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Ensinar e aprender lingua estrangeira nas diferentes idades REFLEXOES PARA PROFESSORES E FORMADORES. Organizadora rganizadoras Claudia Hilsdorf Rocha Edcleia Aparecida Basso A SALA DE AULA DE LINGUA ESTRANGEIRA COM ADULTOS DA TERCEIRA IDADE Carlos Eduardo Pizzolatto Universidade Sao Francisco IntRoDUCAO Sala de aula de um curso de especializagao em lingua ingle- sa. Apés a apresentagdo de um semindrio na lingua-alvo, o professor tece comentarios sobre 0 desempenho do grupo de apresentadores. Faz comentarios acerca da didatica do grupo, da sua postura perante a classe, do tratamento do tema e da competéncia comunicativa dos alunos. Os comentarios sao positivos. O professor, porém, alerta para alguns erros de prontincia cometidos pelos alunos, todos eles acima de 40 anos. No dia seguinte, 0 professor recebe uma men- sagem em seu correio eletrénico: “Professor, 0 que eu posso fazer para melhorar a minha pronincia? Ainda mais na minha idade... acho que é impossivel, nao é?”. A indagacao de Regina (nome ficticio) nao revela apenas sua frustracao quanto ao retorno dado pelo professor, mas também reitera 0 senso comum de que aprender “bem” uma lingua estran- geira é tarefa para os mais jovens, alias, para os bem jovenzinhos. Mas, afinal, ha algum fundamento verdadeiramente cientifico sobre a (im)possibilidade de se aprender uma outra lingua na idade ma- dura ou trata-se aqui de apenas um mito, uma crenga social de que qualquer aprendizagem é mais dificil de ocorrer na idade (mais) adulta? Nosso objetivo neste capitulo é justamente problematizar a questo da aprendizagem de uma lingua estrangeira na ponta da idade madura, fase esta comumente conhecida como “terceira ida- de”. Optamos por utilizar o termo “terceira idade” e justificamos tal opedo na segunda segdo, mas estamos cientes de que muitos ge- Tontologistas e estudiosos de outras areas, sobretudo da Educagao, preferem outros termos, tais como “melhor idade”, “maior idade”, ‘adultez avangada”, “feliz idade”. . Inicialmente, teceremos algumas consideragdes sobre 0 es- tigma vivido pelo idoso, de modo geral, no Brasil e no mundo. Em Seguida, apresentaremos a discussdo tedrica que poe 0 adulto em desvantagem quando comparado com criangas, adolescentes € jo- Vens adultos em contextos de ensino-aprendizagem de outras lin- 8uas. Depois, mostraremos os resultados de duas pesquisas com 237 aprendizes de inglés como lingua estrangeira, todos acima de 60 anos. Terceira IDADE: MELHOR IDADE? Ser da terceira idade é ser 0 qué? Idoso? Velho? Aposenta- do? Desocupado? Inutil? Estorvo? Por mais chocantes que estes termos parecam, sao eles os adjetivos muitas vezes empregados por pessoas mais jovens para designar o que é ser “idoso”. Nao ha exageros aqui, pois todos nds ouvimos e vemos cotidianamente o estigma sofrido pelo adulto ma- duro em quase todas as esferas sociais. Na televisdo, tanto em novelas como em comerciais, nao ra- ramente o velho é (re)tratado ora como uma crianga brincalhona, ora como uma pessoa moralista e rabugenta. Ao mesmo tempo, somos bombardeados por matérias na midia impressa e televisiva sobre dicas e segredos para manter-se “sempre jovem”. Afinal, ao menos para a sociedade ocidental, envelhecer d6i, pois segrega, isola, des- carta aquele que nao é mais capaz de produzir, de contribuir para a geraciio de renda. Ser velho no Brasil, de modo particular, significa onerar 0 estado com a aposentadoria, paga, claro, por aqueles que mais “produzem”: os trabalhadores jovens e adultos. Mas, afinal, onde surgiu a designacdo “terceira idade”? O termo foi cunhado por um gerontologista francés, Huet, para definir a fase mais madura da vida humana que se inicia proxima a apo- sentadoria (HADDAD, 1986, p. 25). Debert (1994, p. 35) acredita que o termo “terceira idade” foi adotado no Brasil pelo fato de os primeiros gerontologistas do pais terem sido formados na Franga. - Contudo, a fase compreendida pela terceira idade (“troisieme age”, em francés) tem sido bastante discutida