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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Oxente Bichinho,
esse menino ainda
vai ser o presidente.
Histórias, fábulas e muitas, mas muitas, mentiras

Ângelo Acauã

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Dedicado a todas aquelas pessoas que gostam de bater papo e


se divertir com assuntos triviais e outras besteiras.

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

“Mundus vult decipe”, ou “o mundo se deixa iludir”.


antigo provérbio latino

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

A culpada
Lá em casa, havia uma empregada doméstica que se chamava Maria. Era paraibana, dessas
com sotaque bem carregado. Mulher de fibra, aguerrida, não levava desaforo para casa. Com ela,
não tinha tempo quente e não tinha criança que tirasse farinha. Dengo? Pois, sim! Ai de quem
tentasse, a mulher era brava. Vai daí que ela, curiosamente, nutria grande simpatia pelo garotinho
de quem cuidava, o indiozinho com matraca na garganta. E dizia sempre: “Vixe, Dona Cely, essi
mininu inda vai sê u presidenti!”. O tempo passou e o garoto não cresceu muito, conservou alguma
infantilidade daquele menino e a matraca também não cessou, pelo contrário. E também não virou
presidente coisíssima nenhuma...

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

SUMÁRIO
1. FAMÍLIA, Ê, Ê:
Uma beleza!, 14; Cavalo xucro manco, 15; Bodes e outros bichos, 17; Aproximação, 19; Forte Orange, 21; Marco
Antônio e Mônica, 22; De mala e cuia, 24; Lança-chamas ligado, 26; Nomes compostos, 27; Mulher-maravilha peluda,
29; O Barão tinha filhotes, 31; O enigma da esfíncter, 33; O que é que você diz?, 35; O bigode do Barão, 36; Aninha e
Rubinho, 37; Todo o azul virando cinza, 38; Explicações insensatas, 39; Docilidade à flor da pele, 40.

2. VENTURAS E DESVENTURAS:
Sal Tinto Jegue, 44; O escorpião escarlate, 46; Eu, o Capitão Kirk, 47; Micosão, 48; Fez? Então, arrume!, 49; Yeti, a
lenda, 50; Furos e mais furos, 52; Ele, Felipe, o Na Capa, 53; Dinamite na pedreira, 54; Rali Paris-Dakar, 56; Beque
Estrite Bosta, 58; Aparência não é tudo, 59; Não é nada do que você está pensando, 60; Mal de mais, 61; Five or six?,
62; Negando a peristaltia, 63; Batom na cueca, 64; Parodiando Nélson Rodrigues, 65.

3. REFLEXÕES, CHOPES, MANDA OUTRO!:


Bandeira Branca, amor, 70; Rio que mora no mar, 71; Contradições paradoxais, 72; A bola da vez, 73; Desenterrando a
ira, 74; Enfim, impressionando, 76; Lúmini!, 77; Foi o Costeau quem começou, 78; Ninguém merece, 79; Lux Luxo,
80; Óol Mate, 81; Parco vocabulário, 82; Ponto pacífico, 83; Superseres, 84; Os números não mentem jamais, 85; Atrás
da cortina de ferro, 86; Sutileza de gnu, 87; Tratado da cafonalha, 88; De corpo fechado, 90; Docilidade à flor da pele
II, 91; Modernidade é isso, 92; Tio, me compra um pintinho?, 93.

4. CONCEITOS E PRECONCEITOS:
Ovelha ultrapassada, 97; Azaração moderna I, 98; Eufemismo, metáfora e duplo-sentido, 99; Casa, comida e roupa
lavada, 100; Questão de classe, 101; Diálogos, 103; Manias insuportáveis, 104; Vida de casado, 105; O Aurélio ficou
vendido, 106; No meio do bolo, 107; Nada a ver, 108; Globalização é isso I, 109; Diferença de idade, 110; Me sufoca,
111; Juventude transviada, 112; Revolução dos bits, 113; A incompletude do homem, 114; Paquerador, 115; Pais e
filhos, 117; Azaração moderna II, 118; Silicone para mulher, 119; A terra do professor aloprado, 120; Paquerador II,
121; Decepções corrosivas, 122; Globalização é isso II, 123; Os números não mentem jamais II, 124; Expressões
idiomáticas, 125.

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FAMÍLIA, Ê, Ê

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Uma Beleza!
Havia, antigamente, um seriado de TV que fazia pilheria das paranóias da Guerra Fria e
também de seus agentes secretos invencíveis. O sucesso era grande e rir era a repetitiva
conseqüência das maluquices de Maxwell Smart, o Agente 86; a própria vinheta de abertura já era
impagável. Max levava à loucura sua namorada, a Agente 99, e seu superior, chamado sempre de
“Chefe”. Coronel Santos era uma espécie de sósia tupiniquim do “Chefe”. Quem é Cel. Santos? Eu
explico: eu tinha uns 13 ou 14 anos e a gente se encontrava aos sábados na praia, ali na Urca, dentro
do Forte. Ele era chefe da Conceição, esposa do meu pai, e, como gostava muito de crianças, não
demoramos os dois a nutrir mútua simpatia, fortalecida pela minha cisma com a impressionante
semelhança com o homem da TV. Certa vez, comentei:
- O senhor já viu Agente 86?
- Hã? 86? Ah, sim... Eh... Aquilo é engraçadíssimo...
- O senhor já notou que é a cara do “Chefe”?
- Orflh? – acabara de engolir um caroço de azeitona – Como?
- É... O “Chefe”. O chefe do Agente 86.
- Mas...
- Pronto! O senhor é o “Chefe”! – depois desse dia o chefe da Conceição passou a ser “Chefe” pra
todo mundo. Ficou famoso.
Um outro “happening” contribuiu muito para a notoriedade adquirida pelo “Chefe”, err...
digo, o Cel. Santos. Ele era desses caras que nadam bem, vão até a água com uma pose danada,
atravessam as ondas qual Namor, o Príncipe Submarino, distanciando-se o bastante da beira da areia
para saciar sua sede de mar. Ficava um tempão riscando o mar, paralelamente à linha da praia,
calmamente desenvolvendo suas braçadas longas, para lá e para cá, estilo atletão. Só que toda essa
demonstração olímpica era na praia da Urca, onde a água não é das mais límpidas e, não raro, o mar
entrega ao banhista uns “presentes”. Daí que, quando o nosso brioso Aquaman, ou melhor, o
“Chefe” voltou de Atlântida, ops, do mar, sentindo-se sadio como nunca, não resisti e perguntei:
- Chefe, a água estava boa?
- Ótima! Uma beleza! Na temperatura ideal.
- Mesmo?
- Uma beleza! – dizia, encerrando a conversa, girando o corpo e deixando à mostra o motivo da
minha pergunta. O que ele não podia contar era com uma gigantesca quantidade de bosta agarrada
às suas costas. Fez pose e iniciou um meticuloso alongamento. A galera permanecia imóvel,
assistindo ao espetáculo do “Chefe” fazendo aquelas coisas, presenciando as inúmeras tatuagens de
titica na anca daquele ser todo “merdelejado” – não consegui um termo mais preciso para descrever
a situação –. E ele só falava, o tempo todo:
- Uma beleza.
Hoje, a turma só sabe brincar usando a expressão “uma beleza”, só que sem as tatuagens
fecais...

É isso aí! Abraços dele mesmo,


o Maldito Restaurador de Estórias da Praia Vermelha.

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Cavalo Xucro-Manco
Aquele garoto era uma eterna promessa, quando era pequeno todas as moças diziam:
“Quando crescer vai dar um trabalho...” Pro azar dele, não passou de um metro e sessenta, deixando
cair por terra qualquer esperança de salvação. As menininhas cansaram de esperar e arrumaram
outros partidos, os colegas pareciam muito mais velhos, o rosto infantil fazia com que fosse barrado
até no “poeirinha”, um cinema pornô do bairro. Tratou de vencer assim mesmo e, apesar de gostar
de mulher bonita, acabou mesmo se envolvendo com as mais feias do pedaço. Bom, pelo menos era
essa a fama dele na família e no círculo de amigos, que adoravam quando ele chegava, sempre
sorrindo, com aquela cara de cínico, uma figuraça. Ele se defendia, falava que era tudo intriga,
inveja dos colegas, porque ele era bom de papo e os outros não, porque ele tinha o negócio grande e
outros não, porque ele era cheiroso e os outros não, essas coisas. Os ouvintes rolavam pelo chão, às
gargalhadas, porque para cada defesa do mancebo havia uma estória que desmentia tudo. Segundo o
primo Dedé, que nem tava no lance, uma vez o pusilânime chegou a ser desumano, angariando uma
moça com as pernas amputadas. As pessoas, cruéis e ávidas por detalhes, babavam com as
descrições:
- O safado levou a cadeira de rodas lá pra trás, vi quando ele fez isso. Levantou a pobrezinha,
sentou no lugar dela, colocou-a no colo, fez os trabalhos de base e depois foi visto correndo pelo
salão, montado na cadeira. Vinha em disparada e, de repente, segurava uma das rodas, dando um
cavalo-de-pau em pleno salão. A menina cotó no colo dele, toda sorridente...
- Não fui eu! Foi o Godô!
- Foi você sim! O Godô estava ocupado tentando roubar umas garrafas de uísque de umas sapatões!
- Mas...
- Não tem “mas” nenhum! Assume, Cão!
E todo mundo caía na pele do mequetrefe. Quando a coisa ia acalmando, vinha reforço de longe,
com nova leva de aventuras insanas. Gargalo saiu-se uma vez com essa, diante de uma turba
atônita:
- Estávamos todos em Leopoldina, passeando, quando ele começou a beber vodka pura. Quando a
música começou a tocar todos fomos dançar, eu, Filipe, meu irmão e ele. Só que o safardana estava
chapado e, num rodopio ridículo, deu uma cabeçada numa menina que passava e... (não conseguiu
terminar, pois já cuspia refrigerante nos outros, rindo sem parar)
- Eu estava bêbado, não sabia que ela era manca.
- Ela praticamente não se movia (o Filipe entrou na galhofa). E quando o Xucro-Manco percebeu
que todo mundo ria, veio em nossa direção, a pobrezinha envolta no pescoço dele, quase que
pendurada, as pernas se arrastando pelo chão.
- Não foi nada disso! Vocês estão exager... (taparam a sua boca)
- Foi assim sim! Ele ficou com vergonha e decidiu largá-la. De nada adiantou porque veio uma
gorda, uma gorda não, um barril com cabelos, que disse bem alto: “Ah, não! Ficou com ela então
vai ter que ficar comigo também!” e atacou o biltre, que estava vivendo uma intensa paixão àquela
altura.
- Nós rimos a noite toda, ninguém conseguiu agarrar mulher, porque a gente só sabia olhar pra ele e
sorrir. Algumas pessoas na buate chegaram a vomitar ante àquela visão sodômica.
E assim o pequeno macaquinho, o pilantra, o cavalo xucro-manco, perdia todo o rebolado, ganhava
um sorriso amarelo e ia ganhando fama, nem sempre justa. Reclamava que seus amigos só
lembravam das derrotas e os mesmos diziam que nunca tinham visto nenhuma vitória. Ele tentava
se defender contra-atacando:
- Pior é o Dedé, que só arruma namorada velha, dessas que a gente tem que chamar de “Dona”.
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Conseguia desviar os tiros por alguns momentos, a mira apontava para outro, pelo menos até
a próxima mesa cheia...

