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Fichamento – Capitalismo e moderna teoria social

“O principal tema da obra de Durkheim consistiu na tentativa de


reconciliação da concepção de Comte do estádio <<positivo>> da sociedade com
exposição parcialmente divergente das características do <<industrialismo>> feita
por Saint-Simon.” [Página 109]

“Entre 1885 e 1887 Durkheim publicou várias análises críticas das obras de
Schäffle, Lilienfeld e outros pensadores alemães. A crítica de Durkheim ao Bau
Und Leben Des Socialen Korpes de Schäffle foi a sua primeira publicação, que
nos fornece indicações muito claras no que se refere a orientação do pensamento
do seu autor no inicio da sua carreira intelectual. A crítica de Durkheim ao livro de
Schäffle da a entender que estava de acordo com os pontos principais da
argumentação da obra criticada. Segundo Durkheim, uma das contribuições mais
importantes do Schäffle para o pensamento social consiste no fato de esse autor
ter definido um modelo de analise morfológica muito útil dos principais
componentes estruturais de diferentes formas de sociedade. Ao faze-lo, Schäffle
utiliza largamente as analogias orgânicas, comparando as varias partes da
sociedade aos órgãos e tecidos do corpo. Esse processo é segundo Durkheim,
perfeitamente válido, pois o Schäffle não pretende deduzir diretamente as
propriedades da organização social das da vida orgânica. Pelo contrário, Schäffle
insiste em que o recurso a conceitos biológicos não passa de uma <<metáfora>>
que contribui para facilitar a análise sociológica.” [Página 111]

“A teoria econômica ortodoxa é baseada no utilitarismo individualista e


abstrai da perspectiva histórica: <<ou seja, as principais leis da economia seriam
exatamente as mesmas ainda que não tivessem existido num mundo nações ou
estados; e implicam apenas a existência de indivíduos que trocam os mesmos
produtos.>> Porém, Wagner e Schmoller afastam-se substancialmente desse
ponto de vista. Para eles (tal como Schäffle), a sociedade é uma unidade com
características específicas, que não podem ser deduzidas das dos seus membros
individuais. É falso partir do principio de que <<um todo é igual a soma das suas
partes>>: na medida em que essas partes estão organizadas de forma bem
definida, essa organização das relações tem propriedades próprias. Este princípio
aplica-se igualmente às regras morais que orientam a vida dos homens em
sociedade: a moral é uma propriedade coletiva, e tem de ser estudada como tal.
Na teoria da economia politica ortodoxa, pelo contrario, <<o interesse coletivo não
passa de uma forma de interesse pessoal>>, e <<o altruísmo é meramente um
egoísmo disfarçado.>>” [Página 113]

“Temos antes de partir da realidade, do estudo das formas concretas das


regras morais, tal como as encontramos nas sociedades concretas. Durkheim cita
uma vez Schäffle no que a este ponto se refere: foi Schäffle que demonstrou que
as regras morais são modeladas pela sociedade, sob a pressão das necessidades
coletivas. Não se pode, pois partir do principio de que as regras, por operarem de
fato empiricamente, podem ser reduzidas a alguns princípios a priori, dos quais
todas as crenças e ações específicas constituíram mera expressão. Os fatos
morais são na realidade <<de uma prodigiosa complexidade>>: o estudo empírico
das diferentes sociedades mostra-nos que há <<um numero cada vez maior de
crenças, costumes e disposições legais>>.” [Página 114]

“Wundt demonstrou que se manifestaram nas religiões primitivas duas


espécies de fenômenos inter-relacionados: por um lado, uma série de
<<especulações metafísicas relativas à natureza e à ordem das coisas>>, e, por
outro, regras de conduta e disciplina moral. Além de fornecer ideias de conduta, a
religião é ainda uma força de coesão social.” [Página 115]

