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E COLABORADORES
PSICOLOGIA SOCIAL
PRINCIPAIS TEMAS E VERTENTES
INDEX BOOKS GROUPS
CDU 316.6
PSICOLOGIA SOCIAL
PRINCIPAIS TEMAS E VERTENTES
Versão impressa
desta obra: 2011
2011
Capa
Tatiana Sperhacke
Ilustração da capa
©iStockphoto.com/Ace_Create
Preparação do original
Elisângela Rosa dos Santos
Editora Sênior – Ciências humanas
Mônica Ballejo Canto
Projeto e editoração
Armazém Digital® Editoração Eletrônica – Roberto Carlos Moreira Vieira
SÃO PAULO
Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 - Pavilhão 5 - Cond. Espace Center
Vila Anastácio 05095-035 São Paulo SP
Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Autores
Cláudio Vaz Torres (org.). Ph.D. em Psicologia pela California School of Professional Psychology,
San Diego, Califórnia, EUA. Pós‑doutorado em Marketing pela Griffith University, Austrália. Pós
‑doutorado em Pesquisa e Psicologia Transcultural pela University of Sussex, Inglaterra. Professor
do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia na Universidade
de Brasília, onde também atua como professor do Programa de Pós‑Graduação em Administra‑
ção. Um dos fundadores do grupo de estudo e pesquisa em comportamento de consumo da
Universidade de Brasília – Consuma/UnB. É membro e contribui ativamente com a International
Association for Cross‑cultural Psychology, International Academy for Intercultural Research, The
American Psychological Association (Divisão 52) e Sociedade Interamericana de Psicologia.
Elaine Rabelo Neiva (org.). Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília. Professora do
Departamento de Administração da Universidade de Brasília. Atua no Programa de Pós‑graduação
em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações – PSTO. Fundadora do grupo de Pesquisa
Inovare da Universidade de Brasília. É membro da International Association of Applied Psychology
(Divisão 1) e da Sociedade Interamericana de Psicologia.
Amanda Zauli. Graduada em Desenho Indus‑ Ana Lúcia Galinkin. Pós‑Doutora em Psicologia
trial pela Escola Superior de Desenho Indus‑ Social pela Universidade René Descartes, Paris,
França. Doutora em Sociologia pela Universi‑
trial – ESDI, da UERJ. Atuou como tutora de
dade de São Paulo. Mestre em Antropologia
cursos de graduação e de pós‑graduação em
Social pela Universidade de Brasília. Psicóloga
educação a distância no Centro de Educação a
pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Distância da Universidade de Brasília – CEAD/
Professora Associada II no Programa de Pós
UnB. Especialista em Desenvolvimento Ge‑
‑Graduação em Psicologia Social do Trabalho e
rencial. Mestre em Gestão Social e Trabalho. das Organizações, Universidade de Brasília.
Doutoranda em Psicologia Social, do Trabalho
e das Organizações (PSTO) na Universidade de Angela Maria de Oliveira Almeida. Psicóloga
Brasília. pela Universidade de São Paulo. Mestre em Psi‑
cologia da Educação, pela PUC/SP. Mestre em
Ariane Agnes Corradi. Doutoranda no Interna‑ Psicologia do Desenvolvimento pela Université
tional Institute of Social Studies, Universidade Catholique de Louvain. Doutorado em Psicolo‑
Erasmus Rotterdam, Países Baixos. Mestre em gia pela Université Catholique de Louvain. Pro‑
vi Autores
Autores vii
Sumário
Parte I
Fundamentação
1. Breve história da moderna psicologia social ................................................. 13
Maria Cristina Ferreira
Parte II
O indivíduo
4. Cognição social ............................................................................................... 79
Bartholomeu T. Tróccoli
10 Sumário
Parte III
O grupo e o contato intergrupal
12. Identidade social e alteridade ....................................................................... 253
Ana Lúcia Galinkin e Amanda Zauli
13. Contato intergrupal: conflito realístico, privação relativa e equidade . ...... 262
Solange Alfinito e Ariane Agnes Corradi
16. Cultura, valores humanos e comunicação nas relações intergrupais ........ 314
Onofre Rodrigues de Miranda e Helga Cristina Hedler
Parte I
Fundamentação
1
Breve história da moderna psicologia social
Maria Cristina Ferreira
contextualizar suas origens, sem ter a pre- XIX, tendo exercido grande influência sobre
tensão de esgotar o assunto. Nesse sentido, a psicologia. Em 1859, Darwin publica a
inicia‑se com a abordagem dos autores que, obra Origem das espécies, na qual desenvolve
na segunda metade do século XIX, desen- a tese da seleção natural (Boeree, 2006a).
volveram reflexões sobre temas que exer- Segundo ela, na briga pelos escassos recur-
cerão significativa influência na construção sos da natureza, somente as espécies com
da nova disciplina para, em seguida, tecer maior capacidade de adaptação às varia-
comentários sobre as obras que assinalaram ções da natureza conseguiram sobreviver e
a sua fundação. Posteriormente, discutem reproduzir‑se. Darwin acreditava, portanto,
‑se os desdobramentos que ocorreram nos que o ser humano constitui‑se como o pro-
Estados Unidos, na Europa e na América duto final de um processo evolucionista que
Latina, para, à guisa de conclusão, trazer envolveu todos os organismos vivos, ou seja,
algumas reflexões acerca do estado atual um animal social que desenvolveu maior ca-
da psicologia social. Cumpre ressaltar que pacidade de se adaptar física, social e men-
a excelente revisão histórica de ambas as talmente às mudanças ambientais e sociais.
vertentes da psicologia social, realizada por Para ele, então, haveria uma continuidade
Álvaro e Garrido (2007), mostrou‑se funda- entre as espécies humanas e não humanas.
mental à elaboração do presente capítulo. Tempos depois, Herbert Spencer
(1820‑1903), fundamentando‑se na teoria
da seleção natural, converte‑se em um dos
Os precursores principais líderes do movimento conhecido
da psicologia social como darwinismo social, sendo dele a ex-
pressão “sobrevivência do mais adaptado”.
A expressão “psicologia social” foi utilizada No livro Princípios de psicologia, publicado
pela primeira vez em 1908, ou seja, no iní- em 1870, ele aplica as ideias de Darwin so-
cio do século XX, em dois diferentes livros, bre o desenvolvimento da espécie humana
razão pela qual esse ano é considerado por ao desenvolvimento de grupos, socieda-
muitos como a data de fundação da discipli- des e culturas, enfatizando a existência de
na. Porém, ao longo do século XIX, quando uma continuidade entre ambos (Boeree,
os limites entre a sociologia e a psicologia 2006a). Seu principal argumento era o de
ainda não eram muito claros, foram publi- que as nações e os grupos étnicos podiam
cadas várias obras nas quais o indivíduo e a ser classificados na escala evolucionista de
sociedade já eram abordados e discutidos. acordo com o seu grau de desenvolvimento,
Seus autores eram pensadores oriundos de organização, poder e capacidade de adap-
vários campos do saber, como, por exemplo, tação. Desse modo, os povos mais civiliza-
a filosofia, a antropologia, a biologia, etc., dos e avançados em termos culturais eram
já que naquela época o papel profissional do hierarquicamente superiores aos povos mais
psicólogo social ainda não havia sido insti- atrasados no que tange à escala evolucio-
tuído. Entre esses, merecem destaque os es- nista. As abordagens de Darwin e Spencer
tudos de Darwin e Spencer, na Inglaterra, os exerceram forte influência na psicologia dos
estudos de Wundt, na Alemanha, e os estudos instintos, praticada ao início do século XX
de Durkheim, Tarde e Le Bon, na França. por alguns psicólogos sociais, conforme se
verá mais à frente.
Os precursores da psicologia
social na Inglaterra O precursor da psicologia
social na Alemanha
A teoria da evolução de Charles Darwin
(1809‑1882) é considerada uma das mais Wilhelm Wundt (1832‑1920) é o principal
poderosas e populares inovações do século representante da psicologia dos povos, que
surgiu na esteira do movimento de reunifi- termos coletivos. Por essa razão, detém‑se
cação da Alemanha e que tinha como foco o no estudo da língua, da arte, dos mitos e
estudo dos principais atributos em comum dos costumes, como forma de compreender
que definiam o caráter nacional ou o pensa- a mente. Em síntese, haveria uma íntima
mento coletivo do povo alemão (Mcgarty e relação entre a mente humana e a cultura,
Haslam, 1997). Suas ideias, entretanto, so- entre o indivíduo e o contexto cultural no
freram uma considerável evolução ao longo qual ele se desenvolve. Desse modo, a psico-
de sua carreira. Assim é que, inicialmente, logia deveria estudar as produções mentais
ele defendia que a psicologia científica de- coletivas originadas das ações de conjuntos
veria ser vista como uma ciência natural que de indivíduos se quisesse chegar à mente
se ocupava do estudo da mente, isto é, dos humana (Farr, 1999). A psicologia dos po-
processos mentais básicos (sensação, ima- vos de Wundt exerceu influência principal-
gem e sentimentos). Para Wundt, esse tipo mente sobre a psicologia social sociológica,
de investigação deveria ser conduzido por em virtude da ênfase atribuída à questão da
meio da introspecção, ou seja, mediante a determinação sócio‑histórica do indivíduo e
auto‑observação rigorosa e controlada do ao uso da metodologia não experimental.
modo pelo qual esses fenômenos ocorriam
(Álvaro e Garrido, 2007).
Em virtude dessas preocupações, Wundt Os precursores da psicologia
criou em 1879, na cidade de Leipizig, o pri- social na França
meiro laboratório de psicologia do mundo,
tendo ali realizado uma série de experimen- Conforme já mencionado, entre os pre-
tos com o objetivo de estudar os processos cursores da psicologia social na França
mentais básicos, além de ter fundado o pri- encontram‑se Durkheim, Tarde e Le Bon.
meiro periódico de psicologia experimental. Emile Durkheim (1858‑1917) é considerado
Tais ações levaram‑no a ser considerado o um dos fundadores da sociologia, tendo
fundador da psicologia experimental. publicado várias obras nas quais aborda a
Com o passar do tempo, porém, Wundt evolução da sociedade, os métodos da socio-
sentiu necessidade de estudar os proces- logia e a vida religiosa. No livro intitulado
sos mentais mais complexos ou superiores, Representações individuais e representações
como a memória e o pensamento, tendo coletivas, publicado em 1898, ele desenvolve
constatado que o método experimental não o conceito de representações coletivas (Melo
era adequado a tal estudo. Assim, propôs Neto, 2000), que exerceu significativa influ-
uma distinção entre a psicologia experimen- ência sobre a psicologia social europeia. Para
tal, responsável pelo estudo dos processos ele, as representações coletivas (como a re-
mentais básicos, e a Völkerpsychologie (psi- ligião, os mitos, etc.) constituem‑se em um
cologia dos povos), dedicada ao estudo dos fenômeno ao nível da sociedade e distinto
processos mentais superiores por meio do das representações individuais, que estão no
método histórico‑comparativo. Com isso, nível do indivíduo. Nesse sentido, postula
ele estabelece uma clara distinção entre os que os sentimentos privados só se tornam
fenômenos psicológicos mais externos, que sociais quando extrapolam os indivíduos e
estariam na periferia da mente, e os fenô- associam‑se, formando uma combinação
menos mais profundos, que constituiriam a que se perpetua no tempo, transformando
mente propriamente dita (Álvaro e Garrido, ‑se na representação de toda uma sociedade.
2007). As posições de Durkheim influenciarão so-
Em sua Völkerpsychologie, Wundt toma bretudo o psicólogo social Serge Moscovici,
a mente como um fenômeno histórico, um que, muitos anos depois, desenvolve a teo-
produto da cultura e da linguagem de um ria das representações sociais.
determinado povo, que não poderia ser ex- Gabriel Tarde (1843‑1904), na obra
plicada em termos individuais, mas sim em As leis da imitação, publicada em 1890, de-
fende que a vida social tem como mecanis- barbárie que não praticariam se estivessem
mo básico a imitação (Karpf, 1932). Desse sozinhas.
modo, qualquer produção individual, surgi- Quando enfatiza a irracionalidade das
da sob a forma de uma invenção ou desco- multidões, Le Bon estabelece um vínculo en-
berta, propaga‑se na vida social por meio da tre a psicologia social e a psicopatologia, ao
imitação, uniformizando‑a. Para ele, as ini- qual se contrapõe a psicologia social psicoló-
ciativas individuais constituem‑se em uma gica de base cognitiva, surgida nos anos de
invenção, enquanto as uniformidades da 1970 (Farr, 1999). Por outro lado, a questão
vida social associam‑se à imitação, que con- da sugestão ou influência social, implícita na
siste, portanto, em uma socialização da ino- psicologia das multidões, posteriormente se
vação individual. Avançando em suas pro- converterá em objeto de atenção da psicolo-
posições, o autor ressalta que as pessoas de gia social psicológica de base experimental.
status inferior costumam imitar as de maior No entanto, o estudo da mente grupal e do
status, que o processo de imitação começa comportamento das multidões propriamen-
lentamente e com o tempo se acelera e que te dito, foco central da obra de Le Bon, so-
a cultura nacional é imitada antes da estran- mente será resgatado mais recentemente,
geira (Álvaro e Garrido, 2007). As ideias de por autores como Moscovici e colaboradores
Tarde exercerão influência no trabalho de (McGarty e Haslam, 1997).
Ross, que publicou um dos primeiros livros
de psicologia social.
Em 1895, Gustav Le Bon (1814‑1931)
publicou o livro Psicologia das multidões A fundação da psicologia social
(Melo Neto, 2000), que exerceu significa-
tiva influência nos trabalhos de vários psi- No início do século XX, a psicologia social
cólogos sociais posteriores. Nesse livro, o começa a adquirir o status de uma discipli-
autor defende a tese de que as massas ou na independente, e seu centro de gravidade
multidões constituem‑se em seres psíquicos começa a mudar da Europa para os Estados
de características diferentes dos indivíduos Unidos (Jahoda, 2007). Duas obras, publica-
que as compõem. Nesse sentido, quando das no ano de 1908, irão marcar a fundação
eles se juntam às massas, perdem suas ca- oficial da psicologia social moderna: Uma
racterísticas superiores e sua autonomia, introdução à psicologia social, de William
passando a ser regidos por uma alma cole- McDougall, e Psicologia social: uma resenha
tiva, com características independentes das e um livro texto, de Edward Ross (Pepitone,
de seus membros, além de mais primitivas 1981). Cumpre registrar, porém, que esses
e inconscientes. As multidões seriam, assim, dois autores, embora fossem contemporâne-
as responsáveis pelo fato de os sujeitos per- os e tivessem usado a expressão psicologia
derem sua individualidade e passarem a social nos títulos de seus livros, não estavam
fazer parte de um todo com características falando do mesmo assunto.
totalmente distintas das partes que o com- Edward Ross (1866‑1951) era um so-
põem. ciólogo norte‑americano que, influenciado
Segundo Le Bon, ao se encontrar em pelas obras de Tarde e de Le Bon, caracte-
uma multidão, o indivíduo sufoca sua per- rizou a psicologia social como o estudo das
sonalidade consciente e passa a ser domi- uniformidades de pensamentos, crenças e
nado pela mente coletiva da multidão, que ações decorrentes da interação entre os seres
é capaz de levar seus membros a apresen- humanos (Pepitone, 1981). Segundo Ross,
tar comportamentos unânimes, emocionais os fenômenos subjacentes a essa uniformi-
e desprovidos de racionalidade. Em outras dade são a imitação, a sugestão e o contá-
palavras, as pessoas perdem sua capacidade gio, o que explicaria a rápida uniformidade
de raciocínio e tornam‑se altamente suges- verificada entre as emoções e as crenças das
tionáveis, o que as leva a cometer atos de multidões. Embora Ross tenha especificado
algumas variáveis que interferem na suges- social psicológica e a psicologia social socio-
tão (como, por exemplo, o prestígio da fon- lógica que se avizinhava. A partir do início
te), sua análise da vida social humana não do século XX, ambas as correntes sofrerão
se reverteu no desenvolvimento de um mo- grande impulso nos Estados Unidos, ainda
delo teórico formal, tendo ele se limitado a que trilhando direções distintas. Nesse sen-
organizar observações extraídas da história, tido, acompanharemos inicialmente a evolu-
da literatura e do trabalho de outros auto- ção da psicologia social psicológica para, em
res. seguida, trilharmos os caminhos percorridos
McDougall (1871‑1938), por outro pela psicologia social sociológica ao longo
lado, era um psicólogo britânico que foi do século XX.
fortemente influenciado pelas concepções
de Darwin e Spencer sobre a evolução. Sua
obra gira em torno do conceito de instinto,
O desenvolvimento da
ressaltando a importância de certas carac-
terísticas inatas e instintivas para a vida so- psicologia social psicológica
cial. Segundo ele, os instintos apresentam nos Estados Unidos
três componentes: a percepção, que leva o
indivíduo a prestar atenção aos estímulos Nas primeiras décadas do século XX, os
relevantes a seus instintos; o comporta- Estados Unidos assistem à ascensão do beha-
mento, responsável por levar o indivíduo a viorismo, segundo o qual uma psicologia
manifestar condutas destinadas a satisfazer verdadeiramente científica deveria estudar
seus instintos; e a emoção, que faz com que e explicar apenas o comportamento humano
os instintos estejam associados a estados observável, sem considerar construtos men-
emocionais positivos ou negativos (Boeree, tais não observáveis, como a mente, a cog-
2006b). nição e os sentimentos (McGarty e Haslam,
Propôs ainda uma classificação dos 1997). Com isso, os psicólogos sociais pro-
instintos em primários, de segunda ordem gressivamente abandonam as explicações
e pseudoinstintos (Álvaro e Garrido, 2007). do comportamento social em termos de
Os instintos primários são em número de instintos, bem como o uso da introspecção,
sete e associam‑se a emoções. Entre eles, es- passando a adotar uma psicologia social
tão, por exemplo, a fuga, associada ao medo, eminentemente experimental e focada no in-
e o combate, associado à raiva. Os instintos divíduo (Jahoda, 2007). Consequentemente,
secundários são em número de quatro e a divisão entre psicologia social psicológica
mostram‑se importantes para a vida social, e sociológica aprofunda‑se na medida em
como, por exemplo, o instinto gregário. Já que a psicologia passa a ser vista muito mais
os pseudoinstintos são em número de três e como uma ciência natural do que como uma
interferem nas interações entre as pessoas, ciência social (Pepitone, 1986).
como no caso da imitação, por exemplo. Os Cumpre registrar, porém, que o primei-
estudos de McDougall são considerados pre- ro experimento em psicologia social ocorreu
cursores das teorias motivacionais, que pos- ainda no século XIX, tendo sido conduzido
teriormente se tornarão objeto de investiga- por Tripplett em 1897 (Rodrigues, 1972).
ção de alguns psicólogos sociais (McGarty e Esse experimento foi realizado com crianças
Haslam, 1997). que foram solicitadas a enrolar um anzol o
No momento em que a psicologia co- mais rapidamente possível, sozinhas ou na
meça a se definir como uma disciplina in- presença de outras crianças que faziam a
dependente, a publicação concomitante das mesma tarefa. Os resultados mostraram que
obras de Ross e McDougall, estando situadas elas agiam muito mais rapidamente quan-
uma no âmbito da psicologia e outra, no âm- do estavam acompanhadas do que quando
bito da sociologia, pode ser vista como uma estavam sozinhas, lançando assim as bases
evidência da separação entre a psicologia do estudo do fenômeno de facilitação social,
que ainda hoje é um dos temas de interesse imigraram para os Estados Unidos. Além dis-
da psicologia social psicológica. so, os psicólogos sociais foram convocados a
Entretanto, é somente em 1924 que cooperar na resolução dos problemas sociais
surge o livro‑texto de psicologia social de provocados pela guerra. Tais fatos influen-
Floyd Allport (1890‑1978), considerado um ciarão sobremaneira os novos rumos toma-
dos mais famosos psicólogos sociais beha- dos pela psicologia social psicológica no pe-
vioristas da época (Pepitone, 1981). O autor ríodo que vai da década de 1930 à década de
contrapõe‑se ao estudo da consciência cole- 1950. Nesse sentido, os psicólogos europeus
tiva ou mente grupal pela psicologia social, trarão para a psicologia norte‑americana a
por acreditar não ser possível a existência perspectiva do gestaltismo, que substituirá
de uma mente comum a várias pessoas, de o behaviorismo até então dominante. Para
modo similar ao que ocorre com um indi- o gestaltismo, as propriedades perceptivas
víduo particular. Além disso, ele considera de um objeto formavam uma gestalt, isto
que a psicologia social faz parte da psicolo- é, um todo que apresentava características
gia do indivíduo e não da sociologia e, como distintas da soma das partes que o consti-
tal, deve ocupar‑se do estudo das influên- tuem (McGarty e Haslam, 1997). Entre os
cias do comportamento do indivíduo em ou- psicólogos sociais europeus que, nos anos
tras pessoas e das reações a tais influências 1940, desenvolveram trabalhos influencia-
(Karpf, 1932). dos pelas ideias do gestaltismo destacam
Allport desenvolve uma série de expe- ‑se Muzar Sheriff (1906‑1988), Kurt Lewin
rimentos sobre facilitação social, demons- (1890‑1947), Fritz Heider (1896‑1988) e
trando que os grupos nos quais as pessoas Solomon Asch (1907‑1996).
estavam juntas, mas trabalhando individual Com o objetivo de explorar as condições
mente, em tarefas mentais ou perceptuais, e os fatores que levam à formação e à perma-
apresentavam melhor desempenho do que nência das normas sociais, Sheriff (1936) de-
pessoas que estavam sozinhas realizando o senvolveu vários experimentos. Neles, uma
mesmo tipo de tarefa. Com sua obra, ele de- pessoa era solicitada a fazer julgamentos de
fine, portanto, os limites da psicologia social estímulos ambíguos (o quanto uma luz em
psicológica como uma disciplina objetiva e um quarto escuro se movia, quando na rea
de base experimental (Jones, 1985). lidade estava parada), individualmente ou
Nos anos de 1920, inicia‑se também na presença de outras pessoas. Observou‑se
o estudo das atitudes, sob a coordenação que a pessoa, ao tomar conhecimento dos
de Thurstone e colaboradores, que desen- julgamentos feitos pelos demais (norma so-
volveram uma metodologia própria para a cial), antes ou depois do próprio julgamento,
investigação do referido construto, toma- tendia a convergir para a norma do grupo e a
do como um fenômeno mental (McGarty e desconsiderar a própria norma.
Haslam, 1997). Esse trabalho pioneiro sus- Lewin era um psicólogo judeu que
citou o desenvolvimento de várias outras imigrou para os Estados Unidos em 1933 e,
técnicas para a mensuração das atitudes. juntamente com seus colaboradores (Lewin,
Tais técnicas, aliadas à sofisticação cada vez Lippitt e White, 1939), desenvolveu pesqui-
maior do método experimental, garantirão sas sobre o clima grupal, nas quais estudou
o status científico da psicologia social psico- experimentalmente, em grupos reais, a in-
lógica ao longo das décadas subsequentes fluência dos estilos de liderança no compor-
(Graumann, 1996). tamento do grupo. Os resultados levaram‑no
a concluir que o papel do líder era central
para o funcionamento do grupo, já que di-
A Segunda Guerra Mundial ferentes estilos de liderança provocavam ní-
veis distintos de produtividade e agressão.
Com a escalada do nazismo na Europa e a Lewin (1943) também propôs a teoria de
Segunda Guerra Mundial, muitos cientistas campo, na qual o grupo era visto como um
campo de forças que tinha primazia sobre Asch (1946) coloca‑se contra a posição
suas partes, isto é, sobre seus membros. Ele adotada pelos psicólogos sociais adeptos do
inaugurou ainda um programa a que deno- behaviorismo, procurando aplicar os princí-
minou de pesquisa‑ação, cujo objetivo era pios gestaltistas no campo da percepção de
avaliar o comportamento dos membros de pessoas, que até hoje consiste em uma das
grupos da comunidade e colaborar com sua áreas centrais de estudo da psicologia so-
mudança de atitudes e comportamentos. cial psicológica. Segundo ele, ao formarmos
Em contraste com a posição de Allport uma impressão sobre uma pessoa, construí
e de outros psicólogos sociais experimen- mos um todo organizado sobre ela, uma im-
tais, para quem o grupo representava tão pressão que difere do somatório de todas as
somente uma variável externa que exercia suas características pessoais. Os trabalhos
influência sobre os indivíduos que dele par- de Sheriff, Lewin, Heider e Asch exerceram
ticipavam, a concepção de Lewin de que o forte influência sobre toda uma geração de
grupo tem uma dinâmica própria, não re- seguidores que fizeram a história da psico-
dutível à soma das partes que o compõem, logia social psicológica nas décadas subse-
soou como bastante original e teve grande quentes.
impacto nas discussões teóricas travadas na
época (Pepitone, 1981). Seus engenhosos
experimentos trouxeram a realidade social O período do pós‑guerra
para dentro do laboratório e converteram
‑se em um modelo paradigmático de pesqui- O período do pós‑guerra constituiu‑se em
sas sobre processos e estruturas grupais que uma fase de intensa produção pelos psi-
eram ao mesmo tempo empíricas e teóricas cólogos sociais da época, estimulada pela
(Smith, 1961). continuação dos esforços de cooperação
Os trabalhos seminais de Heider empreendidos durante a guerra e pela cons-
(1944, 1946, 1958) lançaram as bases con- tatação por parte das entidades militares e
ceituais de duas linhas de pesquisa que do- governamentais de que as ciências sociais e
minarão as décadas subsequentes. Nas pu- comportamentais estavam preparadas para
blicações de 1944 e 1958, ele estabelece os colaborar no gerenciamento dos comple-
fundamentos das teorias de atribuição, ao xos problemas humanos daquele período.
defender a ideia de que, em suas relações Desse modo, nas duas décadas seguintes à
interpessoais, o indivíduo percebe o outro Segunda Guerra Mundial, a psicologia so-
e suas ações como um todo organizado e, cial psicológica converte‑se em um campo
por essa razão, tende a procurar as causas científico produtivo, com bases solidamen-
do comportamento do outro, como forma te estabelecidas, e torna‑se responsável por
de tornar o mundo social mais organizado, uma série de pesquisas inovadoras, talento-
estável e previsível. Para tanto, utiliza‑se sas e cada vez mais sofisticadas do ponto de
de fatores pessoais, internos (capacidade, vista metodológico, as quais desencadearão
esforço, etc.) ou de fatores impessoais, ex- o surgimento de novas direções de pesquisa
ternos (sorte, situação, etc.). Já no artigo de e teorização (Jackson, 1988).
1946, Heider constrói os pilares das teorias Com o intuito de melhor compreender
da consistência cognitiva ao propor o princí- as razões que levaram pessoas aparente-
pio do equilíbrio cognitivo, segundo o qual mente normais e civilizadas a cometer hor-
as pessoas tendem a manter sentimentos e rores contra outros seres humanos durante
cognições coerentes sobre um mesmo objeto a guerra, Theodor Adorno (1903‑1969)
ou pessoa, de modo a obter uma situação dedica‑se ao estudo dos tipos de persona-
de equilíbrio. Quando esse equilíbrio se des- lidade. Ele pertencia à Escola de Frankfurt
faz, elas vivenciam uma situação de tensão – nome utilizado para designar o Instituto
e procuram restabelecê‑lo mediante a mu- de Pesquisa que funcionava na Universidade
dança de algum dos elementos da situação. de Frankfurt – e, a exemplo de outros emi-
nentes psicólogos já citados, também imi- las mãos de Solomon Asch (1907‑1996), que
grou para os Estados Unidos durante a anteriormente havia realizado estudos sobre
guerra. Logo após o término do conflito, irá a formação de impressões, e Leon Festinger
publicar, juntamente com outros membros (1919‑1989). Tais pesquisas constituíram as
de sua equipe (Adorno, Frenkel-Brunswik, bases da teorização sobre influência social e
Levinson e Sanford, 1950), a obra A perso‑ processos intragrupais, temas presentes na
nalidade autoritária, na qual defende a tese maior parte dos modernos manuais de psi-
de que o preconceito contra as minorias so- cologia social psicológica.
ciais em geral (bem como o antissemitismo, Na sequência dos estudos iniciados
em particular) está associado a um tipo de por Sheriff nos anos de 1930, Asch (1952)
personalidade autoritária, caracterizado por dedicou‑se a pesquisas sobre a influência
traços de rigidez de opiniões, adesão a valo- social, procurando avaliar a influência da
res convencionais e intolerância. pressão do grupo sobre o julgamento dos in-
Outra consequência do período do divíduos. Em contraste com os experimen-
pós‑guerra foi o ressurgimento do interesse tos de Sheriff, nos quais os estímulos eram
pela pesquisa sobre atitudes. Enquanto na ambíguos, ele usou estímulos sem nenhuma
primeira fase da pesquisa sobre o tema o ambiguidade (comparação de linhas de va-
foco era a mensuração das atitudes, confor- riados tamanhos com uma linha de tama-
me já apontado, nessa nova fase os psicólo- nho padrão). Ainda assim, seus experimen-
gos sociais se concentrarão na investigação tos demonstraram que, quando uma pessoa
experimental da mudança de atitudes. tem certeza de que seu julgamento está cor-
Tais estudos iniciaram‑se ainda nos reto, mas é confrontada com uma maioria
tempos de guerra, sob a liderança de Carl que fez um julgamento errado, ela tende a
Hovland (1912‑1961), com o objetivo de se conformar com essa maioria e mudar seu
verificar os efeitos de filmes bélicos e de julgamento, seja porque realmente passa a
programas de treinamento do exército norte acreditar que estava enganada em seu julga-
‑americano sobre as atitudes dos soldados. mento e que a maioria é que estava correta,
Terminada a guerra, Hovland e colaborado- seja porque tem necessidade de ser aceita
res (Hovland, Jonis e Kelley, 1953) desenvol- pelo grupo.
veram um extenso programa de pesquisas ex- Os estudos de Asch sobre conformida-
perimentais sobre comunicação e persuasão, de suscitaram uma série de desdobramentos
com o intuito de elucidar as influências das posteriores, relacionados à investigação dos
características do comunicador (como, por diferentes fatores que influenciavam tal fe-
exemplo, seu prestígio, seu grau de credibili- nômeno, além de inspirar os experimentos
dade, etc.), da mensagem (como, por exem- clássicos de Milgram (1965) sobre obediên-
plo, seu conteúdo) e da audiência (como, por cia à autoridade. Em tais experimentos, o
exemplo, suas características de personalida- autor demonstra que os indivíduos sentem
de) na mudança de atitudes. Esses estudos ‑se tão submissos à autoridade do experi-
fizeram com que as atitudes tivessem um mentador que, atendendo às suas instru-
papel central na psicologia social psicológi- ções, são capazes de ministrar choques cada
ca durante os anos de 1960, tendo ocupado vez mais fortes em uma determinada pessoa
maior espaço do que qualquer outro tópico (por causa de erros que ela vai simulando
nos livros‑texto da época (McGuire, 1968). cometer durante o desempenho de uma
Contudo, nos anos de 1970, esse interesse tarefa), apesar de ela demonstrar que está
entrou em declínio com a consequente ascen- sentindo dores cada vez piores.
são do cognitivismo. Festinger (1954) recebeu influências de
Uma terceira consequência do pós Lewin, tendo publicado uma das primeiras
‑guerra foi o impulso que as investigações teorias formais em psicologia social – a teoria
sobre grupos receberam, especialmente pe- da comparação social –, com base nos resul-
tados de uma série de experimentos destina- destinadas a testar seus pressupostos sobre
dos a testar hipóteses sobre as pressões para as inconsistências, contradições, tensões ou
a uniformidade que ocorrem nos grupos. De perturbações da harmonia cognitiva que
acordo com essa teoria, as pessoas, quando movem o comportamento social, bem como
não têm um padrão objetivo de comparação, sobre os diferentes fatores que interferiam
sentem necessidade de se comparar com os na redução ou não da dissonância. Apesar
demais membros de seu grupo e confirmar de ter sido também alvo de críticas, ela foi a
que eles têm crenças e habilidades seme- principal responsável pelo desenvolvimento
lhantes às suas, o que as faz se sentirem mais da psicologia social psicológica nas décadas
seguras. Quando, por outro lado, surge um seguintes (Rodrigues, Assmar e Jablonski,
membro com opinião divergente, o grupo 2000).
faz pressão para que ele mude essa opinião À medida que o interesse pelas teo-
e conforme‑se às regras grupais e, caso isso rias da dissonância e do equilíbrio decaía,
não aconteça, rejeita‑o, levando esse mem- a pesquisa sobre as teorias da atribuição au-
bro a escolher outros grupos de comparação. mentava, tendo marcado os anos de 1970
A teoria de Festinger foi submetida a inú- e 1980. Essas teorias desenvolveram‑se a
meros desdobramentos, especialmente por partir dos trabalhos de Heider (1944, 1958)
Shachter (1959), que desenvolveu uma sé- sobre as relações interpessoais e têm como
rie de experimentos sobre a necessidade de principal objetivo a investigação acerca do
comparação de experiências emocionais. modo pelo qual as pessoas inferem causas
No final dos anos de 1950 e ao longo sobre o próprio comportamento e sobre o
dos anos de 1960 e 1970, as pesquisas sobre comportamento das outras pessoas, isto é,
mudança de atitudes e sobre processos gru- o que as leva a concluir que o responsável
pais foram progressivamente sendo substi- pelo comportamento é o próprio indivíduo
tuídas pelas teorias de base cognitiva. Nesse ou a situação. Tais preocupações foram in-
sentido, as teorias da consistência domina- tensamente exploradas nas obras de Jones e
ram a década de 1960, sob a influência do Davis (1965), Kelley (1967), Ross (1977) e
princípio do equilíbrio cognitivo de Heider Weiner (1986), sendo as responsáveis pelo
(1946). Entre elas, merece destaque a teo fato de, ainda hoje, as teorias atribuicionais
ria da dissonância cognitiva de Festinger constituírem‑se em importante campo de
(1919‑1989), que antes já havia desenvolvi- estudo e pesquisa da psicologia social psi-
do a teoria da comparação social. cológica.
De acordo com Festinger (1957), as As teorias da atribuição representam
pessoas tendem a buscar a harmonia ou a também a consolidação definitiva do cogni-
congruência entre suas crenças e atitudes. tivismo, que se tornou, a partir dos anos de
Desse modo, quando são induzidas a emitir 1980, a perspectiva dominante na psicolo-
atitudes contrárias às suas crenças, entram gia social psicológica atual. Tal abordagem
em dissonância cognitiva, o que lhes causa focaliza‑se na compreensão da cognição so-
desconforto e as leva a mudar suas crenças cial, isto é, do processamento da informa-
ou atitudes, de modo a alcançar novamente ção social, baseado no pressuposto de que
a congruência. Assim, por exemplo, se uma o comportamento social pode ser explicado
pessoa fuma e sabe que isso é prejudicial à por meio dos processos cognitivos a ele sub-
saúde, ela poderá resolver essa dissonância jacentes (Fiske e Taylor, 1984). Ela se volta
parando de fumar (mudança de atitude) ou para o estudo da categorização dos objetos
buscando informações de que fumar não é sociais, ou seja, para a análise das estraté-
prejudicial à saúde (mudança de crenças). gias que as pessoas utilizam para formar
A teoria da dissonância suscitou, nas impressões, crenças ou cognições sobre os
décadas seguintes, um volume considerá- estímulos sociais que as rodeiam (o próprio
vel de pesquisas experimentais rigorosas, indivíduo, bem como outras pessoas, grupos
ordem social, datada de 1902, ele ressaltou ções sociais que a comunicação e a expres-
a influência do ambiente social na configu- são tornam‑se possíveis, bem como a possi-
ração da natureza humana e, consequen- bilidade de uma pessoa prever a reação do
temente, da natureza da identidade ou self outro a seus atos, isto é, de assumir o papel
(Álvaro e Garrido, 2007). do outro (Jahoda, 2007).