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Bodes e outros bichos


Morreu tio Mica! Fazer o quê? Mica provavelmente era uma redução carinhosa de Altamir,
seu nome de batismo. Para nós todos, era o tio Mica e ponto final. Boa parte dos momentos da
nossa infância foram ao lado dele. E boa parte das lembranças saudosas daqueles dias, nele se
encerram. Tio Mica era um tremendo gozador. Eu, meus irmãos e meus primos nos divertíamos
com seu estilo. Cada um tinha obrigatoriamente um apelido que ele bolava naquela sua picardia
diabólica. Meu pai era o Tujica - tenho até que parar para rir, pois meu pai sempre foi aquele tipo
fechadão, coisa e tal e o tio veio com esse nome, que ele alegava ser a forma como uma bichona da
Penha chamava meu pai. Com o tio era assim, se não houvesse um motivo, ele inventava um - tio
Arli era o tio Pulguinha, meu irmão Alexandre era o Bodinho Preto, o Zé Carlos era o Bodinho
Louro, Ricardo era o Gordinho (tinha outros apelidos ele, o "afilhado de Mica", que era o cão, um
verdadeiro azougue). Quando juntava com o Paulo André então, putz, era o inferno naquela casa do
subúrbio. O chão chegava a tremer. Era filho do tio Mica, um sonso da "bexiga", fazia um monte de
merdas e ficava com aquele sorriso de garoto bobo, que de bobo não tinha nada. Ele tomava porrada
dos mais velhos e, como eu era o mais novo, o viado descontava em mim. E eu me ferrei nessa
porque não tinha primos mais novos para dar mocas. Fiquei com a herança cascuda...
Tio Mica era figura pitoresca. O ritual do banho no vô José era uma diversão. O banheiro,
modesto, porém amplo, era palco da seguinte cena: vô José, já na cadeira de rodas e cego, soberano,
sentado no trono, o tio à distância, com uma mangueira na mão, direcionando o jato de água no
velho e a gente em volta olhando tudo, com aquela curiosidade de criança. E o Mica dizendo: -
"Vamo" seu José! Lava esse saco! A gente ria de dobrar, começando pelo barulho - tchóóóhhhhhh -
da água batendo no vô. E o vô, de vez em quando, dava um esporro: - Molha direito Mica! Nem é
preciso completar que depois a gente disputava quem é que ia dar banho no vô. O próprio vô, no
fundo, se divertia com aquela atenção que os moleques dispensavam para ele.
E desenhando? Pô, tio Mica desenhando era fogo. A gente ficava em volta dele na mesa, ele
jogando cartas conosco e, quando terminava uma partida e ia começar outra, ele começava um de
seus desenhos. Eu olhava o troço tomar forma junto com a sua narrativa:
- Quem será esse? Acho que esse é o Zé Carlos, tá parecido... ou será que é o Lolão? E o rabisco ia
mudando de forma e virava... UM JUMENTO! E a gargalhada da molecada rolava solta. Lolão foi
um apelido que ele me colocou. Eu era metido a ser bom de bola. Então ele veio com a estória de
um cara que era um craque na Penha nos tempos dele. O nome do sujeito era Lolão...
Ele tinha umas manias que a gente imitava. A que mais me lembro era a de amarrar um imã
na ponta de um cabo de vassoura e catar pregos e parafusos no meio fio da rua. Na verdade ele não
fazia para ele, fazia para nós, que achávamos o máximo. Dividíamos um xanxão. Dividia mais ou
menos, porque eu dizia que era meu e ele, para me deixar com moral, dizia que o "xanxão estrela
que cantava pra cachorro" era do Lolão. E o bicho cantava mesmo. Cantava a ponto de incomodar.
Debochava de todo mundo. Era como se tivesse nossa idade. Criou o mito da hérnia. Ele
tinha uma, que ninguém nunca viu, mas que ele tinha, ah, isso ele tinha. Na hora de dormir, até todo
mundo cochilar, era dez. Até o papai, todo "sérião" não agüentava e ria com ele. Teve uma vez, que
estavam uns 5 garotos lá, tudo primo, mais papai, tio Mica e vô José, espalhados entre os quartos e
a sala. Tudo escuro, aquele silêncio, quando, de repente – FROOONNNNNFFF – vô José,
involuntariamente, disparou um... um... como dizer? Um "Afonso". E o tio Mica na mesma hora:
- Erê, bota o capacete!!!! Zé Carlos se abaixa!!!! Lolão, a moto vai andar!!!!!! Paulo André,
cuidado!!!!! Quiqui, se segura aí!!!! O mundo acordou naquela hora, a casa inteira às gargalhadas.
Meu pai, incrível, era o que ria mais alto.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Só esses tempos enchem um livro e a cada passagem novos personagens vão chegando: Cuí,
Dona Conceição, vó Nolica, tio Anael. Por aí vai. Fiquei anos sem ver o tio Mica. Num churrasco
só dos primos ele tava lá, já envelhecido, mas sempre tio Mica, o mais divertido de todos os irmãos.
10 ao todo. Meu pai era o sétimo, e o tio Mica me garantiu que o sétimo irmão vira lobisomem. E
até hoje olho desconfiado pro meu pai, sempre com aquela cara de quem vira lobo nas noites de lua
cheia. Tio Mica ainda está vivo na nossa memória. Indefinidamente. C'est la vie...

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Aproximação
Estava eu distraidamente conversando com uma amiga, comentando sobre a paquera rolando
solta, num desses bares de “ataque frontal”, e concordamos numa coisa: até o “approaching”, ou
como no tempo do meu pai, “flerte”, tem lá suas particularidades e eu, como emérito crítico e
observador, pude observar diferenças de estilos de, ahn, como direi, estilos de atuação. Sim, essa é a
palavra que define melhor os momentos do “bote”, independentemente de idade ou sexo. Sendo
homem e mirando somente nas fêmeas, vou deter-me na concorrência, alvo do meu estudo,
buscando suas falhas e acertos, para depois tirar proveito e ganhar pontos na competição.
Talvez o padrão mais comum de paquerador seja aquele que atua no estilo “galerão”, em que
faz parte de um grupo considerável de pessoas, que pode variar de 5 a 15 pessoas, que saem todas
juntas para “zoar”. Normalmente domina todas as coreografias da atualidade e acha o máximo ficar
bastante suado e mostrar o blusão aberto quase até o umbigo. Passa a mão no cabelo de TODAS as
meninas que circulam, mas nunca pega ninguém. No dia seguinte, chega no trabalho e diz que
“tirou onda”. Para compensar seus fracassos, é assíduo de saunas e termas. Outro tipão é o do
pseudo-riquinho encebado: trata-se de um burocrata do sexo, um “Zé-Mané”. Utiliza o potencial
econômico como diferencial. Trabalha, estuda, ganha 900 merréis e anda de carro importado, as
melhores griffes, tudo com a grana do pai. Isso tudo aos 30 anos! Tem o menor telefone celular do
mercado, só olha pra “mina” novinha, até porque só consegue essas, e tem o cabelo sempre
irretocável. Julga ser o máximo.
Boneco-de-cera: é o cínico em pessoa. Faz o tipinho “Olhador”. Não dança, não se move, vê
tudo, é discreto, nunca faz alarde. Fica a noite toda com um copo de chope na mão, que não esvazia
nunca. Se estiver conversando com uma “presa”, alisando as costas de levinho, não resta a menor
dúvida: é certo que vai pegar! Esporadicamente decide dançar, coisa e tal, mas é tudo trucagem para
chegar mais perto da sua vítima.
Kamikaze: o maior representante desse estilo é o fundador da Irmandade do Javali Rasgador,
sim, ele, o mítico Beto Bombeiro. Basta que se aponte uma “femme” para que ele se atire, qual um
suicida, sem técnicas, sem cuidados, sem nada. Acredita piamente no charme que pensa ter. Às
vezes dá certo. Quase nunca. Uma vez deu, mas era travesti...
Pagodeiro apaulistado: é o mais cafona e, no momento, o que angaria os melhores troféus de
caça. Camisa apertada, calça ridícula, milhares de bijouterias douradas, relógio no pulso direito,
cabelo com corte estravagante, sorriso forçado, tudo o que há de pior. Não sabe falar, não sabe
andar, não sabe se vestir, não sabe o que é samba, não sabe de nada e, misteriosamente, as mulheres
mais gostosas andam com eles. Deve ser coisa de cheiro.
Aqui no Rio de Janeiro, temos um que está imperando: são os legítimos integrantes da
“geração saúde”, tema do qual não sabem nada. Pensam que jiu-jitsu é cultura, que musculação é
esporte e que anabolizante é nutritivo. Vivem na eterna dúvida entre flertar ou arrumar briga.
Preferem a segunda opção, mas volta e meia paqueram. Todos cortam o cabelo com máquina, tem
celular StarTac e gostam de músicas “bate-estaca” que juram ser techno. Utilizam curiosas técnicas
de conquista. Comumente preferem o estilo guerrilha, isto é, a garota passa, ele pega-a pelo braço,
dá-lhe um puxão, não fala nada, pois não sabe o que dizer, empurra-a contra a parede e beija-a. O
índice de êxito chega a impressionar. Não há explicação plausível para tal.
Se olharmos mais detidamente, veremos um estilo que está presente em todos os outros e se
sobrepõe aos demais: o Cosme e Damião. Sim, a famosa “duplinha”. Rola até pacto, tipo “só pego
se você também ficar com aquela”. Procuram sempre um duo do sexo oposto. Tem seu lado
perigoso. Principalmente se for levada em conta a amizade entre os parceiros. Lembro-me de uma
estória do passado, contada por meu pai. Disse ele que, num baile, meu tio Alcyr e um amigo
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estavam em “missão”, quando Alcyr deu uma sumida e voltou com o lero-lero: “Ô, Fulano!
Negócio é o seguinte: ‘tô com duas moças aí na fita e uma já está engatilhada no meu revólver. O
único problema é que a amiga dela não é muito bonita...”. Segundo papai, o sacana do Alcyr foi até
condescendente, pois o material feminino reservado pro sujeito era da pior qualidade. Daí que o
cara topou e quando meu tio veio descendo a escadaria, já de braços dados com sua companhia e o
“trubufu” uns metros ao lado, o amigo, que devia ter ficado louco, gritou alto, esfregando
nervosamente as mãos: “Uh-uuuuhhhhhhhhhhh”. Pois é, tem cada uma...
Eu? Bom, eu, arhn, bem, a modéstia me impede, brincadeira... O fato é que quase todo
mundo mistura um pouco de cada estilo e creio não fugir à estatística. O máximo que posso admitir
é o tipão de desquitado, já que costumo sair só e, qual um Amyr Klink noturno, navego solitário,
adotando a postura do boneco-de-cera como defesa natural. Já baixou o “Exu Kamikaze”, mas
conforme já foi dito, quase nunca dá certo. Quase...