“[...] a tese principal que Durkheim se propõe a defender em A Divisão do


Trabalho é que a complexa sociedade moderna não tende inevitavelmente para a
desintegração, apesar do declínio da significação das crenças morais tradicionais
que nela se verifica. Pelo contrário, o estado <<normal>> em que se verifica uma
divisão diferenciada do trabalho caracteriza-se simultaneamente pela estabilidade
orgânica.” [Página 117]

“Durkheim propõe-se, porém, não <<extrair a ética da ciência, mas antes


criar uma ciência da moral, o que é muito diferente>>. As regras morais surgem do
seio da sociedade, ligando-se integralmente às condições de vida social vigentes
em determinado tempo e local. A ciência dos fenômenos morais propõe-se pois
analisar o modo como a evolução das formas sociais se repercute no carácter das
normas morais e <<observar, descrever e classificar>> estas.” [Página 118]

“As sociedades nas quais os principais laços de coesão se baseiam numa


<<solidariedade mecânica>> tem uma estrutura segmentária: isto é, são
compostas por grupos políticos familiares justapostos (grupos de clã), cuja
organização interna é muito semelhante. A tribo como um todo constitui uma
<<sociedade>> porque é uma unidade cultural: porque os membros dos vários
grupos clânicos professam o mesmo conjunto de crenças e sentimentos. [...] Uma
vez que a solidariedade mecânica a sociedade é dominada pela existência de um
conjunto e crenças e sentimentos bem firmes e aceites por todos os membros da
comunidade, não pode, portanto haver grande diferenciação entre os indivíduos;
cada individuo é um microcosmo do todo. <<a propriedade não passa
efetivamente de uma projeção da pessoa sobre as coisas. Quando a única
personalidade que existe é a personalidade coletiva a propriedade não pode ser
senão coletiva também.>>” [Página 122]

“O segundo tipo de coesão social é a <<solidariedade orgânica.>> A


solidariedade não deriva aqui simplesmente da aceitação de um conjunto de
crenças e sentimentos comuns, mas sim de uma interdependência funcional na
divisão do trabalho. [...] A solidariedade orgânica, pelo contrário pressupõe não a
identidade, mas antes a diferença entre os indivíduos nas suas crenças e ações.
O desenvolvimento da solidariedade orgânica e a expansão da divisão do trabalho
correlacionam-se pois com a acentuação do individualismo. [Página 123]”

“O progresso da solidariedade orgânica está assim necessariamente dependente


do declínio da importância da consciência coletiva.[...] ” [Página 123]

“A divisão do trabalho não produz coesão não produz coesão social porque
se encontra num estado anômico. Ou seja, a relação entre o capital e o trabalho
assalariado aproxima-se efetivamente das condições que os utilitaristas
consideram eticamente ideais [...]. O resultado de um tal estado de coisa é um
estado crônico de conflito de classe.” [Página 127]

“Em 1888 escrevia já: <<podemos afirmar que um aumento contínuo do


número de suicídios constitui sempre um indício de uma subversão importante nas
condições orgânicas da sociedade>>. Durkheim propõe-se talvez como objetivo
principal de O suicídio identificar, por meio de uma análise específica de um
fenômeno específico, a natureza dessa lacuna moral que se manifestas nas
sociedades contemporâneas. Mas a esse objetivo principal acresce um outro de
ordem metodológica: a aplicação do método à explicação de um fenômeno que
prima face poderia se considerar como totalmente <<individual>>.” [Páginas 129 -
130]

“Os padrões da taxa de suicídio devem pois depender de ordem geográfica,


biológica e social distribuídos de forma estável. Durkheim analisa
pormenorizadamente em O Suicídio os dois primeiros tipos de fenômenos,
concluindo que nem um nem outro pode ser considerados como explicações
possíveis da distribuição das taxas de suicídio. Só o terceiro tipo de fator, o de
ordem social, pode pois explicar os padrões das taxas de suicídio.”[Página 130]