Ao explicar a formação da identidade, Analisando a emergência desse pro-
Cooley usa a expressão “eu refletido no es- cesso na infância, Mead enfatiza a impor-
pelho” para designar o fato de que tal for- tância dos jogos infantis, em virtude de eles
mação está eminentemente associada ao permitirem à criança assumir o papel dos
modo pelo qual a pessoa imagina que apa- outros (outro significativo) ou dos membros
rece diante das outras pessoas, assim como da sociedade em que vive (eu generaliza-
ao modo pelo qual ela imagina que as outras do). Com isso, ela passa a ter consciência
pessoas reagem a ela e aos sentimentos daí de si mesma, formando assim a sua própria
decorrentes, que podem ser de orgulho ou identidade, que reflete a internalização das
de decepção. Em outras palavras, segundo normas e dos papéis presentes em sua co-
o autor, o indivíduo, ao interagir com as ou- munidade (Álvaro e Garrido, 2007).
tras pessoas, torna‑se consciente da imagem Em síntese, para Mead, o indivíduo
e dos sentimentos que essas outras pessoas é produto do desenvolvimento das pesso-
nutrem por ele, isto é, elas atuam como um as em sociedade e estrutura‑se por meio
espelho no qual o indivíduo se vê. do processo de interação simbólica, que
Para Cooley, o desenvolvimento da leva as pessoas a tomarem consciência de
identidade ocorre no contexto da intera- si próprias, mediante a perspectiva dos de-
ção com os outros e por meio do uso da mais membros de seu grupo social. Ele si-
linguagem e da comunicação. Tais formula- tua, portanto, a formação da identidade no
ções serviram de base a desenvolvimentos campo das relações interpessoais, da organi-
posteriores, tendo influenciado Mead, que zação social e da cultura ao postular que o
também adota a expressão “eu refletido no sujeito apropria‑se do conjunto de padrões
espelho” ao discorrer sobre a identidade. comuns a diferentes grupos socioculturais
Mead era um filósofo norte‑americano para desenvolver seu próprio eu (Stephan e
que estudou por algum tempo com Wundt Stephan, 1985).
em Leipizig, o que teve grande influência Mead é considerado um behaviorista
em sua obra. Posteriormente, ele passou a social, porque, ainda que defendesse o es-
dar aulas de filosofia em Michigan, onde tudo do comportamento observável, consi-
conviveu com Cooley, que na época estava derava que este era apenas um meio para
escrevendo sua tese de doutorado, e depois se chegar à experiência interna do indivíduo
em Chicago, onde permaneceu até a sua (Álvaro e Garrido, 2007). Suas proposições,
morte. Suas aulas de psicologia social foram apesar de terem recebido várias críticas,
posteriormente compiladas no livro A men‑ exerceram forte influência no desenvolvi-
te, o eu e a sociedade: do ponto de vista de mento da psicologia social sociológica, ten-
um behaviorista social, publicado após a sua do dado origem a duas diferentes correntes
morte, em 1934 (Farr, 1999). teóricas: a escola de Chicago e a escola de
A linguagem desempenha um papel Iowa.
fundamental no pensamento de Mead, a
ponto de ele considerar o ato comunicativo
como a unidade básica de análise da psi- A Escola de Chicago
cologia social. Segundo ele, a linguagem é
um fenômeno inerentemente social e, con- Durante os anos de 1930 e 1940, as ideias de
sequentemente, as atitudes e os gestos só Mead não tiveram grande impacto. Caberá,
adquirem significado por meio da interação porém, a Herbert Blumer (1900‑1987), em
simbólica. É, portanto, no contexto das rela- Chicago, nos anos de 1950, e a Manford
de uma psicologia social comprometida com cial teórico orientado pela concepção de que
a realidade social latino‑americana. Para ele o ser humano constitui‑se em um produto
(1989), a construção teórica em psicologia histórico‑social, de que indivíduo e socieda-
social deve emergir dos problemas e confli- de implicam‑se mutuamente (Jacques et al.,
tos vivenciados pelo povo latino‑americano, 1998).
de forma contextualizada com sua história. No que tange à breve história da psi-
No Brasil, as primeiras publicações cologia social brasileira, cabe registrar, por
com foco na análise de questões psicosso- fim, o desenvolvimento dos cursos de pós
ciais começaram a surgir na década de 1930 ‑graduação stricto‑sensu no país a partir da
(Bomfim, 2003). Contudo, a instituciona- década de 1980. Esses cursos exerceram im-
lização da psicologia social ocorre apenas portante papel na estruturação de diferen-
em 1962, quando o Conselho Federal de tes linhas de pesquisa na área de psicologia
Psicologia, por meio do Parecer no 403/62, social, orientadas por paradigmas e tendên-
criou o currículo mínimo para os cursos de cias diversificadas, bem como no incremen-
psicologia, estabelecendo, assim, a obriga- to da produção científica brasileira em psi-
toriedade do ensino da psicologia social. cologia social.
A partir de então, e até os anos de
1970, a psicologia social psicológica norte
‑americana foi a dominante, tal como ocor- Considerações finais
reu no restante da América Latina. Uma
das obras adotadas nos cursos de psicologia A revisão dos eventos que marcaram a his-
social durante esse período, que expressa tória da psicologia social contemporânea re-
tal tendência, é o livro Psicologia social, de vela que, no século XIX, as reflexões sobre
Aroldo Rodrigues, publicado pela primeira o indivíduo e a sociedade desenvolveram‑se
vez em 1972. Seu autor também foi o res- no contexto da psicologia e da sociologia,
ponsável pelo desenvolvimento de uma pro- sem que houvesse a preocupação com o
fícua linha de pesquisa em psicologia social estabelecimento de limites sobre a nature-
psicológica no país, a qual foi divulgada em za do conhecimento psicossocial. No início
uma série de artigos publicados em perió- do século XX, ocorre uma nítida separação
dicos nacionais e estrangeiros ao longo dos entre esses dois campos do conhecimento,
anos de 1970 e 1980. com a subdivisão da psicologia social, que
A partir do final da década de 1970, os se situava na interface dos dois, em psico-
psicólogos sociais brasileiros também parti- logia social psicológica e psicologia social
cipam ativamente do movimento de ruptura sociológica, que passam a ter suas próprias
com a psicologia social tradicional ocorrido questões centrais, suas teorias e seus méto-
na América Latina. Assim, a partir da publica- dos (House, 1977).
ção, em 1984, do livro organizado por Silvia No contexto da psicologia social psico-
Lane e Vanderley Codo, intitulado Psicologia lógica que se desenvolveu a partir de então,
social: o homem em movimento, sucederam o indivíduo sempre esteve no centro das
‑se vários outros manuais brasileiros de psi- principais perspectivas teóricas e dos temas
cologia social (Campos e Guareschi, 2000; de pesquisa. Desse modo, as teorias e os
Jacques et al., 1998; Lane e Sawaia, 1994; programas de pesquisa que lidavam com os
Mancebo e Jacó‑Vilela, 2004) na perspecti- fenômenos grupais ou coletivos, trabalhan-
va da psicologia crítica. do com conceitos relacionais, acabaram por
Outra importante contribuição a tal sofrer uma solução de descontinuidade e ti-
movimento foi a fundação, em 1980, da veram pouco impacto na área. Tal tendência
Associação Brasileira de Psicologia Social individuocêntrica amparou‑se na concepção
(ABRAPSO), estabelecida com o propósito da psicologia como uma ciência natural em-
de redefinir o campo da psicologia social e pírica e, com o passar do tempo, revelou
contribuir para a construção de um referen- ‑se incapaz por si só de explicar o compor-
tamento social em todas as suas nuances Nesse sentido, DeLamater (2003) enfatiza
(Pepitone, 1981). que a psicologia social consiste hoje em um
Ainda assim, durante muito tempo, os campo que se situa na interface da psicolo-
livros de psicologia social adotados nos cur- gia e da sociologia, buscando compreender
sos de psicologia abordavam, em sua maio- a natureza e as causas do comportamento
ria, apenas a psicologia social psicológica, o social humano, partindo do pressuposto de
que fez com que a psicologia social socioló- que o contexto intraindividual e o social in-
gica tenha permanecido, ao longo de várias teragem mutuamente, influenciando e sendo
décadas, com menos peso do que a psicolo- influenciado pelo comportamento individu-
gia social psicológica no âmbito da psicolo- al. Orientados por tal perspectiva, os manu-
gia (Jackson, 1988). Entretanto, a crise por ais de psicologia social mais recentes têm
que passou a psicologia social psicológica procurado contemplar as várias vertentes
nos anos de 1970 contribuiu para modificar nas quais a disciplina atualmente se desdo-
substancialmente esse quadro. bra, na tentativa de contribuir para a cons-
Devido a isso, a psicologia social psico- trução de um conhecimento psicossocial de
lógica, sem abandonar os temas tradicional- natureza científica e capaz de ser aplicado à
mente estudados, passou por uma correção realidade social dos novos tempos.
de rumos e prosseguiu na expansão de seu
corpo de conhecimentos. Paralelamente, fo-
ram surgindo novos olhares sobre antigos
tópicos (como, por exemplo, no caso do Referências
estudo da identidade e das relações inter-
grupais), novos tópicos de estudo (como, ADORNO, T.W.; FRENKEL-BRUNSWIK, E.; LE-
por exemplo, a análise das influências da VINSON, D.J.; SANFORD, R.N. The autoritarin
cultura sobre o comportamento social, pela personality. New York: Harper, 1950.
psicologia transcultural) e um maior esforço AGUILAR, M.A.; REID, A. (orgs.). Tratado de psico‑
de aplicação dos conhecimentos sociopsico- logia social: perspectivas socioculturales. Barcelona:
lógicos na resolução dos problemas sociais Anthropos, 2007.
(Jackson, 1988). ÁLVARO, J.L.; GARRIDO, A. Psicologia social:
Acrescente‑se a isso o fato de que a perspectivas psicológicas e sociológicas. São Paulo:
McGraw-Hill, 2007.
psicologia social sociológica ressurgiu com
nova força, levando um número cada vez ALLPORT, G.W. The historical background of mo-
dern social psychology. In: LINDZEY, G. (org.).
maior de psicólogos sociais a recorrer ao in-
Handbook of social psychology. Reading, M.A.:
teracionismo simbólico e a outros modelos Addison-Wesley, 1954.
psicossociológicos como estrutura de refe-
ALLPORT, G.W. The historical background of social
rência teórica de suas pesquisas. Além disso, psychology. In: LINDZEY, G.; ARONSON, E. (orgs.).
novos e diversificados paradigmas teóricos e Handbook of social psychology. 2.ed. Reading, M.A.:
metodológicos, que têm como traço em co- Addison-Wesley, 1968.
mum a crítica aos pressupostos da psicologia ALLPORT, G.W. The historical background of social
social tradicional, desenvolveram‑se e vêm psychology. In: LINDZEY, G.; ARONSON, E. (orgs.).
sendo designados de psicologia social crítica Handbook of social psychology. 3.ed. New York:
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Por fim, as últimas décadas assistiram à in- APFELBAUM, E. Some teachings from the history
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consequente produção de um conhecimen- p. 529-539, 1992.
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2
Psicologia social no Brasil: uma introdução
Elaine Rabelo Neiva
Cláudio Vaz Torres
O objetivo deste livro é apresentar a diver- sociais acerca da validade dos métodos uti-
sidade de estudos e abordagens que carac- lizados em suas pesquisas, preponderante-
terizam a psicologia social brasileira, mos- mente experimentais, da relevância social
trando seus enfoques divergentes, algumas de seus resultados, além da ética envolvi-
vezes complementares, que foram construí da em alguns de seus experimentos. Essas
dos a partir de posições teóricas e políticas críticas permanecem até hoje, envolvendo,
que procuram gerar conhecimentos bastante inclusive, movimentos dissidentes no Brasil,
aplicáveis à realidade nacional, sem descon- como a psicologia social crítica. Este livro
siderar os temas clássicos da psicologia so- tem por objetivo, além de apresentar os te-
cial e possibilidades de estudos ainda pouco mas da psicologia social clássicos, abordar
explorados no Brasil. outras vertentes de estudo que envolvem os
A psicologia social se beneficia de fenômenos grupal e cultural e, dessa forma,
teorizações oriundas dos grandes sistemas mostrar como a psicologia social tem con-
psicológicos (behaviorismo, gestalt, psica- tribuído para a compreensão do homem no
nálise, etc.), mas também apresenta teori- contexto social.
zações próprias, desenvolvidas a partir das Como forma de realizar tal empreendi
pesquisas realizadas nos últimos 60 anos. mento, este capítulo foi construído para
O campo ainda apresenta microteorias, não apresentar a psicologia social no Brasil, rea
desenvolvendo algo mais global e pretensio- lizando uma retrospectiva histórica e apre-
so na explicação do comportamento huma- sentando dados sobre a situação atual dessa
no no contexto social. Contudo, vários fe- área no Brasil. Ao final do capítulo, há uma
nômenos psicossociais foram identificados e discussão mais acurada sobre os objetos da
analisados, enfatizando‑se os fatores que os psicologia social, bem como dos objetivos
influenciam. Nas últimas quatro décadas, a do livro, ressaltando a diversidade de obje
psicologia social tem sido totalmente domi- tos que são motivadores de pesquisa e as
nada pela psicologia social‑cognitiva, com teorizações que fundamentam as pesquisas
preponderância de estudos que avaliem os realizadas.
fenômenos sociais sob a perspectiva indivi-
dual. Em uma das chamadas “crises da psi-
cologia social”, nos anos de 1960 e 1970, A psicologia social no Brasil:
os estudos se envolveram mais com fenô- um pouco de história
menos que abarcassem a interação e a rela-
ção entre os indivíduos. Essa crise consistiu Segundo Bomfim (2004), o curso pioneiro
em uma crítica e autocrítica dos psicólogos em psicologia social no Brasil foi ministrado
por Raul Briquet (1935), seguido pelo tra- 2. crença sobre o grau de controle do am-
balho de Arthur Ramos. Na década de 1930, biente sobre o comportamento humano;
surgiram os primeiros cursos superiores em 3. visão excludente versus visão includente
psicologia social, cabendo a Raul Carlos do self.
Briquet o pioneirismo docente. Médico, nas-
cido em São Paulo em 1887, foi responsável Talvez pelas influências da impreci-
pela cadeira de psicologia social na Escola são do objeto sofrida em outros países, à
Livre de Sociologia e Política de São Paulo. psicologia social caberia o estudo das bases
Desse curso, resultou uma publicação do psicológicas do comportamento social, das
primeiro livro acadêmico em psicologia so- inter‑relações psicológicas dos indivíduos
cial, editado em 1935. O livro foi estrutura- na vida social e da influência dos grupos
do em duas partes: a primeira versa sobre sobre o indivíduo. Para Ramos, a psicologia
as contribuições da sociologia, da biologia social, uma disciplina entre a psicologia e a
e da psicologia; a segunda, denominada de sociologia, estava em crescente importân-
especial, traz temáticas específicas acerca cia, embora não tivesse seus métodos e ob-
da psicologia social, tendo o autor realizado jetivos ainda claros. A imprecisão no objeto
uma análise dos fatores psíquicos que moti- refletia, e era reflexo, da imprecisão em sua
vam o comportamento social, o instinto, o própria nomeação, sendo denominada como
hábito, as três formas de identidade social interpsicologia, psicologia social, psicologia
(sugestão, imitação e simpatia), a inteligên- coletiva, psicologia das raças, psicologia dos
cia e a vida social. povos, psicologia das massas ou psicologia
O segundo curso de psicologia social das seitas. O próprio Ramos nomeava o pro-
foi ministrado em 1935, por Arthur Ramos fissional da área ora como psicossociólogo,
– médico, nascido em Alagoas em 1903 –, ora como sociopsicólogo.
e resultou na edição do livro Introdução à A articulação entre a psicologia social e
Psychologia Social, publicado em 1936, na antropologia social configurou‑se como uma
Escola de Economia e Direito da extinta contribuição do curso de Ramos, fundamen-
Universidade do Distrito Federal. Para ele, tada nos escritos de Malinowski (1917),
a psicologia social era uma disciplina entre Franz Boas (1932) e Lévy‑Bruhl (1922). Sua
a psicologia e a sociologia que necessitava visão se pautava na ideia de psicologia so-
de maiores delimitações de seu campo, com cial comparada, com uma perspectiva cultu-
crescente importância, embora seus métodos ralista, originária da antropologia cultural,
e objetivos ainda não estivessem claros. Na e em função de seu ponto de vista cultural,
sua visão, caberia à psicologia social estudar complementaria e questionaria o critério
as bases psicológicas do comportamento so- evolucionista linear, explicando a evolução
cial, as inter‑relações psicológicas dos indi- psicológica dentro de suas culturas.
víduos na vida social e a influência total do Segundo Bomfim (2004), Briquet e
grupo sobre a personalidade. Vale notar que Ramos forneceram um panorama geral da
tal diferenciação ainda é discutida por auto- psicologia, acentuando as contribuições do
res mais atuais, como Sampson (1985), que behaviorismo, da psicanálise e do gestaltis-
defende a psicologia social como área que se mo, tratando de forma semelhante temas
localiza entre um contínuo bipolar de para- como a sugestão, a imitação, a simpatia, a
digmas do conhecimento, cujos polos foram opinião pública, a censura e a propaganda,
por ele denominados como Individualismo os dois últimos pontos claramente influen-
Autocontido e Individualismo Abrangente. ciados pelo zeitgeist da época. A fundamen-
A diferenciação entre eles é feita com base tação de Ramos para a psicologia social se
nos critérios de: pautava na motivação biológica, no hábi-
to, na aprendizagem social, nas estruturas
1. compreensão do limite entre o self e o instintivo‑afetivas, nas reações da persona-
“outro”; lidade, na interação mental, na interferên-
cia, no conflito e nos desajustamentos psi- foram criados órgãos como o “Conselho
cossociais, sem relegar temas como a vida Nacional de Pesquisas” (CNPq), em 1951, a
dos grupos, a relação entre o individual e o “Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão
social, a psicologia da cultura, a estrutura do Ensino Secundário” (CADES), em 1954,
da mentalidade primitiva, a lógica afetiva e o “Serviço de Educação de Adultos”, em
e sua relação com o pensamento mágico 1957. Segundo Bomfim (2004), esse mo-
‑simbólico, as esferas primitivas da realidade mento foi importante para a psicologia
e a sobrevivência das estruturas primitivas. social, pois possibilitou as primeiras teses
Metodologicamente, Ramos também de doutorado com temáticas comprometi-
propunha a utilização de várias formas de das com essa perspectiva, como a tese de
coleta de dados, tais como medidas fisioló- Carolina Bori, que versava sobre a Análise
gicas e morfológicas, os métodos biográfi- dos Experimentos de Interrupção de Tarefas
cos, os métodos de autorrelato e impressão e da Teoria da Motivação na obra de Kurt
pessoal, os questionários e entrevistas e os Lewin (1943), e a tese de Dante Moreira
testes. Entre os vários pontos de congruên- Leite, sob o título de Caráter Nacional do
cia dos dois cursos, ressalta‑se a visão pa- Brasileiro (1954), que analisou a visão do
norâmica da psicologia social presente tanto que seja o “brasileiro” em diferentes obras
no curso de Ramos como no de Briquet. representativas do chamado “pensamento
Essa abordagem abrangente seria con- social brasileiro”, apontando, nelas, caracte-
trastada, na década de 1940, em um tercei- rísticas conservadoras ou progressistas.
ro curso, ministrado por Donald Pierson, A psicologia social, no início dos anos
na Escola Livre de Sociologia e Política da de 1960, foi atravessada por uma crise que
Universidade de São Paulo. O referido cur- questionava seu caráter teórico e ideológi-
so foi registrado no livro Teoria e Pesquisa co, colocando em cheque tanto sua meto-
em Sociologia (1945), uma coletânea de dologia como as teorizações utilizadas, pois
artigos sobre sociologia e ecologia humana muitos consideravam que a psicologia não
(Bomfim, 2004). havia desenvolvido uma base sólida de co-
Segundo Bomfim (2003a), três fatores nhecimentos estruturada na realidade social
fazem parte do contexto de evolução da psi- e nas vivências cotidianas. Sua teorização
cologia social no Brasil: os relacionados com era centrada, segundo Krüger (1986), no
os avanços de áreas afins, como a sociologia, cognitivismo (relevo aos fatores cognitivos
a antropologia, a educação, a história social e do indivíduo), no experimentalismo como
a própria psicologia; o progresso da psicolo- método de pesquisa, no individualismo (ou
gia social em países da Europa, nos Estados seja, na análise dos fenômenos sociais a par-
Unidos e na América Latina, e, ainda, as con- tir da perspectiva do indivíduo), no etnocen-
dições históricas e econômicas mundiais, es- trismo (já que este modelo de indivíduo era
pecialmente, as condições nacionais, que se o estabelecido na cultura norte‑americana),
caracterizavam por demandas sociais de co- no uso de microteorias (ou seja, na inves-
munidades, grupos e movimentos sociais, ofe- tigação de microespaços do social) e, final-
receram rumos para a teorização e as pesqui- mente, na perspectiva a‑histórica, já que o
sas no campo do conhecimento psicossocial. “homem” considerado nesses estudos seria
Na década de 1950, as demandas de- um ser humano presente em todos os tem-
senvolvimentistas tornam‑se mais premen- pos e espaços. Essa crise teórica, de caráter
tes no país, sustentadas por crenças de que internacional, residiu principalmente nas
um parque industrial forte proporcionaria a dúvidas sobre o método experimental e so-
qualidade de vida do Brasil, de que a indus- bre sua adequação à complexidade e às exi-
trialização e a urbanização levariam à qua- gências do objeto de estudo, pois as regras
lificação dos recursos humanos, construin- do comportamento humano, contrariamen-
do um país moderno e desenvolvido, com te às das ciências naturais, não podem ser
maior ênfase no setor educacional. Assim, estabelecidas definitivamente, uma vez que
elas se alteram em função das circunstân- Rodrigues, publicado pela primeira vez em
cias culturais e históricas. 1972. Aroldo Rodrigues foi o responsável
Ao final da década de 1970, esse mo- pelo desenvolvimento de inúmeras pesqui-
vimento se intensifica na América Latina, sas, publicadas em periódicos nacionais e
em oposição à psicologia social psicológica estrangeiros entre 1970 e 1980, em psico-
norte‑americana, marcada pelo experimen- logia social psicológica no país. No restante
talismo e pela perspectiva individual, em da América Latina, contudo, surge a obra
busca de uma psicologia social mais voltada Psicología Social de las Américas (Kimble,
para os problemas políticos e sociais que a Hirt, Díaz‑Loving, Hosch, Lucker e Zárate,
região vinha enfrentando. Estimulados pela 2002), que faz uma união entre a psicolo-
arbitrariedade dos regimes militares e pela gia social psicológica e a psicologia social
grande desigualdade social do continente, crítica ou histórico‑crítica, sob um diferente
esses psicólogos sociais iriam defender uma enfoque.
ruptura radical com a psicologia social tra- A partir da década de 1970, o campo
dicional (Spink e Spink, 2005). da psicologia continuava crescendo, com a
Um autor considerado representante implantação dos primeiros cursos de mes-
dessa nova perspectiva na psicologia so- trado específicos em psicologia social na
cial latino‑americana é Martin‑Baró (1942 Pontifícia Universidade Católica de São
‑1989), psicólogo e padre jesuíta espanhol, Paulo, os quais geraram dissertações com
radicado em El Salvador, que defende em temáticas voltadas à realidade brasileira. A
suas obras o desenvolvimento de uma psico- produção literária também aumentava, com
logia social comprometida com a realidade uma grande ênfase nas traduções dos livros
social latino‑americana. Para Martin‑Baró estrangeiros.
(1989), a teorização em psicologia social No Brasil, outros psicólogos aderiram
deveria ser contextualizada na história da ao movimento da psicologia social crítica,
região, marcada por problemas e conflitos segundo Bonfim (2003a), discutindo e ana-
vivenciados pelo povo latino‑americano. lisando as diferenças individuais, grupais e
Assim, nasce uma tendência designada das comunidades e questionando seu papel
como uma psicologia social crítica (Álvaro e político. Os argumentos principais afirma-
Garrido, 2007) ou psicologia social histórico vam que as investigações deveriam se esten-
‑crítica (Mancebo e Jacó‑Vilela, 2004), que der do individual para o social e levar em
aglutina diferentes posturas teóricas, como conta o político e o econômico, no sentido
o socioconstrucionismo (Gergen, 1997), de se obter uma compreensão apropriada da
a análise do discurso (Potter e Wetherell, evolução da psicologia contemporânea e da
1987) e a psicologia marxista, entre outras. vida social.
Na esteira desse movimento, surgem, na Segundo Bomfim (2003b), pelo fato
América Latina, diversos manuais de psico- de a psicologia social no Brasil crescer em
logia social organizados segundo a perspec- meio às conturbações políticas e sociais in-
tiva crítica (como, por exemplo, Aguilar e ternas, houve também uma preocupação
Reid, 2007; Cordero, Dobles e Pérez, 1996; com o caráter aplicado da psicologia so-
Montero, 1991), bem como algumas asso- cial com ações pautadas em intervenções
ciações de psicologia social. em comunidades e em organizações com
No Brasil, até os anos de 1970, a psi- e sem fins lucrativos. Cresceram, também,
cologia social psicológica norte‑americana nas empresas e nas instituições brasileiras,
também esteve dominante, de modo seme- as práticas de dinâmica de grupo e de inter-
lhante ao que ocorreu no resto da América venção psicossociológica, que privilegiavam
Latina. Uma das obras bastante adotada as relações interpessoais, empresariais e/ou
nos cursos de psicologia social durante esse terapêuticas. Houve, ainda, um crescente
período, e que expressa tal tendência, é o aumento no número de cursos de psicologia
livro Psicologia social, de autoria de Aroldo criados no país. Nesses cursos, as produções
como Relações Humanas: psicologia das re‑ que se ocupa, em especial, da vinculação
lações interpessoais (1978), de Agostinho científica de pesquisas desenvolvidas com
Minicucci, e Psicosociologia das Relações base na perspectiva da psicologia social
Públicas (1975), de Cândido de Andrade, crítica. A ABRAPSO foi estabelecida em ju-
podem ser citados como outras obras nacio- lho de 1980 com o propósito de redefinir o
nais da área. campo da psicologia social e de contribuir
O movimento de ruptura com a Psi para a construção de um referencial teórico
cologia Social tradicional se tornou forte orientado pela concepção de que o ser hu-
no Brasil a partir do final da década de mano se constitui em um produto histórico
1970, com a publicação, em 1984, do livro ‑social, de que indivíduo e sociedade se im-
organizado por Silvia Lane e Wanderley plicam mutuamente (Jacques et al., 1998),
Codo intitulado Psicologia Social: o homem o que contribuiu para a consolidação do mo-
em movimento. A partir dele, outros manu- vimento.
ais brasileiros de psicologia social tiveram Além do aumento da produção de ar-
o mesmo enfoque (Campos e Guareschi, tigos e de dissertações de mestrado, foram
2000; Jacques, Strey, Bernardes, Guareschi, criados os primeiros cursos de doutorado
Carlos e Fonseca, 1998; Lane e Sawaia, específicos nessa área e defendidas as pri-
1994; Mancebo e Jacó‑Vilela, 2004, entre meiras teses nos cursos instituídos, e a cria-
outros). De acordo com Bomfim (2003), ção das associações científicas promoveu o
Lane fez seguidores e iniciou teorizações debate científico de modo sistemático, por
características de psicólogos sociais sócio meio de encontros com a categoria em dife-
‑históricos, que produzem artigos criticando rentes eventos científicos.
o Estado e o modo neo‑liberal de produção Nesse período, a psicologia social no
que tem um forte impacto na construção Brasil, de acordo com Bomfim (2003b),
de subjetividades. Segundo Lane e Codo buscou autonomia científica, por meio de
(1984), a psicologia deve assumir um ca- um conjunto de atividades: crescimento
ráter de compromisso com a criação da expressivo da produção publicada, detalha-
consciência entre os atores sociais, consi- mento das temáticas como educação, saúde,
derando principalmente o contexto da luta comunidade, trabalho, etc., inclusão de ou-
de classes. tras perspectivas teóricas e de objeto como
Silvia Tatiana Maurer Lane e Aniela (representações sociais, relações de gêne-
Ginsberg foram professoras fundadoras do ro, movimentos sociais, etc.) inseridos em
Programa de Estudos Pós‑Graduados em estudos contextualizados em comunidades
psicologia social da PUC‑SP, o primeiro cur- carentes, além de publicação de estudos e
so de mestrado e doutorado da área a fun- de ampliação da divulgação de aplicações
cionar no Brasil, entre 1972 e 1983, em que da psicologia social.
a psicologia social tornou‑se uma disciplina Segundo Bomfim (2004), Pinel (2005),
(teórica/prática) referendada em pesquisas Camino (2006) e Lima (2009), a psicolo-
empíricas sobre os problemas sociais brasi- gia social brasileira foi marcada por duas
leiros. Segundo Bomfim (2003), os textos tendências em oposição, representadas
desenvolvidos por professores e autores es- por Aroldo Rodrigues e José Augusto Dela
colhidos são adotados como bibliografia bá- Coleta (empirista, adotando uma aborda-
sica em muitos cursos de psicologia do Brasil gem mais de experimental‑cognitiva, pre-
e, também, em concursos públicos na área ocupada com processos individuais que se
da saúde e educação. Receberam o prêmio relacionam com o contexto social) e Silvia
outorgado pela Sociedade Interamericana Lane (marxista e sócio‑histórica). As discor-
de Psicologia (SIP), em julho de 2001. dâncias teóricas e metodológicas presentes
Outro evento importante para a psi- neste campo evidenciaram não apenas posi-
cologia social foi a fundação da Associação ções antagônicas em relação a temas impor-
Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), tantes no campo da psicologia social, mas
contatos intermediários para se relacionar Neiva e Corradi, 2008). Existiram redes com
com qualquer ator da rede social. O diâme- distância geodésica em torno de 3 atores e
tro (maior distância entre atores) da rede de diâmetro em torno de 9 atores, com número
psicologia social é de 9 atores. Mais da me- de atores ligeiramente inferior ao da rede
tade da rede apresenta uma distância entre de psicologia social (em torno de 220 e 280
2 e 5 atores, conforme mostra a Tabela 2.1. atores).
A densidade diz respeito à proporção entre Não se trata de uma rede social com
os vínculos possíveis e os vínculos existen- subgrupos dispersos, voltados para redes
tes na rede social. A coesão aborda o grau sociais com pesquisadores estrangeiros (net
de fragmentação da rede que permite des- working internacional) e pouca imersão na
conexões ou quebras entre relacionamentos rede nacional. Na rede de psicologia social,
possíveis. A distância geodésica aborda as há uma distribuição de pesquisadores es-
distâncias entre os atores que podem exigir trangeiros (76 estrangeiros para 307 atores
intermediários para que as conexões entre nacionais, o que caracteriza 19% dos 403
as pessoas ocorram, ou seja, a distância geo- pesquisadores da rede social). Os conteúdos
désica aborda quantas pessoas são necessá- mais trocados pelos atores seguem a ten-
rias para que um ator acesse outros atores. dência predominante em todas as subáreas
O diâmetro é formado pela maior distância da psicologia, pois os conteúdos trocados
geodésica da rede social. pelos autores, em sua maioria, são partici-
De maneira geral, pode‑se avaliar pação em bancas de dissertações e teses e
que é uma rede satisfatoriamente conecta- participação em simpósios e mesas redondas
da, considerando‑se seu tamanho, com um em congressos. Há uma tendência pequena
conjunto de relações consideráveis, não se para realização de pesquisas conjuntas e pu-
tratando das redes com maiores índices de blicações em coautoria.
fragmentação, ou menores índices de coe- Verificou‑se a presença de 35 cliques.
são e densidade. Há uma distância média Os cliques constituem subgrupos na rede
entre atores relativamente baixa para o ta- que se caracterizam por relações recíprocas
manho da rede, e o diâmetro também não entre os pesquisadores. Trata‑se de uma rede
é alto, para uma rede com tais proporções, com um conjunto relativamente inferior de
principalmente se levarmos em conside- subgrupos ou panelinhas, o que abre espaço
ração os resultados das outras redes (ver para uma endogenia menor dos subgrupos
quando consideradas as demais redes das
subáreas da psicologia (existem redes com
38 ou 37 cliques e 220 a 300 atores).
Tabela 2.1 A Figura 2.1 apresenta uma ilustração
Frequências da distância geodésica das relações entre os pesquisadores classifi-
cados como psicólogos sociais, além de es-
Frequência Proporção
pecificar os tipos de papéis apresentados pe-
1 402.000 0,182 los pesquisadores e o formato geral da rede
2 449.000 0,203 social. É uma rede que apresenta quatro
3 465.000 0,211 pesquisadores totalmente desconectados da
4 329.000 0,149 rede social. Alguns atores indicados como
5 245.000 0,111 conectores centrais, estabelecendo elos den-
6 156.000 0,071 tro dos subgrupos (marcados em cinza cla-
7 98.000 0,044 ro), outros atores que desempenham o pa-
8 48.000 0,022 pel de expansores de fronteiras, conectando
9 17.000 0,008 subgrupos diferentes (marcados em branco)
Fonte: UCINET.
e atores que atuam em função dupla (conec-
tores e expansores, simultaneamente, mar-
cados em preto).
559
1336 1349
1516 1060
833 1545
1291
854
766 855
856
1224 1084
1117
906 1172
Figura 2.1
Representação da rede de psicologia social e os papéis de seus atores.
Uma análise preocupante ocorre quan- rede social. Outros três atores (0,74%, mar-
do são consideradas as características da cados em branco) realizam o papel de conec-
rede social de pesquisadores em psicologia tores centrais, que se encarregam de manter
social no que diz respeito aos papéis desem- conectados os membros dos subgrupos da
penhados pelos atores na rede social. rede. O conector central repassa conteúdos
A rede apresentada pela Figura 2.1 ilus- transacionados entre os próprios membros
tra a divisão desses atores no que diz respeito do subgrupo. Alguns atores atuam em ambos
aos papéis que eles representam na rede so- os papéis (conectores e expansores). No caso
cial. Desses 403 atores, apenas 22 (5,46%, da psicologia social, são 11 atores, ou 2, 73%
marcados em preto) atuam como expansores (cinza escuro), do grupo de pesquisadores.
de fronteiras, responsáveis por realizar a co- Considerando‑se os dados apresenta-
nexão entre os subgrupos diferentes das re- dos no parágrafo anterior, a rede de psico-
des sociais. São atores que mostram a possi- logia social possui mais possibilidades de
bilidade de intercâmbio entre os vários atores crescimento do que possibilidades de forta-
que representam tendências diferenciadas na lecimento das relações internas. São muitos
atores (33 ao todo) realizando as atividades 11,17% (45) deles são bolsistas do CNPq,
de conexão entre as partes mais diferen- o que se traduz no menor índice de bolsis-
ciadas da rede, enquanto que um número tas quando comparadas todas as subáreas
bem menor (14 ao todo) realiza as ativida- da psicologia. Outro questionamento bas-
des de repasse de conteúdos, de materiais e tante pertinente a área de psicologia social
de informações entre os membros de seus diz respeito ao menor número de bolsistas
subgrupos. Os conectores centrais são extre- presentes na área. Tendo em vista que os
mamente importantes, porque estão preo bolsistas são escolhidos por critérios de pro-
cupados com a manutenção das conexões dutividade científica, pode existir uma baixa
internas, e não com a expansão delas. Outro produção nas pesquisas em psicologia social
fator mais preocupante diz respeito ao fato no país.
de que a maioria dos conectores centrais A Figura 2.2 ilustra a distribuição dos
realiza duplo papel como expansores e co- psicólogos sociais pelo território nacional.
nectores ao mesmo tempo. De acordo com Neiva e Corradi (2008), um
Considerando‑se também os papéis dos fatores que interferem no aproveitamen-
representados por esses atores, apenas to e na produção da rede está relacionado à
559 1607
1008 537 1117 1172 1364
833 1000 644 637 906
151 1426 1362
957 934 1653 973 766
1115 1291 915
1203 837 1606 799 1367
1901 1053
512 1114 1107
1807 1347 1417 586 1061
1770
1646 1102 963 1735
1764
738 966
1341 974 493 740 504 1775
696 720 971 1500 884 1059
976 548
18991888 1074 526
1728 1476 1839 500
1047 1116
883 1739 1779
985 1030 1665 809
1716 792 465 492 946 951
1265 773 550
1835
1009 958 1169 1602 778
1767 922 511
519 888 1269
1554 813 112 1262 1857
1343 1768 1797 1456
575 1475 1361 560 1836
1596 95 1327 1279 880 1166 1031
697 503 556 464
466 771 882 1713 10061523 757
904 103 1469 1551
938 1230 903 666
1803 902 1037 642 628
996 907 1824 1445
1027 1769 1323 1139 1465 907
905 1238 878 1242 1689
1124 457 551 1040 965 569 896 1287
1018 1867 861 1108 771 1070 1126 1130
909 1667 877 927
1023 1123 978 1069 1106 1057 608
681
925 667 558
1664 782 988 1670 1679 923
1224 729 1029 470 489 1660
854 1583 859
1593
1112 979 1592 793
15911661
781 583
901 1071 647 638 585
856 752 1319 1110 1515
1119 480 475 1787 889 1545 603 518
911 872
1118 678 1765 1805 1141
1084 1014 929 957 840
1608 1531 1233
1624 899 531
855 578 1368 1798 633
952 1702 485 1637
1109 1588 1348
1799 1328 797 1146 843 1134
967 926 1519
1590 1295 1513 1620
507 495 1692
1063 802 1726
1121 918 1804 940 800
1789 1816 707 1336 874 1138
1667 824
1479 1349 1133 1065 750 1665 1855 1719
1902 1614 1516
Legenda:
Pesquisadores estrangeiros Pesquisadores do Nordeste
Pesquisadores de outras áreas do conhecimento Pesquisadores do Rio de Janeiro
Pesquisadores do Sul Pesquisadores de Minas Gerais
Pesquisadores de São Paulo Pesquisadores do Espírito Santo
Pesquisadores do Centro‑ Oeste Pesquisadores do Norte
Figura 2.2
Distribuição dos pesquisadores por Estado/Região.
Quadro 2.1
Relação dos programas de pós‑graduação em psicologia social no Brasil
Programa Universidade
psicologia social foram objeto de uma aná- Para onde olhar quando se quer compreender
lise de conteúdo quanto a seus temas de os mecanismos usados para explicar o com-
pesquisa e uma classificação desses temas, portamento manifesto? A psicologia sempre
realizadas por três pesquisadores. Os temas teve uma relação ambivalente com o social.
encontrados e classificados se encontram na Essa divisão entre psicologia e as outras ci-
Tabela 2.2. ências sociais possui origens remotas e leva-
Os temas mais frequentes, de acor- ram à dessocialização da psicologia social e
do com as classificações dos currículos dos a despsicologização das demais ciências so-
pesquisadores, foram: construção social ciais. Emile Durkeim (2002) afirma que o
da subjetividade; atividade, consciência, fenômeno sociológico não pode ser reduzi-
identidade, afetividade, emoções, lingua- do ao fenômeno psicológico, por outro lado,
gem e pensamento sob a perspectiva sócio Floyd Allport (1920, 1924) definiu a psicolo-
‑histórica; história, representações sociais e gia social como uma ciência dos indivíduos,
cultura e construção da cidadania e inclu- e Gordon Allport (1954), seu irmão, definiu
são social. Dentre os temas mais frequentes, a psicologia social como o estudo de como os
dois dizem respeito a fenômenos no nível pensamentos, os sentimentos e os comporta-
individual sob a perspectiva social, e os dois mentos dos indivíduos são influenciados pela
últimos dizem respeito a fenômenos que presença de outros imaginários ou atuais.
ocorrem mais no nível social. A ideia das causas dos comportamen-
Quando se olha para essa diversidade tos serem originárias nas mentes dos indi-
de temas e para a ambivalência entre temas víduos tornou‑se especialmente prevalente
que ora retratam aspectos individuais, ora depois da revolução cognitiva, e o social
retratam aspectos mais coletivos, retorna‑se passou a ser visto como fonte de informação
à questão sobre qual é o objeto da psicologia (Baerveldt, 2004). Alguns fatores compli-
social. cadores, como cultura e fatores históricos,
Enfim, o que é o social da psicologia foram completamente negligenciados ou
social? A psicologia tenta explicar compor- transformados em processos cognitivos co-
tamento. Comportamento é algo observável. letivos (Gardner, 1985).
