper da verdade.
A partir daqui, confluímos esse acontecer na relação e o acontecer na música co-
mo representações da verdade. O fato de que a música, conforme a fundamentação desse
trabalho, não é uma obra de arte – é apenas arte – pelaincapacidade de ser visualizada, is-
to é, apenas ouvida, diferenciando-a das demais artes que podem ser observadas, como a
pintura e a escultura, nos leva claramente à pertinência que o verbo acontecer sustém. Os
sentidos que qualquer música guarda em si, só podemos percebê-los no momento em que
estaacontecer.
Suscitou-se outro apontamento ao longo das leituras. Sustentando-nos no texto
A questão da técnica (HEIDEGGER, 2007), entendemos que, para o acontecimento da ver-
dade, o homem precisa dispor de algumas compreensões, ou seja, estar abrigado na lingua-
gem para permitir uma relação. A ideia de abrigamento introduz as noções de conhecer,
onde afirmamos que um homem está abrigado quando ele sabe o que fazer na relação que
está situado. Aproximamos a verdade aqui, pois ela se apresenta como uma compreensão
que nunca estará totalmente abrigada. Por isso afirmamos anteriormente a não existência
de uma verdade ideal.
Consideram-se as definições de mundo, oriundas da necessidade de convivência e
que servem como um pressuposto de partida para o abrigamento.À medida que avançamos
na compreensão, encontramos o limite, originado para manifestar a entrada ao desabriga-
mento e que se mostra como o momento real da aprendizagem. Como o principal aspecto
que sinaliza o desabrigamento é a ausência de referência (SOBRAL; SANTOS, 2014, p. 2), o
homem inicia, orientando-se pelas noções que estejam em consonância com o seu mundo,
uma busca pelas possibilidades de “livrar-se” da experiência, como tentativa de abrigamen-
to.Com isso, ele cria uma relação inexistente, evidenciando a verdade. Como dito por Hei-
degger (2007, p. 6, grifo nosso): “nele (o desabrigar) repousa a possibilidade de todo aprontar
que produz algo.”
Observemos. No momento da aula em que entregamos uma nova peça (Eis o desa-
fio!) para o desenvolvimento de habilidades ainda não adquiridas pelo aluno, estamos pos-
sibilitando seu acesso à experiência do desabrigamento, principal característica de qual-
quer desafio. No desafio, aspectos técnicos ainda incapazes de serem executados pelo alu-
no são apresentados.
Defrontado com ascaracterísticas próprias do novo estudo – dificuldades rítmicas,
de entonação, andamento, fraseado, interpretação de estilo etc. –,o aluno inicia o processo
de se abrigar. A resolução de cada um desses aspectos musicais aproxima-o cada vez mais
ao abrigamento; um processo semelhante ao vir-a-ser.
Com tais aspectos sanados – ao mesmo tempo com o abrigamento suficientemente es-
tabelecido –, encontramos manifestações que não se observavam em momentos findos. Mani-
festações estas clareadas pelo toque ao solo desabrigado que solicitava uma superfície segura.
Esse alcance do abrigamento aponta, ainda e sempre, um manifestar do desabri-
gamento. O que queremos afirmar é que, mesmo com o abrigamento presente, o desabriga-

173
SOBRAL, M. A. C.; SANTOS, D. G. Verdade em música sobre o pensamento de Martin Heidegger.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 167-175

mento também está, porém, em mínima manifestação. É semelhante ao dualismo saúde-


-doença, ou seja, um homem doente traz consigo também a saúde. O que acontece é que os
sintomas atuais do paciente favorecem a progressão da doença que, simultaneamente, ocul-
tam sinais favoráveis à saúde. Quando o organismo encontra condições favoráveis à saúde,
o quadro se reverte. Assim, o estudo se torna tarefa contínua para que haja, cada vez mais,
um distanciamento do não saber (desabrigamento).
Por fim, evidencia-se como a verdade se manifesta de modos diversos, caminhando
para uma abrangência cada vez maior e ilimitada em possibilidades.

Considerações finais

Um dos modos mais efetivos para alcançarmos uma compreensão significativa do


que seja a verdade, passa pelo crivo do conhecimento de seus modos de manifestação. O que
tais modos possibilitam são formas de compreender o que vivenciamos, de maneira a trazer
reflexões edificantes quanto ao processo compreensivo do fazer docente para a experiência
em sala de aula. Reflexões que, em um primeiro momento, são consideradas irrelevantes de-
vido ao conteúdo destas partirem de temas já consolidados pelo aluno, como as definições
de leitura da partitura (rever exemplo do pr. 2, pg. 4). Sim, inicialmente irrelevantes porque
a compreensão do como fazer já foi adquirida e se torna desprezível pensar o que já domina-
mos. Mas, e se agora que dispomos de certas habilidades, aprofundarmos o discernimento
destas para permitir que os inexperientes adquiram um olhar ademais abrangente sobre o
que estão experimentando nos seus estudos de música?
O que ansiamos, substancialmente, vara o terreno do exercício compreensivo, que
é – como Heidegger tanto lutou por isso – tãoessencial para nos apoderarmos da abertura
existencial constitutiva da nossa categoria de seres pensantes. Mencionamos tal abertura
porque, para uma compreensão ampla, faz-se relevante o conhecer das mais variadas possi-
bilidades de tratar uma questão, seja ela em qualquer âmbito.
As formas de percepção da verdade discorridas neste trabalho apontam vários
meios onde o seu encontro é possível. Inicialmente, na primeira seção, tratamos dela em
contexto puramente filosófico a fim de abordar as concepções mais correntes, buscando
respaldo em acontecimentos diais. Em seguida, versamos acerca das obras de arte com a fi-
nalidade de trazer apontamentos alusentes ao mundo do ser que nelas existem, buscando,
ao máximo, aconchegarmos ao mundo das interpretações em música, já que esta figura en-
tre as artes e a ela que estudamos. Isso porque, se no mundo interpretativo que um músico
nos revela houver sentido, aí contemplamos a verdade. Tentamos expor esse olhar ao longo
do trabalho, de que a verdade se manifesta no sentido. Na terceira seção, de caráter mais
restrito à música, buscamos confluir significações que sejam coerentes para a área.
Por fim, retomamos o questionamento inicial de quem, por não compreender, con-
fia que a verdade seja uma compreensão completa, sublime, exata, superior, perfeita, impe-
cável... O que trouxemos no decurso deste trabalho nos permitiu convergir para uma pers-
pectiva que observa a verdade como uma compreensão que não se fecha, mas que procura,
incansavelmente, por possibilidades de encontrar olhares distintos sobre cada situação. São
olhares que almejam ampliação, atualização do que se conhece. Utilizemos a metáfora do
vácuo no espaço, que, como sabemos,nele nada existe. Ou seja, em um primeiro momento,
temos a impressão que não chegamos a lugar algum se seguirmos essa perspectiva da ver-
dade como uma compreensão que não se fecha. Mas, diferentemente do vácuo que é despro-
vido de conteúdo, a verdade opera para a existência de sentido no que se vive.

174
SOBRAL, M. A. C.; SANTOS, D. G. Verdade em música sobre o pensamento de Martin Heidegger.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 167-175

Notas
1
Entenda-se tempo aqui não como um aspecto técnico-musical abstrato, mas o tempo sob uma perspectiva do ser.
2
Linguagem, não no sentido restrito de comunicação, mas no sentido existencial.
3
Esclarecer no sentido de buscar uma aproximação, não de responder os questionamentos feitos.
4
Podemos considerar os seres ontológicos, representados por um ser singular, como o ser que pode pensar a sua
própria relação com o mundo, com sua existência e que não está limitado a quaisquer determinações.
5
Entenda-se por ente como tudo aquilo que existe (objetos, coisas) e que pode ser determinado. Não se refere ao
ser do homem, ao ser ontológico.
6
Pode ser entendido como a utilidade a qual serve o objeto.
7
Expressão filosófica que pode ser compreendida como um processo de tornar-se algo/alguém que ainda não é.
8
Conceba-se como a verdadeira significação da obra e que a faz ser uma obra.

Referências

HEIDEGGER, Martin. A compreensão grega da verdade. In: HEIDEGGER, Martin. A essência


da liberdade humana: introdução à filosofia. Tradução Marco Antonio Casanova. 1. ed. Rio de
Janeiro: Via Veritas, 2012, p. 115-124.

. A questão da técnica. Tradução Marco Aurélio Werle. Scientiae Studia, São Paulo, v.5,
n.3, p. 375-398, 2007.

. Ser e tempo. Tradução revisada e apresentação de Márcia Sá Cavalcante Schuback.


7 ed. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2012.

. Sobre a essência da verdade (1943). In: HEIDEGGER, Martin. Sobre a essência da verdade
e a tese de Kant sobre o ser. Tradução Ernildo Stein. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1970, p. 1-15.

HOLDERLIN, Friedrich. Canto do Destino de Hiperíon (1834). Disponível em: http://www.algu-


mapoesia.com.br/poesia2/poesianet178.htm. Acesso em: 02 jun 2015.

MOOSBURGER, Laura de Borba. A origem da obra de arte de Martin Heidegger: tradução,


comentário e notas. Dissertação de mestrado, UFPR: Curitiba, 2007, 158 p.

PINHEIRO,Paulo J. M. Sobre a noção de “ajlhvqeia” em Platão (a tradução heideggeriana).


In: O Que nos Faz Pensar, Rio de Janeiro, v.11, n.2, p. 45-64, 1997.

SILVA, José Eduardo Costa. O sentido da música no pensamento de Martin Heidegger. In: I Simpósio
de Estética e Filosofia da Música, 2013, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: UFRGS, 2013, p. 134-150.

SOBRAL, Marcos Antonio; SANTOS, Danielle de Gois. Compreensão de uma aula de instru-
mento musical aliando noções heideggerianas: relato de experiência. In: VI Simpósio Sergipano
de Pesquisa e Ensino em Música, 2014, Aracaju. Anais... Aracaju: UFS, 2014, p. 87-93. Disponí-
vel em: https://www.sigaa.ufs.br/sigaa/verProducao? idProducao=550401&key=4b8dfccb221a0
e7f1930c358836dd8d9

Marcos A. Cardoso Sobral - Graduando do Curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal de Sergi-
pe (UFS) cursando o sétimo período. Bolsista PIBID/UFS 2014-2015. Professor de violoncelo na escola de música
Santa Barbara, no interior de Sergipe. Violoncelista estágiario na Orquestra Sinfônica de Sergipe (ORSSE) durante
a temporada de 2013.

Danielle de Gois Santos - Psicóloga, mestre em Psicologia, professora substituta de Psicologia na Universidade
Federal de Sergipe (2013-2015), doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e
orientadora desta pesquisa.

175
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre


métodos

Fábio Amaral da Silva Sá (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil)


amaralmusic@hotmail.com
Eliane Leão (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil)
elianewi2001@gmail.com

Resumo: O objetivo deste texto é analisar os materiais didáticos publicados no Brasil elaborados para o ensino cole-
tivo de violão e identificar quais dentre eles poderiam ser designados como método. Foi utilizada a revisão bibliográ-
fica como metodologia de pesquisa. Na primeira parte realiza-se uma reflexão sobre a utilização dos termos ensino
em grupo e ensino coletivo. A segunda é voltada a compreender a origem do ensino coletivo de instrumentos musi-
cais, seguida por um breve histórico das práticas de ensino coletivo de violão no Brasil. Logo após, realiza-se uma
discussão sobre o conceito de método e uma análise comparativa dos materiais didáticos elaborados para o ensino
coletivo de violão. A análise dos materiais didáticos revelou que nenhum deles contempla em sua plenitude a desig-
nação do conceito de método.
Palavras-chave: Método; Materiais didáticos; Ensino coletivo; Ensino em grupo; Violão.

Teaching materials for the collective teaching guitar: questions about methods
Abstract: The aim of this paper is to analyze the teaching materials published in Brazil prepared for the collective
teaching guitar and identify which of them could be called as a method. It used the literature review and research
methodology. In the first part is held to reflect on the use of the words teaching in groups and collective education.
The second is aimed at understanding the origin of collective teaching musical instruments, followed by a brief his-
tory of collective teaching practices guitar in Brazil. Soon after, there are a discussion of the concept of method and
a comparative analysis of teaching materials prepared for the collective teaching guitar. Analysis of teaching materi-
als revealed that none of them includes in its fullness the name of the concept of method.
Keywords: Method; Educational materials; public education; Group education; Guitar.

Materiales didácticos para la enseñanza colectiva de la guitarra: preguntas acerca de los métodos
Resumen: El objetivo de este trabajo es analizar los materiales didácticos publicados en Brasil preparado para la en-
señanza colectiva de la guitarra e identificar cuál de ellos podría ser llamado como método. Se utilizó la revisión de
la literatura y la metodología de la investigación. En la primera parte se celebrará a reflexionar sobre el uso de las
palabras que enseñan en grupos y la educación colectiva. El segundo está dirigido a comprender el origen de los ins-
trumentos musicales de enseñanza colectiva, seguido de una breve historia de la guitarra colectiva prácticas de en-
señanza en Brasil. Poco después, habrá una discusión sobre el concepto de método y un análisis comparativo de los
materiales didácticos elaborados para la enseñanza colectiva de la guitarra. Análisis de materiales didácticos reveló
que ninguno de ellos se incluye en su plenitud el nombre del concepto de método.
Palabras clave: Método; Los materiales educativos; enseñanza colectiva; La educación en grupo; Guitarra.

Introdução

A primeira experiência relatada e documentada de um curso de ensino coletivo


de violão no Brasil remete ao ano de 1989, quando foi criada a primeira turma com qua-
se 30 alunos no curso de extensão da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Percebe-se
que essa modalidade de ensino através do violão é relativamente nova e que a mesma ne-
cessita se consolidar tanto na utilização de conceitos teóricos como na sistematização e
disponibilização de métodos e materiais didáticos que contribuam com essa nova prática
de ensino.
Observa-se que em vários contextos de ensino coletivo de violão, professores utili-
zam adaptações de materiais, métodos e arranjos escritos para outros instrumentos, o que
revela uma carência de materiais didáticos que contemplem as diversas fases de aprendiza-
gem. Essa prática de adaptações comum no ensino coletivo de violão, não ocorre com frequ-

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 13/08/2015 - Aprovado em: 26/10/2015

176
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

ência por exemplo na área do ensino do piano em grupo, que já possui vários métodos pu-
blicados no Brasil e principalmente nos Estados Unidos (SANTOS, 2013).
Uma outra questão, é a falta de consenso sobre o uso do termo método. O con-
ceito de método no campo da educação apresenta diferentes concepções e que não se res-
tringem a uma simples mistura de procedimentos e técnicas para se atingir sempre os
mesmos resultados (BRU, 2008). No campo da música, o termo é empregado tanto com o
objetivo de designar os materiais didáticos usados para o ensino de instrumento, como
para designar os procedimentos utilizados para se atingir os objetivos propostos (REYS;
GARBOSA, 2010).
Assim, o objetivo deste artigo1 é analisar os materiais didáticos publicados no Bra-
sil elaborados para a iniciação musical através do ensino coletivo de violão: Brazil (2012),
Machado (2002a, 2002b, 2002c), Machado (2007), Tourinho e Barreto (2003), Weizmann
(2003). Busca-se identificar as características gerais desses materiais, listar os conteúdos
trabalhados em cada um e identificar quais dentre eles poderiam ser designados como mé-
todo de ensino coletivo de violão. Para tais finalidades, a metodologia utilizada consiste na
revisão bibliográfica.
Como há autores da temática que utilizam o termo ensino coletivo e outros ensino
em grupo, a primeira parte deste texto dedica-se a reflexão conceitual sobre o significado
dos referidos termos. Busca-se compreender se há conceituações teóricas que orientem os
autores a adotarem uma ou outra terminologia.
A segunda parte do texto é voltada a compreender a origem do ensino coletivo de
instrumentos musicais, seguida por um breve histórico das práticas de ensino de violão re-
alizadas nessa modalidade no Brasil. Logo após, realiza-se uma discussão sobre o conceito
de método a partir dos campos da filosofia, da educação e da música. Por fim, realiza-se a
análise comparativa de cinco materiais didáticos elaborados para o ensino coletivo de vio-
lão, de autores brasileiros e as considerações finais.

1. Reflexões sobre o uso dos termos: ensino coletivo e ensino em grupo

A partir da análise de trabalhos publicados sobre o ensino coletivo de instrumentos


musicais no Brasil, em anais de eventos, dissertações, teses e periódicos, como por exemplo:
Barbosa (1996), Braga (2009), Costa e Aguiar (2008), Cruvinel (2003), Galindo (2000), Leme
(2012), Oliveira, E. A. J. de (1998), Oliveira, P. A. D. de (2010), Tourinho (1995), foi possível
constatar a utilização de duas terminologias principais para designar as práticas e as pes-
quisas sobre o tema: ensino coletivo e ensino em grupo. No entanto, considera-se que não há
um consenso quanto ao uso dos termos por parte dos autores.
Além disso, verificou-se que não existe uma definição clara, pautada em reflexões
teóricas sobre o significado que oriente o emprego de cada conceito.
Constatou-se que o termo ensino em grupo é utilizado com mais frequência entre
os autores ligados a prática do ensino do piano como: Costa e Aguiar (2008), Montandon
e Scarambone (2012), Reinoso (2012) e Videira (2011). Em relação ao termo ensino coleti-
vo, sua utilização é mais frequente entre os pesquisadores ligados ao ensino de violão, so-
pros, bandas de música e ensino de instrumentos de cordas com arco como: Barbosa (1996),
Braga (2009), Cruvinel (2005), Galindo (2000), Leme (2012), Oliveira, E. A. J. de (1998), Tou-
rinho (2003) e Silva (2014).
A professora Maria Isabel Montandon (UnB) em todas as suas publicações utiliza
o termo em grupo, possivelmente por ter sido o primeiro termo utilizado no início do sécu-

177
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

lo XIX, para designar as primeiras experiências dessa modalidade de ensino realizadas por
meio do piano na Europa (MONTANDON, 1992).
Galindo (2000), apesar de utilizar no título de sua dissertação o termo ensino co-
letivo, no corpo do texto utiliza os dois termos, ensino coletivo e ensino em grupo, como se
fossem sinônimos.
Nas publicações de Ana Cristina Tourinho (UFBA), observa-se também uma mu-
dança do uso de terminologias. Na década de 1990, Tourinho (1995) utilizava o termo em
grupo, no entanto, a partir de 2003, os textos encontrados da autora passaram a utilizar o
termo ensino coletivo referindo-se ao mesmo tipo de prática de ensino realizada nos anos
noventa.
A falta de conceituação teórica que oriente o emprego de uma ou de outra termino-
logia foi assinalado por Montandon (2004) no primeiro Encontro Nacional de Ensino Cole-
tivo de Instrumento Musical, realizado na cidade de Goiânia, em 2004.
Para a autora, as definições do que seja ensino em grupo ou ensino coletivo “[...] são
particulares e múltiplas, podendo se referir a diferentes objetivos, formatos, metodologias e
população alvo.” (MONTANDON, 2004, p. 47).
No entendimento de Montandon (2004), uma aula de instrumento musical que “[...]
coloca vários alunos juntos (muitas vezes para economizar tempo), com um tocando deter-
minado repertório padrão enquanto os outros escutam não é ‘ensino em grupo’ ou ‘apren-
dizagem em grupo’, mas aulas individuais dadas em grupo.” (Ibid., p. 47). Sobre essa mo-
dalidade classificada como master-class, Braga e Tourinho (2013) também acreditam que a
mesma não possa ser designada como ensino coletivo, mas sim, ser utilizada como parte in-
tegrante das aulas coletivas.
Na opinião das autoras,

[...] a essência do ensino coletivo de violão acontece quando existe um professor que
trabalha com diversos indivíduos no mesmo espaço físico, horário, e que várias pes-
soas aprendem conjuntamente a tocar a mesma peça, na maioria das vezes, repertório
solo. (BRAGA; TOURINHO, 2013, p. 148).

Oliveira, P. A. D. de (2010), ao tratar da questão, apresenta as seguintes definições:

O ensino de instrumentos em grupo é aquele em que, dentro de um mesmo espaço e


tempo, um grupo de alunos segue orientações de um professor e as realizam, porém,
individualmente, ou seja, as atividades são realizadas simultaneamente, mas não in-
tegradas, entre os colegas. Nessa instância de aprendizagem não se contribui e não
se recebe contribuição; em resumo, não se produzem trocas, não se prevêem efeitos;
simplesmente, as atividades acontecem ao mesmo tempo. Já o ensino coletivo de ins-
trumento musical permite e implica a troca de relações importantes para o desenvol-
vimento de cada um; ou seja, existe uma relação social de dependência, pois todos
participam juntos de um mesmo discurso. Tendo isso em mente, uma das possibili-
dades de trabalho dentro de uma turma heterogênea é a do arranjo ou adaptação, de
acordo com o nível de cada grupo de alunos da turma. (OLIVEIRA, P. A. D. de, 2010,
p. 24-25, grifo do autor).

No entanto, o autor não apresenta nenhum referencial teórico ou pesquisa empíri-


ca que justifique o emprego de tais definições. A análise dos textos revelou que a prática de
ensino dos professores que utilizam o termo ensino em grupo, em muitos casos, não condiz
com a definição apresentada por Oliveira, P. A. D. de (2010).
Há autores que associam os dois termos: ensino em grupo e ensino coletivo, bus-
cando designar uma metodologia de ensino e outros o utilizam buscando tratar de “[...] um

178
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

formato ou uma ‘modalidade pedagógica’.” (MONTANDON, 2014, p. 2). Para a autora, na li-
teratura da área há muitos trabalhos que são relatos de experiências pessoais, revelando a
necessidade de pesquisas que sejam mais críticas, reflexivas e problematizadoras, para que
assim, possam trazer novas contribuições teóricas para a temática.
Sobre as divergências de conceituações e utilização de termos ligadas a área do en-
sino coletivo de instrumentos musicais, Cruvinel (2008) também acredita ser importante a
existência de novas pesquisas que contribuam com o aprofundamento e entendimento des-
tas concepções teóricas.
Diante do panorama apresentado, percebeu-se que não há um consenso sobre o sig-
nificado de cada termo, bem como, a que práticas de ensino estão associados. As tentativas
de conceituação não partem de reflexões teóricas e/ou pesquisas empíricas que justifiquem
o porquê do emprego dos termos ensino coletivo ou ensino em grupo. Esta situação revela
que há uma carência de estudos e pesquisas sobre a temática e aponta para a necessidade
de fomentar pesquisas que tratem teoricamente dessas questões.
Em relação ao significado dos dois termos, o dicionário Aurélio da língua portu-
guesa mostra que

coletivo [Do lat. collectivu.] Adj. 1. Que abrange ou compreende muitas coisas ou pes-
soas; 2. Pertencente a, ou utilizado por muitos. 3. E. Ling. Diz-se do substantivo que,
no singular, designa várias pessoas, animais ou coisas. [Ex.: povo, rebanho, laranjal.]
4. Que manifesta a natureza ou a tendência de um grupo como tal, ou pertence a uma
classe, a um povo, ou a qualquer grupo. (FERREIRA, 2010, p. 529).
grupo [Do it. gruppo, poss. do gót. *krTpps, ‘objeto avultado’.] S. m. [...] 2. Reunião de
coisas que formam um todo. [...] 4. Reunião de pessoas. 5. Pequena associação ou reu-
nião de pessoas ligadas para um fim comum. (FERREIRA, 2010, p. 1057).

Os dois termos, como definidos acima, têm algo em comum em sua aplicabilida-
de: consistem de termos usados para o ensino de um instrumento para um agrupamento
de pessoas, reunidas para alcançarem um objetivo, que se trata, neste caso específico, o de
promover a aprendizagem musical. A utilização de um termo ou de outro está sempre liga-
do a contextos, que podem valorizar ou não a atividade, que podem atender ou não aos ob-
jetivos daquele que ensina. Tendo em vista a importância social desta nova modalidade de
agrupamento de alunos para o ensino/aprendizagem, assim como as possibilidades da apli-
cabilidade da atividade a vários contextos, pensa-se que tais grupos constituem a partir do
contexto de ensino em que estão inseridos.
Como ainda não existe consenso sobre o uso dos conceitos, e sabendo que os termos
que definem as práticas de ensino são reflexos da concretude que cada um pode refletir a
realidade, o presente trabalho emprega o termo ensino coletivo, levando em conta a maioria
dos autores que pesquisam sobre o tema.
Outra questão que se considera importante refletir neste momento, para um melhor
entendimento da temática, são os aspectos históricos do surgimento do ensino coletivo de
instrumentos musicais no mundo e as primeiras experiências de ensino coletivo de violão
no Brasil.

2. Histórico do ensino coletivo de instrumentos musicais

Estudos mostram que o início do ensino coletivo de instrumentos musicais, como


um forma sistematizada de ensino/aprendizagem, iniciou no século XIX (CRUVINEL, 2005;
MONTANDON, 1992; OLIVEIRA, E. A. J. de, 1998).

179
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

Cruvinel (2005) acredita que essa forma de ensino tenha se iniciado na Europa e
em seguida ganhado novos adeptos nos Estados Unidos. Oliveira, E. A. J. de (1998) relata
seu surgimento a partir dos Estados Unidos, através de professores que viajavam ensinando
cantos religiosos de forma coletiva entre cidades. Dentre esses mesmos professores, os que
tinham conhecimento específico dos instrumentos de corda passaram também a ensiná-los
de forma coletiva ao perceber o interesse das pessoas em aprender, além do canto, outros
instrumentos musicais.
Montandon (1992), descreve o surgimento desta proposta de ensino no ano de 1815,
quando o professor de Piano Alemão, Johann Bernhard Logier, residente em Londres des-
de o ano de 1805 “[...] passou a desenvolver um sistema de aulas de piano em grupo em sua
academia em Dublin, ao qual denominou de ‘Novo Sistema de Educação Musical’ de acordo
com o nome de seus livros instrucionais.” (MONTANDON, 1992, p. 8).
A autora mostra também, que professores de piano do Canadá e dos Estados Unidos
participaram de cursos de formação para aprenderem a nova proposta metodológica com o
pianista Johann Bernhard Logier. Esse fato poderia explicar a chegada desta nova prática de
ensino no continente americano em meados do século XIX, com aulas de piano em grupo,
em escolas do Canadá e dos Estados Unidos.
No Brasil, essa proposta de ensino chega na década de 1950 com o professor
José Coelho de Almeida, realizando experiências de ensino com bandas de música em fá-
bricas do interior paulista. Na década de 1970 acontecem os primeiros experimentos de en-
sino coletivo de cordas com o casal Alberto Jaffé e Daisy de Lucca. Em 1975, o casal iniciou
um programa de ensino coletivo de cordas em Fortaleza, a convite do Serviço Social da
Indústria (SESI). O trabalho realizado por Alberto e Daisy Jaffé contribuiu “[...] para a for-
mação da maioria dos profissionais de cordas existentes hoje no País.” (OLIVEIRA, E. A. J.
de, 1998, p. 13).

3. Considerações sobre o ensino coletivo de violão no Brasil

Um dos objetivos do Ensino Coletivo de Violão no Brasil é levar o ensino da música


a uma maior quantidade de alunos; isso ocorre principalmente em projetos sociais, cursos
de extensão e escolas de educação básica. Um projeto de iniciação musical, através do Ensi-
no Coletivo de Violão, é diferente de um projeto com outros instrumentos, pois “[...] a força
intrínseca do violão no Brasil, está fortemente arraigado nas nossas origens musicais e no
‘ouvido’ dos alunos.” (WEIZMANN, 2008, p. 71).
Essa constatação feita por Weizmann (2008), provavelmente, se deve ao fato do vio-
lão ser um dos instrumentos mais populares do Brasil e constituir a base do acompanha-
mento ritmo e harmônico de diversos gêneros musicais brasileiros. Ele sempre esteve pre-
sente como protagonista das discussões nacionalistas que ocorreram na segunda metade do
século XX, buscando a afirmação de uma identidade nacional (TABORDA, 2010).
Ao buscar a história das primeiras propostas e experiências de ensino coletivo de
violão ocorridas no Brasil, verifica-se que o primeiro relato documentado ocorreu no curso
de extensão da Universidade Federal da Bahia (UFBA) no ano de 1989. As aulas individuais
até então ministradas na instituição atendiam menos de 10% dos alunos interessados em
participar das aulas de Violão, reforçando a necessidade de uma proposta coletiva (BRAGA;
TOURINHO, 2013).
As aulas ministradas para a primeira turma criada em 1989, com quase 30 alunos
de violão, foram realizadas de uma maneira completamente empírica. Posteriormente foram

180
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

realizadas várias adequações “[...] até chegar-se a turmas com seis e depois quatro pessoas,
número mantido até hoje.” (Ibid., p. 148).
Além da Oficina de Violão na UFBA, que se tornou referência no campo de ensino
coletivo de violão no Brasil, algumas experiências se destacam no cenário nacional.
O Projeto Guri, criado em 1995 pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo,
é um desses exemplos. Oferecendo através do ensino coletivo de música, a criação de or-
questras e corais, busca desenvolver nas crianças e jovens carentes participantes, além do
aprendizado musical, a autoestima e a sociabilidade (YING, 2007).
Outra experiência bem-sucedida foi a criação do projeto orquestra cidades em ci-
dades do interior de Goiás, pelo violonista e Maestro Claudio Weizmann através da Lei de
Incentivo a Cultura - MINC. O projeto iniciou-se em 2001 na cidade de Catalão com aulas
de violão para 120 adolescentes, com objetivo de realizar no prazo de um ano a estreia da
orquestra. Utilizando o mesmo modelo, em 2002, o projeto foi implementado na cidade de
Niquelândia e em 2004 em Barro Alto (WEIZMANN, 2008). Um fato interessante é que o
professor Claudio Weizmman, entre os anos de 1997 a 2006, trabalhou como professor de
aulas coletivas de violão no projeto Guri no Estado de São Paulo.
É importante ressaltar a existência de experiências bem-sucedidas de projetos de
ensino coletivo de violão que acontecem em escolas de educação básica. A primeira refere-
-se ao projeto criado em 2007 pela prefeitura municipal de Teresina - PI, denominado Vio-
lão na Escola, que atende atualmente cerca de 400 alunos em 10 unidades escolares de en-
sino regular. Os alunos que se destacam nos estudos podem participam da Orquestra de
Violões de Teresina (TERESINA, 2015). Uma segunda experiência bem-sucedida é o pro-
jeto Orquestra de Violões nas Escolas, realizado em escolas estaduais de educação básica
do Espírito Santo desde 2012. O projeto tem a parceria com a Faculdade de Música do Es-
pírito Santos (FAMES) e acontece em cerca de 50 escolas da rede estadual (OLIVEIRA, V.
M. de, 2014).
Um outro exemplo é o da Secretaria de Educação do Estado de Goiás, que por meio
de projetos de música realizados no contraturno escolar, implementou, no ano de 2005, o
primeiro projeto de ensino coletivo de violão (SÁ, 2012). Atualmente, os projetos de ensino
coletivo de violão estão presentes na rede estadual em dezenas de escolas, tanto em projetos
de contraturno escolar, como em escolas de tempo integral.
No contexto do ensino coletivo de violão, experiências revelam que é possível tra-
balhar os conteúdos musicais contemplando os diferentes estilos e gêneros musicais exis-
tentes no país, fazendo uso da notação de músicas tanto por cifra como por partitura e
ainda proporcionar “[...] a convergência de algumas práticas que otimizam o processo de
aprendizagem, tais como a apreciação, a imitação e a improvisação.” (ARÔXA; REBOUÇAS;
OLIVEIRA, 2013, p. 1824).
Ainda que existam experiências bem-sucedidas de ensino coletivo de violão no
Brasil, observa-se que os materiais didáticos elaborados para este fim são poucos. A partir
desta constatação, surgiram os seguintes questionamentos: Quais e quantos materiais didá-
ticos já foram publicados no Brasil elaborados para o ensino coletivo de violão? Que conte-
údos esses materiais didáticos contemplam? Quais desses materiais didáticos poderiam ser
classificados como um método?
Em seguida será realizada uma reflexão sobre o conceito e entendimento de mé-
todo, buscando subsídios para análise dos materiais didáticos publicados no Brasil, elabo-
rados para o ensino coletivo de violão e/ou que contenham arranjos instrumentais voltado
para este fim.

181
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

4. Considerações sobre métodos de ensino

Em busca do entendimento do conceito de método, parte-se do campo da filosofia,


em que:

Método – significa literalmente a maneira de seguir um “caminho”, percurso, isto é,


investigação, mas investigação com um plano fixado e com regras determinadas e ap-
tas para conduzir ao fim proposto. O método se contrapõe assim à sorte e supõe-se,
desde logo, que há uma ordenação no objeto a que se aplica e ainda, como no ca-
so da ciência moderna, uma ordenação matemática. (MORA, 1985 apud CAMPOS,
2000, p. 174).

Nesta concepção, percebe-se que um método deve indicar os passos ou caminhos


para se atingir o objetivo traçado.
Já no campo da educação, para o professor francês Marc Bru, “[...] os métodos pe-
dagógicos constituem um quadro para pensar e realizar a prática educativa.” (BRU, 2008,
p. 7). Assim, a aplicação de um método deve sempre avaliar quais são os objetivos a serem
alcançados.
Bru (2008) relata que entre os teóricos no campo da pedagogia há diferentes concep-
ções de método, e apresenta, a partir de uma visão geral, três elementos que constituem um
método pedagógico: “[...] a) um conjunto de meios; b) escolhidos com o fim de atingir um
ou vários objetivos inscritos em um propósito; c) mediante ações organizadas e distribuídas
no tempo.” (p. 7). Ao abordar a classificação dos diferentes métodos pedagógicos, Marc Bru
mostra que “toda pedagogia se articula sobre uma relação privilegiada entre dois de três ele-
mentos (o saber, o professor e os alunos).” (p. 38).
Nessa perspectiva, a partir do triângulo pedagógico, posiciona as diversas pedago-
gias e seus métodos em três tipos: a primeira privilegia a relação entre o saber e o professor
(processo ensinar); a segunda privilegia a relação entre o professor e os alunos (processo for-
mar) e a terceira privilegia a relação entre o saber e o aluno (processo aprender) (BRU, 2008).
No campo da música, se utiliza o conceito de método “[...] tanto como caminho pa-
ra se atingir objetivos, relacionando-se a ações pedagógicas organizadas, quanto como obje-
to imbuído de materialidade, caracterizando-se como o livro didático destinado ao ensino
do instrumento.” (REYS; GARBOSA, 2010, p. 107). Nesse sentido, é comum livros didáticos
utilizados na iniciação instrumental, serem designados como métodos, intitulados pelos
nomes de seus autores.
Geralmente os professores adotam e utilizam um ou mais métodos a partir da esco-
lha de uma determinada concepção de ensino, personificado na figura do livro didático, o
que na prática acaba orientando e direcionando o trabalho em sala de aula. Nessa perspec-
tiva, métodos

[...] caracterizam livros didáticos manuscritos ou impressos, elaborados para aten-


der as necessidades de professores e alunos de instrumento, refletindo uma realida-
de histórica, social e educacional. Tais livros apresentam, geralmente, orientações
elementares de teoria musical, assim como orientações técnicas sobre o manuseio do
instrumento, incluindo a maneira de sentar-se, de segurar o instrumento e de pro-
duzir o som. Por meio de um “passo a passo”, os métodos são organizados de modo
a apresentarem os conteúdos em uma ordem progressiva de dificuldades técnicas e
musicais. Assim, além de exercícios para desenvolver a técnica específica de um ins-
trumento musical, os autores costumam incluir um repertório ligado ao contexto cul-
tural de origem, além de peças ou fragmentos relacionados ao repertório tradicional
do instrumento. (REYS; GARBOSA, 2010, p. 114).

182
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

Dessa forma, compreende-se que “o método é uma proposta pronta, construída a


partir da experiência de seu autor ou autores e que, via de regra, não leva em considera-
ção a outra ponta do binômio ensino/aprendizagem – o aluno.” (FONTERRADA, 2012 apud
BRAZIL, 2012, p. 9-10).
Para Penna (2009), inúmeros métodos de educação musical vinculam suas propos-
tas metodológicas a algum tipo de material didático, apresentando sequências pedagógicas
que acabam se tornando um meio de sua própria divulgação.
A autora, ao analisar a importância dos métodos no processo pedagógico, mostra
que

[...] os métodos carregam uma concepção de mundo, uma concepção de música;


eles selecionam e organizam conteúdos, propondo procedimentos para abordá-los.
É preciso, portanto, verificar se são compatíveis com a concepção de música que
defendemos, se os conteúdos que trabalham são aqueles que priorizamos. (PENNA,
2009, p. 1354).

Assim, os materiais didáticos designados como métodos de ensino de instrumen-


tos musicais são construídos a partir de diferentes necessidades e objetivos educativos, os
quais irão refletir a realidade para a qual foram concebidos.
Para uma melhor compreensão do material didático disponível para violão coletivo,
serão analisados os três livros encontrados na revisão bibliográfica que foram publicados no
Brasil direcionados a temática e mais dois que possuem arranjos instrumentais compatíveis
com a proposta de ensino coletivo de violão. A existência de arranjos instrumentais elabo-
rados para a prática e/ou o ensino do violão de forma coletiva, foi o critério utilizado para
definir quais materiais didáticos seriam analisados. A ordem de exposição dos materiais foi
apresentada de acordo com o ano de publicação.