“[...] os países predominantemente católicos têm taxas de suicídio mais


baixas do que os predominantemente protestantes. [...] A explicação desse
fenômeno tem portanto de ser procurada nas diferenças que existem na
organização social de uma e outra igreja. A diferença mais óbvia entre as duas
consiste, segundo Durkheim, no fato do protestantismo se basear na promoção de
um espírito de indagação. A igreja católica se baseia numa hierarquia eclesiástica
tradicional, cuja autoridade em questão de dogma religioso é incontestável; o
protestante, pelo contrário, está sozinho perante o seu Deus está sozinho: << tal
como outros fiéis, o padre não tem outra fonte que o inspire além de si mesmo, da
sua própria consciência>>. O protestantismo é, segundo Durkheim, uma igreja <<
menos coesa>> do que a católica.” [Página 130]
“[...] <<o suicídio varia na razão inversa do grau de integração dos grupos
sociais a que o indivíduo pertence>>. Este tipo de suicídio pode ser denominado
<< egoísta>>, constituindo a resultante de um estado que leva << o ser individual
a afirmar-se de maneira excessiva face ao ser social em detrimento deste...>>. O
suicídio egoísta e muito característico das sociedades contemporâneas; mas não
é o único tipo de suicídio que nelas encontramos.” [Página 131]

“A anomia é, tal como o egoísmo, << um fator constante e específico de


suicídio nas nossas sociedades modernas; é uma das fontes abastecedoras do
contingente anual de suicídios>>. [...] O suicídio anômico, por outro lado, deriva-se
da ausência de regras morais, particularmente característica da maioria dos
setores da indústria moderna. Na medida que anomia é, segundo Durkheim, um
fenômeno <<patológico>>, o suicídio anômico é também patológico, não devendo
portanto ser considerado como uma característica inevitável das sociedades
contemporâneas. No entanto, o suicídio anômico e o suicídio egoísta relacionam-
se intimamente entre si, sobretudo ao nível do suicídio individual. << É quase
inevitável que o egoísta tenha uma tendência ao desregramento, pois uma vez
que está afastado da sociedade, está não tem influência para lhe impor regras.”
[Páginas 132 – 133]

“[...] Umas das formas de suicídio que encontramos nas sociedades


tradicionais é aquela que o indivíduo se mata por dever [...]. É o <<suicídio
altruísta obrigatório>>. Há outras formas de suicídio altruísta que não se implica
uma obrigação precisa, e nas quais está associado uma execução de códigos de
honra e prestígios bem definidos (suicídio altruísta <<facultativo>>). Ambas essas
formas suicídio altruísta derivam no entanto de uma consciência coletiva forte,
denominando de tal maneira uma as ações do indivíduo que está pronto a
sacrificar a sua vida pela realização de um valor coletivo.” [Página 133]

“Durkheim define da seguinte maneira a ideia básica de O Suicídio: << A


constituição moral da sociedade estabelece de qualquer momento o contingente
de morte voluntárias. Manifesta-se, pois, em todos os povos uma força coletiva
dotada de uma quantidade de energia definida, que impele os homens para a
autodestruição. Os atos da vítima, que de início para exprimir apenas seu
temperamento pessoal, são na realidade um suplemento e um prolongamento de
uma condição social que eles exteriorizam>>.” [Página 134]

“Isto não quer dizer, acrescenta Durkheim, que a psicologia em nada pode
contribuir para explicar o suicídio: compete aos psicólogos estudar os motivos e
circunstâncias particulares específicos colocados em circunstâncias sociais
relevantes a suicidar-se. ”[Página 134]

“[...] Os fatos sociais são <<exteriores>> ao indivíduo em dois sentidos


diferentes, mas correlacionados. Em primeiro lugar, todos os homens nascem em
uma sociedade já constituída, dotada de uma organização ou estrutura bem
definida, que condiciona a personalidade individual: << o crente encontra logo á
nascença as crenças e as práticas da suas vida religiosa completamente
constituída; o fato de eles existirem antes dele significa que existem exteriormente
a ele>>. Em segundo lugar, os fatos são exteriores ao indivíduo no sentido que
indivíduo não passa de um elemento da totalidade de relação que constitui uma
sociedade. Essas relações não foram criadas por um único indivíduo, sendo antes
o fruto das interações múltiplas de todos os indivíduos. << O sistema de sinais que
recorro para exprimir meu pensamento, o sistema de moedas que utilizo para
pagar minhas dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo nas minhas relações
comerciais, as práticas adotadas na minha profissão, etc., funcionam
independentemente dos uso que deles eu faço.>> [...] ” [Página 135]