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Forte Orange
Coincidência é fato incrível. Toda vez que acontece uma, nos remetemos às idéias de
transmissão de pensamento, sintonia mental e influência divina. Aconteceu comigo esses dias,
quando eu estava no telefone com meu irmão mais velho, papo amigo, descontraído, gargalhadas de
parte a parte, quando perguntei pelo pai, que está passeando pelo Nordeste. Respondeu assim:
- Papai está numa boa. Falei com ele. Estava em Porto de Galinhas e seguia para uma localidade
chamada Pau Amarelo, no litoral Pernambucano.
Mais algumas risadas, as despedidas de praxe, desligamos e toca o telefone novamente.
Quem era? Identificou-se como o Pacheco de Pau Amarelo... Nem é preciso contar que as
gargalhadas voltaram à tona, tanto pela coincidência quanto pela alcunha. Ele contou de sua
viagem, sua trajetória rodoviária, contou da vastidão do território, falou da sua nova vida de homem
do mar, da amizade que fez com um Seu Jair, que toma uma pinga daquelas, e citou o colombiano
Garcia Márquez, por conta de um livro que lhe emprestei. Revelou a simplicidade daquela gente e
da sua rota a seguir. Falou que seguiria à noite para Recife e que, em Olinda, tirou uma foto do
histórico Forte Orange para que eu colocasse no meu acervo. Iniciou sua descrição da construção,
símbolo da ocupação holandesa no país, da forma de sempre, qual um professor tarimbado. Citou a
Companhia das Índias Ocidentais, as batalhas e as influências ainda hoje observadas. Então revelei
algo novo para ele, coisa rara, pelo menos de filho para pai. Contei-lhe que, por volta de 1600 e
alguma coisa, a Igreja Católica trouxe para a “Terra Brasilis” seus temíveis ventos inquisidores e
que, onde hoje existe o complexo metropolitano da capital pernambucana, havia uma densa
coletividade de novos cristãos, na realidade judeus supostamente convertidos, vivendo sob o
disfarce da aura católica. Descrevi as pesquisas empreendidas por antropólogos brasileiros nos
últimos anos, que descobriram, através de escavações, a primeira grande sinagoga do país. É fato
novíssimo, praticamente não foi noticiado, nenhuma das TV’s ditas educativas documentou. Contei
ainda que, temerosos da perseguição hedionda dos “purificadores enviados por Deus”, 30 famílias
judaicas fugiram para o exílio na América do Norte e fundaram um povoado chamado Nova
Amsterdam, que mais tarde se tornou na maior e mais poderosa cidade do planeta, a colossal Nova
Iorque.
Percebi meu pai maravilhado com aquelas informações, devorando tudo, ávido por história,
senti-me engrandecido por conhecer mais este capítulo da história das civilizações. Eu nem
lembrava mais desses eventos, até que reacendi a memória no primeiro dia do ano, em matéria de
capa do Caderno B do Jornal do Brasil. Agora estou daqui esperando ansioso pelo retorno do
“Pacheco de Pau Amarelo”, com seus relatos e o Forte Orange, materializado no papel fotográfico,
sem saber a quem agradecer pela inexplicável coincidência. Dos telefonemas, da ocupação
holandesa, da história, da foto, de Nova Iorque, de tudo.

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Marco Antônio e Mônica


Os filhos menos famosos do Barão eram menos famosos porque eram mais novos. Só por
isso, porque nunca ficaram devendo em nada aos outros dois. A Mônica era gente fina demais, de
uma candura que só podia ser comparada a da própria mãe, que era a única pessoa normal daquela
casa. Como era mulher, tinha um quarto só para ela e, graças a isso, dispunha de um quarto só para
ela. Depois, inventou de ser mãe solteira e caiu em desgraça com o velho. No outro quarto,
entretanto, a rapaziada se ajeitava na bicama e no chão. O caçula Marco “Boy”, por força menor,
dormia no chão. Marcelino, na cama de baixo e “Manel”, que era sempre o último a chegar, dormia
em cima, passando e pisando em cima de todo mundo, até alcançar a calma da cama. Teve uma vez
em que ele chegou meio caneado de vinho e depois de deitar, se sentiu mal e vomitou, ou melhor,
armou uma espécie de cachoeira fétida – PLÉ, PLÉ, PLÉ, PLÉ – aquele líquido nojento foi caindo,
em placas de Neston avermelhado, no braço do Marcelino e no peito do Marco “Boy” que, dormiu,
só acordando depois que, curioso que só ele, provou o suculento produto, pensando que era sorvete
ou algo assim, para, em seguida, gritar aterrorizado. A turma da casa acordou e o Barão, quando viu
aquilo, olho o caçula, todo “merdelejado” e disse:
- Malditu, tu é um xibungo escandaloso! Se alimpe tudu aí e acordi esse mentecaptu du seu irmão,
purquê si eu falá cum eli, vô te qui cabá cum a raça desse biltre. Intão, num vô mi apoquentá cum
essa corja.
Marco “Boy” cresceu e foi trabalhar na loja, junto com Marcelino e o pai. Aí, uma vez,
quando carregavam um baita aparelho de ar-condicionado dentro de uma Kombi, o garoto deixou o
objeto escorregar, machucando o dedo do “Abutre”, seu irmão. O Barão, que não ajudava nadinha,
só comanda, com a roupa impecavelmente limpa, sentenciou, com aquela voz grossa e empostada:
- Assassinu!
- Mas pai, foi sem querer.
- Mau caráti!
- Desculpe.
- Indemoninhadu!
- Mas...
- Num dê mais um silábicu! Trabalhi! Cão! E você, Marcelino, inroli uma fita isolanti nesse dedu e
pári de pantinho, seu priguiçosu! Ô vai querê aprendê a fazê crochê cum sua mãe?
- Mas...
- Silençu!
Numa outra ocasião, enquanto a garotada soltava pipa no telhado, a mente inventiva de
Marco “Boy” decidiu jogar um saco com 10 litros d’água lá em baixo. Bom, eram 10 andares e o
saco pegou no teto de um fusca estacionado, afundando tudo na hora. Até aí, é perversidade de
moleque mesmo, só que o panaca ficou debruçado, olhando tudo e rindo. Resultado: foi visto e o
velho Barão teve que pagar tudo – Como? O que aconteceu com o Marco “Boy”? O Barão, que era
o síndico, deu férias para o faxineiro do edifício e obrigou ao filho substituí-lo durante um mês,
como forma de pagamento. Com o Barão era assim, ordem e disciplina. Tanto é que foi um dos
melhores síndicos do condomínio. Fez obras, remodelou a portaria, o prédio ficou limpo e bonito.
Depois disso, costumava se vangloriar disso:
- Eu possu ser besta, purquê sou cumpetenti! – nas reuniões seu tipo era conhecido:
- Num ossino! – era muito difícil ele concordar com a maioria, tinha sempre uma visão diferente e
normalmente estava certo. Até que, numa outra, todos os moradores chegaram a uma opinião
unânime e na hora da assinatura, o Barão, que ficara calado o tempo todo, falou:

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

- Eu num ossino! – O pai do Masinho Batata, que não aturava a empáfia do Barão e era um
bombeirão forte pra cachorro, virou um monstro e disse que ia matar o Barão. Por fim, tudo se
acalmou e, tempos depois, por ironia do destino, seu Ademar teve um piripaque e foi parar no
hospital. Adivinhem quem foi o primeiro a visitar? Sim, ele mesmo, o Barão.
- Suncê podi tá pensano qui eu vim aqui pra li dá a extrema-unção, mas tá muito inganadu, eu sei
qui suncê é um bom chefi de família e queru qui suncê viva.
Com o Barão era assim, criava caso, tinha lá os seus desafetos, mas não guardava mágoa de
ninguém. Grande sujeito.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