5. A escolha dos materiais didáticos a serem analisados

Após um extenso levantamento bibliográfico em editoras, livrarias e bibliotecas, foi


possível confirmar que ainda existem poucos materiais didáticos publicados no Brasil ela-
borados para a iniciação musical por meio do ensino coletivo de violão. Foram encontrados
apenas três materiais em que os próprios autores os conceituam como destinados a aulas
coletivas de violão:
Oficina de Violão: volume 1 - Cristina Tourinho e Robson Barreto (2003);
Violão Orquestral: volume I - metodologia do ensino coletivo e 20 arranjos comple-
tos para orquestra de violões - Cláudio Weizmann (2003);
Na Ponta dos Dedos: exercícios e repertórios para grupos de cordas dedilhadas -
Marcelo Brazil (2012).

Optou-se por incluir na análise, além desses três materiais didáticos, mais dois, que
mesmo não sendo direcionados à iniciação musical por meio de aulas coletivas de violão,
apresentam arranjos instrumentais que podem ser utilizados como material de apoio nessa
modalidade de ensino:
Em Conjunto - André Campos Machado (2002a, 2002b, 2002c);
Minhas Primeiras Cordas - André Campos Machado (2007);

183
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

A seguir realiza-se uma descrição dos conteúdos que cada um dos materiais didá-
ticos contempla, apresentando os dados comparativos entre eles explicitados no Quadro 1.
Posteriormente realiza-se a análise dos materiais didáticos a partir de quatro critérios apre-
sentados no Quadro 2, elaborados a partir do entendimento do conceito de método na área
da música apresentado por Reys e Garbosa (2010). Os quatro critérios de análise construí-
dos são: (1) orientações elementares de teoria musical; (2) orientações técnicas sobre o ma-
nuseio do instrumento; (3) conteúdos em uma ordem progressiva de dificuldades técnicas e
musicais; (4) existência de uma ordem sequencial pré-determinada por meio de um “passo
a passo” para se atingir o objetivo final.

Descrição dos Conteúdos dos Materiais Didáticos Selecionados


Em Conjunto - André Campos Machado (2002a, 2002b, 2002c)
O material é composto de três volumes compostos para a prática em conjunto. Con-
templa um repertório de músicas populares e eruditas direcionadas para alunos intermedi-
ários e avançados. Não se propõe apresentar um método de iniciação e sim uma coletânea
de arranjos instrumentais para a prática coletiva de duos trios e quartetos de violão, sendo
que alguns arranjos contemplam a flauta transversal.

Oficina de Violão - Volume 1 - Cristina Tourinho e Robson Barreto (2003)


O material é elaborado para a iniciação instrumental sendo dividido em três partes.
Na primeira apresenta: informações preliminares do instrumento e da técnica violonística,
elementos básicos da teoria musical, acordes no braço do violão e sugestões de músicas fol-
clóricas e populares para serem tocadas através de cifra. A segunda parte contempla: leitu-
ra aplicada, solfejo e técnica instrumental, exercícios e melodias folclóricas com acompa-
nhamento de cifra. Parte-se da primeira corda do violão e de forma progressiva inseri-se as
demais, até trabalhar as seis cordas do violão na pauta na primeira posição. A terceira parte
contém músicas do repertório erudito para violão solo e duo.

Violão Orquestral - Volume I - Metodologia do Ensino Coletivo - Cláudio Weizmann (2003)


O material apresenta: orientações técnicas básicas de execução violonística, princí-
pios da linguagem musical, cronologia e mestres do violão, alguns exercícios técnicos, me-
lodias populares, folclóricas e do repertório erudito na pauta com acompanhamento de ci-
fra, peças para violão solo do repertório erudito e arranjos de músicas populares para vio-
lão solo. A última parte do material contempla 20 Arranjos completos para Orquestra de
Violões com distinção do nível de dificuldade: iniciante, intermediário e avançado.

Minhas Primeiras Cordas - André Campos Machado (2007)


Este material, apesar de ser direcionado ao ensino de violão de forma tutorial, foi
incluído na análise por conter quatro arranjos instrumentais para serem utilizados em au-
las coletivas de violão por alunos iniciantes.
A primeira parte contém peças para iniciação da leitura de partitura contemplando
apenas as três primeiras cordas do violão com acompanhamento do professor. A Segunda
contém 10 estudos para violão solo, cada um busca trabalhar um aspecto técnico diferen-
te: ligados, escalas, arpejos, trêmulo, melodia e acompanhamento, terças, polegar, acordes,
acordes diminutos e harmônicos. Já na terceira parte, foram compostas pelo autor quatro
músicas com arranjo para quarteto de violões, para serem utilizadas em aulas coletivas.

184
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

Na Ponta dos Dedos - Marcelo Brazil (2012)


Este material contém composições de exercícios e arranjos instrumentais, contem-
plando a leitura de partitura e de cifra com o objetivo de desenvolver a leitura musical dos
alunos em aulas coletivas. A primeira parte do material e destinada a exercícios instru-
mentais para grupos coletivos de cordas dedilhadas e violão com percussão, contemplando
diversos estilos musicais como: valsa, maxixe, baião, choro, reggae e maracatu, chamamé,
cururu, toada e ponteado. Na segunda parte contém peças para trio e quarteto de diferen-
tes ritmos e estilos musicais. O material ainda apresenta textos de apoio direcionado aos
professores.

Quadro Comparativo dos Conteúdos Contemplados nos Materiais Didáticos


Com o objetivo de facilitar o entendimento dos materiais didáticos selecionados,
bem como a correspondência dos principais aspectos existente entre eles, foi criado um
quadro que mostra quais os aspectos que cada um contempla ou deixa de contemplar.
(Vide Quadro 1 abaixo).

Quadro 1: Doze aspectos de análise de correspondência entres os conteúdos contemplados nos materiais didáticos elaborados
para o ensino coletivo de violão publicados no Brasil.

Todos os materiais contemplam a leitura musical e arranjos instrumentais para a


prática e/ou ensino do violão de forma coletiva. Dos cinco materiais analisados, quatro apre-
sentam exercícios de leitura musical e/ou técnica violonística, no entanto, os mesmos não
apresentam encadeamentos de atividades e exercícios de forma progressiva como um “passo

185
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

a passo” buscando superar as dificuldades e o desenvolvimento das habilidades técnicas do


violão. Foi observado ainda, que apenas três dos materiais apresentam atividades elabora-
das para a iniciação violonística contemplando noções de postura e/ou técnica violonística.
Nenhum dos materiais apresenta estudos das escalas musicais, um aspecto fun-
damental e necessário na formação de qualquer instrumentista. Também não contempla
variações das levadas rítmicas utilizadas no violão para acompanhamento de músicas po-
pulares, o que proporcionaria uma formação mais ampla para o violonista. Nesse sentido,
mesmo que quatro dos materiais apresentem a utilização da notação de acordes por cifra,
somente dois contemplam desenhos dos acordes no braço do violão e apenas um, de autoria
de Weizmann (2003), contém letras de músicas cifradas.
Foi constatado que as conceituações teóricas estão presentes apenas nos materiais
de Tourinho e Barreto (2003) e Weizmann (2003), sendo que apenas este último contempla
aspectos históricos do violão e/ou dos principais violonistas.

Análise dos Materiais Didáticos Elaborados para o Ensino Coletivo de Violão


Os quatro critérios aqui utilizados para buscar identificar quais os materiais didáti-
cos publicados no Brasil poderiam ser designados como métodos de ensino coletivo de vio-
lão, foram elaborados a partir das características apresentadas por Reys e Garbosa (2010),
que constituem o entendimento do conceito de método de iniciação instrumental na área de
música. (Vide Quadro 2 abaixo).

Quadro 2: Quatro dos critérios utilizados na análise dos materiais didáticos elaborados para o ensino coletivo de violão
publicados no Brasil.

Critério 1: Orientações elementares de teoria musical


Nesse critério, apenas os materiais de Tourinho e Barreto (2003) e Weizmann (2003)
mostraram possuir informações iniciais de leitura musical como: nome das notas na pau-
ta, nome das figuras musicais, nome das claves etc. Nesse sentido o material de Weizmann
(2003) se mostra mais completo, apresentando conceitos como: ligaduras, figuras pontua-
das, compassos, fórmula de compasso, tempo, acidentes musicais, sinais de repetição, dinâ-
mica, andamento, metrônomo, diapasão e formas musicais.

186
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

Critério 2: Orientações técnicas sobre o manuseio do instrumento


Novamente, apenas os materiais de Tourinho e Barreto (2003) e Weizmann (2003)
contemplaram esse critério. No entanto, os dois materiais didáticos fazem essa abordagem
de forma bastante superficial. Não apresentando textos nem mesmo imagens que orientem
os alunos quanto à postura: a forma de sentar, o posicionamento das mãos e dos braços du-
rante a execução de uma peça no violão.

Critério 3: Conteúdos em uma ordem progressiva de dificuldades técnicas e musicais


Neste aspecto analisado foram três os materiais didáticos que apresentaram uma
ordem progressiva de dificuldade técnica a ser desenvolvida. Os materiais de Tourinho e
Barreto (2003) e Weizmann (2003) contemplaram esse critério tanto nos exercícios apresen-
tados, como no repertório solo e em conjunto existente. Já o livro de Machado (2007) apesar
de ter sido selecionado por conter três peças direcionadas ao ensino coletivo de violão, con-
templa esse critério apenas na parte destinada ao ensino de violão de forma tutorial.

Critério 4: Existência de uma ordem sequencial pré-determinada por meio de um “passo a


passo” para se atingir o objetivo final.
Foi constatado que nenhum dos cinco materiais didáticos contempla esse critério
de forma plena. Os materiais, de forma geral apresentam tanto exercícios, como repertório
solo e coletivo, sem possuírem um “passo a passo” no desenvolvimento técnico violonístico
que justificaria uma exigência de sequência pré-determinada de forma rígida de todo mate-
rial. A existência de uma ordem sequencial como um “passo a passo” é uma das caracterís-
ticas marcantes na análise feita por Santos (2013) nos métodos de piano em grupo existentes
no Brasil e nos Estados Unidos.

Mesmo que todo o material analisado contemple arranjos instrumentais elaborados


para o ensino coletivo de violão e a maioria apresente exercícios e atividades que buscam
o desenvolvimento da leitura e de algumas habilidades técnicas do violão, acredita-se que
nenhum deles atenda ao que se compreende por “método”, pois não há a existência de uma
ordem sequencial pré-determinada por meio de um “passo a passo” para se atingir o objeti-
vo final, como foi constatado no quarto critério de análise. Os materiais se enquadram me-
lhor na classificação de livros de repertório ou materiais didáticos direcionados ao ensino
coletivo de violão.
Importante ressaltar que nenhum dos cinco materiais didáticos analisados se auto-
denomina como um método de ensino coletivo de violão. Dos cinco materiais, três apresen-
tam uma justificativa na introdução relatando que as publicações não possuem a pretensão
de ser um método de iniciação instrumental.
Brazil (2012) relata que na parte dele não houve pretensão de organizar um méto-
do e que seu livro “[...] é apenas uma coleção organizada de parte dos exercícios, composi-
ções e arranjos que elaborei em mais de quinze anos como professor de aulas coletivas de
violão” (p. 11). Machado (2007) também apresenta a mesmo posicionamento e diz que seu
objetivo foi “[...] contribuir para o aumento de repertório para alunos em sua fase inicial de
aprendizado violonístico” (p. 11). Nesse sentido Tourinho e Barreto (2003) propõe que cada
professor utilize o material de forma autônoma tendo “[...] liberdade para intercalar o apren-
dizado de cifras com a leitura na pauta e o repertório, sem necessariamente dar seguimento
à ordem das páginas” (p. 7).

187
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

Considerações finais

As reflexões realizadas a partir do estudo da revisão de literatura permitiram com-


preender que um método significa uma proposta pronta, com os caminhos pré-determina-
dos como um “passo a passo” para se atingir de forma gradual os objetivos propostos. Isto
é, o método consiste em uma sequência de procedimentos em que o objetivo é alcançar um
determinado fim.
Nesse sentido, a análise dos cinco materiais didáticos realizada revelou que ne-
nhum deles contempla de forma completa os requisitos necessários para ser classificado co-
mo um método de ensino coletivo de violão, principalmente pelo fato de não possuírem um
“passo a passo” definido.
Além dos aspectos discutidos até aqui, é pertinente pensar também sobre a impor-
tância do professor como um ser reflexivo, tomando cuidado para não se tornar um mero
executor de um método, ou de materiais didáticos, pensado e construído para um determi-
nado contexto. Mesmo adotando e utilizando um determinado método de ensino de instru-
mento musical, o professor de música deve refletir se o mesmo é suficiente para atender to-
das as necessidades da sua prática educativa, pois nenhuma escola de música é igual a ou-
tra, e portanto, parte-se do pressuposto que os caminhos a serem percorridos dependerá da
realidade de cada situação.
Desse modo, acredita-se ser relevante no processo pedagógico articular e definir o
que e como ensinar. Acredita-se que a formação de um professor de música reflexivo tam-
bém está diretamente ligada ao conhecimento de diferentes propostas metodológicas e ter
acesso aos diferentes materiais didáticos elaborados para o ensino coletivo de violão poderá
contribuir com a sua própria reflexão como professor em sua prática pedagógica.

Nota
1
Este texto integra uma pesquisa de mestrado em música em andamento no Programa de Pós Graduação em Mú-
sica da UFG, que busca estudar o desenvolvimento da aprendizagem musical em aulas coletivas de violão, a par-
tir de um proposta metodológica.

Referências

ARÔXA, Ricardo; REBOUÇAS, Felipe; OLIVEIRA, Adriano. Oficinas de violão da EMUS-UFBA:


um relato de experiência. In: CONGRESSO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
EDUCAÇÃO MUSICAL, 21, 2013, Pirenópolis. Anais... Pirenópolis: ABEM, 2013. p. 1824-1833.

BARBOSA, Joel Luis. Considerando a Viabilidade de Inserir Musica Instrumental no Ensino de


Primeiro Grau. Revista da Abem, Salvador, v.3 n.3, p. 39-50, jun. 1996.

BRAGA, Paulo David Amorim. Oficina de violão: estrutura de ensino e padrões de interação
em um curso coletivo a distância. Tese de Doutorado. Escola de Música. Salvador: Universidade
Federal da Bahia, 2009. 320p.

BRAGA, Simone; TOURINHO, Cristina. Um por todos ou todos por um: processos avaliativos
em música. Feira de Santana: UEFS Editora, 2013. 170p.

BRAZIL, Marcelo. Na ponta dos dedos: exercícios e repertório para grupos de cordas dedilha-
das. São Paulo: DIGITEXTO, 2012. 86p.

188
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

BRU, Marc. Métodos de pedagogia. São Paulo: Ática, 2008. 120p.

CAMPOS, Moema Craveiro. A educação musical e o novo paradigma. Rio de Janeiro: Enelivros,
2000. 252p.

COSTA, Carlos H.; AGUIAR, Adriana. Piano em grupo: metodologia contextualizada ao Brasil.
In: CONGRESSO REGIONAL CENTRO-OESTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCA-
ÇÃO MUSICAL, 8, 2008, Brasília. Anais... Brasília: ABEM, 2008.

CRUVINEL, Flavia Maria. Efeitos do ensino coletivo na iniciação instrumental de cordas: a edu-
cação musical como meio de transformação social. Dissertação de Mestrado, Escola de Música e
Artes Cênicas. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2003. 321p.

CRUVINEL, Flavia Maria. Educação musical e transformação social: uma experiência com en-
sino coletivo de cordas. Goiânia: ICBC, 2005. 255p.

CRUVINEL, Flavia Maria. O Ensino Coletivo de Instrumentos Musicais na Educação Básica:


compromisso com a escola a partir de propostas significativas de Ensino Musical. In: CON-
GRESSO REGIONAL CENTRO-OESTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MU-
SICAL, 8, 2008, Brasília. Anais... Brasília: ABEM, 2008.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 5. ed. Curi-
tiba: Positivo, 2010. 2273p.

GALINDO, João Maurício. Instrumentos de arco e ensino coletivo: a construção de um método.


Dissertação de Mestrado. Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Pau-
lo, 2000. 180p.

LEME, Luis Santiago Malaga. Práticas informais no ensino coletivo de sopros: um experimento
no Guri. Dissertação de Mestrado. Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de
São Paulo, 2012. 227p.

MACHADO, André Campos. Em conjunto: arranjos e adaptações - volume 1. Uberlândia:


Edufu, 2002. 75p.

MACHADO, André Campos. Em conjunto: arranjos e adaptações - volume 2. Uberlândia:


Edufu, 2002. 95p.

MACHADO, André Campos. Em conjunto: arranjos e adaptações - volume 3. Uberlândia:


Edufu, 2002. 86p.

MACHADO, André Campos. Minhas primeiras cordas. Uberlândia: Edufu, 2007. 66p.

MONTANDON, Maria Isabel. Aula de piano e ensino de música: análise da proposta de reava-
liação da aula de piano e sua relação com as concepções pedagógicas de Pace, Verhaalen e Gon-
çalves. Dissertação de Mestrado. Instituto de Artes. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, 1992. 171p.

MONTANDON, Maria Isabel. Ensino Coletivo, Ensino em Grupo: mapeando as questões da


área. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO COLETIVO DE INSTRUMENTO MUSICAL, 1,
2005, Goiânia. Anais... Goiânia: Escola de Música e Artes Cênicas-UFG, 2004. p. 44-48.

MONTANDON, Maria Isabel. O que dizem os textos sobre ensino em grupo ou ensino coletivo
de instrumento: uma análise de conteúdo. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO COLETI-
VO DE INSTRUMENTO MUSICAL, 6, 2014, Salvador. Anais... Salvador: Escola de Música da
UFBA, 2014.

189
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

MONTANDON, Maria Isabel; SCARAMBONE, Denise. As várias formas de ensinar em gru-


po: relatos de experiência. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE PIANO EM GRUPO, 2,
2012, Goiânia. Anais... Goiânia: Anais do II Encontro Internacional de Piano em Grupo, 2012.
p. 53-56.

OLIVEIRA, Enaldo Antonio James de. O ensino coletivo dos instrumentos de corda: reflexão e
prática. Dissertação de Mestrado. Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de
São Paulo, 1998. 202p.

OLIVEIRA, Pedro Augusto Dutra de. O ensino coletivo de instrumento musical: explorando a
heterogeneidade entre alunos de uma mesma turma. Revista Espaço Intermediário, São Paulo,
v.1, n.2, p. 19-30, 2010.

OLIVEIRA, Victor Matos de. Projeto Orquestra de Violões nas Escolas: uma experiência de en-
sino coletivo de instrumento nas escolas da rede pública estadual de ensino do Espírito Santo.
A Tempo - Revista de Pesquisa em Musica, Vitória, v.5, n.5, p. 29-37, jan/jun. 2014.

PENNA, Maura. O método na prática pedagógica em música: função, uso e o papel do professor.
In: CONGRESSO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 18,
2009, Londrina. Anais... Londrina: ABEM, 2009. p. 1350-1357.

REINOSO, Ana Paula T. A Inserção do Ensino de Piano em Grupo no Brasil: episódios marcan-
tes. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA, 2, 2012, Rio de Janeiro.
Anais... Rio de Janeiro: SIMPOM, 2012. p. 1110-1117.

REYS, Maria Cristina Deltregia; GARBOSA, Luciane Wilke Freitas. Reflexões sobre o termo
“método”: um estudo a partir de revisão bibliográfica e do método para violoncelo de Michel
Corrette (1741). Revista da ABEM, Porto Alegre, v.24, p. 107-116, 2010.

SÁ, Fábio Amaral da Silva. A construção de um repertório atrativo e eficaz para o ensino co-
letivo de violão: uma experiência. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO COLETIVO DE
INSTRUMENTO MUSICAL, 5, 2012, Goiânia. Anais... Goiânia: EMAC-UFG, 2012.

SANTOS, Rogerio Lourenço dos. O ensino de piano em grupo: uma proposta para elaboração de
método destinado ao curso de piano complementar nas universidades brasileiras. Tese de Douto-
rado. Escola de Comunicação e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2013. 255p.

SILVA, Francinaldo Rodrigues da. A aprendizagem musical e as contribuições sociais nas ban-
das de música: um estudo com duas bandas escolares. Dissertação de Mestrado. Escola de
Música e Artes Cênicas. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2014. 188p.

TABORDA, Marcia. Violão e identidade nacional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.


304p.

TERESINA, Prefeitura de. Orquestra de Violões é alternativa para jovens em Teresina, Teresi-
na, 14 mai. 2015. Disponível em: <http://www.portalpmt.teresina.pi.gov.br/noticia/0rquestra-
-de-Violoes-e-alternativa-para-jovens-em-Teresina/6661>. Acesso em: 30 out. 2015.

TOURINHO, Cristina. A motivação e o desempenho escolar na aula de violão em grupo: influ-


ência do repertório de interesse do aluno. Dissertação de Mestrado. Escola de Música. Salvador:
Universidade Federal da Bahia, 1995. XXXp.

TOURINHO, Cristina. A formação de professores para o ensino coletivo de instrumento. In:


ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 12, 2003,
Florianópolis. Anais... Florianópolis: ABEM, 2003.

TOURINHO, Cristina; BARRETO, Robson. Oficina de Violão. Salvador: Quarteto, 2003. 44p.

190
SILVA SÁ, F. A.; LEÃO, E. Materiais didáticos para o ensino coletivo de violão: questionamentos sobre métodos.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 176-191

VIDEIRA, Mario. Ensinando piano em grupos. Revista Espaço Intermediário, São Paulo, v.2,
p. 71-73, 2011.

WEIZMANN, Cláudio. Violão Orquestral - volume 1: metodologia do ensino coletivo e 20 arran-


jos completos para orquestra de violões. São Paulo: Rettec, 2003. 196p.

WEIZMANN, Cláudio. Educação musical: aprendendo com o trabalho social de uma orquestra
de violões. Dissertação de Mestrado. Faculdade Mozarteum. São Paulo: Universidade Presbite-
riana MacKenzie, 2008. 190p.

YING, Liu Man. O Ensino Coletivo Direcionado no Violino. Dissertação de Mestrado. Escola de
Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007. 227p.

Fábio Amaral da Silva Sá - Graduado em Educação Musical pela UFG. Especialista em Docência do Ensino Supe-
rior pela Sociedade Brasileira de Educação e Cultura. Aluno bolsista (CNPq) no Programa de Mestrado em Músi-
ca da UFG, com pesquisa na área de Educação Musical e Ensino Coletivo de Violão. Professor de Música e Ensino
Coletivo de Violão na Secretaria Estadual de Educação do Estado de Goiás.

Dra. Eliane Leão - Doutora pela UNICAMP. Mestre pela Purdue University. Pós-doutora pela Auburn University/
CNPq. Editora de música do Art Research Journal, representante da ANPPOM. Professora no Mestrado em Música
da EMAC/UFG. Pesquisadora na área de Desenvolvimento Cognitivo Musical, Metodologias de Ensino da Música,
Criatividade, Ensino Coletivo e Interdisciplinaridade. Autora do livro Pesquisa em Música: apresentação de meto-
dologias, exemplos e resultados, da Editora CRV.

191
LUCENA, D.; LABOUREAU, G. EL rol del cuerpo-vestido en la ruptura estética de virus durante los últimos años de la dictadura militar.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 192-202

El rol del cuerpo-vestido en la ruptura estética de Virus


durante los últimos años de la dictadura militar

Daniela Lucena (Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina)


daniela.lucena@gmail.com
Gisela Laboureau (Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina)
anagiselalaboureau@gmail.com

Resumen: El texto parte de la hipótesis de que la propuesta del grupo argentino de rock Virus puede comprenderse
como parte de una apuesta/respuesta micro-política de resistencia y confrontación originada desde finales de la dic-
tadura, que apuntó a restituir el lazo social quebrado por el terror, a partir de programas estéticos relacionales y festi-
vos. Estas nuevas estéticas-políticas se materializaron en obras, producciones, recitales, shows y espacios culturales
que fueron conformando una trama underground que se multiplicó con la llegada de la democracia. En ese contexto,
nos interesa recuperar la propuesta de Virus no como algo aislado o exclusivo del mundo del rock, sino en relación
con todo ese proceso de renovación y combustión creativa, en el cual el cuerpo asumió un lugar central. Para esto, el
artículo se enfoca específicamente en las novedosas prácticas vestimentarias de Virus y en el rol que en ellas jugó el
cuerpo, ya sea como soporte de las acciones artísticas, como vehículo de encuentro con los otros, como territorio de
indisciplina política o como “superficie de placer”.
Palabras clave: Cuerpo y prácticas vestimentarias; Rock nacional; Última dictadura argentina.

The role of the dressed-body in the aesthetical rupture of Virus during the last years of the military dictatorship
Abstract: The text is based on the hypothesis that the proposal of the Argentine rock group Virus can be understood
as part of a micro-political bet/response of resistance and confrontation arising from the end of the dictatorship,
which aimed to restore the social bond broken by terror, from relational and festive aesthetic programs. These new
political-aesthetics materialized in works, productions, concerts, shows and cultural spaces that were forming an
underground plot that grew with the arrival of democracy. In this context, we want to retrieve the proposal of Virus
not as something isolated or unique in the world of rock, but in relation to all this process of renewal and creative
combustion, in which the body took a central place. For this, the article focuses specifically in the innovative dress
practices of Virus and in the role played by the body, whether as a support of artistic actions, as a vehicle for meet-
ing with the others, such as territory of political indiscipline or as “pleasure surface”.
Keywords: Body and dress practices; National rock; Last argentine dictatorship.

O papel do corpo / vestido na quebra estética de Vírus nos últimos anos da ditadura militar
Resumo: O texto afirma a seguinte hipótese: a proposta do grupo de rock argentino Virus pode ser entendida como
parte de uma micro-política de oferta / resposta de resistência e confronto originada no final da ditadura, que teve
como objetivo restaurar o vínculo social quebrada pelo terror, a partir de programas estéticos e relacionais. A nova
estética é incorporada em obras, produções, concertos, espectáculos e espaços culturais formaram uma trama sub-
terrânea que foi multiplicada com o advento da democracia. Neste contexto, queremos recuperar a proposta Vírus,
não como isolado ou único para o mundo do rock, mas em relação a todo este processo de renovação e de combustão
criativa, em que o corpo tomou o centro do palco. Para isso, o artigo centra-se especificamente sobre as práticas do
vestido do Vírus e sua relação com o corpo, em apoio às atividades artísticas como um veículo para a reunião com os
outros, como um território de indisciplina político ou “lugar de prazer”.
Palavras-chave: Corpo e práticas do vestir; Rock nacional; Última ditadura militar da argentina.

“Hay mucha gente que cree que atender el cuerpo es una cosa estúpida,
que bailar es perder el tiempo. Yo creo que atender el cuerpo es igual que
atender la mente: es tan elevado lo uno como lo otro” (Federico Moura).

El libro Virus. Una generación (Riera y Sánchez, 1995) comienza narrando la histo-
ria del grupo liderado por Federico Moura con un crónica del festival Prima Rock de 1981.
Ese festival, realizado durante el mes de septiembre en Ezeiza, era el primer encuentro de
rock al aire libre que se llevaba adelante durante los años de la última dictadura militar en
Argentina. La actuación de Virus no fue exactamente la más aplaudida por los asistentes,
que llegaron a sumar 10.000 personas durante la jornada más concurrida. Varios narajanzos

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 10/09/2015 - Aprovado em: 10/12/2015

192
LUCENA, D.; LABOUREAU, G. EL rol del cuerpo-vestido en la ruptura estética de virus durante los últimos años de la dictadura militar.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 192-202

y abucheos parecían indicar que el público rechazaba esa acelerada performance musical
que incluía remeras multicolores, temas cortos, versos con rimas y afinadores electrónicos
para bajo y guitarra hasta entonces desconocidos en nuestro país.
El público le daba vuelta la cara a Virus y Federico Moura interpretaba esto en el
contexto más amplio de la ausencia de libertades que vivía la sociedad en aquellos años,
atribuyendo esa violenta reacción de los jóvenes a la represión, al autoritarismo y al mie-
do que impregnaban todos los ámbitos de la vida. Un grupo de jóvenes de aspecto hippie,
mientras tanto, decidía abandonar el recital en medio de la actuación de Virus, agitando una
bandera de la paz frente al escenario: “Lo que dijo este chanta de Virus no tuvo nada que ver
porque acá lo que se necesita es paz. No lo que dicen ellos: que está bien tirar cosas. Noso-
tros queremos demostrar que no queremos eso. Venimos a escuchar buena música y a diver-
tirnos, pero no a escuchar a estos tarados...” (Riera y Sánchez, 1995, p. 18).
Visto desde una perspectiva sociológica, este relato pone en evidencia las tensiones
que atravesaban al campo del llamado “rock nacional” en ese momento particular. Los va-
lores hegemónicos de ese espacio (representados emblemáticamente por los exitosos grupos
Sui Generis y Serú Girán) vinculaban al rock con una actividad mental/intelectual, con le-
tras comprometidas e intereses ajenos a la lógica comercial; una música trascendental don-
de se enaltecía el espíritu, en desmedro de la corporalidad, el baile y el movimiento. La gé-
nesis de esta construcción simbólica, que se expresaba en la polarización: música profunda,
seria y anti-sistema para escuchar en el recital vs música banal, divertida y comercial para
bailar en la disco, tiene una historia concreta, que se remonta a la propia constitución del
campo del rock en Argentina.
A partir de 1965, el denominado “rock nacional” se instituyó en oposición a ese
primer rock castellanizado y bailable que, con el apoyo de la televisión, había logrado una
amplia aceptación popular de la mano del Club del Clan, Palito Ortega y Sandro. El primer
LP de Los Gatos pero sobre todo su simple La Balsa - Ayer Nomás (que llegó a vender 25.000
copias, pese a las críticas de los músicos y sus seguidores hacia las estrategias de la indus-
tria discográfica) aparecieron entonces como los hechos fundacionales de un nuevo movi-
miento juvenil que renegaba de las canciones poco jugadas y “pasatistas” del tipo Club del
Clan, hechas para “boludos alegres que se pavoneaban escuchando la música comercial que
imponían determinados auspiciantes” (Olivera, 2007, p. 20).
Desde entonces, el llamado “rock nacional” se propuso como objetivo central lo que
el guitarrista de Manal definió como “abrir los cocos” (Benedetti y Graziano, 2007, p. 13),
privilegiando la concentración y la audición cerebral en los recitales, donde el público se co-
municaba activamente con los músicos pero permanecía sentado, sin realizar grandes mo-
vimientos corporales ni mucho menos bailar. Se trataba, entonces, de que el rock pudiese
lograr la conformación de un espíritu juvenil crítico, de conciencia emancipada, contracul-
tural o alternativo al modo de vida impuesto por el “sistema”, que aparecía entonces como
el gran enemigo común de esa generación.
A pesar de esa prédica anti-sistema, el rock nunca se definió o reivindicó en nues-
tro país como un movimiento político, sino más bien todo lo contrario. Desde sus orígenes,
el rock fue desarrollándose como una opción de vida en paralelo – e incluso enfrentada –
a la militancia partidaria, gremial, estudiantil o las organizaciones armadas. Sus valores
constitutivos diferían mucho de aquellos mandatos que los grupos políticos y guerrilleros
imponían entre sus militantes, en el contexto de la creciente radicalización política que se
vivía en el país durante aquellos años. El periodista y editor Manuel Grinberg sintetiza del
siguiente modo la posición ideológica sostenida por ese el rock nacional a fines de los años
‘60: “No apuntábamos al ‘cambio violento en las instituciones políticas, económicas o socia-

193
LUCENA, D.; LABOUREAU, G. EL rol del cuerpo-vestido en la ruptura estética de virus durante los últimos años de la dictadura militar.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 192-202

les de una nación’ (sentido extrínseco), sino que anhelábamos la transformación profunda
del acto de existir en este planeta cultivando en nosotros mismos la promesa de otra reali-
dad cotidiana” (Grinberg, 2004, p. 7).
Al comenzar los años ‘70, sin embargo, las letras de muchas canciones se “politiza-
ron”, incluyendo en sus temas cuestiones vinculadas con la convulsionada realidad nacio-
nal. De ese modo, la rebeldía espiritual y pacífica típica presente en la gran mayoría de las
canciones convivía con algunas (pocas) letras de protesta social; con la llegada de la dicta-
dura, las letras del rock fueron mutando, en general, hacia diversas formas de alusión y pa-
ráfrasis.
Pero más allá del contenido puntual de las canciones, aún durante los años ‘70 la
corporalidad seguía teniendo un lugar subordinado en relación con el intelecto, destinata-
rio central de los temas interpretados por los músicos. Los investigadores Varela y Alabar-
ces señalan que fue justamente durante los años de la última dictadura cuando se degradó
y despreció aún más el baile, forma específica de socialización dónde el cuerpo adquiere
un papel privilegiado: “...entronizar el espíritu, la trascendencia, sentirse herederos y puri-
ficadores de la religión se oponía a toda forma de exacerbación corporal” (Varela y Alabar-
ces, 1998, p. 53). Obturadas las posibilidades de cualquier tipo de militancia política el rock
aparecía, sin proponérselo, como el movimiento adecuado para cubrir los huecos de la re-
presentación vacante, como “ese mullido refugio donde no entumecer ni el corazón ni el ce-
rebro” (Civale, 2011, p. 64). De allí la necesidad de delimitar más celosamente ese “nosotros”
(serio, comprometido, crítico) que, aunque apolítico y sumamente variopinto en su interior,
se presentaba como un colectivo homogéneo de resistencia juvenil (visión que, a su vez, fue
reproducida y legitimada en la gran mayoría de los estudios sobre el rock del período).

1. El placer como principio ordenador

Planteado así el mapa de la configuración del campo del llamado “rock nacional”,
resulta comprensible el rechazo hacia la novedosa actuación de Virus. La irrupción del
grupo en ese espacio atentaba directamente contra las definiciones más legítimas de lo
que debe ser el rock y de cómo debe ser un rockero. Con su disruptiva propuesta musical
y estética, Virus ponía en cuestión la esencia misma, pero también la misión, del “rock
nacional”.
En este sentido, consideramos importante destacar la línea en la que inscribieron
su programa artístico: una desafiante tradición selectiva en la que reconocían como sus an-
tepasados nada menos que al Club del Clan y sobre todo a Sandro: “Nos gusta la primera
época de Sandro, cuando estaba con Los de Fuego. Creemos que Sandro, junto con algunos
más, fue el precursor del rock en la Argentina. Muchas veces se habla de Litto Nebbia o de
Tanguito, pero Sandro ya tenía ocho años de rock and roll encima. ¿Por qué borrarlo como
si no existiera?” (Sánchez, 1998, p. 101).
Esta declaración de Federico Moura resulta muy sugerente, no sólo porque reivin-
dica a esos músicos menospreciados y tildados de pasatistas y comerciales por los rockeros
de los 70, sino también por la relación de Sandro con el cuerpo (el suyo, el de sus seguido-
ras). Desde sus primeros shows, el cuerpo de Sandro sobre el escenario se movía, seducía,
sacudía y perturbaba; era un cuerpo que trascendía “sus letras para afincarse en la erotici-
dad” (Alabarces, 1992, p. 42).
Reconociendo a Sandro como el pionero del rock argentino, Federico Moura resca-
taba al baile y al cuerpo como pilares fundamentales de la música rock pero además, se ali-

194
LUCENA, D.; LABOUREAU, G. EL rol del cuerpo-vestido en la ruptura estética de virus durante los últimos años de la dictadura militar.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 192-202

neaba con un cuerpo “otro” que era símbolo de sensualidad desplazada y marginal, moro-
cha, suburbana, “groncha”. Federico no era precisamente un “groncho”, sino más bien todo
lo contrario: era un “tipo fino” -tal como lo describen sus amigos- con buen gusto, bien ves-
tido. Pero su despliegue de sensualidad sobre el escenario, su timbre de voz, su modo deli-
cado de entonar las canciones, su vestimenta glamorosa y su sexualidad inclasificable re-
sultaban gestos inquietantes y perturbadores. En este sentido, como veremos más adelante,
el cuerpo de Federico también resultará un cuerpo “otro” para los parámetros estéticos de
la época y para la exclusividad masculinista del llamado “rock nacional”.
Otra cuestión que generaba duras críticas era la referida a la duración y el conteni-
do de las canciones. En épocas de largas zapadas y guitarras acústicas, el álbum debut de
Virus, Wadu Wadu (1981), tenía quince temas y duraba en total 39 minutos y medio, o sea,
un promedio de poco más de dos minutos y medio por canción, rasgo que no se modificaría
demasiado en los siguientes discos del grupo.
En relación con las letras, ya para la edición del primer disco Virus contaba con la
colaboración del artista plástico y sociólogo Roberto Jacoby, quién en esos años había co-
menzado a escribir poesía, luego de su destacada actuación en la vanguardia artística radi-
calizada de los años 60. Sobre su vínculo con Virus, Jacoby recuerda que escribió casi la mi-
tad de las canciones que se hicieron mientras Federico estaba vivo, solo o en colaboración
con algún integrante del grupo:

En “Wadu-wadu” ya estaba la idea de juegos verbales, de broma, de algo... ¿cómo te


puedo decir? Era un momento horrendo, era el peor momento de la historia argenti-
na, pensá que a Federico le habían secuestrado a su hermano Jorge, que todos ellos
habían estado secuestrados, el hermano desapareció, la cuñada desapareció y des-
pués reapareció, también la sobrina... Una catástrofe espantosa todo lo que le pasó a
esa familia. Y eran tres hermanos que estaban en el grupo. O sea, la mayor parte del
grupo había estado secuestrada por las Fuerzas Armadas y ellos sin embargo, hacían
una música muy alegre, no hacían ninguna tragedia de todo esto sino que trataban de
buscar una cosa para arriba ¿cómo generar un estado distinto de la depresión que era
ese momento? Y bueno, creo que ahí hubo una química muy buena porque a mí me
pasaba lo mismo, en mi vida yo también estaba rodeado de gente con grandes proble-
mas, con cosas terribles (Batkis, 2005, s/d).