“[...] << considera-se os fatos sociais devem ser tratados como coisas >>.
Este postulado é de ordem metodológica e não ontológica, tendo de ser
interpretado em termos de concepção de modalidade de progresso da ciência que
Durkheim fora buscar em Comte. [...] <<os fatos intervém de modo secundário,
como exemplos ou provas confirmativas>>. Esse estágio pré-científico é
ultrapassado por meio da introdução do método empírico, e não apenas pela mera
discussão de conceitos. Isto é talvez mais importante na ciência social do que na
natural, uma vez que estuda a atividade humana [...]. A proposta de que fatos
sociais devem ser tratados como <<coisas>> é formulado com o objetivo de
contrariar essas tendências. Durkheim assimila assim os fatos sociais ao mundo
da realidade natural, na medida que suas propriedades, tais como as dos objetos
da natureza não podem ser conhecida como instituição direta, nem ser modificada
pela vontade humana. << A característica mais importante de uma “coisa” é o fato
de ser impossível modificá-la pela simples ação da vontade. Não é que a coisa
seja refratária a todas as modificações, mas o mero ato da vontade não basta para
produzir nela uma modificação... Vimos já que os fatos sociais partilham dessa
caraterística.>>” [Páginas 137-138]

“[...] A explicação dos fenômenos sociais pode ser tentada a partir de duas
abordagens, a funcional e a histórica. A análise funcional de um fato social implica
o estabelecimento de uma <<correspondência entre o fato em questão e as
necessidades gerais do organismo social, e determina em que é que essa
correspondência consiste...>>. A <<função>> deve ser distinguida da
<<finalidade>> ou <<propósito>> psicológico, << porque os fenômenos sociais,
não existem geralmente em função dos resultados úteis que produzem>>. As
motivações e os sentimentos que levam os indivíduos a participar nas atividades
sociais não correspondem na maiorias dos casos às funções dessas atividades. A
sociedade não é apenas um agregado de motivações individuais, mas antes
<<uma realidade específica que tem suas próprias características>>: os fatos
sociais não podem por conseguinte ser explicados em termos dessas motivações.”
[Página 139]

“A identificação da função social não explica, portanto, segundo Durkheim,


as razões da existência dos fenômenos sociais em questão. As causas que
produzem um fato social são independentes da função que este desempenha na
sociedade. Todavia a tentativa relacionação entre a função e a causa conduz a
uma explicação teleológica da evolução social em termos de causas finais [...]. A
<<explicação> em termos de causas finais conduz ao tipo de raciocínios errôneos
[...]” [Página139]
“As causas que estão na origem de determinado fato social não podem,
portanto, ser identificadas com as funções sociais que tal fato possa “causas antes
de tentar especificar as funções. [...]” [Página 140]

“[...] a existência do <<castigo>> depende assim do fato de prevalecerem


sentimentos coletivos fortes. A função do castigo consiste em manter com o
mesmo grau de intensidade: se as transgressões não fossem castigadas, a força
do sentimento indispensável à coesão social não seria preservada.” [Página 140]

“[...] tanto os <<meios>> quanto os <<fins>> que os homens utilizam ou se


propõem constitui resultantes empíricas da forma de sociedade a que pertencem.”
[Página 141]

“A atitude que Durkheim assume em relação ao socialismo baseia-se no


princípio de que as doutrinas socialistas deveriam ser sujeitas ao tipo de analise
que preconizam em relação a todos os outros sistemas de ideias: ou seja, que as
teorias socialistas deveriam ser estudadas na sua relação com o contexto social
que lhes dá origem. Ao proceder a uma analise desse tipo, Durkheim começa a
estabelecer uma distinção essencial entre <<socialismo>> e <<comunismo>>.
Enquanto as ideias comunistas, no sentido que Durkheim atribui ao termo, se
manifestaram em muitos períodos da história, o socialismo é unicamente o
produto de um passado muito recente. [Página 145]”

