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Índice
1. A referência ao COF
2. A quem se destina este curso?
3. Que tipo de vida intelectual buscamos?
4. Qual o motivo da escolha do Método da Confissão como foco do curso?
5. O que é o Método da Confissão?
6. É possível ensinar o Método da Confissão?
Resumo
1. A referência ao COF
A ideia inicial para o título deste curso não era “A Prática da Vida
Intelectual” mas sim “A Prática do COF”. Contudo, embora a inspiração
inicial não se tenha alterado, este título poderia originar inúmeros mal-
entendidos. Eu estou a mencionar isto porque serve de pretexto para tentar
esclarecer a relação que existe entre este nosso curso e o Curso Online de
Filosofia, porque seria uma questão que mais tarde ou mais cedo iria
aparecer.
Se eu usasse termo “COF”, ou “Curso Online de Filosofia”, isso
poderia dar a ideia de se tratar de alguma iniciativa oficialmente ligada ao
curso de Olavo de Carvalho, o que não é o caso. Estou aqui por minha
iniciativa, conta e risco. Ninguém me disse que eu devia fazer isto, ou que
uma iniciativa assim é necessária, mas é algo que foi bastante reflectido.
Quando faço esta gravação já decorreram cerca de seis meses desde que
comecei a trabalhar especificamente para este curso, mas antes passei
vários anos observando e reflectindo sobre o que se poderia fazer para
ajudar as pessoas interessadas numa vida de estudo que não passa pelos
meios oficiais.
Outro motivo para não chamar a este curso de “A Prática do COF” é
que poderia ficar subentendido que se trataria de uma versão resumida do
A Prática da Vida intelectual - Aula 1 3
tantas vezes lugares comuns como “sair do ninho”, “ganhar asas”. São
símbolos que têm algum valor, na medida em que podem abrir algumas
perspectivas, mas acho que não são os mais adequados para representar a
vida intelectual. A ave tem uma vida breve, voa para todo o lado mas acaba
por ser escrava do ninho que ela mesma construiu. Sai do ninho dos
progenitores para se colocar noutro ninho, pelo que o seu vôo é uma
liberdade ilusória. Quem já acompanhou a vida de várias aves pode ver
nelas um modelo da escravidão, especialmente aquelas espécies que caçam
insectos ou que se alimentam de néctar das flores. É uma existência breve e
de esforço contínuo, especialmente quando têm crias. Diríamos que elas
fazem todo esse esforço em nome da continuação da espécie, que é uma
coisa que elas nem sabem o que é. Claro que há aves especiais, como o
albatroz, que pode voar continuamente por muitas horas e até dormir
enquanto voa. Quando procuramos símbolos temos de ter a mente aberta.
Parece-me que a imagem da árvore em crescimento é mais adequada
para simbolizar a vida intelectual. As raízes são todo o legado do passado,
que não é apenas um suporte inicial mas a base que se deve aprofundar
cada vez mais. Não basta dar uma lambida nos clássicos e seguir adiante
em busca de originalidade, como por vezes se ouve dizer, mas os clássicos
são algo que temos que revisitar constantemente porque contém sempre
algo que nos passou despercebido inicialmente.
O crescimento da árvore é lento e inicialmente ela é muito frágil e
pode ter um fim rápido (uma cabra come uma árvore jovem como se fosse
um arbusto, ou então é o solo que é pobre, ou ela não recebe luz suficiente).
O começo do estudo também é assim, porque nós podemos nos dispersar
com facilidade, ou podemos não dar suficiente atenção e cuidado, pelo que
dali não vai sair grande coisa.
Mas depois da fase inicial, a árvore desenvolve-se de forma quase
imparável e resiste a inúmeras dificuldades. Tal como acontece com a
árvore, o pensamento deve ter um tronco sólido, que se divide em vários
ramos. A árvore oferece protecção a diversas criaturas e pode dar muitos
A Prática da Vida intelectual - Aula 1 5
que ele disse sobre estas coisas para falar delas como a mesma autoridade,
mas seria necessário um esforço investigativo próprio. Um professor deve
saber muito mais do que aquilo que transmite aos alunos, por regra. Por
vezes ele pode transmitir algo que ainda está apenas começando a estudar,
mas nesse caso ele avisa. Assim, vou querer falar apenas daquilo que tenho
alguma segurança ou, pelo menos, onde tento buscar alguma, embora a
segurança em si mesma não seja um critério definitivo. Certamente não
faltam pessoas que estão absolutamente seguras de ideias completamente
erradas. A segurança que nos interessa não é tanto a de um castelo
muralhado que possa resistir a todas as investidas mas é antes a segurança
de um exército em movimento e que tenta sempre obter um mapeamento
correcto do território adiante que lhe permita avançar sem cometer grandes
erros.