A excepción del tema “Ellos nos han separado” del disco Agujero Interior (1983), en
el que se hace alusión a la desaparición del hermano mayor de la familia Moura1, en general
las canciones de Virus eran lúdicas, con rimas y juegos de palabras. Eran letras de un humor
irónico muy particular y, al mismo tiempo, presentaban una mirada lúcida y crítica sobre
el propio rock nacional y sobre la realidad del país. De hecho, no está de más recordar aquí
que los integrantes de Virus fueron de los muy pocos músicos que decidieron no participar
del Festival de la Solidaridad Latinoamericana, recital organizado por el régimen dictatorial
en el contexto de la guerra de Malvinas. La canción “El Banquete”, del álbum Recrudece de
1982, se refiere precisamente a ese momento particular de la historia argentina: “Nos han
invitado a un gran banquete. Habrá postre helado, nos darán sorbetes. Han sacrificado jó-
venes terneros para preparar una cena oficial. Se ha autorizado un montón de dinero, pero
prometen un menú magistral”.
A pesar de esto, la mayor parte del público, de la crítica e incluso muchos otros mú-
sicos se empeñaban en descalificar a Virus como un grupo superficial y hedonista, con le-
tras tontas y vacías de significado. El baile y la diversión eran leídos negativamente, como
signos de frivolidad y poco compromiso con la realidad -algo sumamente paradójico si te-
nemos en cuenta la apoliticidad constitutiva del llamado rock nacional-.

195
LUCENA, D.; LABOUREAU, G. EL rol del cuerpo-vestido en la ruptura estética de virus durante los últimos años de la dictadura militar.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 192-202

A contrapelo de esta lectura, Jacoby inscribe la propuesta de Virus como parte de


una “estrategia de la alegría” que “puede describirse de manera muy simple como el in-
tento de recuperar el estado de ánimo a través de acciones asociadas a la música, hacer de
ellas una forma de la resistencia molecular y generar una territorialidad propia, intermiten-
te y difusa” (Jacoby, 2000). Llamando al público de los recitales en los teatros a abandonar
la quietud de las butacas para bailar, disfrutar de la música y activar el encuentro con los
otros, la “estrategia de la alegría” buscó “desencadenar los cuerpos aterrorizados” de los jó-
venes para que dejen de ser cuerpos paralizados y se conviertan en cuerpos capaces de ejer-
cer “movimientos conducidos por el deseo o el juego, formas íntimas pero no por eso menos
significativas de la libertad” (Jacoby, 2000, p. 12).
Según explica el artista, la “estrategia de la alegría” surgió durante la última dicta-
dura justamente en el mundo del rock, inspirada en la idea del Indio Solari, líder del enton-
ces marginal grupo Patricio Rey y sus Redonditos de Ricota, quien consideraba que la misión
de su música durante aquellos años era primordialmente la protección del estado de ánimo
de la población.
Consultado sobre esta idea y los inicios de su grupo, el Indio Solari se reconoció
“como formando parte de una conspiración inspirada en la política del éxtasis”, en la cual
“existencialismo cínico, contracultura, mayo francés, beatniks, nueva izquierda, anti-psi-
quiatría y música de rock como hilo musical brindaron el desfile de ideas que me empuja-
ron hacia el futuro con una alegría impúdica que aún conservo” (Solari, 2011, p. 1).
La política de éxtasis, dedicada a la transformación de la especie, desafiaba las
ideologías políticas convencionales y los sentidos comunes rutinizados para desacomodar-
los y reorganizarlos en torno a nuevas experiencias no ordinarias, basadas en el disfrute y
el placer: “Soy un hedonista ético declarado y por tanto estoy convencido de que tenemos
derecho al placer. Creo, entonces, en poder utilizar el placer como principio ordenador. }
Como una cuerda guía en un laberinto” (Solari, 2011,p. 2). El objetivo fundamental de esta
tarea era, como ya dijimos, la protección del estado de ánimo de la población, y el rol social
del artista aparecía como crucial para el logro de esa misión:

Un artista está obligado a surfear sobre las olas terribles de las cosas que ocurren y
que pueden hacer intolerable la vida. Cuando solamente se declara pesimista es por-
que está dominado por su arrogancia. (...) Un buen estado de ánimo es como una
religión a un mejor precio. Su principal mandamiento es: ¡NO TE ABURRIRAS!
Durante la dictadura militar fue necesario construir guaridas underground para
Dionisios. Tratar de que el miedo no nos paralizara y el amor no fuera desacredita-
do. Que siguiera operando como el simple deseo del bien para otro. Que la alegría no
fuera parodiada y que la belleza apareciera aunque más no fuera esporádicamente
(Solari, 2011, p. 1).

Pese a sus estilos bastante diferentes, Virus compartía con Patricio Rey y sus Redon-
ditos de Ricota no sólo la ciudad de origen (La Plata), la teatralidad de sus shows o la com-
plicidad de aliados creativos (Jacoby-Rocambole) ligados a la avanzada contracultural de los
´60. Como puede apreciarse en las palabras del Indio Solari, en ambos grupos, el placer, el
hedonismo, la alegría y el baile eran elementos sustanciales irremplazables.
Siguiendo esta clave de lectura, consideramos que tanto la propuesta de Los redon-
ditos de Ricota como la de Virus pueden comprenderse como parte de una apuesta/respues-
ta micro-política de resistencia y confrontación originada desde finales de la dictadura, que
apuntó a restituir el lazo social quebrado por el terror, a partir de programas estéticos rela-
cionales y festivos que conmovieron los modos prestablecidos de concebir el hecho artísti-
co contra hegemónico.

196
LUCENA, D.; LABOUREAU, G. EL rol del cuerpo-vestido en la ruptura estética de virus durante los últimos años de la dictadura militar.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 192-202

Estas nuevas estéticas-políticas se materializaron en obras, producciones, recitales,


shows y espacios culturales que fueron conformando una trama underground que se mul-
tiplicó con la llegada de la democracia. Si bien no es el objetivo de este trabajo abordar este
complejo y diverso entramado de acciones (que incluye grupos de rock, teatro under, bares
y espacios perfomáticos, talleres de artistas plásticos, discotecas), nos interesa recuperar la
propuesta de Virus no como algo aislado o exclusivo del mundo del rock, sino en relación
con todo ese proceso de renovación y combustión creativa, en el cual el cuerpo asumió un
lugar central. Por eso en el próximo punto nos enfocaremos, específicamente, en las nove-
dosas prácticas vestimentarias de Virus y en el rol que en ellas jugó el cuerpo, ya sea como
soporte de las acciones artísticas, como vehículo de encuentro con los otros, como territorio
de indisciplina política o como “superficie de placer”.

2. Jagger fue posible por Brigitte Bardot

Durante la última dictadura militar el cuerpo de los jóvenes fue el blanco privile-
giado de las acciones de aniquilamiento y también moralizantes del gobierno, que en su in-
tento por regular conductas, vigilar acciones y prevenir posibles “desviaciones”, se ocupó
especialmente de delimitar y regular los rasgos de la estética adecuada y deseable, privile-
giando en ella la extrema prolijidad, la prudencia y el recato. Todo aquel que escapase a las
normas y valores conservadores y autoritarios propuestos por la dictadura sería considerado
anormal/enfermo y articulado en la serie de significantes anormalidad-enfermedad-peligro.
Marcelo Moura sintetiza muy bien esa regulación normalizante del poder: “Todos los regí-
menes totalitarios tienden a masificar, a hacer un individuo prototípico que no se salga del
modelo. Si vos sacás un color distinto, asomás un brazo, te lo cortan. Mediante la prensa,
mediante todas las herramientas que maneja el poder” (Riera y Sánchez, 1995, p. 32).
En este punto, las iniciativas vestimentarias impulsadas por Federico tanto desde
sus locales de ropa como luego desde el escenario junto a Virus, desplegaron modos de resis-
tencia que permitieron potenciar nuevas formas de sociabilidad estéticas y corporales. Esas
prácticas disruptivas, inscriptas en un campo de luchas por y a través del cuerpo, aparecie-
ron configurando una estética alternativa a la normativa impuesta, como gestos de desobe-
diencia enmarcados dentro de la “estrategia de la alegría”.
Desde mediados de los años ‘70, junto a Cecilia García y su compañero de
Arquitectura Mario Lavalle, Federico tuvo sus propios locales de ropa Limbo y Mambo en la
Galería Jardín de la calle Florida, donde se podían encontrar prendas que diferían de las es-
téticas frecuentes en la mayoría de los jóvenes.
El nombre de su primer local Limbo sugiere la idea de un espacio límite, móvil, des-
territorializado, al borde de... y las prendas que se encontraban allí expresaban esa mirada
personal, que atesoraba una concepción del vestido que podía resultar a los ojos de los de-
más “extraña” o “delirante”.
Si partimos de la concepción del mundo social como un mundo de cuerpos vesti-
dos, la experiencia vestimentaria no sólo es social sino que se imbrica en relaciones de po-
der que la configuran. La experiencia del vestido es una experiencia del cuerpo, del espa-
cio social y del “yo” tanto como del “otro”. Es una experiencia que no se produce en el va-
cío sino que es inseparable del entorno que la atraviesa y que le exige adecuarse al mundo
que la rodea, ajustándose a ciertos parámetros de “normalidad”. Aquellos que recuerdan la
propuesta de Limbo como “delirante para la época” nos sitúan en la dimensión moral y so-
cial que el vestido posee como resultado de esas coerciones y tensiones, que se pusieron en

197
LUCENA, D.; LABOUREAU, G. EL rol del cuerpo-vestido en la ruptura estética de virus durante los últimos años de la dictadura militar.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 192-202

juego en relación con el entorno en el cual se estaba produciendo la ruptura propuesta por
Federico. El músico, además, tenía un gran interés por la decoración y se ocupaba de darle
a la distribución espacial de los locales su impronta personal, realizando las vidrieras y lo-
grando una estética despojada, austera y de un orden milimétrico en la forma de presentar
la ropa. Su hermano Julio recuerda que Federico “estaba implicado en todo el proceso del
diseño de la ropa – desde los moldes hasta ir al barrio de Once a buscar las telas – le dedi-
caba mucho tiempo al asunto” (Lescano, 2010, p. 40). Por otra parte, los desfiles que Federi-
co organizaba junto con el artista Juan Risuleo en el Hotel Claridge planteaban una puesta
escena que subvertía las formas tradicionales del uso del espacio, ya que la propuesta con-
sistía en que el público se ubicara a la misma altura de las modelos para que no quedaran
limitados a ver solamente los pies.
La clientela del local era un público reducido que se referenciaba con ciertos sec-
tores de elite que tenían la posibilidad de acceder a las tendencias que estaban sucediendo
en el mundo de la música y de la moda, desde el movimiento punk hasta la new wave. Eran
jóvenes intelectuales y artistas “modernos” de clase media o alta, que encontraban allí la
oportunidad de adquirir vestimentas que se ubicaban en las antípodas tanto de los impera-
tivos uniformizantes de la moda masiva como de la anti-moda hippie.
Recordemos que en aquellos años la moda hegemónica proponía estilos anodinos o
deportivos que, favorecidos por la apertura de las importaciones, exaltaban las marcas (que
se lucían por primera vez en el exterior de la ropa) y desdibujaban las particularidades de
los cuerpos, homogeneizándolos en tres talles: S, M o L.
Las prendas emblemáticas del rock consagrado, por el contrario, se alineaban en
una contra-estilo más cercano a lo hippie, con remeras teñidas en forma casera (tye die) y
pantalones pata de elefante.
En Limbo y Mambo, en cambio, podían encontrarse las audaces prendas diseñadas
por el propio Federico: anchas y largas camisas con tablas y cuello mao, remeras de jersey,
telas lisas de fuertes colores, hilo crudo, grandes estampados, galones y bordados, botones
antiguos, pañuelos y pantalones derechos y simétricos. Julio Moura, quien junto con su her-
mano atendía el local, recuerda las prendas que allí se vendían como “ropas muy pinzadas,
prendas de raso, pantalones militares, cosas que no encontrabas en otro lado. Había cami-
sas de voile con pecheras, simil camisas de frac y cuello mao. Las prendas eran novedosas
y la clientela reducida” (Lescano, 2010, p. 40).
Los locales, a su vez, se transformaron en espacios de encuentro y sociabilidad pa-
ra artistas plásticos como Alberto Magnasco, el fotógrafo Alejandro Kuropatwa o la ves-
tuarista Adriana San Román, quien años más tarde se ocuparía del vestuario de la bandas,
cuando el intenso trabajo de Virus no permitiría que Federico fuera el único en ocuparse del
estilo estético del grupo. Aún así Marcelo recuerda que todos los diseños de Adriana eran
conversados con Federico.
Los locales de Federico fueron la antesala de una estética que Virus trasladó al es-
cenario, de hecho era en los locales donde ensayaban los futuros temas de la banda. Quie-
nes conocieron a Federico no dudan en recordarlo como un dandi, que dedicaba el mismo
fervor al atuendo como a la composición musical y escénica de los shows. En ese sentido,
Virus “vistió” de detalles el escenario en más de un sentido, ya que su propuesta estética se
materializó en una puesta en escena que lograba articular de modo interdisciplinario los
distintos intereses de Federico. Varios de los protagonistas principales del llamado under
porteño cobijaron ese despliegue de intereses, que se vieron reflejados en un trabajo conco-
mitante entre diversos artistas como Renata Schusseim, Lorenzo Quinteros, Francois Casa-
novas, Roberto Jacoby, Fernando Bustillo y Daniel Melgarejo, entre otros.

198
LUCENA, D.; LABOUREAU, G. EL rol del cuerpo-vestido en la ruptura estética de virus durante los últimos años de la dictadura militar.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 192-202

Un buen ejemplo de esa conjunción fue la presentación del álbum Recrudece en el


Teatro under Olimpia en junio de 1982, con una serie de conciertos donde participaron mi-
mos, bailarines de tango y el transformista Jean Francois Casanovas. El show contaba con
varios cambios de vestuario – algunos en escena – de los músicos, que usaron desde bolsas
de consorcio, guayaberas y sombreros de paja, hasta ropa de médicos y de jugadores de fut-
bol, según lo requería cada tema. Hacia el final, el escenario se cubría de plásticos de co-
lores y se arrojaban grandes rollos de nylon de colores a la platea, como si fueran serpenti-
nas gigantes. La idea, producto del trabajo conjunto entre Lorenzo Quinteros -a cargo de la
puesta en escena- y Jacoby, dio como resultado una serie de recitales marcados visualmente
por el plástico (parodia de los calificativos de “banda plástica”) y derivó en una especie de
“hecatombe plasticeril” con el público envuelto en verde y amarillo, bailando al ritmo pega-
joso de las canciones. Se trataba, al decir de Federico, de “que la gente incorpore un poco el
delirio, como forma de curar ante ese estado de muerte” (Humor, 1982, p. 75).
Como un virus rizomático que se ramificó a diversas zonas que no se redujeron al
ámbito estrictamente musical, Virus desplegó elementos literarios, circenses y teatrales a la
hora de subir al escenario, como perfomances que dinamitaron los compartimentos estan-
cos y colisionaron las diversas disciplinas artísticas. Desorientar, extraer potencia del ab-
surdo, indisciplinarse yendo de una identidad a otra: Virus mezclaba todo eso, pero no des-
de la vacuidad de los sentidos o del exabrupto sino desde prácticas cargadas de significados
desterritorializados, de allí su potencia subversiva pero también su incomprensión, aún en
aquellos sectores más avanzados de la cultura.
Al respecto, resulta emblemática la nota de Sibila Camps en la revista Humor, lue-
go del lanzamiento del primer disco de Virus en diciembre de 1981, en tanto puede servir-
nos como un decálogo de todos los prejuicios que el campo del rock nacional albergaba a
comienzos de los 80. Críticas a la inauténtica modernidad del grupo cuyo estilo new wave
era considerado una remake de los 60; críticas a la falta de contenido y compromiso políti-
co de sus letras: “Solo quiero sacudirte / en Plaza Constitución (Plaza de Mayo no rimaba
ni fonética ni ideológicamente)”. Comentarios socarrones sobre la “delicadeza” del cantante
del grupo: “Me habían comentado que Federico actuaba en forma muy sensual. Igualito que
Paul, cacha el micrófono con pie y todo, y lo inclina para sí”, que no esconden la mirada ho-
mofóbica de la autora: “Cuando no canta, se pone una manito en la cadera u hace mohínes,
o se acerca a su hermano Julio y lo amenaza con terribles golpes de pelvis, no al modo de
Tom Jones, sino más bien al de Raphael. Evidentemente, es un homo muy sensual”. Críticas
por el clima de diversión que se vive en los recitales: “A esta altura del contagio, el circo ya
me había aburrido por repetido” y una profunda descalificación hacia la música bailable:
“creo que sólo tienen caldo de cultivo en discotecas, y que, por suerte, hay suficientes an-
ticuerpos como para que sus bacilos de microscópicos coeficientes intelectuales no signifi-
quen peligro de epidemia” (Humor, 1982, p. 82).
Como puede apreciarse, la ambigüedad de Federico resultaba inadmisible para el
discurso dominante de la cultura del rock que albergaba rasgos autoritarios, machistas y
homofóbicos y no fueron pocos los que comulgaron con la crítica de la periodista de Humor,
una de las principales revistas opositoras a la dictadura que contaba con muy buena recep-
ción entre los sectores más progresistas de la sociedad.
Así, las estigmatizaciones y el desprestigio fueron producto de la incomprensión
que culminaba en los rótulos con los cuales eran categorizados como superficiales, banales,
frívolos, llegando a ser catalogados como la “banda de putos”, tal como anunciara Luca Pro-
dan en el Festival Rock in Bali de 1987. La imprecisión de aquellos cuerpos que asumían un
carácter ambivalente e inclasificable los colocaba fuera de la obediencia y al mismo tiem-

199
LUCENA, D.; LABOUREAU, G. EL rol del cuerpo-vestido en la ruptura estética de virus durante los últimos años de la dictadura militar.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 192-202

po instalaba un desafío que desacomodaba la imagen con la cual el campo del rock estaba
acostumbrado a pensarse a sí mismo. Estas disrupciones se dieron de un modo desobedien-
te y desafiante, que atentaba contra las formas sexuales binarias y descolocaba las asigna-
ciones tradicionales de género.
Haciendo alusión a dichos desafíos Jacoby recuerda: “A Federico le interesaba mu-
cho la ambigüedad. No una definición claramente gay, sino la cosa más ambigua” (2008,
p. 1). La ambigüedad se escapaba de manera escurridiza de las categorías que buscaban
aprisionarla, del clisé que ordenaba las estéticas de los jóvenes, como un modo de fuga a es-
pacios desterritorializados que desafiaban las miradas atónitas de quienes necesitaban en-
casillar esos cuerpos que aparecían escenificando múltiples caras. Se trataba, en suma, de
la multiplicidad de un devenir ambiguo, que permitía colocarse en el límite, al borde, que
se desacomodaba como un “limbo” que se reflejaba en aquellas prácticas del vestido que
construían una identidad en fuga. En una entrevista en 1986 Federico se preguntaba:

¿Qué es el gay rock? ¿Bowie? ¿Presley? ¿Jagger? Una comentarista de modas dijo que
Jagger fue posible por Brigitte Bardot, lo que me parece lindísimo. (...) Pero no hay co-
tos, porque a mí me interesa en la vida la integración. Jamás entraría en los campos
del aislamiento, porque pretendo que nadie tenga que decir “este es mi lado bueno,
este es mi lado malo (Riera y Sánchez, 1995, p. 133).

Sus prácticas vestimentarias no se limitaron a cubrir los cuerpos sino que eviden-
ciaron su dimensión política, rizomática, desterritorializando su grado de construcción so-
cial. El aspecto andrógino de Federico ponía en evidencia la normativa heterosexual, pero
al mismo tiempo instalaba un desafío en el terreno del vestido, ese espacio que pretende a
través de la ropa transformar la carne en algo reconocible y natural cuando en realidad es
el resultado de un arbitrio en sus designaciones. Priorizar las prácticas vestimentarias y los
cuidados de belleza resultaba entonces sumamente disruptivo, puesto que se revalorizaba
un terreno históricamente confinado al mundo femenino y considerado inferior y frívolo,
con la consiguiente estigmatización y descalificación de quienes se ocupaban de ellos.

3. A modo de cierre

Como vimos hasta aquí, Virus irrumpió en la escena del rock generando un fuerte
cimbronazo que ponía en evidencia ciertos rasgos conservadores que existían dentro de ese
campo. La incapacidad de comprender las potencialidades de lo que allí estaba sucediendo
se tradujeron en los ataques que se sucedían durante sus apariciones en escena o en la críti-
ca de la prensa. Ese rechazo se daba no solo a causa de la ruptura musical propuesta por el
grupo, sino también – y en gran medida – por la fuerte ruptura estética actuada en el propio
cuerpo de los artistas: un cuerpo cuidado, que disfrutaba, que bailaba, que se reinventaba
para ser siempre uno nuevo.
Si bien el orden político produce un orden destinado a regular los cuerpos y las
conductas, en su mismo movimiento genera infinitos puntos de inestabilidad que conlle-
van riesgos y conflictos. El cuerpo reproduce en pequeña escala los poderes que intentan
volverlo objeto de control social, pero al mismo tiempo en los pliegues de su ropaje ateso-
ra el posible despliegue de una resistencia como desafío a dichos intentos. En este sentido,
las prácticas vestimentarias de Virus una pueden leerse como una indisciplina que se vuel-
ve posible en tanto “toma la lucha contra la asignación política de seguir siendo el mismo”
(Potte-Boneville, 2007, p. 174).

200
LUCENA, D.; LABOUREAU, G. EL rol del cuerpo-vestido en la ruptura estética de virus durante los últimos años de la dictadura militar.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 192-202

En esa fuga, la revalorización del cuerpo y el placer resultaron los pilares funda-
mentales de novedosas prácticas artísticas, que se escurrieron de todo intento de clasifica-
ción y se articularon en una “estrategia de la alegría” conformada por estéticas festivas y
relacionales que alteraron los modos prestablecidos de concebir la acción política contrahe-
gemónica. Se trataba, entonces, de cruzar los límites y fugar de los sentidos comunes rutini-
zados, tal como dice el Indio Solari: “Me siento más cómodo en las fronteras, atreviéndome
a cruzarlas en experiencias no ordinarias. Ampliando el campo posible de la interpretación
de la vida. (...) Mi estilo creativo no sabe de antemano si algo está bien o mal” (Solari, 2011,
p. 2). Mientras el afuera aparecía signado por el terror y la vida cotidiana se plagaba de te-
mores y ausencias, el mundo subterráneo de los recitales se convertía en el espacio de la vi-
da desbordante, de la cercanía intensa, de la fusión colectiva en acontecimientos plagados
de delirio y libertad.
Específicamente en relación con Virus, la incapacidad de comprensión provocó me-
canismos de autodefensa que se traslucieron en las infalibles estigmatizaciones: “son todos
putos” parecía tranquilizar a quienes con sorpresa se encontraban con unos jóvenes ma-
quillados, de pelo corto con ropas extrañas y coloridas que desafiaban las formas estéticas
esperadas.
Esas respuestas de rechazo y esas apreciaciones estéticas condenatorias hacia la
propuesta de Virus en sus inicios nos resulta de suma importancia, porque nos permite
pensar qué prácticas se habían instalado, impuesto y autoimpuesto a aquellos cuerpos que
no podían tolerar la diferencia, no sólo en el plano musical, sino estético e incluso sexual.
Paradójicamente muchos de los jóvenes que se refugiaron en el movimiento del llamado
rock nacional desplegaron una política de la moral que nos permite mirar la complejidad
de las prácticas vestimentarias, en términos de conflicto con aquel otro que no podía ser
categorizado.
En el entramado de las relaciones de poder los cuerpos expropiados se volvieron
centinelas y vigías del control social, utilizando aquellos parámetros normalizadores que
ellos mismos padecían, pero orientados hacia prácticas disruptivas que restituían al cuerpo
como lugar de placer, disfrute y goce.
Virus supo en su ropaje desplegar una resistencia frente a un orden y estado de las
cosas que solo pudo dirigir su dedo acusatorio, tal vez como un despliegue de su terror y
pánico en una reproducción moral que terminó en el despliegue de lo que no se podía com-
prender y al mismo tiempo se temía. En un país de cuerpos atemorizados, torturados, des-
aparecidos, los cuerpos expuestos en su goce resultaban perturbadores e inquietantes, in-
cluso más que las palabras de protesta entonadas por varios de los músicos más exitosos
de la época.

Nota
1
La letra dice: “Hermano, quiero apretarte la mano. Sabemos que ellos nos han separado. Parece ser un mal gene-
ral que va haber que solucionar, tenés que estar en cualquier lugar, que pronto vamos a encontrar. (...) Porque la
noche tiene final, la vida vuelve siempre a cantar, es su pedazo de libertad. Amigos míos una vez más, para po-
der cantar, bailar, para poder amar, gozar. Para poder reír, llorar, tengo que estar con vos de nuevo, porque esto
es lo que yo quiero”.

201
LUCENA, D.; LABOUREAU, G. EL rol del cuerpo-vestido en la ruptura estética de virus durante los últimos años de la dictadura militar.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 192-202

Referencias

ALABARCES, Pablo. Entre gatos y violadores, el rock nacional en la cultura juvenil. Buenos
Aires: Ediciones Colihue, 1992. 183 p.

BATKIS, Laura. De Virus a Venus, retrato de un artista integral. La Mano, Buenos Aires, s/d,
2005.

BENEDETTI, Sebastián; GRAZIANO, Martín. Estación Imposible. Buenos Aires: Marcelo


Héctor Olivera Editor, 2007.180 p.

CAMPS, Sibila. Este virus ya se lo habían pescado los Beatles. Humor. Buenos Aires: Revista
Humor, p. 75-82, 1982.

CIVALE, Graciela. Las mil y una noches. Buenos Aires: Marea Editorial, 2011. 260 p.

GRINBERG, Miguel. La generación “V”. Buenos Aires: Emecé, 2004. 294 p.

JACOBY, Roberto. La alegría como estrategia. Zona Erógena, Buenos Aires, n.43, p. 12, 2000.

JACOBY, Roberto. Un espíritu vanguardista. Disponible en: <http://www.pagina12.com.ar/dia-


rio/suplementos/soy/subnotas/493-18-2008-12-19.html>. Acceso 16 jun 2012.

LESCANO, Victoria. Pret-a-rocker, Moda y Rock en la Argentina. Buenos Aires: Ed. Planeta,
2010. 270 p.

OLIVERA, Marcelo. Éramos tan hippies. Otra historia del rock argentino. Buenos Aires: Edicio-
nes Corregidor, 2007. 448 p.

POTTE-BONNEVILLE, Mathieu. Michel Foucault, la inquietud de la historia. Buenos Aires:


Manantial, 2007. 288 p.

RIERA, Daniel; SÁNCHEZ, Fernando. Virus: una generación. Buenos Aires: Sudamericana,
1995. 219 p.

SÁNCHEZ, Fernando. Por qué se extraña tanto a Federico. Disponible en: <http://www.pagi-
na12.com.ar/1998/98-12/98-12-21/pag18.htm>. Acceso 15 jun 2012.

SOLARI, Carlos. Entrevista de Daniela Lucena y Gisela Laboureau el 21 de septiembre de 2011. Bue-
nos Aires. Disponible en: <https://www.academia.edu/3473812/Entrevista_in%C3%A9dita_a_
Carlos_el_Indio_Solari_realizada_por_Daniela_Lucena_y_Gisela_Laboureau_2011_>. Acceso
15 de diciembre de 2015.

VARELA, Mirta; ALABARCES, Pablo. Revolución, mi amor. Buenos Aires: Biblos, 1988. 120 p.

Daniela Lucena - Socióloga y Doctora en Ciencias Sociales por la Universidad de Buenos Aires (UBA). Es investi-
gadora del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET) y dicta clases de grado y de pos-
grado en la UBA, la Universidad Nacional del Arte y la Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales. Es autora
del libro “Contaminación artística” (Buenos Aires, 2015) y ha publicado sus trabajos en revistas y catálogos de su
país y del exterior. Es también evaluadora de la Fundación ph15 para las Artes.

Gisela Laboureau - Socióloga (UBA). Se desempeña como docente de grado y posgrado en la Facultad de Arquitec-
tura, Diseño y Urbanismo y coordina el posgrado en Sociología del Diseño en la misma casa de estudios. Es investi-
gadora del Instituto de Arte Americano e Investigaciones Estéticas Mario J. Buschiazzo (FADU-UBA) y forma parte
del Grupo de Estudios Sociológicos sobre Moda y Diseño (GESMODI).

202
LOLAS, R. E.; ALVARADO, B.; MARDONES, P. L. La creación estética: sonido y vibración en John Tavener.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 203-214

La creación estética: sonido y vibración en John Tavener1

Ricardo Espinoza Lolas (Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Valparaíso, Chile)


respinoz@ucv.cl
Boris ALVARADO (Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Valparaíso, Chile)
boriska02@hotmail.com
Patricio Landaeta Mardones (Universidad de Playa Ancha, Valparaíso, Chile)
patricio.landaeta@upla.cl

Resumen: Lo que busca este artículo es investigar el acto de creación estética de la obra de John Tavener (1944-2013)
a la luz de una lógica de la sensación de Gilles Deleuze (1925-1995) y de la idea el cuerpo de Xavier Zubiri (1898-
1983). Creemos que con los conceptos acuñados para ambos filósofos podemos dar cuenta de un modo más acaba-
do de ese estilo único de experiencia sonora en la vibración que propone el arte sacro de la música del compositor
anglosajón. Nuestra metodología fue el estudio de la obra del músico Tavener, y analizar su lógica del sonido para
componer. Y allí comparar ese lógica del sonido con la concepción de la materia en Zubiri y la lógica de la sensa-
ción de Deleuze.
Palabras-chave: Tavener; Deleuze; Zubiri; Sensación, Sonido y vibración.

The aesthetic creation: sound and vibration in John Tavener


Abstract: In this article we aim to explore the act of aesthetic creation in John Tavener (1944-2013) following the
conception of logic of sensation of Gilles Deleuze (1925-1995) and the idea of body of Xavier Zubiri (1898-1983). We
believe that by putting the concepts by both philosophers together it will be possible to understand the experience of
the sonic vibration proposed by the sacred art in the Music of the Anglo-Saxon composer. Our methodology was to
study the work of the musician Tavener and analyze his logic of sound used to compose. From there, compare such
logic with the conception of matter in Zubiri and with the logic sensation of Deleuze.
Keywords: Tavener; Deleuze; Zubiri; Sensation, Sound and vibration.

A criação estética: som e vibração em John Tavener


Resumo: O que ele busca é estudar o ato da criação estética da obra de John Tavener (1944-2013), à luz da lógica da
sensação de Gilles Deleuze (1925-1995) e a idéia de Xavier Zubiri de corpo (1898-1983). Acreditamos que colocando
juntos os conceitos de ambos os filósofos poder-se-á perceber um estilo mais acabado que um modo de experiência
de vibração sonora que propõe a arte sacra da Música do compositor anglo-saxão. Nossa metodologia foi o estudo da
obra do músico Tavener, e analisar sua lógica de som para compor. E dai comparar essa lógica de som com a concep-
ção da matéria em Zubiri e com a lógica da sensação de Deleuze.
Palavras-chave: Tavener; Deleuze; Zubiri; Sentimento, Som e vibração.

No pienso que sea una cosa extraña ser un músico sacro en el atardecer del siglo XX,
lo que pienso que es extraño es el siglo XX, pienso que el atardecer del siglo XX es
anormal. Quizá, nunca entendamos verdaderamente lo que es la Cristiandad. Cuando
miro la música occidental, sé que tengo un pedazo de ella, pero cuando la miro
realmente la veo más pequeña de cualquiera de las cualidades de la Cristiandad,
y particularmente las cualidades de las Beatitudes, que son pobreza de espíritu y
pureza de corazón. Son muy difíciles de encontrar hoy en día en medio de la música.
(TAVENER 1999, p. 88).

Introducción

¿Qué hay en la música sacra contemporánea que no nos deja indiferente y nos es-
tremece, nos embarga y nos hace sentir de un modo distinto cierta trascendencia? ¿Por qué
razón la música sacra nos invita a vivir la experiencia del sonido y en tal experiencia a ele-
varnos por encima de nuestra cotidianidad inmanente? ¿Qué se da en este tipo de música,

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 10/09/2015 - Aprovado em: 10/12/2015

203
LOLAS, R. E.; ALVARADO, B.; MARDONES, P. L. La creación estética: sonido y vibración en John Tavener.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 203-214

en general, y en la de John Tavener, en especial, que es imposible dejar de escuchar, incluso


más allá de si se tiene o no fe? ¿Por qué en Tavener es posible sentir su música y quedar en
un estado anímico diferente al inicial incluso no importando para nada la creencia? Cree-
mos que una respuesta posible es que en esta música se da lo que podemos llamar el “acon-
tecimiento del sonido”. Por ello, para su análisis, proponemos desarrollar una “lógica de la
sensación sonora”, basada en la filosofía de DELEUZE (2000, p. 101), que nos permita dar
cuenta de ese “atemperamiento” a lo real, en tanto “modo de estar acomodado tónicamen-
te a la realidad”, desde el punto de vista de Xavier ZUBIRI (1993, p. 335); una lógica que se
mantiene en torno a un cuerpo que está siendo en la realidad (en el mundo) y que no busca
teorizar sobre el sonido, sino describirlo en su propio registro sonoro. Tal lógica genera una
cartografía del cuerpo y en tal cartografiar podemos detenernos en la sensación sonora y
allí quedarnos en la vibración. En estos elementos radica, creemos, eso que nos cautiva, nos
seduce y nos transforma de la música sacra: el sonido en toda su expresión se agencia de un
modo corporal en la música de Tavener.
En el llamado minimalismo sacro contemporáneo, hay muchos compositores de
gran importancia, que incluso provienen de países en donde lo sacro no formó parte de la
tradición, particularmente en países de la antigua red de naciones socialistas. Junto con Jo-
hn Tavener (1944) en Inglaterra, cuya orientación ortodoxa griega es ampliamente conoci-
da, contamos en Polonia con Henryk Mikolaj Gorecki (1933-2010), en Estonia con Arvo Pärt
(1935), en Latvia con Peteris Vasks (1946) y en Ucrania con Victoria Poleva (1962). Sin em-
bargo, creemos que entre ellos Tavener nos ofrece de manera singular una experiencia de
la sensación sonora de la vibración, una experiencia corporal que mienta en sí, una cier-
ta ontología del cuerpo y de la sensación en tanto que sonora, esto es, una realidad sonora.
Tal estudio será llevado a cabo desde dos obras publicadas casi contemporánea-
mente. Una es la de Xavier Zubiri, Inteligencia sentiente y otra es la de Gilles Deleuze, titu-
lada Francis Bacon. Lógica de la sensación. La razón de su elección es que ambos trabajos
aparentemente distanciados tienen por denominador común el hecho de abrir un horizonte
a la sensación y al cuerpo. De ahí que el libro de Deleuze: Francis Bacon. Lógica de la sen-
sación (1981) sea un excelente trabajo sobre la sensación (en tanto que pintura) que resuena
perfectamente en unidad complementaria con Inteligencia sentiente (1980) de Zubiri. Es un
libro “encarnado” en el Cuerpo, por medio de la sensación del ver (también la del oír, tocar,
etc.), pero no de un ver abstracto, neutral, fenomenológico (donde queda reducido lo físico);
un ver más en el sentido fuerte de la “noología” zubiriana, que nosotros conduciremos al
oír, a la sensación física del oír, para desarrollar desde ahí el pensamiento de una lógica de
la sensación física sonora.
Como se sabe, siguiendo a Deleuze, ante un determinado cuadro de Francis Bacon
acontece la experiencia sensitiva de ver, del Ojo que ve la Figura (toda Figura tiene el ca-
rácter de Icono, al igual que la obra de Tavener, ya volveremos sobre esto), de la Figura que
se deja ver ante el Ojo, de la relación-experiencia sensitiva Ojo-Figura, estar-en-el-mundo
de los fenomenólogos pero de manera física sin dejar nada fuera del análisis (ESPINOZA,
2008, p. 225); y en tal experiencia damos con el cuerpo, pero un “cuerpo sin órganos” y en
ello con una cierta y provisoria actualización de la realidad que luego se vuelve por cons-
trucción en sentido y después en lenguaje, teoría, etc. De acuerdo con Deleuze,

La pintura es histeria, o sustituye a la histeria, porque da a ver la presencia, directa-


mente. Gracias a los colores y a las líneas, inviste el ojo. Pero ella, al ojo, no lo trata
como un órgano fijo. Liberando a las líneas y a los colores de la representación, libera
al mismo tiempo al ojo de su pertenencia al organismo, lo libera de su carácter de ór-
gano fijo y cualificado: el ojo se convierte virtualmente en el órgano indeterminado

204
LOLAS, R. E.; ALVARADO, B.; MARDONES, P. L. La creación estética: sonido y vibración en John Tavener.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 203-214

polivalente, que ve el cuerpo sin órganos, es decir, la Figura, como pura presencia.
La pintura nos pone ojos en todas partes: en el oído, en el vientre, en los pulmones
(DELEUZE, 2002, p. 58-59).