por psicdlogos, geriatras, gerontologistas, educadores e socidlogos. A Organizagao Mundial de Saide (OMS) vem considerando a idade de 60 anos como o inicio da terceira idade (HADDAD, op- cit.). Alguns geriatras concordam com esse limite e outros consi- deram como pertencentes a essa faixa etaria apenas 0S adultos com mais de 70 anos. De qualquer forma, o mais importante é ressaltar que @ de- nominagao dessa fase da vida adulta é comumente relacionada a0 envelhecimento. E natural, portanto, que haja divergéncias entre os profissionais de diversas areas acerca do inicio da terceira idade. Afinal, quais os critérios que podem ser empregados para denom!- 238 nar uma determinada camada da sociedade como sendo de “velhos” ou “idosos” ? Do ponto de vista bioldgico, a velhice corresponde a fase da vida humana em que alguns tragos de senilidade, tais como a diminuigao das acuidades visual e auditiva, tornam-se mais aparen- tes. Ja do ponto de vista econémico, o envelhecimento esta ligado a fase improdutiva da vida humana (HADDAD, op. cit.; FRIEDAN, 1993), isto é, apés a aposentadoria. Entretanto, alguns psicdlogos, gerontologistas, educadores e socidlogos vém dando um tratamento mais humanista ao assunto, procurando ressaltar as potencialidades dos adultos da ponta superior da idade madura (KEITH, 1990; HA- GESTAD, 1990). Neri (1993), por exemplo, prefere o termo “idade madura” para a fase compreendida aps a meia-idade por conside- ra-lo menos rotulador, menos pejorativo. Seja qual for a designagao dada as pessoas com mais de 60 anos, é imperativo questionar 0 mito criado sobre o envelheci- mento em nossa sociedade. Envelhecer, para todas as pessoas de um modo geral, significa entrar em declinio fisico e mental. Como mencionamos anteriormente, grande parte dessa crenga deve-se a midia, sobretudo a televisao e as revistas femininas que divulgam massivamente uma imagem da juventude como sendo a representa- sdo Unica e verdadeira da plenitude humana. O jovem é a imagem da beleza, da alegria, da energia. O velho, em contrapartida, é a imagem da feitira, do declinio, da tristeza e da lentidao. Friedan (op. cit.) denuncia que essa ideologia do “ser jovem” Sustenta, na verdade, um mercado bilionario formado por diversos Setores, dentre os quais encontram-se poderosas indistrias de cos- Méticos. oO envelhecimento é inevitavel e, de fato, algumas fungées do organismo humano entram em declinio apés uma determinada idade, Mas, segundo a autora, é preciso também descobrir quais as Potencialidades de um adulto na terceira idade. oe fai uma pesquisa com 59 mulheres e 7 homens com idades aie 80 anos, por exemplo, Goldstein (1995, p.21) mostra a vida eria desses ‘Sujeitos apresentam opinides positivas sobre os adult ual e as Possibilidades do envelhecimento € diz que ‘ () sociais ce idosos, em virtude das mudangas fisicas, psicolégicas ein ad 4 sua faixa etaria, tém maior possibilidade de an tele pees de eventos estressores diferentes daqueles enfrentados lals jovens, est E fato conhecido por todos nds que a sociedade brasileira envelhecendo, Algumas estatisticas revelam que “(...) 4 €x- Pectativa de yj, as tou @ de vida do brasileiro que era de 52 anos em 1960 sa re 239 para 63 nos tiltimos anos da década de 80” (PRETI, 1991, p. 21), Estatisticas do IBGE mais recentes apontam que por volta do ano 2.025 aproximadamente 15% da populagao brasileira estara com idade superior a 60 anos. Segundo Haddad (1993, p.09), j4 no cen- so de 1980 0 percentual de aumento da populacao com 60 anos ou mais foi de 53%, ao passo que o aumento da populagio geral foi de 27,77%, ou seja, praticamente a metade do crescimento da popula- ao mais idosa. Haddad constata que: Em fungio do novo padrao demografico em formagiio, emerge um significativo investimento na denominada problematica da velhice, consubstanciado em propostas para a melhoria da qualidade de vida do fim da vida, pro- postas estas amparadas na idéia de que é preciso assistir aos idosos, enquanto segmento esquecido da sociedade. (p. 10) Felizmente, alguns