Tabela 2.2
Relação de temas indicados pelos pesquisadores da área de psicologia social
Temas Nº de pesquisadores
em como o indivíduo é influenciado por ou- as e de seus ambientes sociais, com ênfase
tros ou por seu meio. Fica clara a preocupa- nas relações entre os eventos e “entre” as
ção dos psicólogos sociais atuais sobre como pessoas e seus ambientes sociais. Em função
o meio (e os outros!) são influenciados pelo desse foco dualístico (pessoas e ambiente
indivíduo. A psicologia social é, de fato, uma social), torna‑se difícil encontrar leis uni-
via de mão‑dupla. versais, pois as disciplinas limítrofes dificil-
De acordo com Markus e Zajonc mente alcançam leis universais. A missão
(1985), no Handbook of Social Psychology, da psicologia social de explicar a influência
o definidor do social é a reciprocidade e a recíproca do psicológico e do contexto social
intersubjetividade, ou seja, o social não é das realidades coloca as leis universais em
somente um fator de certo estímulo, mas é cheque.
alguma coisa que acontece entre pessoas, na
interação. Isso coloca diversos desafios para
a tradição empírica individualista da psico-
logia social, o que coloca questionamentos Em busca de conclusões...
sobre o fato de a psicologia experimental
colocar indivíduos separados em algumas A maioria dos modelos estudados pela psico-
condições experimentais e isso trazer gran- logia social foi desenvolvida principalmente
des explicações sobre o que acontece entre nos Estados Unidos e em países da Europa
as pessoas. Por outro lado, os estudos cor- Ocidental, destacadamente o Reino Unido.
relacionais precisam avançar nas formas de Tais modelos enfocam prioritariamente o
estudo sobre o que as pessoas compartilham indivíduo em diversos contextos, tais como
e quais pessoas compartilham certos arran- organização, escola, família ou convívio so-
jos, convenções e acordos. cial, inserido em um contexto nacional ou
Gold e Douvan (1997) propõem uma cultural, e tentam explicar o comportamento
integração nos estudos da psicologia social, por meio dos valores e das metas individu-
destacando uma integração de teorias e da- ais (Triandis, 1994). Como resultado dessa
dos empíricos e uma integração de objetos. ênfase no indivíduo, boa parte da pesquisa
Não se trata de considerar que a psicologia em psicologia social realizada nas últimas
social tenha um único objeto, mas seus obje- três décadas tem ignorado as diferenças
tos individuais (a introjeção do outro) e so- culturais e nacionais nos valores e crenças
ciais (compartilhamento, o que forma e de- das pessoas, e como essas diferenças afetam
fine o grupal e o coletivo) possuem origem, seu comportamento cotidiano. Contudo, o
natureza e repercussão no indivíduo, embo- rápido desenvolvimento no ambiente or-
ra não se resuma ao psicológico. A integra- ganizacional e a globalização do mercado
ção possui foco na interação entre o social e de trabalho não podem mais ser ignorados
o psicológico. Isso está relacionado às pes- (Earley e Erez, 1997). Tais processos têm
soas e seus ambientes sociais. Esse tipo de um impacto direto na vida de indivíduos co-
psicologia social é vital às ciências sociais, muns, em sua motivação, comportamento,
porque a natureza de ambos, indivíduos e desempenho e demais resultados. Logo, é
ambiente social, depende fortemente desse necessário confrontar as diferenças cultu-
encontro. Segundo Gold e Douvan (1997), rais de necessidades pessoais, normas para
os psicólogos sociais estiveram perdidos, e comportamento e valores, para citar alguns.
a crise continua em função das frequentes O que parece estar faltando é uma literatura
posições antagônicas presentes entre pes- que integre os contextos culturais e nacio-
quisadores. Segundo esses mesmos autores nais nos quais diferentes pessoas vivem com
(1997), a psicologia social não pode aspirar modelos teóricos desenvolvidos em países
à descoberta de leis universais devido à na- muito específicos nos quais a ênfase no in-
tureza dessa ciência. A psicologia social é o divíduo é clara. As pesquisas desenvolvidas
estudo das influências recíprocas das pesso- nesses países – que representam menos de
por Rosenhan (1973), que utilizou, em tuação social através de seu “self público” e
sua pesquisa, oito “pseudopacientes”, então se esforçam para adequá‑lo à situa
que se internavam em instituições para ção. Essas pessoas são excepcionalmente
tratamento mental com a queixa de que boas em determinar quais comportamentos,
estavam ouvindo vozes. Uma vez admi- atitudes, etc. são desejáveis socialmente ou
tidos nos hospitais, os pseudopacientes esperadas em situações diferentes. Elas tam-
paravam imediatamente com os supostos bém são extremamente sensíveis às técnicas
sintomas e agiam normalmente quando de gerenciamento de impressão utilizadas
interagindo como outros pacientes ou com pelos outros e, consequentemente, usam
os empregados do hospital. Embora mais essas mesmas técnicas em seu favor. Por
de um terço dos verdadeiros pacientes outro lado, indivíduos com baixo automo-
afirmavam que os pseudopacientes eram nitoramento tentam alterar a situação para
sãos, todos, com a exceção de apenas um adequá‑la a seu self público. Essas pessoas
dos pseudopacientes, foram diagnostica- são guiadas principalmente por suas pró-
dos com esquizofrenia. Os resultados do prias crenças e valores.
estudo de Rosenham indicaram que os Outro tema bastante pesquisado, mas
comportamentos tendem a ser percebi- com pouca investigação no Brasil, de acordo
dos de forma consistente com o contexto com o levantamento de temas (11 pesqui-
social no qual eles aparecem. sadores se dedicam a investigar o compor-
tamento, o relacionamento e a interação
Já os psicólogos sociais interessados social), se refere à influência social. Tal
em gerenciamento de impressão (ou auto número se mostra ainda mais reduzido se
apresentação) identificaram várias estra- focarmos somente na influência social. Esta
tégias (ou táticas comportamentais) que ocorre quando as atitudes ou comportamen-
são usadas pelas pessoas para criarem uma tos de uma pessoa são o resultado direto ou
imagem ou identidade aceita socialmente. indireto de pressão social. As respostas mais
Um dos métodos mais comuns de gerencia- comuns à pressão social são a conformida-
mento de impressão ficou conhecido como de, a concordância e a obediência. A confor-
engraçamento (Snyder, 1987). Esse método midade, por exemplo, ocorre quando uma
refere‑se a táticas que pessoas com pouco po- pessoa muda suas ações para corresponder
der social usam para aumentar ou melhorar às ações de outras pessoas como resposta à
sua imagem aos olhos de outra pessoa que pressão social indireta real ou imaginada.
tem mais poder social do que elas e, assim, Ela pode envolver a aceitação pública ou
reduzir a diferença de poder entre as duas. privada de comportamentos, de atitudes ou
Engraçamento inclui as técnicas de “melho- de crenças. Em outras palavras, os compor-
ramento” ou “aumento”, tanto de si mesmo tamentos aparentes de uma pessoa podem
como dos outros. Exemplos dessa técnica são refletir ou não suas atitudes e crenças inter-
o elogio e a concordância. Outros métodos nas. A conformidade começou a ser pesqui-
de gerenciamento de impressão são a inti- sada por Sherif (1935), que usou o efeito
midação, a autopromoção, a exemplificação autocinético, ou fenômeno da percepção no
(convencer os outros de que o indivíduo é qual um ponto estacionário de luz parece
uma boa pessoa) e suplicação (convencer os mover‑se em uma sala escura. Sherif pediu
outros de que o indivíduo merece ou tem aos participantes esua pesquisa que dessem
necessidade de algo). estimativas de quanto o ponto de luz tinha
Segundo Snyder (1987), as pessoas se movido. Quando eles faziam estimativas
também se diferenciam em termos de auto‑ sozinhos, encontrou‑se uma grande variân-
monitoramento, ou quanto a sua habilidade cia na posição do ponto de luz. Contudo,
ou necessidade de gerenciar a impressão quando esses participantes eram colocados
que outras pessoas formam delas. Indivíduos em um grupo, observou‑se um “efeito de
com alto automonitoramento analisam a si- convergência”, ou seja, depois de escutar
a estimativa dos outros membros do grupo objetivo da pesquisa de Milgram era saber
(na verdade, assistentes de pesquisa), os se os participantes concordariam em obede-
participantes se conformavam com relação cer à autoridade (o pesquisador), mesmo se
à norma imposta pelo grupo. Asch (1958) essa obediência resultasse em dor a outra
fez uma pesquisa similar, mas substituiu o pessoa.
efeito autocinético por uma tarefa não am- No início dos experimentos, o profes-
bígua. Foi pedido aos participantes de seu sor e o pesquisador estavam juntos em uma
experimento que julgassem qual de um con- sala, enquanto que o aluno era colocado
junto de três linhas tinha o mesmo tamanho em outra sala, da qual não podia ser visto,
de uma quarta. Embora não houvesse uma mas de onde podia ser ouvido. Para avaliar
resposta correta, Asch notou que, quando os o efeito de fatores situacionais, Milgram fez
participantes eram colocados junto com um alterações posteriores nas condições expe-
grupo de confederados, a maioria de suas rimentais. Ele aumentou, por exemplo, a
respostas se conformava com as respostas proximidade entre o aluno e o professor, e
dos assistentes de pesquisa, mesmo quan- observou que, quanto mais próximo o alu-
do essas respostas estava claramente incor no estava do professor, menor a tendência
retas. do professor em obedecer ao pesquisador.
Já a concordância ocorre como uma Contudo, na maioria das condições, os pro-
resposta a um pedido direto de um grupo fessores concordavam em dar choques elé-
ou pessoa em particular. Pesquisas sobre os tricos nos alunos, mesmo quando eles grita-
“profissionais da concordância” mostram vam em desespero. O mais interessante foi
que essas pessoas usam, basicamente, seis que, em resposta a um questionário que foi
estratégias (Cialdini, 1993): reciprocida- mandado meses depois aos participantes,
de, consistência, validação social, amizade, 84% deles disseram que estavam extrema-
autoridade e criação de limites. Segundo mente felizes em terem participado da pes-
Cialdini, alguns estudos mostraram que os quisa.
vendedores tendem a obter mais concordân- Como serão apresentados neste livro,
cia ao enfatizarem as consequências negati- diversos outros temas investigados na psi-
vas de não se comprar o produto. cologia social se tornaram clássicos na área.
Outro tema investigado no campo da Dentre eles, outra tradição de pesquisa des-
influência social diz respeito à obediência. tacada neste capítulo diz respeito ao precon‑
Ela acontece quando uma pessoa se subme- ceito e à discriminação. O tema do preconcei-
te à demanda de uma autoridade. Os expe- to e da discriminação possui uma dedicação
rimentos conduzidos por Milgram (1963) maior dos pesquisadores brasileiros, na
tornaram‑se pesquisas clássicas na área da medida em que 22 pesquisadores indicam
obediência. Embora os estudos de Milgram que estudam gênero, raça e idade, objetos
tenham sido criticados por problemas éti- diretamente relacionados ao preconceito e
cos e metodológicos, eles continuam sendo à discriminação.
vistos como uma demonstração poderosa O preconceito refere‑se a atitudes into-
da influencia social. Neles, os participantes lerantes, injustas ou negativas com relação a
foram informados que seriam os “professo- um indivíduo simplesmente por que esse in-
res”, enquanto que outra pessoa (na verda- divíduo pertence a um grupo, enquanto que
de, um assistente de pesquisa) seria o “alu- a discriminação refere‑se a comportamentos
no”. A tarefa do professor seria a de fazer negativos, injustos ou agressivos com rela-
com que o aluno se lembrasse de uma lista ção a membros de um grupo em particular.
de palavras. Contudo, toda vez que o aluno Vários conceitos se relacionam à explicação
cometesse um erro, o pesquisador ordenava dos preconceitos e da discriminação.
ao professor que desse uma descarga elétri- Dentre esses conceitos, destaca‑se a es‑
ca no aluno, sendo que cada choque subse- tereotipia. Estereótipos são “esquemas” diri
quente tinha uma descarga elétrica maior. O gidos a grupos inteiros e contêm impressões
nem sempre o “senso comum” deve preceder situacionais quando eles estão inferindo a
o “senso de direito”, e que leis que proíbam causa do comportamento de um indivíduo.
a discriminação podem ser eficazes mesmo Por exemplo, um observador tende a atri-
quando não refletem o consenso público. buir o fracasso de um indivíduo na execução
Além do preconceito e da discrimina- de uma tarefa mais como um resultado da
ção, outro tema bastante investigado e que falta de inteligência ou habilidade do indiví-
será bem detalhado no presente livro são os duo do que como um resultado de uma ca-
estudos sobre atribuição de causa. O termo racterística da tarefa em si (isto é, da dificul-
atribuição se refere ao processo de deter- dade). Essa falha na atribuição é conhecida
minar ou inferir a razão pela qual um com- como erro fundamental de atribuição, e tem
portamento ocorre. Uma importante parte sido usada na explicação de vários fenôme-
do trabalho sobre atribuição foi feita por nos, tais como as atribuições defensivas da
Heider (1958), cuja teoria sugere que nós crença em um mundo justo – tendência que
naturalmente desenvolvemos teorias sobre as pessoas têm em considerar a vítima como
as causas do comportamento. A pesquisa a causa de seu próprio infortúnio (Lerner,
desenvolvida por Heider e outros acadê- 1966).
micos mostrou que as atribuições de causa Notem, porém, que as pesquisas na
podem ser descritas em termos de algumas perspectiva da psicologia transcultural so-
dimensões. Essas dimensões formam de fato bre atribuição de causa sugerem que a ten-
uma taxonomia, que pode ser utilizada para dência a superestimar o papel dos fatores
entender ou atribuir causas do comporta- disposicionais é uma característica limitada
mento. Assim, o comportamento pode ser a culturas individualistas (p. ex., países do
atribuído a características disposicionais Norte Europeu, Estados Unidos). Pesquisas
(internas) do indivíduo, assim como o hu- desenvolvidas com culturas mais coletivis-
mor, as habilidades ou o desejo, ou também tas (p. ex., China, Índia) encontraram que
pode ser atribuído a fatores situacionais (ex- os membros dessas culturas tendem a fa-
ternos), tais como características da tarefa, zer atribuições mais situacionais. Segundo
da situação social ou do ambiente físico. As Morris e Peng (1994), essas diferenças se
reações humanas podem ser, ainda, o resul- relacionam às teorias implícitas sobre o
tado de fatores percebidos como estáveis ou comportamento social: enquanto as culturas
constantes, ou de fatores instáveis ou tem- individualistas adotam uma teoria sobre o
porários. Além disso, os indivíduos perce- comportamento social centrada na pessoa,
bem que alguns comportamentos têm efei- as culturas coletivistas tendem a aderir a
tos específicos (que envolvem um número uma teoria centrada na situação.
limitado de eventos, condições ou outros fe- Assim, é importante agora elaborar
nômenos), enquanto que outros têm conse- um pouco mais sobre o conceito de culturas
quências globais (ou seja, afetam uma gran- individualistas e coletivistas, além do papel
de variedade de fenômenos). Finalmente, as da psicologia transcultural na explicação
pessoas entendem que algumas causas do desses termos. A presença de temas como
comportamento estão sob o controle do in- cultura e diversidade (12 pesquisadores) e
divíduo (p. ex., esforço, atenção), enquanto valores humanos e cultura (12 pesquisado-
que outras são incontroláveis (p. ex., apti- res) mostram que os pesquisadores estão
dão, sorte). Esses critérios, segundo Heider, descobrindo essa perspectiva de pesquisa no
são responsáveis por atribuições de culpa Brasil. Tal perspectiva reflete uma tendên-
aos atores do comportamento, ou então à cia internacional de realização de pesquisas
alocação de recompensas aos mesmos. transculturais.
Um achado consistente da pesquisa so- Conforme dito anteriormente, todas (e
bre atribuição de causa é que observadores outras) pesquisas clássicas da psicologia so-
tendem a superestimar o papel dos fatores cial trazem em si uma similaridade: a maio-
disposicionais e ignorar o papel dos fatores ria delas foi originalmente desenvolvida em
Smith, Bond e Kagitçibasi (2006) e Torres pos enfatizam metas pessoais ou grupais.
(2009), dentre outros. Aqui, nós nos limi- Hofstede (1983) observou que membros
taremos a apresentar uma breve descrição de culturas individualistas tendem a se fo-
dessas dimensões, relacionando‑as aos obje- car “em seu próprio trabalho”, enquanto
tivos deste capítulo. que membros de culturas coletivistas dão
A masculinidade é encontrada em so- preferência às metas grupais. Para Singelis,
ciedades que têm uma grande diferenciação Triandis, Bhawuk e Gelfand (1995), o com-
sexual, enquanto a feminilidade é uma ca- portamento social em culturas coletivistas
racterística de culturas em que a diferen- é mais bem predito por normas sociais e
ciação sexual é mínima. Hofstede (1980) obrigações, enquanto que, em culturas indi-
também encontrou que países femininos en- vidualistas, o comportamento social é mais
fatizam mais a qualidade de vida do que o bem predito por atitudes e outros proces-
investimento em uma carreira ou no traba- sos internos. Smith e Schwartz (1997) en-
lho, enquanto que o contrário é verdadeiro contraram evidências empíricas para essa
para culturas masculinas. Já a evitação das afirmação. Alguns autores (p. ex., Triandis,
incertezas, a segunda dimensão, é refletida 1995) propõem que a dimensão cultural
em uma ênfase nos comportamentos rituais, individualismo‑coletivismo é essencial para
nas regras e na estabilidade no emprego. O a análise de uma cultura, e um grande nú-
autor observou altos índices de evitação das mero de pesquisas (p. ex., Egri e Herman,
incertezas em culturas que apresentam altos 2000; Triandis e Gelfand, 1988) demonstra-
níveis de estresse, e que se correlacionam ram a influência dessa dimensão no compor-
negativamente com a necessidade de alcan- tamento de membros de um grupo cultural.
ce de metas. Hofstede observou que países Outro esforço de desempacotamento
com alta evitação das incertezas tendem a da cultura foi realizado por uma série de es-
ser mais ideológicos e menos pragmáticos tudos desenvolvidos por Shalom Schwartz
no que se refere à tomada de decisão do que e colaboradores. Esses estudos (p. ex.,
países com baixa evitação das incertezas. Schwartz, 1994) identificaram 56 valores e
A distância do poder, sua terceira di- construíram um questionário no qual os res-
mensão, se refere à extensão em que mem- pondentes devem indicar o quanto cada um
bros de uma cultura aceitam a desigualda- desses valores age como um princípio guia
de de poder e o quanto eles percebem a de suas vidas. Até esta data, respostas indi-
distância entre aqueles com poder (p. ex., viduais foram obtidas em mais de 80 paí
chefes) e aqueles com pouco poder (p. ex., ses, incluindo todas as regiões do mundo.
subordinados). A distância do poder reflete Quando analisados em termos de culturas
a base sobre a qual o líder tem poder sobre nacionais, os resultados demonstram, com
o subordinado (Smith e Bond, 1999). Em notável consistência, que as relações espa-
culturas com alta distância do poder, as re- ciais das médias dos itens podem ser suma-
gras e as normas sociais são construídas pe- rizadas como pertencentes a 7 domínios ou
los superiores e determinadas pelos líderes. dimensões. Schwartz nomeou essas dimen-
Em culturas com baixa distância do poder, sões como: igualitarismo, conservadorismo,
as regras tendem a ser consensuais, e, logo, hierarquia, domínio, autonomia afetiva e
os subordinados estão mais diretamente en- autonomia intelectual. É importante notar,
volvidos em sua elaboração. É interessan- ainda, que os estudos dessas dimensões de-
te notar que, quanto maior a distância do monstraram que sua estrutura é consistente
poder, maior a conformidade em torno de em diferentes culturas, ou seja, que a mes-
uma norma social (Smith, Dugan, Peterson ma relação estrutural dos valores se repete
e Leung, 1998). nas diferentes culturas pesquisadas.
Finalmente, o individualismo‑coleti Estudos como o de Hofstede e
vismo, a outra dimensão identificada por Schwartz nos dizem que as culturas podem
Hofstede, reflete a extensão na qual os gru- ser entendidas em termos de significados e
que, por isso, é apropriado estudá‑las por Esse tipo de comparação e estudo é
meio da avaliação dos valores de amostras o mote da psicologia transcultural, que,
representativas de membros de cada cultu- conforme citado anteriormente, é uma das
ra. Vale reforçar, porém, que, pelo fato de abordagens da psicologia social que vem
duas nações se diferirem em termos de uma ganhando reconhecimento na comunidade
dada dimensão de valores, não é lógico se acadêmica brasileira. Os psicólogos trans-
inferir que, porque essas duas culturas se culturais, tradicionalmente, trabalham com
diferenciam dessa forma, então quaisquer ferramentas como questionários, escalas e
dois membros dessas culturas também irão entrevista/observação estruturada e têm
se diferenciar da mesma maneira. O nível uma predominância quantitativa em suas
de análise cultural não pode ser perpassa- análises e opções metodológicas, as quais,
do para o nível de análise individual. Além com uma orientação empírica, objetivam a
disso, as pesquisas de Hofstede e Schwartz testagem de diferenças entre amostras de
também demonstraram que há significados nações e/ou grupos étnicos. Assim como
consistentes entre culturas. As polaridades outros representantes da psicologia trans-
que emergiram do estudo de Schwartz (con- cultural no restante do mundo, os pesqui-
servadorismo versus autonomia; domínio e sadores brasileiros (ou seja, Alvaro Tamayo,
hierarquia versus igualitarismo) podem ser Valdiney Gouveia, Maria Cristina Ferreira,
entendidas como fortes reminiscentes das Cláudio Torres, dentre outros) que têm
dimensões de Hofstede de individualismo interesse nessa abordagem da psicologia
‑coletivismo e distância do poder, respecti- social, procuram tipicamente o estabeleci-
vamente. mento da variância explicada por valores
Todavia, talvez um dos pontos mais culturais. Também como seus colegas de
importantes a ser frisado sobre todas essas outros países, esses pesquisadores tendem
dimensões é que elas não são absolutas. Em a publicar em revistas como o Journal of
outras palavras, nenhuma cultura pode ser Cross‑Cultural Psychology da International
classificada simplesmente como individua- Association for Cross‑Cultural Psychology,
lista ou hierárquica. Uma cultura tem alto embora revistas nacionais (p. ex., Brazilian
grau de individualismo ou de hierarquia em Administration Review – ANPAD; Revista
relação a outra cultura. Tais manifestações Psicologia: Organizações e Trabalho, da
culturais são, dessa forma, puramente re- SBPOT) também têm publicado artigos com
lacionais. O Brasil, por exemplo, pode ser essa ênfase. Vale notar que os pesquisadores
considerado como coletivista em relação representantes da psicologia transcultural
aos Estados Unidos, mas, seguramente, é se diferenciam daqueles da psicologia inter-
individualista quando comparado à nossa cultural, uma vez que os representantes do
vizinha Colômbia (Hofstede, 1984). Já na segundo grupo estão mais preocupados com
teoria de Schwartz, quando comparado à a relação interpessoal entre membros de di-
Europa Ocidental, o Brasil tem altos escores ferentes grupos culturais. Já os pesquisado-
em hierarquia e baixos em autonomia in- res voltados para a psicologia cultural têm
telectual. Quando comparado aos Estados uma preocupação maior com os processos
Unidos, o Brasil também apresenta maio- por meio dos quais a cultura é transmitida
res escores em autonomia intelectual, com entre os membros do grupo.
os EUA apresentando maiores escores em Finalmente, vale uma nota de alerta:
autonomia afetiva. A dimensão de domínio conforme destacado, grande parte da psi-
parece ser maior para os EUA, enquanto o cologia social foi originalmente desenvol-
Brasil apresenta maior escore para harmo- vida principalmente nos Estados Unidos e
nia. Todavia, quando comparado a países no Reino Unido. Isso se reflete nos manuais
da Ásia, da África e do Oriente Médio, o de psicologia social utilizados em diversos
Brasil apresenta uma posição praticamente cursos introdutórios em grandes centros
inversa! acadêmicos no mundo. O Manual de Baron
e Byrne (1994), talvez um dos livros‑texto Enfim, o objetivo deste livro é mostrar
mais utilizados nos Estados Unidos, contém as diversas tendências e temas presentes na
por volta de 1.700 citações. Todavia, ape- psicologia social no Brasil, alguns bastante
nas um pouco mais de 100 delas se referem explorados, outros com possibilidades de
a estudos desenvolvidos fora dos Estados exploração ainda não tomadas por psicólo-
Unidos. Já o livro‑texto de Hogg e Vaughan gos da área. Outra vocação do livro está na
(1995), um dos mais conhecidos e utiliza- apresentação das várias formas de estudo
dos na Europa, contém mais de 500 citações da influência recíproca dos indivíduos e dos
de estudos feitos fora dos Estados Unidos, ambientes sociais. Tal estudo muitas vezes
de um total de 2 mil referências utilizadas requer abordagens diferenciadas e respeito
na obra. Contudo, a maioria dessas 500 ao conhecimento produzido pelo outro di-
citações se refere a estudos conduzidos na ferente. Esperamos que os leitores aprovei-
Europa Ocidental, na Austrália e na Nova tem!
Zelândia, ou seja, todos países individua-
listas, pelo menos quando comparados à
América Latina! Esses dados demonstram a Referências
urgente necessidade de que o leitor, ao bus-
car os conhecimentos da psicologia social, ADORNO, T.; FRENKEL-BRUNSWICK, K.; LEVIN-
também exercite a habilidade da tradução. SON, D.; SANDFORD, R. The Authoritarian Perso‑
Mas não a tradução da língua inglesa, que, nality. New York: Harper & Row, 1950.
afinal de contas, pode ser considerada como AGUILAR, M. A.; REID, A. (Org.). Tratado de
a Língua Franca da área, ou o Latim dos psicologia social: Perspectivas socioculturales.
nossos tempos. O que é necessário é uma Barcelona: Anthropos, 2007.
tradução cultural. Nem tudo o que lemos e ALLPORT, F. Social psychology. Psychological Bul‑
estudamos pode ser diretamente aplicado a letin, v. 17, p. 85–94, 1920.
nossa realidade. Nem tudo que é produzido ALLPORT, F. Social psychology. Boston: Houghton
no, aproximadamente, um quinto do mundo Mifflin, 1924.
que é individualista é diretamente aplicável ALLPORT, G. Personality: a psychological interpre-
aos quatro quintos restantes do mundo, que tation. Oxford: Holt, 1937.
é coletivista. ALLPORT, G. W. The Nature of Prejudice. Reading:
Além da perspectiva da psicologia Addison-Wesley, 1954.
transcultural, a perspectiva sociológica e ÁLVARO, J. L.; GARRIDO, A. Psicologia social:
antropológica e dos estudos que se funda- Perspectivas psicológicas e sociológicas. São Paulo:
mentam sobre a teoria das representações McGraw-Hill, 2007.
sociais serão abordados neste livro, pois são ASCH, S. E. Forming impressions of personality.
objeto de atenção de vários pesquisadores Journal of Abnormal and Social Psychology, v. 41,
sociais brasileiros, principalmente com uma p. 258-299, 1946.
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e educacional. Conforme retratado pelo cation and distortion of judgments. In: MACCOBY,
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levantamento de temas, os temas história,
York: Holt, Rinehart & Winston, 1958.
representações sociais e cultura (abordados
por 33 pesquisadores), estudos sobre vio- BALANCIERI, R.; BOVO, A.; KERN, V.; PACHECO,
R.; BARCIA, R. A análise de redes de colaboração
lência (23 pesquisadores), construção social científica sob as novas tecnologias de informação e
da subjetividade (49 pesquisadores) e ativi- comunicação: um estudo na Plataforma Lattes. Ciên‑
dade, consciência, identidade, afetividade, cia da Informação, v. 34, n. 1, 2005. Disponível em:
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3 1
Métodos de pesquisa em psicologia social
Hartmut Günther
A psicologia social estuda a relação recípro- 3. perguntar às pessoas sobre o que fazem,
ca entre o indivíduo e seu meio social: de pensam ou experienciam acerca de algo
um lado, trata do impacto que as pessoas no passado, no presente ou no futuro.
exercem em seus amigos, familiares, colegas
e até em desconhecidos. Por outro, estuda a Cada uma dessas três famílias de téc-
maneira como cada um de nos é influencia- nicas para conduzir estudos empíricos – ob-
do pelos outros no que diz respeito a nossos servação, experimento e levantamento de
sentimentos, experiências e comportamen- dados – apresenta vantagens e desvantagens
tos. Essa relação recíproca entre o indivíduo distintas (Kish, 1987). Tais vantagens estão
e um dado meio social sempre diz respeito ligadas à qualidade e à utilização dos dados
a algum objeto, espaço, ideia, pessoa (a si obtidos e devem ser consideradas pelo pes-
próprio, ao meio social ou a terceiros) so- quisador quando este for escolher o método
bre os quais se tem atitudes, experiências ou mais apropriado para um determinado obje-
disposições comportamentais. Este capítulo tivo de pesquisa. Não obstante as variações
trata de algumas das maneiras de se estudar dentro de cada uma dessas três grandes
esse triângulo e de se chegar a explicações e áreas, podemos afirmar que o ponto forte
compreensões dos fenômenos da interação da observação é o realismo da situação estu-
social. dada; que o experimento possibilita tanto a
Como o conteúdo deste livro sugere, randomização de características das pessoas
a psicologia social estuda um grande nú- estudadas quanto inferências causais; e que
mero de assuntos e envolve um número di- o levantamento de dados, especialmente por
versificado de abordagens metodológicas. amostragem, isto é survey, assegura melhor
Entretanto, podemos afirmar que são três representatividade e permite generalização
os caminhos principais para se estudar e se para uma população além da estudada.
compreender o comportamento humano3 No presente capítulo, apresentamos
no contexto da psicologia social empírica: um tour d’horizon dessas principais manei-
ras de estudar a relação recíproca entre o in-
1. observar o comportamento que ocorre divíduo e o meio social. Como fio condutor,
naturalmente no âmbito da vida real; consideramos uma série de pesquisas sobre
2. criar situações artificiais e registrar o com- um mesmo tema – comportamento pró‑social
portamento diante de tarefas definidas – para demonstrar o uso de diferentes mé-
para estas situações; todos dentro da psicologia social, bem como
seus pontos fortes e fracos. Após delimitar o 2. de fatores circunstanciais: hora, local,
fio condutor, comportamento pró‑social, ini- tempo disponível;
ciamos com observações gerais sobre pesqui- 3. de fatores sociais: a presença de outras
sa social e tecemos algumas considerações pessoas, isto é, alternativas de ajuda;
sobre procedimentos qualitativos e quanti- 4. da avaliação do custo pessoal, por exem-
tativos. A seguir, trataremos de análise de plo, no caso da interferência em uma
conteúdo, de observações, de experimentos briga, qual a chance de ser bem‑sucedido
e de levantamento de dados. Concluímos o ou de apanhar por sua vez, ou, até a ex-
capítulo com algumas considerações sobre a pectativa de retribuição futura?
divulgação dos resultados de pesquisa.
Até este ponto, fizemos uma reflexão
em nível de senso comum a respeito do tópico
em questão. Podemos prosseguir discutindo
O fio condutor: o assunto com amigos ou colegas sem che-
comportamento pró‑social garmos a conclusões que possam nos permi-
enquanto objeto de estudo tir entender, predizer e controlar o compor-
tamento em questão. Para realizar pesquisa
– O que faria se encontrasse um milhão de maneira sistemática na psicologia social,
de dólares? devemos delimitar nosso assunto e chegar
– Procurava encontrar a pessoa que a perguntas mais específicas. O processo de
perdeu o dinheiro e, caso fosse pobre, delimitação implica que escolhemos entre as
devolveria. possíveis razões mencionadas anteriormen-
(Berra, 1998, p. 59) te para realizar uma pesquisa sistemática.
Por exemplo, qual a relação entre gênero
O comportamento pró‑social assume e ajuda, levando em conta o esforço neces-
muitas variantes. Pode ser material ou espi- sário, as circunstâncias e o esforço exigido?
ritual, pode basear‑se em altruísmo, egoís Importante, como primeiro passo, será uma
mo, reciprocidade ou aprendizagem de revisão da literatura sobre o tema.
normas sociais (Aronson, Wilson e Akert, Uma busca realizada em janeiro de
2002). É fácil verificar que as pessoas va- 2008, usando somente a palavra‑chave
riam quanto a sua disposição para ajudar helping behavior, produziu 2.286 referên-
o outro. A variação está no ato em si: pas- cias a artigos em revistas científicas no site
sar o sal na mesa fora do alcance do outro, www.scirus.com; aproximadamente 11 mil
entregar um objeto que caiu despercebido, referências diversas no site Google scholar;
oferecer o assento no ônibus lotado, deixar 934 referências a artigos no PsychInfo da
um pedestre passar, desviar o caminho para American Psychological Association e 16 no
dar carona a alguém, doar sangue, dar con- site www.scielo.org, neste caso, com o ter-
forto ao próximo, interferir em uma briga mo equivalente em Português. Esse exemplo
para proteger aquele que parece ser o mais aponta que o uso do termo‑chave relacio-
fraco, para citar apenas alguns atos de aju- nado ao conceito global de comportamento
da. Mas a variabilidade também está na ra- pró‑social já nos rende muitas indicações.
pidez da resposta, na disposição de ajudar Repetir a busca com outros termos, tais
a “qualquer” pessoa, ou somente determi- como pro‑social behavior ou altruism, deverá
nados indivíduos, na disposição de ajudar resultar em mais referências, além de dupli-
sob “qualquer” circunstância, ou somente catas. Antes e além de delimitar as referên-
em determinadas situações. Além do mais, cias assim obtidas, seja em termos do tipo de
a decisão de ajudar dependerá ajuda, do contexto, das pessoas envolvidas,
entre outros aspectos, é importante escolher
1. de fatores individuais: gênero, idade, os termos‑chave com cuidado: embora, nes-
educação; te exemplo, ajuda, caridade, cortesia, apoio
Quadro 3.1
Opções de pesquisa social
obter êxito em uma pesquisa. Uma revi- dente, desorientação, agressão verbal? No
são de literatura sobre o assunto em ques- caso de adesivos religiosos, que forma de
tão ajuda no início de qualquer pesquisa. cordialidade seria esperada?
Considerando‑se nosso exemplo de com-
portamento pró‑social, uma pergunta ge-
ral poderia ser: quem ajuda quem, como Explicitou‑se a teoria que pode
e sob quais circunstâncias? Para chegar a
perguntas mais específicas, pesquisáveis, é
ser derivada dos dados e utilizada
necessário operacionalizar as quatro partes em outros contextos?
dessa pergunta geral: o quem ajuda pode
se referir a pessoas de determinado gênero, Uma distinção importante entre pesquisa
idade, educação ou nível socioeconômico. de natureza qualitativa e exploratória ver‑
O quem recebe ajuda, idem. O como pode sus pesquisa quantitativa e inferencial é que
variar em termos de prontidão, isto é, aju- um objetivo central da primeira consiste na
dar de maneira espontânea versus solicita- tentativa de se chegar a uma teoria por meio
do, generosa versus de forma avarenta. Já de um processo indutivo. Uma pesquisa de
as circunstâncias podem variar em termos cunho quantitativo e inferencial visa confir-
de ambiente ou do tipo de ajuda necessá- mar uma teoria já existente, representando,
ria. Desta maneira, podemos chegar a per- assim, um processo dedutivo. Seja qual for
guntas do tipo: “Os jovens ajudam mais aos a natureza da pesquisa, é importante espe-
jovens do que aos idosos em situações de cificar qual a teoria que orienta nossa pes-
emergência de rua?”, “Sob quais condições, quisa, no caso de investigação quantitativa.
desconhecidos intervêm em um assalto?”, No caso de pesquisa qualitativa, é mais im-
“Os motoristas com carros com adesivos re- portante, ainda, deixar explícito para o lei-
ligiosos se mostram mais cordiais no trân- tor onde esperamos chegar ao realizar uma
sito?” pesquisa exploratória.
ser considerado altruísta ou ter disposição sentido, precisam satisfazer dois critérios de
para ajudar é inferido a partir de observa- qualidade: fidedignidade e validade, sendo
ções de comportamento diretos – no caso, que o segundo não existe sem o primeiro.
vendo este alguém concretamente ajudando
alguém, ou indiretos – analisando as respos-
tas numa escala de atitudes, por exemplo. Fidedignidade
Assim, a questão que se coloca é: o compor-
tamento observado ou as atitudes expressas Fidedignidade diz respeito à consistência
permitem inferências acerca do altruísmo da medição repetida de um mesmo objeto
ou da disposição de ajudar? sob circunstâncias semelhantes (Vogt, 1993;
Yarenko, Harari, Harrison e Lynn, 1986).