Nosotros creemos que en este pasaje hay claves hermenéuticas determinantes que
pueden ser usadas tanto para el sonido como para la música. Puesto que se indica el acon-
tecimiento mismo de la sensación que en verdad está articulada a la vez con el mundo en
una unidad superior física.

1. Tavener y la sensación sonora

Para el compositor inglés Sir John Tavener, nacido en 1945, la música es un medio
de alabanza al Creador (un dios que no tiene rasgos metafísicos sino rasgos sonoros y que
acontece al hombre en su cotidianidad sentiente), y así lo ha manifestado a lo largo de su
extensa obra. Su música, impregnada de sonoridades griegas, se vuelve luminosa; adquie-
re en palabras de Deleuze un carácter Figural o de Icono, porque abre un cierto territorio
sensitivo del que no puede prescindir: “La relación de la Figura con su lugar aislante define
un hecho: el hecho es... eso que tiene lugar... Y la Figura de este modo aislada se convier-
te de una Imagen, en un Icono” (DELEUZE, 2002, p. 14). Y esto es muy importante tenerlo
en cuenta para Tavener. La sensación sonora que provoca Tavener es figural e imaginativa,
por ejemplo, como se advierte en su pieza para violoncelo solista y orquesta de cuerdas The
Protecting Veil (1998). Sonoridad e iconografía allí van de la mano; la sonoridad va gene-
rando el Icono del manto de la virgen fundamental para los creyentes griegos en momentos
de penuria (más allá del momento histórico frente a los turcos, propiamente tal). Y en este
sentido, el conocimiento de las tradiciones del canto y del sonido, en el ritual religioso, ha
sido esencial para un compositor que quiere entrar de forma creativa en el aspecto musical
de una religiosa tradición ortodoxa cristiana, en un territorio ya determinado. Este canto
sonoro que está entre la comunicación musical espontánea y la celebración de la divina li-
turgia, ciertamente está más enraizado en las tradiciones cristianas del canto, haciendo de
la escritura el objeto como se compone y sin limitarse sólo a su aparición. En el caso de la
obra que mencionamos, el acorde que se despliega al principio de la obra, aquel acorde de
Fa mayor con séptima y sexta agregada, no sólo se constituye en ese Icono sonoro en donde
la vela le otorga la luz a la imagen y la vibración análogamente le otorga el cuerpo al sonido,
sino que los batimentos de la cuerda en vibración en el rozar de los sonidos agregados a la
antigua triada de la tradición clásica, le otorgan ese cuerpo sonoro que hace que sea asun-
to de una luminosidad territorializada ahora como acorde del velo protector, dando lugar a
una “imagen sonora” que desde su vibración desmaterializa el cuerpo del Icono en imagen
Así lo afirma Deleuze (2002, p. 61),

Cuando la música levanta su sistema sonoro y su órgano polivalente, el oído, se dirige


a cualquier cosa menos a la realidad material del cuerpo, y les otorga a las entidades
más espirituales un cuerpo desencarnado, desmaterializado: ‘los golpes de timbales
de Réquiem son alados, majestuosos, divinos de un ser que, para recuperar las mis-
mas palabras de Stendhal, seguramente tiene relaciones con el otro mundo...’ Por eso,
la música no tiene por esencia clínica la histeria, y se enfrenta mucho más a una es-
quizofrenia galopante.

Son desde estas estofas sonoras que siempre indican el otro mundo donde se agen-
cia lo otro (la Figura musical) y se abre la realidad a lo inefable. Tavener sabe, como pocos,

205
LOLAS, R. E.; ALVARADO, B.; MARDONES, P. L. La creación estética: sonido y vibración en John Tavener.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 203-214

que en su composición, en tanto lógica de la sensación sonora, acontece y se expresa una


ontología corporal de la trascendencia. Y eso es lo que debemos ver a la luz de las filosofías
de Zubiri y Deleuze. Es bastante claro cuando nos señala de modo rotundo Zubiri,

Las cualidades sensibles son ante todo impresiones nuestras. Y es ahora cuando hay
que recordar que la impresión tiene un momento de afección del sentiente y un mo-
mento de alteridad de lo sentido... Aquellos dos momentos no pueden dislocarse. Im-
presión no es sólo afección, sino presentación de algo ‘otro’ en afección: color, sonido,
sabor, etc. Por tanto que las cualidades sensibles sean impresiones nuestras significa
que en el momento impresivo nos es presente algo otro (ZUBIRI, 1980, p. 150).

Y en una misma línea recalca de forma simple Deleuze,

La sensación tiene una cara vuelta hacia el sujeto (el sistema nervioso, el movimiento
vital, el “instinto”, el “temperamento”, todo un vocabulario común al naturalismo y
a Cézanne), y una cara vuelta hacia el objeto (el “hecho”, el lugar, el acontecimiento).
O, más bien, no tiene del todo caras, es las dos caras, es las dos cosas indisolublemen-
te, es ser-en-el-mundo, como dicen los fenomenólogos: a la vez devengo en la sensa-
ción y algo ocurre por la sensación, lo uno por lo otro, lo uno en lo otro (DELEUZE,
2002, p. 41).

En ambos textos se da algo fundamental para entender la música de Tavener, esto


es, ese cierto carácter fenomenológico sensorial donde el sujeto y el objeto se co-constitu-
yen, se co-actualizan, se co-pertenecen. El mismo Tavener habla así de su trabajo en tor-
no a la sensación sonora. Con esta orientación, el compositor británico, se permite percibir
el sonido en su forma más primordial, puede empezar a darse cuenta del valor sagrado de
nuevos sonidos. En una carta a un joven compositor de la Academia de Música de Londres,
donde era profesor de Composición en residencia, escribió Tavener,

Vivimos en una época en que absolutamente cualquier tipo de conocimiento acadé-


mico de la música ya no es útil. El compositor tiene que crear para cada una de sus
obras una forma de darse cuenta de la conexión de los sonidos con la idea en primer
lugar, la delimitación de lo que en ese sistema es el suyo y lo que es particular a la
composición que está realizando en ese momento. No sólo hay que tener cuidado pa-
ra ver la evolución interna de su lenguaje, sino también lo que el lenguaje particular,
se debe utilizar para cada composición. ¿Cómo podemos recibir el flujo de datos de
sonido o capturarlos si no es nuestro problema? Nuestro trabajo consiste en mantener
un silencio interior y entrar en contacto y realizar la visión interna de las relaciones
de sonido en forma concreta (TAVENER, 1999, p. 95).

El pensamiento zubiriano desde su noología (y desde mucho antes) ha trabajado el


tema del cuerpo desde varios ángulos distintos, aquí nos interesa ese vértice noológico an-
terior a cualquier “representación” (ESPINOZA, 1999, p. 129), a cualquier “organización” o
“figuración” de lo que sea el cuerpo (DELEUZE, 2002, p. 19), pero no cualquier cuerpo sino
el cuerpo humano; se trata de pensar el cuerpo desde un “prius” en dominancia con res-
pecto de figuraciones, relatos, rostros, narraciones, teorías, hermenéuticas, etc. pues de esta
manera podremos sumergirnos en el territorio sonoro de Tavener; es lo denominando, si-
guiendo a Artaud, “cuerpo sin órganos” por Deleuze:

El cuerpo sin órganos se opone, pues, no tanto a los órganos como a la organización
de los órganos, en la medida en que ésta compondría un organismo. No es un cuerpo
muerto, es un cuerpo vivo, tanto más vivo, tanto más bullicioso cuanto que ha hecho
desaparecer el organismo y su organización (DELEUZE, 2000, p. 37).

206
LOLAS, R. E.; ALVARADO, B.; MARDONES, P. L. La creación estética: sonido y vibración en John Tavener.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 203-214

En el cuerpo sin órganos del sonido es desde donde debemos entrar en el territorio
sonoro. Es un territorio de presencia, de actualidad sonora y meramente sonora la que acon-
tece en ese modo de componer lo sacro. En el otro extremo se encuentra el desarrollo de la
música de formas y temas (de organizaciones diría Deleuze) que alcanzó su punto culmine
con las obras de Mozart o Mahler. En el aspecto más puro de su construcción o de su for-
ma de ser pensada, el sonido está libre de cualquier elemento abstracto religioso y arraigado
por completo en el más puro sentido de las formas musicales heredadas del renacimiento.
No obstante, en Tavener, el mundo sonoro que es capaz de recomponer y de colocar en sus
obras, puede permitir que los auditores alcancen un estado psíquico en el que son capaces
de percibir las estructuras primarias de las formas posteriores de sonido sobre la cual deri-
varán. Después de Haydn y Mozart, la realización progresiva de la música pura comienza
a desaparecer.
Y por eso en Tavener es anterior la figura de la presencia actual sonora a cualquier
estructuración y conceptualización del sonido. El sonido es presencia sonora actual y como
dice Zubiri: “... el cuerpo transciende de toda integración: el cuerpo es personal pero lo es
formal y precisamente no como organismo ni como sistema solidario, sino como principio
de actualidad” (ZUBIRI, 1980, p. 213). Pues anterior al rostro, a la figuración, a la narración,
a la presencia, a la institución, al compás y la composición tenemos ese hecho radical que
fluye inexorablemente: el devenir del cuerpo, en este caso del cuerpo sonoro en su mero ser
como sensación. Y de esto hablaremos someramente en este escrito.

2. La creación de una lógica del sentir y la sensación

¿Es posible “leer” entrecruzadamente a Zubiri, Deleuze y Tavener? Aunque parez-


ca tarea condenada al fracaso lo intentaremos respecto del problema del sentir y la sensa-
ción. Para un pensador, como Deleuze, que ya no cree en la Fenomenología meramente aca-
démica, pero que ha tenido como maestros, entre otros a Sartre y a Merleau-Ponty y ha sido
uno de los grandes lectores y renovadores del pensamiento de Bergson, del pensamiento de
Nietzsche, amigo de Foucault, la filosofía ya no tiene nada que ver con metodologías neu-
tralizadoras, de reducciones, de abstracción; no solamente llega tarde una reducción tras-
cendental de Husserl, sino que la misma reducción eidética falsifica el hecho del cuerpo, el
hecho mismo del sentir, del ver, de la relación que se da, por ejemplo en la pintura, entre
un Ojo ante un Cuadro (DELEUZE, 2002, p. 61) tal o cual (lo mismo con un Film, con una
Novela, con una Pieza teatral, con una Sonata, con una Teoría científica, con un Horizonte
filosófico, con un Hombre, con un Pueblo, con un Coro, etc.). No hay organización posible,
lenguaje posible, ni filosofía posible, ni teoría posible que dé cuenta de ese simple hecho.
Para Deleuze el marxismo, el estructuralismo, el psicoanálisis, las teorías estéticas, las po-
líticas, las éticas, las religiosas, epistemológicas, metafísicas en realidad no saben qué ha-
cer con el hecho mismo del cuerpo, de la sensación, de la impresión. Y de allí el método de
Deleuze de filosofar: su Lógica en “taxonómica natural”. Es una Lógica que se organiza con
distintos contenidos, es una Lógica de tal o cual cosa, de tal o cual pliegue. Por ejemplo,
Lógica (sentido), Lógica (cine), Lógica (sensación), Lógica (Proust), Lógica (Foucault), etc.
Y ¿qué se entiende por Lógica en este pensamiento de Deleuze? ¿Existe algún rasgo de ne-
gatividad en ella?
Aquí podemos ver la impronta hegeliana del pensamiento de Deleuze (impronta
que siempre rechazó radicalmente; Deleuze se sentía como un “parricida” respecto de He-
gel (ESPINOZA, 2012, p. 155); en todo caso, un asesinato “necesario”), impronta que le vie-

207
LOLAS, R. E.; ALVARADO, B.; MARDONES, P. L. La creación estética: sonido y vibración en John Tavener.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 203-214

ne de las ya clásicas “lecturas” hegelianas que realizó en París Jean Hyppolite (otro de los
maestros de Deleuze). Pero es una lógica que no pretende ser negativa, sino afirmativa como
la Lógica de Nietzsche; es una Lógica que dice ¡Sí!

3. Hacia una lógica de la vibración sonora

En su contexto social, Tavener es un compositor de música sacra escrita (que puede


o no corresponder con la escritura de la música litúrgica), en una sociedad totalmente laica
en su orientación, y por ello Tavener mira hacia atrás y trata de recuperar el paraíso perdido
y, además, no olvidemos que ya en 1977 se vuelve ortodoxo ruso. Sin embargo, él no apuesta
por reinventar una música falsamente paradisíaca, sino por la creación de un nuevo sentido
musical utilizando como bloque de construcción los elementos sonoros del canto religioso
antiguo, específicamente aquellos rusos y griegos desde la propia materialidad del ritual bi-
zantino, de vastas líneas melódicas de gran belleza, a menudo iconos, en donde su memo-
ria (su “auralidad acústica” musical) se mantiene e informa a su música. Tal “auralidad” del
carácter expresivo físico de su música icónica busca realmente que acontezca la sensación
corporal sonora, sensación donde sujeto y objeto se funden en la inmediatez. Y así su mú-
sica genera el sentido del oír (y también del ver), desde el cual se articulan tanto sensación
sonora del sonido como sensación sonora del oyente.
Y en este mutuo co-pertenecerse se va dando la realidad sonora de lo otro (de otro
que se siente en el ritual como cuerpo Otro que nos acontece) y, a la vez, se va dando la rea-
lidad del oyente que somos como cuerpo. Tanto realidad sonora como cuerpo emergen del
acontecer de la música de Tavener. Las obras son así, una yuxtaposición de sonidos que se
caracterizan por una síntesis de la forma de la antigua praxis ortodoxa y los valores de re-
gularidad rítmica en un continuo dinámico propio de la música polifónica del hoy miran-
do al ayer. Como ejemplo de ello es interesante escuchar la obra “Hymns of Paradise” (1992)
para bajo solo, voces de niños y seis violines. Primero, la construcción de un cuerpo sonoro
basado en la homologación de los violines en su registro agudo y el característico batimen-
to del vibrato de la voz femenina que, atrapadas las voces en los violines en su vibrato y vi-
ceversa, se hace cuerpo un nuevo sentido del batimento sonoro basado en la superposición
de capas y pliegues que fracturan la tradición del plano melódico, plano armónico, plano
instrumental, entre otros, dejando en este caso al descubierto un nuevo cuerpo que emerge
desde algún lugar aun no humanizado, sino basado en una ley física amarrada a una sen-
tencia divina. Esta pieza con texto de San Efrén el Sirio, a quien se le considera uno de los
importantes poetas de la época patrística, es un himno que entra en la continuad del mini-
malismo sacro basado en una concepción de la velocidad, en una notoria sensación de estar
fuera del tiempo y el espacio, es el paraíso desde la escatología, y el paraíso que deviene gri-
to en el coro de manera gloriosa en la resurrección final, como puede sentirse hacia el final
de la obra en la exultación de la palabra Paraíso.
Las formas elementales son así creadas una y otra vez representando los valores
anteriores de la Cristiandad. El sonido físico, en calidad de valores de un sonido puro, con-
tiene el potencial activo de los niveles anteriores. Si las relaciones de los tres niveles están
correctamente establecidas y la visión primaria expresada, una fuerza mayor se genera no
sólo en el sonido, sino también en la “visión auditiva” (es el Ikono tal como también lo ve
Deleuze). En tal estado de los sonidos, no se puede considerar como música, sino como pa-
trones de sonido que están directamente vinculados con el antecedente, los niveles más al-
tos y por lo tanto, superior en su carácter expresivo. Con lo cual, podemos afirmar, en Tave-

208
LOLAS, R. E.; ALVARADO, B.; MARDONES, P. L. La creación estética: sonido y vibración en John Tavener.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 203-214

ner se da formalmente una lógica de la sensación, al estilo como Deleuze luego la formula
conceptualmente en su filosofía.
Por lo tanto, lo sacro se manifiesta a Tavener, en principio, en una lógica de la sen-
sación sonora de timbres instrumentales y de vibraciones de una hermosa música polifóni-
ca. Como se podrá ya intuir a partir de lo recogido hasta aquí, para Tavener el problema de
escribir su obra nunca fue un problema de la Academia, sino simplemente un problema de
profunda sinceridad hacia su propia persona y hacia su fe, de esto tiene la facultad de con-
templar las estructuras internas de los sonidos que iba descubriendo desde la mirada per-
manente de los ikonos, como también de las resonancias que se forman en la catedrales en
las cuales practicaba la composición. Junto a ello, las formas de entonación bizantinas, las
ornamentaciones, los pedales y una serie de recursos propios de la Iglesia Ortodoxa le fue
suministrando la forma de mirar la nueva Academia, a la cual el accedía por convicción.
Estos elementos de la composición de Tavener son parte de sus materiales para confeccionar
su lógica de la sensación sonora sacra.
De allí al reconocimiento de la sensación-voz, del devenir voz; voz como el instru-
mento “asignificante” por excelencia. Como refieren Deleuze y Guattari (1980, p. 314): “La
voz precede al rostro, lo forma un instante, y le sobrevive al adquirir cada vez mayor veloci-
dad, a condición de ser inarticulada a-significante, a-subjetiva”. Y de allí luego acontece la
narrativa y el mensaje de la fe y así su arte sonoro quedaría impregnado, creemos, realmen-
te como un arte de la sensación sonora en devenir voz y vibración que permite, luego para
el creyente, el carácter de salida a otro mundo, al mundo de Dios.
Al componer su música, tiene que escribir desde su cuerpo y debe ser honesto con
él. En una aproximación directa a su pensamiento, TAVENER indica (1994): “Un composi-
tor de música sacra es sólo un mediador, un intermediario y un instrumento para comuni-
car esta verdad. Mi música es un comentario de la obra de la creación” (p. 81). Allí surge,
en su trabajo, la constante repetición de su lógica de la sensación musical y las palabras, en
el coro, van reteniendo el ritmo de los acontecimientos, alargando el tiempo, suspendido y
contemplado. En su modo de componer, su diagrama musical, tiene la iteración y en tan-
to tal la repetición; el sonido vocal o de un cello va aconteciendo en tanto bucles de repeti-
ción, que vuelven en diferencia. Es el eterno retorno de la diferencia tan propio de Nietzs-
che y que recupera Deleuze: repetición en la diferencia2. En el plano de inmanencia de las
estofas materiales sensitivas se va dando la intensidad y la vibración: “De manera que la
sensación no es cualitativa ni está cuantificada, no tiene más que una realidad intensiva
que ya no determina en ella datos representativos, sino variaciones alotrópicas. La sensa-
ción es vibración” (DELEUZE, 2002, p. 51). La sensación sonora es vibración y lo que saben
Deleuze y Zubiri es que tal sensación sonora en intensidad vibratoria se impone físicamen-
te al hombre, en todo su cuerpo y allí radica el arte mismo de Tavener en su manifestación
física que nos seduce y provoca (incluso más allá de una fe determinada). En cierta forma,
nos vuelve cuerpo en la sonoridad misma de la realidad. La repetición de la música da una
sensación de estancamiento, de estar suspendido en el tiempo, pues, en palabras de TAVE-
NER (1999) “el tiempo y la eternidad están conectados” (p. 66). “Este instante y la eternidad
están luchando dentro de nosotros. Y ésta es la causa de todas nuestras contradicciones,
nuestra obstinación, nuestra mente estrecha, nuestra fe y nuestro dolor” (HAYDON, 1995,
p. 148). Lo que convencionalmente llamamos música sacra minimal, como la de Tavener,
es una evolución de los fenómenos del sonido que se originaron con los “encantamientos”,
como los cantos rituales de los pueblos no europeos o el canto gregoriano de la Cristiandad
occidental. Su sensación más fuerte era despertar ciertos estados psíquicos en los seres hu-
manos, lo que permitía que su noción de audición se expandiera más allá de su marco con-

209
LOLAS, R. E.; ALVARADO, B.; MARDONES, P. L. La creación estética: sonido y vibración en John Tavener.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 203-214

ceptual tradicional y representativo. Si estos “encantamientos” provenían de la naturaleza


de la arquitectura del espacio sacro, a continuación las vibraciones producidas, colaboran
con la inducción a un estado que ya no era puramente emocional (ni subjetivo) en el sentido
usual, sino puramente físico en el sentido de la pureza del sonido y su condición de elemen-
to abstracto, esto es, elemento que se ha elevado de la representación y significación mimé-
tica; por eso es “asignificante”.
Por esta razón, que el tiempo en la música de Tavener es parte de un momento “aió-
nico” como diría Deleuze (tiempo “modal” en términos de Zubiri), el tiempo eterno e im-
perecedero, un tiempo sin principio ni fin, un tiempo esférico que es sentido en las cosas
mismas, en las sensaciones: “El hombre físicamente real tiene que hacer su vida en la coti-
dianidad de su existencia en el transcurrir de sus días... La realidad humana cobra senti-
do para sí misma en su temporalización como yo que está en el mundo” (ESPINOZA, 2006,
p. 351). Y de ese tiempo es posible luego ir hacia otro tiempo, a un tiempo sagrado, un mo-
mento de euforia mística, un tiempo de oración, un tiempo revelado y de libertad. Pero el
tiempo mismo surge y emerge del plano de inmanencia de la sensación y de allí que el ar-
tista necesite sumergirse con todo ya en su oído, ya en su ojo, ya en los colores, ya en los
sonidos y sus vibraciones para que se pueda ir amplificando y expandiendo la realidad.
Tavener en la música, como un Cézanne en pintura, va expresando tanto al hombre como
su mundo desde la corporalidad de la sensación sonora en intensidad vibratoria y en repe-
tición diferenciante.
Esta lógica de la sensación sonora sentida por el hombre produce una aparente difi-
cultad para escuchar la música de Tavener, pues el mismo autor británico reconoce que – a
su juicio – “existe un nivel de impureza del alma que impide escuchar el sonido de la eter-
nidad” (TAVENER, 1999, p. 113). Tal impureza radica en no poder dejar que la sensación
haga lo suyo, ya que estamos constantemente perforados y mediatizados por una sociedad
(una cultura representativa y significada) que ya no oye el sonido en su devenir teniéndo-
lo a priori sobre codificado desde un modo presente que se actualiza. El “cuerpo domado”
a través del control de la sociedad impide ya al parecer poder escuchar la sensación sonora
y lo mismo pasa con la pintura y todas las artes y en ello el cuerpo mismo ahora está do-
mesticado. Así, es posible hoy escuchar cierta música occidental de mercado, debida funda-
mentalmente a que gran parte de ella es fabricada para halagar al oído y que esa sensación
simplemente sea reproductora de una narrativa, de una figuración con rostro predetermi-
nado, esto es, el modelo tardo capitalista de un arte representativo al servicio del operador
de turno, no es el arte “asignificante”.
Por eso la música Occidental parece, al menos superficialmente más “hermosa”,
pues está más cerca de un “kitsch” y en este sentido, y por ello, mucho más fácil para es-
cuchar. Sin embargo, aquí hacemos referencia a otro tipo de música, una tal que requiere
otro tipo de atención, donde el oyente se debe entregar a la sensación física del sonido sen-
tido con todo el cuerpo. Así, en contraste al narcisismo actual, la música de Tavener apare-
ce principalmente abstracta meditativa, pero es un tipo de abstracción en la sonoridad ma-
terial misma, donde la sonoridad se libera de lo empírico, aunque siempre desde un tema
determinado (por ejemplo, el velo protector de la virgen). Tal es el camino mediante el cual
se va liberando el trabajo de Tavener de la composición representativa barroca, clásica, etc.
Y es desde este tipo de producción estética en la abstracción expresiva de la materialidad,
donde la obra musical permite múltiples rituales, así como la serena devoción por parte de
los creyentes. En suma, podemos decir, es una abstracción, pero del tipo corporal, no cere-
bral. Es una abstracción expresiva corporal en la sensación sonora de un tema determinado,
y es ahí donde se da la fuga propiamente tal del tema.

210
LOLAS, R. E.; ALVARADO, B.; MARDONES, P. L. La creación estética: sonido y vibración en John Tavener.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 203-214

En la música de Tavener se da ese devenir a la totalidad, pero que emerge desde la


sensación misma física del sonido; tal sonido emerge y se nos impone en nuestro carácter
mismo aprehensivo. Para decirlo en palabras de Deleuze,

El sonido nos invade, nos empuja, nos arrastra, nos atraviesa. Abandona la tierra,
pero tanto para hacernos caer en un agujero negro como para abrirnos a un cosmos.
Nos da deseos de morir. Al tener la mayor fuerza de desterritorialización, también efec-
túa las reterritorializaciones más masivas, más embrutecedoras, más redundantes.
Éxtasis o hipótesis. No se mueve a un pueblo con colores (DELEUZE, 1980, p. 351).

Y esta descripción sentiente del sonido se expresa en la obra de Tavener, de allí lo


que decíamos al comienzo, que el sonido en su obra tenga carácter de Icono. Es un sonido
iluminador y acotado, que se eleva en la sensación misma y en ello eleva al que oye. Se da,
como se dice en el arte sacro, un sentido del espacio y del tiempo de inmutable “glorifica-
ción”; espacio-tiempo característico de los Iconos, que son espejos para oír y ver el mundo
eterno. En esas acotaciones y marcos, la Figura, el Icono sonoro da de sí la trascendencia,
pero no es por la representativo ni significante del tema narrativo, sino por la sensación so-
nora misma en su carácter de Icono y de vibración envolvente y expresiva del todo cósmico
que tantea la búsqueda del paraíso. En palabras de TAVENER (1999): “Si hay algo que deseo
hacer en mi música, esto es de algún modo redescubrir el Paraíso perdido” (p. 99). De eso se
trata, de “re-descubrir el Paraíso” en la sonoridad icónica misma de la vibración y que co-
mo tal se da una cierta minimalidad, ya del instrumento, ya de la voz en tanto instrumen-
to, minimalidad, como la hemos visto, que es siempre “eterno retornante”, esto es, en el ins-
tante de la vida en su transcurrir. Tavener, es interesante, rechaza los valores normalmente
asociados con la música contemporánea o de vanguardia. El “minimalismo sacro” es a la
música lo que la espiritualidad contemplativa a la oración. Para la mayoría de nosotros, la
oración consiste en ofrecer nuestras palabras a un Dios determinado (representativo y sig-
nificado), pero por su parte la espiritualidad contemplativa consiste en escuchar en silencio
receptivo (a un Dios “asignificante”). Considerando que en la música tradicional que espera
oír el desarrollo de ideas musicales avanzando hacia una conclusión climática, esta música
parece ir a ninguna parte, y esto es intencional. El objetivo es la contemplación. La músi-
ca es meditación hipnótica y repetitiva con una suavidad como en la tradición cristiana de
centrar una oración continua, y que puede repetir una o dos palabras de la Escritura que se
elaborará más profundamente en la oración.
Finalmente, tenemos que hacernos cargo de algo fundamental en la obra sacra del
compositor británico, el sonido del Ison. Según TAVENER (1999): “El Ison representa pa-
ra mi la divina presencia y en la mayoría de los casos lo escribo con ese sentido de eterni-
dad que hace presente a Dios en todas partes, en donde logro encontrar metafísicamente un
punto de unión entre él, mi música y la gente” (p. 154). Para el músico, la presencia divina
(su Figura diría Deleuze o su actualidad diría Zubiri) está presente en la materialidad sono-
ra del Icono minimal y vibratorio. Así como en las pinturas de Bacon acontece el orificio, la
boca abierta, el grito, aquí se da el Ison como actualización de lo otro en tanto que Otro; otro
que no puede no estar presente y co-actualizarse en la sensación sonora misma.

Conclusión

“Vivimos en una época que no cree que el sonido es capaz de ponernos en contacto
con niveles más altos de la realidad”... “Así que estoy en el limbo”
(TAVENER 1994, p. 88).

211
LOLAS, R. E.; ALVARADO, B.; MARDONES, P. L. La creación estética: sonido y vibración en John Tavener.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 203-214

Tavener ha conducido su música dibujada espiritualmente a través del arte orto-


doxo griego y ruso como corrientes cristianas. Con ello, ha logrado establecer una ecuación
de arte planteada desde el ser que está suspendido en el tiempo, entendiendo por ello, el rit-
mo de la vida que se revela en esa relación dicotómica de sincronía con la cotidianeidad y
de interrupción de la diacronía del mero ritmo del transitar, del cual todos nos vamos ale-
jando en la búsqueda de una vida más pulsada, más gradual, de inconmensurable belleza,
de un goce en la experiencia y en la sensación, que alcanza lo breve de la brevedad, del pa-
so del hombre por su mundo inmanente.
Debe tenerse en cuenta que en la música de vanguardia no se trata de llevar a cabo
experimentos cuyo objetivo principal consiste en ir más allá de la música, sino más bien en
la música de vanguardia se trata de mantener vivo un sentido de viva experimentación que
ha sido deliberadamente conducida por un grupo de compositores en una abierta oposición
a otro grupo que aún desea mantener la tradición, no solo de la enseñanza de la música, si-
no también de la forma en que ésta debe sonar y del sentido de “agradabilidad” que la so-
ciedad espera consumir. De esta manera se deja oír la crítica de TAVENER (1999) “que los
compositores ya no pueden crear música alineándose con ninguna de las escuelas estéticas
de compositores establecidas y que tienen que abandonar la idea de escribir la música como
tal y comenzar a pensar en un fenómeno del sonido que va más allá de la música” (p. 131).
De eso se trata, de pensar ese fenómeno del sonido desde una lógica de la sensación
sonora; tal lógica permite darnos cuenta de cómo se nos impone el sonido y cómo, en ello, se
indica una dimensión material de la trascendencia, una que acontece en la expresión abs-
tracta de la voz, por ejemplo, de un coro de Tavener.

Notas
1
Este artículo es parte del Proyecto Fondecyt Realidad y cuerpo en Zubiri (Proyecto Nº: 1110507).
2
“La lógica nietzscheana es siempre afirmativa (ese es el enigma de Ariadna y del eterno retorno dicho por el úl-
timo Nietzsche), es corporalmente afirmativa y de allí que la negatividad del “no” ya no sea sentida como algo
“meramente negativo o dialéctico”, doloroso, pesado, moderno, kantiano, sino como parte necesaria del “sí” afir-
mativo. Estamos ante el Untergang (ocaso) en su carácter verbal untergehen (ir hacia abajo, descender, hundirse)
y su Übergang (tránsito) en su respectivo übergehen (ir hacia arriba, ascender, transitar) que abre la obra Así ha-
bló Zaratustra y el caminar único que emprende el personaje de Zaratustra; su única meta, su felicidad”. (Asco-
rra, Espinoza y Vargas, Nietzsche y la concepción de naturaleza como cuerpo 101).

Referencias

ASCORRA, P.; ESPINOZA, R. Cuerpo y alma en Zubiri... un problema filosófico-teológico. Pen-


samiento, n.67, p. 1061-1075, 2011.

ASCORRA, P.; ESPINOZA, R.; VARGAS. E. Nietzsche y la concepción de naturaleza como cuer-
po. ALPHA, n.34, p. 95-116, 2012.

CABRERA, V.; ESPINOZA, R. El Freud de Derrida. La deconstrucción más allá del principio
del placer. Konvergencias, No. 19. 2008. <http://www.konvergencias.net/ jorqueraespinoza189.
pdf>. Acceso en: 18 jul, 2008.

DELEUZE, G. Francis Bacon. Lógica de la sensación. Madrid: Arena Libros, 2002.

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. El Antiedipo. Capitalismo y esquizofrenia. Barcelona: Seix


Barral, 1973.

212
LOLAS, R. E.; ALVARADO, B.; MARDONES, P. L. La creación estética: sonido y vibración en John Tavener.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 203-214

. Mil Mesetas. Capitalismo y esquizofrenia. Valencia: Pre-textos, 2000.

ESPINOZA, R. Deleuze y Zubiri... en torno a una lógica de la impresión. Contrastes, n.12,


p. 93-112, 2007.

. Deleuze: Leibniz...en torno a los pliegues. Aurora, v.21, n.28. jun, p. 125-139, 2009.

. Hegel. La transformación de los espacios sociales. Concón: Midas, 2012.

. Realidad y tiempo en Zubiri. Granada: Comares, 2006.

. ‘Viaggio nella realtá’... La mirada diáfana del cristianismo: Rossellini y Zubiri. Miscelá-
neas Comillas, v.64, n.125, p. 220-240, 2006.

. Zubiri y Husserl. Una crítica desde el carácter físico a la intencionalidad. Cuadernos


Salmantinos de Filosofía, n.33, p. 341-366, 2006.

ESPINOZA, R.; NICOLÁS, J. Zubiri ante Heidegger. Barcelona: Herder, 2008.

ESPINOZA, R.; ASCORRA, P. Cuerpo y espacio. Reflexiones sobre una topología de la exterio-
ridad. Gazeta de Antropología, n.31, 2013.

ESPINOZA, R.; ASCORRA, P.; VARGAS, E. Realidad y actualidad. Una primera aproximación
al tema del cuerpo. ARBOR, v.189, n.760, p. 1-14.

HAYDON, G. John Tavener: Glimpses of Paradise. Ed. Victor Gollancz. London: Orion, 1995.

TAVENER, J.; KEEBLE, B (ed.). The music of silence: a composer’s testament. London: Faber &
Faber, 1999.

TAVENER, J. Mother. Ikons Meditations in Words and Music. London: Harper Collins Publis-
hers, 1994.

ZUBIRI, X. Inteligencia sentiente. Madrid: Alianza, 1980.

. Sobre el problema de la filosofía y otros escritos (1932-1944). Madrid: Alianza, 2002.

. Sobre el sentimiento y la volición. Madrid: Alianza, 1993.

. Sobre la esencia. Madrid: Sociedad de Estudios y Publicaciones, 1962.

Ricardo Espinoza Lolas - Doctor en Filosofía por la Universidad Autónoma de Madrid. Catedrático de Historia de
la Filosofía Contemporánea en el Instituto de Filosofía de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Chile.

Boris Alvarado - Doctor en Composición Musical en la Academia de Música Fryderyk Chopin de Varsovia, catedrá-
tico de Análisis, Polifonía, Composición, Armonía, Instrumentación, Orquestación y Seminario para compositores
del Instituto de Música de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Chile. Director del Programa de Magís-
ter en Composición Musical de la misma institución.

Patricio Landaeta Mardones - Doctor en Filosofía por las universidades Pontificica Universidad Católica de Val-
paraíso, Universidad Complutense de Madrid (mención Doctorado Europoeo), y por la Universidad de Paris 8 Vin-
cennes-Saint-Denis. Investigador en el Centro de Estudios Avanzados (CEA) de la Universidad de Playa Ancha,
Valparaíso, Chile.

213
RIERA, G. J. M. La interpretación del repertorio histórico a través de la hermenéutica filosófica.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 214-219

La interpretación del repertorio histórico a


través de la hermenéutica filosófica

Gustavo Javier Medina Riera (Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, Amazonas, Brasil)
gjmedina@uea.edu.br

Resumen: El resurgimiento de la hermenéutica como abordaje interpretativa aplicada a contextos estructurales cada
vez más amplios constituye un fenómeno de fecha reciente. Directamente asociado a una visión estructuralista que
identifica al lenguaje como medio fundamental que posibilita todo proceso de comprensión, impulsó su expansión
desde un procedimiento utilizado para la exegesis textual hasta su elevación a pensamiento filosófico. Dentro de las
manifestaciones artísticas, aquellas que dependen de la ejecución o performance, ocupan un lugar de destaque por
su vínculo especial con la temporalidad, así como su relación con conceptos como el de cosmovisión, historicidad,
ser-en-el-mundo (Dasein) y tradición. Esta convergencia nos coloca en una posición privilegiada para reflexionar so-
bre el proceso de comprensión y su perspectiva ontológica.
Palabras claves: Interpretación; Hermenéutica; Comprensión musical.