“O socialismo é um produto das alterações sociais que modificaram


radialmente as sociedades europeias nos fins do século XVIII e século XIX.
Enquanto o comunismo se baseia na ideia de que a política e a economia têm de
ser separadas, a do socialismo, no sentido que Durkheim atribui ao termo, implica
que uma outra têm de ser assimiladas. A premissa básica do socialismo é não só
que a produção tem de ser centralizada nas mãos do Estado mas ainda que o
compete ao Estado um papel puramente econômico – na sociedade socialista, a
tarefa básica do Estado consiste na gestão ou administração da economia.
Enquanto ao comunismo procura evitar o mais possível a riqueza e é portanto de
caráter ascético, as doutrinas socialistas baseia-se na premissa de que a
produção industrial moderna permite que a abundância vá beneficiar todos os
membros da sociedade, pelo que se propõem como o principal objetivo atingir a
abundância universal. [...]” [Páginas 145 - 146]

“[...] << - e isso é decepcionante - que uma doutrinas preconizam uma


regulamentação, que se orienta também numa e noutra em sentidos opostos. Uma
pretende moralizar a indústria sujeitando-a ao Estado, e outra moralizar o Estado
separando-o da indústria.” [Página 146]

“[...] O domínio crescente das relações econômicas consequência da


destruição das instituições religiosas tradicionais em que assentava as formas
sociais anteriores, é precisamente a causa principal da anomia que se manifesta
na sociedade contemporânea. [...]” [Página 149]

“Segundo Durkheim, o Estado tem a função de desempenhar funções


econômicas e morais; e o malaise que se apoderou do mundo moderno só poderá
ser aliviado através da adoção de medidas mais de ordem moral que econômica.
A posição econômica que a autoridade religiosa ocupava nos tipos anteriores de
sociedade permitia-lhe afixar limites as aspirações dos vários estratos sociais,
aconselhando os pobres a conformarem –se com a sua sorte e pregando aos ricos
o dever da caridade para com os menos privilegiados. [...] ” [Página 149]

“<< Definiríamos pois a sociedade política em termos de uma sociedade


constituída por uma união de um maior ou menor numero de grupos sociais
secundários, sujeitos a uma única autoridade, que por sua vez não está sujeita a
nenhuma outra autoridade superior devidamente constituída.>>” [Página 150]

“[...] O Estado pode tornar-se uma força repressiva, isolada dos interesses
da massa dos indivíduos componentes da sociedade civil. Essa eventualidade
poderá verificar-se caso não existam entre o indivíduo e o Estado grupos
secundários fortemente constituídos que possam intervir: só se esses grupos
forem suficientemente fortes, contrabalançando assim o poder do Estado, é que
os direitos do indivíduo poderão ser adequadamente protegidos. A teoria do
Estado de Durkheim e a sua democracia relacionam-se através desta asserção,
da necessidade de pluralismo, o que leva a preconizar o restabelecimento das
associações profissionais (corporations).”[Página 152]

“[...] A anomia está presente no sistema profissional, na medida que não há


integração moral em certos <<pontos nodais>> da divisão do trabalho – os pontos
de conjunção e de permuta entre os diferentes estratos profissionais. A função
primordial das ações profissionais seria a de impor a esse pontos regras morais
promovendo assim a solidariedade orgânica. Essa tarefa não pode ser
desempenhada na sociedade moderna pelas família, uma vez que a sua função
têm vindo a restringir-se progressivamente. O grupo profissional é o único <<que
se encontra suficientemente próximo do indivíduo para que esse possa apoiar-se
diretamente nele, e que é suficientemente estável para lhe proporcionar uma
perspectiva>>.” [Página 154]