Uma balança poderia ser considerada fide-
Os procedimentos metodológicos digna se, pesando um mesmo objeto várias
são bem documentados? vezes, indicasse o mesmo peso. Medidas
psicológicas, que, por parte do medidor, exi-
Todos os passos de uma pesquisa precisam gem interpretação de eventos, como seria o
ser descritos e explicitados. Quem foram as caso de uma observação, ou que, por parte
pessoas observadas, entrevistadas, partici- da pessoa avaliada, permitem um processo
pantes dos experimentos? Quais foram os de aprendizagem, como seria o caso de um
instrumentos e equipamentos utilizados? teste de conhecimento, correm o risco de ser
Quais foram os procedimentos para a cole- menos fidedignas. Medidas psicológicas cuja
ta de dados? A descrição dos participantes aplicação e interpretação não dependem da
precisa ser suficientemente completa para competência do aplicador e que contêm re-
que se possa saber como foram recrutadas gistros (perguntas, itens, observações) es-
e quais suas características. O detalhamento tandardizados tendem a ser mais fidedignas
dos instrumentos e dos procedimentos deve – veja Pasquali (1999) para maiores deta-
permitir que outros pesquisadores possam lhes, inclusive maneiras de como calcular o
replicar o estudo. Há de se observar, en- índex de fidedignidade que varia entre zero
tretanto, que estudos fora do laboratório e um.
sempre sofrerão do fator “circunstâncias
sócio‑históricas”, razão pela qual não são to-
talmente replicáveis (Gergen, 1973). Ainda Validade
assim, descrever o método usado em uma
pesquisa permite ao leitor avaliar as inter- Mesmo sendo fidedigno, um instrumento
pretações dos dados oferecidas pelo autor e não é, necessariamente, válido. Validade
considerar possíveis explicações alternativas trata da correspondência entre o que um
– veja “A discussão dos resultados” a seguir. instrumento pretende medir e do constru-
to hipotético que está sendo investigado.
Mesmo se o balanço mencionado registre
Os instrumentos de maneira fidedigna o peso em libra, não
são fidedignos e válidos? seria um instrumento válido se o objetivo
fosse verificar o peso em quilogramas. Um
Há várias maneiras de registrar comporta- teste de conhecimento não seria válido
mento: ficha de observação, check‑list, esca- como instrumento para averiguar inteligên-
la de atitudes, testes de competência, para cia – (Campbell e Stanley, 1963). Há de se
mencionar as mais importantes. Esses ins- salientar que, enquanto existem medidas
trumentos têm em comum o objetivo de re- quantitativas e genéricas do grau de fide-
gistrar e, assim, refletir de maneira mais fiel dignidade de um instrumento, a validade de
o comportamento sob investigação. Nesse um instrumento representa um julgamento
Participantes da pesquisa
A discussão dos resultados considera Definida a pergunta da pesquisa e especi-
possíveis alternativas de interpretação? ficadas as características dos participantes,
precisa‑se refletir sobre o acesso à amostra
Foi afirmado anteriormente que, quanto de pessoas. Onde e como serão recrutados?
mais específica a pergunta, quanto mais No caso de observação do comportamento,
detalhada a hipótese sob estudo, mais ex- em que locais serão feitas as observações?
pectativas para uma determinada classe de As pessoas vão saber que estão sendo obser-
resultados. Mesmo assim, é importante não vadas? No caso de um experimento, onde
fechar os olhos para explicações alternati- serão recrutados os participantes? No caso
vas, especialmente quando os resultados de entrevistas, questionários ou aplicação
encontrados não correspondem ao espera- de escalas e testes, onde e como as pessoas
do. Por outro lado, é importante precaver‑se serão abordadas ou recrutadas: na rua, em
contra resultados incongruentes em termos locais como shoppings, escolas, rodoviárias,
das teorias conhecidas. Não vale argumen- em seus locais de trabalho ou em suas ca-
tar que a ciência “tradicional” ou os méto- sas? Caso as características pessoais – como
dos positivistas não conseguem dar conta gênero, idade, educação, natureza do traba-
dos resultados não usuais encontrados. lho – sejam parte da pergunta de pesquisa,
é necessário ter acesso a participantes com
determinadas características.
Os resultados estimulam ações –
básicas e aplicadas – futuras?
Procedimentos, instrumentos
Existe uma longa discussão acadêmica sobre e análise de dados
a importância relativa da pesquisa dita apli-
cada versus a pesquisa básica. Sem querer
Mais do que simplesmente os participantes,
alongar essa temática neste momento, cabe
são os procedimentos e os instrumentos que
citar a observação de Lewin acerca do as-
diferenciam as técnicas de pesquisa que se-
sunto:
rão apresentadas a seguir. Não somente pre-
cisam ser escolhidas em função da pergunta
O maior calcanhar‑de‑aquiles da psico-
específica de uma pesquisa, mas também do
logia aplicada tem sido o fato de que,
que é factível, e do tipo de inferência que
sem ajuda teórica apropriada, ela teve
almejamos. O tipo de análise de dados, por
de seguir o método dispendioso, inefi-
sua vez, é consequência direta da pergunta,
ciente e limitado de ensaio e erro. Muitos
dos participantes e dos procedimentos.
psicólogos que trabalham hoje em dia
em um campo aplicado têm consciência
aguçada de uma cooperação estreita en-
tre a psicologia teórica e a aplicada. Isto Análise dos resultados
pode ser conseguido na psicologia, como
aconteceu na física, se o teórico não trata O escopo deste capítulo não permite abor-
dos problemas aplicados com pretensiosa dar, em qualquer nível de profundidade, a
antipatia ou com medo de problemas análise dos dados coletados durante a pes-
quisa. Cabe fazer, inicialmente, uma distin- perguntas exigem, por sua vez, respostas
ção entre estatística descritiva e inferencial. qualitativas. A variabilidade existe por essa
A estatística descritiva relata a distribuição ou aquela razão. Tem essas ou aquelas im-
dos dados por meio de tabelas e gráficos. plicações. Na tentativa de se partir de uma
Tabelas apresentam frequências e percen- pergunta qualitativa e de se chegar a uma
tagens em termos numéricos, enquanto resposta qualitativa, há dois caminhos, não
gráficos permitem visualizar a distribuição necessária e mutuamente excludentes: o de
dos dados (Nicol e Pexman, 1999, 2003). procedimentos qualitativos e o de procedi-
Entretanto, a distribuição de frequências, as mentos quantitativos.
aparentes diferenças entre grupos ou even-
tuais relações estabelecidas por meio de ta-
belas e gráficos necessitam de uma resposta Procedimentos qualitativos
à seguinte pergunta: aqueles resultados são
sistemáticos ou se chegou a eles por acaso? Procedimentos qualitativos tendem a ser in-
Realizando poucas observações em um úni- dutivos e exploratórios: sem partir de hipó-
co local, dificilmente será possível fazer afir- teses formais e explícitas, tenta‑se construir
mações sobre o comportamento das pessoas um referencial teórico a partir de dados
em geral. O mesmo ocorre se entrevistamos coletados essencialmente por meio de ob-
apenas nossos amigos ou pessoas que estão servações, incluindo, aqui, registros de com-
convenientemente disponíveis. É por meio portamento, tais como documentos, diários,
de estatísticas inferenciais que podemos sa- filmes e gravações que registrem manifes-
ber até que ponto os resultados são sistemá- tações humanas observáveis. Em segundo
ticos ou foram obtidos por acaso (Bisquerra, lugar, a análise desses dados costuma ser
Sarriera e Martínez, 2004; Dancy e Reidy, interpretativa, usando‑se técnicas de análise
2006; Siegel e Castellan, 2006). de discurso e de análise de conteúdo (Bauer
e Gaskell, 2002).
Os pesquisadores que usam métodos
qualitativos recorrem, frequentemente, à
Abordagem quantitativa clássica afirmação de Dilthey (1894) “expli-
versus qualitativa camos a natureza, compreendemos a vida
mental” (Hofstätter, 1957, p. 315). Querem
Noventa por cento do jogo é 50% mental. salientar que visam compreender a vida
(Berra, 1998, p. 69) mental e, portanto, utilizam métodos – qua-
litativos – apropriados para a psicologia. Já
Apontamos acima três caminhos prin- os pesquisadores que usam métodos quan-
cipais para realizar pesquisa no contexto titativos, argumentam que explicar e com-
das ciências sociais: observação, experimen- preender não são processos antagônicos, e
tos e levantamento de dados. Antes de tra- que a vida mental faz parte dos fenômenos
tar cada um deles individualmente, convém naturais.
ressaltar o que eles têm em comum. O que
une os mais diversos métodos e técnicas de
pesquisa incluídos nessas três grandes famí- Procedimentos quantitativos
lias de abordagem é o fato de todos partirem
de perguntas essencialmente qualitativas Para explicar o comportamento humano no
(Günther, 2006). Qualquer pesquisa parte contexto da psicologia social, a abordagem
da constatação de que as pessoas variam, se quantitativa tende a ser dedutiva e confir-
comportam de maneira diferente. Isso traz matória, partindo de uma teoria. Parte de
à tona a pergunta a respeito da razão pela expectativas explícitas ou hipóteses formais
qual existe esta variabilidade. Como lidar para verificar a existência de diferenças ou
com ela? Quais as suas implicações? Estas relações nos fenômenos sociais, para testá
‑las desta maneira. Em segundo lugar, não esse assunto, mesmo antes de efetuar uma
se restringe a métodos observacionais, mas revisão sistemática da literatura especia-
tenta, sempre que possível, realizar a coleta lizada. Recortamos artigos sobre pessoas
de dados, em qualquer dado contexto, de que prestaram ajuda, avisamos a nossos
maneira sistemática, e de tal forma que seja amigos que estávamos interessados no as-
possível recorrer a técnicas da estatística in‑ sunto. Pedimos a eles que, sempre que en-
ferencial para questionar se os dados cole- contrassem algo interessante, recortassem
tados e analisados, bem como os resultados tal notícia. Colecionamos não somente ar-
aos quais se chegou dessa maneira são, de tigos sobre ajuda prestada, mas também
fato, sistemáticos ou se poderiam ter sido sobre ajuda negada. Quando chegamos a
encontrados por acaso. Para chegarmos a um número razoável de artigos, decidimos
conclusões científicas, é desejável, se não começar com a análise do conteúdo desses
necessário, que possamos apontar a contri- artigos. Ressaltamos anteriormente que,
buição dos diferentes antecedentes ao com- quanto maior clareza sobre o que queremos
portamento de nosso interesse e eliminar os saber, mais chance de êxito obteremos em
acontecimentos randômicos e os obtidos por uma pesquisa. Entretanto, em um primeiro
acaso como possíveis explicações. momento de coleta de material documen-
A seguir, apresentam‑se quatro abor- tal, podemos coletar “qualquer” material
dagens de pesquisa, sendo duas de nature- que encontramos, o que nos encaminharia
za mais descritiva – a análise de conteúdo para procedimentos mais qualitativos, ou,
e a observação – e duas de natureza mais pelo menos, sem formular hipóteses especí-
inferencial – experimento e levantamento ficas. Já em um segundo momento, quando
de dados. sabemos de fontes confiáveis para material
documental, é possível formular hipóteses e
buscar trechos de textos, desenhos ou ima-
gens de maneira sistemática.
Análise de conteúdo
analise o material coletado (p. ex., AtlasTI precisando falar com as pessoas sobre seus
ou MAXqda). pensamentos ou intenções. Além do mais,
não sendo um intruso, você não interfere
no comportamento, nem provoca reatância
Vantagens desse método nas pessoas observadas (Webb, Campbell,
Schwartz, Sechrest e Grove, 1981). Em ge-
Observamos anteriormente que, “quanto ral, os estudos de observação não exigem
maior clareza sobre o que queremos saber, muito equipamento, mas sim tempo, já que
mais chance de êxito em uma pesquisa”. pode demorar até que surja o comportamen-
Entretanto, e especialmente no início de um to de interesse. A seguir, comentaremos três
conjunto de pesquisas, existe menos clareza tipos de observação: informal, sistemática e
sobre o que pode ser investigado no decor- participante.
rer do projeto. Assim, nesse momento ini- É por meio de observações informais
cial, uma abordagem mais aberta, especu- que registramos o que acontece em torno de
lativa, pode ser mais útil para se começar a nosso meio social e ambiental. Sem catego-
entender um dado assunto. Cabe aqui uma rias preestabelecidas nem hipóteses formais,
distinção feita por Kidder e Fine (1987) en- esse tipo de observação se aproxima mais
tre a pesquisa qualitativa com a letra Q mai- dos estudos qualitativos. Tais observações
úscula, que envolve observação participante são importantes na fase inicial de qualquer
e pesquisa de campo etnográfica. Pesquisa pesquisa e constituem a base para formular
qualitativa com a letra q minúscula, por ou- perguntas sistemáticas acerca de determina-
tro lado, refere‑se à coleta de dados aberta, do comportamento.
mas que faz parte de uma pesquisa estrutu- Em estudos de observação sistemática,
rada em termos de objetivo e procedimento. utiliza‑se algum esquema de categorias para
Em outras palavras, a vantagem da pesqui- classificar os comportamentos de interesse.
sa inicial, aberta, é a de dar apoio inicial a Os comportamentos podem ser enumerados
ideias para pesquisas subsequentes. em termos de frequência, de intensidade, de
pessoas envolvidas (só, em díade ou grupo),
das características das pessoas, etc. Os re-
gistros podem ser realizados em planilhas,
Desvantagens check‑lists, gravados ou filmados. Havendo
dois observadores, é possível verificar até
Como frisamos anteriormente, ao tentar
que ponto há concordância entre ambos.
chegar a explicações sobre fenômenos so-
Enquanto que em estudos de obser-
ciais, deve‑se atentar à pergunta “mas será
vações informais e sistemáticas as pessoas
que os resultados foram obtidos na base de
observadas podem nem saber que são ob-
eventos não randômicos?” Quanto maior o
jetos de estudo, a observação participante
número de eventos arquivais usados para a
explicita que os sujeitos fazem parte de um
análise de conteúdo, maior será a dificulda-
estudo e que estão sendo observados. O pes-
de de responder a essa pergunta de maneira
quisador torna‑se parte da vida dos obser-
convincente.
vados. Quando tal delineamento é factível,
o estudo se torna mais ético, à medida que
as pessoas do estudo sabem que estão sendo
Observação observadas e por quem estão sendo observa-
das. Entretanto, a presença explícita de um
Você pode observar muito coisa só olhan- observador pode provocar reatância entre
do. (Berra, 1998, p. 95) os sujeitos da pesquisa, ficando a dúvida de
até que ponto as pessoas observadas estão
A vantagem da observação é estar se comportando de maneira autêntica e não
diante do comportamento que interessa, não encenando algum comportamento que acre-
ditam ser o esperado por parte do pesquisa- (sexo, idade aproximada) e seu comporta-
dor. Especialmente no caso de uma observa- mento na situação. Para tanto, uma ficha
ção de duração mais longa, recomenda‑se a de observação que permita anotar os dados
observação participante, já que a presença relevantes de uma maneira que não chame
demorada de um estranho desconhecido atenção será preparada. Preferencialmente,
pode provocar desconfiança e reatância, haverá dois observadores independentes, o
pois os observados tendem a se acostumar que permitirá estabelecer a fidedignidade
com o a presença do pesquisador conhecido das observações pelo estabelecimento do
e o ignorarem mais facilmente. grau de concordância entre as observações
dos dois pesquisadores.
Reatância à situação
Randomizar sujeitos experimental e ética de pesquisa
O controle sobre a distribuição aleatória de Uma diferença importante entre observação
participantes da pesquisa entre as diferentes e levantamento de dados por questionário
condições experimentais é crucial para que ou entrevista é que a observação garante
se possa atribuir a essas eventuais causas o maior validade ecológica do comportamen-
fenômeno sob estudo. Sem essa distribuição to, enquanto entrevistas e questionários
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Parte II
O indivíduo
4
Cognição social
Bartholomeu T. Tróccoli
A questão é simples: o membro da espécie alguém tem feito menos bem por nós (ou
que não colabora com o pacto do altruísmo nossos amigos de alianças cooperativas) do
recíproco tem mais chances de sobreviver que o fazemos por ele, então, na próxima
e reproduzir do que os que são facilmente vez que houver uma solicitação de ajuda,
enganados. Genes que favorecem esse tipo nos sentiremos bem menos inclinados – ou
de comportamento vão ficar cada vez mais mesmo nos recusaremos – a ajudar. Essa
frequentes no pool genético da espécie e, contabilidade social também envolve me-
eventualmente, todos serão egoístas e não canismos mentais complexos, porque exige
altruístas. Como ninguém mais vai ajudar que, de alguma maneira, sejam atribuídos
ninguém, as alianças se desfazem, ficando diferentes valores para diferentes ações.
impossível viver em grupos. Quando uma pessoa doa seu bem para outra
Não surpreende, portanto, que todas que está necessitada, os valores associados
as espécies que vivem em grupos descobri- a essa ação de cooperação e a consequente
ram mecanismos para enfrentar a questão retribuição vão depender de outros fatores
dos membros egoístas e aproveitadores. Ao contextuais. Neste caso, a contabilidade so-
analisar as soluções encontradas por diver- cial levará em conta, por exemplo, a situa
sas espécies, Axelrod propôs, na década de ção econômica de quem fez a doação ou
1980 (p. ex., Axelrod, 1984), a existência empréstimo: a bondade de uma pessoa rica
de três condições, que, quando implemen- é valorizada de uma forma bem diferente da
tadas, neutralizam o problema dos apro- bondade de quem tem muito pouco e faz um
veitadores: (1) organismos encontram os grande sacrifício em favor do outro. O valor
mesmos organismos repetidas vezes; (2) da ação também vai depender do custo para
organismos podem reconhecer aqueles que o doador e do benefício para o receptor da
já encontraram antes, diferenciando‑os dos ação, mas os custos e benefícios de qualquer
que são totalmente estranhos; e (3) orga- ato de bondade não podem ser fixados pre-
nismos possuem memória suficiente para viamente, pois dependem do contexto no
lembrar de como aqueles que já encontra- qual ocorrem2.
ram os trataram nesses encontros prévios. Esse é o ponto principal para a apre-
Por que a existência dessas três condições sentação da cognição social. Nós humanos
elimina o risco do altruísmo não correspon- desenvolvemos sistemas sociais complexos
dido? Porque os aproveitadores podem ser que só podem funcionar – no sentido do
punidos e os cooperadores podem ser re- sucesso reprodutivo e da sobrevivência da
compensados. Quem se recusou a retornar espécie – se alicerçados em sistemas cogni-
os favores pode ser punido com a expulsão tivos igualmente complexos que se manifes-
do grupo ou com a recusa de qualquer ajuda tam em nossa inteligência social.
posterior. Quem cooperou e retribuiu pode
ser recompensado com ajuda contínua na
hora da necessidade.
Crescimento dos grupos
Todas as três condições foram surgindo
em nossos ancestrais hominídeos ao longo humanos e o surgimento
de seu período formativo. A interação contí- da inteligência social
nua entre eles demonstrava que a existência
desses grupos só era possível porque a evo- No período entre 6 milhões a 150 mil anos
lução tinha projetado tanto módulos sofisti- atrás, o tamanho médio dos grupos hominí-
cados de reconhecimento facial quanto uma deos saltou de cerca de 50 para 150 mem-
boa memória para interações sociais. Todos bros. Como já abordamos anteriormente, à
nós somos extremamente sensíveis ao altru- medida que os grupos foram aumentando,
ísmo recíproco e mantemos uma espécie de vários módulos dedicados às trocas sociais
“contabilidade social” para cada conhecido foram evoluindo, favorecendo a formação
ou amigo. Se nossos registros indicam que de alianças estáveis que mantiveram os gru-
pos sociais coesos (o que também pode ser “Onde Sally pensa que os doces estão?”.
observado nos vários tipos de primatas). No Antes dos 4 anos e meio, a criança respon-
caso dos humanos, entretanto, a evolução de “no bolso da Ana” o que é uma resposta
fez surgir um módulo bastante complexo e típica de quem ainda não desenvolveu
sofisticado: o “módulo de leitura da mente”, uma teoria da mente. A criança não tem a
isto é, o módulo mental que permitiu que noção de que os outros podem ter crenças
fizéssemos suposições ou inferências sobre o diferentes de suas próprias crenças. Ela
que as outras pessoas estão pensando, tendo acha que todas as outras pessoas acredi-
por base suas ações, palavras e comporta- tam no que ela acredita. E ela acredita no
mentos3. que ela viu: Ana colocou os doces no bol-
Grupos maiores exigem mais capa- so. Portanto, Sally também tem a mesma
cidade de memória para acompanhar os crença. Após os 4 anos e meio, a resposta
comportamentos dos outros, bem como muda radicalmente: “Sally acredita que os
capacidades de raciocínio social bem mais doces estão debaixo da almofada”.
sofisticadas, que possibilitem manter equi-
líbrios delicados entre lealdades e amiza- Com o surgimento da teoria da mente,
des conflitantes. Nesse ponto, já estamos a criança já compreende que outras pesso-
considerando estratégias e jogos políticos as podem manter crenças que são diferen-
bastante sofisticados, nos quais mentiras, tes das suas e que também podem manter
promessas, jogos de cena e até mesmo sin- crenças que são falsas. Só então a criança
ceridade e franqueza, ajudam‑nos a manter pode tentar manipular outras pessoas por
nossos amigos e a enganar nossos inimigos. meio da indução de falsas crenças, isto é, só
Aos poucos, surgem os psicólogos amadores então a criança aprende a mentir. E sem a
armados com uma “teoria da mente”: uma capacidade para mentir, não é possível jogar
teoria sobre como a mente humana funcio- os jogos políticos necessários para a vida em
na. O principal axioma dessa teoria afirma grupos sociais.
que as ações são causadas por processos
mentais, tais como crenças e desejos.
A explicação do surgimento da teoria Linguagem e altruísmo recíproco
da mente dentro de uma perspectiva evo-
lucionista de adaptação à seleção natural Nossos ancestrais adquiriram a capacidade
e sexual implica que a psicologia leiga não para usar linguagens complexas e sofisti-
é uma invenção cultural. Ela é uma parte cadas antes de deixar a África há cerca de
inata, herdada, da mente humana, que se 100 mil anos. Na década de 1950, Noam
desenvolve nos primeiros anos de vida até Chomsky demonstrou que seria impossível
estar completa por volta dos 4 anos e meio. para as crianças aprenderem uma língua de
Nessa idade, a criança já consegue passar forma tão rápida apenas com os estímulos
nos “testes de falsa crença”: dados pelos pais e pelo ambiente cultural.
A criança só aprende uma língua porque
Uma psicóloga apresenta dois bonecos ela nasce pré‑programada para este tipo de
à criança. Os bonecos, chamados Sally e aprendizagem. Por que então nossos ances-
Ana, estão em um quarto de uma casa de trais desenvolveram mais essa capacidade
brinquedo, junto de uma cama onde há inata? Qual o problema adaptativo supera-
almofadas. Primeiro, a criança observa do com o uso da linguagem?
Sally colocar alguns doces debaixo de A teoria mais comum sugeria que a lin-
uma almofada para logo em seguida sair guagem é um sistema de comunicação que
do quarto. Enquanto Sally está fora, Ana evoluiu para ajudar nossos ancestrais na caça
tira os doces debaixo da almofada e os e na defesa contra os predadores. De acordo
coloca em seu bolso. Quando Sally volta com essa teoria, a função da linguagem era
ao quarto, a psicóloga pergunta à criança a de troca de informações sobre o ambiente
físico e ecológico, uma vez que sons são bem colocadas pelas interações sociais de nos-
mais eficazes do que sinais visuais na escuri- sos ancestrais. Agora, descrevemos alguns
dão da noite e através de longas distâncias. dos princípios que norteiam os estudos da
Essa teoria, entretanto, foi contestada por cognição social: (1) o indivíduo como um
Robin Dunbar (2004), quando propôs que avarento cognitivo; (2) orientação para os
a função básica da linguagem é a troca de processos; (3) pessoas como agentes cau-
informações sobre o ambiente social. Mais sais; (4) percepção mútua; (5) centralida-
uma vez, a questão do altruísmo recíproco de do eu; (6) qualidade da percepção; (7)
está na raiz de uma nova proposição para orientação pragmática (tático‑ motivada); e
um mecanismo inato. Em grandes grupos, predominância dos processos automáticos
o altruísmo recíproco só funciona quando (indivíduo como ator‑ativado).
existe informação suficiente sobre quem é
ou não é de confiança. Com grupos cada vez 1. O indivíduo como um avarento cognitivo.
maiores, não é possível distinguir – apenas As pessoas não gostam de pensar muito,
por meio da experiência direta, pessoal – exceto quando acham que é necessário.
entre os aproveitadores e os que cooperam. Elas procuram fazer render ao máximo
Sem a linguagem, isto é, sem um sistema de o pouco do esforço cognitivo que conse-
comunicação sofisticado, os grupos não po- guem exercer. Devido a essa tendência,
deriam crescer, ficando bastante limitados Fiske e Taylor (1991; 2008) definiram as
no número possível de membros. Existe um pessoas como “avarentas” no uso de seus
limite no número de pessoas que um indi- recursos cognitivos. Não que as pessoas
víduo pode manter relações físicas diretas não consigam realizar trabalhos cogniti-
e constantes para que possa estimar qual a vos complexos. Elas o fazem quando eles
probabilidade de cooperação futura4. são importantes e necessários. Mas o mun-
Para Dunbar (2004), a linguagem evo- do é muito complicado, especialmente as
luiu para ajudar nossos ancestrais na ob- outras pessoas e, frente a essa realidade,
tenção de informações sobre quem merece é melhor utilizar “atalhos cognitivos”,
ou não confiança, principalmente quando buscar simplificações e aproximações, em
não ocorre uma reciprocidade direta. Na vez de proceder com análises minuciosas e
reciprocidade indireta, o indivíduo é altruís bem fundamentadas. Vários dos processos
ta com outra pessoa na esperança de esta- que serão analisados mais adiante estão
belecer sua reputação como generoso e de relacionados com a “sovinice cognitiva”
confiança. Esse é um bom exemplo em que das pessoas.
a linguagem ajuda na troca de informações 2. Orientação para processos. A abordagem
sociais, permitindo que os humanos usufru- da cognição social sempre utilizou a abor-
am das vantagens de se viver em grandes dagem predominante na psicologia cogni-
grupos. Daí o fascínio humano pela fofoca: tiva, na qual os processos cognitivos são
ela é a forma mais eficaz de comunicação descritos como processos computacionais:
para se obter informações sobre a confiabili- as pessoas recebem informações (input),
dade dos outros. codificam o que receberam, armazenam
na memória, recuperam da memória para
realizar inferências e para gerar produtos
(output). A psicologia cognitiva tende a
Características gerais definir os processos cognitivos como for-
da cognição social mados por estágios sequenciais. O mesmo
ocorre na cognição social. A sequência
Até agora, estabelecemos as bases evoluti- atenção → memória → julgamento, bem
vas de algumas das características do fun- como outras sequências paralelas (atenção
cionamento do cérebro humano, que surgi- → julgamento ou atenção → memória)
ram como adaptações às primeiras questões são alguns dos principais referenciais
quisa, três grupos de participantes leram guntando quanto peso tinha ganho até o
cada um uma versão do seguinte relato: momento. O treinador de seu time de fute-
bol tinha dito que ele só seria escalado para
Cris(tina) acordou sentindo‑se enjoada o próximo jogo se ganhasse bastante peso e
novamente e ficou pensando se poderia passasse no teste antidoping. A pressão era
estar grávida. Como iria dizer ao professor muito grande...” Continue com a mesma
que ela estava namorando? E a questão história já transcrita acima. Para o terceiro
do dinheiro ainda era outro problema... grupo, grupo controle, não foi fornecida
Cris foi para a cozinha, tirou a chaleira do nenhuma introdução, e a história se inicia
armário, fez café, olhou o café e decidiu depois dos três pontos (...).
adicionar um pouco de leite e açúcar. Entre a primeira e a segunda versão da
Depois, vestiu‑se e foi ao médico. Quando história, o significado muda radicalmente
chegou ao consultório do médico, Cris foi por conta dos schemas ativados. Na primei-
examinada inicialmente pela enfermeira, ra, temos o schema “gravidez indesejada” e,
que procedeu com os exames prelimina- na segunda o schema “candidato a atleta”.
res rotineiros. Cris subiu na balança, e a Essa mudança radical ocorre porque nossos
enfermeira registrou seu peso. O doutor schemas para as duas situações levam a dife-
entrou na sala, examinou os resultados rentes codificações e à ativação de conheci-
desses procedimentos, sorriu e disse
mentos e reações emocionais adicionais que
“Bom, parece que todas as minhas ex-
trazem para o que está escrito. Por exem-
pectativas foram confirmadas.” Cris foi
plo, para entender melhor a influência do
embora e, quando foi chegando à sala de
schema “gravidez indesejada” da primeira
aula, decidiu sentar‑se na primeira fila.
história, imaginemos que nossa persona-
Cris entrou na sala e sentou‑se. O pro-
gem tivesse tido oportunidade de conversar
fessor foi para frente da sala e começou
sua aula. Durante toda a aula, Cris não
com o professor. Como ela estaria se sen-
conseguiu se concentrar no que estava tindo em uma situação dessas? Ansiosa?
sendo dito. A aula parecia não terminar Desconfortável? Você não acha que teria
nunca. Mas, finalmente, terminou. Como sido melhor ter combinado um encontro
o professor foi cercado pelos alunos logo com o professor em outro momento em vez
após a aula, Cris saiu rapidamente da de tentar conversar na recepção? Cristina
sala. No final daquela tarde, Cris foi a ficou feliz quando descobriu que aumen-
uma recepção no departamento e ficou tou de peso desde a última consulta? E na
olhando para ver quem estava lá. Cris foi segunda versão da história, como Cristiano
até o professor, querendo conversar com estava se sentindo com relação a seu pro-
ele, sentindo‑se um pouco nervosa sobre o fessor? Por que queria falar com o professor
que dizer. Um grupo de pessoas começou na recepção? Como ele estava se sentindo
a jogar alguns jogos. Cris foi até uma mesa em relação a seu peso? Qualquer pessoa que
onde estavam refrigerantes e salgadinhos. tenha schemas ativados por essas histórias
O lanche estava bom, mas Cris não se é capaz de compreendê‑las, preenchê‑las,
interessou por conversar com as outras imaginar caminhos e cenários alternativos,
pessoas presentes. Depois de certo tempo, e assim por diante.
Cris decidiu ir embora. (Owens, Bower e Para analisar mais ainda o papel dos
Black, 1979 apud Fiske, 1995, p. 163) schemas, Owen e colaboradores (1979) so-
licitaram, meia hora depois da leitura, que
Um dos três grupos da pesquisa de os participantes relatassem de memória
Owen e colaboradores (1979) leu esta ver- tudo que tinham lido nas histórias, pro-
são da história. Agora, considere a mesma curando ser o mais fiel possível ao relato
história com uma introdução diferente, original. Os resultados mostraram que os
substituindo as primeiras linhas até os três dois grupos, cujas histórias ativaram sche‑
pontinhos (...): “Cris(tiano) acordou se per- mas distintos, relembraram mais detalhes
na ordem correta e com menos erros e Fiske e Neuberg, 1990; Gollwitzer, 1990;
acréscimos de informações extras do que o Hilton e Darley, 1991). Em outras situações,
grupo de controle. Os schemas ativados di- os fatores que influenciam esta relação são
rigem a atenção das pessoas para detalhes a congruência entre schemas e dados (Fiske,
cruciais, guiam a memória e influenciam o Neuberg, Beattie e Milberg, 1987) e o valor
julgamento. diagnóstico dos dados (Hilton e Fein, 1989;
A rapidez com a qual as pessoas jul- Leyens, Yzerbyt e Schadron, 1992). Trata
gam as outras acontece porque o julga- ‑se, de fato, de uma questão de superação
mento é feito automaticamente on‑line. Os de nossos schemas e estereótipos em função
schemas permitem que façamos julgamentos dos dados e informações a respeito de uma
e avaliações simplificadas, polarizadas e au determinada pessoa em particular. Os fa-
tomáticas. Somos apresentados a alguém tores que podem diminuir a influência dos
que nunca vimos antes e, imediatamente, schemas e estereótipos são mais atenção e
temos reações positivas ou negativas já a mais motivação para que possamos ir além
partir do momento que começamos a re- das reações automáticas altamente influen-
ceber informações (tom de voz, aparência, ciadas por nossos schemas.
postura, conteúdo do que diz). Acontece
que, quando encontramos alguém que ati-
va algum schema ligado a outra pessoa ou Atribuições
evento, ocorre uma reação ou transferência
das mesmas reações de julgamento para a Os schemas são definidos como um dos dois
pessoa que acabamos de conhecer – sem que elementos básicos da cognição social. O ou-
tenhamos nenhuma consciência disso. Pode tro são as atribuições. As pessoas são perce-
ser até que o novo conhecido não nos lem- bidas como agentes causais e é importante
bre ninguém em particular, mas venha de saber como elas atribuem causas aos com-
categorias de pessoas (ocupação, etnia, lo- portamentos dos outros e a seus compor-
cal de nascimento) sobre as quais temos for- tamentos. Não só atribuímos causas, como
tes reações afetivas ou de opinião (Andersen essas atribuições têm profundas influências
e Cole, 1990; Fiske, 1982; Devine, 1995). sobre nossas reações afetivas e comporta-
A categoria mais forte que existe é “nós” mentos futuros. Esta é a razão pela qual as
versus “eles”, uma divisão inter‑grupos que atribuições são parte fundamental de nossos
sempre desencadeia julgamentos positivos pensamentos a respeito dos outros e de nós
para o nosso grupo e negativos para os de mesmos. Quando atribuímos disposições ou
fora (Brewer, 1979; Mullen, Brown e Smith, traços como causas de comportamentos ob-
1992). Não é de surpreender, portanto, que servados, fornecemos toda informação ne-
cada um de nós provoque reações tão diver- cessária para ficar armazenada no schema
sas nas outras pessoas. relativo aos traços, comportamentos e rea-
Os schemas afetam nossa atenção, me- ções afetivas em questão.
mória e julgamentos, mas não são as úni- Weiner (2000; 2005) propõe duas teo
cas influências em nossos pensamentos a rias para explicar as atribuições de causas
respeito dos outros. Afinal, também temos a que o indivíduo recorre para explicar os
outras evidências e informações que perce- próprios comportamentos (teoria da atribui‑
bemos ou recebemos de outras fontes. Os ção intrapessoal) e os comportamentos dos
schemas atuam em confronto com as evidên- outros (teoria da atribuição interpessoal).
cias; e o equilíbrio que surge dependerá de Embora os modelos atribucionais de Weiner
vários fatores. Em algumas situações, nossa tenham sido desenvolvidos para explicar
motivação – quando temos pouco tempo, questões motivacionais nos comportamen-
sobrecarga cognitiva, cansaço, por exemplo tos de desempenho, vamos utilizar suas pro-
– nos leva a uma predominância de nossos posições para descrever como as atribuições
schemas sobre as evidências (Brewer, 1988; de causalidade são realizadas pelas pessoas
Tipos de causas e
suas consequências
Aptidão: expectativa alta de
sucesso; emoções positivas.
Esforço: boas expectativas de
Se positivo: sucesso; emoções positivas +
Evento
• Feliz determinação + precaução.
Positivo
Habilidade: boas expectativas de
sucesso; emoções positivas +
incerteza quanto à habilidade.
Sorte, acaso, ajuda: baixa expec‑
Se o evento foi
tativa de sucesso; emoções ime‑
inesperado, negativo
diatas positivas, mas passageiras.
ou importante,
Alcançou então ocorre uma
objetivo busca por causas que
podem ser descri‑
Não alcançou tas em um espaço
objetivo tridimensional: Tipos de causas e
• Locus suas consequências
• Estabilidade Falta de aptidão: expectativa
• Controlabilidade muito baixa de sucesso; emoções
negativas (vergonha, humilhação,
embaraço).
Baixo esforço: boas expectativas
Se negativo: de sucesso; emoções negativas
Evento passageiras (baixa autoestima,
• Tristeza
Negativo culpa).
• Frustração
Falta de habilidade: expectativas
moderada de sucesso; emo‑
ções negativas substituídas por
apreensão.
Falta de sorte, acaso ruim, falta
de ajuda: expectativa positiva
cautelosa de sucesso; emoções
negativas, mas passageiras.
Figura 4.1
Teoria de Atribuição Intrapessoal.
(Baseado em Weiner, 2005).
ções ocorrem sem interferência cognitiva. Para Weiner, o enquadramento das cau-
Só a partir dessas reações emocionais é que sas no espaço tridimensional (locus, estabi-
o processo de atribuição é desencadeado lidade e controlabilidade) é de fundamental
se o evento ocorrido for considerado pelo importância, porque os tipos de atribuições
indivíduo como negativo, inesperado ou causais possuem diferentes consequências
muito importante. De acordo com Weiner, motivacionais que se manifestam nas expec-
as causas atribuídas ao comportamento que tativas e reações afetivas das pessoas. E são
resultou no alcance ou não dos objetivos do essas expectativas e emoções que Weiner
indivíduo (aptidão inata, sorte, ajuda dos considera como os principais determinantes
outros, etc.) podem ser enquadradas em um das ações motivacionais. Um fracasso atri-
espaço tridimensional composto pelas di- buído à falta de aptidão, por exemplo, leva
mensões locus (interno ou externo), estabili‑ a sentimentos de vergonha, humilhação e
dade (estável ou instável) e controlabilidade embaraço, além de nenhuma expectativa de
(controlável ou incontrolável). que será possível reverter a situação no futu-
Vamos supor, por exemplo, que o indi- ro. Afinal, o fracasso decorreu de uma causa
víduo acaba de ser aprovado em um concur- interna, estável e incontrolável. Já um fra-
so público. Devido à importância do evento, casso atribuído à falta de esforço, também
desencadeia‑se um processo atribucional provoca emoções negativas (baixa autoesti-
no qual a questão é atribuir uma causa ao ma, culpa), mas que são passageiras. Além
evento “fui aprovado no concurso”. Por uma do mais, as expectativas para um sucesso no
série de fatores, que não discutiremos aqui, futuro ainda permanecem: a causa do fra-
o indivíduo termina considerando que sua casso foi interna, instável e controlável. Na
aprovação foi consequência de sua grande Figura 4.1, estão listadas estas e outras con-
competência inata. O indivíduo atribui sua sequências motivacionais que ocorrem em
aptidão à causa do que ocorreu. Nesse caso, função das expectativas para o futuro e das
ele fez uma atribuição que pode ser defini- reações afetivas do indivíduo.
da no espaço tridimensional como interna,
estável e incontrolável. Interna porque é pro-
priedade dele, estável porque é permanente Teoria da atribuição interpessoal
e constante, e incontrolável porque ele já
nasceu com elevada capacidade cognitiva Os mesmos mecanismos são desencadeados
e intelectual que são características inatas. quando ocorre nossa percepção em relação
Vamos contrastar agora esse tipo de atri- aos outros. O comportamento do outro nos
buição com a atribuição de outro candidato chama a atenção e desencadeia uma busca
que, embora também tenha sido aprovado, automática por uma causa. Assim como no
considerou que tudo aconteceu em razão de caso da percepção do próprio comportamen-
seu esforço. Diferentemente do primeiro in- to, as causas que atribuímos aos comporta-
divíduo, temos uma causa interna, não está‑ mentos dos outros também são classificadas
vel e controlável. dentro da mesma tridimensionalidade.