The interpretation of historic music trough the philosophic hermeneutic


Abstract: The rebirth of hermeneutics as an approach in the interpretation of very wide structural contexts is an his-
torical recent phenomenon. This fact directly associated with a structuralist vision that identify the language as the
main media to make the comprehension process possible, was expanded from the textual exegesis procedure until a
philosophical thought. Within the artistic events those who need the execution or performance, reached a prominent
place on account of their special bond with temporality, as well as his connection to concepts of worldview, histo-
ricity, be-in-world (Dasein) and tradition. This convergence between the musical interpretation itself and its context
in history put us in a privileged position to reflect on the process of understanding and his ontological perspective.
Keywords: Interpretation; Hermeneutics; Musical comprehension.

A interpretação da música histórica através da hermenêutica filosófica


Resumem: O ressurgimento da hermenêutica como abordagem interpretativa aplicada a contextos estruturais cada
vez mais amplos é um fenômeno de data recente. Diretamente associada a uma visão estruturalista que identifica a
linguagem como meio fundamental que possibilita todo processo de compreensão, impulsionou a sua expansão, ini-
ciando-se como procedimento utilizado na exegese textual até chegar às alturas do pensamento filosófico. Conside-
rando as manifestações artísticas em conjunto, aquelas dependentes de uma execução ou performance ocupam lugar
de destaque pela sua vinculação especial com a temporalidade, sua relação com conceitos como cosmovisão, histo-
ricidade, ser-no-mundo (Dasein) e tradição. Esta convergência nos coloca em uma posição privilegiada para refletir
sobre o processo de compreensão e a sua perspectiva ontológica.
Palavras-chaves Interpretação; Hermenêutica; Compreensão musical.

“La hermenéutica no es una doctrina de las ciencias del espíritu sino un esfuerzo
más para entender lo que son realmente las ciencias del espíritu mucho más
allá de su autoconciencia metodológica y de su vínculo con nuestro conjunto de
experiencias de mundo” (GADAMER, 1997, p. 30)

A partir de la reflexión citada y realizada por el filósofo alemán H.G. Gadamer so-
bre la experiencia artística y la tradición histórica, se posibilita la revelación del fenómeno
hermenéutico en toda su plenitud al reconocer en ella una experiencia de verdad que no ne-
cesita de justificativas filosóficas por ser considerada ella misma un modo de filosofar. Con
estas palabras iniciales tenemos un marco de referencia propicio para reflexionar sobre dos
conceptos básicos que sirven de fundamento al proceso interpretativo de la música histó-
rica como arte de ejecución (performance) y sus raíces fundadas en la tradición. La opción
gadameriana no busca restringir a la reflexión hermenéutica entre estos dos ámbitos sino
más bien colocar en evidencia dos regiones paradigmáticas en las cuales nos confrontamos
con fenómenos que son de naturaleza hermenéutica por excelencia. Cualquier tipo de rela-

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 10/09/2015 - Aprovado em: 10/12/2015

214
RIERA, G. J. M. La interpretación del repertorio histórico a través de la hermenéutica filosófica.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 214-219

ción con una obra de arte, sea como espectador o inclusive como ejecutante implica de for-
ma necesaria un proceso de interpretación a través del cual procuramos determinar lo que
la obra tiene para decirnos. Sin embargo, el entendimiento documental de la obra artística
y su marca de legado histórico derivada del hecho de haber sido escrita o creada a cierta
distancia temporal de nuestra actualidad, la coloca en un horizonte histórico en que su in-
terpretación busca acceder a una verdad que se encuentra en la fusión de horizontes entre
su origen y la de su intérprete. Por esto, si no concretizamos esta fusión, nos encontraremos
presos a un dilema estructural, el de intentar colocarnos en el horizonte de realización de
lo que debe ser interpretado y cuya distancia temporal impide que sea alcanzado plenamen-
te sin poder nunca librarnos de aquel que cargamos con nosotros mismos o, correr el riesgo
de desistir y rendirnos a nuestro propio horizonte falsificando de alguna forma lo que debe
ser interpretado. La superación de este dilema es lo que visibiliza al fenómeno hermenéu-
tico. De esta manera, surgen inmediatamente dos cuestionamientos, el primero de ellos re-
ferente al entendimiento documental que es precisamente el que coloca a la obra en posi-
ción de ser interpretada y fundamenta el mencionado dilema estructural y el segundo que
cuestiona la existencia real de una única verdad a ser desvendada por la interpretación de
forma tal que cualquier intento debería coincidir con ésta para que pueda ser considerada
como válida. Entonces, ¿en qué consiste el entendimiento documental de la obra artística?
¿Es la “lectura” de la obra el camino para su interpretación? Y si esta respuesta fuese posi-
tiva ¿en qué consiste esta “textualidad” de la obra de arte? ¿Dónde encontramos su sentido
y su significado?
En sintonía con la propuesta pos-estructuralista de Jacques Derrida en su crítica
al logocentrismo (DERRIDA, 2011, p. 8), la necesidad de comprender el mundo y su depen-
dencia difícilmente percibida del lenguaje como significante del significante, transbordan
el sentido del lenguaje escrito al transformarlo en condición fundamental de la episteme,
posibilitando de esta forma el origen de la historia, la ciencia y la filosofía al servir de base
estructural de todo sentido. De esta manera, el logos basado en el lenguaje, precede a todo y
cualquier proceso de entendimiento, comunicación, relación, sentido, expresión, significa-
do o pensamiento al proveernos del aparato necesario para la construcción de nuestra cos-
movisión desde una perspectiva logocéntrica según el proyecto iluminista de autonomía ra-
dical de la razón. Esta contingencia histórica, que no podemos celebrar o lamentar en este
momento, coloca al conocimiento y a la verdad como un dato que debe ser descubierto satis-
faciendo los ideales metodológicos de la ciencia moderna como la única forma de conside-
rarlos válidos. Por esto, en el intento de comprender el mundo, recorremos a la textualidad
atribuida a todo lo que hacemos y nuestro esfuerzo interpretativo sobrepasa de lejos al len-
guaje escrito para alcanzar universalmente a toda la producción humana. Por esta razón, si
la ciencia busca a la verdad como un dato, la hermenéutica la busca como una experiencia
que escapa al control del cientificismo y que, en una perspectiva más amplia, se entrelaza
con la misma comprensión sirviendo como fuente de sentido a nuestra cosmovisión. Desde
este punto de vista, se entiende perfectamente que en el caso de un texto, su comprensión
debe pasar por una interpretación de la estructura escrita posibilitando así el entendimien-
to de significados estratificados, primeramente en los signos alfabéticos y seguidamente
en sílabas, palabras, frases y finalmente en el discurso como tal. Sin embargo, en la inter-
pretación de esta estructura se encuentra una dicotomía claramente definida por Ricoeur
que reside fundamentalmente en la diferencia temporal existente entre mensaje y código
(RICOEUR, 2011, p. 13). El mensaje es un acontecimiento temporal anclado a una dimen-
sión diacrónica y el código surge de una dimensión sincrónica en una secuencia de aconte-
cimientos en forma de sistema. Dicho de otra forma, el mensaje es intentado por alguien que

215
RIERA, G. J. M. La interpretación del repertorio histórico a través de la hermenéutica filosófica.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 214-219

quiere comunicar algo con la comprensión que él mismo posee del sentido de su discurso,
lo cual determinó el uso de un conjunto específico de palabras direccionadas por el enten-
dimiento propio de quien habla, en cambio el código, es un sistema lingüístico anónimo e
inconsciente que sirve de depósito lexical al servicio de un colectivo. Esta dicotomía tempo-
ral por si misma ya justificaría un esfuerzo hermenéutico para la interpretación textual. Por
esto, al considerar la inflación de sentido del concepto de lenguaje como lo expresa Derrida,
se encuentra el entendimiento que abrigamos sobre el arte y de manera particular sobre la
música como lenguaje. En este punto es que surgen las interminables discusiones sobre la
capacidad semántica de la música y su poder de transmitir sentidos en el ámbito metafórico
y emocional. Esta suposición permitirá direccionar el debate sobre la representación, imi-
tación, prefiguración y expresión de relativa facilidad para que sean identificados en otras
manifestaciones artísticas como la pintura, la escultura y la literatura, pero de una gran di-
ficultad cuando se trata de la música, especialmente aquella carente de palabras o de bailes
que auxilien en esta tarea interpretativa.
Esta analogía que se refiere a la música como lenguaje y que nos obliga a leer la obra
más allá de sus notas con el objetivo de poder alcanzar su entendimiento, se verá reforzada
por el uso de significados conceptuales que sirven para designar elementos y criterios mu-
sicales con la finalidad de permitir su manipulación en el espacio reflexivo al buscar una
interpretación, y como consecuencia, su propia comprensión. De cualquier manera, es im-
portante señalar que aunque se hable de significados estratificados en el lenguaje, esto no
quiere decir que el significado se construya por la agregación de sentidos en los diferentes
estratos, o sea, las palabras como entidades lingüísticas poseen significados de forma tal en
que hay una identificación con el significante funcionando semióticamente en la forma de
signo, en cambio, la frase está estructurada con palabras y adquiere un sentido semántico
diferente al de la simple sumatoria de significados de palabras. Por esta causa es que po-
demos decir que, aunque es muy común entender que la música es el arte de combinar los
sonidos, si estos no fuesen estructurados de acuerdo con un criterio específico, no sería po-
sible la formación de una frase musical. Esta afirmación es particularmente válida para el
periodo de la práctica común como la llama Walter Piston y conocida también como música
tonal, limitada de manera aproximada por el repertorio creado entre 1700 y 1900 (PISTON,
1998, p. 4). Así, aunque esta estratificación de significados opera de manera similar en la
música, la interpretación se produce en instancias distintas, esto es, en el compositor, en el
ejecutante, en el oyente y en la crítica musical.
Partiendo de esta perspectiva tendremos algunos postulados que pueden orientar
la hermenéutica musical. El primero sería que la interpretación musical no puede ser rea-
lizada por fragmentos atomizados de la estructura sino desde su totalidad, descifrando el
sentido del discurso musical como lo llama Harnoncourt (HARNONCOURT, 1988). Segui-
damente, es importante destacar que considerando que la obra musical es comprensible e
interpretable, esto viabiliza el que se pueda utilizar la mediación lingüística para verbalizar
sus significados, sin embargo, este medio no es capaz de exprimir completamente la expe-
riencia vivenciada por la ejecución. Considerando los casos en que la música pueda obtener
sentidos de alguna referencia externa, es claro que no necesita de ellas para poder significar
algo para viabilizar su comprensión.
Caminando en la dirección contraria al entendimiento cientificista cuya pretensión
de objetividad implica la suspensión de presupuestos con la intención de legitimar el cono-
cimiento al eliminar nuestras creencias previas, la experiencia musical reclama la interac-
ción plena del individuo con todas sus vivencias para poder activar, para decirlo en pala-
bras de Schiller, su conciencia estética (SCHILLER, 2002). De esta forma, se tiene que mu-

216
RIERA, G. J. M. La interpretación del repertorio histórico a través de la hermenéutica filosófica.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 214-219

sicalmente la subjetividad no es un obstáculo para la comprensión sino la condición fun-


damental para la interpretación. Por esto, si hipotéticamente fuese posible eliminar todas
las vivencias y experiencias individuales anteriores al iniciar la interpretación de una obra
desconocida, estaríamos delante de la disolución de cualquier expectativa de sentido que
pudiese orientar lo que debemos interpretar. Si no leyésemos un texto guiados por una ex-
pectativa de sentido extraída de su propio horizonte y proyectado como esbozo de totalidad,
no tendríamos como orientar el significado de las palabras teniendo en vista este sentido.
Por esta causa, al interesarnos por un tema en particular, el asunto sobre el cual reflexiona-
mos nos ofrece inmediatamente el horizonte dentro del que nos debemos mover incesante-
mente. Es en este horizonte en que reposan todas las experiencias y vivencias individuales
relacionadas de diversas maneras con este tema propiamente y es así, en este encuentro ac-
tivo en que nos confrontamos con el esbozo de totalidad de la obra. Es este el punto en que
se abre el espacio donde se produce la fusión de horizontes que activa el círculo hermenéu-
tico de la comprensión descrito por Heidegger (HEIDEGGER, 1926).
Esta es la razón por la cual ninguna interpretación se realiza más allá del espa-
cio abierto previamente por la comprensión. Este espacio posee características específicas
que apuntan para una totalidad que determina de manera integral todas las posibilidades
interpretativas subsecuentes. La expectativa de sentido funciona a través de la compren-
sión en forma de proyecto globalizante, mostrando en su interior todas las cosas posibles
o imposibles que serán enfrentadas y, de la misma forma, habrán algunas que ni siquiera
serán consideradas al ser excluidas por esta clave. La interpretación actualiza aquello que
la comprensión revela como posible incorporándola al horizonte comprensivo y al mismo
tiempo confrontándolas con las estructuras previas de experiencias y conocimientos ya
presentes en el individuo. El acontecimiento hermenéutico es una revisión constante entre
la expectativa de sentido y el esbozo de totalidad inicialmente proyectado que se encuen-
tra en proceso de construcción hasta el momento en que se concluye la interpretación, re-
sultando así, en el entendimiento producido por una comprensión resultante de la fronéti-
ca teórico-práctica.
Por esta razón, la interpretación de la obra musical se produce en una dinámica de
diálogo en condiciones en que el lenguaje pierde su carácter instrumental de comunicación
y se transforma verdaderamente en lenguaje, en constructor de experiencias. Este evento
de carácter lingüístico deja en evidencia de que manera este hecho se encuentra profunda-
mente entrelazado con la condición ontológica del ser-en-el-mundo, el Dasein. El lenguaje
no es un mundo propio y ni siquiera es el mundo, pero, por causa de estar en el mundo y
porque somos afectados por situaciones, es que nos orientamos mediante la comprensión
en tales situaciones, tenemos algo que decir, tenemos una experiencia que se manifiesta por
el lenguaje. Es por esto, que cuando estamos frente a una partitura en condiciones de ha-
cer una interpretación musical, mucho más allá de su contenido referencial, de su lirismo
o de su capacidad para mover nuestras emociones, estamos delante de una expresión de ci-
vilidad, una manera de ver el mundo y de posicionarse frente a la vida, un modo de pen-
sar y sentir, toda una espiritualidad personal y colectiva con su infinita riqueza y variedad
de matices, es decir, estamos delante de un registro que contiene un espíritu sedimentado
(CARVALHO, 2007, p. 15).
Es así que la obra musical se conecta al mundo en una especie de intersección se-
mántica en que se apropia de significados provenientes de otros ámbitos, transformándo-
los y retransmitiéndolos en retorno en diferentes contextos. Esta capacidad de la música de
apropiarse de significados es fundamental para comprender la experiencia musical. De allí
que la interpretación musical no consiste apenas en descubrir un significado en forma de

217
RIERA, G. J. M. La interpretación del repertorio histórico a través de la hermenéutica filosófica.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 214-219

dato o en inventar uno nuevo, sino en reconstruir aquel sentido que se encuentra disperso
entre prospectivas, historias y subjetividades diferentes. La obra musical posee un sentido
y una determinación mucho más allá de lo que podemos apenas ver en la partitura y nece-
sita ser “reconstruida”. En este sentido es inevitable escuchar las palabras de autores como
Theodor Adorno que desde hace tiempo colocaron que no hay una identidad plena entre la
partitura y la obra musical como tal y que justamente este hecho es lo que demanda la ne-
cesidad de interpretación (CARVALHO, 2007, p. 16).
La estética tradicional entiende que la obra contiene alguna intención específica
del autor en alguna realidad metafórica que debe ser desvendada intelectivamente en la in-
terpretación, pero es justamente en el momento en que sobrepasamos esta presunción que
se encuentra el horizonte propio de mostración, revelándose y diciendo lo que efectivamen-
te tiene para decir y aquí sí, a partir de este punto, representar. El hecho de que inicialmen-
te no represente algo no significa para nada que no tenga algo que decir. Este gesto feno-
menológico coloca antes de la representación [Vorstellung] la idea de presentación [Darste-
llung]. Al entrar en la lógica de lo que la obra presenta podrá encontrarse su sentido sin la
imposición de parte del intérprete o de la determinación total previa de aquello que se pro-
cura interpretar en un proceso monológico de adoctrinamiento. “La estética debe subordi-
narse a la hermenéutica” nos dice Gadamer (GADAMER, 1997, p. 231).
Este proceso interpretativo no estaría completo sin aclarar el papel relevante de la
tradición. Todos vivimos inmersos en la tradición. Ese acúmulo de conocimientos y expe-
riencias que a través de vivencias y educación definen constantemente nuestra visión de
mundo y que está vinculado al concepto de autoridad. Aquí no puede ser entendida como
aquella autoridad que se obtiene por designación y que se aplica por el ejercicio del poder
sino, aquella que se obtiene por la vía del conocimiento que llega a alcanzar una persona
determinada siendo vista como por encima de los otros en juicio y visión y por esta causa
reconocida y aceptada por el colectivo. El seguimiento de sus orientaciones ocurre cuando
el subordinado abdica de su posición al reconocer que el juicio de la autoridad lo precede
en valor y lo hace consciente de sus propios límites, por esto, no se trata de una obedien-
cia ciega sino del reconocimiento de la autoridad como legítimo portador de la tradición.
De esta manera, sus orientaciones son las que se esperan de un educador de quien se sabe
no vendrán irracionalidades sino principios que deben ser aprendidos y asimilados. Por es-
ta causa se crea una cadena interminable de modos de ejecución en que el aluno aprende a
tocar como lo orienta su profesor el cual, transmitirá lo aprendido con el profesor del profe-
sor y así sucesivamente en una serie que se remonta al pasado. Esta tradición se incorpora
al proceso de fusión de horizontes y entra en conflicto con la actualidad histórica de la obra
así como con la propia historicidad del ejecutante resolviéndose en la dinámica del círculo
hermenéutico.
Este canal de transmisión de conocimiento alcanza una dimensión única en el es-
pacio cultural ibero-americano. Mucho antes de la globalización de las comunicaciones y
tomando distancia de la idea prejuiciosa del descubrimiento, nunca antes en la historia de
la humanidad hubo una fusión de horizontes de mundos como el que ocurrió en nuestro
marco cultural. Así, la música histórica ibero-americana se alimenta de un intercambio en
que más una vez la lengua común sirve de mediadora para expresar esta comunión. El re-
pertorio europeo vino hasta nosotros para nutrirse de la visión de mundo de este lado del
océano, significando una nueva identidad y dando a luz nuevos autores e intérpretes que,
al mismo tiempo, hacen el camino de regreso llevando aires de renovación con sus propias
creaciones y su propia manera de interpretar, cimentando el concepto de lo ibero-americano
(SOUZA SANTOS, 2004). Un recorrido que debe luchar con la superación del sentimiento

218
RIERA, G. J. M. La interpretación del repertorio histórico a través de la hermenéutica filosófica.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 214-219

de periferia y con posturas pos-coloniales para afirmar su identidad cultural y poder abrir
así un espacio de existencia para su modo de ser. Por esta causa, la presencia en los teatros
de repertorios e intérpretes en permanente reedición y diálogo revigoran la tarea de cons-
trucción permanente de nuestra identidad y debe fundamentarse en el reconocimiento de
una estética compartida. Actualmente, en momentos en que la música es predominante-
mente histórica, la formación del intérprete debe ampliar la visión de la ejecución mucho
más allá de la precisión tantas veces sobre valorizada. Todavía sobra mucho del proyecto
iluminista y positivista que, como expresa Nikolaus Harnoncourt, infantiliza a una mayo-
ría cuando estos creen que la belleza y el sentimiento son los únicos componentes a los que
se reducen la percepción y la comprensión musical (HARNONCOURT, 1988, p. 31). En un
mundo en que todo lo que se escucha desde que se nace lo molda musicalmente y define su
visión de mundo, la reflexión sobre cómo estamos interpretando debe guiar nuestra tarea
de construcción del futuro musical.

Referências

CARVALHO, Mário Vieira de. A Partitura como Espírito Sedimentado: em torno da Teoria da
Interpretacção Musical de Adorno. In: F. MONTEIRO, & M. Ángelo, Interpretação Musical:
Teoria e Prática. Lisboa: Colibrí, p. 15-36. 2007.

DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo, Brasil: Perspectiva. 2011.

GADAMER, Hans George. Verdade e Método. 11. ed., v.I e II. Petrópolis, Petrópolis: Editora
Vozes. 1997.

HARNONCOURT, Nikolas. O Discurso dos Sons. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1988.

HEIDEGGER, Martin. Ser y Tempo. Chile: Escola de Filosofía ARCIS. 1926.

PISTON, Walter. Armonía. Cooper City: SpanPress. 1998.

RICOEUR, Paul. Teoria da Interpretação: o discurso e o excesso de significação. Lisboa: Edições


70. 2011.

SCHILLER, Friedrich. A Educação Estética do Homem numa série de cartas. 4. ed. São Paulo:
Iluminuras LTDA. 2002.

SOUZA SANTOS, Boaventura de. Between Próspero and Caliban: colonialism, pós-colonia-
lism and inter-identity. Luso-Brazilian Review. Wisconsin, v.39, n.2, p. 9-43. 2002.

Gustavo Javier Medina Riera - formado na Venezuela como violinista e regente nas instituições do Sistema Nacio-
nal de Orquestas Juveniles e Infantiles (El Sistema) e Mestre em Letras e Artes pelo PPGLA da Universidade do Es-
tado do Amazonas. Atualmente, Professor Assistente de Harmonia e Contraponto no curso Superior de Música da
Universidade do Estado do Amazonas.

219
LEMOS, M. S.; COSTA, L. Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 220-233

Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto

Maya Suemi Lemos (Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil)
mayasuemi@gmail.com
Ligiana Costa (Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil)
ligianac@gmail.com

Resumo: Cerca de três décadas se passam entre os primórdios do melodrama e a redação, em c. 1630, de um tratado
manuscrito italiano anônimo intitulado Corago, ovvero alcune osservazioni per mettere bene in scena le composizio-
ni drammatiche. Com o presente artigo buscamos colocar em relevo aspectos relativos à música nele abordados, que
permitem vislumbrar o processo ao longo do qual o novo gênero, elaborado e incubado no ninho erudito e classici-
zante dos círculos acadêmicos/aristocráticos, se confrontou à prova de sua exposição a um público cada vez mais
alargado. Deste confronto, nos mostra Il Corago, o melodrama parece sair amadurecido, superando os rigores ortodo-
xos de suas primeiras formas, assimilando veios estéticos diversos de sua matriz florentina e se dobrando ao gosto
do público pela varietas e pelo espetacular.
Palavras-chave: Corago; Melodrama na ópera; Encenação no século XVII.

Il Corago and the melodramma in the seventeenth century: between theory and the judgment of taste
Abstract: There are approximately three decades between the early stages of melodrama and the writing, in c. 1630,
of an Italian anonymous manuscript treatise entitled Corago, ovvero alcune osservazioni per mettere bene in scena le
composizioni drammatiche. With this paper we seek to bring to the foreground the musical aspects contained in the
referred treatise, which allow us to glimpse the process through which the new genre – born and raised in scholarly
domains and classicizing academic/aristocratic circles – was confronted with its exposure to a larger audience. As a
result of this confrontation, Il Corago shows us that the melodrama seems to have matured, surpassing the orthodox
rigors of its early forms, assimilating aesthetic veins differing from its Florentine background and bending to the taste
of the audience for varietas and the spectacular.
Keywords: Corago; Melodrama in opera; Staging on seventeenth century.

Il Corago y el melodrama nel siglo XVII: entre la teoría y el juicio del gusto
Resumen: Casi tres décadas han pasado entre los inicios del melodrama y la escritura (c. 1630) de un tratado anó-
nimo manuscrito italiano titulado Il Corago, ovvero alcune Osservazioni mettere por bene en scena le composizioni
drammatiche. En este artículo tratamos de poner de relieve los aspectos de la música abordados en aquel, que des-
tacan el proceso por el cual el nuevo género, preparado e incubado en el nido erudito y clasicista de círculos acadé-
micos-aristocráticos, se enfrentó con la comprobación de su exposición a un público cada vez más amplio. A partir
de esta confrontación, Il Corago nos muestra el melodrama parece emerger maduro, superando los rigores ortodoxos
de sus primeras formas, asimilando venas estéticas de su matriz florentina y adaptándose al gusto del público por
la varietas y por lo espectacular.
Palabras clave: Corago; Melodrama en opera; Mise-en-scène en el siglo XVII

Introdução

“Uma obra mista que excede todas as outras no oferecer deleite, admiração e moção
persuasiva das almas”1 (Il Corago, p. 23): é alçando ao patamar mais alto das possibilidades
da arte e do artifício cênicos que o autor anônimo de um manuscrito italiano de c.1630 pa-
rece se referir àquela que pode ser considerada uma das mais determinantes invenções da
primeira modernidade no campo musical – o melodrama, ou ópera. O autor exprime, por
meio de um estilo copioso, sua admiração pela magnificência das representações cênico-
-musicais de seu tempo, para as quais concorrem, segundo suas palavras, “marceneiros, al-
faiates, arquitetos, pintores de perspectivas, cantores, instrumentistas, bailarinos, histriões,
esgrimistas, competidores de torneios, desafiadores, inventores de maravilhosas máquinas
e poetas da mais sublime espécie de poesia” (Il Corago, p. 23). Se cada uma desta miríade de
atividades é capaz de deleitar individualmente, argumenta o autor, não é de se surpreender

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 10/09/2015 - Aprovado em: 10/12/2015

220
LEMOS, M. S.; COSTA, L. Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 220-233

que juntas, numa única compita azione – ação completa suscitem tanta admiração, aplauso
e maravilha.2
Trata-se do tratado manuscrito florentino conservado na Biblioteca Estense de Mó-
dena sob o nome Il Corago, ovvero alcune osservazioni per mettere bene in scena le composi-
zioni drammatiche.3 De natureza eminentemente prática, sua finalidade precípua é instruir
o responsável pela realização de um espetáculo cênico – seja ele puramente teatral ou cêni-
co-musical – acerca de todas as atividades envolvidas em seu preparo e execução.
O termo corago – corego em português – possui uma intrincada genealogia que re-
monta à Antiguidade. Foi utilizado em suas diversas variantes (choregos; choragus; cho-
regeon; choragium) por Platão, Aristóteles, Plauto, Plínio o Antigo e Vitrúvio em acepções
igualmente diversas, que vão da figura do mecenas teatral ao humilde camareiro de tru-
pe. Retomado desde o início do século XVI, a partir da leitura de Vitrúvio e da Poética de
Aristóteles, o termo foi empregado por Cesare Cesarino, Francesco Robortello, Julius Caesar
Scaliger e outros, atribuindo-se à figura do corego funções mais ou menos extensas na or-
ganização artística e material dos espetáculos cênicos (SAVAGE; SANSONE, 1989, p. 495-
6). Na acepção de nosso autor moderno, as funções do corego – segundo ele mais amplas e
mais nobres do que aquelas a ele atribuídas pelos antigos4 – equivaleriam, poderíamos di-
zer, às dos atuais empresário, diretor de cena e cenógrafo. Conhecedor, idealmente, de todas
as matérias pertinentes às representações cênicas, a seu encargo estava o zeloso comando
de todos os artistas e artífices envolvidos. Sobre ele recaía, assim, a responsabilidade pelo
sucesso da empreitada, condicionado pela atenção dada a todos os seus pormenores.

(...) nós, por arte do corego entenderemos aqui aquela competência pela qual o ho-
mem é capaz de prescrever todos os meios e modos necessários para que uma ação
dramática já composta pelo poeta seja encenada com a perfeição necessária a inspi-
rar, com admiração e deleite, a utilidade e fruto também moral que a poesia exige.5
(Il Corago, p. 21)

Muito embora aborde modalidades diversas de espetáculo cênico, a atenção do au-


tor do Corago parece se concentrar prioritariamente sobre a modalidade cênico-musical.
De fato, dos vinte e três capítulos que buscam dar conta da integralidade da realização prá-
tica do espetáculo – da escolha e métrica do texto dramático às danças e figurinos, passan-
do pela construção do espaço cênico e de seus vários dispositivos – nove são dedicados ex-
clusivamente a aspectos musicais, o que denota a importância dada à música no âmbito da
cultura cênica do período.
Tal modelo de tratado teórico-prático tem como principais antecedentes os Quat-
tro dialoghi in materia di rappresentazioni sceniche (manuscrito de c. 1556) de Leone
De’ Sommi, e o discurso de Angelo Ingegneri, Della poesia rappresentativa et del modo di
rappresentare le favole sceniche (editado em Ferrara, em 1598). No entanto, se estes dois se
situam historicamente no calor dos debates teóricos e estéticos que animam toda a segun-
da metade do cinquecento, dos quais emerge, ao fim do século, um modelo renovado de tea-
tro – o teatro moderno, o Corago parte de premissas e práticas cênicas já consideravelmen-
te consolidadas. Este fato lhe confere uma característica original. Visivelmente desobrigado
de obediência ortodoxa a qualquer preceito teórico particular, o autor do Corago se permi-
te escolher, dentre todas as possibilidades e variantes da realização cênica, aquilo que me-
lhor se adeque às necessidades da ocasião do espetáculo e ao gosto do público (FABBRI e
POMPILIO, 1983, p. 13-15).
O Corago foi redigido após 16286 e muito provavelmente antes de 1637, data da aber-
tura dos teatros públicos venezianos.7 Ele trata, assim, de uma prática cênica desenvolvida

221
LEMOS, M. S.; COSTA, L. Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 220-233

ainda essencialmente no ambiente de corte e nos círculos das academias literárias. Possui,
por isso, um valor testemunhal considerável, como retrato, por um lado, do momento pre-
ciso que antecede uma nova guinada na prática cênica, alavancada pela instauração do tea-
tro musical pago e profissional (e, consequentemente, pelo surgimento de um público novo)
e, por outro, de um momento em que as querelas e os debates estéticos da segunda metade
do século XVI já se arrefeceram, culminando na consolidação, ao mesmo tempo, do teatro
moderno e da ópera.
Os estudiosos parecem admitir, como autor hipotético do tratado, Pierfrancesco
Rinuccini, filho do poeta e libretista Ottavio Rinuccini, autor dos libretos dos melodramas
Dafne (música de Jacopo Peri em 1598; de Marco da Gagliano em 1608), Euridice (música
de Jacopo Peri em 1600; de Giulio Caccini também em 1600) e Arianna (música de Claudio
Monteverdi em 1608). O manuscrito foi encontrado na biblioteca da família Rinuccini. Pier-
francesco Rinuccini teria, ele próprio, desempenhado a função de corego, ocupada via de
regra, neste período que antecede o surgimento de teatros pagos e profissionais, por uma fi-
gura aristocrática, de confiança do príncipe.8
A despeito de seu considerável valor testemunhal, o Corago é ainda hoje pouco co-
nhecido e utilizado como fonte primária de pesquisa pelos estudiosos do campo da música
e do teatro. Sua primeira edição moderna italiana data de 19839 e sua tradução para o por-
tuguês, realizada com auxílio FAPESP10, está atualmente em vias de publicação.
Com o presente artigo buscamos colocar em relevo aspectos relativos à música
abordados no Corago que permitem vislumbrar o processo ao longo do qual o novo gênero
– o melodrama – elaborado e incubado no ninho erudito e classicizante dos círculos acadê-
micos/aristocráticos – se confrontou à prova de sua exposição a um público cada vez mais
alargado. Deste confronto, nos mostra o Corago, o melodrama parece sair amadurecido, su-
perando os rigores ortodoxos de suas primeiras formas, assimilando veios estéticos diversos
de sua matriz florentina e se dobrando ao gosto do público pela varietas e pelo espetacular.
Três décadas se passaram entre os primórdios do melodrama e a escrita do Corago. As apa-
rentes contradições presentes no texto nos permitem intuir as vicissitudes deste percurso,
e nos dão subsídios acerca do estado da arte do dramma per musica, findo o primeiro terço
dos seiscentos.

1. Da teoria do melodrama à praxis cênica

Diversamente da tratadística tradicional, de natureza teórica e especulativa, o


Corago adota, frente às questões da realização cênica, uma perspectiva eminentemente
prática. Pesa sobre a figura do corego, de fato, a responsabilidade total sobre as fastuo-
sas representações cênicas de corte, cujas implicações políticas são consideráveis. Basta
tomarmos como exemplo as espetaculares representações cênicas realizadas em 1628 na
ocasião das núpcias de Odoardo Farnese, duca de Parma e Piacenza, e Margherita de Mé-
dici, referidas no próprio Corago.11 Por muito tempo ambicionadas por Ranuccio Farnese
I, e celebradas pelo papa Clemente VIII em pessoa, as núpcias tiveram importância estra-
tégica como confirmação e reforço da aliança entre o ducado de Parma e o Grão-ducado
da Toscana.
Frente a tamanha responsabilidade, faz-se mister, para o corego, garantir o sucesso
da empreitada, manobrando entre prescrições teóricas, necessidades práticas e gosto do pú-
blico. Assim, no texto anônimo comparecem de maneira mais ou menos explícita, segun-
do o caso, as questões implicadas nos debates teóricos, porém de maneira não prescritiva.