“<< A ausência de toda a instituição corporativa cria assim, na organização


de um povo como o nosso, um vazio de enorme importância. Falta-nos todo o
sistema de órgãos necessários ao funcionamento normal da uma vida em
comum... Sempre que o Estado é o único enquadramento no qual os homens
podem viver uma vida comunitária, estes perdem inevitavelmente o contato uns
com os outros, desligam-se e a sociedade desintegra-se. Uma nação só poderá
manter-se quando intercalar-se entre o Estado e os indivíduos uma série de
grupos secundários suficientemente próximos dos indivíduos para os atrair
fortemente para as suas esferas de ação e os integrar dessa maneira na corrente
para a vida social. Acabamos de mostrar que os grupos profissionais podem
desempenhar esse papel, e que é isso que lhes está reservado.>>” [Página 155]

“[...] em a Divisão do Trabalho defende que toda a crença que faça parte da
consciência coletiva tende a assumir um caráter religioso, se bem que essa
hipótese seja apresentada na obra como <<conjectura altamente provável>>, que
necessita de ser aprofundada. O significado que Durkheim atribui a religião como
parte integrante da consciência coletiva da sociedade é porém contrabalançado
pela afirmação de que as sociedades modernas se caracterizam nesse aspecto
por grandes alterações. [...] O declínio da importância da religião nas sociedades
contemporânea é declínio da significação da solidariedade mecânica: << a
importância que atribuímos assim à sociologia da religião não implica de modo
algum que a religião deva desempenhar nas sociedades atuais a mesma função
que desempenhou em tempos idos. Em certo sentido, a conclusão contrária seria
mais verdadeira. Precisamente porque a religião é um fenômeno primordial, e terá
cada vez mas de ceder às novas formas sociais que engradou>>. ”[Página 156]

“[...] O caráter do pensamento religioso é algo que só pode ser aprendido


em termos da própria noção de dicotomia: o mundo divide-se em duas classes
distintas, o <<sagrado>> e o <<profano>>: <<é absoluto>>. <<Não há na história
do pensamento humano outro exemplo de duas categorias de coisas tão
profundamente diferenciadas e tão radicalmente opostas entre si.>> ” [Página
158]

“[...] Uma religião não é unicamente um conjunto de crenças: implica


também práticas e rituais e uma forma institucional bem definida. Não há nenhuma
religião que não tenha uma igreja, se bem que a forma dessa igreja possa variar
muito. O conceito de <<igreja>>, no sentido que Durkheim lhe atribuiu relaciona-se
com a existência de uma organização cerimonial bem definida ligada a um grupo
preciso de crentes; não implica a existência de um clero especializado. Durkheim
define assim a religião como um <<sistema solidário de crenças e práticas
relativas a coisas sagradas... crenças e práticas que unem numa só comunidade
moral, a que se dá o nome de igreja, todos aqueles que a elas aderem.>>” [Página
159]

“[...] Há duas espécies de rituais, que se encontram de resto intimamente


relacionadas entre si. Os fenômenos sagrados estão por definição separados dos
profanos. Um conjunto de ritos tem por finalidade preservar essa separação: são
os ritos negativos ou tabus, que consistem em proibições que limitam o contato
entre o sagrado e o profano. Essas proibições incidem sobre as relações verbais
de comportamento com objetos sagrado. Tudo aquilo que faz parte do mundo
profano não deve penetrar na esfera do sagrado sob a forma habitual. [...] Os ritos
negativos têm um aspecto positivo o indivíduo que o observa santifica-se assim,
preparando-se para entrar no reino do sagrado. Os ritos positivos propriamente
ditos são os que permitem uma comunhão mais intima coma as forças religiosas,
constituindo portanto a essência do próprio cerimonial religioso. A função de
ambas as espécies de ritos é muito clara, e a compreensão dessas funções é
indispensável como suplemento a explicação da origem das crenças religiosas
atrás referidas. Os ritos negativos servem para manter a separação essencial
entre o sagrado e o profano, sem a qual a existência do sagrado não é possível;
esses ritos garantem não a não interferência das duas esferas. A função dos ritos
positivos é reforçar a aderência das ideais religiosos, que de outra maneira
entrariam em decadência num mundo puramente utilitário.” [Páginas 163 - 164]