São as seguintes algumas das atribui- Nesse ponto, ocorrem grandes dife-
ções mais comuns com suas respectivas de- renças entre os dois tipos de atribuição.
finições no espaço tridimensional: Primeiro, na atribuição intrapessoal, o indi-
víduo sempre enquadra o evento como algo
• Aptidão: interna, estável, incontrolável que correspondeu ou não a seus objetivos.
• Esforço: interna, instável, controlável Os eventos podem ser resumidos como su-
• Habilidade: interna, instável, contro cesso ou fracasso provocando reações afe-
lável tivas positivas ou negativas de imediato e
• Acaso: externa, instável, incontrolável sem a participação de processos cognitivos.
• Ajuda: externa, instável, incontrolável O mesmo não ocorre na atribuição interpes-
• Sorte: externa, instável, incontrolável soal. Os eventos podem ser os mais diversos,
tais como sucesso ou fracasso em tarefas, ras linhas dos dois conjuntos da Figura 4.2
doenças, pedidos de ajuda, etc. Mas, qual- – fracasso em uma tarefa por falta de esfor-
quer que seja o evento, é desencadeada uma ço ou por falta de aptidão –, veremos que o
atribuição de causas – que, da mesma forma modelo prevê duas reações afetivas opostas
que na atribuição intrapessoal, podem ser com consequências comportamentais igual-
descritas em função do locus, estabilidade mente distintas. Para o mesmo evento, o ob-
e controlabilidade –, com a diferença que a servador sente raiva ou simpatia e procede
dimensionalidade da causa é usada apenas com comportamentos opostos.
para considerar o outro como responsável Comparando os dois modelos das
ou não pelo evento. Isto é, o observador Figuras 4.1 e 4.2, podemos observar que
atribui ou não a responsabilidade pelo que atribuições de falta de esforço como causa
ocorreu ao indivíduo observado e só então de um fracasso, por exemplo, levam a re-
sente a reação afetiva de raiva (o indivíduo ações afetivas e comportamentais opostas.
é percebido como responsável) ou simpatia Quando se trata do indivíduo, a atribuição
(o indivíduo não é percebido como respon- de pouco esforço – em contraste com a atri-
sável). buição de falta de aptidão –, resulta em sen-
Na Figura 4.2, encontram‑se as sequên timentos moderadamente negativos e pas-
cias envolvidas na atribuição interpessoal sageiros, bem como em comportamentos de
considerando‑se algumas das causas mais persistência e esperança de sucesso no futu-
comuns. Se acompanharmos as duas primei- ro. Já para um observador, ocorre o oposto:
Figura 4.2
Teoria da Atribuição Interpessoal.
(Baseado em Weiner, 2005).
atenção, simplesmente porque o observador formar uma sigla”. Por que é mais fácil dessa
prestou mais atenção a esta pessoa. Uma forma? É mais fácil por causa da integração
maior atenção também tende a polarizar ou das informações, em um todo coerente, da
exagerar as avaliações do observador a res- formação de ligações entre os traços descri-
peito da pessoa saliente. Se quem observa tivos da pessoa (a ligação entre teimosia e
gosta da pessoa sendo observada, o gostar ousadia reforça mais ainda a impressão ge-
aumenta mais ainda. Se não gosta, também ral, por exemplo). Quanto mais traços e mais
aumenta o não gostar. As avaliações ficam ligações, melhor a memorização.
polarizadas. Finalmente, maior saliência Além disso, quanto mais o observa-
também aumenta a probabilidade de a pes- dor está envolvido com a pessoa observada
soa ser lembrada posteriormente. Aumenta e quanto mais relevante para o observador
a probabilidade de ela ficar registrada na é a impressão (autorreferente) geral do ou-
memória de quem observa. tro, melhor será sua memória. A criação de
Quaisquer que sejam as razões para certa empatia (tentar se colocar no lugar do
que prestemos mais atenção a certas pessoas outro) ajuda mais ainda a relembrar infor-
ou aspectos dessas pessoas, a principal con- mações sobre outra pessoa. Estranhamente,
sequência é que a atenção vai mudar a ma- tentar se colocar no lugar do outro ou, me-
neira como julgamos e interagimos com elas. lhor ainda, antecipar uma interação com a
Boa parte do que pensamos sobre os outros pessoa (como poderíamos lidar com alguém
acontece on‑line, automaticamente, em uma que é ousado, convencido, distante e teimo‑
velocidade muito grande. A atenção influen- so?) é ainda melhor em termos mnemônicos
cia enormemente que tipo de informação do que interagir de fato com a pessoa. Em
teremos para fundamentar nossa compreen- uma interação real você estaria decidindo
são dos outros ou de nós mesmos. também sobre seu comportamento, além
de tentar formar uma impressão a respei-
to do outro. Você estaria muito ocupado
Memória (Hastie, Ostrom, Ebbesen, Wyer, Hamilton
e Carlston, 1980; Srull e Wyer, 1989; Wyer
Pesquisas que investigaram as memórias e Srull, 1984).
sobre outras pessoas demonstraram que os
objetivos, envolvimento do observador e a
impressão geral formada pelo conjunto de Inferência
informações, têm um grande impacto sobre
o quanto nos relembramos posteriormen- A questão da inferência na cognição social
te (Devine, Sedikides e Fuhrman, 1989; diz respeito ao que fazemos com a informa-
Hamilton, 1981; Hamilton, Katz e Leirer, ção que obtivemos por meio dos processos
1980; Srull, 1983). Ao tentar memorizar in- de atenção e retenção (memória). Como fa-
formações sobre outra pessoa é bem mais efi- zemos para ir além da informação de que
caz tentar formar uma impressão ou descri- dispomos? Qual a qualidade de nossas in-
ção geral dela do que tentar gravar pedaços ferências? Qual a qualidade de nossos jul-
isolados de informação, tais como descrições gamentos?
de traços de personalidade. Por exemplo, se Para determinar a qualidade de nossas
descrevemos para você uma pessoa como inferências e julgamentos precisamos nos re-
ousada, convencida, distante e teimosa, a ferir a questões normativas. A pergunta pas-
melhor estratégia é tentar formar uma im- sa a ser “Qual a qualidade de nossas inferên-
pressão geral desse tipo de pessoa (imagine cias e julgamentos quando comparadas com
uma pessoa descrita por esses adjetivos), e o que é sugerido por princípios normativos
não tentar memorizar cada adjetivo ou usar ou padrões de qualidade?” (Nisbett e Ross,
truques mnemônicos do tipo “memorize as 1980; Kahneman, Slovic e Tversky, 1982;
primeiras letras de cada adjetivo tentando Gilovich, 1991; Sutherland, 1992; Goldstein
Tabela 4.1
Situações que devem ser investigadas para que se possa verificar a suposta
relação entre cura de doenças e os tratamentos homeopáticos ou espirituais
Receberam tratamentos A B
Receberam placebo C D
Cada cela deve ser preenchida com o número de casos observados de acordo com as condições das marginais:
A = número de pacientes que receberam os tratamentos e foram curados
B = número de pacientes que receberam os tratamentos e não foram curados
C = número de pacientes que não receberam os tratamentos (mas acreditavam que sim, pois receberam um
placebo) e foram curados
D = número de pacientes que não receberam os tratamentos (mas acreditavam que sim, pois receberam um
placebo) e não foram curados
nossos julgamentos sobre informações que Tróccoli, 2005; ver também Gigerenzer e
não estariam disponíveis se não tivéssemos Selten, 2001; Gigerenzer, 2000).
provocado o surgimento delas em primeiro
lugar. Lidamos com o que observamos sem
considerar como as coisas seriam diferentes Comentários finais
se tivéssemos agido diferentemente.
Outras profecias são apenas aparente- A cognição social compreende estudos sobre
mente autorrealizantes e ocorrem quando como percebemos, processamos, armazena-
nossas expectativas alteram as circunstân- mos e usamos informações que recebemos
cias que impedem ou limitam as ações da de nosso mundo social. Nos últimos 20
outra pessoa – ações que poderiam descon- anos, surgiram revistas e livros especializa-
firmar nossas expectativas. Suponha que al- dos contendo centenas de pesquisas sobre
guém ache você agressivo e se afaste evitan- como pensamos a respeito de nós e dos ou-
do todo tipo de contato. Como você poderá tros (p. ex., Hamilton, 2005; Fiske e Taylor,
mostrar que a crença e a expectativa do ou- 2008). Não só isso, mas novas teorias, ques-
tro em relação a você não são verdadeiras? tões e metodologias (p. ex., a neurociência
Ele vai continuar achando você agressivo cognitiva social) também surgiram como
porque já achava antes e nada de novo vai consequência do estudo do fenômeno social
desconfirmar essa crença. a partir da perspectiva da cognição social. A
cognição social, então, deve ser considerada
não como mais um tópico da psicologia so-
cial, mas como uma abordagem nova sobre
Problemas inferenciais: o que fazer? seus diversos tópicos (cf., Devine, Hamilton
e Ostrom, 1994). A psicologia social abran-
Embora os estudos sobre os fundamentos ge uma grande variedade de tópicos, tais
de nossa cognição social possam transmitir como atitudes, agressão, altruísmo, amor,
uma visão pessimista da qualidade de nos- percepção interpessoal, tomada de decisões
sos julgamentos e inferências, duas obser- e relações grupais, entre outros. A cognição
vações devem ser consideradas. Primeiro, social é uma novidade conceitual e metodo-
a maneira como pensamos sobre os outros lógica que introduz as questões cognitivas
é boa o suficiente para que consigamos so- subjacentes aos tópicos tradicionais da psi-
breviver razoavelmente bem em sociedade. cologia social. Em todas as áreas de estudo
Com a prática advinda da experiência e da psicologia social, as pessoas processam
da maturidade, chegamos a um ponto em informações do mundo social; a questão é
que, na maioria das vezes, conseguimos compreender como a informação está sendo
negociar de forma relativamente adequada processada e usada quando desenvolvemos
nossos relacionamentos sociais. Apesar dos atitudes, reagimos agressiva ou altruisti-
heurísticos, vieses, atenção limitada e me- camente, como decidimos e participamos
mória seletiva, conseguimos nos adaptar e dos diversos grupos sociais. Neste capítulo,
aprender com nossos erros e com os erros apresentamos de forma bem resumida um
dos outros. pouco dessa nova abordagem. Esperamos
Segundo, é esta possibilidade de apren- que o incentivo tenha sido suficiente para
dizagem e de aperfeiçoamento que deve ser que você continue descobrindo os novos ho-
explorada quando se considera a qualidade rizontes da cognição social.
de nossos julgamentos e inferências. Vários
estudos demonstraram que é possível melho-
rar nossos julgamentos e evitar parte dos vie- Notas
ses e erros que cometemos (Cheng, Holyoak,
Nisbett e Oliver, 1986; Fong, Krantz e Nisbett, 1. Considera‑se que esse período formativo
1986; Nisbett, Krantz, Jepson e Fong, 1982; durou até cerca de 150 mil a 100 mil anos
atrás, quando nossos ancestrais saíram da humanos para cerca de 150 membros, em mé-
África e começaram a colonizar o mundo. A dia, tornou inviável a manutenção das alianças
partir da saída da África, o tempo tem sido com base em cooperações diretas e mútuas.
muito curto (100 mil anos ou cerca de 5 mil Não haveria tempo para outras atividades,
gerações) para a evolução produzir quaisquer além de ser extremamente cansativo manter
mudanças significativas em uma espécie. Isto esse tipo de relacionamento com todos os out-
implica que toda a história do surgimento da ros membros de grupos tão grandes. Dunbar
civilização e cultura humana (a agricultura só considera que o equivalente nos hominídeos
surgiu há 10 mil anos) é irrelevante quando se foi à evolução da linguagem para a transmis-
trata de compreender a mente humana. Como são de informação verbal, principalmente por
nossas mentes não evoluíram em um mundo meio das fofocas. Uma implicação é que os
de cidades de tecnologia avançada, temos meios modernos de comunicação a distância
cérebros da “idade da pedra” vivendo em um (e‑mails, salas de bate‑papo na internet, etc.)
mundo de alto desenvolvimento tecnológico. jamais substituirão inteiramente a necessidade
Descontando todos os problemas decorrentes humana de boas conversas ao pé do ouvido.
desse fato, não podemos deixar de reconhecer
a tremenda capacidade adaptativa de nosso
cérebro.
2. Embora não seja nosso objetivo discutir a Referências
questão do altruísmo e da cooperação, de-
vemos acentuar que estes comportamentos
não evoluíram apenas nas situações com base ANDERSEN, S. M.; COLE, S.W. “Do I know you?”:
estritamente recíproca. O biólogo William The role of significant others in general social
Hamilton (1964) demonstrou que a grande perception. Journal of Personality and Social
ocorrência de altruísmo não recíproco em Psychology, v. 59, p. 384-399, 1990.
todo o reino animal (relações pais e filhos e AXELROD, R. The evolution of cooperation. New
entre outros parentes, por exemplo) só pode York: Basic Books, 1984.
ser compreendida quando se considera que BARON, J. Thinking and deciding. 3rd ed. New York:
a unidade fundamental da evolução não é o Cambridge University Press, 2000.
organismo, mas o gene individual. O altruísmo
não recíproco só ocorre entre organismos ge- BREWER, M. B. In-group bias in the minimal inter-
neticamente relacionados: parentes próximos group situation: A cognitive-motivational analysis.
compartilham muitos genes, e os genes que Psychological Bulletin, v. 86, p. 307-324, 1979.
predispõem o indivíduo a ajudá‑los estão, BREWER, M. B. A dual process of impression. In:
na verdade, ajudando suas próprias cópias. SRULL, T. K.; WYER JR, R. S. (Ed.). Advances in
Posteriormente, o biólogo Richard Dawkins Social Cognition. Hillsdale, NJ: Erlbaum, 1988.
(1989) popularizou e aperfeiçoou essa teoria v. 1, p.1-36.
em seu livro antológico O Gene Egoísta. BUSS, D. M. (Ed.). The Handbook of Evolutionary
3. Outras espécies desenvolveram sistemas Psychology. New York: Wiley, 2005.
semelhantes. A separação radical entre a
espécie humana e espécies não humanas de- CHENG, P.W.; HOLYOAK, K. J.; NISBETT, R. E.;
nuncia o que Dawkins (2003, cap. 3) chama OLIVER, L. M. Pragmatic versus syntactic appro-
de “mente descontínua”, isto é, a crença em aches to training deductive reasoning. Cognitive
uma separação radical quando o que existe Psychology, v. 18, p. 293-328, 1986.
é uma diferenciação gradual e, às vezes, até COSMIDES, L.; TOOBY, J. (Ed.). The adapted mind:
sutil entre nós e outros animais, tais como os Evolutionary psychology and the generation of cultu‑
chipanzés. re.Oxford: Oxford University Press, 1992.
4. Isto é o que ocorre entre os chimpanzés, que CROCKER, J. Judgment of covariation by social
dedicam boa parte do tempo livre ao comporta- perceivers. Psychological Bulletin, v. 90, p. 272-
mento de grooming. No grooming, os chimpan- 292, 1981.
zés se limpam retirando parasitas e pedaços de
sujeiras presos nos pelos daqueles com os quais DAWKINS, R. O gene egoísta. 2. ed. São Paulo:
mantêm alianças. Existem evidências indicando Companhia das Letras, 1989.
que, na necessidade, há maior probabilidade DAWKINS, R. A devil’s chaplain. Reflections on
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5
Normas sociais: conceito, mensuração
e implicações para o Brasil
Cláudio Vaz Torres
Hugo Rodrigues
Quadro 5.1
POKER FACE: UMA EXIGÊNCIA CULTURAL
A universalidade das expressões facial das emoções foi indicada pela primeira vez por Darwin
(1998) na emblemática obra: “A expressão das emoções no homem e nos animais”. Contudo,
Ekman (2003) ressalta que, na época, sua argumentação foi desconsiderada, bem como durante
os anos seguintes, em função dos paradigmas predominantes, que enfatizavam explicações em
função da socialização e desprestigiavam as que utilizassem de padrões inatos da espécie. Ou
seja, as normas sociais vigentes no meio acadêmico da época não facilitaram a disseminação
desse conhecimento.
Contudo, hoje, autores como: Ekman e Friesen (2003); Elfenbein e Ambady (2003); Matsumoto
(1990); Smith, Bond e Kagitçibasi (2006) – dentre outros – colocam que a demonstração de deter‑
minadas emoções através do uso de uma mesma estrutura muscular para cada tipo de emoção é
um fenômeno universal, capaz de fornecer um mapa reconhecível por todos da reação emocional
que os indivíduos têm a diferentes estímulos do dia a dia, indicando o modo adequado – em
função de respostas evolutivamente construídas – de reagir. Por exemplo, simplificadamente, é
mais seguro aproximar‑se de uma pessoa que reagiu à sua presença contraindo o zygmaticus
maior do que quando esta mesma pessoa está com esse músculo relaxado, mas com o levator
labii superioris contraído. Ekman (2003, 2006, 2009) coloca que no primeiro caso a pessoa estaria
demonstrando alegria, felicidade; mas expressaria ódio, nojo no segundo.
Algumas culturas exigem que determinadas emoções não sejam demonstradas, pelo menos
não o tempo todo ou em todos os contextos. Friesen (1972 apud Smith, Bond e Kagitçibasi, 2006)
– em sua tese de doutorado – demonstrou que, durante a exposição de um vídeo que mostrava
uma amputação, quando sozinhos, japoneses (analisados como coletivistas) demonstravam o seu
desconforto com a cena do mesmo modo que estadunidenses (individualistas).
Entretanto, quando acompanhados por um experimentador a reação ao vídeo muda‑
va. Americanos continuavam expressando-se do mesmo modo, mas os japoneses evitavam
demonstrar o desconforto através da não demonstração de emoções ou com risos. Tal au‑
tor ressalta que existe uma norma cultural, no Japão, que recomenda que afetos negativos
não devam ser demonstrados em público e que nos Estados Unidos haveria outra, que enfa‑
tizaria a sua demonstração real, sem – neste caso – maximizar. Cabe colocar que as estraté‑
gias utilizadas são definidas por Matsumoto (1990, 1992) e Gross (1998 e 2002) como de re‑
gulação de emoção. Acrescentando que, de acordo com o primeiro, tal regulação ocorre em
função da obrigação em conforma-se a uma norma social específica – a regra de expressão.
Pesquisas recentes indicam um padrão específico sobre o que deve ser demonstrado, maximiza‑
do ou suprimido em cada cultura e que tal fato é determinado por normas sociais. Indicando que
a poker face, o ato de não demonstrar uma emoção, mesmo quando ela é intensa, não é apenas
uma estratégia para ganhar num jogo de azar, mas – muitas vezes – uma necessidade cultura.
ceito vago, muito geral e inadequado para a melhores preditores para escolher norma
verificação empírica. Outros autores (p. ex., ou atitude como o melhor preditor, devido a
Berkowitz, 2004; Prentice e Miller, 1993, um viés cultural que será mais bem discuti-
1996; Cialdini, Reno e Kallgren, 1991; do adiante. Como exemplos, temos Wallace
Lapinski e Rimal, 2005) consideram normas e colaboradores (2005), que, em uma re-
um conceito central para o entendimento cente metanálise, verificaram que a existên-
do comportamento social humano (Kallgren cia de pressão social de algum tipo (isto é,
et al., 2000). Os principais aspectos dessa presença de outros importantes, ambientes
discussão se referem à definição desse cons- com fortes normas) diminuía bastante o
truto e de sua capacidade de predizer com- poder preditivo de atitudes, e Bontempo e
portamentos e intenções. Rivera (1992), que realizaram uma metaná-
Com relação ao primeiro ponto (de- lise indicando que, em países coletivistas, as
finição do conceito), a literatura está cada normas subjetivas tinham mais peso do que
vez mais próxima do consenso de que a nor- as atitudes na equação da teoria do compor-
ma se refere a aspectos descritivos (isto é, o tamento racional.
que é feito, o comportamento mais popular) A despeito dessas discussões, as normas
e a aspectos injuntivos (isto é, o que todos sociais têm sido bem‑sucedidas em interven-
deveriam fazer). Essa distinção, feita há ções e estudos, tais como: redução da quan-
mais de 50 anos, foi recuperada por Cialdini tidade de lixo jogado no chão em lugares
(Cialdini e Goldstein, 2004; Cialdini e Trost, públicos (p. ex., Cialdini, 2003), prevenção e
1998; Cialdini et al., 1991; Reno et al., diminuição da ocorrência de alcoolismo em
1993; Kalgreen et al., 2000) e vem sendo colégios e universidades (Borsari e Carey,
amplamente utilizada por diversos pesquisa- 2003), medição da aceitação de comporta-
dores (p. ex., Ajzen, 2002; Lapinski e Rimal, mento agressivo (Henry, Cartland, Ruchross
2005). Um outro aspecto relevante dessa e Monahan, 2004), redução da quantidade
discussão é o de se normas são capazes de de fumo consumido (Linkenbach e Perkins,
predizer comportamento, ou pelo menos in- 2003 apud Berkowitz, 2004), agressão se-
tenção em se comportar. xual (Bruce, 2002, apud Berkowitz, 2004),
Com relação à capacidade preditiva, preferência por diferentes marcas de cerve-
esse ponto parece estar relacionado a fato- ja (Yang, Allenby e Fennel, 2002), atrações
res culturais (Trafimow e Fishbein, 1994), que devem estar presente em um parque
ao comportamento em si e ao setting onde ecológico (Manning e Kamp, 1996), estilos
ele ocorre (Lapinski e Rimal, 2005; Wallace de liderança (Torres, 2009), para citar ape-
et al., 2005). Esses fatores podem predizer nas alguns.
quais comportamentos são mais influen- Neste capítulo, discutiremos o con-
ciados por normas sociais. Neste caso, pa- ceito de normas sociais, bem como as par-
rece haver uma espécie de tradeoff entre ticularidades associadas a esse conceito.
normas sociais e atitudes na explicação do Serão apresentadas diferentes definições e
comportamento humano (Rodrigues, 2007; modelos de normas sociais, como elas são
Bomtempo e Rivero, 1992; Wallace et al., construídas e como interagem com outros
2005), sendo a relação desses dois constru- processos sociais, contribuindo para a expli-
tos vital para a compreensão do comporta- cação do comportamento humano.
mento humano (Ajzen, 1991). A literatura Entretanto, antes de apresentar a defi-
tem buscado cada vez mais descobrir que nição de normas sociais, é importante notar
(ou quais) tipo(s) de comportamento é(são) que (de modo similar ao que acontece com
mais influenciado(s) por atitudes ou normas o conceito de cultura) diferentes autores
sociais (Fekadu e Kraft, 2002), curiosamen- vêm enfatizando diferentes aspectos des-
te tentando predizer quais fatores serão os se construto em suas definições e modelos
com as necessidades de pequenos grupos social e cultural. A ênfase não é mais apenas
em situações específicas (p. ex., inferidos no nível individual. Normas globais devem
da situação) em vez de recuperados da me- chamar a atenção do pesquisador para um
mória. Por outro lado, os indivíduos trazem sistema mais amplo, no qual as necessidades
normas globais (ou “padrões absolutos”) do indivíduo estão em constante interação
para qualquer contexto social, sendo que es- com a dinâmica da sociedade e da cultura.
sas normas influenciam a avaliação de suas Algum suporte para a diferenciação
experiências. entre normas locais e globais propostas por
Quando Milles e Prentice discutem Miller e Prentice (1996) é encontrado na li-
normas locais, sua ênfase é a autoavaliação teratura. Por exemplo, Nisan (1987) exami-
do indivíduo. Eles acreditam que as nor- nou a construção de normas morais em 60
mas locais “simplesmente influênciam a ex‑ garotos e garotas de 1a e 4a séries em Israel.
periência psicológica do indivíduo”2 (Miller e Ele observou a existência de duas orienta-
Prentice, 1996, p. 803). Segundo essa pers- ções distintas para as normas sociais: uma
pectiva, normas locais são estudadas, em na qual o critério para o julgamento social
sua maioria, a partir de um nível individual dos comportamentos era a consequência
de análise. Aqui, a ênfase é no indivíduo que destes para os outros envolvidos (isto é, em
está comparando alguém – ou ele mesmo – um nível “micro”, envolvendo apenas os
com o grupo. Embora quando falamos sobre membros de um pequeno grupo); e outra
normas locais, continuamos falando sobre nas quais as normas parecem ter uma vali-
(pequenos) grupos, o foco de investigação dade absoluta (isto é, em um nível “macro”,
parece estar direcionado para as razões in- incluindo todos os membros da sociedade).
dividuais para a autoavaliação. Nesse caso, A distinção entre essas duas orientações é
a norma se torna uma das ferramentas dis- congruente com a diferenciação proposta na
poníveis que os indivíduos utilizam para teoria de Miller e Prentice (1996).
comparar e avaliar sua posição relativa a Para Jackson (1966a), a cultura não é
um grupo. apenas concreta, mas um sistema de ideias
Entretanto, quando normas globais são padronizadas, mesmo se parcialmente ma-
discutidas, o nível de análise muda para o nifestas em termos concretos. Esse autor ob-
que Gold (1997) chamou de “fronteira” en- servou que uma maneira de entender a cul-
tre o indivíduo e o ambiente da organização tura de um povo é por meio de suas normas.
Quadro 5.2
A especificidade das normas sociais
Tendemos a considerar as normas de nossa cultura como algo universal, sendo que muitas vezes
isso simplesmente não condiz com a realidade. Por exemplo, durante a socialização do brasileiro,
este aprende que arrotar à mesa é considerado com um gesto de má educação. No entanto, para
alguns grupos culturais mais exóticos (no sentido antropológico do termo), arrotar é um sinal de
que a comida estava boa. Em algumas culturas, o luto é demonstrado com o azul, ou mesmo com
o branco, e não com o preto. Durante o período do Império, no Brasil, as casas possuíam uma
grande bacia na qual se despejava uma solução antisséptica no interior, para servir de alvo e pon‑
taria ao exercício de escarrar em público. Eram as escarradeiras, populares em toda sala de visita
das casas mais abastadas, onde o dono da casa e seus convidados podiam “escarrar” durante as
festividades (Antunes, Waldman e Moraes, 2000).
Essas são apenas algumas especificidades culturais, que podem ser descritas em termos de
normas sociais. São comportamentos específicos que, devido a seu significado em cada cultura (a
cada tempo), podem ou não ser passíveis de uma sanção por parte da sociedade.
Sarbin (em Jackson, 1966a) define normas var que aquilo que as pessoas fazem é fre-
como uma unidade de cultura, significando quentemente mais importante do que o que
que as normas podem ser entendidas como elas dizem. Como notado por Hall (1973),
um componente de cultura. Assim, uma vez se uma pessoa recebe informações sobre
que as normas podem ser compreendidas as normas de diferentes culturas, ela pode
como uma unidade de cultura, então po- ajustar seu comportamento para agir de
dem ser conceitualizadas como um padrão acordo. Contudo, Hall (1977) sugere que,
abstrato de ideias que são aprendidas pelos quando ocorre o contato entre duas cultu-
membros de um sistema social (Jackson, ras, entender e aceitar a realidade da cultu-
1966a). Nessa óptica, a definição de cultura ra local (p. ex., normas sociais) não é uma
leva à definição de norma. tarefa fácil, é algo que precisa ser vivido, e
Jackson (1966a) também considera não lido ou planejado. Uma pessoa pode re-
como requerimento para a definição de nor- latar conhecer e respeitar as normas de uma
ma social que esta seja considerada um con- certa cultura e, mesmo assim, nem sempre
ceito interacional ou suprapessoal, e não um conseguir agir de acordo com esse conheci-
conceito de ordem individual, tal como a ati- mento. Entretanto, quando é necessário agir
tude. Esse requerimento é necessário, pois a de acordo com ele, a tarefa se torna mais
norma – como qualquer atividade grupal or- plausível de ser realizada.
ganizada – requer um mínimo de consenso Uma outra maneira de entender as nor-
e um processo para alcançar a objetividade. mas sociais é por meio da conceitualização
Desse modo, o autor define normas sociais de Fishbein e Ajzen (1974; Ajzen e Fishbein,
como “a distribuição de prescrições pelos ou‑ 1980) de normas subjetivas. Apesar desses
tros, para a gama de comportamentos que os autores afirmarem que as normas subjetivas
atores podem realizar em uma determinada não são iguais às normas sociais, mas sim
situação”3 (Jackson, 1966a, p. 35). Desse uma pressão social percebida, esse constru-
modo, percebe‑se que não é possível utilizar to é capaz de captar a influência das normas
a concepção de normas em um nível indi- na atitude que as pessoas mantêm com rela-
vidual de análise, sendo preferível o nível ção a um determinado comportamento e à
cultural ou grupal. realização do comportamento em si. Apesar
Sherif (1968, apud DeRidder, Schrui de a concepção de normas sociais ser mais
jer e Tripathi, 1992) define “grupo” como adequada se considerada como um contí-
uma unidade social que consiste de um nú- nuo de comportamentos com as respectivas
mero de indivíduos que sanções e recompensas associadas a sua
realização (Jackson, 1966, 1975; Torres,
a) em um dado momento do tempo, têm 2009), podendo ser de natureza descritiva
papéis e relacionamentos com status e prescritiva (Hagger e Chatziarantis, 2005;
entre si, Fekadu e Kraft, 2002), a utilização desse
b) e que possui um conjunto de valores ou conceito pode trazer uma nova luz a ques-
normas (compartilhados) que regulam a tões associadas ao entendimento e à previ-
atitude e o comportamento dos membros são do comportamento humano.
individuais, pelo menos no que se refere Contudo, apesar de não serem o mes-
à consequência destes. mo construto, a semelhança entre as nor-
mas sociais e a norma subjetiva extrapola a
Atitudes, sentimentos, aspirações e ob- semelhança de nomes. Como a norma sub-
jetivos compartilhados que caracterizem as jetiva é relativa à realização de um único
identidades dos membros são relacionados comportamento, pode‑se dizer que a nor-
a essas propriedades, especialmente às nor- ma social é constituída de diversas peque-
mas e aos valores comuns para o grupo. nas normas subjetivas. Diferentemente das
Quando se pretende estudar o com- normas sociais, a norma subjetiva assume
portamento humano, é importante obser- um aspecto muito mais prescritivo do que
Quadro 5.3
Componentes das normas sociais
descritivo, uma vez que – como já colocado nhecido como norma injuntiva (Hagger e
– a norma subjetiva se refere à percepção Chatziarantis, 2005). Conforme menciona-
do indivíduo com relação à aprovação/re- do anteriormente, a norma não depende
provação de se realizar um comportamento, apenas de aspectos injuntivos, pois, como
ao passo que a norma social também serve apontado por Cialdini e Goldstein (2004) e
como um padrão de comparação para deci- Cialdini e Trost (1998), principalmente em
dir se algo é ou não adequado, ou perten- situações de ambiguidade, o indivíduo bus-
cente a um determinado grupo ou categoria ca realizar o comportamento mais realizado
(Prentice e Miller, 1996). (popular) com base na crença de que este
A operacionalização originalmente seria o comportamento mais socialmente
proposta por Fishbein e Ajzen (1974; Ajzen aceito. Esse fenômeno também é conheci-
e Fishbein, 1980) reflete principalmente do como heurística de maioria (Anderson,
o aspecto prescritivo da norma, mais co- 1996), ou norma descritiva.
Devido a essa confusão sobre os di- por outras ciências sociais além da psicolo-
ferentes tipos de normas, a norma subjeti- gia, tais como a antropologia e a sociologia
va merece uma discussão mais profunda. (p. ex., Komarovsky, 1973). Contudo, neste
Inicialmente definida como a percepção da capítulo enfatizaremos como as normas po-
pressão percebida em realizar ou não um de- dem ser utilizadas para entendermos como
terminado comportamento (Fishbein e Ajzen, diferentes comportamentos se manifestam
1974), Cialdini e Trost (1998) acrescentam em diferentes culturas.
que são cognições compartilhadas que po- Para DeRidder, Schruijer a Tripathi
dem afetar o comportamento de um indiví- (1992), as normas devem ter uma impor-
duo, dependendo de características pessoais tância primária para a psicologia, pois, da
(isto é, automonitoramento, locus de contro- existência de normas sociais, provém a base
le), situacionais (Ehrhart e Naumann, 2004) para a comunicação intra e entre grupos.
e da cultura (Bomtempo e Rivero, 1992). Essa importância é ainda mais marcante
Entretanto, conforme apontado por em culturas como a brasileira, que tem as
outros autores (p. ex., Lapinsky e Rimal, normas sociais como um importante fator
2005; Fekadu e Kraft, 2002), o conceito, de determinação de pensamento e compor-
como pensado originalmente, não é capaz tamento, podendo, inclusive, ter uma influ-
de lidar com todos os aspectos da influência ência maior do que as atitudes (Rodrigues,
normativa. Ajzen (1991, 2002) afirma que 2007). Dentre os estudos que vêm utilizando
a norma subjetiva é o somatório do produto o conceito ou testando teorias psicológicas
entre a percepção das crenças mais salientes que utilizam o conceito de normas sociais,
da probabilidade de que um certo compor- pode‑se destacar, por exemplo, a investiga-
tamento seja aprovado ou desaprovado por ção feita por Wellen, Hogg e Terry (1998)
uma pessoa ou grupo referente com a mo- sobre quais seriam os efeitos das normas
tivação que o indivíduo tem em se confor- sociais dos membros de um determinado
mar nesse referido comportamento. Apesar endogrupo4 na relação entre a atitude e o
de essa definição ser realmente mais seme- comportamento. Esses autores encontraram
lhante à definição de normas injuntivas, que essa relação varia em função da saliên-
Ajzen (2002) considera que a norma sub- cia do pertencimento ao grupo. Seu objeti-
jetiva deva incluir os aspectos das normas vo era testar a teoria da Identidade Social
sociais propostos por Cialdini e colaborado- (Tajfel e Turner, 1978), e seus achados suge-
res (Cialdini e Goldstein, 2004; Cialdini e rem que as normas do endogrupo influen-
Trost, 1998; Cialdini et al., 1991; Reno et ciam a tomada de decisão, fazendo com que
al., 1993; Kalgreen et al., 2000), que suge- indivíduos que tenham o pertencimento ao
rem que estas são baseadas tanto no aspecto grupo como mais saliente tomem a decisão
injuntivo (isto é, o que deve ser feito) quan- com base mais em normas sociais do que os
to no aspecto descritivo (isto é, o que todos que têm um pertencimento menos saliente.
estão fazendo), sendo que pode haver uma A despeito de diversos estudos bem enco-
maior prevalência de uma sobre a outra. rajadores, que sugerem o uso de normas
sociais para o teste de teorias psicológicas
(isto é, Smith e Bond, 1999; Smith, Bond
Estudos sobre normas e Kagitçibasi, 2006), observa‑se que diver-
sas teorias são desenvolvidas na parte “oci-
Normas sociais vêm sendo estudadas por ou- dental”5 do mundo (isto é, principalmente
tras disciplinas além da psicologia social. Por Estados Unidos e Europa), onde as pesqui-
exemplo, Monteil (1994) notou que o estu- sas apontam uma menor influência das nor-
do da aquisição e da construção das normas mas sociais. Em determinadas situações,
sociais é uma área de convergência entre a essa influência pode ser até bem marcante,
psicologia social e a do desenvolvimento. podendo obscurecer a influência de outros
Além do mais, normas vêm sendo estudadas construtos, tais como a atitude (Wallace,
Paulson, Lord e Bond Jr., 2005; Bomtempo, chosas, e o poder de cada norma é derivado
Lobel e Triandis, 1995). Contudo, poucos somente do valor que ela tem para aquela
modelos ou teorias são testados – ou desen- cultura na qual ela opera. Sanções como leis
volvidos – em outras culturas. Desse modo, surgem para manter tais normas. Os defen-
a norma social tende a não receber muita sores dessa perspectiva argumentam que o
atenção, mesmo em outras culturas. Para estabelecimento da norma vem do reforça-
Smith, Bond e Kagitçibasi (2006), essa li- mento e da punição dos comportamentos
mitação da psicologia social não ameaça que são repetidamente realizados no dia a
apenas a generalização de nossas teorias, dia (Cialdini e Trost, 1998). Entretanto, ela
mas também os estudos planejados para não explica o surgimento das normas que
testá‑las, mesmo utilizando, ou não, o con- aparentemente são aleatórias, tais como o
ceito de normas sociais. Além disso, Walker vestiário. É uma norma social a utilização,
e Gibbins (1996) afirmam que o estudo de pela parte dos homens, de ternos e gravatas,
normas sociais é essencial para a psicologia. mesmo em países tropicais como o nosso,
Eles sugerem que esse construto pode ser e essa prática era comum mesmo em uma
mais importante do que outros construtos época em que não havia ar‑condicionado.
relacionados às ciências sociais. Além do Em uma perspectiva funcional, as
mais, quando DeRidder e colaboradores normas se desenvolvem para encorajar ou
(1992) observaram que pouca atenção foi restringir comportamentos relacionados ao
dada para o conceito de normas sociais, desenvolvimento do grupo (Sherif, 1936
eles também notaram que poucos estudos apud Cialdini e Trost, 1998). Schaller e
relataram a importância das normas sociais Latané (1996) argumentam que sistemas
em diferentes culturas. Suh, Diener, Oishi e de crenças culturalmente compartilhados,
Triandis (1998), por exemplo, compararam tais como estereótipos e normas, se desen-
a importância da emoção versus normas no volvem de um modo muito similar à seleção
que se refere à satisfação com a vida entre natural: em que, por meio de processos de
61 países individualistas e coletivistas. Eles comunicações, indivíduos indicam padrões
encontraram que, em culturas coletivistas, de comportamentos que são efetivos, rele-
normas sociais e emoções são fortes pre- vantes e informativos, para determinadas
ditoras de satisfação, enquanto que, para situações. Normas bem‑sucedidas seriam
países individualistas, as emoções foram adaptativas à “sobrevivência” nesses contex-
preditores muito mais fortes do que as nor- tos. Elas comunicam como adquirir status,
mas. Infelizmente, estudos que levam em se afiliar com outros, adquirir comida, etc.
consideração as normas sociais de culturas Para Gold (1997), as organizações
diferentes da norte‑americana não são mui- sociais influenciam os indivíduos, por meio
to comuns na literatura de psicologia (ou do processo da socialização. A função da
outras ciências sociais). socialização seria a de implantar motivos
(isto é, razões pelas quais os indivíduos
mudariam suas ações) e recursos (isto é,
Construção das normas expectativas) apropriados para os indivídu-
os em seu ambiente social. A socialização é
Diferentes perspectivas argumentam como um conceito‑chave quando se estuda a cons
as normas sociais surgem nos sistemas so- trução de normas nas ciências sociais. Pode
ciais de cada cultura. Todas fornecem expli- ‑se afirmar que a socialização é a matéria
cações para o comportamento normativo, ‑prima para o aspecto regulatório de regras
sendo que a maior diferença está no tipo de e papéis, e a conformidade para com as
comportamento que é suscetível às pressões normas é o aspecto central do processo de
normativas arbitrárias. socialização. A construção de normas so-
Em uma perspectiva societal, as nor- ciais é uma operação inerente ao processo
mas são culturalmente específicas e capri- de socialização.