222
LEMOS, M. S.; COSTA, L. Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 220-233

Uma delas é a difícil e altamente complexa equação entre a observância da auctori-


tas dos antigos (notadamente o Aristóteles da Poética) e a invenção ex novo. É uma questão
fundamental no contexto do humanismo renascentista, onde toda criação precisa ser legiti-
mada por um prudente enraizamento na cultura clássica, mesmo fazendo “o novo aparecer
como uma restauração do antigo” (GERBINO, 2009, p. 169). Ela aparece diversas vezes nas
entrelinhas do tratado, com soluções distintas. Uma das soluções é a simples esquiva do
problema: no trecho final do capítulo VI, o autor se refere ao stile musico recitativo (o melo-
drama12) como “um dos mais honrados prazeres na matéria dramática que, no nosso sécu-
lo foram inventados, ou extraídos dos antigos costume e uso” (Il Corago, p. 41).13 De forma
totalmente surpreendente o autor passa em revista e supera o problema, relegando-o como
questão marginal sem importância operacional alguma. O melodrama pode, no seu enten-
der, ser tomado tanto como criação moderna ou, inversamente, como restauração de uma
tradição da Antiguidade, sem que isto importe em qualquer efeito na prática da realização
cênica (FABBRI e POMPILIO, 1983, p. 13).
Mas o problema pode, diferentemente, assumir a forma de uma discussão pseudo-
-dialética cuja solução tende, sistematicamente, à adoção das práticas modernas, a despeito
da afirmação da autoridade e, por vezes, da superioridade das antigas. Assim, ao longo de
diversos capítulos o modelo moderno é confrontado ao antigo, ressaltando-se vantagens e
inconvenientes de um e de outro: “Se os palcos e os cenários devem ser projetados e fabri-
cados maciçamente por arquitetos e pedreiros [uso dos antigos] ou se devem ser produzidos
por marceneiros e representados em perspectiva pelos pintores [uso moderno]”14; “Se a mo-
nodia era, quanto à diversidade de tempos, mais ampla e capaz de variedade junto aos an-
tigos do que o é junto aos modernos15”; “Se a monodia era, quanto à diversidade de alturas
da voz mais ampla e variada junto aos antigos do que o é junto aos modernos16”; “Se para
acompanhar as ações cantadas são mais apropriados os instrumentos de sopro [uso dos an-
tigos] ou os de cordas [uso dos modernos]17”.
Embora o autor busque atestar a boa fé e a imparcialidade de sua dialética, favo-
recendo aqui o modelo antigo, ali o moderno, trata-se de uma investigação sem finalidade
operacional. A solução a se adotar termina sendo inescapavelmente a moderna, pela inexe-
quibilidade da reprodução do modelo antigo. Assim, por exemplo, embora os teatros e ce-
nários antigos maciços pareçam aos olhos do autor superiores aos modernos por sua esca-
la verdadeira, eles se revelam inadequados às práticas e à realidade contemporâneas. E se
a música dos antigos lhe parece mais rica pela variedade de alturas permitida pelo uso de
ao menos três gêneros – diatônico, cromático e enarmônico –, o uso atual se restringe por
fatalidade ao limitado gênero diatônico: “os modernos, constrangidos à pobreza destas pou-
cas notas diatônicas, têm muita dificuldade em variar o modo dos cantos que devem acom-
panhar o sentido das palavras e o sentimento das paixões” (Il Corago, p. 45). Não se trata
de escolher entre um modelo e outro, mas tão somente de colocá-los em aparente tensão.
É, pois, por meio desta falsa argumentação dialética que se reabsorve o impasse do antigo
versus moderno, conduzindo-se a uma solução de ordem sempre prática.
Um outro tema que motivou ardentes embates teóricos na segunda metade do cin-
quecento italiano e que parece se encontrar senão superado, ao menos relativizado aos olhos
do autor do Corago é o problema da verossimilhança nas representações cênicas de tema
pastoral. O surgimento da ópera, sabemos, é largamente tributário da tradição da literatura
pastoral que, desde fins do século XV se afirmou na cultura de corte italiana. O mito da Ar-
cádia entra desde então no gosto de aristocratas e humanistas que o cultivarão inicialmente
na forma de éclogas inspiradas nas de Teócrito e Virgílio (primeiramente em latim, depois
em vernáculo), muitas vezes encenadas como entretenimento de corte, com forte participa-

223
LEMOS, M. S.; COSTA, L. Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 220-233

ção da música. As encenações pastorais se conformarão, já em meados do século XVI, em


dramas à part entière, alçados pelos poetas e eruditos do ambiente da corte de Ferrara18 à
categoria de um “terceiro gênero” dramático, ao mesmo tempo novo e legitimado como uma
extensão da teoria poética aristotélica: a tragicomédia, destilada a partir da junção da tra-
gédia e da comédia. A música comparece também neste novo gênero dramático, como parte
integrante na encenação dos dramas ferrarenses bucólicos da segunda metade dos quinhen-
tos. Embora o melodrama, ainda então por nascer, não descenda diretamente desta tradição
cênica ferrarense que entrelaça drama e música (ele terá um de seus principais impulsos
nas especulações humanistas dos círculos florentinos), é neste mesmo décor pastoral que
ele entrará em cena, no fim do século. É neste ambiente pastoral que as personagens ovi-
dianas dos melodramas primevos evoluirão. Ou, em outros termos, é justamente este décor
pastoral/mítico que parece justificar ou permitir a criação de um gênero dramático inteira-
mente musicado. Pois na ficção arcádica – lembremos – pastores, ninfas, sátiros, entidades
míticas e deidades cantam, tocam instrumentos e dançam. Não é uma coincidência, assim,
a preponderância, na ópera em seus primórdios, de personagens mitológicos que se distin-
guem por suas qualidades musicais – Orfeu, Apolo... Pode-se aceitar como algo natural que
suas falas sejam convertidas em música, sem romper com a premissa clássica da verossimi-
lhança poética.19
Mas nem todos entendem desta forma. Recaem sobre as primeiras experiências no
terreno do melodrama – vício de origem, possivelmente, em razão de seu enraizamento em
terreno pastoral – acusações de inverossimilhança e artificialismo muito semelhantes àque-
las que incidiram sobre as representações pastorais tardo-renascentistas. Giason de Nores se
levantara, em 1587, quando começaram a circular os primeiros manuscritos da tragicomédia
pastoral Pastor Fido, de Giovanni Battista Guarini20, tanto contra a tragicomédia quanto con-
tra a pastoral (qualificadas, respectivamente, como “monstruosa” e “inconveniente”), apon-
tando sobretudo para seu defeito de inverossimilhança e artificialidade. Os poetas modernos
levaram a antiga écloga à dimensão das comédias e das tragédias, afirma ele,

(...) atribuindo aos pastores falas elevadas, considerações sobre coisas celestiais,
prudentes concetti e sentenças gravíssimas apenas apropriadas a príncipes e filóso-
fos, não percebendo estarem nas selvas e bosques, e não em palácios e academias.21
(DE NORES, 1587, p. 42)

A resposta de Guarini à invectiva de De Nores22 se municia no próprio mito arcádi-


co: a lenda de uma comunidade de pastores que interagem e se expressam por meio do can-
to e pela poesia, signo de uma distinção e de uma sensibilidade superior, identificável aos
mais altos níveis de civilidade. Guarini se baseia nas Historiae de Polybius (42.20-21), que
distinguem de maneira radical o ethos dos cidadãos-músicos/poetas da Arcádia, altamen-
te reputados por sua virtude, e os de Cynaetha, temidos por sua selvageria e crueldade – os
únicos que teriam abandonado a prática musical, dentre os povos da Arcádia (GERBINO,
2009, p. 6-7). Encontra-se aí justificado estilo nobre no qual se exprimem os pastores mo-
dernos, coerente com o ethos virtuoso que os caracteriza.
A crítica acusará problema análogo de verossimilhança no drama cantado que,
transmutando a fala comum em canto, incorre necessariamente em falta de naturalidade.
Presumido defeito contra o qual se previne de antemão o autor do Corago, utilizando um ra-
ciocínio que faz ressoar o argumento ético da defesa de Guarini contra De Nores: os perso-
nagens aptos a comparecer no melodrama (rapresentazione armonica) são deuses, semideu-
ses e heróis antigos, pois é verossímil que a fala de personagens sobre-humanos se distinga
da fala comum dos homens ordinários.

224
LEMOS, M. S.; COSTA, L. Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 220-233

(...) sendo o falar musical mais elevado, de maior majestade, mais doce e nobre do que
o falar ordinário, ele é melhor atribuível, por certa afinidade, a personagens que pos-
suem mais do sublime e divino. Acrescenta-se que, quanto mais se afastem os perso-
nagens, em costumes e ações, do modo comum de viver e de agir, menos surpreen-
dente será que, também na fala, se distingam e que tenham porte vocal mais elevado
do que o comum.23 (Il Corago, p. 63)

Mais convenientes ainda são aqueles personagens que “estima-se terem sido perfei-
tos músicos, como Orfeu, Anfione e semelhantes” (Il Corago, p. 63), acrescenta o autor ante-
cipando o que dirá mais tarde Giovanni Battista Doni em seu Trattato della musica scenica
(escrito entre 1640 e 1647): é justificável a inteira transposição em música dos dramas pas-
torais, uma vez que “representam deidades, ninfas e pastores daquele antiquíssimo século
no qual a música era natural e a fala quase poética” (DONI, 1763, p. 7).
À lista de personagens adequados ao melodrama o autor do Corago acrescenta per-
sonagens alegóricos (tais como os vícios e as virtudes), anjos, planetas e outros corpos ina-
nimados e, ainda, patriarcas antigos da história sacra (sobretudo, mais uma vez, os que são
reputados músicos, como Davi). Aqui, é o distanciamento temporal que autoriza sua inclu-
são, pois “se tomarmos como interlocutoras pessoas de nosso tempo e de costumes simila-
res aos nossos se mostra logo por demais improvável e inverossímil aquele modo de falar
cantando” (Il Corago, p. 63).
Mas, ao final deste trecho, numa concessão bastante surpreendente (e por que não,
visionária)24, significativa de sua adesão nuançada às prescrições teóricas, ele relativiza sua
própria argumentação: na medida em que o público se habitue a frequentar espetáculos me-
lodramáticos, afirma, será possível neles incluir até mesmo personagens comuns, pois “o
povo se acostumará a apreciar qualquer coisa representada em música” (Il Corago, p. 64).
A reviravolta mostra, mais uma vez, uma atitude permanente de flexibilização dos pressu-
postos teóricos em vista da questão mais premente da recepção factual da representação.
Uma preocupação focalizada prioritariamente, enfim, na fenomenologia do gosto.
Mas é notadamente na questão do estilo musical a ser adotado no melodrama – o
autor se posiciona de maneira visivelmente ambígua quanto a isto – que aparece a nature-
za eminentemente operativa, pragmática do tratado. A monodia (designada pelo autor mo-
dulazione25) é tomada por princípio como estilo ideal para as ações cênico-musicais, numa
continuação da prática que deriva das discussões teóricas da Camerata Bardi. Por diversas
vezes, e já no título do primeiro capítulo dedicado à música (capítulo VII), o autor afirma a
pertinência, no contexto do melodrama, da adoção do modelo inaugural dos florentinos –
uma monodia vinculada de maneira estreita ao texto poético: “Que no estilo recitado com
música [= melodrama] é mais necessária a ajustada modulação [= monodia] do que a har-
monia plena [= polifonia] (Il Corago, p. 41).26
As premissas classicizantes da vanguarda florentina são assumidas e reafirmadas.
Mais do que a polifonia, é a monodia que melhor se adequa à busca de, por meio de músi-
ca, “exprimir o mais natural possível a fala comum dos homens”, como faziam, presumi-
damente os antigos. Ela permite alcançar “a finalidade da representação em si, que é o ou-
vinte penetrar os fatos representados por meio de palavras bem compreendidas, e, por meio
daquela [representação] infundida com o canto, mover os afetos da alma correspondentes”
(Il Corago, p. 43).27 O autor retoma os termos da crítica dos modernos à polifonia, reitera-
da ad nauseam na segunda metade do século XVI, segundo a qual a multiplicidade de vo-
zes concomitantes, sobretudo na forma fugada, impediria a inteligência do texto.28 Certos
estavam os antigos que, “quando queriam harmonia, a faziam com os instrumentos”, e de
maneira discreta, sem ofuscar ou “confundir com multidão de consonâncias a voz pura do

225
LEMOS, M. S.; COSTA, L. Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 220-233

cantor, porque queriam que as palavras fossem bem compreendidas”. Pois, “se uma voz se
coloca no meio de um rimbombar cheio de consonâncias, é ofuscada, aos ouvidos, a sua
perfeita pronúncia articulada” (Il Corago, p. 44).29 Assim aparece, devidamente justificada,
a maneira de tocar dos florentinos:

Com esta maneira de tocar tentou-se renovar a antiga música do estilo recitativo
[= drama cantado] primeiramente em Florença, onde se determinou que poucas, ra-
ras e econômicas fossem as batidas dos instrumentos enquanto os atores cantavam;
o que então, com grande dificuldade, teve de ser suplicado aos instrumentistas, que
sentiam não fazer nada ao fazer pouco, mas para o gosto do ouvido e julgamento do
intelecto faziam o bastante.30 (Il Corago, p. 44-45)

O autor evoca, ainda, como prática dos florentinos, as árias monódicas estróficas
(utilizadas sobretudo nos prólogos), opondo-as a um “harmonizar artificioso moderno”
– possivelmente o madrigal polifônico – segundo ele inadequado à necessidade de clareza
textual:

Desta forma, vemos igualmente que as primeiras composições de Florença feitas com
intuito de serem recitadas cantando são sobretudos ariette, algumas graciosas e ou-
tras decididas, outras majestosas e graves, deixando de lado os preceitos do harmoni-
zar artificioso ao modo moderno.31 (Il Corago, p. 45)

Porém, já neste início da seção dedicada à música, começa a despontar uma preo-
cupação de ordem prática, que será reiterada inúmeras vezes ao longo do tratado: o perigo
sempre eminente da uniformidade, do tédio e do desinteresse por parte do público. A maior
parte dos espectadores, dirá mais à frente o autor, “não entende de fato de música ao ponto
de poder ver e desfrutar da beleza da composição musical, pois não distinguindo os pon-
tos da arte, lhes parece que a música seja sempre igual e provoque tédio (Il Corago, p. 65)”.32
Assim, imediatamente após afirmar o recitativo e a ária monódica como os gêneros mais
adequados ao melodrama, ele pondera: “Não negamos, porém, que a multidão de instru-
mentos, quando não ofusca a voz de quem canta, dê seu particular gosto e seja útil, pelo
menos pela variedade.”33 (Il Corago, p. 45)
Começa a surgir, ao longo do tratado, uma série de ponderações que revela uma
preferência pelo recitativo monódico mitigada pela preocupação com o deleite do especta-
dor. Assim, mais do que a coerência com as teorizações coevas, mais do que a observân-
cia da auctoritas dos antigos e da pureza ortodoxa do estilo recitativo estrito prepondera a
necessidade de uma varietas, capaz de captar a atenção e dar prazer continuado ao públi-
co, em espetáculos extensos, com duração, segundo ele próprio, de três a sete horas a fio
(Il Corago, p. 25)34:

(...) talvez seja a razão porque os modernos busquem tanto a harmonia onde há uma
maior variedade de vozes, porque o ouvir uma única voz costuma cansar a expectati-
va com a pouca variedade de sons que pode formar.35 (Il Corago, p. 54)

O autor, então, passa a enumerar os “incômodos e imperfeições” aos quais o reci-


tativo monódico está sujeito. Ele parece mal dissimular sua hesitação entre a obediência à
necessária contenção do recitar cantando (fiel às sutis inflexões afetivas ou prosódicas do
texto) e o irresistível abandono às delícias sonoras dos ornamentos virtuosísticos, prezados
por um público não expert:

226
LEMOS, M. S.; COSTA, L. Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 220-233

O primeiro é que, sendo muito pouca a mudança da voz própria à fala familiar (em
geral não se levantando ou abaixando mais que um tom, aliás, menos) resulta que
o estilo recitativo, que imita esta fala comum, segue muito uniforme e semelhante.
Acrescenta-se que as cadências próprias de cada parte, sendo poucas e se repetindo
frequentemente, aumenta-se a uniformidade, gerando excessivamente tédio, sobretu-
do porque nem todo o público gosta particularmente de música. Segundo, este estilo
recitativo não tem aquela graça e encanto que as ariette costumam ter. Pelo contrário,
ele possui certo langor e, ainda, se o cantor não tiver notável talento expressivo na voz
e nos gestos, cai-se facilmente na frieza. Terceiro, faltam também a este modo os orna-
mentos e beleza que tanto adornam o canto – me refiro às passagens, trilos, gorjeios –
pois muito se afastam do modo natural de falar e impedem a comoção dos afetos; eles
se afastam da matéria que se canta [= do texto] e se transferem somente ao prazer au-
ditivo causado pela maestria do canto. Por isso se proíbe que os cantores lancem mão
de tais embelezamentos e ornamentos quando recitam neste estilo.
Para remediar o que diz respeito a estes incômodos, falta de variedade, vivacidade e
de cantar ornado e majestoso, será necessário que o poeta seja o primeiro a dispor a
poesia de modo que não force o compositor músico a cometer tais defeitos e que fi-
que desprovido de tais graças e ornamentos. Se o poeta não oferecer com a invenção,
a disposição, as figuras e metros a oportunidade, ou melhor, a necessidade de varie-
dade, vivacidade e graciosidade musicais, o músico não poderá operar a sua arte se-
não de maneira infeliz, e o cantor será levado a trazer pouquíssimo deleite, ou antes,
a trazer tédio e fastio aos ouvintes.36 (Il Corago, p. 62)

Falta de variedade, de vivacidade são “defeitos” de um recitativo monódico que, ini-


cialmente elevado à condição de estilo por excelência a se empregar no melodrama, já apa-
rece aqui desvalorizado, desprovido de graça, ornamentos e majestade. Um estilo musical
“uniforme” que não pode trazer senão” tédio e fastio” ao espectador.
Os termos “tédio” (tedio) e “uniformidade” (uniformità) aparecem, aliás, respecti-
vamente, dezesseis e dez vezes ao longo do tratado37. Se esta reiteração aparece como mani-
festação de uma preocupação permanente com o sucesso da representação junto ao público,
ela se revela, sobretudo, como sintoma da inegável reserva do autor quanto ao poder efetivo
do recitativo monódico em mobilizar os afetos, em comover e envolver seu público. Quais
serão então os expedientes capazes de romper com tal uniformidade, e de evitar o tédio e o
fastio sempre à espreita?
No capítulo dedicado à poética (“Alcuni avvertimenti per il poeta favolaio accioché
la sua composizione sai più atta a porsi in musica di stile recitativo. Capitolo XI), ele reco-
menda que a uniformidade dos solilóquios monódicos “que tanto desagrada” seja evitada
desde a composição poética, evitando-se trechos narrativos longos e conferindo-se ao texto
afetos variados, figuras de elocução “diversas e opostas entre elas”, que permitam ao músico
“tocar várias notas e, em variado estilo”. Uma estética, enfim, de affetti e concetti contrasta-
dos, que logre romper com a monotonia do estilo recitativo estrito.
Mesmo se nos trechos mais comumente patéticos, como por exemplo os lamentos,
“pode ser admissível se alongar um pouco mais” na escrita, eles devem igualmente “ser va-
riados com figuras e efeitos, caso contrário, em brevíssimo tempo trazem descontentamen-
to” (Il Corago, p. 66).38
Tal procura por expedientes capazes de comover o espectador parece conduzir o
autor – fato bastante significativo – a evocar uma corrente estética diversa daquela mais ca-
racterística do ambiente florentino: o stilo affettuoso, cultivado desde meados do século XVI
principalmente nos círculos eruditos da corte estense. Não é esta vertente expressiva que
parece ser aqui evocada, como remédio à “uniformidade tediosa” do canto?

227
LEMOS, M. S.; COSTA, L. Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 220-233

Não há problema, porém, se, aqui e ali, para expressar algum afeto estranho, pensa-
mento áspero ou fato cruel, as palavras se adaptem à coisa significada, pois isso tra-
rá notável beleza, variedade e admiração. O compositor músico não deve se lamentar
disto; ao contrário, ele deve descobrir, com seu instrumento e sua arte, modos [igual-
mente] ásperos, arriscados e extravagantes. Muito embora não seja necessário pre-
encher por demais a ação com eles, para não acarretar desagrado.39 (Il Corago, p. 69)

De fato, o trecho parece descrever características da linhagem musical que se de-


senvolvera no ambiente da corte de Ferrara, partindo, no primeiro terço do século XVI, da
polifonia expressiva de Cipriano de Rore, Giaches de Wert, Luca Marenzio e Carlo Gesual-
do, e chegando à chamada musica reservata: música de refinamento e complexidade extre-
mos, erudita, artificiosa e às vezes hermética, composta e executada para o deleite de um
círculo aristocrático restrito. São célebres as Damas de Ferrara, trio de cantoras virtuoses
para o qual Luzzasco Luzzaschi compôs boa parte de suas obras vocais, de grandes exigên-
cias em termos vocais. É deste ambiente musical aristocrático e reservado que surgem al-
guns dos exemplos talvez mais extravagantes e artificiosos da história da música ocidental.
O fruto mais maduro destes experimentos é, no período da redação do Corago, o estilo de
Claudio Monteverdi, fortemente influenciado por esta corrente expressiva. Atente-se para
o fato de que é de autoria de Monteverdi a música da ópera-torneio Mercurio e Marte, com-
posta para os festejos de Parma de 1628, sobre poesia de Claudio Achilini, espetáculo que o
autor do Corago visivelmente assistiu e ao qual ele se refere.40
Note-se ainda, como possível evocação à estética de Ferrara, a menção, citada mais
acima, aos três gêneros gregos. Nicola Vicentino, teórico ativo em Ferrara e de marcada in-
fluência sobre este círculo musical, fora um defensor entusiasta do emprego do cromatismo
como expediente expressivo, apoiando-se na distinção, exumada da Antiguidade e negli-
genciada por séculos, entre os três gêneros musicais – o diatônico (o gênero convencional,
então em vigor), o cromático e o enarmônico. Ele se concentrara sobre o cromático, uma vez
que o enarmônico, muito embora devesse, segundo ele, ter sido mais o nobre e refinado de-
les, não lhe parecia viável no contexto moderno, pois dependia da capacidade de percepção
de intervalos menores do que o semitom, perdida desde a Antiguidade.41 Vicentino entendia
que, associada à escala diatônica em uso, a escala cromática oferecia uma maior variedade
de recursos expressivos, aptos a melhor mimetizar a natureza afetiva dos textos poéticos.42
Seriam desta natureza, talvez, os “modos ásperos, arriscados e extravagantes” recomenda-
dos pelo autor do Corago no trecho citado acima, capazes de conferir “beleza, variedade e
admiração” a uma composição via de regra uniforme?
Possivelmente. Mas a seus olhos isto parece não ser o bastante. Suas concessões se
sucedem, e até mesmo os ornamentos proscritos pela norma do recitativo, como vimos aci-
ma, e tão caros aos ouvidos do público parecem valer como remédio ao tédio:

Além disto, para dar possibilidade ao músico de usar todos os artifícios musicais, tais
como gorjeios nas diminuições e cantilenas suavemente estendidas, o poeta poderá
fazer com que alguns [personagens] representem homens que cantem em vez de fa-
lar; pois os versos que deverão ser cantados darão a oportunidade, tanto ao compo-
sitor quanto ao cantor, de fazer as passagens e ornamentos dos quais é desprovido o
atual estilo recitativo, trazendo variedade a toda a ação, para tirar o tédio e o fastio.43
(Il Corago, p. 67)

Some-se, ainda, a variedade dos efeitos maravilhosos do maquinário, das mudan-


ças de cenário, das danças, combates e coros, tudo posto em obra para evitar a continuidade
tediosa – “comprovada pela experiência” – da “música pura”:

228
LEMOS, M. S.; COSTA, L. Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 220-233

O tema [do drama] deve exigir ou admitir alguma máquina de vez em quando, se não
sempre, ou pelo menos alguma aparição de grutas, jardins, ou outras variedades, co-
mo coros, balés, morescas, combates e intrigas similares. Tudo isto porque a música
pura, sobretudo a nossa, que é resumida ao gênero diatônico, por demais limitado,
com a continuidade leva ao tédio, como por experiência foi provado.44 (Il Corago, p. 65)

Acumulam-se, desta forma, inúmeras ponderações que parecem desabonar o inte-


lectualismo rigoroso e seco do melodrama primitivo a favor do gosto do público pela varie-
dade, pelo impacto dos affetti em seus contrastes, pelo espetacular. A premissa inicial – a
observância de um estilo recitativo monódico áulico, depurado de excessos musicais e su-
postamente recuperado dos antigos – se encontra admiravelmente invertida, subjugada pe-
la necessidade imperiosa do delectare.45 A ponto mesmo de, numa notável peripécia, a poli-
fonia – claramente anatemizada no início do tratado46 – se encontrar, ao fim, aparentemen-
te reabilitada: “o solilóquio musical”, afirma surpreendentemente o autor, “acarreta tédio, e
por ser pura monodia não agrada, aliás, não parece música inteira, mas quebrada e incom-
pleta, pois o objeto principal da arte é a harmonia que consiste na proporção das muitas vo-
zes, e não na progressão de uma única voz” (Il Corago, p. 65).47

Conclusão

Redigido num momento de início de consolidação das experiências primevas dos


modernos com o melodrama, o Corago sintetiza e relativiza, mais ou menos explicitamen-
te, boa parte das questões que animaram os debates estético-musicais travados nos círculos
humanistas italianos desde meados do século XVI.
Sua orientação prática faz com que os rigores teóricos cedam à necessidade cres-
cente da eficácia do melodrama enquanto espetáculo. Ele nos fornece uma perspectiva en
raccourci do percurso do novo gênero, ao longo dos trinta anos que separam a redação do
tratado das primeiras representações florentinas. O melodrama fora gestado e confrontado,
nessas primeiras representações, a um círculo erudito restrito de acadêmicos e príncipes.
Dafne, a favola pastorale de Rinuccini que inaugura o gênero (musicada em sua primeira
versão por Jacopo Peri), “agradou de maneira inacreditável”, nas palavras do próprio poeta,
“àqueles poucos que a ouviram”.48 O gênero permaneceu por décadas um divertimento aris-
tocrático, um prazer de acadêmicos e nobres, e se espalhou como tal nas cortes italianas.
Aos poucos, reconhecido e legitimado, ele começa a integrar ocasiões grandiosas que envol-
vem um público mais amplo, embora ainda essencialmente aristocrático.
O melodrama do qual nos dá um testemunho o Corago, findo o primeiro terço do
século XVII, é um melodrama já amadurecido por este primeiro confronto com o gosto, com
as exigências e as limitações de um público mais ampliado e menos expert. Suas primeiras
teorizações, intelectuais, abstratas e rígidas se encontram já em parte suavizadas pelo atrito
deste confronto. Elas se inclinarão aos imperativos da variedade, do espetacular, e à pressão
de uma estética de contrastes que se afirma de mais em mais, incorporando outras corren-
tes musicais desenvolvidas paralelamente à vanguarda florentina.
A ópera seguirá seu curso, após o Corago, se confrontando com novos desafios, com
um alargamento bem mais significativo de seu público, como foi dito, suscitado pela aber-
tura dos teatros profissionais e pelo surgimento de um público pagante. O Corago nos per-
mite, porém, enxergar, na artificialidade de sua pseudo-dialética, nas suas significativas e
flagrantes oscilações de opinião e inclinação estética, este momento-chave onde o novo gê-
nero é, pela primeira vez, posto à prova, de fato, como espetáculo grandioso.

229
LEMOS, M. S.; COSTA, L. Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 220-233

Notas
1
Da tutto questo si raccoglie non essere meraviglia se una compita azione portata bene in scena nasce tanto am-
mirabile e tira seco tanto di plauso e di asclamazione, poiché in essa vi concorrono a gara dieci o dodici arti o
professioni delle quali ciascuna da per sé è bastante ad apportar diletto e meraviglia grandissima. Uma tragedia
ben composta reca sommo gusto solamente a leggerla; il vedere e sentire recitare con nobiltà di presenzia, bontà
di voce e grazia di portamenti e maniere anche in una cattedra eccita plauso; si va per il corso a vedere le varietè
e bizzaria di abiti in che compariscono le maschere nobili di carnevale; un eccelente rustico [= musico] che canti
solo in camera si sente con gran diletto; ad un ballo, barriera e festino corrono molti purché vi possino essere am-
messi; il vedere una bella architettura di scena diletta da per sé medesima; l’apparenze di meravigliose machine
anche senza altro recitamento si vanno a vedere con impetuosa curiosità. Se adunque l’opera di ciascheduna di
queste arti separata è per sé bastante a trattener le menti altrui con gusto e ricever plauso, non è meraviglia che
una opera mesta [= mista] e fatta con tutti questi artificii ecceda tutte le altre ne l’apportare diletto, ammirazione
e moto persuasivo delli animi, concorrendo ad una sola azione legnaioli, sartori, architettori, perspettivi pittori,
cantori, sonatori, ballarini, istrioni, ischermitori, giostratori, torneatori, inventori di meravigliosi machine e poeti
della più sublime specie di poesia. (Il Corago, p. 23). Para esta e demais citações dos trechos do tratado manuscri-
to anônimo utilizamos a edição crítica de Paolo FABBRI e Angelo POMPILIO (1983), mantendo os critérios orto-
gráficos adotados pelos editores.
2
Cf. tradução na nota anterior.
3
“Corago, ou, algumas observações para bem encenar as composições dramáticas”. A sua primeira edição crítica
moderna foi feita por Paolo FABBRI e Angelo POMPILIO, e editada em Florença, em 1983, com o título Il corago
o vero alcune osservazioni per metter bene in scena le composizioni dramatiche.
4
Il corago dunque preso in questo modo, forse più nobilmente et ampiamente che mai fusse posto in prattica dagli
antichi, bisognerà che sappia qualche cosa di queste facoltà in quanto gli possa commandare non secondo i par-
ticolari precetti di ciascuna (che così deverebbe essere buon sartore, buon pittore, quando di musica e di tutte le
arte predette), ma in generale – come dire – assegnando o approvando la sorte di abiti, di palazzi, di cantilene, di
balli, di nuvole, carri e simili che conforme al decoro dell’azione si devono fare da quelli artisti. (Il Corago, p. 22).
5
(...) noi per l’arte del corago intenderemo qui quella facoltà mediante la quale l’uomo sa prescrivere tutti quei me-
zzi e modi che sono necessarii acciò che una azione drammatica già composta dal poeta sia portata in scena con
la perfezione che si richiede per insinuare con ammirazione e diletto quella utilità e frutto anche morale che la
poesia richiederà. (Il Corago, p. 21).
6
O tratado faz referência ao espetáculo realizado em Parma no ano de 1628 por ocasião das núpcias de Odoardo
Farnese, duca de Parma e Piacenza, e Margherita de Médici (FABBRI e POMPILIO, 1983, p. 9-10).
7
Como notam ainda FABBRI e POMPILIO (1983, p. 9-10), o autor do tratado, atento a todos os detalhes das práti-
cas e da tradição teatral na península italiana, não faz nenhuma referência, no texto, aos teatros públicos vene-
zianos, o que leva a crer que tenha sido redigido anteriormente à sua abertura.
8
O nome de Pierfrancesco Rinuccini aparece entre os nomes dos participantes do “balletto a cavalo” Il Mondo Fes-
teggiante, com libreto de Giovanni Andrea Moniglia realizado em Florença em 1661.
9
Edição de FABBRI e POMPILIO, aqui utilizada.
10
No contexto dos estudos pós-doutorais de Ligiana Costa, ECA/USP.
11
Cf. supra, nota 6.
12
Contrariamente ao que tende-se a entender à primeira vista, a expressão não designa o estilo recitativo (o recitar
cantando, que o autor denomina modulazione), mas sim a representação cênica por meio da música, ou seja, o
melodrama.
13
Noi dunque ragioneremo di tutti questi tre modi di rappresentare cominciando dal secondo come discorrendo
dello stile musico recitativo, per essere uno delli più onorati diletti nella materia drammatica che ai nostri secoli
si sono o ritrovati di nuovo, o cavati dallo antico uso e costume (Il Corago, p. 41).
14
Se il palco e le scene si devono delineare e fabricare rilevate a massiccio da soli architetti e murator o pure se de-
vono esser composte da legnaroli e descritte in prospettiva dai pittore. Capitolo III (Il Corago, p. 26).
15
Se la modulazione secondo la diversità dei tempi a batuta fusse più ampia e capace di varietà appresso gli antichi
che non è ora presso i moderni. Capitolo VIII (Il Corago, p. 47).
16
Se la modulazione secondo la diversità dei gradi dela voce fusse più ampia e varia appresso gli antichi che non è
ora appresso i moderni. Capitolo IX (Il Corago, p. 52).
17
Se per accompagnare le azioni cantate sieno più a proposito li istrumenti di fiato o pur di corde. Capitolo XIII
(Il Corago, p. 84).
18
Agostino Beccari (c.1510-1590), Giovanni Battista Giraldi Cinzio (1504-1573), Angelo Ingegneri (1550-1613),
Giovanni Battista Guarini (1538-1612).
19
Diversamente desta argumentação mais comumente adotada para justificar o novo gênero cênico/musical, o
poeta Ottavio Rinuccini, na dedicatória que faz à rainha Maria de Médici na edição do libreto de sua Euridice
(Firenze, 1600), o justifica sustentando que as tragédias dos antigos gregos e romanos eram cantadas em sua in-
tegridade.

230
LEMOS, M. S.; COSTA, L. Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 220-233

20
Impressa somente em 1590 (Venezia, G. B. Bonfadino).
21
(...) ma ora improvisamente le hanno ridotte alla grandezza delle comedie e delle tragedie con cinque atti, senza
proporzion, senza convenienza, senza verissimilitudine, attribuendo a’ pastori ragionamenti alti, discorsi delle
cose celesti, concetti prudenti e sentenzie gravissime, che a pena si convenirebbono a’ prìncipi et a’ filosofi, non
accorgendosi tuttavia essere nelle selve e ne’ boschi, e non ne’ palazzi e nelle academie. (DE NORES, 1587, p. 42)
22
Publicada em Il Verrato, ovvero difesa di quanto ha scritto M. Giason Denores contra le tragicomedie e le pastora-
li in un suo discorso di poesia (Ferrara, 1588). A esta resposta De Nores replica com sua Apologia contro l’ autor
del Verrato di Giason de Nores di quanto ha egli detto in uno suo discorso delle tragicommedie, e delle pastorali
(Pádua, 1590). Ao que Guarino responde, por sua vez, com Il Verrato secondo, ovvero replica dell’ attizzato ac-
cademico ferrarese in difesa del Pastor Fido contra la seconda scrittura di Giason de’ Nores intitolata: Apologia
(Firenze, 1593).
23
(...) essendo il ragionare armonico più alto, più maestrevole, più dolce e nobile dell’ordinario parlare, si attribuisce
per un certo connaturale sentimento ai personaggi che hanno più del sublime e divino. Si aggiunge che, scostan-
dosi i personaggi simili anche nei costumi e nelle imprese dal comun modo di vivere e di operare, meno maravi-
glia è che anche nel parlare si discostino e tenghino più alto del commune portamento delle voci. (cap. XI, p. 63)
24
Já notada por Lorenzo Bianconi (1991, p. 189-90).
25
O termo modulazione é utilizado pelo autor ora para nomear o recitativo ao modo florentino, ora para nomear o
canto a uma voz.
26
Che per lo stile musico fa più di bisogno l’aggiustata modulazione che la ripiena armonia. (Il Corago, p. 64).
27
La ragione di questo si è perché, cercandosi nello stile recitativo di esprimere più al naturale che si può il commun
parlare delli uomini, noi vediamo che nei colloquii umani uno solo è quello che parla, a cui poi gli è risposto seco
dagli altri che seco ragionano. Secondo, perchè meglio si conseguisce il fine dela rappresentazione stessa, quale è
che per mezzo delle parole bene intese l’auditore penetra il fatto che si rappresenta, e per mezzo di quella insinu-
ata con il canto si muovi agli effetti [= affetti] dell’animo corrispondenti (Il Corago, p. 43).
28
“Ora non è dubbio che meglio una persona sola cantando fa intendere le parole alli ascoltanti, che non fanno mol-
ti insieme (...)”. O texto perde inteligibilidade, segundo o autor, nas “fughe musicali che distribuiscono le sillabe
con difformità, onde mentre un cantore pronunzia la prima sillaba dalla medesima voce, l’altro cantore già into-
na la terza sillaba dalla medesima voce, como anco procede dalla difficoltà dello acordarsi dei cantori nella uni-
tà della prolazione delle sillabe o vocali, ancorché tutte insieme le pronunciano. E questa anche sarà la cagione
principale per la quale gli antichi mostrorono di far più conto della modulazione [= monodia] che della armonia
[= polifonia] (Il Corago, p. 43).
29
(...) gli antichi quando volevano armonia la facevano per lo più con li stromenti da per sé e senza confondere con
la moltitudine delle consonanze la schietta voce del cantore, perché volevano che le parole fussero ben comprese,
dove se una você si pone in mezzo d’un pieno ribombo di consonanze viene offuscata agli orecchi la sua perfetta
articulata pronunzia (Il Corago, p. 44).
30
Con questa maneira di sonare si cercò di rinovare l’antica musica dello stile recitativo primieramente in Fioren-
za, dove si determinò che poche, rare e rimesse fussero le botte delli istrumenti mentre i recitanti cantavano: cosa
che allora con grandi stenti si pote impetrare da sonatori, ai quali pareva di non far niente con far sì poco, ma a
gusto dell’orecchio et a giudizio dello intelletto fecevano assai (Il Corago, p. 44-45).
31
Così vediamo parimente che le prime composizioni di Firenze fatte con animo di recitare cantando sono per lo più
ariette, altre graziose et altre pronte, altre maestose e gravi, lasciando da parte i precetti dello armonizzare arti-
ficioso alla moderna (Il Corago, p. 45).
32
(...) nell’audienza la maggior parte non s’intende in maniera di musica che possi avvedersi e gustare della vaghe-
zza del componimento musicale, per lo che non distinguendo i punti dell’arte, gli pare che la musica sai sempre
ad un modo e gli viene a tedio (Il Corago, p. 65).
33
Non neghiamo però che la moltitudine delli strumenti, quando non offuscassero la voce di chi canta, non dia an-
co il suo particolar gusto e che non sia utile almeno per la varietà (Il Corago, p. 45).
34
Per questa medesima causa si deve procurare che l’azione non sia lunga, ma dentro certi confini di tempo si possa
finire. (...) che una azione piena e compita sì come non deve durar meno di tre ore, così non deve ecceder di molto
le cinque, se bene alcuni pensano che se l’azione è ripiena d’altro che di recitamento possi arrivare fino alle sette
(Il Corago, p. 25).
35
(...) forse à la ragione perché i moderni tanto cerchino l’armonia nella quale maggior varietà di voci si rotrovano,
perché il sentire una voce suole straccare attesa la poca varietà dei suoni che può formare (Il Corago, p. 54).
36
Il primo si è che, essendo la mutazione della voce propria del ragionamento familiare molto poca e che per lo più
non s’alza et abbassa più di un suono, anzi meno, ne segue che lo stil recitativo che imita questo comun raggiona-
re segue troppo uniforme e simile. Si aggiunge che le cadenze proprie di ciascheduna parte essendo pocchi e fre-
quentandosi le medesime, cresce l’uniformità soverchiamente onde genera tedio, massime che non tutta la udien-
za gusta particolarmente della musica. Secondo, questo stil recitativo non ha quella grazia e legiadria che le ariet-
te sogliono avere, onde ha del languido anziché no, e se il cantore non ha notabil efficaccia nell’espressiva della
voce e dei gesti, si dà facilmente in freddura. Terzo, è anche questo modo manchevole di quelli ornamenti e va-
ghezze che abbelliscono tanto il cantore: dico delli passaggi, trilli, gorghiggiamenti, poiché troppo si scostano dal
natural modo di ragionare et impediscano la mozione delli affetti, quali si rimuovano dalla materia che si canta

231
LEMOS, M. S.; COSTA, L. Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 220-233

e si trasferiscono al solo gusto dell’orecchio in quelle maestrie di cantare, e per questo si proibisce ai cantanti che
si servino di simili vaghezze et adornamenti quando recitano in questo stile. // Per rimidiare dunque per quanto
si potria a questi incommodi e mancamenti di varietà, vivacità et ornato maestrevole di cantare, sarà necessario
che il poeta sia il primo a disporre la poesia in modo che non isforzi il compositore musico a commettere simili
difetti e restar privo di tali grazie et ornamenti, imperoché se il poeta non darà con l’invenzione, disposizione, fi-
gure e metri occasione anzi necessità di notabili varietà, vivezze e leggiadrie musicali, non potrà il musico se non
infelicemente adoprar la sua arte et il cantore sarà necessitato ad apportar pochissimo diletto, anzi a venir quan-
to prima in tedio e fastidio alli uditori (Il Corago, p. 62).
37
Incluindo-se as derivações “tedioso” e “entediada”. Quanto ao vocábulo “uniformidade”, estão aqui computadas
unicamente as ocorrências de conotação pejorativa, incluindo-se a forma adjetiva “uniforme”.
38
Bisognerà in prima fuggire i lunghi soliloquii, massime i puri narrativi, perchè questi forzano il compositor mu-
sico a caminare con quella uniformità che tanto dispiace, per ovviare alla quale uniformità, dovendo farsi lunga
diceria, bisognerà variarla di affetti diversi e di figure varie e tra di loro opposte, acciò che il musico possi toccare
varie corde e con vario portamento (Il Corago, p. 66).
39
Non se ne fà però che qui e lì per esprimere qualche affetto strano o asprezza di pensieri o crudeltà di fato non
si devino anche le parole adatare alla cosa significata, perché questo apporterà notabil vaghezza, varietà e am-
mirazione, nè il compositor musico si deve lamentare, anzi egli deve nel suo istromento et arte ritrovare modi as-
pri, scommessi e stravaganti. Se bene di questi non bisogna colmarne molto l’azione per apportare dispiacimento
(Il Corago, p. 69).
40
Cf. nota 6.
41
(...) perche con effetto comprendono che (come li scrittori antichi dimostrano) era meritamente ad altro uso la Cro-
matica & Enarmonica Musica riserbata che la Diatonica, perche questa in feste publiche in luoghi communi a uso
delle vulgari orecchie si cantava: quelle fra li privati sollazzi de Signori e Principi, ad uso delle purgate orecchie
in lode di gran personaggi et Heroi s’adoperavano (VICENTINO, 1555).
42
Ele constrói um instrumento insólito – um teclado cromático, o archicembalo, que contém todas as notas da es-
cala cromática, permitindo que ela seja utilizada em toda sua extensão e em todos os modos, sem problemas de
afinação. Subsiste, hoje, um único archicembalo remanescente do período, o Clavemusicum Omnitonum Modu-
lis Diatonicis Cromaticis et Enarmonicis, construído por Vito Trasuntino, Veneza, 1606.
43
Inostre per dare occasione al musico di usare tutti gli artificii musicali, come di gorge nelli passaggi e cantilene
suavemente tirate, potrà il poeta fare che alcuni devino representare uomini che cantino e non mostrino di reci-
tare, perché quei versi che doveranno esser detti come cantando, daranno occasione tanto al compositore quanto
al cantore di fare quei passaggi e vaghezze dei quali è privo il corrente stile recitativo, e così apportarà varietà a
tutta l’azione per toglier il tedio e fastidio (Il Corago, p. 67).
44
L’argomento bisogna che ricerchi o ammetta qualche machina di quando in quando, se non sempre, o almeno
qualche apparenza di spelonche, giardini o altre varietà, come di cori, balli, moresche, abbattimenti e simili tres-
che. Il che tutto si fa prima perché la semplice musica, massime la nostra chiusa nel genere diatonico angusto più
assai, con quella continuazione viene a noia, como si è provato per esperienza (Il Corago, p. 65).
45
Sobre a conexão prodesse/delectare em Il Corago, ver: Maurizio Padoan e Robert Kendrick, “Tradition and
‘Modernity’ in Il Corago”, in: International Review of the Aesthetics and Sociology of Music, v.24, No. 2 (Dec 1993),
p. 113-127.
46
Cf. nota 27 acima.
47
(...) il soliloquio musicale viene a noia et essendo pura modulazione non dileta, anzi, non par musica intera, ma
smezzata e tronca: essendo l’oggetto principale dell’arte l’armonia che nella proporzione delle molte voce, non nel
progresso di una sola consiste (Il Corago, p. 65).
48
Dedicatória de Ottavio Rinuccini à rainha de França e Navarra, Maria de Medici, na edição de seu libreto para
L’Euridice.