De mala e cuia
O tempo passa e a gente vai ficando velho e vai adquirindo uma série de manias, pequenas e
indissolúveis, dessas que a gente vive reclamando dos nossos pais. Conheço um amigo que mora
sozinho e, mal arruma uma namorada, pronto, a dita cuja praticamente se muda para a casa dele.
Claro que isso não vem de repente. Não, a coisa vai assim, num crescendo:
– Amor, acorda. Tenho que ir pra casa.
– Hã? O quê? O sapato?
– Acorda, amor! Tá tarde, não posso ficar aqui.
– Mas, querida, são quatro horas da manhã. Eu tô dormindo, tô cansado. Fica aí, amanhã você vai.
– Betão, eu não trouxe roupa... – Aí o sujeito levanta, cambaleante, e atravessa toda a cidade para
levar a moçoila em casa. Sim, porque toda namorada que se preza mora longe, só para dar mais
trabalho. É, esse negócio de vizinha, namorada perto, coisa e tal, só em filme. No outro final de
semana, o coitado, mais prevenido, vai logo se antecipando:
– Cadê a mochila?
– Mochila? Não fiz.
– Não vai dormir lá em casa?
– Mas, Betão, o que é que eu vou dizer pra minha mãe?
– Diz que vai dormir comigo, ora! Ah, sei lá! Inventa qualquer coisa! – A mãe, que está doida pra
casar a filha com o partidão, faz aquele jogo de cena, estilo segurança da vagina perdida. Só que ela
resmunga e não passa disso, não proíbe nada, quer apenas uma mentirinha boba para poder dormir
tranqüila sem achar que a filha é uma meretriz. E, então, finalmente, a bela mocinha passa o
primeiro, de milhares de finais de semana na caxanga do namorado.
A situação chega num ponto tal que ela passa a reivindicar lugar no armário, dar opinião na
pintura e a reclamar de um monte de coisas. Ah, as mulheres... Querem alterar a organização da
casa da gente – desorganizados ou não, os homens têm uma ordem própria e, uma vez modificada,
ficam completamente perdidos – reclamam da barba, da poeira no chão, da louça na pia, da música,
da cama, do lençol e até do próprio homem. Não há quem agüente, só uma criatura vegeto-sexual,
se é que esse diabo existe. Aliás, é nesse setor que elas limpam a barra e viram máquinas
insuperáveis, com ações que, muitas vezes, ganham contornos dramáticos, com intimidades
reveladas e tudo mais, num jogo de fazer inveja a qualquer autor de novela desses mais devassos.
Isso mesmo, sei de um cara que foi buscar uma pseudo-namorada no trabalho e, logo na recepção,
ouviu:
– Conheço sua fama, você é o Ace Ventura, incansável? – ou pior:
– Ah, você que é o 3 volts? – ou ainda:
– Dona Mariana, seu Diogo está aqui lhe aguardando. – para depois completar, falando baixo: -
Mari, você disse que ele era pequeno, só que ele é um tampinha!
Sei de um outro amigo que tem problemas: não consegue ficar sozinho e, na primeira
oportunidade, já quer namorar pra valer, casar, ter filhos e tal, chegando o cretino a declarar amor
eterno. Lógico que, para gostar das bobinhas, ops, digo, mocinhas, elas têm que ser dengosas, gostar
de bichinho de pelúcia e achar Lulu Santos o máximo. Teve um outro camarada, que também mora
sozinho, que teve que limpar a casa toda porque a bandida, logo que entrou em casa, tirou o sapato e
disparou:
– To sentindo a poeira na sola do pé. Nossa, que chão sujo!
– Mas...
– Que horror! Você não limpa a casa, André?
– Mas, eu chego cansado e muito tarde...
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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

– Odeio homem porco!


– Mas... – Soube depois que a bendita, na hora dos “trabalhos de base”, queria deitar no lençol com
aquele pé todo sujo. Aí o André se vingou:
– Parô!
– O que foi?
– Vai lavar esse pé?
– Ué?
– Vai! Lá no tanque!
– Mas...
– Vai! Pé Podre!
E assim segue o homem com seu sofrimento com as mulheres. É isso aí. Abraços dele, o
maldito vigia de solas de Santíssimo.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Lança-Chamas Ligado
Teve um tempo em que andei flertando com a poesia. O namoro acabou durando uma
semana, no máximo, devido a uma série de fatores, dentre os quais dá para sublinhar dois: a minha
total incompetência no assunto e a interferência do Fernando, um cearense maluco que eu conheço.
Lembro bem das suas palavras:
– Camacuã (ele não sabe falar o meu nome), poesia é coisa pra baitola. E você é batoré!
– Mermão, baitola eu sei o que é, mas que diabos é batoré?
– Batoré é um cabra assim, feito você, feinho, pequeno, meio quilo...
– Pô, Fernando, eu sou mediano!
– É nada! Sai fora, tralhudo!
Os cearenses são assim, meio engraçados... têm uma verborragia única e se espalham por
tudo quanto é canto. Impressionante. São que nem os nossos amigos portugueses. Se todos
decidirem voltar para casa, não há terra que chegue. Estão tão enraizados por aí que, hoje, o sujeito
vai no restaurante de comida japonesa e se depara com um baita arataca lá dentro, de quimono e
tudo, fazendo um sushi. É mole? Outro dia, fui num clube de fado e a cantora, além de mulata, era
cearense. Isso é que é tradição. Rodízio gaúcho, então, é barbada: lá estão os nossos colegas de
bombacha e tudo o mais – oigalê – detalhe é que, quando migram para o sul maravilha, os cearenses
fazem um sucesso danado e melhoram muito de vida. Até as bichas, da sofreguidão em Fortaleza
para o estrelato em Ipanema – dá-lhe Fernandinho! – Pois é, mas o caso é que os caras dão o
exemplo e, contra toda a sorte de obstáculos, fazem com que o estado suba rapidamente nos
gráficos – do jeito que as coisas andam, em 20 anos, o Ceará passa o Rio no cenário nacional – Pelo
menos é o que garante o Fernando. Então tá então! Nem discuto! O cara tem sobrenome Barros
Leal, é “costa-quente”. Segundo ele, tem até ponte em Fortaleza com esse nome. Melhor não
discordar, senão o bicho pega...

Abraços dele mesmo, o amazonense invejoso de Magalhães Bastos.

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Nomes compostos
Entende-se por nome composto a uma associação de duas ou mais palavras visando alocar
significado único. Aplicando-se a definição para estabelecer alcunhas às pessoas, remontamos ao
passado e percebemos, naqueles que nomearam seus entes, a intenção de homenagear e, ao mesmo
tempo, transferir as virtudes e valores presentes em determinado elemento ou ser. E, sendo assim,
encontramos na sociedade, seja lá qual for, uma vasta gama de nomes compostos que pré-impõem
qualidades ao nomeado. Por exemplo, um pai, ao batizar um filho como Júlio César, está, mesmo
que inconscientemente, auferindo grandeza e força ao seu rebento, por razões históricas já
conhecidas. O mesmo se dá, no campo religioso, quando encontramos uma moça batizada como
Maria Aparecida. Os índios costumam batizar suas crianças utilizando a fusão de elementos da
natureza, de modo a imprimir nos seus futuros guerreiros qualidades objetivadas. Tem até a estória
do indiozinho que se chamava Camisinha-Furada. E nisso a discussão quase se resume. Quase...
Sim, quase, com reticências inclusive, porque, como o ser humano não tem explicação,
alguns nomes simplesmente beiram o absurdo. Eu, como já é do conhecimento geral, estou me
formando em Filosofia na UFBO (Universidade Federal do Botequim) e decidi capitular meu
raciocínio nessas linhas aqui. Deve ser coisa do verão ou do réveillon. Dizem que as pessoas ficam
mais pensativas, refletindo a própria existência ou consciência sideral. Nem ligo. Voltemos ao papo,
que é melhor. ‘Cês querem ver uma coisa: tenho um amigo, que se chama André Gustavo, cuja
cunhada chama-se Gislane Cate (ou Gislaine, ou Kati, sei lá, não muda nada, sempre será estranho).
Quando ouvi pela primeira vez o nome da fêmea, pensei: “Deve ser aquele remédio que se põe
embaixo da língua.” Ou então o cardiologista dizendo: “Ao menor susto, tome logo uma dose
cavalar de Gislane Cate para dentro...”. O irmão dele, Marcos Alexandre, uma vez estava numa
boite e flertou com uma dama. Daí que rolou o “chega mais”, ele lançou a "baba peçonhenta" e,
quando armou o bote, a “femme” decidiu largar o nome: Samanta Patrícia. Sem condição. Ele
desabou, deu uma desculpa e foi chorar. Uma namorada que ele teve, Samira Márcia, contou que
uma secretária da família teve um filho e o nome era Nigel Mansell. Uma amiga minha me contou
de um sujeito que é chamado de Ondilon. Esse nem precisa ser composto. Ora, qualquer criança
bem cuidada já tomou papinha de Ondilon com banana amassada e aveia.
Mas tem coisa mais grave. No futebol, por exemplo, todo mundo é conhecido pelo
sobrenome, menos no Brasil. É cada nome que Deus me livre. Um meio de campo que o Ceará F.C.
teve, na década de 70, era formado por Bolão, Peru e Cacetão. Imaginem só o radialista: “Lá vai o
Peru pela intermediária, invadiu, olhou o Bolão entrando na área, deu uma recuada... Êeeepa!!!
Houve alguma coisa! O Cacetão tá caído! Olha só a confusão... Mas o que é isso?!? O juiz botou o
Peru pra fora!!!!”. A Fifa teve que intervir e, hoje, já é possível perceber mudanças nos nomes dos
nossos atletas: Fábio Júnior (detalhe: o pai dele não se chama Fábio), Célio Lúcio, Carlos Miguel e
por aí vai. O negócio virou moda a tal ponto que todo mundo agora batiza a filharada com nomes
compostos e, pior que isso, os jovens agora estão exigindo serem chamados por toda a composição.
Blergh!!!
A vizinha aqui do lado tinha um marido que é Rubens Pedro. Um amigo do Jorge Wilson,
o Peck, que se chama Celso Flávio, conhecia uma menina que atendia como Cláudia Valéria. Não
deu outra: ele ganhou uma cachorrinha e qual foi o nome que ele deu pra cachorrinha? Claudia
Valéria. O que tem isso de mais? Nada, tirando aquela vez em que houve um churrasco em que as
duas se encontraram e descobriram-se homônimas. Pra explicar foi difícil, muito difícil. Tenho
irmão que se chama Alexandre Erecê. O quê? Isso mesmo? Tem certeza? É, sim, isso mesmo, a
fusão incomum do greco-xingu. O outro irmão é caso de polícia: Leonardo Araken. Não precisa
nem comentar, basta um minuto de silêncio. Uns baianos amigos nossos são assim: Sônia Maria
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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

(esse passa), Sandra Mara, Sérgio Joaquim e o melhor de todos, Sandro Selmo. Uma “mina” que
descolei certa vez me deu um cheque e tava escrito lá: Kedma Paula. Numa dessas rádios
evangélicas, o cantor sensação chama-se Kléber Lucas. E o nosso cantor brega-romântico mais
famoso atende pelo nome de Roberto Carlos, com direito a pulseira grossona com o nome em alto-
relevo. Não sei não, mas pelo andar da carruagem, em dez anos no máximo, teremos um presidente
com nome composto... ôps.... peraí... Fernando Henrique... Humpf... até tu Brutus?!?