“[...] Durkheim não diz que não haja discriminação perceptivas


biologicamente determinadas, pelo contrário, observa que a mais rudimentar das
classificações pressupõe sempre a identificação de semelhanças e diferenças
sensoriais. Durkheim argumenta que essas descriminações inatas não constituem
o eixo do sistema classificatório, mas apenas um dos princípios secundários de
ordenação: << o sentimento de semelhança é uma coisa, a ideia de classe [genre]
é outra. A classe é o enquadramento externo cujo o conteúdo consiste
parcialmente nos objetos apreendidos como semelhantes.>> ” [Página 165]

“[...] Uma tal concepção de tempo radica na própria experiência de


coletividade: as divisões temporais dos anos, semanas e dias da distribuição
periódicas das cerimônias, ritos e dias santos públicos. A noção de <<espaço>>
pressupõe também um ponto fixo original não pode haver <<norte>> e <<sul>>,
<<direita>> ou <<esquerda>> sem um padrão comum que permita estabelecer
essas distinção. Esse padrão será o território ocupado pela sociedade. [...] ”
[Página 166]

“Quando Durkheim defende essa tese, não está a propor-nos uma forma de
<<materialismo mecânico>> [...]. Durkheim tenta de resto mostrar que esse ponto
de vista se apoia na premissa da interação dinâmica entre o substrato da
sociedade e as ideias coletivas.” [Página 166]
“[...] O pensamento conceptual e as regras morais são, pelo contrário,
<<impessoais>>, no sentido de que são universalizadas; não se refere nenhum
indivíduo particular. Todos os homens começam a vida como um ser egoísta (se
bem que não anômico) que conhece apenas sensações, e cujas as ações são
governadas pelas necessidades sensoriais. Mas a criança torna-se pouco a pouco
num ser social, e sua natureza egoísta e parcialmente suplantada por aquilo que
apreende da sociedade. Todos os indivíduos mantêm na sua personalidade uma
faceta de egoísmo, que coexiste com o ser social. As exigências morais da vida
em sociedade nunca podem ser inteiramente com as inclinações egoístas: << a
sociedade não pode constituir-se ou manter-se à custa de sacrifício constantes e
penosos por parte de todos os nós>>. Esta afirmação tem, porém, de ser
interpretada dentro de uma dimensão histórica, se bem que as necessidades
sensoriais sejam <<o tipo por excelence das tendências egoístas>>, há muitos
outros desejos egoístas que não derivam diretamente das necessidades
sensoriais. << O nosso próprio egoísmo é em grande parte produto da
sociedade.>> [Página 168]

“A tendência para o desenvolvimento individualismo é irreversível uma vez


que constitui o resultado das mudanças sociais profundas analisadas em A
Divisão do Trabalho. Esta ideia está na base da concepção da liberdade de
Durkheim e da sua relação na ordem moral. A liberdade não pode ser identificada
com a eliminação de todos os constrangimentos: isso é a anomia, um estado em
que os indivíduos não são livres porque estão acorrentados aos seus próprios
desejos inesgotáveis.” [Página 170]

“Constitui, pois, um erro básico acreditar que a autoridade moral e a


liberdade se opõem e se excluem mutuamente: uma vez que o homem só obtêm a
liberdade de que goza devido ao fato de ser um membro da sociedade, tem de se
sujeitar a autoridade moral que a existência da autoridade pressupõe. Isto não
constitui para Durkheim um paradoxo, pois <<ser livre não é fazer o que nos
agrada; é sermos senhores de nós mesmos...>>”[Página 170]
“[...] A sociedade é uma organização das relações sociais, implicando
portanto uma do comportamento de acordo com princípios estabelecidos, que na
sociedade são obrigatoriamente regras morais. Só a aceitação da regulamentação
moral torna possível a vida social, permitindo ao homem em colher os benefícios
da sociedade que lhe faculta. [Página 171] ”

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