A imagem das sementes também deve evocar a muitos a Parábola do
Semeador, que na realidade se refere àquele que semeia a palavra. A
semente não pode frutificar rodeada de pedras ou de espinhos ou num solo
que não permita lançar raízes. Por isso eu disse que estava aqui por minha
conta e risco. Se este projecto não der os resultados pretendidos, a culpa
não é do professor Olavo mas minha, porque não soube dar melhor
tratamento às sementes que ele legou.
O destino ideal de toda a semente é vir a cair em terreno fértil, caso
contrário não cumpre a sua função. Claro que algumas sementes também
podem ser usadas para alimento e é sempre bom ter algumas em depósito.
Contudo, se o único fim que damos às sementes é o armazenamento, em
termos de conhecimento isto corresponde a ficar apenas por uma fase de
impressões. Para quem teve a sorte de encontrar um bom professor, este
período de novas impressões é muito cativante porque temos alguém que
ilumina a realidade com a sua palavra e faz-nos em alguma medida
partilhar da sua clarividência, mas é apenas “em alguma medida”. O foco
de luz, o poder iluminante não passa automaticamente para nós, ainda que
nós tenhamos um contacto prolongado o professor. Os exemplos disto são
A Prática da Vida intelectual - Aula 1 7
Apesar de eu esperar que este curso possa ser de alguma ajuda para
os alunos do COF, não é este o único público alvo. Genericamente, é um
curso para quem se interessa pela vida intelectual, mas não pensada
necessariamente como uma profissão, até porque não temos diplomas para
oferecer. Falo de pessoas que querem escrever, que se interessam por
História, filosofia, literatura, ou que simplesmente queiram estar mais
conscientes do estado actual de coisas. E, isto é importante, o público alvo
são aquelas pessoas que já perceberam que a realidade não é esgotada por
nenhuma perspectiva escolar mas que é necessário obter uma visão mais
abrangente, mas que não pode ser um olhar distante. Queremos aqui
desenvolver um olhar pessoal, embora sem perder a objectividade.
Não vou partir do princípio de que as pessoas que frequentam este
curso já estão familiarizadas com o trabalho de Olavo de Carvalho. Fazer
essa selecção prévia teria a vantagem das pessoas já terem uma ideia do
tipo de vida intelectual a que me refiro, e também iria evitar um sem
número de mal-entendidos. Contudo, fazer essa triagem não só iria excluir
A Prática da Vida intelectual - Aula 1 8
capitalismo. Mas isto é uma confusão que qualquer um que pode fazer,
basta um pouco de amor à causa, ao passo que a paralaxe cognitiva só é
aplicável a quem fez uma construção teórica, que construiu um edifício
inteiro, uma filosofia, não se trata da mera construção de um argumento.
Por exemplo, as filosofias de Descartes ou de Kant não são meros
argumentos soltos mas pretendem dizer algo sobre a realidade, sobre como
nós conhecemos. Assim, podemos confrontar a sua doutrina com as
condições necessárias para ela ter sido elaborada, e se elas vão em sentidos
opostos podemos dizer que estamos em presença de paralaxe cognitiva.
Mas para chegar a este ponto é preciso não apenas conseguir entender uma
filosofia em profundidade mas também fazer uma análise existencial
associada ao acto de produzir essa filosofia, o que não é uma tarefa para
amadores. No meu caso, nunca fiz um trabalho assim e nem acho que vá
estar preparado para fazê-lo nos próximos anos, mas apenas segui algumas
análises feitas pelo professor Olavo de casos de paralaxe cognitiva e acho
que consigo identificar se alguém está preparado para fazer isso ou não.