É isso aí, um grande abraço para todos, e uma ótima virada 99/2000!
Dele mesmo, Ângelo Acauã (não to dizendo...)

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Mulher Maravilha Peluda


Os meios de comunicação empenham-se em campanhas de esclarecimento. A prioridade, no
período do carnaval, é o combate às DST’s e aos excessos no consumo de alteradores de ânimo
(bebida, drogas, etc.). O imprevisto segue por conta do destino, que pode fazer com que uma
situação corriqueira ganhe contornos únicos. Flagrantes são captados:

Cena 1 – Luiz Fernando, vinte e poucos anos, orgulho dos pais, classe média, ex-estudante de
colégio militar, responsável, bem empregado, boa praça e, principalmente, mulherengo. Está se
aprontando para curtir seu carnaval. Trabalhou todos os dias da festa momesca, fazendo promoção
para uma das maiores redes de rádio do país, cobrindo bailes cidade afora. Recebeu folga no último
dia e trocou o descanso do guerreiro por uma gandaia prometida, aproveitando as facilidades do
camarote gratuito com comida e bebida liberada. Havia um porém (ai, porém...), era a noite do Gala
Gay, império da baitolice. Esperto toda vida, vestiu-se de mulher, colocou maquiagem e comentou,
no seu vocabulário rebuscado:
- Sou foda! Os bambis não vão mexer comigo e eu ainda pegarei todas as amiguinhas das santas.

Cena 2 - Festa num clube de subúrbio. Famílias se amontoam na bagunça da alegria e da


confraternização. A bandinha capricha, tocando aquelas marchinhas tradicionais do carnaval da
antiga. As crianças fantasiadas parecem andorinhas em bando, numa algazarra de dar gosto. Valdir,
o “Bigode”, já tomou todas e dá cada abraço na esposa que a coitada parece que vai ter as costelas
esmagadas. Estão curtindo a felicidade da união que já dura quase 30 anos. Parecem pombinhos
apaixonados.

Cena 3 – Furgão na calçada, cabos, luzes, caixas, tudo espalhado pelo chão. Os técnicos se
apressam para por tudo funcionando. A repórter convidada, Isabelita dos Patins, um travesti de
quase dois metros de altura, faz os últimos ajustes na fiação oculta no corpo, retoca a maquiagem e
todo o staff da emissora de TV entra no baile. Um delírio.

Cena 1 (misturada com Cena 3) – O baile pegando fogo. No camarote lotado vem aquele
travestizão, todo serelepe, vestida de “Pavoa Brilhante”, microfone em punho, câmeras no
background:
- E aí Mona? Tá toda assanhada né?
O Luiz Fernando, todo poderoso a bordo de um ridículo modelito de Mulher-Maravilha, mudo,
corpo inteiro na telinha, tenta cobrir o rosto, estilo bicha tímida. A dublê de apresentadora
prossegue no massacre:
- Fala linda! É vergonha ou o namorado é ciumento?
- Magrlufff...
- Nooossa... Essa bicha tá com alguma coisa na boca...

Cena 2: Ao vivo, no telão, o clube inteiro assiste ao primogênito do “Bigode” alcançando o


estrelato, esvoaçante, agora cercado por um time de libélulas douradas. Uma senhora puxou
conversa com a esposa Verinha:
- Olha como a Mulher-Maravilha é peludinha!
Pois é, a festa da carne acabou e ele está até hoje tentando explicar. Os pais foram morar na
casa de Muriqui, os irmãos saíram de casa, a namorada ficou maluca de vez e fugiu com um

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

sargento PM, no trabalho ficou marcado e, na faculdade, agora só é chamado de Mona. É isso aí,
como diz o Júlio Bronson, o mundo é mal. É guerra! É o “mondo-cane”.

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O Barão tinha filhotes


Dos filhos do Barão nunca ninguém pôde falar mal, todo mundo era da melhor estirpe.
Agora, que eram umas comédias, não se discute. O mais velho, Manoel, era meio grandão – aliás,
naquela família, o menorzinho tinha um metro e noventa – parecia uma mistura de surfista com
sambista. Era um pleiboizão, só que com o rosto do Paulinho da Viola. Falava assim: “Pô, blóder!
Tem que saber disparar a idéia na situação, sacou?”. Lógico que ninguém sacava nada de coisíssima
nenhuma, mas o que valia era a diversão. Na época do vôlei, quando Bernard, Xandó e outros
fizeram o esporte se popularizar, a garotada armava uma rede na rua e os filhos do Barão, pela
elevada estatura, eram sempre escolhidos. Aí chegava o Manel pra jogar: short Silze, blusão floral
aberto até quase o umbigo e cordão de ouro. E ainda batia na bola com as costas da mão. – “Pô,
blóder, deixa eu jogar do jeito que eu sei...” – Engraçado é que ele sabia que o certo era brother,
mas achava mais bonito falar blóder.
Já o Marcelino, esse era muito doido. Uma vez, a molecada estava soltando pipa na
cobertura do prédio – No subúrbio, existe o hábito de se buscar lugares mais altos para escapar da
rede elétrica das ruas. O edifício tinha 10 andares e era relativamente comum, naquela época,
encontrar um grupinho com uns 15 ou 20 garotos soltando seus “telecos” e “peonzões” sobre as
telhas de amianto ou em cima de caixa d’água do prédio. A operação era proibida, mas valia a pena,
de modo que a prática era mais ou menos freqüente. O pessoal chegou até a desenvolver técnicas
para correr sobre as telhas sem quebrar. Tudo por causa de uma ou outra pipa voada. Foi então que
surgiu no céu uma dessas raridades, uma pipa linda, voada, cheia de linha, rabiola perfeita, cabresto
campeão, azul e vermelha, bem envergada, uma genuína obra de arte. A reação foi a de sempre,
uma correria desenfreada, a molecada toda correndo em cima do telhado – Clam, clam, clam, clam
– engraçado é que era muito raro quebrar alguma telha, a habilidade na corrida era impressionante.
Só que o Marcelino “Abutre”, que já tinha feito ginástica olímpica na infância, desprezou aquela
corrida desengonçada e simplesmente começou a correr, pasmem, na mureta da cobertura. Correr
não, correr e pular! Isso com dez andares ou 30 metros esperando a criatura lá em baixo! O pessoal
todo congelou , esqueceu a pipa e pedia: “Abutre, desce daí, maluco!”. Ele, percebendo uma
oportunidade, ria: “Tão com medo? Ahaha, mariquinhas!”. O povo implorava: “Pelo amor de Deus,
Marcelino, desce.”. Ele, nem te ligo: “Frescura! Qual o problema? Os dez andares?”. E emendou
uma cambalhota – a dez andares do chão, fora o playground! – O Masinho Batata viu aquilo e ficou
com tonteira, o Ricardo Maluco virou o rosto e o Serginho rezava. Quanto mais pediam, mais o
Abutre fazia. Dava piques, chegou a mandar uma estrela e, como numa arena de circo, anunciou um
mortal. Houve quem chorasse de nervoso. A cena só parou porque o porteiro chegou e pagou
bronca pra todo mundo. Tempos depois, o próprio porteiro confessou: “Eu já estava lá há uns
minutos, vendo aquele maluco fazer aquelas coisas. Não parava de me benzer e, quando ele
anunciou o mortal, fiquei apavorado e resolvi acabar com aquilo.”
Marcelino era engraçadíssimo, alto pra cachorro, magro, desengonçado, muito dócil, era
querido por todos. Tanto que, quando o condomínio resolveu construir um campinho de futebol
numa parte elevada do terreno, o campo foi batizado de Abutrão, em homenagem ao jovem e
pitoresco personagem do bairro. Trabalhava junto com o pai, que tinha uma empresa de manutenção
de equipamentos de refrigeração. Destacava-se pela inteligência e capacidade de improvisação, com
soluções sempre criativas. O pai, o lendário Barão, ex-seminarista, dono de vastos bigodes e do
belíssimo Opalão 73 intocado, premiadíssimo, até dizia: “Esti, até se pareci cumigo. É audacioso,
capaz, mas é uma besta, num sabi o qui é juízo... Pena, pois si fossi astutu como o pai, daria boa
coisa, talvez até um ômi decenti como eu.”. E, então, danava a falar mal de todos os filhos, como
sempre. Mas isso é outro papo...
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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Abraços dele mesmo,


Ângelo Acauã, o ouvidor mequetrefe de Olaria.