Referências

BIANCONI, Lorenzo. Il Seicento. Torino: Edizioni di Torino, 1991 (1ª ed. 1982).

DE NORES, Giason. Discorso di Iason Denores intorno a que’ principii, cause, et accrescimen-
ti, che la comedia, la tragedia, et il poema heroico riceuono dalla philosophia morale et civile,
et da’ governatori delle republiche, Padova: Meieto, 1587. [Disponível em: http://reader.digitale-
sammlungen.de/de/fs1/object/display/bsb10163793_00096.html]

DONI, Giovanni Battista. Trattato della musica scenica. In: Lyra barberina. De’ trattati di musi-
ca. Firenze: Anton Francesco Gori, 1763.

232
LEMOS, M. S.; COSTA, L. Il Corago e o melodrama seiscentista: entre a teoria e o juízo do gosto.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 220-233

GERBINO, Giuseppe. Music and the Myth of Arcadia in Renaissance Italy. Cambridge: Cambrid-
ge University Press, 2009.

IL CORAGO o vero alcune osservazioni per mettere bene in scena le composizioni drammatiche.
Ed. FABBRI, Paolo e POMPILIO, Angelo, Firenze: Leo S. Olschki, 1983.

PADOAN, Maurizio; KENDRICK, Robert Kendrick. “Tradition and ‘Modernity’ in Il corago”, in:
International Review of the Aesthetics and Sociology of Music, v.24, n.2 (Dec 1993).

PIRROTTA, Nino; POVOLEDO, Elena. Li due Orfei – da Poliziano a Monteverdi. Torino: ERI,
1969.

SAVAGE, Roger Savage; SANSONE, Matteo. “Il Corago and the staging of early opera: four chap-
ters from an anonymous treatise circa 1630”, In: Early Music (1989), XVII (4).

VICENTINO, Nicola. Ancient Music adapted to modern practice [L’antica musica ridotta alla mo-
derna prattica, 1555]. Trad. Maria Rika Maniates. Ed. Claude V. Palisca, New Haven and Lon-
don: Yale University Press, 1996.

Maya Suemi Lemos - Professora adjunta na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenadora da
Rede Interdisciplinar de Estudos Modernos (RidEM), cuja finalidade é fomentar o diálogo interdisciplinar entre
pesquisadores brasileiros e estrangeiros, de diversas disciplinas, que dediquem suas pesquisas à Primeira Moder-
nidade. Licenciada em Música pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), mestre e doutora
em História da Música e Musicologia pela Universidade de Paris IV - Sorbonne, desenvolve pesquisa nos campos
da História da Música e das Artes, Musicologia e História Cultural, com ênfase na música, artes, letras e estética
da Primeira Modernidade.

Ligiana Costa - Graduada em canto lírico pela Universidade de Brasília (2000), com especialidade em canto barroco
no Conservatório Real de Haia (Holanda); Mestrado em Filologia Musical com foco nos textos musicais medievais
e renascentistas realizado na Faculdade de Musicologia de Cremona (2004); Doutorado em Musicologia pelo Centro
de Estudos Superiores da Renascença (Universite de Tours, Francois Rabelais, França) e pela Universidade de Mi-
lão (2008), com tese sobre ópera barroca italiana. Realizou traduções e análise de textos barrocos de cunho musico-
lógico publicados pela Editora da Unesp. Possui experiência na condução e programação de um programa de radio
de musica erudita (Rádio Cultura FM). Atualmente realiza pesquisa de pós doutorado com auxílio da Fapesp sobre
o manuscrito italiano Il Corago, na USP. Artisticamente desenvolve carreira de cantora popular e compositora, ten-
do dois discos lançados e diversas participações. Seus temas acadêmicos: a ópera barroca, a libretologia, o teatro
antigo, a encenação de óperas e o canto.

233
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

The maracá in the beginning of european contact:


its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument

Eduardo Sola Chagas Lima (University of Toronto, Ontario, Canada)


info@eduardosola.com

Abstract: This study draws upon three sixteenth-century primary sources that describe the first-hand impressions of
the land and people of Brazil by European travellers. In discussing the religious and social system of the Tupinambá,
this study explores the role and significance of music and of the maracá rattle for this peculiar coastal society, as
described and depicted by Hans Staden, André Thevet, and Jean de Léry. Although these travel accounts differ in
style, approach, and empiric context, they frequently intersect and complement one another, thus helping modern
approaches to reconstruct some of the musical idiosyncrasies pertaining to Tupinambá ritual practices. Finally, in
analyzing the narrative and iconography in these sources, this study searches for a place for music and the maracá
within this complex social system, thus aiming to shed light on its purpose and usage at the time.
Keywords: Maracá; Tupinambá; Ritual music; Travel account; 16th century.

O maracá no princípio do contato europeu: seu papel na sociedade tupinambá como símbolo religioso e instrumento
musical
Resumo: Este estudo baseia-se em três fontes primárias do século XVI que descrevem as impressões em primeira mão
da terra e do povo do Brasil por viajantes europeus. Ao discutir o sistema religioso e social dos tupinambás, este es-
tudo explora o papel e a importância da música e do chocalho maracá para esta sociedade costeira peculiar, tal qual
descrita e ilustrada por Hans Staden, Jean de Léry e André Thevet. Embora esses relatos de viagem difiram em estilo,
abordagem e contexto empírico, eles frequentemente intersectam-se e complementam um ao outro, ajudando por-
tanto abordagens modernas a reconstruir algumas das idiossincrasias musicais relacionadas às práticas rituais dos
tupinambás. Finalmente, ao analisar a narrativa e iconografia dessas fontes, este estudo busca localizar a música e o
maracá neste complexo sistema social, visando, assim, elucidar sua finalidade e utilidade na época.
Palavras-chave: Maracá; Tupinambá; Música ritual; Relato de viagem; Século XVI.

El maracá en el principio del contacto europeo: su papel en la sociedad tupinambá como símbolo religioso e
instrumento musical
Resumen: Este estudio se basa en tres fuentes principales del siglo XVI que describen las impresiones de primera ma-
no de la tierra y la gente de Brasil por los viajeros europeos. Al discutir el sistema religioso y social de los tupinambás,
este estudio explora el papel y la importancia de la música y del maracá para esta sociedad costera peculiar, tal como
ha sido descrito e ilustrado por Hans Staden, Jean de Léry y André Thevet. Aunque estos relatos de viaje difieran en
estilo, enfoque y contexto empírico, ellos a menudo se cruzan y se complementan entre sí, permitiendo así una re-
construcción de algunas de las idiosincrasias musicales relacionadas con las prácticas rituales de los tupinambás. Por
último, al analizar la narrativa y la iconografía de estas fuentes, este estudio pretende ubicar la música y el maracá en
este sistema social complejo, con el objetivo de aclarar su propósito y su utilidad en el momento histórico en cuestión.
Palabras clave: Maracá; Tupinambá; Música ritual; Relato de viaje; Siglo XVI.

Introduction

The interest in this research topic is both a result of my appreciation for this his-
torical native society and also of the necessity for a consistent study on the maracá rattle
as a musical instrument in Tupinambá culture during the 1500s. The intention here is not
to provide an exact reproduction of what music was or sounded like in the land of Brazil at
that time, but rather to explore how it is depicted and dealt with in the travel accounts pro-
duced during the beginning of European contact. Because they offer invaluable information
on music, there is no better place to look at than these historical primary sources. Second-
ary literature, though considerably limited, also provides a fair amount of general informa-
tion on sixteenth-century travel accounts. However, music is rarely approached as a main
subject – in fact it is often overshadowed by other prominent topics. Studies are usually con-

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 10/09/2015 - Aprovado em: 10/12/2015

234
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

cerned with a variety of other themes, such as religion, war, or cannibalism. This could be
a reason why the issue of music and musicality among the Tupinambá has often been over-
looked. Yet, although these other themes may, at least at first glance, pose a more interest-
ing and worthwhile topic for anthropology and other social sciences, music appears in these
accounts as a fundamental aspect of Tupinambá social organization and religion. That be-
ing said, these historical works will be drawn upon as they shed light on the connectivity
and interdependence between music and all other facets of Tupinambá culture. Tupinambá
society comprises a complex collection of religious and social practices that invite a careful
analysis of both their individual elements and their global connection with the entire so-
cial system. One of the main arguments permeating this study is that the maracá and Tu-
pinambá music are indispensable aspects in making sense of the total socio-cultural system.
In this sense, the present research intendeds to analyse the value and significance
of the maracá in light of its holistic context. It is intriguing that most available music his-
tories on Brazil, as well as many specific scholarly articles, to some extent ignore rich his-
torical material found in the first travel accounts. If music in early-sixteenth-century Bra-
zil is mentioned in secondary literature it is only in passing and the small amount of evi-
dence on the maracá (in the already short space dedicated to the beginning of European
contact) is, at best, rather insignificant. With that in mind, I chose to limit this study to the
1500s and three voyage reports produced during this period. The first reason for this deci-
sion is the obvious need to mind this gap in Brazilian music literature, in spite of punctu-
al instance of reference to the theme in question (KIEFFER, 1996). The second is the rapid
colonization processes that followed the ‘discovery’ in 1500, as an immediate consequence
of the conflict with colonizers, the trading relations between natives and Europeans, and
Jesuit activity. These, among other factors, caused radical modifications in native practic-
es and an overall change in the cultural scene1. Thus, the earlier the documented data, the
more distant it stands from the drastic transformations that took place towards the end of
the century. Early travel accounts are more likely to contemplate Tupinambá culture in its
most intact documented form2.
The information on music and the maracá used in this paper has been in most part
extracted from the travel reports of Hans Staden (1557), André Thevet (1557), and Jean de
Léry (1578). These three accounts were also chosen because of their detailed depictions of
Tupinambá Amerindians and their music, often containing a vivid narrative and rich ico-
nography. The Tupinambá described in Staden, Thevet, and Léry occupied, from the six-
teenth to the seventeenth century, the costal region where the modern state of Rio de Janei-
ro is now situated, sharing boundaries with other groups such as the Carajá, Maracajá, and
Tupiniquim. The Tupinambá’s dominion extended for several kilometres along the Brazil-
ian littoral. Their premature extinction is due to the relatively long conflict with the Por-
tuguese, who from 1560 to 1575 finally took over the region, drove away their French com-
petitors, and started exerting power over the local indigenous communities (FERNANDES,
1963, p. 28). This indicates that by 1557, the year in which both Staden and Thevet first
published their voyage reports (in Germany and France, respectively), the war between
the French and the Portuguese was still waxing hot, and the Tupinambá were still actively
fighting for their own land.
The bellicose conflict between these two European groups was aggravated by the
existing permanent conflict between two of the local indigenous societies – the Tupinambá
and the Tupiniquim. The Portuguese promptly took advantage of this conflict and joined the
Tupiniquim, in the hope to establish amicable relationships with the natives. The French,
in turn, found amity in the Tupinambá by means of trade and other mutually beneficial re-

235
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

lations, ultimately moving to their villages and adopting their culture (LÉRY, 1990, p. xix).
It is debatable to which extent these native communities were aware that in joining these
two power-thirsty European groups in their strife for dominion over the littoral region, they
were contributing to their own inevitable fate; a fate that was eventually shared by many
other coastal societies: severe extermination of their original practices. Although the Tu-
pinambá survive as an ethnic Brazilian community today, several ritual aspects that char-
acterized the sixteenth-century people discussed in this paper disappeared.
With that in mind, although it is intimately connected to the Tupinambás’ religion
and social practices, the maracá’s function cannot be contemplated outside this bellicose
context. This scenario is approached in various ways in each of the three travel accounts dis-
cussed throughout this study. Staden, Thevet, and Léry offer unique overviews of their time
spent in Brazil. While the former, natural from Germany, having been mistaken for a Por-
tuguese, suffered many vicissitudes as a captive among the Tupinambá, the latter two, both
Frenchmen, enjoyed the opportunity to observe their culture from a more peaceful stand-
point. In this sense, in spite of their individual takes on Tupinambá culture, these three trav-
el accounts complement each other in various ways, often resonating and intersecting with
one another. While acknowledging this broad and complex historical context, this study will
focus on some of these authors’ perspectives on the maracá and Tupinambá musical mani-
festations as observed in the relation between their rich narrative and iconography.

1. The Maracá as a religious token

The maracá rattle’s function among the Tupinambá is depicted in European six-
teenth-century sources mainly as religious token. In fact, its role as a musical instrument
seems subsidiary to its religious purpose. The maracá originates and gives momentum to a
ritual cycle, which begins with a specific ceremony comprising the manufacture, decora-
tion, and consecration of the rattle. Subsequently, the ritual consecration of the maracá trig-
gers a hermetic chain of events that lie at the core of Tupinambá beliefs. This cycle embod-
ies several ceremonial practices to do with conflict and war against neighbouring groups,
including a unique engagement with the enemy that reaches its goal in their cannibalistic
festivities – the ritual climax.
The religious system of the Tupinambá is complex and was directly related to their
social life. Among their beliefs were specific themes such as the creation of the world and
the existence of spirits and mythological entities; and among their religious practices were
festivities to do with puberty and initiation, the treatment of the sick and the dead, contin-
uous wars with neighbouring communities, and ritual anthropophagy. The religious cycle
connected to the maracá comprises several of these practices. In fact, Jean de Léry’s de-
scription and Europeanized conception of the maracá’s purpose appears under a chapter
explaining the Tupinambá religious system, entitled: “What one might call religion among
the savage Americans: of the errors in which certain charlatans called caraïbes hold them
in thrall; and of the great ignorance of God in which they are plunged” (LÉRY, 1990, p. 134).
Although there is some difference in terminology between Léry and Staden, both
mention a religious leader, responsible for the consecration of the maracá. This leader (cara-
ïbe, or pajé) was the soothsayer that traveled around the country once a year, going from
village to village in order to consecrate the rattles. In essence it is through this consecra-
tion ceremony that the maracá becomes a religious token. Before this procedure the rattle
is merely an ordinary object, being listed by Thevet among furniture artefacts (MÉTRAUX,

236
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

1979, p. 62). The maracá was made out of a hard fruit called cabaça in modern Brazilian
Portuguese (calabash, in English). Its seeds and fibres were removed from the inside so that
it was perfectly hollow. The natives would “put a stick through it and cut a hole in it like
a mouth, filling it with small stones so that it rattles”3 (STADEN, 1928, p. 148). Prior to the
aforementioned yearly ritual every man was expected to build, prepare, and decorate his
own maracá by painting it red (STADEN, 1928, p. 149) and adorning it with the finest feath-
ers (LÉRY, 1990, p. 145).
Subsequently, each man’s maracá was ‘given a spirit’ by the pajé (or caraïbe); a spir-
it that was believed to ‘speak’ whenever the rattle was shaken. Léry specifically states that,
according to their belief, “whenever they make them [the maracás] sound, a spirit speaks”
(LÉRY, 1990, p. 145). Gary Tomlinson associates this ‘speech’ to the actual sound of the ma-
racá when shaken, thus suggesting that its very sonic quality symbolizes the spirit speak-
ing (TOMLINSON, 2007, p. 111). Tomlinson also insinuates that the “maraca’s voice”, as
he calls it, becomes an organic extension of the Tupinambá’s voice. What Staden proposes,
however, does not concern the actual sound of the rattle, since only the consecrated ma-
racás were to have a voice of their own, in that they were a receptacle to the speaking spir-
it. The non-consecrated instruments (which technically rattle as much as the consecrated
ones) do not speak per se. Therefore, the “maraca’s voice” was believed to come from the
spirit, rather than from the maracá itself. During the ceremony, the pajé would alternatively
hide his face behind the rattling maracá and whisper words, thus deceiving the ingenuous
Tupinambá – who thought the maracá itself was speaking4 (STADEN, 1928, p. 150). At least
in Staden’s Eurocentric conception, the Tupinambá appear to be naïve and gullible. As for
the spirit thenceforth inhabiting the rattle, Staden states, “the wise men command them to
make war and take many enemies, since the spirit in the Tammaraka [maracá] craves for
the flesh of prisoners, and so the people set off to war” (STADEN, 1928, p. 149). It is in this
very ceremony that turns the maracás into ‘gods’ that the incentive for war seems to origi-
nate (STADEN, 1928, p. 149).
During the consecration of the maracás, the natives were encouraged to make war
against neighbouring groups and capture as many of them as they can. Finally, after the
call for war, the rattles were planted in the ground in a separate hut (STADEN, 1928, p. 149),
where they were worshiped as gods and offered food and drink5 (LÉRY, 1990, p. 145). The
ideology behind this ritual appears to be shared by other contemporary coastal societies as
a religious call for war. It is a motivation for mutual hatred, strife, and conflict so that one
community can assimilate the power of the enemy, thus becoming more powerful. At this
point in the religious cycle, the enemy is captured. Cannibalism ultimately takes place: in
capturing and literally ingesting the enemy, the group becomes stronger. As I will discuss
below, it is clear from early travel accounts that the Tupinambá religious cycle is only com-
plete by means of war, captivity, and anthropophagy.
The issue of war and cannibalism is also intimately related to the social organiza-
tion of Brazilian coastal societies. Florestan Fernandes dedicates an entire volume (1963) to
discussing the issue of social structures among the Tupinambá. His study is mostly based
on early accounts and summarizes information on social roles and gender-specific activi-
ties. Females’ tasks were generally related to agriculture, such as planting, cultivating, and
harvesting; manual work such as making baskets, cooking, as well as looking after the chil-
dren were also among their duties (FERNANDES, 1963, p. 130). Central to their contribu-
tion towards the festivities (including the consecration of the maracá) was the confection of
what Léry and Staden refer to as caouin – the alcoholic drink in whose preparation the men
would never take part (LÉRY, 1990, p. 73). Activities reserved for the males entailed prepar-

237
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

ing the soil for sowing, hunting, protecting the women and children, and making war, to
name a few (FERNANDES, 1963, p. 130).
Making war, capturing enemies, killing, and finally ingesting them are especial-
ly important within Tupinambá culture, and particularly significant for the male native.
Catching as many foes as one possibly can was virtually the aspiration of every maturing
Tupinambá man, as well as a general social expectation. The larger the number of captured
enemies, the larger the honour (STADEN, 1928, p. 148). Seizing and executing an adver-
sary for the first time also signified the emancipation of a man and his initiation into adult-
hood (FERNANDES, 1963, p. 268), which normally happened around the age of twenty-five.
After taking part in this rite of passage, every male was given a new name and, along with it,
a ‘new personality’ (STADEN, 1928, p. 148). Contracting a new name complements the main
goal in this religious cycle: to absorb the enemy’s strength by means of digestively assimila-
tion after the sacrificial ritual (discussed in more detail below). Differently from the wom-
en, who also participated in preparing and ingesting the victim, only the men were allowed
to kill the war prisoner. Consequently, only the men were given a new name and assigned
a new personality. Staden observes that “for every foe a man kills he takes a new name.
The most famous among them is he that has the most names” (STADEN, 1928, p. 148).
Additionally, upon executing his first prisoner, the man was allowed to contract matrimony
for the first time – being also granted a new female partner every time an enemy was caught
and ceremonially executed (FERNANDES, 1963, p. 153).
Fernandes, in spite of the broad scope of his work on Tupinambá society, does
not approach the maracá in detail. It is difficult to assume from his extensive collection
of data whether women were allowed to play it or not. Alfred Métraux boldly states, in
his thorough study on Tupinambá religion, that women were forbidden to use the rattle
(MÉTRAUX, 1979, p. 62), although no citation is given from historical sources. Nonetheless,
the accounts do suggest that at least some specific ceremonial events linked to the maracá
rattle were strictly limited to men. The accounts also generally refer to those taking part in
these ceremonies and playing the maracá as “the men” (hommes, in Thevet), literally in-
dicating those of the male gender. However, from the standpoint of Staden’s iconography,
it is difficult to determine the gender of some of the human figures judging by their bodi-
ly shape, due to the lack of detail in his plates, although the women are usually portrayed
with a long hair. As for the men, they were the ones whose presence was indispensable in
the consecration of the maracá rattles and in warfare. Men are also frequently depicted
holding the maracá in various situations. For that ceremony a hut was chosen and all the
males gathered together for the consecration, while women and children were not allowed
to take part (STADEN, 1928, p. 149).
It is undeniable that the series of practices – beginning with the consecration of the
maracá, followed by the immediate command to make war, the capture of the adversary,
the ritual sacrifice, anthropophagy, earning a new name, and the right to conjoin a spouse –
were particularly important for the male Tupinambá and certainly all the more awaited by
the younger men in their first experience of this process. Fernandes also deals extensively
with the further issue of sexual tension and abstinence among the young males until the
initiation process was completed6. According to him, the Tupinambá displayed heightened
concern and anxiety towards celibacy and spent a considerable amount of time in conversa-
tion about it throughout the day (FERNANDES, 1963, p. 153). The women, in contrast, were
allowed to be given in matrimony or have free sexual relations as of the time they reached
puberty (FERNANDES, 1963, p. 156). To the Tupinambá man, these ceremonies signified
sexual emancipation. This is to say that the maracá’s consecration ceremony, as the first

238
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

step and trigger of a chain of events, must have carried a particularly important meaning
for the young male in that it symbolized an ultimate switch into adulthood.
Ritual anthropophagy – probably better termed as exocannibalism7 in this context –
is doubtlessly one of the most salient and intriguing attributes of Tupinambá society, at least
as far as anthropological studies on this culture are concerned. The main belief behind this
practice is the idea of permanent assimilation of ones strength, energy, and power by means
of literal ingestion. In this sense, the energy assimilated by a man does not die with him,
but is passed on to his children and, similarly, to all coming generations, thus strength-
ening not only the one who eats but granting vitality to the future community as a whole.
In other words, every Tupinambá carries the strength of countless previous generations in
his blood. One of the most interesting perspectives on the continuous, permanent power
of assimilated strength is found in Michel de Montaigne’s analysis of Tupinambá ritual an-
thropophagy, in “Of Cannibals” (MONTAIGNE, 1811, p. 257). Montaigne quotes from a song
that captures the very essence of this transgenerational strength transference. According to
him, the captive from a neighbouring indigenous group sings before his execution:

“These muscles,” says he [the prisoner], “this flesh, and these veins, they are your
own. Poor souls, as you are, you little think that the substance of the limbs of your
ancestors is here still. Do but mind the taste, and you will perceive the relish of your
own flesh” (MONTAIGNE, 1811, p. 257).

This prisoner is arguing that, in the past, his own people has also eaten some of
the Tupinambá and, therefore, he embodies their vitality. In ingesting the enemy, the Tu-
pinambá assimilated the strength of their adversaries as well as their own strength – once
stolen by the neighbouring community.
Cannibalism thus becomes the goal and one of the concluding stages in the reli-
gious cycle the maracá’s consecration ceremony initiated – for it was the maracá’s spirit
that originally craved for the enemy’s flesh. Yet anthropophagy in this context has little to
do with hunger, or dietary habits. Rather, it signifies the fulfillment of people’s necessity
to grow in power not only by means of eliminating their enemies, but also by ultimately
taking over their strength. Hence, in addition to its religious significance, the maracá also
bears social and political implications: it is responsible for the communities’s growth and
strength.

2. Tupinambá music

In this section, I first discuss a potential case of Tupinambá song within religious
ceremonies, drawn from secondary literature; and later explore in more detail the specific
role of the maracá in the rituals. I begin this analysis with an evaluation of the iconography
available in early sources and how it relates to the accompanying narrative, finally turning
to some of the few but invaluable examples of music notation.
Visual representation is recurrent throughout the three sixteenth-century sources
drawn upon throughout my research. Staden’s book stands out for its originality of perspec-
tive, as an outcome of his own momentous and eventful experience as a war captive among
the Tupinambá. He was forced to learn their practices and to participate in their ceremonies
– some of which included music. Léry’s and Thevet’s accounts, in turn, reflect the authors’
friendly relations with the Tupinambá, and have more similarities to one another than they
would like to admit (LÉRY, 1990, p. xxi). Not only do they share analogous perspectives,

239
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

due to the amicable relationship between the French and the Tupinambá, but they also dis-
play a similar narrative and wording. Still, Léry’s more logical, meticulous approach and
Protestant background, as well as the long time spent in Brazil, counterbalances Thevet’s
Franciscan background, the short time he spent in that country, and his less concerned
treatment of the facts he witnessed. Hence, although it is likely that both experienced sim-
ilar situations while in Brazil, they both offer complementary information. It is also pos-
sible that Léry borrowed extensively from Thevet – especially because Léry’s account was
published several years after Thevet’s. Yet, in spite of the apparent rivalry between both au-
thors as to their narratives’ veracity and reliability, both are to be valued in that they com-
plete one another.
Interestingly, similarities in iconographical examples can also be traced between
the two French accounts and Staden’s report, not only in the thing represented but in how
it is represented. Certain scenes and occasions are reproduced in basically the same way in
all three accounts, suggesting potential consultation among the authors or, perhaps, a mu-
tual endeavour to publish the same idea. The positioning of the subjects depicted is very
similar throughout the engravings, and their action and posture are also frequently analo-
gous. The most obvious example is the depiction of the speech exchange between the ex-
ecutor and his war captive immediately before the deathblow (shown in Ex. 1, Ex. 2, Ex. 3,
and Ex. 4), whose accompanying text I reproduce here in virtue of its dramatic connotation
for Tupinambá ritual practices. In Staden’s words:

Then the slayer seizes it [the death club] and thus addresses the victim: “I am he that
will kill you, since you and yours have slain and eaten many of my friends.” To which
the prisoner replies: “When I am dead I shall still have many to avenge my death”
(STADEN, 1928, p. 161).

Tomlinson, in elaborating on Montaigne’s Essays, erroneously affirms that the pris-


oner is allegedly singing (TOMLINSON, 2007, p. 100), whereas there is no evidence of that
in any of the three accounts used in this study, in describing this scene. André Thevet men-
tions how the captive would sing and mourn while lying in bed during the day prior to the
execution (THEVET, 1558, p. 76), but the verbal exchange with his executioner during the
moments before his death were likely to entail spoken language only.
Gary Tomlinson also dwells extensively on the issue of mandatory courage in war
and in the face of impending death, suggesting an economy of flesh exchange between
groups (TOMLINSON, 2007, p. 98). In this sense, war, captivity, and implied death are to
be regarded as part of a natural process in the coexistence of native communities along the
Brazilian coast. The individual is to accept this economy as ordinary to his/her existence
as a Tupinambá. For this reason, the ceremonial dialogue between the sentenced and his
murderer is as straightforward as it sounds – and that is because war, captivity, and can-
nibalism are part of a natural and mutual process kept for generations. This spoken ac-
knowledgement is a formality, a procedure between the captor and his victim. If a prisoner
is to die today, tomorrow his own people will avenge him. Their descendants are expected
to keep this practice alive8.
Finally, “the slayer strikes from behind and beats out his brains” (STADEN, 1928,
p. 161). The club (Iwera Pemme, held by the executor in Ex. 1, Ex. 2, Ex. 3, and Ex. 4) used
to kill the prisoner was, similarly to the maracá, carefully manufactured (STADEN, 1928,
p. 157), richly decorated, and consecrated before the execution ritual, after which the an-
thropophagous procedures began9.

240
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

Ex. 1. Speech exchange and execution Staden (1557).

Ex. 2. Speech exchange and execution in Thevet (1558).

241
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

Ex. 3. Speech exchange and execution in Léry (1585).

Ex. 4. Theodorus de Bry’s version of the execution based on Staden’s account (1592).

In all three accounts the maracá is depicted in conjunction with musical occasions
(such as ritual dance and singing) as well as with non-musical ones. Léry states that the
maracá is an instrument “which the Brazilians usually have in hand” (LÉRY, 1990, p. 61),
suggesting that it is a tool they may always have had at their disposal, carrying it around at
what seems to be any time of the day, regardless of the circumstances. In one of the plates

242
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

in Staden shows natives carrying their rattle in an essentially non-ceremonial and non-mu-
sical scene (STADEN, 1928, p. 106). This opens to question whether these specific rattles
were, as opposed to the ones depicted in exclusively ritual circumstances, consecrated by
the pajé or not, since the ones which had ‘received a spirit’ and ‘speak’ would have a special
religious and social purpose, as we have seen.
Furthermore, the plates in these accounts are, expectedly, to a great extent ‘Europe-
anized’, as it were. The represented bodily shapes of the natives are similar to contemporary
Renaissance paintings. The women are robust, with wide hips, and have a long, wavy, and
what seems to be light-coloured hair. Their facial features often bear no resemblance what-
soever to the genetic attributes characteristic of Amerindian natives. South American indi-
ans, including those among the few ‘untouched’ communities today, are dark, red-skinned,
with dark, perfectly straight hair. The posture in which the natives are portrayed is mark-
edly characteristic of European customs as well, especially the ones in which they are
shown posing. Albert Eckhout (c.1610-65), the Dutch painter in activity in Brazil between
1636 and 1644, nearly a century after the publication of Staden’s account, depicted these in-
digenous genetic features more accurately. His realistic paintings show the idiosyncratic,
distinctive features of Amerindians that were most certainly overlooked in the engravings
accompanying the sixteenth-century sources discussed at present. Whether or not Staden,
Léry, and Thevet supervised the illustrations of their narratives is also open to question,
especially because the artists they had at hand in Europe were likely not to have ever seen
a native South American in reality10. Therefore, it is expected that the representation of ob-
jects, artefacts, ornaments, rituals, dance, music, singing, and the maracá itself could have
been substantially biased and inaccurate as well.
In the third volume of his edition of Hans Staden’s and Jean de Léry’s text, The-
odorus de Bry provides beautiful, detailed engravings based on their original plates
(DE BRY, 1952). Although the scenes and events are nearly the same and the human fig-
ures are also Europeanized, so to speak, general elements such as ornaments and objects
are more carefully illustrated. De Bry was never in Brazil, though, and his reference to the
works of Jean de Léry and André Thevet are evident throughout his rich engravings, in that
some of the peculiarities such as feather ornaments and body painting (not clear in Staden’s
simple and stylized plates) seem to have been copied from the two French accounts. When
it comes to the visual representation of the maracá, the mouth-shaped incision, mentioned
and portrayed but once in Staden (Ex. 5) – and never in Léry and Thevet – is included in
several of De Bry’s illustrations of the rattle (Ex. 6) (DE BRY, 1592, p. 59, 112, 135, 174, 258).
That attests to his consultation of Staden’s engravings.

Ex. 5. Maracá, in the center, in Staden (1557).

243
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

Ex. 6. Detail from one of De Bry’s illustration (1592) of the maracá featuring the mouth-shaped incision
mentioned in Staden’s account.

The only examples of music notation are found in Léry. They first appear in the
third edition of his Historie d’un voyage (1585), suggesting that his readers at the time may
have requested to know what native Brazilian music sounded (or looked) like (Ex. 7 and
Ex. 8). It is noteworthy that most of the transcribed music has no apparent periodic rhythm;
and the very lack of periodic meter must have been more difficult to understand for Léry
(and the contemporary sixteenth-century mind) than it is to the listener today. As a re-
formed pastor, Léry was likely to have had basic education in music and to be well ac-
quainted with the complex metrical theories that were fundamental to late Renaissance
music (witch included the concepts of tactus, prolatio, metrical proportions, etc.), although
it is not clear whether he notated the melodies himself or if someone else did. In referring to
one of the indigenous songs in the chapter where he describes the ritual use of the maracá
and the singing that goes along with it, he says: “Whenever I remember it, my heart trem-
bles, and it seems their voices are still in my ears” (LÉRY, 1990, p. 144). This indicates that
he recalled vividly, upon arriving in Europe, how Brazilian singing sounded like.

Ex. 7. Example of notated Tupinambá song in Léry (1585).

Ex. 8. Example of notated Tupinambá song in Léry (1585).

244
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

If he did not notate the melodies himself, he at least recalled it accurately enough
to have dictated it to a music copyist. It is also noteworthy that there is no clear explana-
tion of what sort of rhythm or pattern the maracá players used in accompanying these
songs. Nonetheless, we know that the maracá and other types of rattle provided the met-
rical framework for Tupinambá ritual song. One curious instance is found in Staden, who
was forced to accompany their singing: “then the women commenced to sing all together,
and I had to keep the time with the rattles on my leg by stamping as they sang” (STADEN,
1928, p. 73). These rattles are distinct from the maracá, and Léry refers to them (Ex. 9) as
“little dried fruits... that rattle like snailshells – tied around their legs” (LÉRY, 1990, p. 76).

Ex. 9. Tupinambá dancing and playing the maracá in Léry (1585).

Ex. 10. Tupinambá manufacturing leg rattles; Tupinambá dancing and playing the maracá in Thevet (1558).

245
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

To “keep time”, as Staden puts it, probably meant to maintain a periodic, metri-
cal beat, and may invite the notion of cyclic tempo – at least in light of how Europeans un-
derstood meter at the time. André Thevet provides an illustration in which a Tupinambá
is shown engaged in manufacturing the small chain of rattles under a tree possibly full of
similar fruits along with another individual playing the maracá and dancing in the oppo-
site side of the picture (Ex. 10). The Tupinambá were also reported to wear a chain around
their ankles throughout the day in various non-musical situations11 (STADEN, 1928, p. 117,
124). To be sure, the mere act of walking around with these percussive objects attached to
one’s ankles resulted in a periodic rattling pattern, since walking is naturally metrical.
One of the most compelling descriptions of ritual music is also found in Léry’s text.
Not only does he carefully narrate the scene to the minute detail, but he also provides the
beautiful engraving shown in Ex. 9, accompanying his notated examples of Brazilian song
(Ex. 7 and Ex. 8). He does not devote an independent chapter to music and it is not at all
intriguing, for the reasons discussed above, that some of these notated musical examples
are found in the section on Tupinambá religion. The maracá is alluded to and mentioned
throughout these accounts in different occasions, however, due to its presence and usage
in a wide range of situations; but it is the maracá’s religious implications that seem to have
caught the attention of these authors. Léry’s report begins as follows:

The men little by little raised their voices and were distinctly heard singing all to-
gether and repeating this syllable of exhortation, He, he, he, he; the women, to our
amazement, answered them from their side, and with a trembling voice; reiterating
that same interjection He, he, he, he, they let out such cries for more than a quarter of
an hour (LÉRY, 1990, p. 141).