7 anos. De mesma forma, Pataki e Painter uma cultura pode ser observada. Esse autor
(1994) notaram que a construção de nor- nota que uma forte definição de cultura é
mas sociais para a amizade e o pertenci- aquela que tem aspectos normativos para
mento ocorre quando a criança está na 3a os diferentes papéis, e que implica em uma
série, com idades entre 7 e 8 anos. Esses e condição na qual “todos devem” (p. 123),
outros estudos aparentemente indicam que significando que a definição de normas seria
as normas e valores que são moldados e en- intrínsica à definição de cultura.
dossados nessa primeira infância tendem Rohner (1984 apud Smith e Bond,
a acompanhar os indivíduos pelo resto de 1999) propõe que não devemos distinguir
suas vidas. Desse modo, normas relativas a entre os conceitos de cultura e sistema so-
diferentes comportamentos podem vir a ser cial. Ele define um sistema social em termos
desenvolvidas também nos primeiros rela- de “os comportamentos de diversos indiví-
cionamentos das crianças com seus pais. É duos dentro de uma população culturalmen-
importante citar que o desenvolvimento de te organizada, incluindo seus padrões de in-
normas sociais só ocorre em um determi- terações social e redes de relacionamentos
nado contexto cultural. Como mencionado sociais” (p. 127). Como discutido anterior-
anteriormente, um indivíduo sozinho não mente, a maioria das definições de cultura
pode construir uma norma. Ele (ou ela) se baseia na análise dos comportamentos
precisa de contato com outros indivíduos, e ações de seus membros. Uma vez que a
precisa saber (ou imaginar) quais são as ex- definição de normas se refere a quais com-
pectativas do outro naquela situação espe- portamentos “devem” ser feitos em uma si-
cífica e precisa perceber como este entende tuação, pode‑se entender com clareza como
como as normas se aplicam nessa situação as normas sociais estão claramente inseri-
específica. das na definição de cultura. Deste modo,
É importante ressaltar que a norma estudando‑se o mesmo sistema social, em
é um construto com uma essência pre- diferentes culturas, podermos inferir como
dominantemente regulatória na realiza- as diferentes culturas entendem esses com-
ção de diferentes comportamentos. Inde portamentos, e o que significa o comporta-
pendentemente do modo como é construí- mento ideal em cada cultura.
da, sua formação sempre vai depender de Em culturas diferentes, Smith e Bond
uma considerável da influência da cultura (1999) observaram que indivíduos (de dois
no desenvolvimento da cultura no grupo países diferentes) podem desempenhar
(Triandis, 1994). papéis sociais idênticos em suas culturas.
Entretanto, eles frequentemente têm dife-
rentes históricos em cada grupo de culturas,
Normas versus cultura o que irá afetar o modo como eles desem-
penham seus papéis em cada cultura. Desse
Diversos autores (p. ex., Gold, 1997; modo, o mesmo papel pode ser definido de
Bomtempo e Rivera, 1992; Wallace et al., modo similar em cada cultura, mas as nor-
2005; Triandis e Suh, 2002) consideram que mas que guiam o comportamento dos atores
há uma relação entre normas sociais e cul- sociais podem ser diferentes. Por exemplo,
tura. Vários autores consideram que a defi- dois indivíduos podem ter exatamente o mes-
nição de cultura inclui a noção de crenças mo cargo (p. ex., analista de produção) com
e normas compartilhadas (Lehman, Chiu as mesmas atribuições (isto é, mesma descri-
e Schaller, 2004; Wan, Chiu, Peng e Tam, ção de cargo) em duas culturas, mas Payett e
2007; Smith, Bond e Kagitçibasi, 2006). Morris (1995) observaram que o modo como
Gold (1997) afirma que, quando indivíduos esses indivíduos executam suas tarefas está
compartilham as mesmas crenças e possuem atrelado à cultura. É necessário estudar os
uma “consciência de consenso” (p. 120), diferentes contextos culturais desses indiví-
dios para poder entender o que cada norma ao escolherem como se comportar em uma
social implica em cada contexto. dada situação. Essa hipótese vem encontran-
Smith e Bond (1999) consideram, do algumas evidências de sua validação (p.
ainda, que o conceito de cultura é muito ex., Smith et al., 1998). Então, por exem-
abrangente para o uso científico. Cultura é plo, seria plausível considerar que o protó-
um conceito capaz de lidar com uma grande tipo de um líder em uma cultura coletivista
gama de variação do comportamento e pen- seria aquele que dá maior valor para suas
samento humano. No entanto, qual aspecto normas sociais. Por outro lado, um líder em
da cultura é responsável pela variação em uma cultura individualista poderá ser mais
uma parte específica do comportamento hu- bem identificado como aquele que fornece o
mano? Afirmar que qualquer diferença entre que está faltando para a realização de tare-
dois grupos específicos é devido à cultura é fas, ou de funções relacionadas com relacio-
de pouca utilidade prática e científica, pois, namentos. Também podemos observar que
ao final, não se sabe o que realmente cau- as normas podem ser usadas para explicar
sou a diferença (Smith, Bond e Kagitçibasi, e justificar o ponto de vista da organização
2006; Dimaggio, 1997). como superior, para reafirmar o direito da
Além disso, considerando que a cultura administração definir qual é o ponto de vis-
só pode ser medida indiretamente, por meio ta que irá prevalecer em uma dada situação
das crenças, valores e normas compartilha- (Izraeli e Jick, 1986).
das que a constitui (entre outros construtos), A relação entre seres humanos e as
e que existe uma considerável dificuldade dimensões culturais é uma via de “mão
em mensurar (indiretamente) essas crenças, dupla”, na qual os indivíduos e o ambien-
valores e normas em sua completude, uma te moldam um ao outro. Hall (1969) afir-
solução para o estudo de culturas pode ser ma que pessoas influenciam a norma de
da escolha de um dos componentes, como seu grupo cultural e são influenciadas por
a norma. O uso do conceito de norma pode ela. Ele também propõe que as normas, de
nos ajudar a especificar os estudos de cul- modo similar às leis (isto é, uma forma de
tura. Uma outra vantagem é que se trata de norma mais estruturada), são essenciais
um conceito que é diretamente relacionado para a sobrevivência de uma cultura e para
a um comportamento observável. a manutenção das pessoas em uma cultura.
Leis e normas podem ser criadas por várias
razões. Como observado pelos autores, des-
Normas e dimensões culturais de os tempos do Código de Hamurabi (1700
a.e.c.),6 existe “a necessidade de reforçar leis
Revisando os estudos relativos à noção de que substituam os costumes tribais” (Hall,
self, Smith, Bond e Kagitçibasi (2006) en- 1969, p. 167). Desse modo, pode‑se notar
contraram que estudos realizados em cultu- que as normas sociais sempre fizeram parte
ras mais coletivistas apresentam resultados de qualquer grupo social, podendo ser de-
diferentes daqueles realizados em culturas monstradas por suas dimensões culturais.
mais individualistas. Participantes de cultu- Quando indivíduos de diferentes cul-
ras mais coletivistas (p. ex., Brasil) tendem turas entram em contato, eles vivenciam as
a perceber os outros e a si mesmos em ter- diferentes normas que se aplicam a cada um.
mos mais situacionais. Uma vez que as nor- Contudo, diversas dificuldades podem ocor-
mas se relacionam com o comportamento rer, levando ao fracasso na leitura correta da
apropriado para uma situação específica, e norma que se aplica a cada um. Gerando di-
que indivíduos de uma cultura mais coleti- versos mal‑entendidos. Contudo, quando o
vista tendem a perceber a si nos termos da contato passa a ocorrer com maior frequên
situação, então há uma considerável chance cia, elas passam a compreender melhor o
deles se apoiarem mais em normas sociais comportamento do outro (Hall, 1969).
Quadro 5.4
Diferenciação das normas entre culturas
Quadro 5.5
Normas e aprendizagem de linguagens
Quadro 5.6
Normas sociais e características culturais
Quadro 5.7
Normas sociais e comportamento humano
Figura 5.1
Curva de retorno potencial e suas medidas.
Nota: Diagrama esquemático mostrando a representação da norma no MRP. A curva (que é a curva
de retorno potencial) mostra a distribuição de aprovação‑reprovação entre os membros de um sistema
social com relação a uma gama de comportamentos. Note que cada ponto na curva representa a média
das respostas dos membros do grupo. (adaptado de Jackson, 1966a).
pequenas normas subjetivas. Contudo, dife- merece uma discussão mais a fundo. Ajzen
rentemente das normas sociais, a norma sub- (1991) mantém a definição de norma sub-
jetiva assume um aspecto muito mais prescri- jetiva do modelo anterior (Fishbein e Ajzen,
tivo do que descritivo, uma vez que – como 1975), que as coloca como a percepção da
já colocado – a norma subjetiva se refere à pressão percebida em realizar ou não um
percepção do indivíduo com relação à apro- determinado comportamento (Fishbein
vação/reprovação de se realizar um compor- e Ajzen, 1975). Já Cialdini e Trost (1998)
tamento, ao passo que a norma social tam- acrescentam que são cognições comparti-
bém serve como um padrão de comparação lhadas que podem afetar o comportamento
para se decidir se algo é ou não adequado, de um indivíduo, dependendo de caracterís-
ou pertencente a um determinado grupo ou ticas pessoais (isto é, automonitoramento,
categoria (Prentice e Miller, 1996). locus de controle), situacionais (Ehrhart e
Como já visto anteriormente, a se- Naumann, 2004) e cultural (Bomtempo e
melhança entre as normas sociais e a nor- Rivero, 1992).
ma subjetiva extrapola a semelhança de Entretanto, conforme apontado por
nomes. Contudo, a norma subjetiva é re- outros autores (p. ex., Lapinsky e Rimal,
lativa à realização de um único comporta- 2005; Fekadu e Kraft, 2002), o conceito não
mento – seu objetivo é verificar a pressão é capaz de lidar com todos os aspectos da in-
social percebida na realização de um único fluência normativa. Ajzen (1991, 2002) afir-
comportamento em um contexto específico. ma que a norma subjetiva é o somatório do
Considerando que a norma social seja cons- produto entre a percepção das crenças mais
tituída de diversas pequenas normas sub- salientes da probabilidade de que um certo
jetivas, a norma subjetiva é relativa a uma comportamento seja aprovado ou desapro-
dimensão comportamental da norma. Sua vado, por uma pessoa ou grupo referente,
natureza é muito mais prescritiva do que com a motivação que o indivíduo tem em se
descritiva, uma vez que a norma subjetiva conformar nesse referido comportamento.
se refere à percepção do indivíduo com re- Apesar de essa definição ser realmente mais
lação à aprovação/reprovação de se realizar semelhante à definição de normas injunti-
um comportamento, e não como padrão de vas, Ajzen (2002) considera que a norma
comparação para decidir se algo é ou não subjetiva deve incluir os aspectos das nor-
adequado, ou pertencente a um determina- mas sociais propostos por Cialdini (Cialdini
do grupo ou categoria. e Goldstein, 2004; Cialdini e Trost, 1998;
A operacionalização originalmente Cialdini et al., 1991; Reno et al., 1993;
proposta por Fishbein e Ajzen (1974; Ajzen Kalgreen et al., 2000), que sugere que es-
e Fishbein, 1980) reflete principalmente tas são baseadas tanto no aspecto injuntivo
o aspecto prescritivo da norma, mais co- (isto é, o que deve ser feito) quanto no as-
nhecido como norma injuntiva (Hagger e pecto descritivo (isto é, o que todos estão
Chatziarantis, 2005). A norma não depende fazendo), sendo que pode haver uma maior
apenas de aspectos injuntivos, pois, como prevalência de uma sobre a outra.
apontado por Cialdini e Goldstein (2004) e Contudo, diversas pesquisas vêm apon-
Cialdini e Trost (1998), principalmente em tando para um fraco poder preditivo das
situações de ambiguidade, o indivíduo bus- normas subjetivas (p. ex., Sheeran, Norman
ca realizar o comportamento mais realizado e Orbell, 1999). Até mesmo Ajzen (1991),
(popular), com base na crença de que este quando descreve seu modelo, afirma que,
seria o comportamento mais socialmente na maioria das vezes, atitudes e crenças de
aceito. Esse fenômeno é conhecido como controle percebido seriam suficientes para
heurística de maioria (Anderson, 1996), ou predizer intenção. A desconsideração desse
norma descritiva. construto tem sido tão forte que diversos
Devido a essa confusão sobre os dife- autores têm deliberadamente retirado esse
rentes tipos de normas, a norma subjetiva componente na hora de trabalharem com a
teoria do comportamento planejado, subs- (de 0,41 para 0,30, para cada desvio‑padrão
tituindo ou não por outro construto con- acima de média de pressão social), a atitude
siderado semelhante (Armitage e Connor, continuou apresentando correlações signi-
2001). ficativas. Desta forma, mesmo em culturas
Entretanto, outros autores (p. ex., predominantemente individualistas, a in-
Armitage e Conner, 2001; Hagger e Chatzia fluência normativa apresenta algum tipo de
rantis, 2005) vêm defendendo o construto importância. Esse tipo de dado é interessan-
e colocam que o primeiro motivo pelo qual te, pois, apesar de evidente (Hagger, Nikos
ele não tem apresentado sucesso está nos e Chatziarantis, 2005), vem sendo sistema-
métodos de mensuração, pois a quase tota- ticamente ignorado nos estudos que utili-
lidade dos estudos trabalha com normas so- zam a teoria do comportamento planejado
ciais com itens muito gerais (p. ex., todas as (Armitage e Connor, 2001).
pessoas que são importantes para mim apro- Bomtempo e Rivero (1992) realizaram
vam/desaprovam que eu pratique turismo uma metanálise comparando os pesos obti-
de aventura em minhas próximas férias), dos na predição de intenção, utilizando a
e a maioria utiliza apenas um único item. teoria da ação racional (TAR), e verificaram
Armitage e Connor (2001), testando a hipó- que havia uma troca da magnitude entre as
tese de que o fraco poder preditivo da norma atitudes e a norma subjetiva na extensão
subjetiva era devido à potencialmente fraca em que as culturas eram classificadas como
confiabilidade do tipo de medida utilizada, mais ou menos individualista, com base nos
realizaram uma metanálise em que o tipo de estudos de Hofstede (1980). Quanto mais a
mensuração utilizado foi considerado como cultura era tida como coletivista, menor era
uma variável moderadora entre a norma o peso de atitudes e maior o da norma sub-
subjetiva e a intenção/comportamento. Eles jetiva. Infelizmente, eles não controlaram o
encontraram que, quando eram utilizadas tipo de comportamento realizado e, por isso,
medidas com apenas um item, a média das os resultados dessa metanálise podem estar
correlações múltiplas ficou em 0,28, ao pas- enviesados. Entretanto, são mais indícios de
so que, quando foram utilizados múltiplos por que a norma subjetiva vem apresentan-
itens, esse média foi para 0,38, indicando do um baixo poder preditivo na literatura
que, pelo menos parcialmente, o baixo po- internacional, já que geralmente os estudos
der preditivo era devido ao método de men- são realizados em culturas individualistas,
suração utilizado. nas quais se espera que as atitudes tenham
Outros fatores estão no contexto no um maior poder preditivo. Se os dados de
qual o comportamento está sendo realizado Bomtempo e Rivero (1992) estiverem corre-
e na cultura em que os indivíduos estão in- tos, um aumento no poder preditivo de um
seridos. Wallace e colaboradores (2005) re- levaria a uma diminuição do poder prediti-
alizaram uma metanálise tentando verificar vo de outro.
em quais situações as atitudes prediriam um A partir desses dados, surge a neces-
comportamento. Utilizando como variável sidade de se utilizar uma medida de norma
dependente o quanto que o comportamento subjetiva que seja mais confiável e adequa-
estava sobre algum tipo de pressão social, da com a literatura. O primeiro problema a
os resultados mostraram que, em situações ser resolvido é o de que modo medir os dois
em que havia uma pressão social maior, as componentes (injuntivo e descritivo). A li-
atitudes apresentavam um baixo poder pre- teratura reconhece que a definição original-
ditivo. Essa pesquisa foi realizada apenas mente proposta por Fishbein e Ajzen (1974)
com estudos publicados em língua inglesa reflete mais o componente injuntivo, por se
(predominantemente nos Estados Unidos, preocupar mais com o que deve ser feito e
na Inglaterra e na Austrália), e, apesar do não com o que está sendo realizado. Apesar
poder preditivo de atitudes ter diminuído de ser representada como diretamente pro-
nessas situações de forte poder normativo porcional (∝) ao somatório da importância
da opinião de grupos/ indivíduos que são coeficientes de regressão). Ajzen (1996) de-
salientes na tomada de decisão (m), vezes fende que tal estratégia é uma solução ele-
a motivação em se conformar a essa opinião gante para esse tipo de problema, apesar de
(n), conforme ilustrado na equação dois reconhecer que ela é mais descritiva do que
abaixo, muitas vezes ela é medida com itens preditiva, pois seria inferida com base nos
únicos relativos à percepção geral, o que en- dados, e não na população como um todo.
fraquece o poder preditivo da medida. Entre as principais limitações desse
procedimento, está que ele não leva em con-
NI ∝ ∑ mini (1) sideração aspectos de autoidentidade/auto-
De modo semelhante, o componente categorização que, de acordo com Armitage,
descritivo das normas subjetivas também Conner e Norman (1999), é uma importan-
tende a ser mensurado apenas perguntando te variável moderadora nessa relação, pois
‑se aos sujeitos itens globais de quanto eles dela dependeria a conformidade e até mes-
acreditam que as pessoas a sua volta reali- mo a saliência da norma. Mesmo assim ele é
zam ou não determinado comportamento, capaz de fornecer um índice interessante da
apesar de, em sua maioria, tal componente pressão social percebida para a realização
ser ignorado. Uma representação do com- ou não de um comportamento.
ponente descritivo das normas subjetivas
pode ser encontrada na equação 2, em que
a Norma Descritiva (ND) seria diretamen- Conclusão
te proporcional à percepção do sujeito do
quanto as pessoas próximas a ele realizam O que faz com que o brasileiro se comporte
o comportamento (q). de uma maneira e não de outra depende de
vários fatores. Neste capítulo, abordamos
ND ∝ ∑ qi (2)
apenas um dos aspectos, as normas sociais.
Para resolver o problema de qual nor- Contudo, ele trouxe à tona uma discussão
ma seria a mais saliente e de que modo elas importante, o quanto nossas decisões e
contribuiriam em conjunto na formação da pensamento podem ser guiados por nor-
intenção de se comportar, o escore da norma mas sociais, e também por que não se deve
subjetiva pode ser inferido do escore predito importar modelos desenvolvidos em outras
por normas injuntivas e descritivas com base culturas e aplicá‑los no Brasil, sem pelo me-
em uma equação de regressão. A ideia é que nos uma breve “tradução”.
a magnitude dos betas de cada uma das va- Mesmo sendo um país considera-
riáveis vai indicar qual seria o componente do moderadamente coletivista (Hofstede,
mais saliente, uma vez que a norma mais sa- 1980), diversos fatores vêm indicando que
liente (por ter maior capacidade de influen- intervenções baseadas apenas em atitudes
ciar o comportamento) vai ser responsável podem levar a ações/intervenções no mí-
por uma maior parte da variância da variá- nimo inadequadas, até mesmo com rela-
vel dependente. Logo, a inclusão de norma ção aos modos como lidar com as pessoas e
injuntiva e descritiva, entrando de uma vez como estabelecer uma hierarquia. Faz‑se ne-
em um bloco de uma regressão, irá refletir cessária a adoção de modelos nacionais de
um escore razoavelmente preciso da norma tomada de decisão, de liderança e de outros
subjetiva. Tal procedimento não é novo, e fenômenos que ocorram em um cenário tipi-
estratégias semelhantes já foram utilizadas camente brasileiro. Sem esquecermos nossa
por autores como Fishbein e Ajzen (1974) diversidade cultural. Nossa extensão geo-
em sua Teoria de Ação Racional, na qual gráfica e diferentes histórias de colonização
uma regressão era utilizada para inferir se em diferentes regiões trazem uma conside-
as atitudes ou a norma subjetiva teria uma rável dificuldade na hora de se generalizar
maior influência em intenção (por meio dos os resultados de diferentes pesquisas, mes-
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Conhecendo a si e ao outro:
percepção e atribuição de causalidade
José Augusto Dela Coleta
Marilia Ferreira Dela Coleta
Estudos em psicologia social têm demons- por um grupo de pesquisadores tendo à fren-
trado que, ao lado dos motivos básicos de te Edward E. Jones (Jones et al., 1972).
preservação do eu e da espécie, um outro fa- A partir daí, um número incalculável
tor importante na determinação do compor- de artigos sobre o tema surgiu nas principais
tamento humano é a forma de compreensão revistas de psicologia social, principalmente
dos eventos que ocorrem ao redor dos indi- nos Estados Unidos, geradores também de
víduos, de explicação das causas geradoras livros importantes, como aqueles da série
dos fenômenos que os afetam. editada por Harvey, Ickes e Kidd (1976a,
O conjunto de teorias, postulados e re- 1978, 1981), New directions in attribution
sultados de pesquisas referentes ao proces- research, de textos básicos de psicologia
so de explicação da ocorrência dos fatos na social, com abordagem da teoria de atribui-
vida de cada um constituiu‑se em um profí- ção (Harvey e Smith, 1977), dos livros de
cuo campo de pesquisas na psicologia social Bernard Weiner (1986, 1995, 2006) sobre
contemporânea, denominado atribuição de sua teoria atribucional, e de relevantes revi-
causalidade. sões como aquela de Kelley e Michela (1980)
As bases para o desenvolvimento des- que aponta a consulta a mais de 900 refe-
ses estudos remontam ao artigo extrema- rências de artigos sobre atribuição nos anos
mente heurístico de Fritz Heider publicado de 1970, principalmente na literatura norte
em 1944, intitulado Social perception and ‑americana, e as elaboradas por Rodrigues
phenomenal causality, cujas ideias centrais (1984a) e por Dela Coleta (1990) envolven-
foram posteriormente desenvolvidas em seu do os estudos no meio brasileiro. Um impor-
livro de 1958, The Psychology of Interpersonal tante livro foi publicado por Antaki e Brewin
Relations. (1982) tratando de uma série de alternati-
Durante os anos de 1960 e início dos vas de aplicação das teorias de atribuição de
anos de 1970, a teoria de atribuição de causalidade à prática clínica e educacional,
causalidade experimentou importante de- incluindo, entre outros aspectos, a aborda-
senvolvimento, principalmente com as con- gem do papel da atribuição de causalidade
tribuições de Jones e Davis (1965), Daryl no tratamento psicológico; terapia do estilo
Bem (1967) e de Harold Kelley (1967). Esse atribucional; a relação entre atribuição, de-
crescimento culminou na publicação de pressão e desamparo; atribuição a eventos
um livro em 1972, frequentemente citado, acidentais; aspectos atribucionais da medi-
Attribution: perceiving the causes of behavior, cina; administração da dor; modelos rela-
buição interna ao sujeito envolvido na ação, dos fatos. Afirmam Jones e Nisbett (1972,
causas pessoais, disposicionais). p. 80) a esse respeito: “Existe uma profunda
Especificou melhor ainda, indicando tendência dos atores em atribuir suas ações
que as causas atribuídas ao ambiente pode- a exigências situacionais, enquanto os ob-
riam compreender tanto as características servadores tendem a atribuir a mesma ação
da situação, as dificuldades enfrentadas pelo a disposições pessoais estáveis”.
sujeito, as facilidades que o ambiente lhe Em uma extensão desses mesmos
proporcionou como as ocorrências devidas princípios, os observadores acreditam que
ao acaso, a eventos meramente fortuitos. As os atores dos comportamentos geradores
causas relativas ao sujeito seriam oriundas dos efeitos considerados possuem conjuntos
de duas fontes distintas: as características de respostas pré‑determinadas e são porta-
estáveis do sujeito, suas habilidades, capaci- dores de traços de personalidade bastante
dades, potencialidades (ser capaz), ou suas estáveis, que terminam por governar os
necessidades do momento, suas motivações, comportamentos emitidos. Assim sendo, os
seu esforço, seu empenho, sua intenção em observadores classificam os atores em qua-
conseguir aquele efeito (tentar). dros bastante diferenciados, comparando‑os
Ainda que Heider (1958) tivesse cha- com os outros atores, aparentando possuir
mado a atenção para possíveis diferenças uma teoria da personalidade dos atores que
entre os processos de atribuição de causa- segue uma linha normativa, nomotética,
lidade utilizados pelas pessoas que prati- com grupos e traços bem característicos e
caram os atos e aquelas outras que apenas diferenciados.
observaram os fatos, os grandes teóricos Por outro lado, os atores veem seus
da atribuição de causalidade que o segui- próprios comportamentos como decorrentes
ram ou só tratavam da atribuição por par- das circunstâncias particulares enfrentadas
te dos observadores (Jones e Davis, 1965), no momento, não admitindo uma categori-
ou não diferenciavam suficientemente os zação a sua personalidade, nem esta como
processos, quer para os atores quer para os determinante de seu comportamento em to-
observadores (Kelley, 1967), ou mesmo fa- das as circunstâncias. Concebem, por outro
ziam afirmações de que ambos estariam na lado, sua reação aos estímulos como algo
mesma situação e tenderiam a efetuar atri- pouco predizível e controlável, ao mesmo
buições semelhantes (Bem, 1967, 1972). tempo em que consideram sua personalida-
Entretanto, essas suposições teóricas vieram de um conjunto de valores, possibilidades e
a ser convenientemente sistematizadas, e estratégias de ação, em lugar de um grupo
uma distinção clara dos processos atribucio- de traços geradores de disposição de respos-
nais utilizados por atores e observadores só tas, comparando seus comportamentos e
foi objetivamente esclarecida com o traba- reações a si próprios, com seus atos anterio-
lho de Jones e Nisbett (1972) enfatizando res, e nunca com os outros.
a divergência de percepção das causas do Se o observador possui uma teoria de
comportamento por parte de atores e obser- personalidade do ator que tende para a linha
vadores de um mesmo fenômeno. normativa e nomotética, quando se refere a
Jones e Nisbett (1972) calcam as di- seu próprio comportamento as pessoas ten-
ferenças das atribuições pelos sujeitos ato- dem a considerar mais as teorias que refor-
res e observadores no fato de que o ator do çam a importância dos fatores situacionais,
comportamento que provocou determinado históricos, em um modelo ideográfico, com
efeito apresenta a tendência a efetuar atri- os comportamentos obedecendo a tratamen-
buições de maneira a enfatizar o papel do to ipsativo. Ou por outra: “Traços de perso-
meio ambiente na provocação dessa ocor- nalidade são coisas que as outras pessoas
rência, enquanto os observadores tenderiam têm” (Jones e Nisbett, 1972, p. 92).
a indicar as disposições e as características As supostas razões determinantes des-
do ator como responsáveis pela ocorrência se fenômeno poderiam ser reunidas em três
grandes grupos: diferenças na obtenção de endeu até seu autor, que fez uma analogia
informações da situação e das pessoas; di- de sua publicação com um fósforo que usou
ferenças no processamento destas informa- para acender seu cachimbo e que jogou fora
ções; diferenças motivacionais. enquanto passeava em uma floresta e, quan-
Para tornar mais completa essa dis- do olhou para trás, viu que havia um grande
tinção, os estudos têm demonstrado a incêndio (Furnham e Steele, 1993).
existência de uma tendência de as pessoas Controle percebido (Perceived control)
atribuírem crédito a si próprias, a suas ca- é definido como o sentimento que o indi-
racterísticas, a sua capacidade, a seu esfor- víduo experimenta referente à medida com
ço, por atos com efeitos positivos, e a evi- que é capaz de determinar a ocorrência dos
tar aceitar responsabilidade nos casos de fenômenos, de provocar um dado efeito. É
comportamentos que produziram um efeito a expectativa de que as causas internas pos-
negativo. Ao mesmo tempo, esse viés atri- sam suplantar as causas externas na origem
bucional implica a recusa em aceitar como dos fatos, de que os reforçamentos ocorrem
causa de comportamento dos outros que pela ação específica do indivíduo e não pela
produziram um final positivo suas caracte- ação das outras pessoas ou do meio que o
rísticas pessoais, disposições mais estáveis, cerca.
esforço, enquanto se procuraria imputar às A principal contribuição à sistematiza-
variáveis pessoais dos outros a causalidade ção da influência dos princípios de percepção
a fatos de cunho negativo. de controle na área da aprendizagem social
A esse fenômeno atribuiu‑se a deno- foi desenvolvida por Julian Rotter (Rotter,
minação de egotismo (egotism) (Snyder, 1966; James e Rotter, 1958) para quem “...
Stephan e Rosenfield, 1976, 1978) e a op- o potencial para o comportamento X ocorrer
ção por esse termo, em vez de outros corre- na situação 1, em relação ao reforçamento
latos, como defensividade, egoísmo, egocen A, é função da expectativa da ocorrência do
trismo, racionalização, prende‑se ao fato de reforçamento A, seguindo o comportamento
que estes últimos, de um modo ou de outro, X, na situação 1, e o valor deste reforçamen-
pressupõem envolvimento de natureza di- to A na situação 1” (Lefcourt, 1976, p. 26),
versa, conforme a teoria na qual tiveram ori- obedecendo à equação seguinte:
gem, o que contribuiria para certa confusão
de entendimento dessa nova proposta. BPx.S1.RA = f (Ex1.RA.S1 & RV A.S1)
dona de casa pode sentir controle absoluto poderosos para a saúde na situação de do-
de sua cozinha, avaliar que conhece as re- ença, como já haviam sugerido Wallston e
ceitas e onde se encontram os ingredientes Wallston (1981, p. 217)
e utensílios, mas pode sentir total falta de
controle ao entregar o carro ao mecânico Apesar de ser uma dimensão externa,
para conserto, enquanto outra poderá sentir a crença nos outros poderosos para a
controle absoluto em seu ambiente de tra- saúde pode levar ao engajamento em
balho, mas não ter a mesma percepção ao comportamentos de saúde visto que a
tentar comunicar‑se com seus filhos adoles- pessoa segue as recomendações de outro
centes. poderoso (particularmente o profissional
Os resultados de dezenas de estudos de saúde).
realizados em diversas partes do mundo,
no Brasil inclusive, e resenhados por Dela Em situações de atribuição de causa-
Coleta e Dela Coleta (2006) parecem ofere- lidade e julgamento de outros, os indivídu-
cer suporte ao fato de que maiores níveis de os mais internos atribuem maiores respon-
Internalidade no Locus de Controle estariam sabilidades que os externos aos motoristas
significativamente associados, entre deze- acusados de atropelamentos que causam
nas de outros fenômenos, a mais altos níveis ferimentos à vítima, recomendam maiores
de escolaridade e sócio‑econômico, maior níveis de sentença de prisão ao acusado,
resistência a influências e a “tentações” no acreditam mais que o motorista poderia ter
processo de tomada de riscos, maior tole- evitado o acidente. No âmbito acadêmico, os
rância ao desconforto, mais questionamen- indivíduos mais internos apresentam maior
tos quando não são dadas instruções sufi- valor incentivo dos estudos (mais facilidade
cientes, maior tempo gasto para tomada de para iniciar e persistir no comportamento
decisão, maior resistência à coerção, maior de estudar), maior possibilidade subjetiva
curiosidade, mais planejamentos de longo de aprovação em exames escolares, maior
prazo, visão do futuro mais positiva, melho- índice de aprovação em processo seletivo de
res respostas de enfrentamento (coping) das ingresso no nível superior e, talvez a mais
adversidades, níveis mais altos de satisfação consistente das relações, considerando‑se
conjugal, melhores resultados no tratamen- diferentes culturas, maiores níveis de inter-
to de doenças, comportamentos de saúde nalidade correspondem a índices superiores
mais adequados relativos a tabagismo, a va- de desempenho acadêmico em diferentes
cinação, a prática de exercícios, a controle níveis de escolaridade.
de natalidade, a perda de peso, a controle Como extensão desses princípios, a
de diabetes e a hipertensão, a uso de apa- percepção do locus de controle pelo sujei-
relhos ortopédicos e ortodônticos, a uso de to pode vir a ser o mediador na realiza-
medicação, a prevenção do enfarte, de di- ção pessoal do indivíduo (achievement),
versos tipos de câncer e da AIDS. uma vez que as pessoas precisam neces
Ainda na área da saúde, a crença dos sariamente perceber que seus atos são re-
indivíduos na externalidade denominada levantes à determinação dos eventos para
Outros Poderosos para a saúde, que se refe- que venham a se engajar nessas atividades.
re a acreditar que a própria saúde deve es- Nesse sentido, o sacrifício, o empenho do
tar sob o controle de profissionais de saúde, sujeito em realizar algo superior ao que já
família e outros, está relacionada a seguir dispõe no momento seria função direta da
as recomendações médicas em 11 de 15 percepção de que é capaz de determinar as
comportamentos de prevenção e controle ocorrências, sendo muito duvidosa a parti-
de doenças cardiovasculares. Estes resulta- cipação das pessoas em empreendimentos
dos, aparentemente contraditórios, confir- que elas mesmas não acreditam que pos-
mam a importância da externalidade‑outros sam controlar.
Quadro 6.1
Dimensões causais e causas explicativaS do sucesso e do fracasso
Esquema de
Reforços
Figura 6.1
Modelo Atribucional de Motivação de Realização.
Fonte: (Weiner, Russel e Lerman, 1978, p. 60, com pequenas adaptações).
dos (quase todos por acidentes de trabalho causadoras dos acidentes, são citadas a for-
ou de trânsito), que 32,5% dos casos atribu- mação deficiente do trabalhador, os conhe-
íram a origem de seu estado às outras pes cimentos insuficientes da forma correta de
soas, 30% ao destino, ao acaso, a Deus, 15% execução e, por outro lado, a imprudência e
à empresa, à sociedade em geral, 12,5% à o desrespeito às normas do segurança (Dela
falta de recursos, à situação econômica, ao Coleta, 1991).
tipo de trabalho e somente 10% a suas pró- Dela Coleta e colaboradores (1986)
prias características, falhas e erros. submeteram casos de acidentes verdadei-
Quando questionados a indicar uma ramente ocorridos em uma indústria side-
forma de prevenção a essas ocorrências, rúrgica a três grupos de sujeitos: aos pró-
os sujeitos amputados responderam, em prios acidentados, a seus chefes imediatos
primeiro lugar, não haver “nada” capaz de e a seus chefes superiores, pedindo‑lhes que
evitar o fato, vindo a seguir “comportamen- indicassem a intensidade em que diversas
to diferente de entidades e empresa”, “com- causas poderiam explicar aquela ocorrên-
portamento diferente de outras pessoas”, e cia. Entre muitas informações recolhidas,
poucos indicaram um comportamento dife- verificou‑se a nítida tendência dos aciden-
rente de sua parte como forma de preven- tados a atribuírem causas externas, impes-
ção a essa perda. soais, aos acidentes sofridos; dos chefes
Em interessante estudo com operá- imediatos atribuírem igualmente às causas
rios de uma grande empresa siderúrgica pessoais e impessoais e dos chefes superio-
mostrou‑se claramente que os operários ten- res indicarem muito mais as causas pessoais
dem a indicar com muito maior frequência dos operários como explicadores da origem
uma falha humana como variável responsá- dos mesmos acidentes.
vel pela iniciação de um acidente de traba- Por meio dos estudos expostos nas
lho do que condições materiais e ambientais páginas anteriores, pode‑se verificar clara-
inadequadas, sem diferenças marcantes en- mente uma divergência atribucional entre
tre acidentados e não acidentados. Como distintas classes de sujeitos com variados ní-
forma de prevenção desses acidentes, do veis hierárquicos (quanto mais alto o nível
mesmo modo, colocam maior responsabili- do sujeito na organização, maior a tendência
dade sobre as pessoas, indicando como prá- a atribuições pessoais para os acidentes de
ticas prevencionistas: haver treinamento de trabalho; quanto mais baixo o nível hierár-
segurança para todos os funcionários, usar quico, maior a preferência por explicações
equipamento de proteção adequado, cons- externas), uma forte tendência à indicação
cientizar os funcionários para trabalhar com do acaso, do destino, da pré‑determinação
segurança, fazer palestras e exibir filmes so- como explicação para a ocorrência desses
bre segurança (Dela Coleta, 1991). eventos e, ainda, a predominância da indi-
Outro importante estudo com profis- cação das variáveis do homem como cau-
sionais de nível superior, de diversas espe- sas dos acidentes de trabalho. Para que os
cialidades, todos estudiosos e empregados processos de prevenção de acidentes, mor-
em atividades de segurança no trabalho, de- mente aqueles implicando modificações das
monstrou que 75% concordam com a exis- atitudes e dos comportamentos dos ope-
tência de predisposição individual a sofrer rários frente ao risco e aos acidentes, pos-
acidentes do trabalho, que, das três causas sam alcançar altos níveis de eficiência seria
apontadas como mais importantes para ex- desejável que ações fossem desenvolvidas
plicar a ocorrência de acidentes de trabalho, buscando alterar os processos atribucionais
duas referem‑se a causas pessoais – execu- utilizados pelas pessoas envolvidas com tais
ção inadequada das tarefas e deficiências do eventos, visando garantir as modificações
trabalhador – e uma envolve deficiência nos almejadas na redução do número desses in-
equipamentos. Dentre as variáveis pessoais, fortúnios.
casais felizes mostram maior tendência para média das classificações das causas mostrou
atribuições internas aos comportamentos a seguinte ordem de importância: amor, res-
positivos do cônjuge (Jacobson, Macdonald, peito mútuo, companheirismo, confiança,
Follete e Berley, 1985; Fincham, Beach e sexo, comunhão de ideias, certos traços de
Baucom, 1987). personalidade, persistência, sorte, incluindo
Uma análise geral desses resultados também o dinheiro e a felicidade.
mostra que os casais não percebem as di- O propósito do estudo de Dela Coleta
vergências entre suas atribuições e que cada (1989) era identificar as causas de sucesso
um acha que o outro deve perceber as coisas no casamento, na opinião de homens e mu-
como ele as percebe, sendo possível inferir, lheres, moradores no interior do país, todos
com alguma segurança, que boa parte dos casados há pelo menos três anos, com filhos.
conflitos conjugais tem suas origens nas A pergunta sobre “as seis coisas principais
divergências atribucionais às diversas ocor- que devem existir para se conseguir e man-
rências da vida diária. ter um casamento ideal” gerou uma lista de
No Brasil, alguns estudos sobre a atri- 58 causas, que foram agrupadas, resultando
buição de causalidade ao fracasso do re- em uma lista final de 37 causas, destacando
lacionamento conjugal mostraram causas ‑se 14 delas (Figura 6.2).
semelhantes e as mesmas tendências ego Quando essas causas foram avaliadas
‑defensivas, observando‑se maior frequên- por casais casados, destacaram‑se o amor
cia de causas externas em amostras com ní- em primeiro lugar em importância para o
vel sócio‑econômico mais baixo. sucesso no casamento relativamente às de-
Em dois desses estudos foi elabora- mais causas, o dinheiro em último e as ou-
da uma lista de causas com base nos fato- tras causas agrupadas entre esses extremos
res propostos por Weiner e colaboradores (Dela Coleta, 1991).