Bem mais fácil do que identificar uma paralaxe cognitiva é sinalizar
uma “contradição performativa”, que é apenas uma contradição formal
entre o que é dito e o acto de dizer tal coisa. Algumas contradições
performativas são óbvias e funcionam como piadas, como o “paradoxo do
mentiroso” (“eu minto sempre”), ou dizer “ninguém fala”, porque para eu
dizer tal coisa já tenho de estar falando. Outras contradições performativas
podem levantar prolongadas discussões, como a discussão sobre a
propriedade de si mesmo, que ao ser negada já de alguma forma se afirma a
si mesma. O sujeito diz “eu não tenho propriedade sobre mim mesmo”, ao
que alguém poderia replicar como piada: “mas quem é você para afirmar tal
coisa?” E temos a própria negação do princípio de não contradição (algo
não pode ser e não ser a mesma coisa ao mesmo tempo, sob o mesmo
aspecto), que é uma espécie de contradição performativa “original”
indicada por Aristóteles na Metafísica (1006 A1 – 1006 A28), embora não
com esse nome1.
A Prática da Vida intelectual - Aula 1 12
o vício de dar opinião vão mandar em nós. Então, vamos perder um tempo
precioso discutindo questões periféricas ou mesmo defendendo ideias
erradas apenas porque elas parecem estar associadas a ideias que nos são
queridas.
Esta aparente divagação ainda está dentro do âmbito do ponto que
nos debruçamos, ou seja, quais são as pessoas a quem este curso se dirige?
Tenho em vista pessoas que pretendem ter uma visão ampla e pessoal sobre
a realidade, que tenham amor por ela, mas também pessoas dispostas a
corrigir os seu vícios cognitivos. Uma coisa está implicada na outra.
continuam por revelar para a maior parte dos homens). Agostinho era
demasiado pessoal para a sua época e não teve o impacto que merecia.
Contudo, era mais uma etapa em o Método da Confissão se revelava a si
mesmo. Não é apenas uma busca de conhecimento, o que seria a busca de
um momento de “Eureka!”, mas é também busca transformadora de
autoconhecimento que ocorre mediante o testemunho.
O mundo moderno vive numa espécie de tragédia cognitiva, que é o
seguinte. Embora boa parte dos trabalhos de investigação académicos
sejam uma espécie de engenharia da desonestidade, não podemos negar que
existem muitas mentes brilhantes buscando sinceramente conhecimento nas
mais diversas áreas, em investigações que às vezes envolvem gastos
astronómicos de dinheiro, como acontece em física, por exemplo. Basta
pensar no custo de um acelerador de partículas. A tragédia é que estes
investigadores brilhantes e esforçados são quase cegos para aquele mar de
conhecimentos que estão prestes a ser conhecidos, que estão como que sub-
conhecidos, e que é próprio do método da confissão revelá-los. Digamos
que as mentes brilhantes, como desconhecem totalmente o método da
confissão, são como crianças que desconhecem quase tudo sobre si mesmas
e, por isso, são facilmente manipuláveis. Tudo o que é autoconhecimento
ficou entregue a embusteiros, aos engenheiros sociais, aos ideólogos, ao
pessoal da Nova Era, etc. Eles usam isto para efeitos de manipulação e por
vezes entregam algumas migalhas ao público, que fica com a sensação de ir
descobrir algo importante mas nunca oferece aquilo que promete. Este
autoconhecimento de quinta categoria acaba por ser uma escapatória para o
cientificismo reinante mas que não causa qualquer mossa a este, é apenas
uma válvula de escape.
A humanidade viveu durante milhares de anos sem saber o que era
uma partícula sub-atómica ou desconhecendo qual era a estrutura do ADN,
nem sequer era conhecida a existência da circulação sanguínea até há
poucos séculos atrás. Quer dizer, já existia desde a Antiguidade a ideia de
algum tipo de circulação do sangue mas só no séc. XVII apareceu a
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Notas:
https://damherzog.blogspot.com/2015/12/contradicao-
performativa.html
https://olavodecarvalhofb.wordpress.com/2016/12/21/paralaxe-
cognitiva/
https://www.youtube.com/watch?v=q5hmgtIhMoc