It is possible to clearly distinguish between the specific participation of men and


women in this example. He goes on to say:

However, after these chaotic noises and howls had ended and the men had taken a
short pause, we heard them once again singing and making their voices resound in
a harmony so marvellous that you would hardly have needed to ask whether, since
I was now somewhat easier in my mind at hearing such sweet and gracious sounds,
I wished to watch them from nearby (LÉRY, 1990, p. 141).
...such was their melody that – although they do not know what music is – those who
have not heard them would never believe that they could make such harmony. At the
beginning of this witches’ sabbath... I was somewhat afraid; now I received in recom-
pense such joy, hearing the measured harmonies of such multitudes, and especially
in the cadence and refrain of the song... (LÉRY, 1990, p. 144).

The European reaction to this indigenous music – alternately perceived as utterly


bestial as well as pure and sublime – reflects a dichotomy in their reading of Brazilian mu-
sical manifestation. Léry’s indecision between how barbaric and how beautiful and harmo-
nious their ritual music sounds within a few paragraphs of prose is certainly worth not-
ing. It is clear from his text that his conception of what constitutes music is primarily root-
ed in the sixteenth-century European understanding of what music is, or should be. Even
though Tupinambá music-making sounds like music, it is not music; even though their per-
formance sounds like song, it is not song. Tiago Oliveira Pinto (2008) discusses the nature
of this acoustic phenomenon, calling it “tropical sound” – albeit in another historical con-
text – with attention to the obvious complex interaction between the art of the tropics with
the canonized understanding of Western artistic manifestations on the part of European
colonizers (PINTO, 2008). His discussion concludes with a valid emphasis on the volatility

246
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

of tropical musics, thus automatically denouncing the limitations in European readings of


musical sound in the tropics as observed in historical sources (PINTO, 2008, p. 111).
What is especially contradictory in this passage is the fact that Léry recognizes
elements of what he believes to be music in their expression by using terms such as “mea-
sured” (mesurez) and “cadence and refrain of the song”12 (LÉRY, 1585, p. 285), suggest-
ing the presence of musical form, shape, and structural organization, which are known
attributes of European music. On one hand, he uses expressions such as “harmony so
marvellous” or “measured harmonies”13 (LÉRY, 1585, p. 281). On the other, he states that
“they do not know what music is” (LÉRY 1990, p. 144), thus creating a dichotomy be-
tween the essence of the sounds he heard in Brazil and what he believed to be music. His
undecided posture towards Tupinambá performance (or, rather, his inability to classify
the music he heard) entails but one of the many paradigms that years of subsequent co-
lonialism would be forced to deal with: the European unpreparedness in engaging with
the ‘other’; as well as the obvious, inevitable aspects of ‘otherness’ found in societies of
the ‘New World’.

3. Final thoughts

While from the standpoint of organology the maracá has survived essentially in-
tact among Brazilian natives until today (due to its simplicity in the manufacturing process
and the natural material with which it is built), the precise way in which it was used can
only be approximated. The amount of information offered in these early travel documents
on how exactly it was played is fairly limited and does not allow for a precise reconstruc-
tion. Accurate rhythmic patterns and other percussive attributes are never provided in the
music notation, let alone in the text. On one hand they are likely to have been just as sim-
ple as the instrument itself; on the other, given the anti-metric nature of the notated exam-
ples from Jean de Léry, they could have been quite sophisticated rhythmically. This lack of
strictly musical information on the performances they witnessed could well be one of the
reasons why the maracá is ignored and often overlooked in early Brazilian music history.
Fortunately, at least a generous amount of light is shed on the maracá’s significance for
Tupinambá society and religion.

Notes
1
In the late sixteenth century and early seventeenth century, this state of ethnocide was especially aggravated by
Jesuit activity. The Society of Jesus, upon arrival in Brazil in 1549, spread rapidly and their influence on indig-
enous culture and music was already astonishing towards the end of the sixteenth century. Jesuit methods such
as inculturation and adaptability contributed enormously to the dramatic changes taking place in this native so-
cial organization.
2
Pedro Álvares Cabral’s description of the natives (COSTA, 1998), although one of the earliest documents on
Brazilian people and their land, lacks the richness of detail on indigenous groups and is not, for this reason,
used as one of the main sources throughout this study.
3
This procedure has been kept to present times among some Brazilian Tupi-Guarani groups, and the rattle still
serves as a religious tool and musical instrument, although religious practices largely differ now from those of
sixteenth-century Tupinambá society.
4
Staden, in commenting on this ceremony, seems to be amazed at the ingenuity of the natives because they be-
lieve in such obvious nonsense. His astonishment speaks to the European clouded perception of ‘otherness’ and
raises some of the important socio-cultural issues that start to become more evident and prominent to the hu-
manist European mind in the so-called ‘Age of Discovery’, such as identity and the concept of self.

247
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

5
The maracá is occasionally referred to as a Tupinambá god or idol. In the frontispiece of third volume of The-
odorus De Bry’s America (1592), where he paraphrases Staden’s and Léry’s narrative and illustrations, the maracá
is depicted at the top and in the center of a monument. Two male Tupinambás are portrayed on their knees, ex-
tending their arms towards the maracá; their expression conveys awe and adoration (DE BRY, 1592, frontispiece,
p. 135). This shows that De Bry understood the centrality of the maracá for the Tupinambá as a god-like object.
6
Fernandes discusses sexuality and its role in Tupianmbá society. He remarks on the issue of male abstinence
and the few escapades – supervised and controlled by the adults – which they were granted throughout their
youth so as to temporarily relieve their sexual urges (FERNANDES, 1963, p. 153). He also discusses the conse-
quent and recurrent issue of homosexuality among young males.
7
Exocannibalism – as opposed to endocannibalism – entails the consumption of an individual from outside the
society and is frequently associated with warfare and hegemony over the enemy. Endocannibalism, in turn, in-
volves the consumption of an individual from within the ethnic group. Other extinct indigenous societies were
also said to practice exocannibalism, such as the Aztecs in Mexico. Shirley Lindembaum discusses various
theoretical approaches to the role of cannibalism within these societies (LINDEMBAUM, 2004, p. 481). She ac-
counts for suggestions that some instances of exocannibalism among pristine indigenous societies could have
served economic, dietary, and nutritional purposes. Similarly, Nilson Yamauti, in discussing functionalist and
materialist approaches to Tupinambá society, analyzes the role of cannibalism specifically within that group
and its potential connection to their religious and economical system (YAMAUTI, 2006, p. 99). In any case, ac-
cording to the travel accounts analyzed in this study, the motivation for cannibalism seems to be connected
both to their cosmological beliefs and to their strife for political hegemony.
8
Fernandes calls this ongoing process a “vendetta complex” (FERNANDES, 1963, p. 282).
9
Similarly to the maracá, the death club also has to be prepared and ritually consecrated. However, differently
from the rattle’s consecration process, women were reported to participate actively in the confection and deco-
ration of the death club (STADEN, 1928, p. 157, 159; DE BRY, 1592, p. 124). In any case, the club’s ceremonial
prominence is secondary in relation to the salient role of the maracá.
10
The preface to the 1928 translation suggests that Staden may have supervised the illustrations in his account
(STADEN, 1928, p. 9).
11
Thevet also suggests a similar usage in his account (THEVET, 1558, p. 61, 83, 89).
12
Léry uses the expression “cadence & refrain de la balade” in the original French of the 1585 edition.
13
Here Léry uses the expressions “accord si merveilleux” and “accords si bien mesurez”, respectively (also in the
1585 edition).

References

COSTA, A. Fontoura (Org.). A Viagem de Pedro Álvares Cabral: os Sete Únicos Documentos de
1500, Conservados em Lisboa, Referentes à Viagem de Pedro Álvares Cabral. Recife: Editora
Massangana, 1998.

DE BRY, Theodorus. America. Volume 3. Francofvrti ad Moenvm: venales reperitur in officina


S. Feirabendii, 1592.

FERNANDES, Florestan. Organização Social dos Tupinambá. São Paulo: Difusão Europeia do
Livro, 1963.

KIEFFER, Anna Maria. Apontamentos Musicais dos Viajantes. Revista USP, v.30, p. 134-141,
1996.

LÉRY, Jean de. Historie d’un Voyage Faict en la Terre du Bresil, Autrement Dite Amerique. Gene-
va: Pour Antoine Chuppin, 1585.

LÉRY, Jean de. History of a Voyage to the Land of Brazil. Janet Whatley, trans. Berkeley: Univer-
sity of California Press, 1990.

LINDEMBAUM, Shirley. Thinking About Cannibalism. Annual Review of Anthropology, v.33,


p. 475-497, 2004.

MÉTRAUX, Alfred. A Religião dos Tupinambás: e suas Relações com a das demais Tribos
Tupi- Guarani. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1979.

248
LIMA, E. S. C. The maracá in the beginning of european contact: its role in tupinambá society as a religious token and musical instrument.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 234-249

MONTAIGNE, Michel de. The Essays of Michel de Montaigne. London: C. Baldwin, 1811.

PINTO, Tiago Oliveira. Ruídos, Timbres, Escalas e Rítmos: Sobre o Estudo da Música Brasileira
e do Som Tropical. Revista USP, v.77, p. 98-111, 2008.

STADEN, Hans. The True History of his Captivity. London: G. Rutledge, 1928.

THEVET, André. Les Singularitéz de la France Antarctique. Paris: Chez les heritiers de Maurice
de la Porte, 1558.

TOMLINSON, Gary. The Singing of the New World: Indigenous Voice in the Era of European
Contact. New York: Cambridge University Press, 2007.

Eduardo Sola Chagas Lima - mestre em musicologia (M.A.) pela University of Toronto, Canadá, onde também atuou
como professor assistente de História da Música. É bacharel em violino barroco (B.Mus) pelo Koninklijk Conserva-
toire Den Haag, Holanda, e em violino (B.Mus.) pela EMBAP, Brasil. Seus principais interesses acadêmicos no mo-
mento envolvem temas relacionados à musicologia sistemática, como cognição, fenomenologia e percepção musi-
cal. Eduardo atua internacionalmente como pesquisador, palestrante e concertista.

249
Primeira Impressão

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015


MARIĆ, S. “Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 251-264

“Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić

Slađana Marić (Faculty of Philosophy University of Novi Sad, Novi Sad, Sérvia)
sladjana.elt@gmail.com

The choral piece “Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić presents a mo-
destpersonal attempt to honorthe choral compositional tradition of Serbian composer Ste-
van Stojanović Mokranjac1 (1856-1914), regarding the anniversary of 160 years from his
birth in 2016. He was the most important figure of Serbian musical romanticism during
which the quality of certain choirs was recognized on the international scene. Mokranjac
composedfifteen choral suites or rhapsodies of gathered and arranged traditional songs to
which he gave the name “Rukoveti” (“Garlands” or “Song-Wreaths”). The basic principles
of Mokranjac, and in this case of Marić, while composing her firstrukovet, were the follo-
wing: (1) choosing short songs of high standards of quality (melodies with lyrics); (2) grou-
ping songs by similarity of content or the region they come from; (3) songs gathered and ar-
ranged as a rukovet on the basis of other cyclic form, such as suite and sonata, are different
in mood, character and tempo, but at the end make one solid unit; (4) traditional melodies
are not changed, they are artisticallytreated with applying polyphony and counterpoint; (5)
special attention is paid to the psychologicalconnections of words and music: making dia-
logs between, for e.g., male and female choir, solo and choir, etc.
Therefore, the “Rukovet No.1”, by Slađana Marić is a secular choral a capella com-
position for four voices (SATB), highly inspired by Mokranjac’s creative interpretation of
folk tunes. This music piece is based on four short Southern Serbian traditional melodies or
songs with traditional lyrics different in mood, character and tempo, arranged into a single
unit, artistically treated with applying both vocal homophony and polyphony.Performers
are expected to have experience in singing polyphony and a wide range of voices, although
further adaptations of lowest or highest notes are acceptable.The main obstacles in perfor-
ming this piece to many performers may be the language (especially the letters š, ć, and đ,
and their sounds)and the traditional lyrics, thus, by providing the translation and the pho-
netic chartin English, the composer encourages all performers to explore their possibilities
and enjoy performing this vocal piece.

Nota
1
The contribution and work of Mokranjac as a choral conductor, composer, melographer, ethnographer and other,
are covered in detail inmany publications. For general information in English we recommend the official pa-
ge titled Mokranjčeva Zadužbina / The Mokranjac Foundation (http://www.mokranjcevazaduzbina.org/eng/o_
stevanu_st_mokranjcu.html) and articles by musicologists Moody, Đaković, Arnautović, Milanovićand Ribić,
all in the musicological journal New Sound, issues 43, available at: http://www.newsound.org.rs/en/magazines/
newsound43.html, also an article by Tomašević, K. (2010)Stevan Stojanović Mokranjac and the inventing of
tradition: a case study of the Song ‘Cvekje Cafnalo’, in Musicological Annual, v.46, No.1, p. 37-56,available at:
http://revije.ff.uni-lj.si/MuzikoloskiZbornik/article/viewFile/2438/2124.

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015 Recebido em: 14/08/2015 - Aprovado em: 10/11/2015

251
MARIĆ, S. “Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 251-264

Slađana Marić - music pedagogue, pianist, coloratura soprano and composer. She graduated in two different sub-
ject areas: 1) Music Pedagogy at The Academy of Arts – University of Novi Sad (2007-2011), and in 2) English Lan-
guage Philology at “The Faculty of Legal and Business Studies Lazar Vrkatić, PhD” in Novi Sad (2012). At The As-
sociation of Centres for Interdisciplinary and Multidisciplinary Studies and Research (ACIMSI) of The University of
Novi Sad (UNS) (in 2013), Marić finished her postgraduate master studies in Management in Education. She is cur-
rently a student of a doctoral study programme in Teaching Methodology at the Faculty of Philosophy (UNS). She
has a working experience in Music School “Isidor Bajić” as a teacher of different music subjects and English lan-
guage, and in both Primary and Secondary Ballet School as a piano accompanist of classical ballet classes and a
teacher of Solfeggio, Music Culture and History of Music.

252
MARIĆ, S. “Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 251-264

253
MARIĆ, S. “Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 251-264

254
MARIĆ, S. “Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 251-264

255
MARIĆ, S. “Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 251-264

256
MARIĆ, S. “Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 251-264

257
MARIĆ, S. “Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 251-264

258
MARIĆ, S. “Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 251-264

259
MARIĆ, S. “Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 251-264

260
MARIĆ, S. “Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 251-264

261
MARIĆ, S. “Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 251-264

262
MARIĆ, S. “Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 251-264

263
MARIĆ, S. “Rukovet No.1” for choir (SATB) by Slađana Marić.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 251-264

264
Chamada para Trabalhos

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 273p., n.2, 2015


Chamada para Artigos, Gravações e Partituras.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 266-270

REVISTA MÚSICA HODIE


Programa de Pós-Graduação em Música da EMAC-UFG
Ininterrupatmente desde 2001 – ISSN: 1676-3939
Indexadores: Rilm, EBSCO e Arts & Humanity Index
Classificação CAPES: Qualis A2
SITE: www.musicahodie.mus.br

Desde o início de 2012 Música Hodie conta com um Editores-convidados a cada núme-
ro, sempre um profissional de reconhecida competência na função no Brasil ou exterior.
O editor-convidado atua dentro das diretrizes definidas pelo Conselho Editorial da MH e
conta com a assessoria do Conselho Consultivo sob supervisão da presidência do Conselho.
A experiência de 2012 deixou evidente que a grande demanda de artigos nos impossibilitará
manter uma data final para submissões. Assim, MH já está aceitando submissões os números
de 2013. A submissões serão encerradas quando o editor atingir o limite de textos aprovados
por número. Textos aprovados após o fechamento de um número poderão ser considerados
para números futuros.

Todas as submissões devem ser enviadas para o editor do volume (veja abaixo)
Outras questões devem ser enviadas a Presidência do Conselho

Editores convidados Temas da Música Hodie 2013-2016:


OBS: veja CHAMADA abaixo e normas de submissão no site: www.musicahodie.mus.br

Submissões abertas

Vol. 13 n.1 (jan-jun de 2013) – Número Temático: Música e Improvisação


Editores Convidados: Cesar Traldi e Daniel Barreiro (UFU)
Submissões abertas continuamente até completar os artigos do número (9 a 18 artigos)
Submissões: “Daniel Barreiro” dlbarreiro@gmail.com ou “Cesar Traldi” ctraldi@hotmail.com

Vol. 13 n.2 (jul-dez de 2013) – Número Geral sobre música


Editor Convidado: Carlos A. Figueiredo (UNIRIO)
Submissões abertas continuamente até completar os artigos do número (9 a 18 artigos)
Submissões: “Carlos Alberto Figueiredo” cafig1@globo.com

Aguardem informações sobre submissões de 2014 a 1016


Editor Convidado Vol. 14 n.1 (jan-jun de 2014): Música Eletroacústica e Sonologia - Anselmo Guerra (UFG)
Editor Convidado Vol. 14 n.2 (jul-dez de 2014): Cordas Orquestrais em Múltiplos Contextos - Florian Pertzborn
(ESMAE/IPP/Portugal)
Editora Convidada Vol. 15 n.1 (jan-jun de 2015): Performance Musical - Cristina Gerling (UFRGS)
Editora Convidada Vol. 15 n.2 (jul-dez de 2015): Música em Musicoterapia - Claudia Zanini (UFG)
Editor Convidado Vol. 16 n.1 (jan-jun de 2016): Música e Cinema - Ney Carrasco (Unicamp)

Sonia Ray
Presidente do Conselho Editorial da Revista Música Hodie
soniaraybrasil@gmail.com

266
Chamada para Artigos, Gravações e Partituras.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 266-270

CHAMADA PARA A REVISTA MÚSICA HODIE 2013

Normas para envio de artigos e resumos para publicação

1. Os artigos ou resumos, além de inéditos, devem abordar um tema relacionado àqueles men-
cionados acima como objetivos da publicação. Os textos podem estar redigidos em portu-
guês, inglês ou espanhol e devem ser apresentados no editor de texto e salvos como arquivo
.DOC ou .RTF, sempre em fonte Times New Roman.
2. O autor deve incluir o seguinte cabeçalho no topo da primeira página, antecedendo o título
do artigo:
“Submeto este artigo/resumo para apreciação do Conselho Editorial da Música Hodie”.
No caso de aprovação do meu trabalho, autorizo Musica Hodie a publicá-lo de forma im-
pressa, em CDRom ou on-line no site e no portal do periódico. OBS: a distribuição da revis-
ta será feita apenas por via eletrônica e em CDRom. A versão impressa será encaminhada
(quando disponível) apenas para bibliotecas, conselheiros, pareceristas e autores.
Dados dos autores:
1º autor (nome em publicações): __________________________________________________
Endereço completo: _____________________________________________________________
Telefone: (____) ____________________ e-mail: ______________________________________
2º autor (nome em publicações): __________________________________________________
Endereço completo: _____________________________________________________________
Telefone: (____) ____________________ e-mail: ______________________________________
3. Logo abaixo do cabeçalho, deverá ser incluída síntese da atuação profissional ou formação
acadêmica (até 5 linhas fonte Times New Roman tamanho 10, espaço simples)
4. O texto a ser publicado como artigo deverá ter entre 7 e 20 páginas (incluindo resumo, abs-
tract, exemplos, notas e referências bibliográficas), e deverá ser apresentado em fonte Times
New Roman tamanho 12 e espaço 1,5; exceções serão apreciadas pelo Conselho Editorial.
5. Para a SEÇÃO ARTIGOS será exigido um resumo com cerca de 100 palavras (tamanho
10, espaço simples), e indicação de palavras-chave (de três a seis) que devem ser apresenta-
das no início do texto na língua utilizada no artigo, seguido do title, abstract and keywor-
ds, para os trabalhos em português e espanhol. (OBS: os trabalhos redigidos em inglês de-
vem apresentar o título, resumo e palavras-chave em português logo após o title, abstract e
keywords).
6. Para a SEÇÃO RESUMOS serão aceitas sínteses de pesquisas concluídas, desde que se en-
quadrem na proposta da publicação, apresentadas em texto com cerca de 250 palavras, ta-
manho 12, espaço 1,5.
7. Exemplos musicais (Ex.), figuras (Fig.), tabelas (Tab.) etc. devem ser inseridos no texto co-
mo figura com resolução baixa para internet (.jpg 72dpi), numerados e acompanhados de
legenda explicativa clara e objetiva de no máximo 3 linhas em fonte Times New Roman ta-
manho 10, espaço simples, e devem também ser enviados em arquivos de imagem (.tiff ou
.jpeg) separados com resolução de 300 dpi.
8. As notas de texto deverão ser colocadas no final do texto (como endnotes).
9. As normas de editoração devem estar conforme o detalhamento abaixo. O que não estiver
previsto abaixo deve seguir as normas da ABNT;
10. Artigos e resumos devem ser enviados exclusivamente por e-mail para o editor do número
desejado enquanto a submissãoestiver aberta (vide editorial da presidência do Conselho na
página principal do site)
11. A aprovação do artigo ou resumo é de inteira responsabilidade do Conselho Editorial, ouvi-
dos o Conselho Consultivo e os consultores ad-hoc.

267
Chamada para Artigos, Gravações e Partituras.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 266-270

12. O conteúdo dos textos publicados, bem como a veracidade das informações neles forneci-
das, são de inteira responsabilidade dos autores e não expressam a opinião dos editores
ou da equipe editorial de Música Hodie.
13. As seções Resumos, Resenhas, Primeira Impressão e Primeira Audição são facultativas em
cada número e são avaliadas pelo editor, ouvidos membros do Conselho Consultivo sempre
que necessário.

Normas para envio de artigos para a seção Outras Palavras

Os artigos escritos para a seção Outras Palavras não têm o compromisso de serem re-
sultado de pesquisas formais, porém devem ser textos acadêmicos, fundamentados e apresen-
tados no formato (espaçamento, fontes...) exigido por este periódico na seção Artigos. São bem
vindos nesta seção textos inéditos de conferências, palestras, relatos de experiência, revisões
de literatura, etc.

Normas para envio de textos para a seção Resenhas

As Resenhas devem ser apresentadas em textos de 800 a 1200 acompanhados de ima-


gem em jpg (300 dpi) do item resenhado (CD, DVD, Livro, etc), ficha técnica do item (autor, in-
térprete, editora, gravadora, ano, duração, no páginas, preço, site, etc.). O autor deve enviar tam-
bém um texto de ca. 150 palavras com sua biografia.

Normas para envio de Partituras para a seção Primeira Impressão

As Partituras devem ser enviadas em versão final (Grade) no formato PDF sem nume-
ração de páginas. O Compositor deve enviar também um texto de ca. 150 palavras com sua bio-
grafia e outro texto de cerca de 500 palavras sobre a obra.

Normas para envio de gravações para a seção Primeira Audição

1. As gravações devem contemplar obras inéditas (preferencialmente inéditas) as quais serão


oferecidas em formato de CD como encarte da Revista Música Hodie.
2. As gravações podem ser enviadas nos formatos: AUDIO CD ou arquivo MP3 de qualidade,
com duração máxima de 10 minutos.
3. A submissão de gravações devem ser acompanhadas de uma declaração do/s autor/es da/s
obra/s cedendo os direitos de publicação da mesma para a Revista Música Hodie de forma
impressa e on-line.
4. A submissão de gravações devem incluir ainda:
4.1 Identificação do/s interprete/s ou responsável pelo grupo (como no item 2 das normas
para envio de artigos e resumos acima)
4.2 Informações sucintas sobre a obra (aproximadamente 200 palavras)
4.3 Breve curriculum do/s compositor/es (aproximadamente 100 palavras)
5. A aprovação da gravação é de inteira responsabilidade da Conselho Editorial, ouvidos o
Conselho Consultivo e, quando necessário, consultores ad-hoc.

268
Chamada para Artigos, Gravações e Partituras.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 266-270

Etapas na avaliação de textos submetidos para Música Hodie

1. Triagem pelo editor que verificará a pertinência do conteúdo e a adequação do texto às nor-
mas editoriais de Música Hodie;
2. Envio do texto aprovado na triagem a dois pareceristas ad-hoc;
3. Envio do texto a um terceiro parecerista, caso haja empate nas decisões dois primeiros con-
sultados;
4. Notificação ao autor sobre o resultado das avaliações;
5. Retorno do texto aprovado para o autor para revisão e possíveis modificações sugeridas pe-
los pareceristas e pelo editor;
6. Aprovação final do texto peldo editor que informa o autor da previsçao de disponibilização
da publicação;
7. Prazo estimado a partir do recebimento do texto até a aprovação final: 90 dias.

Importante: a data de recebimento será a data em que o autor entregar o texto totalmente den-
tro das normas de formatação e conteúdo exigidos nas normas da revista; a data de aprovação
será a data em que o autor devolver o texto revisado de acordo com as orientações dos parece-
ristas e editores.

DÚVIDAS:
Sobre os volumes e números: escreva para o editor do número em questão. Outros assuntos:
Sonia Ray

269
Chamada para Artigos, Gravações e Partituras.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.2, 2015, p. 266-270

REVISTA MÚSICA HODIE


www.musicahodie.mus.br
Call for articles, recordings and scores

Submissions active for 2013


Revista Música Hodie is listed by RILM, The Arts & Humanities Index and EBSCO. It is a
Brazilian scholarly journal, which publishes articles in Portuguese, English and Spanish on
music performance, musical analysis, music theory, composition, music and technology, music
therapy, esthetics and musicology as well as interdisciplinary works evolving music.

Vol. 13 n.1 (jan-jun de 2013) – Thematic: Music and Improvisation


Guest Editors: Cesar Traldi e Daniel Barreiro (UFU)
Submissions opened until the number is completed (9 to 18 approved articles)
Submissions should be sent to: “Daniel Barreiro” dlbarreiro@gmail.com or “Cesar Traldi”
ctraldi@hotmail.com

Vol. 13 n.2 (jul-dez de 2013) – General on Music


Guest Editor: Carlos A. Figueiredo (UNIRIO)
Submissions opened until the number is completed (9 to 18 approved articles)
Submissions should be sent to: “Carlos Alberto Figueiredo” cafig1@globo.com

Música Hodie´s Editorial Guidelines


1. The papers should be in Microsoft Word for Windows (or compatible), Page Layout (A4 8,27”
x 11,69”) Times font, 12 size, space 1,5, with 8 to 20 pages (exceptions will be evaluated by
the Editorial Committee), musical examples, figures, tables, abstract, vitae, footnotes and bi-
bliographic references included.
2. Examples (musical examples, tables and figures are all called Ex.) should be numbered and
have a clear and concise heading with 3 lines at most (Times, size 10, single-spaced), pre-
sented in the text and in separate files.
3. For additional information, comments or references to quotations ONLY ENDNOTES
(Times, size 10, single-spaced) should be used. The complete bibliographical references
should be placed at the end of the text (e.g., GRIFFITHS, Paul. The string quartet. New York:
Thames & Hudson, 1983).
Obs: See full information on references formatting at www.musicahodie.mus.br/normas.php
4. An abstract with 100-150 words (Times, size 10, single-spaced) and keywords (3-6) should
be presented in both Portuguese and English before the complete bibliographic references,
after which should come the author´s vitae (Times, size 10, single-spaced, up to 10 lines).
5. After being proofread, the originals should be submitted to Revista MUSICA HODIE (e-mail
only) to the editor responsible for the number in which you with to address your submission
to, containing the title and author´s name, address, telephone, fax and e-mail.
6. Scores submissions to the review section (Primeira Impressão) should be sent in Finale
Format (or pdf) via e-mail to the editor. Composer should also send a short bio (approx. 150
words) and a text about the work (approx. 500 words).

Send inquires about submission to the appropriate guest editor (see contacts on top of this page)
Send other inquires: Sonia Ray soniaraybrasil@gmail.com

270
Normas para Formatação das Referências.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.1, 2014, p. 271-273

REVISTA MÚSICA HODIE


Publicação do Programa de Pós-graduação - Mestrado em Música
Escola de Música e Artes Cênicas da UFG

NORMAS PARA FORMATAÇÃO DAS REFERÊNCIAS


References Formatting Guidelines

Somente as obras citadas no corpo do artigo. Devem ser apresentadas em espaço sim-
ples, com alinhamento justificado e seguindo as normas da ABNT/2000 (NBR 6023) e do Manual
da PRPPG (Cegraf, 2005), abaixo exemplificadas. Fonte Times New Roman, tamanho 12.
PapelA4. Margens: dir 2,0 cm; esq 3,0cm, sup 3,0cm e inf 2,0 cm.
Only the works cited within the article. References are to be presented in single space,
justified and following ABNT/2000 (NBR 6023) and Manual of PRPPG (Cegraf, 2005), guide-
lines exemplified below. Font Times New Roman, size 12. Paper A4. Margins: right 2,0 cm;
left 3,0cm, sup. 3,0cm and inf. 2,0 cm.

Livros: BOOKS
SOBRENOME, Prenome(s) do Autor. Título do Trabalho: subtítulo [se houver]. Edição [se não for
a primeira]. Local de publicação: Editora, ano. Número de páginas.
MEYER, Leonard B. Music, the Arts, and Ideas: patterns and predictions in twentieth-century
culture. 2. ed. Chicago: The University of Chicago Press, 1994. 235p.
COHEN, Louis; MANION, Laurence. Research Methods in Education. 4. ed. London: Routled-
ge, 1994. 298p.

Partes de livros (capítulos, artigos em coletâneas, etc.) CHAPTERS


SOBRENOME, Prenome(s) do Autor da Parte da Obra. Título da parte. In: SOBRENOME,
Prenome(s) do Autor da Obra. Título do Trabalho: subtítulo [se houver]. Edição [se não for a pri-
meira]. Local de publicação: Editora, ano. Capítulo ou páginas inicial-final da parte.
WEBSTER, Peter. R. Research on Creative Thinking in music: the assessment literature. In:
COLWELL, Richard (Ed.). Handbook of Research on Music Teaching and Learning. New York:
Schirmer Books, 1992. p. 266-280.

Artigos em periódicos: JOURNALS


SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Artigo. Título do Artigo. Título do Periódico, Local de
publicação, número do volume, número do fascículo, página inicial-final do artigo, data.
LOANE, Brian. Thinking About Children’s Compositions. British Journal of Music Education,
Cambridge, v. 1, n. 3, p. 205-231, 1984.

Trabalhos em anais de eventos científicos: PAPERS IN PROCEEDINGS OF SCIENTIFIC


EVENTS
SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título do trabalho. In: NOME DO EVENTO,
número do evento, ano de realização, local. Título. Local de publicação: Editora, ano de publi-
cação. página inicial-final do trabalho.
DELALANDE, François. A Criança do Sonoro ao Musical. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSO-
CIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 8., 1999, Curitiba. Anais... Salvador: ABEM,
2000. p.48-51.

271
Normas para Formatação das Referências.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.1, 2014, p. 271-273

Dissertações e Teses: DISSERTATIONS AND THESIS


SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título do Trabalho, ano da defesa, Instituição.
Local de publicação: Editora, ano de publicação. Numero de páginas.
PRESGRAVE, Fábio S. Aspectos da Música Brasileira Atual: violoncelo. Tese de Doutorado.
Instituto de Artes da Universidade de Campinas, 2008. Campinas: UNICAMP, 2008. 247p.

Partituras publicadas PUBLISHED SCORES


SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título da Obra. Identificação. Local de publi-
cação: Editora, ano de publicação.
MOZART, Wolfgang Amadeus. Don Giovanni. Libretto por Lorenzo da Ponte com versão em in-
glês de W. H. Auden e Chester Kallman. New York: G. Schimer, 1961.

Partituras não publicadas UNPUBLISHED SCORES


SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título da Obra. Identificação. Local de publi-
cação: informação sobre o tipo de registro gráfico da obra (informar o editor e ano da edição, se
houver), ano da composição.
VILLANI-CÔRTES, Edmundo. Casulo. Para violoncelo, piano e soprano. Partitura. São Paulo:
manuscrito, 1992.
CUNHA, Estércio Marquez. Movimento para Contrabaixo e Orquestra. Partitura. Goiânia: Fina-
le (ed. Sonia Ray, 2003), 2000.

Gravações em CD e Cassete RECORDINGS (CD, Tape)


SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título da Gravação. Tipo de gravação. CD nú-
mero de série (ou informe a origem da gravação. Ex: independente, caseira). Identificação da
Gravadora [se houver], ano [obrigatório. Se incerto, acrescente uma interrogação no último dí-
gito. Ex: 198?].
EVORA, Cesaria. Café Atlantico. CD 74321678022. BMG Brasil, 1999.

Gravações em Vídeo RECORDINGS (DVD, VHS)


SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título do Video. Produção (direção, regência...)
de Nome do Responsável. Tipo de fita, duração da gravação. Local de publicação: Editora ou
Gravadora, ano de publicação.
PERLMAN, Itzak. Itzak Perlman: in my case music. Produzido e dirigido por Tony DeNonno.
Videocassete, 10 min. New York: DeNonno Pix, 1985]

Entrevistas não publicadas UNPUBLISHED INTERVIEWS


SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Entrevista de Nome e Sobrenome do entrevis-
tador em data da entrevista. Cidade. Tipo de registro. Local.
NORMAN, Jesse. Entrevista de José da Silva em 20 de novembro de 1998. Chicago. Gravação em
cassete. Chicago Symphony Hall.

Trabalhos em anais ON LINE de eventos científicos: PAPERS IN ON LINE PROCEEDINGS


SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título do trabalho. In: NOME DO EVENTO,
número do evento., ano de realização, local. Título. Local de publicação: Editora, ano de publi-
cação. página inicial-final do trabalho. Disponível em <endereço do sítio>. Data do acesso.
BARRENECHEA, Lúcia. Homenagens Pianisticas de Camargo Guarnieri: um estudo de inter-
textualidade. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADU-
AÇÃO EM MÚSICA, 19., 2010, Curitiba. Anais... Goiânia, 2009, 627-629. Disponível em <http://
www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2009/VII_Performance.pdf>. Acesso em
26 jun 2012.

272
Normas para Formatação das Referências.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.1, 2014, p. 271-273

Obs: o mesmo processo pode ser feito com outras fontes cujos dados estejam todos dis-
poníveis mas o acesso for feito on-line. The same process can be done with other sources
whose data are all available but the access is done on-line.

Outras fontes pesquisadas na rede


OTHER ON LINE SOURCES
SOBRENOME, Prenome(s) do Autor. Título do Trabalho: subtítulo [se houver]. Disponível em
<endereço do sítio>. Data do acesso.
ONOFRE, Cíntia C. de. Música por Computador: novas possibilidades de criação e profissio-
nalização. Disponível em <http://www.iar.unicamp.br/disciplinas/am625_2003/Cintia_artigo.
html>. Acesso em 14 ago 2004.

PARA NOTAS NO CORPO DO TEXTO COM CITAÇÃO DIRETA


DIRECT CITATIONS
Sobrenome (ano de publicação, página) - Neste caso a citação deve vir com aspas e traduzida
(se em língua estrangeira)
De acordo com Silva (2005, p. 47), “o fazer musical está associado...”
“O fazer musical está associado...”, afirma Silva (2005, p. 47).

Nota: quando a citação direta é acima de 3 linhas, destaca-se os palavras citadas com um espaço
duplo antes e depois do texto citado, em fonte Times, tamanho 10. Não se usa aspas e inclui-se
o número de página ao final da citação.

De acordo com Cardassi (2000),

O resultado final de um recital depende de como ele foi concebido e de toda a preparação
a que o músico se submeteu, às vezes durante meses. A escolha do repertório, a ordem de
execução das peças, e cada item relacionado à produção e divulgação do evento pode fun-
cionar a favor ou contra o músico. É fundamental que o intérprete mantenha-se atento aos
detalhes. (p. 257).

As conclusões de Cardassi somam-se a vários estudos...

PARA NOTAS NO CORPO DO TEXTO COM CITAÇÃO INDIRETA


INDIRECT CITATIONS

(SOBRENOME, ano de publicação. Página de onde foi tirada a citação) – Neste caso o número
de páginas opcional, porém, recomendada.
A música de câmera tem recebido significativa atenção de pesquisadores na área de psicologia
da performance nos últimos cinco anos. (SILVA, 2005, p. 236)
De acordo com SILVA (2005, p. 236), a música de câmera tem recebido significativa atenção de
pesquisadores na área de psicologia da performance nos últimos cinco anos.

273

Você também pode gostar