(1972), envolvendo o locus e a estabilidade Com uma amostra de 100 homens e
das causas da separação, e pedindo‑se aos mulheres, entre casados e separados (Dela
sujeitos que apontassem a concordância com Coleta et al., 1996), procurou‑se comparar
cada uma (Machado e Dela Coleta, 2002). esses subgrupos quanto às causas percebidas
Os resultados indicaram que os indivíduos para o sucesso e o fracasso no casamento,
atribuíram sua separação principalmente ao encontrando‑se respostas muito semelhan-
outro, concordando que o cônjuge não sou- tes. Tanto os homens quanto as mulheres
be fazer o casamento dar certo ou não se es- apontaram para o sucesso: amor, compreen-
forçou o bastante. Outras causas frequentes são, respeito, diálogo e compatibilidade, fide-
envolveram a falta de sorte de encontrar a lidade e confiança; entretanto, as mulheres
pessoa certa para se casar, a falta de habi- indicaram a fidelidade, o companheirismo e
lidade do casal para manter o casamento, o carinho com frequências mais altas.
azar na escolha, a falta de esforço de ambos, Em outro estudo (Norgren et al.,
a dificuldade de viver junto de outra pessoa, 2004), uma amostra de casais satisfeitos,
a escolha errada, as circunstâncias externas mantendo casamentos de longa duração,
que interferiram no casamento, a vontade indicou os componentes importantes para
de Deus, o destino e características de per- sua satisfação: confiança e respeito mútuos,
sonalidade do outro. A maioria discordou abertura, honestidade e integridade, gostar
das atribuições que se referiam à própria um do outro, concordância sobre compor-
pessoa, fosse por falta de habilidade, de es- tamento sexual, tomar as decisões juntos,
forço ou por características disposicionais interesses compartilhados a respeito dos fi-
próprias, confirmando‑se novamente o fe- lhos, atratividade do cônjuge, humor e ale-
nômeno do egotismo. gria juntos, orientação espiritual semelhan-
No Rio de Janeiro, Jablonski e Rodri te. As indicações das causas da permanência
gues (1986) perguntaram a 400 jovens sol- no relacionamento revelaram, em primeiro
teiros: “o que faz durar um casamento?”. A lugar, o amor e a convicção de que o casa-
Figura 6.2
Elementos essenciais para um casamento ideal.
mento é uma parceria para a vida toda; em te a falta de respeito e o egoísmo do par-
segundo, a complementação, a sinceridade, ceiro. Na categoria referente ao prazer, ho-
a paciência e a compreensão mútua. mens e mulheres acusaram a falta de desejo
Buscando aprofundar a temática sexu- sexual como uma das três causas principais
al no relacionamento conjugal, Dela Coleta de fracasso no relacionamento sexual.
(1992) procurou identificar as causas de su- Foi possível concluir que o relaciona-
cesso e de fracasso no relacionamento sexual mento sexual, satisfatório ou não, é atribuí-
entre pessoas heterossexuais casadas. Sobre do a causas internas (estáveis ou instáveis),
as causas de fracasso no relacionamento se- com algumas poucas referências a causas
xual, as mulheres indicaram a falta de intera- externas instáveis, como dinheiro, tempo,
ção entre o casal, de prazer, de amor, de co- ou problemas externos ao casal, mas que
municação, condições internas desfavoráveis também afetam seu relacionamento.
e falta de liberdade sexual, enquanto, para os O estudo de Marques (Marques, 2005;
homens, a ordem de frequência resultou em: Dela Coleta et al., 2004) foi baseado na
falta de prazer, de comunicação, de amor, de proposta de Weiner e colaboradores (1972)
interação entre o casal, condições externas e em sugestões de Sillars (1981) e Brehm
desfavoráveis, condições internas desfavorá- (1985) sobre o conflito no relacionamento
veis e falta de liberdade sexual. conjugal e buscou verificar a relação das
As diferenças entre os grupos mascu- atribuições causais com as emoções, as ex-
lino e feminino foram maiores na categoria pectativas e as ações, tendo como estímu-
“interação do casal”, na qual as mulheres lo desencadeante do processo a agressão à
concentraram suas respostas nas atitudes mulher pelo parceiro, conforme o modelo
negativas com relação ao par, principalmen- seguinte:
Afeto
Estímulo Cognições causais Resposta
Expectativa de meta
Figura 6.3
Modelo atribucional de ação (Weiner et al., 1972).
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7
Influência social e poder
Ronald Fischer
Christin‑Melanie Vauclair
A influência social é, sem sombra de dúvi- ampliar o escopo para outras áreas que jul-
das, um dos tópicos mais importantes na gamos serem importantes e interessantes.
psicologia social. Alguns autores chegam a Quais os tipos de influência social que
argumentar que a psicologia social é quase podemos diferenciar? Ng (2001) definiu
sinônimo da pesquisa da influência social três tipos de influência basicamente diferen-
(Levy, Collins e Nail, 1998; Vaughan e Hogg, tes. Em primeiro lugar, o tipo mais comu-
2005). Allport (1924) definiu a psicologia mente estudado envolve a influência direta
social como o estudo sobre como as pesso- pessoa‑a‑pessoa, em consonância com gran-
as são influenciadas pela presença (real ou de parte das pesquisas listadas nos livros de
imaginária) dos outros. Esta é uma noção psicologia. Esse tipo de pesquisa se destaca
bastante individualista da psicologia social pelo foco no indivíduo, segundo a definição
e da influência social, que negligencia os fe- de psicologia social de Allport, com uma cla-
nômenos em nível mais indireto e de grupo ra tendência individualista, já que se con-
(Ng, 2001). Forgas e Williams (2001) enfa- centra na pessoa influenciada por algum
tizam que todo e qualquer comportamento outro agente (influenciador) e na influência
interpessoal envolve alguma forma de pro- da informação mais do que na influência
cessos de influência mútua, e que os grupos normativa (Ng, 2001). Ela se encaixa na re-
ou sociedades só existem e funcionam por cente mudança das teorias de psicologia so-
causa das formas de influência social efeti- cial para social‑cognitiva e dos paradigmas
vas, difundidas e compartilhadas. Em opo- que conceitualizam as pessoas como uma
sição a essa visão geral, muito da pesquisa entidade autônoma de significação e pen-
psicológica tem se concentrado em fenôme- samento racional. As influências normativas
nos mais estreitos na descrição de influên- advindas de grupos e estruturas sociais são
cia social. Nos livros de psicologia social, os menos centrais. O segundo nível de influên-
capítulos sobre influência social geralmente cia está relacionado à manipulação indireta
discutem estudos de conformidade e obedi- das normas e costumes sociais e das atitudes
ência (Asch, 1952; Milgram, 1963; Sherif, sociais ou culturais. Aqui, um agente pode
1936), facilitação social (Triplett, 1898; influenciar os outros manipulando agendas,
Zajonc, 1965.), vadiagem social1 (Karau mobilizado valores e normas sociais para
e Williams, 1993; Ringelmann, 1913) e direcionar a discussão ou excluir ou isolar
mudança de atitude e persuasão (Petty e algumas pessoas da discussão. O nível final
Cacioppo, 1986). Neste capítulo, analisa- é o mais sutil, indireto e difícil de observar.
remos alguns desses estudos e abordagens Aqui, as atitudes, crenças e comportamen-
clássicas sobre a influência social, além de tos são influenciados pelos outros sem que
a pessoa tenha consciência das estratégias gação social e criar e abrir caminhos para
de influência. O melhor exemplo talvez se- pesquisas futuras de relevância teórica e
jam as influências culturais nas pessoas. A prática. Começaremos delineando e descre-
cultura é um conjunto difuso de tradições, vendo alguns trabalhos clássicos na litera-
normas, ideologias e valores que influencia tura sobre influência social e poder. Devido
como as pessoas pensam, sentem e se com- ao grande volume desse trabalho, nosso
portam sem que o indivíduo tenha consci- panorama é seletivo e se concentra apenas
ência dessa influência em seus pensamen- em alguns estudos‑chave, descobertas e áre-
tos, sentimentos ou comportamentos. Tais as de influência social. Depois, enfatizamos
processos são reproduzidos e perpetuados os processos sociais e grupais com grande
por meio de mecanismos de socialização e potencial para a pesquisa futura. Nós nos
ajudam a estabilizar e a manter os grupos baseamos em pesquisas que são relevantes
sociais e as sociedades. para o Brasil, quando disponíveis, e discu-
Um outro insight resultante dessa dis- tiremos as condições culturais e sociais no
tinção de três níveis é que muitas pesquisas Brasil quando vincularmos a pesquisa inter-
sobre a tradição da influência social se con- nacional aos exemplos brasileiros.
centram na pessoa que é influenciada, dando
menos ênfase sobre o agente ou a fonte de
influência. A pesquisa sobre o poder (French
e Raven, 1959; Raven, 1965; Raven, 1993; Tipologias clássicas da
Raven e French, 1958) faz a diferença entre influência social e do poder
diferentes fontes de poder que influenciam
as pessoas. Alguns desses trabalhos têm Levy e colaboradores (1998) apresentaram
renascido nos ambientes organizacionais, uma taxonomia de tipos de influência social
como, por exemplo, no trabalho sobre as es- que se encaixariam no primeiro nível da
tratégias de influência social de subordina- classificação de Ng. Observando a grande
dos (Ralston et al., 2009). O trabalho sobre superposição entre a influência social e a
liderança na psicologia organizacional é ou- psicológica social, eles analisaram as prin-
tro exemplo de exercício de influência social cipais pesquisas e identificaram o mínimo
que tem sido dissociado da pesquisa sobre de características elementares que melhor
influência social. Uma segunda questão que diferenciam o número máximo de estudos
fica clara quando analisamos a pesquisa por e abordagens de influência social. Assim, a
essa lente de três níveis de influência so- questão era identificar as diferenças essen-
cial é que os processos sociais e em nível de ciais ou fundamentais que podem nos ajudar
grupo têm sido amplamente ignorados (Ng, a organizar os estudos clássicos na psicolo-
2001). Como observado anteriormente, a gia da influência social. Eles identificaram
pesquisa de psicologia social tem os indiví- as quatro características‑chave abaixo:
duos como foco. As influências normativas
ou interpessoais e os processos grupais não a) nível de processamento cognitivo (cons-
assumiram um papel central na pesquisa de ciente x inconsciente);
influência social. Neste capítulo, adotamos b) intencionalidade percebida (intencional x
uma perspectiva mais ampla da pesquisa de não intencional x ortogonal/irrelevante);
influência social em consonância com a con- c) status relativo de influência (maior sta‑
ceitualização da influência social de Forgas tus x status de par/igual x baixo status x
e Williams (2001) e a diferenciação de Ng ortogonal/irrelevante);
(2001). Assim, pretendemos equilibrar a d) direção da mudança (positivo x negativo
tendência individualista na pesquisa da psi- x ortogonal/irrelevante).
cologia social, enfatizar alguns processos
importantes de influência social que recebe- Apesar de essa tipologia levar poten-
ram atenção em vários campos da investi- cialmente a 72 diferentes tipos de influên-
cia, eles identificaram “apenas” 24 tipos de tanto pública quanto privada, ao passo que
influências sociais. Pegando um exemplo a conformidade só envolve acordo públi-
clássico para futura discussão, a “obediên- co pós‑exposição, mas desacordo privado.
cia” pode ser classificada como um tipo de Portanto, a conversão é o caso de mudanças
influência na qual a pessoa que está sendo genuínas e profundas nas atitudes e crenças
influenciada: após uma tentativa de influência. A confor-
midade, por outro lado, se caracteriza por
a) tem conhecimento consciente da tentati- um acordo público superficial, mas as pes-
va de influência; soas não mudam suas atitudes privadas.
b) percebe que a tentativa de influência é Também ajuda a pensar sobre algumas res-
intencional; postas de influência social menos conheci-
c) o influenciador tem status superior; das. Por exemplo, o contágio desinibitório
d) a pessoa se comporta de forma coerente se refere ao comportamento quando um
com a posição do influenciador. indivíduo discorda publicamente e concor-
da privadamente antes da tentativa de in-
Assim, a estrutura apresenta uma cate- fluência, mas depois concorda tanto priva-
gorização de tipos de influência, separando da quanto publicamente com o evento. Um
‑os por um processo de mistura de influên- bom exemplo é quando alguém pensa em
cia e o resultado do processo de mudança. roubar algum objeto (p. ex., um artigo de
Os modelos de processo que fazem a distin- luxo), mas tem medo de fazê‑lo. Ao teste-
ção entre tipos de mecanismos de influência munhar uma rebelião, na qual outra pessoa
(p. ex., Petty e Cacioppo, 1986) contribuem quebra uma vitrine e rouba alguma coisa,
com as dimensões nas quais os resultados a pessoa‑alvo também pode participar do
são diferenciados (p. ex., nível de processa- saque. Nesse caso, a observação da outra
mento cognitivo e status). pessoa realizando o ato está exercendo a in-
Nail, MacDonald e Levy (2000) de- fluência social e remove a inibição prévia da
senvolveram um modelo descritivo de res- pessoa‑alvo.
postas sociais para identificar as dimensões Os dois modelos se concentram em
conceituais que podem ser utilizadas para aspectos do processo de influência e no re-
classificar os vários tipos de influência. Com sultado da influência. Esses modelos se en-
essa categorização, o foco é ainda mais di- caixam no primeiro nível da classificação de
reto nas respostas das tentativas de influên- Ng e são exemplos típicos de resposta ou
cia social. As respostas são diferenciadas em visão voltada ao influenciado. A próxima ti-
termos de: pologia se concentra no poder, que são as
características (capacidade ou habilidade)
a) se há um acordo de pré e pós‑exposi do influenciador que exerce influência ou
ção; traz mudanças nos outros. French e Raven
b) se o acordo ou não acordo é expresso (1959) distinguiram cinco bases de poder.
pública ou privadamente. São elas: poder de recompensa, poder coer-
civo ou de punição, poder legitimado, poder
Cruzando as duas dimensões, são dis- pericial e poder referente. Posteriormente,
tinguidas 16 respostas sociais. Assim, por Raven (1965) acrescentou o poder informa-
exemplo, podemos fazer a distinção entre as cional. O poder de recompensa é definido
respostas de congruência, conversão e con- como o poder de distribuir recompensas pela
formidade. Congruência é se há um acordo conformidade. Quanto maior a recompensa
privado e público de pré e pós‑exposição. (recompensas de valência positiva ou remo-
Nesse caso, não ocorre qualquer mudança ção de valências negativas), maior o poder
de atitude ou comportamento, e as pessoas de uma pessoa. O poder coercivo ou de pu-
estão em acordo. A conversão é caracteri- nição se refere ao poder de punir pela não
zada por um desacordo de pré‑exposição, conformidade. A força do poder coercivo
senvolvem normas para orientar o compor- mesmo status. Há uma discordância priva-
tamento em situações de incerteza. Sherif da antes e depois da tentativa de influên-
(1936) usou uma ilusão ótica (autocinese, cia, mas cerca de um terço dos participantes
que é uma ilusão ótica consistente de um cumpriam com a publicidade do grupo. Em
ponto fixo de luz em uma sala escura, que termos de bases de poder, a influência pode
parece se mover) para analisar como os gru- ser gerada pelo poder de referência, já que
pos de pessoas fazem julgamentos sobre esse as pessoas querem ser apreciadas pelo gru-
movimento aparente. Acontece que, com o po e, assim, seguem a norma do grupo.
passar do tempo, as pessoas em pequenos Diversos estudos tentaram replicar
grupos convergiram sobre o movimento per- esse efeito. Com isso, Bond e Smith (1996)
cebido (observe que não havia movimento, realizaram uma metanálise para estimar o
já que a luz era fixa). Assim, as estimativas efeito médio, se a conformidade depende
convergiram para uma norma social. Essa do desenho do estudo, é estável ao longo
norma emergente se transferiu para as ses- do tempo e se há diferenças entre as pes-
sões subsequentes e se perpetuou com o soas de diferentes culturas. Primeiro, Bond
tempo (inclusive quando entraram novas e Smith descobriram que o nível de confor-
pessoas no grupo). Esse foi um dos primei- midade em todos os estudos era de aproxi-
ros experimentos que mostrou os efeitos da madamente 29%. Um pouco menos que um
influência social e delineou um processo terço dos participantes se ajustou e fez o jul-
importante para a emergência das normas gamento errado. Em segundo lugar, diversas
sociais (as normas surgem para reduzir a in- variáveis do desenho do estudo tiveram um
certeza). Nesses experimentos, os estímulos impacto significativo. Quando o material era
eram ambíguos. O interesse de Asch agora muito ambíguo, a conformidade aumenta-
era no que aconteceria se o material de es- va. A conformidade também era maior se o
tímulo fosse menos ambíguo e um grupo de grupo fosse composto por membros internos
pessoas fizesse estimativas incorretas. Em (em comparação a membros externos, como
diversos estudos, foi apresentado aos par- estrangeiros, alunos de outra universidade,
ticipantes uma série de linhas de extensão etc.) e se os grupos aumentassem de tama-
variada, e eles tinham que escolher qual das nho. As mulheres também apresentaram
três linhas tinha a mesma extensão que uma níveis mais elevados de conformidade. Os
linha padrão. Cada participante nesses gru- estudos realizados nos EUA mostraram uma
pos, que variavam de 7 a 9 pessoas, precisa- redução significativa na conformidade entre
va dar uma opinião. A pessoa‑alvo sempre os anos de 1950 e 1990. Em terceiro lugar,
era a última a dar sua opinião. Sem que a a conformidade era maior em amostras de
pessoa‑alvo soubesse, os outros membros sociedades mais coletivistas. A explicação é
do grupo eram colaboradores do experi- que, nas sociedades coletivistas, as pessoas
mentador e fizeram julgamentos errados. estão em mais harmonia com as necessida-
A variável dependente era se a pessoa‑alvo des e as metas do grupo e tentam preser-
mudaria de opinião (segundo o consenso do var a harmonia social. Assim, seria falta de
grupo errado) e, em caso positivo, quantos educação contradizer uma maioria, mesmo
julgamentos seriam necessários para tanto. que as pessoas sentissem que a maioria ha-
Em média, cerca de 33% dos julgamentos via tomado a decisão errada. Geralmente o
apresentaram certo nível de conformidade. Brasil é descrito como uma sociedade cole-
Segundo as tipologias analisadas acima, os tivista (Hofstede, 1980). Rodrigues (1982)
estudos mostram sinais de conformidade fez algumas réplicas do paradigma original
(Levy et al., 1998) ou cumprimento (Nail et de Asch no Brasil e encontrou taxas de con-
al., 1998) diretos. A tentativa de influência formidade cerca de 30% mais altas, em mé-
envolve um processamento consciente, é dia, em todos os estudos. Um estudo mais
intencional, e os membros do grupo têm o antigo de Whittaker e Mead (1967) mostrou
efeitos ainda maiores no Brasil, com níveis bre o aprendizado. Um dos participantes era
de conformidade de até o dobro da média um colaborador e, por meio de um sorteio
de todos os estudos e países. Assim, pode- manipulado, era sempre designado para o
mos esperar que as taxas de conformidade papel de aprendiz. A tarefa desse aprendiz
no Brasil fossem bastante altas, refletindo a era realizar alguma tarefa de aprendizagem
maior orientação de grupo no Brasil em com- e memória, enquanto o verdadeiro partici-
paração aos EUA ou à Europa Ocidental. No pante era o professor. De uma sala próxima,
entanto, esses estudos estão um pouco defa- o professor deveria dar choques se o apren-
sados e, como mostram os estudos nos EUA, diz cometesse algum erro. Para tanto, o pro-
as taxas de conformidade reduzem com o fessor tinha que usar um gerador de choque
passar do tempo. Talvez isso aconteça por que tinha 30 estágios crescentes, variando
causa dos níveis crescentes de individualiza- de 15 a 450 volts. Cada professor experi-
ção e de uma tendência geral a valores mais mentava um choque de 45 volts e observava
individualistas e igualitários, com o crescen- o aprendiz ser amarrado na cadeira e ligado
te desenvolvimento econômico (Inglehart e à máquina. O experimentador instruía a au-
Baker, 2000). Por causa da crescente pros- mentar a voltagem após cada erro cometi-
peridade e do desenvolvimento econômico do pelo aprendiz. Os estágios da voltagem
do Brasil hoje em dia, em comparação a 50 estavam claramente marcados, onde 15V
anos atrás, os níveis de conformidade de- era “choque leve”, 375V tinha um rótulo
vem ser mais baixos hoje em dia. “Perigo: Choque Extremo” e os dois níveis fi-
nais (435V e 450V) estavam marcados com
XXX. O aprendiz cometia um erro em qua-
Estudos de obediência de Milgram tro testes, em média. As reações do aprendiz
eram padronizadas: a 75V podiam ser ouvi-
Possivelmente, uma das séries mais famo- das, a 120V o aprendiz gritava que os cho-
sas e controversas de estudos psicológicos, ques doíam, a 150V o aprendiz pedia para
o trabalho de Milgram (1963, 1965, 1992) ser solto, a 180V os gritos podiam ser ouvi-
sobre obediência, é um clássico da influên- dos e a 250V um grito agonizante era ouvi-
cia social. Milgram tinha interesse no traba- do. Em algumas variações do experimento,
lho de Asch, mas com tarefas menos triviais, o professor podia ouvir o aprendiz socar a
nas quais as ações do participante trazem parede, de dor. A 300V, não havia mais res-
algumas consequências reais para os outros. posta alguma, e o professor era instruído a
Milgram (1963) observou que a obediência tratar a falta de resposta como uma resposta
é um elemento básico na estrutura da vida errada e continuar a administrar os choques.
social. Qualquer vida em comunidade re- Muitos participantes sentiram uma angústia
quer um tipo de sistema de autoridade. A muito grande, e expressaram sua falta de
obediência é o mecanismo psicológico que vontade de continuar. O experimentador en-
liga a pessoa ao propósito político. Ela serve tão respondia com estímulos padronizados
como um cimento que une os homens aos e crescentes para continuar o experimento
sistemas de autoridade (Milgram, 1963, p. (que variava desde “continue, por favor” até
371). Chocado com as atrocidades cometi- “você não tem outra escolha, você tem que
das durante o Holocausto e o período nazista continuar”.). No experimento original, dos
na Alemanha, ele estava ansioso por investi- 40 participantes, 26 continuaram a adminis-
gar o processo de obediência, como pessoas trar os choques até atingir o nível máximo.
aparentemente calmas e normais podem se- Assim, mais de 50% dos membros da comu-
guir ordens ultrajantes de matar e torturar nidade cumpriram com as solicitações de um
outros seres humanos. Em seu experimento experimentador, mesmo que estivessem, em
original, os membros da comunidade recru- princípio, colocando em risco um cidadão.
tados por anúncio participaram em um su- Outro aspecto que vale ser mencionado é
posto estudo sobre os efeitos da punição so- que a maioria das pessoas experimentou al-
tos níveis de estresse. Quatorze dos 40 parti- De forma geral, esses estudos suscita-
cipantes mostraram sinais de riso ou sorriso ram muito interesse e atenção. Essas conclu-
nervoso, com um riso fora de hora e bizarro. sões certamente ajudam a explicar por que
Três participantes apresentaram apoplexias pessoas normais podem cometer atrocida-
maduras e incontroláveis. No caso de um des quando induzidas a fazê‑las. As pessoas
participante, o experimento teve que parar podem atender a demandas que violam seus
porque o participante (professor) apresen- próprios valores pessoais e códigos morais.
tou apoplexias convulsivas enquanto tenta- Em tempos de conflito e guerra, tais confli-
va administrar os choques. Isso mostra que tos morais são mais acentuados. Contudo,
as pessoas médias que obedecem às ordens mesmo em situações menos extraordiná-
das autoridades podem fazê‑lo contra seus rias, as pessoas enfrentam situações em
próprios valores, sentindo estresse e descon- que também devem cumprir com demandas
forto extremos. Este estudo foi replicado na que violam seus princípios morais pessoais
Itália, Alemanha, Austrália, Grã‑Bretanha, ou alguns princípios morais gerais. Dadas
Jordânia, Espanha, Áustria e nos Países as difíceis condições econômicas de muitas
Baixos (Smith e Bond, 1998). Apesar de as pessoas no Brasil, algumas podem ter que
taxas de obediência variarem, esta normal- trocar alguns valores e crenças para alcan-
mente girava ao redor de 50% ou mais na çar os fins. Além disso, o experimento levou
maioria das amostras. a um debate significativo sobre a ética dos
Descobriu‑se que vários fatores in- experimentos psicológicos.
fluenciavam o nível de obediência. A pro-
ximidade social ou imediação com a vítima
tem um efeito profundo. Se não houver con- Persuasão e mudança de atitude
tato verbal ou visual, os níveis de obediência
são mais altos. Em condições em que a víti- A literatura sobre mudança de atitude e per-
ma só soca a parede, a obediência é de qua- suasão diz respeito aos processos de infor-
se 100%. Quando o professor segura a mão mação que as pessoas se envolvem quando
do aprendiz, o nível de obediência cai signi- são expostas a mensagens que visam mudar
ficantemente (mas ainda continua alto, em suas atitudes. Esta linha de pesquisa tem
cerca de 30%). Assim, a proximidade social aplicações óbvias nas áreas de propaganda
aumenta a identificação com a vítima como e marketing, inclusive marketing social e
um ser humano e diminui a obediência. campanhas de saúde voltadas a induzir mu-
Outro fator é a presença da figura de danças positivas nas pessoas. A persuasão
autoridade. Se o experimentador estiver au- envolve três variáveis: o comunicador ou a
sente ou der as ordens por telefone, os níveis fonte de persuasão, a comunicação ou men-
de obediência caem. Com modelos de papel sagem e a audiência ou alvo da tentativa de
que mostram a desobediência (se recusar a persuasão. Essas três variáveis precisam ser
obedecer ordens, iniciar uma revolta), os ní- analisadas quando abordamos a persuasão.
veis de obediência caem. Por outro lado, os Cada uma dessas variáveis pode ser anali-
modelos de papel que obedecem às ordens e sada mais detalhadamente, e uma ampla
administram choques até o fim não aumen- gama de pesquisas mostrou que as várias ca-
ta mais o nível de obediência em compara- racterísticas dessas variáveis de comunica-
ção à situação em que as pessoas estão sós ção devem levar a uma mudança de atitude.
(Milgram, 1965). O status e a legitimidade Essas conclusões estão resumidas em diver-
do experimentador também importaram, se sas revisões. Por exemplo, comunicadores
o experimento fosse realizado em um prédio mais dignos de confiança, mais atrativos,
comercial decadente em uma área pobre no assim como uma grande similaridade entre
centro da cidade, em comparação ao presti- o comunicador e o público, normalmente
giado laboratório Yale, os níveis de obediên- levam a mais mudança de atitude; a maior
cia também caíam. familiaridade das mensagens e mensagens
‑relação entre moralidade e cultura). Assim, ticularmente promissora para pesquisas fu-
os efeitos de moralidade estão claramente turas sobre moralidade e influência social.
no terceiro nível da tipologia de Ng apresen-
tada no início deste capítulo.
A moralidade facilita o funcionamento
do grupo (De Waal, 1996; Haidt e Joseph,
Raciocínio moral e
2004; Krebs, 2008) e melhora a convivên- resistência à conformidade
cia do mesmo ao regular os comportamen-
tos pessoais que refletem autointeresse e Imagine a seguinte situação: um homem
autoindugência (Janoff‑Bulman, Sheikh e chamado Heinz tem uma esposa que está à
Hepp, 2009). Sem um consenso sobre os có- beira da morte devido a um tipo especial de
digos morais, as pessoas desconsiderariam câncer. Um farmacêutico desenvolveu um
os direitos e o bem‑estar dos outros sempre remédio que pode salvar a vida dela. No en-
que quisessem entrar em conflito social. Em tanto, querendo ganhar o máximo de dinhei-
nível de sociedade, as transgressões dos in- ro possível, o farmacêutico cobra de Heinz
divíduos são regulamentadas por leis que mais do que ele pode pagar. Heinz implora
envolvem sanções para determinados com- ao farmacêutico e explica sua situação, sem
portamentos antissociais. Em nível de grupo sucesso. Ele se desespera e arromba a loja
social, a moralidade é um tópico de pesquisa do farmacêutico para roubar o remédio para
bastante complexo, já que as pessoas podem sua esposa.
desenvolver sua própria moralidade pesso- Este é um tipo de dilema moral que
al que pode ou não estar de acordo com os Lawrence Kohlberg (1984) apresenta aos
mandados de uma autoridade, possivelmen- participantes. Seu interesse particular era
te levando a uma resistência em vez de à nos motivos que eles apresentariam sobre se
conformidade (lembremos, por exemplo, do Heinz deveria ou não ter roubado a droga
clássico experimento de Milgram menciona- para sua esposa. É importante observar que
do anteriormente neste capítulo). Portanto, Kohlberg não estava interessado na decisão
a conformidade com as regras e os regula- final do indivíduo (ou seja, roubar ou não
mentos tem a ver tanto com as capacidades roubar), mas apenas na justificativa para a
internas do indivíduo quanto com as influ- decisão. Kohlberg propôs um modelo de-
ências externas do ambiente. talhado de raciocínio moral, diferenciando
Há poucas pesquisas sobre a influência seis estágios sucessivos de desenvolvimento
social e a moralidade. Porém, há duas prin- moral. Os estágios se referem a três dife-
cipais teorias da psicologia que explicam o rentes níveis de raciocínio moral, chamados
comportamento de conformidade das pesso- de moralidade pré‑convencional, conven-
as. A teoria cognitiva de Kohlberg (1984) se cional e pós‑convencional. No nível pré
concentra no indivíduo e considera a con- ‑convencional (estágio 1 e 2), o indivíduo
formidade como uma função da maturidade julga o comportamento focando em si mes-
do indivíduo para o raciocínio moral. A teo- mo. O raciocínio moral é centrado no medo
ria cognitiva social de Bandura (1991), por de punições. No nível convencional (estágio
outro lado, inclui os efeitos condicionantes 3 e 4), o indivíduo julga o comportamen-
do ambiente como um fator para explicar o to em termos da convenção conhecida so-
comportamento de conformidade. As pró- bre “o que as pessoas dizem” que é certo
ximas seções apresentam um panorama re- ou errado. Os convencionalistas tendem a
sumido e seletivo das pesquisas realizadas raciocinar em termos de conformidade e or-
nesses dois marcos teóricos. Terminaremos dem sociais. No nível final pós‑convencional
apresentando uma perspectiva teórica re- (estágio 5 e 6) – o nível mais maduro do
cente sobre a moralidade – a abordagem de pensamento moral –, os indivíduos tendem
intuicionismo social de Haidt (2001) ao jul- a usar o princípio moral de justiça em seu
gamento moral – que consideramos ser par- raciocínio, que é independente de qualquer
convenção social. Kohlberg entrevistou Moral bastante mais altas do que as que su-
crianças, adolescentes e adultos, analisando cumbiram à influência social (veja também
as respostas a questões como o dilema de Tracy e Cross, 1973). Le Furgy e Woloshin
Heinz, classificando seu pensamento em um (1969) investigaram os efeitos de longo
dos seis estágios. prazo da influência social sobre o raciocínio
Posteriormente, pesquisadores que moral. Eles concluíram que os adolescentes
estudaram a influência social e o raciocínio em geral eram suscetíveis à influência so-
moral esperavam que, no nível convencio- cial, independentemente de sua maturidade
nal, os indivíduos seriam mais suscetíveis moral. Porém, havia uma diferença em re-
à influência social, já que seu raciocínio se lação aos efeitos de longo prazo. Os jovens
concentra em agir de acordo com a ordem so- classificados como moralmente maduros
cial. Por outro lado, os pós‑convencionalistas antes de serem expostos à pressão do par
não deveriam sucumbir à pressão social se tendiam a voltar a seu estágio mais elevado
seus princípios morais pessoais estivessem de raciocínio moral no longo prazo (depois
em conflito com esta (Blasi, 1980). Há vá- de 100 dias), ao contrário dos participantes
rios estudos que enfocaram esta hipótese moralmente imaturos, que tendiam a per-
empregando uma abordagem experimental manecer no estágio mais baixo após a pres-
e tentando estudar a conformidade compor- são do par.
tamental em um ambiente de laboratório. McGraw e Bloomfield (1987) pesqui-
Os estudos podem ser distinguidos pelo uso saram explicitamente o impacto dos fatores
de uma situação similar à de Milgram, um morais sobre o processo de tomada de deci-
experimento similar ao de Asch ou proce- são do grupo. Eles realizaram um estudo no
dimentos menos padronizados. Os expe- qual os participantes deveriam decidir quem
rimentos do tipo de Milgram trouxeram em um grupo de pacientes renais em estado
resultados complexos e ambíguos, que indi- terminal deveria ter acesso a uma rara má-
cam que não há uma relação de mão úni- quina renal. Primeiramente, a decisão era
ca entre os estágios de raciocínio moral e o tomada individualmente. Então os partici-
abandono na tarefa de administrar punições pantes foram divididos em pequenos grupos
(p. ex., Podd, 1972). Os estudos mostraram e solicitados a chegarem a uma decisão con-
que as diferenças de comportamento entre sensual. Como a orientação de gênero tam-
os indivíduos raciocinando em diferentes bém tem relação com a influência social nos
estágios são mais perceptíveis sob determi- grupos (as mulheres tendem a ser mais facil-
nadas condições como, por exemplo, quan- mente influenciadas dos que os homens nas
do os sujeitos são expostos ao aviso para interações de grupo, Eagly e Carli, 1981),
parar (Turiel e Rothman, 1972). Os experi- os autores estavam interessados especifica-
mentos semelhantes ao de Asch apresenta- mente no efeito de interação do raciocínio
ram um quadro mais consistente, com uma moral e orientação do papel de sexo. Eles
relação entre estágio moral e resistência à previram que os indivíduos sem conflitos (p.
conformidade (p. ex., Saltzstein, Diamond ex., uma orientação sexual tipo feminina/
e Belenky, 1972). O último grupo de estu- estágio mais baixo e orientação sexual tipo
dos utilizando procedimentos menos padro- masculina/estágio mais elevado) teriam
nizados também apresentou claro apoio à mais influência sobre as decisões do grupo
hipótese de “resistência à conformidade”. do que os indivíduos em conflito (TSM/me-
Por exemplo, Fodor (1971, 1972) elaborou nor estágio e TSF/maior estágio). Na reali-
experimentos nos quais as decisões e o ra- dade, eles concluíram que os indivíduos tipi-
ciocínio morais dos participantes eram tes- ficados de sexo puro, com raciocínio moral
tados. Segundo os resultados dos estudos, e orientações de gênero compatíveis tinham
as pessoas que resistiam à influência do ex- mais influência objetiva sobre a decisão do
perimentador e não mudaram sua opinião grupo, se sentiam mais influentes e tinham
inicial obtiveram Pontuação de Maturidade mais possibilidade de serem selecionados
como mais influentes, em comparação com sim como os reforços que a pessoa recebeu
os participantes incompatíveis em raciocínio (Bandura, 1997). Quando um indivíduo de-
moral/gênero. É interessante que tenha sur- senvolve padrões morais, o comportamen-
gido apenas um efeito significativo e intera- to moral ou imoral produz dois conjuntos
ção e nenhum efeito principal significativo de consequência: reações autoavaliativas e
devido às orientações de papel de sexo ou efeitos sociais que, mais uma vez, têm efeito
raciocínio moral. Os autores discutiram essa sobre o comportamento.