setores da nossa sociedade ja tém se mostrado empenhados em criar atitudes mais positivas em relagao A velhice. Podemos destacar, por exemplo, 0 pioneirismo da Facul- dade de Educaciio da Universidade Estadual de Campinas (UNI- CAMP) que vem oferecendo um curso em nivel de pos-graduagao stricto sensu em Gerontologia desde 0 inicio de 1998. Ha que se mencionar também a Pontificia Universidade Catélica de Campi- nas (PUCCAMP), que fundou uma das primeiras universidades da terceira idade no pais, em 1990. Desde entdo, centenas de adultos com mais de 50 anos tém freqiientado os mais diferentes cursos oferecidos pela instituigao. Dentre eles esta o de lingua estrangeira (inglés), mantido pelo Instituto de Letras. . Seguindo 0 exemplo da PUCCAMP, inumeras outras insti- tuigdes puiblicas e privadas vém oferecendo, entre outros cursos, 0 de estudos em lingua estrangeira para a terceira idade. Contudo, sé a oferta de cursos de lingua estrangeira (LE) para a populagao mais idosa representa um avango no ensino brasileiro, existe também 0 risco de comprometimento do trabalho se o planejamento & execu- ao desses cursos forem conduzidos apenas com base no bom senso e intuicg&o experiente, pois nao ha ainda um numero suficiente de iniciativas de pesquisa sobre 0 processo de ensino-aprendizagem de linguas com sujeitos da terceira idade, . Neste capitulo, procuro descrever algumas caracteristicas da construcao do processo de ensino e aprendizagem de LE com 240 adultos da terceira idade, tendo como base a minha dissertagao de mestrado defendida em 1995 no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Outros trabalhos sobre o ensino-aprendizagem de linguas com adultos serao enfocados, com destaque especial para a pesqui- sa de Conceig’o (2000), na qual a autora buscou investigar as estra- tégias de aprendizagem de lingua estrangeira utilizadas por adultos da terceira idade. O Fator IpADE NA AQuisiGAo DE LinGuas A maioria das pesquisas sobre o ensino/aprendizagem de segunda lingua/lingua estrangeira (L2, daqui por diante) com adul- tos focaliza aprendizes jovens, principalmente alunos universitarios das proprias instituigdes em que atuam os pesquisadores. Uma primeira frente de estudos iniciada na década de 50 apresenta uma discussao acerca do fator biolégico (neurolégico) que poderia limitar a aquisig’o de L2 apés uma determinada idade. Esses estudos defendem a existéncia de um periodo critico para a aquisigao de linguas e, em sua maioria, esto bastante atrelados as pesquisas sobre a aquisigao da lingua materna (L1). Dentre os au- tores estdo Penfield e Roberts (1959) e aquele que € considerado 0 criador da Hipotese do Periodo Critico (HPC): Lenneberg. Segundo a HPC', a aquisi¢ao bem sucedida de L2 deve se dar antes da puberdade, ou seja, entre 10 e 12 anos de idade. Apds esse periodo, a aquisigao de L2 dificilmente atinge o grau de domi- nio da lingua de um falante nativo, seja ela qual for, muito embora, segundo Lenneberg (1967, p. 176), uma pessoa possa “aprender a se comunicar em uma lingua estrangeira aos quarenta anos” 2 Estudos bem mais recentes tém posto em cheque a Hipotese do Periodo Critico. Andrew (2004: 19), por exemplo, considera 0 termo “periodo critico” demasiadamente determinista. A autora, a exemplo de Harley e Wang (1997) e Birdsong (1999), prefere 0 termo “periodo sensivel”, que “denota um intervalo de tempo oti- mo, no qual algumas circunstancias so mais favoraveis para 0 de- Senvolvimento ‘de um determinado tipo de comportamento, ¢ cuja eficiéncia se reduz com o passar dos anos”. ee i Sobre a HPC, ver também ROSANSKY (1975), SCOVEL (1 ELINKER (1972) e STATZ et al. (1990). 