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O Enigma da Esfíncter
Ele era, de fato, meio esquisito. Testemunhas afirmam que a criança tinha morrido, sendo o
cara a placenta que se desenvolveu, cresceu, aprendeu a falar e tudo o mais. Havia ainda a teoria
maldoso de que tinha saído pela esfíncter anal. Quando era pequeno era um menino lindo, de acordo
com aqueles que o conheceram, dessas que chamavam atenção por onde passava. Depois ficou
normal e por fim enfeiou de vez. Os que o viram no caixão disseram que ele virou “uma espécie de
massaroquinha disforme, semelhante àquela coisa que vem atada ao cordão umbilical dos recém-
nascidos.
Suas capacidades eram algo de impressionar. Aos 8 anos já pintava quadros e desenhava
com extraordinário senso crítico, parecia um cartunista. Sua visão do cotidiano, aliado a uma densa
dose de ironia, tornava-o singular. Com 12 anos, traçava plantas de apartamentos, com uma
definição e clareza de impor respeito. Aos 16, já trabalhava e sua simpatia e educação fizeram
sucesso. Representava com perfeição. No campo esportivo alcançou destaque, a velocidade que
desferia, mais a versatilidade, mantinham-no num padrão de regularidade bastante interessante. Não
deu seqüência a nada, seu complexo de inferioridade impedia qualquer progresso. Aliás, a síndrome
do patinho feio, provavelmente, foi a causa-mortis. Ou então foi o engodo, sustentado por anos, na
farsa “wildeana” de um novo Dorian Gray.
As dificuldades, criadas por ele mesmo em trono de si próprio, conservavam-no numa
depressão invisível e constante, disfarçada numa perfeita envoltória de sorrisos, bom humor,
comportamentos forjados e sensacionais tiradas. Tudo mera repetição, uma coletânea de ações
captadas a ermo e convergidas na sua fachada de “bon vivant”. A farsa era tamanha que, às vezes,
ele mesmo chegava a crer que era alguém, terminando por se achar superior aos demais. Isso era
freqüente, mas o incomodava, pois tinha consciência do antagonismo entre o imaginário e o real.
Nunca conseguiu ter namoradas de fé. As que tentaram pereceram uma a uma. A
necessidade de auto-afirmação, a hipocrisia, a imaturidade, a eterna insatisfação e o fechamento,
jogavam por terra qualquer possibilidade de relacionamento fixo. Com o tempo a solidão acentuou-
se ainda mais. Os amigos, que antes o cercavam, foram percebendo a artificialidade dos seus atos e,
aos poucos, evadiram um a um da sua vida. As moças, cansadas dos seus gestos armados, da
cafajestice insistente e da angústia senil, pararam simplesmente de o procurar. No trabalho, a trama
de derrotas foi se sucedendo, se intensificando proporcionalmente ao avanço da idade. Parecia coisa
de futebol, que nem o Fluminense. Quando aparentava reagir, melhorava um pouco, para em
seguida implodir e tornar a chafurdar na lama. Largou os estudos, que já não iam mesmo bem,
tentou teatro, dança, arte, levitação, o escambau. O máximo que conseguiu foi mais um punhado de
novas estórias para contar no bar e uma leva de poses intelectuais inéditas.
O tempo foi passando e, mais que todos, o pobre coitado, qual uma criação nefasta, percebeu
que sobrevivia por falha do Criador, que somente ocupava espaço no planeta. Fechou-se num casulo
espiritual, não acreditava nem ouvia mais nada, perdeu qualquer sentimento, esperança, tornou-se
um autômato, singrando os dias, numa contagem regressiva. O pior é que nem o desfecho conhecia,
sabia apenas que era uma queda vertiginosa num abismo sem fim. E seguiu caindo. Pensou na sua
existência e respectivo sentido. Deparou-se com um autêntico enigma. Nunca conseguiu decifrá-lo,
mesmo após tantos anos. Terminou devorado. O curioso da estória é que, para alguns, ele estava
alcançando o apogeu, a perfeição, e virado modelo a ser seguido. Ele empolgava-se com os sons da
natureza, vibrava perante a luz do sol, encantava-se com a chuva, emocionava-se com a visão de um
jardim e chorava ante a visão do mar batendo nas pedras.
Foi encontrado sem vida num mirante, como que fazendo parte da paisagem, num entardecer
maravilhoso, o céu e a terra pareciam estar de mãos dadas, a vegetação abençoava a alma, trazendo
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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

o perfume que o vento teima em carregar. No sepultamento do “boa-praça”, não havia mais que 10
pessoas, lembrando do passado, como acontece em todo velório. Foi enterrado num imenso jardim,
na mesma cova do avô e bem naquele lugar, nasceu um pé de azaléias, que nunca deixou de
florescer. No meio dos galhos, das folhagens, descobriram um ninho de biquinhos-de-lacre, aquele
passarinho pequenininho que tem o bico vermelho. O zelador do cemitério disse que algumas
pessoas vêm ao mundo com uma missão especial, a de assimilar a sociedade, a natureza, o pulsar da
história, para depois definhar e se decompor, qual excrementos, e assim viabilizar o surgimento de
múltiplas formas de vida. Deve ser, porque no dia em que o encontraram no mirante, ao relento, ele
estava sorrindo, inerte, sem sentidos...

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

O que é que você diz?


O Zé Carlos era uma figuraça. Veio morar conosco quando tinha 8 anos, direto de Curitiba.
Nossos tios, que eram muitos, não demoraram a cair nas graças dele. Aquele ambiente festivo, a
mesa cheia de homens barulhentos, as gargalhadas escandalosas, o menino devorava todo aquele
mundo novo por osmose. Tio Anael instigou-lhe com uma camisa do Vasco; um outro acenou com
um chaveiro cafoníssimo do Flamengo, e um terceiro tentava persuadir o menino com delírios
tricolores. Como a garotada exercia forte influência, a pressão surtiu efeito e o Zé acabou optando
pelo Flu, se bem que virava casaca vez por outra.
Não demorou muito para tio Mica apelidá-lo de Bodinho Louro e a integração surgir
naturalmente. Virou irmão mesmo. E com sua partida restou a saudade, visitando nossa porta. Tinha
um lance que eu não esqueço: o almoço, o batalhão reunido, a bagunça costumeira e, no meio disso
tudo, aquele ritual esquisito do tio Pulguinha. Bom, tio Pulguinha pros íntimos, porque ele passou a
exigir o verdadeiro nome, Arli, depois que se converteu ao messianismo. Adquiriu ares superiores,
passou a usar terno, ganhou uma pose de respeito e, principalmente, rezava de cabeça baixa, mãos
unidas, antes de comer. E sempre deixava um restinho no prato, por ínfimo que fosse, sabe-se lá
para quem ou por quê. Nós ficávamos só olhando, pasmos diante daquele parente mais próximo de
Deus, humilhados pela nossa condição de ignorância. Em pouco, Zé Carlos, que se revelou um
sujeito muito do esperto, também virou um semideus. De algum modo, sem que ninguém
percebesse, tio Pulguinha, digo, tio Arli, transmitiu aqueles complexos ensinamentos ao pequeno
aprendiz. Passaram a ser dois a massacrar a plebe ignara com aqueles arroubos do saber. Um dia,
não agüentando mais de curiosidade, meu pai enquadrou o pupilo do mestre:
- Zé Carlos, cá entre nós, o que é que você diz antes de comer?
- Cshiiii!!!! Fala baixo, tio!
- Diz logo! Prometo que guardo segredo...
- Tá bom. Jura?
- Vai logo!
- Tio, eu não falo nada, faço só uns barulhinhos e conto até uns sessenta. Depois abro os olhos,
sorrio pro tio Arli e começo a comer.
- Ah é?
- É... Aí eu tiro uma onda, os moleques ficam com inveja, vocês me admiram, tio Arli me dá
dinheiro e eu ainda como mais bifes que todo mundo.
- Humm...
Zé Carlos ficou enrolando o pessoal por seguramente uns 6 meses, mas nunca deixou o tal
restinho no prato, até repetia...

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

O bigode do Barão
Não sei se isso é normal, mas o fato é que existe muita gente que, quando fala da família, só
sabe acabar com a raça de todo mundo. Parece incrível, você pergunta pelos filhos e lá vem notícia
ruim, crime, morte, traição, o escambau, não tem unzinho que salve, só sofrimento. Alguns chegam
a criar tipos pitorescos, um jeito besta até, tipo “os meus filhos são os piores”, numa vaidade não
escondida. Completam a imagem com um carro chamativo, algo como um “Dojão” ou um Opala
Coupé 73, desses irretocáveis. Junte-se a tudo isto um baita bigodaço, uma postura meio cafona e
pronto, já temos um perfil definido, o do Barão. E, para quem pensa que é uma invenção do
grotesco, vou logo adiantando: esse estereótipo existe e se chama Barão mesmo. Tem quatro filhos
e cada um deles é uma figura que merece capítulos mil. Agora, imagine todo mundo morando junto,
numa mesma casa? Um cadeirão é uma boa resposta.
A primeira impressão é a melhor possível. Aliás, todos são gente muito boa, sempre
solícitos, engraçados, sorridentes, uma beleza. O diacho é quando o pai cisma de falar deles:
- Óli, vô li dizê purquê qui sô besta. É purquê, quando vim du Norti, num tinha nada e, ôji, tenho
tudu! Bem, eu tinha, purquê essas disgraça dus meus fio tão quereno cabá cum tudo...
- Que isso, seu Joaquim!?!
- É, sim! Veji só: Manoel, meu primogênito, é um degenerado – falava com os “es” bem abertos,
assim, “dégénérado” – Marcelino, o sigundu, é um decrépito malditu. Mônica, uma pérdida – a
ênfase chegava a ser engraçada – e Marco Antônio, essi, nem precisu contar. Meu Deus, ondi fui
parar minha cabeça pra parí aqueli trasti?
- Não é bem assim, ô Barão. Você está pegando pesado. Todo mundo aqui no bairro se amarra nos
teus filhos, sabe que eles são trabalhadores. Vai ver você está de implicância.
- I tu num me disafie! Si eu tô dizeno qui aquilo é uma corja, é purquê é! Suncê num conheci elis
direitu! A minha sorti é qui eu, Joaquim Benvindo de Souza, tenhu uma aligria: o meu netu, Olan –
o nome era Alan – Para essi, sou capaz até di dá um órgu... di tirá o meu bigodi de mais di quarenta
anu...
Lembro da última vez que encontrei o Barão, eu estava estacionando o carro e o filho caçula
veio me pedir socorro – o pai tinha enguiçado com o tal Opalão em Cordovil – então, eu, com meus
notáveis conhecimentos de mecânica automotiva, migrei para lá. Não deu outra, o Barão estava
cheio de pose, o carro com o capô aberto, dando ordens num curioso. Chamei o reboque, coisa e tal,
e ele, agradecido, me convidou para comer um “pétisco”. Aí, fomos. Era uma birosca na Cidade
Alta, dessas bem esquisitas. Pediu uma orelha de boi com feijão e chegou uma coisa horrível, com
jeito de estepe de Fusca. Argh, comi aquilo pensando que estava numa guerra. Em dado momento, o
caçula Marco “Boy” decidiu acender um cigarro. O Barão, que conversava comigo sobre o legado
cultural piauiense, só foi perceber uns dois minutos depois. Foi como se tivesse levado um choque,
silenciou e simplesmente apagou o cigarro do filho com a ponta dos dedos. E o Marco “Boy”,
assustado:
- Pô, pai!!
- Quem é qui li deu otorização pra fumá na frente de seu glorioso pai?
- Mas...
- Num li quero ôvir mais um pio!!!
E a história termina aqui.