conclusão, que indicava mecanismos mais Diversos estudos confirmaram o po-
complexos em relação ao raciocínio moral der da modelagem para influenciar o ra-
e à influência social, que também deve con- ciocínio moral (Bandura, 1986). Holstein
siderar a multidimensionalidade das situa- (1977), por exemplo, concluiu que o nível
ções sociais. de raciocínio moral dos pais predizia o ní-
Essa questão toca em uma das prin- vel de raciocínio moral de seus filhos. Se os
cipais críticas feitas em relação à teoria de pais empregassem regras morais simples,
estágio de Kohlberg. A influência social só seus filhos fariam o mesmo, enquanto se
tem uma pequena função no raciocínio mo- os pais empregassem um raciocínio moral
ral. Como mostram os estudos analisados mais complexo, seus filhos também o fa-
anteriormente, a opinião das pessoas sobre riam. Os pais não são a única fonte de in-
questões morais é considerada um pertur- fluência do raciocínio moral das crianças.
bador externo para a mudança autorregu- Outros adultos, pares e modelos simbólicos
lada (Bandura, 1991). Bandura (1991), também têm um papel importante. Porém,
por exemplo, enfatizou que as influências o raciocínio moral dos adultos é o mais in-
sociais são importantes para entender como fluente (Brody e Henderson, 1977; Dorr e
a moralidade e o funcionamento moral tra- Fey, 1974). Outros estudos mostraram que
balham. as crianças mudavam seus padrões morais
se fossem expostas a visões opostas dos mo-
delos (p. ex., Bandura e Mcdonald, 1963;
Cowan, Langer, Heavenrich e Nathanson,
A inclusão da influência social 1969; Crowley, 1968).
no funcionamento moral Apesar de a influência social mediante
a modelagem ser uma forma poderosa de
Bandura (1991) argumenta que os pa- influência, nem sempre ela altera o raciocí-
drões para o raciocínio moral estão muito nio moral. As pessoas só podem ser influen-
mais abertos à influência social do que as ciadas pelas opiniões moldadas se elas as
teorias de estágio nos levariam a esperar. entenderem (Bandura, 1991). Por exemplo,
Ele propôs uma teoria cognitiva social que uma criança muito nova que esteja em um
postulava um modelo causal que envolvia nível pré‑convencional de raciocínio moral,
três fatores, ou seja, aspectos ambientais no qual as preocupações egocêntricas de-
(ambiente social e físico), aspectos pessoais sempenham um papel dominante, não terá
(cognitivo, afetivo e biológico) e compor- a capacidade cognitiva de entender o prin-
tamental (capacidade comportamental de cípio de justiça social como um critério final
realizar um determinado comportamento), para decidir sobre o certo e o errado. Além
que estão permanentemente influenciando disso, as pesquisas mostram que modelos
uns aos outros. O ambiente social apresen- consistentes de julgar diferentes dilemas
ta modelos para o comportamento e, aqui, morais têm mais impacto sobre o raciocínio
se relaciona aos mecanismos de influência moral das crianças do que os modelos que
social. O mecanismo psicológico subjacente entram em desacordo (Brody e Henderson,
é o aprendizado observacional, que é uma 1977; Keasey, 1973). Quando as visões
forma de modelagem e ocorre quando uma moldadas eram consistentes, a perspectiva
pessoa observa as ações de outra pessoa, as- moral das crianças mudava mais ainda ao
ser exposta ao raciocínio moral dois está- o raciocínio post hoc tem problemas em exe-
gios acima do delas, do que pelo raciocínio cutar esse trabalho.
apenas um estágio acima. Isso é consistente Até o momento, a evidência empírica
com as conclusões na psicologia social, se- tem sustentado a importância das reações
gundo as quais quanto mais discrepante o afetivas nos julgamentos morais. Haidt,
raciocínio persuasivo for das próprias visões, Koller e Dias (1993), por exemplo, conclu-
mais as atitudes podem mudar (consulte íram em um estudo transcultural (Brasil e
Bandura, 1991). No entanto, é necessário EUA) que o “dano” não pode explicar todos
realizar mais pesquisas para entender como os julgamentos morais que os indivíduos fa-
as pessoas lidam com fatores moralmente zem. Eles criaram histórias que não envol-
relevantes, como as influências sociais al- viam qualquer dano plausível (p. ex., limpar
teram o peso dado a esses fatores, e como o banheiro com a bandeira nacional, comer
os diferentes aspectos do julgamento moral um cachorro ou se masturbar com uma ga-
mudam com o desenvolvimento. linha morta). As reações afetivas dos par-
Haidt (2001) propôs um modelo mais ticipantes a essas histórias, principalmente
recente de funcionamento moral que inclui no Brasil, foram melhores indicadores de
a influência social no funcionamento moral. seus julgamentos morais do que suas recla-
Seu modelo intuicionista social expande o mações de consequências danosas. Haidt
modelo racionalista, chamando a atenção e Hersh (2001) chegaram a resultados se-
para o papel do afeto e das influências so- melhantes quando entrevistaram liberais e
ciais no julgamento moral. Seu modelo in- conservadores nos EUA sobre a questão da
clui duas formas diferentes de julgamento homossexualidade.
moral: uma é intuitiva e não racional (ou O modelo de Haidt é uma abordagem
seja, afetiva) e a outra é deliberativa e refle- intrigante para entender a moralidade e a
xiva (ou seja, raciocínio moral). Ele enfatiza influência social. Geralmente passamos por
que o raciocínio moral ocorre naturalmen- uma mudança em nossas intuições morais
te em um ambiente social, ou seja, é feito relativas a determinada situação quando al-
interpessoalmente e não privadamente. A guém releva características de situação que
influência social é conceitualizada como não havíamos observado antes ou quan-
tendo um impacto sobre a intuição do indi- do nos persuade a avaliar a importância
víduo por meio da persuasão fundamentada de algumas características que não foram
(p. ex., argumentos), assim como por meio consideradas suficientemente (Saltzstein
de formas não racionais de persuasão social e Kasachkoff, 2004). No entanto, como
(como normas sociais implícitas). Haidt ar- Saltzstein e Kasachkoff (2004) apontam, o
gumenta que as intuições morais vêm em modelo de intuição social deixa importantes
primeiro lugar quando são influenciadas questões sem resposta, demandando, assim
por alguém em nosso pensamento moral mais pesquisas empíricas futuras. Por exem-
que, então, causa diretamente um julga- plo, a influência social realmente gera intui-
mento moral que, por sua vez, causa o ra- ções em primeiro lugar que, depois, influen-
ciocínio moral. O raciocínio moral só serve ciam o julgamento e o raciocínio moral de
para justificar racionalmente a intuição em uma pessoa? Na verdade, é o conhecimento
primeiro lugar. Como evidência da impor- que os outros condenariam um ato (norma
tância das intuições, Haidt (2004) se refere social) que nos leva ao sentimento que algo
ao fenômeno de “mudez moral”2, que ocor- como se masturbar com uma galinha morta
re quando os indivíduos não conseguem é errado? Ou há bons motivos e argumentos
explicar as fortes condenações de ações que que não são tão rápidos e automáticos como
não causam nenhum dano. Haidt interpre- nossas respostas emocionais para chegar a
ta a mudez moral como uma evidência da um julgamento moral? E há diferenças cul-
importância das instituições que criaram um turais? Vauclair e Fischer (2009), por exem-
forte julgamento que um ato é errado, mas plo, concluíram que os indivíduos de países
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8
Atitudes e mudança de atitudes
Elaine Rabelo Neiva
Túlio Gomes Mauro
difundir suas atitudes e conquistar legiões mentares e sente enorme satisfação em rea
de seguidores. Suas atitudes políticas insti- lizar as tarefas de casa. É possível inferir
garam a guerra mais sangrenta da história, que tal aluno mantém uma atitude positiva
e suas atitudes raciais levaram diretamente frente à matemática. Respostas desfavorá-
aos horrores do holocausto nazista. No en- veis, por sua vez, indicam uma atitude ne-
tanto, apesar das ideias e ações de certos gativa frente ao objeto atitudinal. Pode‑se
grupos serem repugnantes à compreensão, inferir que um indivíduo apresenta uma
as atitudes dessas pessoas as direcionavam atitude negativa frente ao cigarro se este
para o que elas consideravam a coisa certa tem uma sensação desagradável ao fumar,
a ser feita, como acontece atualmente em procura se afastar de pessoas que estão fu-
várias questões delicadas, como atentados mando, acha que fumar é inapropriado e
de extremistas religiosos, alguns conflitos tenta convencer seus amigos fumantes a
geopolíticos, dentre outras. Isso ilustra algo largar o cigarro.
em comum entre Adolf Hitler, Osama Bin Para que uma atitude seja formada, é
Laden, George Bush e você: todos possuem necessário que o indivíduo entre em contato
atitudes, e estas influenciam nosso compor- com um objeto em particular e emita uma
tamento de muitas maneiras complexas. resposta avaliativa. Uma atitude não pode
(Chaiken, Wood e Eagly, 1996; Gilbert, Fiske ser formada sem que o indivíduo tenha um
e Lindzey, 1998). mínimo de informação sobre o objeto. Uma
Tal como outros construtos psicológi- pessoa não pode formar uma atitude frente
cos, as atitudes não podem ser observadas a sushi, por exemplo, se ela não tem a mí-
diretamente, mas sim inferidas de respos- nima ideia do que seja isso (se ela em sua
tas observáveis. Tais respostas são eliciadas vida nunca viu, ouviu falar ou leu a respeito
por um estímulo proveniente de uma enti- de sushi). A partir do momento em que a
dade específica, denominada de objeto da pessoa experimenta essa comida, ela se tor-
atitude, ou objeto atitudinal, o qual pode na capaz de responder avaliativamente e de
ser qualquer coisa passível de discrimina- formar uma atitude frente a esse objeto. O
ção ou de retenção pela mente do indiví- leitor pode questionar, no entanto, se é pos-
duo (Chaiken, Wood e Eagly, 1996). Sendo sível a formação de atitudes sem que haja
assim, podem se constituir objetos de ati- o contato direto com o objeto. A resposta
tudes: pessoas (presidente da república, é: claro que sim! Muitos nunca lutaram em
seus pais, John Lennon), objetos (óculos, uma guerra, ou foram ao Egito, ou pularam
computador), grupos (partidos políticos, de paraquedas, porém, dispõem de infor-
grupos étnicos), lugares (Brasília, China), mações sobre esses objetos para que pos-
organizações (Petrobrás, Globo), conceitos sam responder avaliativamente sobre eles e,
(democracia, qualidade de vida), ideologias consequentemente, formarem uma atitude.
(catolicismo, capitalismo), comportamentos É totalmente plausível que uma pessoa for-
(uso de preservativos, comportamentos pró me uma atitude frente a sushi, sem nunca
ambientais), eventos (mudança organiza- tê‑lo experimentado, por meio das informa-
cional), produtos (alimentos, programas de ções que ela tem sobre esse objeto: é uma
computador), dentre outros. comida de origem japonesa, feita com arroz
Respostas favoráveis em relação ao avinagrado, algas marinhas, frutos do mar e
objeto atitudinal indicam uma atitude peixes geralmente crus.
positiva do indivíduo frente ao mesmo. Atitude é um construto psicológico que
Imagine, por exemplo, um aluno do ensino assume uma posição de destaque em psico-
médio que considera a matemática sua ma- logia social por ser um dos mais antigos e
téria favorita, se esforça para não faltar às estudados. De fato, esse campo já foi defi-
aulas, sente‑se motivado a resolver proble- nido como o estudo das atitudes (Thomas e
mas e equações, afirma ser esta a matéria Znaniecki, 1918 apud Fazio e Olson, 2003).
mais importante, busca referências comple Segundo Ajzen (2001), esse construto conti-
nua a ser atualmente o maior foco de teoria vem de sua origem latina, que une dois ter-
e pesquisa nas ciências sociais e comporta- mos actus (ação) e aptitudo (aptidão).
mentais. O objetivo deste capítulo é, pois, A distinção entre o termo do dia a dia
descrever o construto atitudes de maneira e o conceito formal de atitude é de suma im-
ampla, contextualizando cada tópico com portância, tanto para a compreensão teóri-
os principais resultados de pesquisa nos ca desse fenômeno quanto para a produção
últimos anos. O capítulo tem início com a empírica nesse campo, uma vez que uma
conceituação e a descrição da estrutura das definição imprecisa adotada pelo pesquisa-
atitudes. Em seguida, apresenta‑se uma dis- dor pode influenciar a escolha do tipo de
cussão acerca da relação entre atitudes e medida a ser empregada e a interpretação
comportamentos, seus atributos, caracterís- dos resultados obtidos.
ticas, processo de formação e mudança de No contexto das ciências sociais, o ter-
atitudes. Por fim, é apresentada uma síntese mo atitude remete a um construto psicológi-
do capítulo e conclusões acerca desse cam- co em torno do qual, apesar de seu notável
po de estudo. desenvolvimento teórico e empírico, ainda
persistem várias controvérsias acerca de sua
definição. Analisando a multiplicidade de
definições de atitude, é possível selecionar
Conceituação de atitude entre elas algumas que merecem especial
atenção, tanto por seus pontos em comum
O termo atitude muitas vezes é utilizado de quanto por suas particularidades. São desta-
forma indiscriminada do significado que este cadas cinco conceituações, principalmente
assume na linguagem cotidiana: um grave por seu valor histórico.
equívoco, que, infelizmente, tem sido obser- A história da pesquisa em atitudes é
vado na literatura acadêmica. Segundo Brei longa. Tem sua origem no século passado.
(2002), em análise pelo dicionário, a pala- Seus antecedentes estão nos estudos so-
vra atitude foi inicialmente utilizada como bre “atitudes motrizes” de Fere (1888), de
um termo técnico, no campo da arte, para Langen (1889) e de Munstergerg (1890
traduzir a disposição de uma figura em está- apud Solozábal, 1981). As definições que
tua ou desenho. Tinha o sentido de postura se originaram a partir dos estudos de 1920
dada à imagem ou à figura, por exemplo, geraram muitas implicações para as me-
“atitude da mulher na imagem ou no retra- didas e para seu desenvolvimento teórico.
to”, etc. Dentre elas, pode‑se citar Allport (1935) e
Segundo o dicionário Aurélio (Holan Thurnstone (1931).
da, 1986), na linguagem coloquial, o termo Allport (1935, p. 19) define atitude
atitude pode se remeter a: como “um estado mental e neurológico de
prontidão, organizado por meio da expe-
1. Posição do corpo, porte, jeito, postura. riência, exercendo uma influência diretiva
2. Modo de proceder ou agir; comportamen- ou dinâmica sobre a resposta do indivíduo
to, procedimento. a todos os objetos e situações com que se
3. Afetação de comportamento ou procedi- relaciona.” Essa definição considera a ati-
mento. tude como um todo apto a reagir de uma
4. Propósito, ou maneira de se manifestar certa maneira, dando ênfase às implicações
esse propósito. comportamentais que podem ser extensas a
5. Reação ou maneira de ser em relação todas as situações ou objetos com que se re-
a determinada(s) pessoa(s), objeto(s), laciona (Alpport, 1935).
situação(ões), etc. Para Thurnstone (1931), a atitude é
um afeto pró ou contra um objeto psicológi-
Na linguagem cotidiana, Brei (2002) co. A partir dessa definição, várias medidas
afirma que a ambiguidade do termo atitude psicológicas de atitudes foram construídas.
Doob (1947, conceitua atitude como zem reações avaliativas, outros sugerem a
uma resposta implícita e geradora de im- necessidade dos indivíduos em se engajar
pulsos, considerada socialmente significati- em respostas avaliativas. Alguns indivíduos
va na sociedade do indivíduo. Observa‑se, possuem maior necessidade de avaliar que
nessa análise, uma posição behavorista e a outros e, por isso, produzem mais atitudes
não inclusão do comportamento ostensivo, (Petty e al., 1997).
sem negar a influência da atitude sobre o Outra questão central está na ideia de
mesmo. que as atitudes são disposições para avaliar
Para Smith, Bruner e White (1956), objetos psicológicos, e isso implica em uma
a atitude é uma predisposição para experi- única atitude sobre um objeto. Os estudos
mentar uma classe de objetos de certas for- sugerem que as atitudes mudam, mas não
mas, com afeto característico; ser motivado há uma substituição, e sim uma sobreposi-
por essa classe de objetos e agir em relação ção da antiga atitude. Exemplos seriam: ati-
a tais objetos de maneira característica. tudes duais, duas diferentes atitudes frente
Triandis (1971, definiu atitude como a um mesmo objeto no mesmo contexto,
uma ideia carregada de emoção que predis- uma atitude implícita ou habitual e outra
põe um conjunto de ações a um conjunto explícita (McConnnel et al., 1997); avalia-
particular de situações sociais. ções diferentes do mesmo objeto em con-
Segundo Olson e Zanna (1993), atitu- textos diferentes podem ser consideradas
des têm sido definidas como: evidências de atitudes múltiplas frente ao
mesmo objeto ou atitudes frente a diferen-
• Avaliação: “tendência psicológica que é tes objetos psicológicos; atitudes contexto
expressa pela avaliação de uma entidade ‑dependentes: muitos autores afirmam que
particular com algum grau de favorabilida‑ as inconsistências entre atitudes e compor-
de ou desfavorabilidade” (Eagly e Chaiken, tamentos se devem à existência de múlti-
1993, p. 1). plas atitudes deste tipo frente a alvos sociais
• Afeto: “o afeto associado com um objeto (McConnnel et al, 1997).
mental” (Greenwald, 1989, p. 432). Observa‑se que as definições apresen-
• Cognição: “um tipo especial de conheci tadas divergem em palavras utilizadas, mas
mento, notamente conhecimento cujo con- tendem a caracterizar as atitudes sociais
teúdo é avaliativo ou afetivo” (Krugglanski, como variáveis não observáveis, porém di-
1989, p. 298). retamente inferíveis de observações e como
• Predisposições comportamentais: “o estado sendo integradas a partir dos seguintes
de uma pessoa que a predispõe a uma res- componentes: cognitivo, afetivo e compor-
posta favorável ou desfavorável quanto tamental.
a um objeto, pessoa ou ideia” (Triandis, Contudo, como também é possível
1991, p. 485). ver pelas definições apresentadas, conceito
e estrutura estão muito interligados, cons
Enfim, segundo alguns autores, há tatando‑se que, também quanto à estrutura,
uma concordância geral de que a atitu- não existe um acordo entre os teóricos. A
de representa uma avaliação sumária de estrutura interna envolve a discussão sobre
um objeto psicológico capturado em seus quantos componentes fazem parte da atitu-
atributos dimensionais como bom‑ruim, de. Esse enfoque inclui algumas tendências
nocivo‑positivo, prazeroso‑desagradável, principais: bicomponente (afeto e cognição),
gostável‑não (Ajzen e Fishbein, 2000; unicomponente (afeto) e tricomponente
Eagly e Chaiken, 1993; Petty et al., 1997). (afeto, cognição e comportamento).
Contudo, pesquisas recentes mostram que Em uma primeira fase do estudo das
julgamentos avaliativos diferem e mui- atitudes, a abordagem multicomponentes
to de julgamentos não avaliativos. Alguns foi mais comum entre os pesquisadores.
autores sugerem que alguns objetos indu- É a visão da atitude como constituída de
sentimento, pensamento e ação. Tal distin- dância com uma afirmativa implica que
ção vem desde os filósofos gregos. Depois, o respondente também concorda com
passou‑se a enfatizar a visão unidimensio- as afirmativas que estão em um nível
nal e, posteriormente, a definição tripartite inferior da hierarquia.
voltou a ser mais aceita (Triandis, 1991). • Escala de distância social: essas escalas
são usadas para medir as atitudes com
relação a diferentes grupos nacionais,
Mensuração das atitudes raciais e étnicos. Quando são utilizadas,
os respondentes indicam sua inclinação
Vários instrumentos têm sido utilizados para ter vários níveis de contato com
para se medir as atitudes. Os métodos mais diferentes grupos‑alvo.
comuns são as medidas de autodescrição, as
medidas fisiológicas e as técnicas observa- Pelo fato de algumas vezes as pessoas
cionais. não estarem dispostas a revelar suas verda-
deiras atitudes, as escalas autodescritivas
nem sempre nos dão as melhores informa-
Medidas autodescritivas ções. Assim, para reduzir a inadequação
dessas escalas, pesquisadores desenvolve-
Uma grande quantidade de escalas auto- ram várias técnicas alternativas. Uma des-
descritivas têm sido desenvolvidas com o sas técnicas, a bogus pipeline (Jones e Sigall,
propósito de se medir as atitudes. As escalas 1971) refere‑se a dizer aos participantes
mais comuns são: que foram conectados a uma máquina com
eletrodos e que essa máquina irá medir suas
• Escalas Likert (e “Tipo Likert”): as escalas respostas verdadeiras por meio do monito-
Likert contêm uma série de afirmativas ramento de mudanças fisiológicas (embora
sobre um objeto. Os respondentes devem a máquina não possa fazer isso).
indicar seu nível de concordância ou
discordância com cada afirmativa, em
termos de uma escala de 5 pontos (p. ex., Medidas fisiológicas
concordo fortemente, concordo, indife-
rente, discordo, discordo fortemente). As As medidas fisiológicas baseiam‑se no fato de
escalas tipo Likert apresentam variações que, uma vez que as respostas emocionais
no número de pontos ou na ancoragem são acompanhadas de reações fisiológicas,
(p. ex., 100% das vezes, sempre, ocasio- medidas como a resposta galvânica de pele,
nalmente, etc). eletromiograma e dilatação pupilar podem
• Escalas de diferencial semântico: aqui ser utilizadas para se avaliar as atitudes. O
os respondentes avaliam um objeto em problema com essas medidas é que, embora
termos de vários itens bipolares, desenha- elas possam demonstrar se uma pessoa está
dos para medir três dimensões: nível de tendo uma reação emocional frente a um
favorabilidade (bom‑ruim), poder (fraco objeto, elas não podem indicar a intensida-
‑forte) e atividade (ativo‑passivo). de ou a direção dessa reação.
• Escala de Thurstone: as escalas de Thurstone
contêm uma série de afirmativas que já
foram avaliadas previamente em termos Técnicas observacionais
de favorabilidade, e apenas pedem que o
respondente marque as afirmativas com Finalmente, as técnicas observacionais para a
as quais ele concorda. medição das atitudes variam de pouco estru-
• Escala de Guttman: as afirmativas na turadas e informais até técnicas altamente
escala de Guttman são ordenadas em estruturadas e formais. Uma técnica pouco
uma hierarquia, de forma que a concor- estruturada e informal, a observação parti-
cipante, funciona ao fazer com que o obser- brancas sob um fundo vermelho ou preto),
vador participe ativamente nas atividades a constatação de que esta é uma bebida
do experimento. Uma técnica mais estrutu- gaseificada de cor escura, de origem norte
rada, a Análise do Processo Interativo (IPA) ‑americana, comercializada geralmente em
de Bales (1950), é usada para avaliar como garrafas ou latas em bares, restaurantes,
as pessoas interagem em pequenos grupos. mercados e etc. Quando o objeto atitudinal
No IPA, o observador avalia as verbalizações é de alguma forma qualificado, ou a este é
dos membros do grupo em termos de 12 ca- associado alguma avaliação ou juízo de va-
tegorias criadas para medir as orientações lor, essa resposta pertence a categoria afe-
sociais‑emocionais e de tarefa. tiva. “Eu gosto de Coca‑cola”, “Coca‑cola é
saborosa e refrescante”, “me sinto satisfeito
quando bebo Coca‑cola” são exemplos de
Componentes das atitudes respostas afetivas. A constatação de uma
inclinação para ação em direção ao objeto
A perspectiva mais proeminente de estudo atitudinal, como a decisão de comprar Coca
da estrutura interna das atitudes é o mode- ‑cola, representa uma resposta pertencente
lo de três componentes, segundo o qual as à categoria comportamental.
respostas eliciadas por um objeto atitudinal O modelo de três componentes descre-
podem pertencer a três classes: cognitiva, ve a estrutura interna das atitudes de uma
afetiva ou comportamental. A categoria cog- maneira muito conveniente, pois distingue
nitiva é composta por pensamentos, cren- claramente as categorias de resposta por
ças, percepções e conceitos acerca do objeto suas definições e parece exaurir o universo
atitudinal. A categoria afetiva, por sua vez, de possibilidades de respostas atitudinais
traz sentimentos e emoções associadas ao (seria difícil pensar em uma resposta frente
objeto da atitude. Por fim, a categoria com- a um objeto atitudinal que não se encaixe em
portamental engloba ações, ou intenções uma das três categorias – cognitiva, afetiva
para agir. e comportamental!) (Fazio e Olson, 2003).
O esquema abaixo ilustra as três clas- Apesar de ser o modelo mais difundido, as
ses de resposta frente ao refrigerante Coca pesquisas empíricas apresentam resultados
‑cola. A constatação do fato de que a Coca conflitantes referentes à validação desse
‑cola é um refrigerante que possui cafeína modelo, principalmente quanto à validade
corresponde a uma representação cognitiva discriminante (a análise fatorial não neces-
do objeto Coca‑cola, assim como a identi- sariamente distingue as três categorias de
ficação de sua logomarca (letras cursivas resposta como três fatores independentes).
Componente cognitivo
Coca-cola tem cafeína
Componente afetivo
Eu gosto de Coca-cola Coca-cola
Componente comportamental
Vou comprar Coca-cola
Figura 8.1
Estrutura tricomponentes da atitude.
Por outro lado, alguns teóricos argu- co, o funcionário tem percepções, crenças
mentam que sentimentos e emoções podem e conceitos acerca da mudança dentro da
preceder crenças sobre o objeto atitudinal empresa, resultante de informações, cons-
e que, portanto, as respostas atitudinais tatações pessoais e experiências vivenciadas
são exclusivamente de natureza afetiva. anteriormente, que formam uma significa-
Conforme essa perspectiva, conhecida como ção de mudança dentro dessa organização.
mono‑componente ou unicomponente, o Estes fatores determinam afetos favoráveis
aspecto avaliativo da atitude é enaltecido, ou desfavoráveis em relação à mudança or-
sendo esta frequentemente mensurada por ganizacional.
meio de escalas bipolares representando o Sapp (2001) argumenta que as cren-
grau de favorabilidade/desfavorabilidade ças não são formadas em isolamento de
do indivíduo frente ao objeto atitudinal. crenças acerca de objetos substitutos, ou
Outros teóricos assumem uma perspectiva seja, as pessoas avaliam os atributos de um
bicomponente, segundo a qual as respostas objeto em relação aos atributos de objetos
atitudinais pertencem a duas categorias ape- que elas percebem como possíveis substi-
nas: cognitiva e afetiva. Essa tendência se tutos. No exemplo anterior, o funcionário
consagrou principalmente em virtude da de- busca, simultaneamente, informações acer-
finição de Thurnstone (1931), que originou ca da mudança organizacional por qual está
medidas de atitudes usadas até o presente passando sua empresa e outros tipos de mu-
momento. Em virtude de se mencionar os dança que sua empresa já tenha passado, ou
componentes da atitude, faz‑se necessário casos de mudanças em outras organizações,
abordar cada um deles nos tópicos seguin- ou enfrentadas por pessoas conhecidas, etc.
tes do texto, enfatizando principalmente os Dessa forma, a compreensão da consistência
resultados de pesquisas empíricas. lógica de crenças sobre objetos em compara-
ção a crenças acerca de objetos substitutos
é muito importante para a predição de ati-
O componente cognitivo tudes frente ao objeto. Sapp (2001) inves-
tigou a consistência lógica de um conjunto
Considere a seguinte situação: um funcioná- de crenças de indivíduos japoneses sobre
rio constata que a empresa onde ele trabalha comer carne proveniente de três países e o
passará por uma mudança. Segundo Lines efeito das inconsistências lógicas do conjun-
(2005, p. 11), “para que haja uma carga afe- to de crenças para produtos substitutos na
tiva pró ou contra um objeto social definido, estimativa das atitudes frente ao consumo
faz‑se necessário que se tenha alguma re- de carne. Seus resultados foram os de que
presentação cognitiva desse objeto”. Dessa os indivíduos usam objetos substitutos para
forma, o funcionário buscará saber, por melhorar a consistência de suas crenças so-
exemplo, do que se trata a mudança, quais bre determinado objeto. Então, os estudos
são seus objetivos, suas causas, seu alcance, sugerem que o aspecto cognitivo de um ob-
certamente se lembrará de situações de mu- jeto atitudinal depende em larga escala do
dança organizacional já vividas por ele, por aspecto cognitivo de objetos similares.
outras pessoas, fará comparações e etc.
No dizer de Rosenberg e colaborado-
res (1960), as cognições incluem percep- O componente afetivo
ções, conceitos e crenças acerca do objeto
da atitude e são normalmente eliciadas por Segundo Triandis (1971, p. 11), o compo-
perguntas verbais na forma oral ou escrita. nente afetivo “é a forma como uma pessoa
A representação cognitiva de um ob- se sente em relação a um objeto atitudinal,
jeto atitudinal é um elemento indispensá- sendo geralmente determinada pela associa-
vel para que a pessoa forme uma atitude ção prévia do objeto de atitude com estados
em relação ao mesmo. Nesse caso específi- agradáveis ou desagradáveis”.
Comportamento
Situação atual
Figura 8.2
Influência das atitudes sobre o comportamento.
Resposta afetiva
Respostas
comportamentais
Figura 8.3
Os componentes da atitude.
Reproduzido de Eagly e Chaicken (1993).
adotar uma postura com relação a um obje- havia um forte preconceito contra os chine-
to, as pessoas aceitam receber informações ses nos Estados Unidos (alguns estabeleci-
que dão suporte e informações que refutam mentos mantinham placas na porta com a
suas ideias. Contudo, uma vez comprome- inscrição: “proibida a entrada de chineses e
tidas com uma postura, as pessoas selecio- cães”). Este pesquisador, que é de raça bran-
nam as informações que dão suporte a suas ca, viajou por várias cidades dos EUA acom-
posições e excluem aquelas que as contradi- panhado de um jovem casal de estudantes
zem. A hipótese de seletividade não foi to- chineses, registrando a reação dos funcioná-
talmente confirmada, mas algumas pesqui- rios dos diversos hotéis, restaurantes e cafés
sas demonstraram que as pessoas tendem a que visitaram. Eles foram atendidos em 66
avaliar as informações que são consistentes hotéis e 184 restaurantes e cafés, sendo que
com suas atitudes como mais positivas e me- apenas um hotel recusou‑se a atendê‑los.
morizam essas informações mais facilmen- Seis meses depois, LaPierre enviou um ques-
te (Pomerantz et al., 1995). Finalmente, tionário pelo correio para cada estabeleci-
Greenwald e Banaji (1995) sugerem que as mento visitado, o qual continha a pergunta:
atitudes podem ter um efeito implícito nos “Você aceitaria chineses como clientes em
julgamentos sociais, e que tal efeito pode seu estabelecimento”? Dos 81 restaurantes
explicar diversos fenômenos, incluindo o e 47 hotéis que responderam, 92% disseram
efeito do halo e o efeito da mera exposição. que não, tendo os restaurantes afirmado
As pesquisas na área de atitudes ques- que dependia das circunstâncias. Resultados
tionam a visão multicomponente em virtude bastante similares foram encontrados por
de algumas correlações fracas entre atitudes outros pesquisadores em replicações desse
e comportamento. O próximo tópico tratará experimento (Lapiere, 1934).
dessa questão. Alvo de algumas ressalvas metodo-
lógicas, esse clássico estudo ilustra uma
discrepância saliente entre atitudes e com-
portamentos. Todavia, Lima (2004) faz
Comportamento e atitude uma análise do experimento de LaPierre
elucidando que a generalidade do indicador
De maneira geral, as pessoas acreditam que das atitudes e a especificidade da situação
sua avaliação global sobre determinado ob- observada parece funcionar de modo a ma-
jeto determina a forma como elas reagem ximizar a discrepância entre as atitudes e o
ou se comportam frente a esse objeto. No comportamento.
entanto, a noção de que as atitudes causam
comportamentos é muito frágil, tendo em
No estudo de LaPierre, perguntava‑se na
vista que um único comportamento é tipi-
carta se aceitariam chineses como clien-
camente influenciado por vários outros fa-
tes, o que, com sua formulação geral, en-
tores, além das atitudes. O simples fato de via os respondentes para o estereótipo de
uma pessoa possuir atitudes positivas frente chinês, e além do mais, podia ser utilizada
a métodos anticoncepcionais não determina pelos respondentes de forma a dar uma
o comportamento de uso dos mesmos. Da imagem respeitável do estabelecimento,
mesma forma, possuir atitudes positivas em de acordo com as normas vigentes. A
relação a determinado produto alimentício situação observada, pelo contrário, é
não é suficiente para a predição do compor- extremamente específica: os chineses
tamento de compra e consumo desse produ- encontravam‑se acompanhados por um
to (Ajzen, 2001). branco, provavelmente apresentavam
O primeiro a relatar que não existe um bom status socioeconômico, tinham
uma relação direta de causalidade entre ati- um aspecto de saber comportar‑se corre-
tudes e comportamentos foi o psicólogo so- tamente e encontravam‑se de passagem.
cial Richard LaPiere, em 1934. Nessa época, Isto é, não tinham nada a ver com o chinês
Atitudes ð Comportamento
Figura 8.4
Relação entre comportamento e atitude.
Crença
de que o comportamento
provoca certos
resultados Atitude
Avaliação
dos resultados
Importância relativa
Fatores atitudinais do Intenção Comportamento
comportamento
Crença
de que os indivíduos
pensam que a pessoa deve
ou não concretizar o
comportamento Norma subjetiva
relativa ao
comportamento
Motivação
para seguir o que os grupos
ou indivíduos pensam sobre
o comportamento
Figura 8.5
Teoria da ação racional.
pos, de acordo com escore obtido em uma comportamentos estariam mais sob controle
escala de afinidade com o grupo musical F4 atitudinal que normativo para uma grande
(um dos grupos de música pop de maior ex- quantidade de pessoas, ao passo que, para
pressão entre as adolescentes de Taiwan): outros comportamentos, o oposto seria ver-
grupo de adoradores do F4 (N=93) e grupo dadeiro. Os dados indicam, por exemplo,
de não adoradores do F4 (N=378). que a influência social pode ser estudada
Os resultados referentes ao grupo de considerando‑se pessoas, comportamentos
adoradores do F4 apontaram uma correla- ou ambos.
ção significativamente positiva entre atitu- Muitos foram os estudos com a inten-
des frente ao F4 e intenções de compra de ção de avaliar a teoria da ação racional e
“merchandise” (r= 0,51; p= 0,0001). A re- a diversidade de considerações apontadas,
lação entre norma percebida e intenção de porém Ajzen (1988) reformula o mode-
compra não foi significativa, indicando que lo, mantendo sua estrutura básica, acres-
aquelas pessoas que adoram o F4 são mais centando como determinante da intenção
propensas a formar suas intenções de com- comportamental uma nova variável – o
pra de “merchandise” com base em fatores controle percebido sobre o comportamento.
pessoais, como atitudes frente ao objeto e Essa variável, a qual corresponde à dificul-
não em fatores sociais, como percepção de dade percebida na realização do compor-
norma social. Para os não adoradores do F4, tamento, permite incluir diretamente a ex-
os resultados apontaram uma correlação periência anterior com o comportamento.
significativamente positiva, porém modesta, Assim, comportamentos habituais são per-
entre norma social e intenção de compra de cebidos como mais fáceis de serem postos
“merchandise” (r=0,32; p= 0,0001). Esses em prática e, portanto, com maior nível
resultados sugerem que aqueles que não de controle percebido. Essa percepção de
adoram o F4 são mais propensos a formar controle sobre o comportamento parece ter
suas intenções de compra com base em fato- consequências motivacionais ao nível de
res sociais, como a expectativa de julgamen- intenção, mas também, de uma forma me-
to das pessoas de seu convívio social. nos ponderada, diretamente sobre o com-
Trafimow e Finlay (2001) argumen- portamento. Essa extensão da teoria inicial
tam que não só as pessoas podem estar sob tem permitido aumentar significativamente
controle atitudinal ou normativo para uma a capacidade preditiva do modelo em mui-
extensa variedade de comportamentos, mas tas situações. No exemplo da compra de
também comportamentos podem estar sob “merchandise” de grupo musical citado an-
controle atitudinal ou normativo para uma teriormente, o controle percebido sobre o
vasta quantidade de pessoas. Esses autores comportamento pode ser ilustrado em uma
realizaram um estudo no qual os partici- situação em que as atitudes e a percepção
pantes responderam a escalas de atitudes, de norma subjetiva de uma pessoa influen-
norma subjetiva e intenções para cada um ciam positivamente a intenção de compra
dos 30 comportamentos selecionados (ter fi- de CDs, camisetas, pôsteres, etc., porém, a
lhos, comer vegetais regularmente, ir à igre- percepção de falta de dinheiro para com-
ja, usar o cinto de segurança, escolher uma prar, ou a ausência de tempo, o desconhe-
profissão que beneficia a sociedade, den- cimento do local de venda, ou até mesmo
tre outros). Os resultados sugerem que as a falta de costume de comprar esse tipo de
duas formas de controle podem acontecer material pode influenciar negativamente o
simultaneamente, ou seja, algumas pessoas comportamento.
estariam mais sob controle atitudinal que Manstead, Proffitt e Smart (1983), ci-
normativo em relação a uma grande varie- tados por Lima (2004), salientam que a in-
dade de comportamentos, enquanto outras trodução de variáveis emocionais na predi-
parecem estar mais sob controle normativo ção da intenção comportamental aumenta o
que atitudinal. Simultaneamente, alguns poder preditivo do modelo.
Hábito
Atitude frente
ao objeto
Resultados
normativos
Resultados de
autoidentidade
Figura 8.6
Teoria do comportamento planejado.