988), SELIGER (1978), 241 __ Bongaerts (2005) também enumera varios estudos, notada- mente os de Birdsong (2004) que comprovam que € sim possivel para um aprendiz obter uma fluéncia na L2 bem préxima da de um nativo mesmo quando a sua aprendizagem se inicia na idade adul- ta. Muito mais contundente em suas criticas 4 HPC, Singleton (2005, p.280) afirma que: esta niio pode ser considerada como uma hipdtese cienti- fica nem no senso Popperiano, no qual algo pode ser fal- seado, tampouco no senso mais positivista, em que algo pode ser confirmado ou sustentado. Da maneira que se apresenta, a HPC é como a Hidra mitica, cuja multiplici- dade de cabegas e capacidade para produzir novas cabegas tornam impraticdvel a sua correta compreensao. CaracteriSTICAS DO ADULTO DA TERCEIRA NA SALA DE AULA DE LE C. Brown (1985) empreendeu um interessante estudo sobre os tipos de pedidos de insumo feitos por adultos em seus diarios. Fo- ram pesquisados dois grupos de adultos das seguintes faixas etarias: 18 jovens adultos (18-25 anos) e 18 adultos mais velhos (acima de 55 anos). Ambos os grupos haviam se matriculado em um curso de imersao de espanhol como L2, oferecido pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Ultimos Dias (Igreja Mérmon) para missiondrios voluntarios no estado de Utah, Estados Unidos. A partir dos didrios desses sujeitos, C. Brown (op. cit.) orga- nizou uma lista contendo 76 fatores direta ou indiretamente ligados ao processo de aprendizagem de espanhol como L2. Surpreenden- temente, o insumo foi citado pelos jovens adultos quatro vezes mals do que pelos adultos mais velhos. Além disso, enquanto os mals jovens se mostraram mais preocupados com a utilizagdo de estraté- gids de aprendizagem que pudessem ajudé-los a lidar com a quan- tidade de insumo recebida, os mais velhos se preocuparam mals em como descobrir maneiras de alterar 0 modo como o insumo era trabalhado em sala de aula, de forma a viabilizar sua aprendizagem- Estes alunos chegaram até mesmo a propor mudangas no curriculo ena metodologia de ensino de linguas do professor. De acordo com C. Brown (op. cit., 277), “os tipos de mudangas requisitadas variam desde simples desejos de obter mais exemplos sobre 0 contetido de 242 _—a uma certa pagina do livro didatico até i pedidos para que os profes- sores apresentem todo 0 contetido do curso em uma ordem diferen- te.” Esse tipo de atitude dos aprendizes mais velhos revela, até certo ponto, uma disposig&o pouco favoravel a passividade em sala de aula. Ha ai um desejo dos alunos de adaptar 0 ensino as suas dificuldades, as suas reais necessidades, a sua cultura de aprender. Embora esse comportamento possa parecer questionador, © grau de negociagdo do ponto de vista interacional nao deve ser comparado com a aparente rebeldia de aprendizes adolescentes (cf. Macowski, 1993,p. 11-18), j4 que o adulto da terceira idade, obvia- mente, traz consigo uma maturidade, uma auto-consciéncia e uma Seguranga muito mais sdlidas do que o adolescente. Uma outra caracteristica dos alunos mais velhos destacada por C. Brown (op. cit.) e que merece ser ressaltada é a suscetibili- dade dos mesmos a interferéncia de fatores externos no processo de aprendizagem de L2, dentre os quais ela destaca os problemas de satide e de familia. Na verdade, esse dado ilustra uma dentre varias outras caracteristicas socioculturais dos adultos da terceira idade. Preti (1991, p. 125), por exemplo, realizou um interessante estudo sobre o discurso dos idosos. Segundo o autor, Os valores do passado se manifestam, no apenas na linha discursiva, mas também no léxico, com muitos vocdbulos que refletem os tempos de antes. Mas, a esse proposito, é preciso lembrar que a linguagem de idosos nao constitui, de forma alguma, uma linguagem arcaica, perdida no tem- PO, porque a interagao desses falantes com os mais jovens ou com o ambiente social (através, por exemplo, da tele- visao, radio, jornais etc) permite que ocorra, em geral, um Processo continuo de atualizagiio. Preti (op. cit.) e também Bosi (1994) mostram que ao se com uma oportunidade de engajamento social, o sujeito da idade, sobretudo aquele j4 aposentado ou deixado a mar- gem da sociedade, procura compartilhar as suas vivéncias, as ae &xperiéncias de vida com seus interlocutores. Essa necessidade f SCcializacao do adulto mais idoso também é destacada por (1995, 1998 ¢ 2007) ¢ Concei¢ao (2000), como veremos a seguir. deparar terceira 