Abraços dele mesmo,


o perigosíssimo falastrão de Parada de Lucas.

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Aninha e Rubinho
Que a vida imita a arte, não resta a menor dúvida. E para quem se lembra da música “Eduardo
e Mônica”, da Legião Urbana, este relato é uma metáfora perfeita e emocionada. Sim, porque
aqueles dois estavam completamente apaixonados e constituíam uma dupla pra lá de antagônica; ele
protestante, retraído, tímido, muito jovem, ainda no aprendizado da vida; ela, danada, desbocada,
safa, quilometrada, malandra, completa. De comum mesmo, ambos só tinham a simpatia
contagiante, a inteligência e a docilidade. Quis o destino cruzar a duplinha: era um dia nublado,
estavam ambos num desses restaurantes “self-service”, ele fardado, altivo, ela reclamando da
comida, ele sério, ela debochando de alguma coisa, rindo baixinho. Até que um esbarrão casual
causou tudo, olhares foram trocados, um pedido de desculpas foi aceito, e um convite para sentar
lado a lado foi feito. Ele tremendo as mãos, ela esfregando. Foi assim. Depois foi o verdadeiro
“lovestory”, passeios para todos os lugares, calçadão da Praia de Ramos, teatro em Bonsucesso,
domingão na Quinta da Boa-Vista, passarinho na feira de Caxias, barca para Paquetá, enfim, o
amor. Ele foi estudar dança, teatro e pintura. Em contrapartida, ela tentou freqüentar a igreja e
adaptar-se ao estilo “low-profile” do parceiro. Naturalmente que sempre pagava uns micos, como
num certo sábado em que Rubinho levou-a para conhecer os pais e depois ao culto da Igreja
Presbiteriana, com a família do rapaz toda presente para conhecer sua versátil esposa, como tinha
ele definido. Assim foi, o culto transcorrendo calmo, o pastor naquela pregação e os fiéis dizendo
“Aleluia”. Só Aninha não se enquadrava, olhava sem parar para o pastor, Rubinho não
compreendia, tentava pescar o que acontecia, ficando cada vez mais “out”. A coisa foi chegando a
um ponto tal que, em dado momento, Aninha começou a gargalhar que nem uma pomba-gira,
desatinada, envergando a coluna para trás, o olho revirado. Ela sempre ria assim, qual uma doida. O
envergonhado Rubinho não sabia onde enfiar a cara, a mãe do rapaz com aquele olhar de
reprovação, os irmãos da Igreja horrorizados, era o fim. Até que o pastor apontou para ela, olhos
muito arregalados, bradando: “Sai demônio! Levanta dessa alma! Canhoto, vai embora! Filhote de
Satã!” Nessa altura, os olhos do Rubens eram duas bolas de fogo duras, congeladas, um misto de
espanto e vergonha. Foi então que Aninha desfez o mal-entendido, rindo feito uma maluca,
resolvendo: “Eu conheço esse pastor aí! Ah, se conheço... Ele é puxador de samba no pagode da
Unidos do Uraiti, em Rocha Miranda. O que é que esse malandro está fazendo aqui?!”.
Bom, aqui acaba tudo, o pastor fugiu, desapareceu, o mico virou gorila e o casal Rubinho e
Aninha vai muito bem, obrigado. Ela continua rindo espalhafatosamente, ele segue tímido, amando
um ao outro, como se fosse o primeiro dia.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Todo o azul virando cinza


O cara deu pra fazer filantropia. Sempre que podia, trabalhava de graça em troca de prestígio
junto ao seu círculo. A mínima oportunidade e o cínico tirava proveito e se consagrava. Um bolo de
roupas p’rum mendigo cá, uma carona p’ruma velhinha acolá, ingressos de cortesia para criancinhas
num orfanato e, assim, ia mascarando sua imagem de santo. Do pau oco. Safado! Era um tremendo
mulherengo, isso sim, bastava um rabo de saia que o maldito ficava descontrolado. "Ele faz isso
porque nunca gostou de ninguém", diziam uns. "É um galinha", diziam outras. O fato é que os anos
se passavam e o biltre acumulava amantes. Já nem se dava mais ao trabalho de caçar novas presas,
utilizava o expediente da "agenda velha", pincelando o acervo adquirido ao longo dos anos, como
ele mesmo dizia. Na realidade, o seu comportamento galináceo era meticulosamente disfarçado por
uma hábil estratégia: construiu, com os anos, uma sólida reputação de benfeitor, de bonzinho, de
boa praça, gente fina, cara bacana. O danado, além de tudo, era um duro, seu êxito era produto
único do seu discurso envolvente, da aparente inteligência, das poses estudadas e do sorriso jovial,
porque beleza mesmo, ele não tinha. Apesar desse cabedal de atributos, as mulheres conquistadas
não foram capazes de torná-lo bem sucedido. "Má sorte", dizia ele.
Morreu aos 45 anos, isolado, acabado, dizimado pela doença e pela solidão, aflito, pobre,
desdentado, mais parecendo uma personagem de romance, bem sôfrego, triste, cinzento...

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Explicações insensatas
Flagrante por flagrante, prefiro a história – real, diga-se de passagem – do Peixotinho. O
casamento não ia bem, coisa e tal, quando pintou a lourinha. Moça formosa, cheia de encantos,
brejeira, inteligente, não demorou muito e nosso amigo ficou logo envolvido nos tentáculos da
ninfa. Na outra ponta estava a esposa, cabreiríssima, cansada de chorar. Em meio à agonia, teve um
instante de lucidez calculada, contratou um detetive particular e, como a mentira tem pernas curtas,
já na primeira sexta-feira, aconteceu tudo. O cenário foi um motel de segunda: a coisa toda se
desenvolvendo e a esposa traída, que entrara no motel na garupa da motocicleta do detetive como se
fossem um casal comum, percorrera todas as garagens até encontrar o carro do marido. Em silêncio,
a moça traída ficou encostada junto à porta da suíte, quietinha, ouvindo os sons guturais que vinham
lá de dentro, daquele ninho sodômico de pecado:
- Isso, isso, vai!
- Bandida!
- Marca teu gado!
- Meu Deus! Uáááááá...!!!
Aquele jogo erótico prosseguia, alternando frases indecentes com ruídos desconexos, num enredo
pornofônico que consistia num verdadeiro acinte, numa humilhação terrível para a pobre esposa, só
acostumada ao tradicional “esqueminha feijão com arroz”. Então, tomada por um ódio mortal,
soltou o grito do fundo da alma:
- Quiiiiinho! – Berrou e quase derrubou a porta com uma traulitada de meter medo. Do outro lado, o
marido infiel logo percebeu o que estava acontecendo e não teve como reagir. Abriu e insistiu no
lugar-comum:
- Calma, eu posso explicar.
- Sai da frente, seu cachorro! Quero ver quem é essa desgraçada! – Entrou no quarto com olhos de
fogo e parou imediatamente ante a visão aterradora: tudo apagado, a cama cercada por velas
vermelhas, a amante toda acorrentada, um chicote sobre a cama, algemas – tudo coisa do demônio,
na sua ferrenha concepção católica –. Só nesse instante, quando sentiu o cheiro de incenso, é que
virou para olhar o marido, vestido de homem das cavernas, com clava e tudo. Começou a chorar e
ele dizendo:
- Calma, eu posso explicar.

Moral da historia: existem mais coisas entre o céu e a terra do que se supõe nossa vã filosofia.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Docilidade à flor da pele


Algumas pessoas são marcadas pela fama. Por exemplo: o ator Mário Gomes ficou
associado, durante anos, à figura da cenoura, devido a um boato cruel que convém não lembrar. Já
com o ex-presidente russo, Boris Yeltsin, e com o ex-governador do Rio de Janeiro, Marcello
Alencar, o elo era com a bebida. O cantor Wilson Simonal, por sua vez, ficou com a pecha de
“dedo-duro”. A lista de “carimbados” fica quilométrica se puxarmos muito pela memória. No
âmbito mais pessoal e restrito, lembro bem do meu amigo Godô, um tremendo gente boa, mas meio
truculento para certos tipos de negociação. Certa vez, na pequena Leopoldina, em Minas Gerais,
estávamos no mictório e um nativo, ao saber que éramos cariocas, tentou estreitar contato:
- Ô, carioca? Chegou quando, sô? – O Godô, que nunca foi chegado a bate-papo em banheiro de
homem, respondeu com a gentileza habitual:
- Se vier de gracinha, vai tomar uma garrafada.
- Ô, sô, tá doido? Oxe, mas que trem mais brabo! – E o sujeito saiu assustado.
Detalhe: não diferenciava tratamento para ninguém, era troglodita sempre. Na adolescência,
inclusive, descobriu um método eficaz de paquera: simplesmente agarrava as menininhas à força.
Lógico que nem sempre dava certo, afinal, os brutos também se dão mal. Foi assim, quando agarrou
a Paulinha por trás, ao descer pela escada do edifício. Estava uma penumbra danada e só dava para
ouvir os gritos:
- É agora! Vai morrer, cachorra!
- Ááááááhhhh!!!! Socorro!!! Morais!!!
- Morais?!?
- Me solta!!!
- Ué? Não é a Paulinha?!?
- Quem é você? Tô reconhecendo a sua voz, é o Godô!!!
- Do... Do... Dona Lúcia?!? Desculpe, desculpe!! Ai, meu Deus, pensei que fosse a Paulinha... só
queria dar uma sarrada...
- Seu safado! Agarrando as mocinhas na escada!
- Mas, Dona Lúcia, ela já está acostumada...
- O quê?!?
O que depois aconteceu é o que todo mundo já imagina, um sururu daqueles, dezenas de
vizinhos assistindo àquela discussão ridícula entre o jovem tarado e a senhora indignada.
Envergonhada mesmo foi a mãe do Godofredo, chamada às falas pela direção do edifício, por causa
do filho endemoniado. O seu Morais, marido da Dona Lúcia, que já conhecia o Godô – e muito o
estimava – terminou por chamá-lo para conversar, dar conselhos mesmo, numa atitude paterna.
Terminaram bêbados no bar, às gargalhadas, o Godô contando como tinha esvaziado os pneus do
Geraldo, aquele coroa chato do sétimo andar...