243 a A Sata DE AULA Com ADULTOS DA TERCEIRA IDADE Descrever as caracteristicas do processo de aprendizagem de L2 por adultos da terceira idade implica, necessariamente, anali- sar a construgao do processo no seu ambiente mais natural: a sala de aula (CAVALCANTI E MOITA LOPES, 1991). Foi o que fizeram Pizzolatto (1995) e Conceigao (2000). Pizzolatto (op. cit.) empreendeu sua pesquisa, de cardter in- terpretativista, em dois contextos de ensino com adultos da terceira idade: um primario e 0 outro secundario. Os dados que compéem 0 corpus principal (CP) da pesquisa foram colhidos em uma escola de idiomas de Campinas (EI, daqui por diante), onde ele atuou como professor-pesquisador, de agosto de 1993 a julho de 1994. Dentre os diversos instrumentos para a coleta de dados, Pi- zzolatto fez gravagdes das aulas em audio e/ou video, posterior- mente transcritas conforme Marcuschi (1986) e Preti (1991), e en- trevistas individuais com os alunos-sujeitos, também registradas em audio e/ou video. Vale ressaltar que os alunos-sujeitos da pesquisa de Pizzo- lato nao faziam parte do quadro de alunos regularmente matricula- dos no estabelecimento. Os sujeitos de pesquisa foram recrutados mediante uma divulgagao do curso em diversos locais e orgios de imprensa da cidade de Campinas. A escola de idiomas gentilmente cedeu 0 espago fisico e seus equipamentos de audio e video para a realizagao da pesquisa. O curso foi oferecido gratuitamente a treze alunos (dois ho- mens e onze mulheres com média de idade de 64 anos), seleciona- dos entre aproximadamente trinta candidatos, conforme os seguin- tes requisitos: idade minima de 55 anos e conhecimento incipiente da lingua inglesa. A carga horaria semanal, de trés horas, foi dividi- da em dois encontros, as tergas e quintas. : A abordagem de ensino pretendida (ou declarada) por Pi- zzolatto foi uma aproximagao da Abordagem Comunicativa em Suas vertentes interacionista e integradora de habilidades (cf- Wr DDOWSON, 1991 e ALMEIDA FILHO, 1993). _ Para a elaboragiio do material didatico, Pizzolatto fez um Pesquisa com os alunos-sujeitos para saber quais os temas que mals hes interessavam. Os alunos manifestaram interesse em abordar tOpicos relacionados ao seu cotidiano, tais como, familia, televis4, Yiagens e comida, entre outros. Alguns alunos também mostraram Interesse por aspectos culturais dos paises de lingua inglesa- | 244 — Os dados que constituiram 0 corpus secundario (CS) da pes- quisa foram colhidos no Instituto de Letras da Pontificia Univer- sidade Catolica de Campinas (PUC — Campinas), entre novembro de 1993 e julho de 1994, onde Pizzolatto atuou como pesquisador- observador (PQ). As aulas eram mihistradas por uma aluna do se- gundo ano do curso de Letras da propria universidade e aqui deno- minada por “PN”. O grupo de seis alunos era formado por um homem e cinco mulheres, com média de idade de 63 anos. Também este grupo era iniciante em lingua inglesa. A carga horaria semanal totalizava duas horas, ministradas em apenas um dia da semana (terga-feira). Embora Pizzolatto nao pretendesse realizar um estudo es- sencialmente comparativo entre os dois contextos de pesquisa aci- ma mencionados, os dados puderam ser perfeitamente inter-relacio- nados. A partir do cotejo dos dois contextos de ensino foram tecidas algumas generalizagdes acerca do processo de aprendizagem de L2 por adultos da terceira idade. Motivacoes & AriTuDEs Dos ALUNOS Antes de iniciar o curso de inglés para a terceira idade, Pi- zzolatto aplicou um questionario aos alunos de ambos os contextos de ensino (CP e CS), com o propésito de explicitar as suas moti- vagoes e atitudes em relagao a aprendizagem da lingua inglesa. Os Motivos pelos quais os alunos mais se interessaram em aprender o idioma foram os seguintes: intengao de usar 0 idioma em viagens ao exterior; aprego pelo idioma; preenchimento do tempo livre; auto- desafio; expansdo dos conhecimentos gerais; manutengio da saide mental, _ Com o passar do tempo, no entanto, foi constatado o real Motivo pelo qual os alunos se engajaram nos cursos de inglés su- ere As aulas estavam surtindo nos alunos uma espécie de tivesse; €rapeutico, de cardter socializador. Embora alguns deles ja ‘™m mencionado que gostariam de aprender uma nova lingua Sete Ocupar 0 tempo livre e/ou manter a satde mental, todos confor €stavam ali, na sala de aula, buscando uma socializagao, eae © pode ser observado no seguinte trecho de um dos depoi- ‘os dados pelos alunos ao pesquisador: DL: Be 'sso...mas pra mim isso aqui ¢ terapia que bom...que bom mS 245 DL: sair da minha casa...vir pra cé...conviver Pp: dar umas risadas...né? © (TAG-CP) A INTERAGAO NA SALA DE AULA A POSTURA DO ALUNO Na idade adulta a obrigatoriedade da aprendizagem de lin- guas deixa de partir de instituigdes como familia e escola e passa a existir por motivacdo interna, nao raramente ligada ao mercado de trabalho, por exemplo. Na terceira idade, essa obrigatoriedade, se nao deixa de existir, seguramente torna-se mais ténue. E natural, portanto, que pela sua nao-obrigatoriedade as aulas de inglés sir- vam aos alunos aqui focalizados também como local de lazer, de bate-papo, conforme apontado anteriormente. Para esses alunos-sujeitos, ha sempre uma historia a ser contada, uma lembranga a ser desfiada. O passado, 0 nostalgico “ontem” € constantemente evocado e comparado com o presente, com 0 “hoje” (PRETI, op. cit.). A vontade de dividir com os colegas e professores suas reminiscéncias, observacdes e inquietagdes causam um efeito de aparente indisciplina na sala de aula. As conversas paralelas sao geralmente muitas e freqiientes. Em decorréncia desse tipo de pos- tura em sala de aula, os alunos, as vezes, s&o tratados pelo professor como se fossem criangas ou adolescentes “mal educados” . _ _ _Embora o aluno da terceira idade mostre-se ocasionalmente “indisciplinado” como um aluno adolescente, a rebeldia, o sarcas- moea agressividade deste (cf. MACOWSKi, 1993) nao sao ele- mentos tipicos do seu comportamento e tampouco do seu discurso. Alias, €m varios momentos os alunos-sujeitos criticam & ironizam a sua propria postura em aula: ND: @ RT..chorou pra comprar um carro...ganhou...e anda com... anda que nem uma coisa e ndo aparece na aula i s6 na hora de assinar..mas é um barato Mi: quando alguém nao assina pra ela.né? eu acho isso TA::0 engragado. i é sso é coisa de crianga- imagina...e é da TERCEIRA IDADE so é coisa de | aoe : no intervalo que é pra vim historinha...meninas 246 a $$ ND: _ essas meninas so desatentas ((risos)) PN: vou colocar de castigo...hein? ND: nos somos muito criancinhas (TAG - CS) E interessante notar também como essa auto-ironia de al- guns alunos reflete, na verdade, uma expectativa que a sociedade tem em relac3o ao comportamento do idoso de um modo geral, como se a velhice fosse, de fato, uma segunda infancia. Nos trechos acima transcritos podemos verificar como os alunos cobram dos proprios colegas e de si mesmos uma postura mais “adequada” 4 idade. Vale notar como o uso da ironia difere se comparado com a que os adolescentes freqiientemente usam. Aqueles a usam quase sempre com a intengao de ferir, magoar, sobretudo o outro — seu colega, seu professor - (MACOWSKI, 1993, BASSO, no prelo) enquanto que os idosos a usam com uma conota¢do mais afetiva, lembrando tempos idos. CONFLITO NO FOCO DA INTERACAO Como mencionamos acima, a interagdo entre os alunos da terceira idade na sala de aula é muito freqiiente e, na grande maioria das vezes, ocorre na prépria lingua materna. A reacdo do professor, entdo, se constitui em chamar a atengao dos alunos para si, tratan- do-os, as vezes, como criangas indisciplinadas. Essa aparente indisciplina e a conseqiiente reacao do profes- sor podem ser interpretadas como resultados de um certo conflito de objetivos e interesses entre alunos ¢ professor. Vejamos um dos excertos das audiogravagées: PN: — que chique...o..SS is a new student SS: digue-me...olha o portugués...digue-me PN: yes (risos))...it's her first day...what do you do on Fri- days? ML: xi:: me Fridays fi S: sexta-feira?...como é que eu falo pra ela que eu Jaco QUITUTES? # 2 f PN: — quitutes? SS: bolo...pudim...doces...paes — 247 | PN: snacks SS: eu tiro o dia pra fazer isso PN: — Imake SS: sexta-feira PN: — [make SS: eu me dedico a cozinha pra fazer QUITUTES (TAG - CS) Podemos observar em ambos os trechos que ha uma digres- sfo quanto ao foco da interacao entre professor e alunos. O pro- fessor espera que os alunos se concentrem na forma e no uso da lingua-alvo. Entretanto, a atengaio dos alunos esta essencialmente voltada para 0 t6pico da conversa¢ao. O que parece existir, na verdade, é um confronto entre os objetivos e interesses declarados pelos alunos em aprender o in- glés como LE e os seus objetivos ¢ interesses desejados de fato. Soma-se a isso uma certa inseguranga do professor quanto ao seu papel em sala de aula diante de um publico com o qual ele nao esta acostumado. Ao perceber que seu papel de “provedor” de insumos da lingua-alvo estd sendo inécuo, o professor parece reincindir na posigao de que a melhor forma de trabalhar com os alunos talvez seja através da manutengao da assimetria em sala de aula. Uma as- simetria, alids, que ele inconscientemente nunca abandonou e que, provavelmente, nao precise necessariamente abandonar para garan- tir a aprendizagem dos alunos. A QuEsTAO DA AFETIVIDADE EM SALA DE AULA : Aaparente indisciplina, a auto-ironia, a digressao no foco da interacao, enfim, todas as caracteristicas da postura dos alunos da terceira idade vistas até 0 momento sao, na verdade, manifestagdes de um importante aspecto psico-sociolégico que precisa ser levado em conta pelo professor na sala de aula: a afetividade. Segundo Vygotsky, 1989a, p. 129) O pensamento tem que passar primeiro pelos significados e depois pelas palavras (...) é gerado pela motivacao, isto é, pelos nossos desejos e necessidades, nossos interesses e emogées (...) Para compreender a fala de outrem nao basta entender as suas palavras - temos que compreender 0 seu pensamento. 248 —al Além de enxergarem a sala de aula como um lugar propi- cio para o contato social, para a formacdo de novas amizades, os alunos-sujeitos também apresentam fortes indicios de que necessi- tam da empatia do professor, ou seja, eles esperam que o professor compreenda os seus problemas, as suas necessidades e seja solida- rio com eles. Nao é por acaso que em ambos os contextos de ensino aqui tratados, constantemente os alunos expdem os seus problemas pessoais, as suas emo¢des em sala de aula. Em varios momentos os alunos demonstram ter incorporado a imagem negativa que a sociedade possui em relagfio ao envelhe- cimento. Nesses casos, nota-se no discurso de alguns alunos mani- festacdes de uma auto-estima relativamente baixa: RP: ndo é que eu néo quero também.... eu sei daqui a um més...eu num sei se ou viver um ano (TAG-CP) PN: people....is it possible to do the exercise now? ?...dé pra fazer agora?...dhn?...or no?...ah:: seu MJ (em resposta & expressdo de frus- tragao do aluno)) ‘MJ: (_ ) ... velho é assim mesmo minha filha...6...nio dé PN: que desdnimo é esse...seu MJ?...cheer up..seu MJ... cheer up...please( TAG - CS ) Ao contrario do adolescente, por exemplo, que teme se ex- por diante dos colegas da classe, da turma (MACOWSKI, 1993, BASSO, no prelo), os alunos da terceira idade, em sua maioria, demonstram uma atitude de quem nfo tem nada a perder, por isso nao temem a exposi¢Zo diante dos proprios colegas e do professor. Alias, essa exteriorizagao dos sentimentos dos alunos, dos seus anseios, pode também configurar uma oportunidade impar para 0 professor explorar o potencial comunicativo dos alunos na lingua-alvo, ainda que suas competéncias comunicativas se mos- trem incipientes. DA ESTRATEGIAS DE APRENDIZAGEM DE L2 UTILIzADAS POR ALUNOS TeRcEIRA IDADE Conceigao (2000) fez uma interessante investigagao ede das estratégias de aprendizagem mais utilizadas por um STUPe - alunos da terceira idade, matriculados em tal Bua inglesa, oferecido pela Central de Linguas do Depal 249 eT

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