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

VENTURAS E DESVENTURAS

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Sal Tinto Jegue


Daquela vez os caras passaram do limite. Eles simplesmente conseguiram fazer com que o
Tatu, também conhecido como Márcio Jegue, ou simplesmente Jegueto, em alusão ao craque do
futebol, sorvesse expressiva quantidade de urina, como se fosse um poderoso elixir. Tudo por culpa
de canalhas do quilate de um Masinho Batata, de um Cláudio Caveira, um Anderson Panda, um
Renato Bomba, um Luciano Derela, entre outros. Aquela cafajestada se reunia sempre nos finais de
semana, não havia mesmo outra opção. Eram todos adolescentes buscando diversão sem
compromisso. Juntando todo mundo deviam ser uns 15 garotos, aglomerados num raio de 30 metros
quadrados, se muito. Todos conversando, contando milhares de estórias, cantando músicas novas e
caçoando uns dos outros.
O Flávio, irmão do Derela, era uma fera com computadores, desses caras que não saíam pra
nada, tinham um monte de espinhas na cara, legal pacas, mas sem malandragem nenhuma. Ele
estava num processo de libertação e, num ímpeto, comprou um garrafão de vinho para ser
partilhado com a rapaziada. Nem todos bebiam, o Tatu era um deles. Tímido, estava de bola
murchinha por causa dos recentes acontecimentos: em menos de uma semana tinha tomado uma
“medalha” histórica no vôlei da rua e pago o maior pico na brincadeira do piruzinho. Pra quem não
sabe que brincadeira é essa, é aquela em que o sujeito, ao errar respostas, fica curvado, o indicador
apoiado no chão e começa a rodar em torno de si, provocando uma tonteira infernal. O brioso
Márcio Jegue, para variar um pouco, errou tantas vezes e rodou tanto que, na última e derradeira
volta do parafuso, saiu qual um peru bêbado, cambaleando para lá e para cá, esbarrando em tudo
que é carro, quebrando um retrovisor com o peito e afundando a porta de um Chevette com uma
cabeçada. Isso tudo diante de numerosas hienas, ou melhor, testemunhas. Voltando ao vinho, o
sacana do Panda afastou-se uns metros e me pegou pelo braço, com um copo de plástico na mão:
“Enche aí!”. Eu não entendi direito, o Masinho sim, e veio já com a calça aberta, o saxofone-de-
carne já pronto pra tocar. Quase fez o copo transbordar, teve até que jogar um pouco fora, pra tirar o
colarinho. O malvado do Marcelo Brinquinho adicionou vinho até em cima, colocou duas pedras de
gelo e aquela verdadeira arma química ficou perfeitamente camuflada, para o delírio daquelas
mentes maquiavélicas. Aí entrou em ação o insuportável Cláudio Caveira com o seu discurso atroz
e seu poder de retórica, convencendo o Tatu por meio de argumentos coerentes:
- Moleque! Bebe essa porra!
- Não, eu não bebo.
- Bebe! Parece mulherzinha!
- Não. Não quero.
- Bebe! Só um golinho. Você verá que é gostoso, depois não vai querer outra vida.
- Tá bom, só um gole. (já com o copo na boca)
- Gole de homem! Gole de homem!
- Tô bebendo! Tô bebendo! (matou ¼ do copo numa talagada só)
- Bebe tudo! (já rindo, quase que incontrolavelmente)
- Não agüento. É amargo. (menos da metade restava no copo)
- Moleque! Tu “tá” bebendo mijo! (já se contorcendo de tanto rir).
A explosão de gargalhadas que se seguiu deve ter feito o quarteirão todo acordar, tal o
estardalhaço provocado pela garotada. Tinha menino espalhado por tudo que é canto, alguns
deitaram no asfalto de tanto rir. O Márcio tentou vomitar, não conseguiu, quis matar o culpado, mas
não descobriu do dono do “sexofone”, se pudesse metralhava todo mundo. Não teve jeito, aturou o
escárnio sabe-se lá de que forma. No dia seguinte, à tarde, quando o vôlei começava a esquentar, ele
desceu e uma voz podia ser ouvida bem baixinho: “Vinho Sal Tinto. Vinho Sal Tinto Jegue.”
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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Quando chegou vez dele jogar, acabou descobrindo que Masinho foi o autor dos disparos. Tentou
caçá-lo o jogo todo, os olhos saltando, como duas bolas de fogo, duras de ódio. Fruto da ressaca do
vinho Sal Tinto Jegue...

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

O Escorpião Escarlate
O mito da picada do diabólico animal é maior do que a freqüência dos seus ataques.
Entretanto, em certas ocasiões, suas aparições são realmente colossais. Conta uma lenda que, num
desses carnavais ensandecidos, o bravo combatente do fogo Beto Bombeiro conseguiu um “habeas
corpus” da namorada, por conta de uma famigerada “bandeira vermelha” que pegou-a de surpresa,
permitindo ao “javali” fugir na noite em busca de prazeres simples como bebedeira, balbúrdia,
brigas, fornicação e outras ações menos votadas. É claro que sua cara-metade cercou-se de garantias
e obrigou-o a sair em grupo, junto com os outros casais. Ele, com um agente infiltrado, conseguiu
um acordo nas seguintes bases: sairia de casa com o pessoal, depois haveria uma dispersão e
posterior reencontro num horário combinado. Secretamente, Beto combinou de burlar o horário e
voltar pro Q.G. sozinho, pegando as chaves sobre o pneu do carro estacionado, conforme trato
firmado com o aliado que, qual um chefão do crime organizado, comandava as ações à distância,
sem aparecer, usando para isso avançadas técnicas de guerrilha.
Segundo testemunhas, o Bombeiro esbaldou-se naquela noite, efetuou várias prisões,
conquistou vários territórios e apagou fogo de muita gente. O que ele não podia contar era com a
embriaguez e esquecimento da missão por parte do parceiro facilitador. Resultado: de repente, não
mais que de repente, nosso rotundo amigo Beto “Cachaça” viu-se desesperado procurando as
chaves, que não estavam sobre o pneu. Era cedo, bem cedinho, tipo cinco e tal da manhã e a cena
era a dele engatinhando, embrenhando-se por entre as plantas espinhudas do jardim, contando-se
todo e não achando nádegas. Desistiu da busca, optando por escalar a pilastra da varanda. Invadiu o
segundo andar e - BLAMPK!!! - arrombou a enorme porta do quarto do dono da casa, dando de
cara justamente com o aliado embriagado, que conseguiu num último impulso de consciência,
ajudou-o. Ele mesmo conta como tudo aconteceu:
- Acordei com aquele som gutural e dei de cara com uma criatura horrenda, ensangüentada, imunda,
suada, rindo, sem camisa e com um gigantesco escorpião vermelho tatuado no peito. Levei a mão à
boca para não vomitar, contive as gargalhadas e pedi que fizesse silêncio, pois a namorada estava
desconfiada, perguntara por duas vezes e que estava dormindo, naquela altura do campeonato. Aí
ele concordou, passou pé ante pé pelo corredor, entrou na cozinha, abriu a geladeira, roubou uma
garrafa d’água, como sempre fazia, e rumou para a sala. O cômodo estava escuro e então ele tirou o
tênis, inclinou-se todo, bebeu água no gargalo, me deu um tchau, virou o corpo, deitou-se no sofá e
- AAÁÁÁ!!! - acabou deitando em cima da Dani, que decidiu esperar pela sua chegada e dormia
quietinha, sendo esmagada pelo corpanzil do mastodonte.
O final nem é preciso contar, bastam as reticências. O que se sabe é no instante
imediatamente após ele fez uma carinha de santo e falou, com uma voz bem mansa: “Oi, Danizinha,
bom dia!”. Nesse ponto as cortinas se fecharam e terminou o espetáculo. No ano seguinte, fez
parecido, só que um pouco pior...

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Eu, o Capitão Kirk


"Space, final frontier". O tradicional início da consagrada série Jornada nas Estrelas bem serve
para retratar o estilo de alguns caras que, ninguém sabe explicar, só conseguem sair com moças que
moram longe. Digo longe tipo uns 40 km, no mínimo. Aí é só contar ida e volta, barzinho, uma
esticada, aquele estilinho tradicional do cafajeste, fazendo vidinha e depois o sofrimento, o sono te
pegando, fora a diferença de fuso horário e tome cansaço puro... No meu tempo de estagiário, tinha
um engenheiro de São Gonçalo que namorava uma moça (mais ou menos moça) que morava em
Anchieta. Eu dizia:
- Pô, Ricardo. Deve dar uns 100 km!
- Isso eu nunca contei. Só sei que é um tanque por final de semana. Isso se não pintar praia...
Um outro, hoje casado, gostava de sair pela moderna e descolada Zona Sul carioca. Então
pegava seu bólido azul e saía simplesmente do Méier para Campo Grande, encontrava com a moça
e rumava para Ipanema, tudo pertinho, 150 km na soma. Aí fazia tipinho, levanta a sombrancelha
daqui, cita trecho de música ali, fala inglês de lá, encanta a dama de cá, um cínico. Na madrugada,
já pronto para a partida, novo vôo interplanetário até Campusca, para só depois de umas três horas,
passar a falar castelhano e, já na volta, na fronteira com Marechal Hermes, tornar ao bom português.
O Nélson Rodrigues, a propósito disso, dizia que, quando atravessa o Túnel Rebouças já começava
a sentir saudades do Rio. Não é bem assim. A cidade é grande, tem ampla variedade de opções e
muitos lugares possuem características singulares, cada uma com seu charme. Isso já é garantia de
que não existe aquele papo de que este ou aquele lugar é que é bom, o resto é lixo. O Marcos
Gargalo, sempre ele, tinha uma namorada cujo pai citou, certa vez:
- Não troco Cordovil por nada!
Já o Fernandinho, que outro dia estava na Pavuna, terminou por ouvir o conselho de um amigo
maldoso:
- Cuidado que lá o mar ‘tá batendo muito. Não chega muito perto das pedras...

Bem, aí já é maldade...
Abraços dele mesmo,
o Flash Gordon de Mallet.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Micosão
O Gargalo era danado, qualquer situação de farra era com ele mesmo, tava em todas. O
diacho é que ele meio bonito e as mulheres davam em cima dele direto. E foi num desses eventos
noturnos que ele acabou se dando mal. Estava junto com o “Cavalo Xucro”, outro ser endiabrado,
ligeiro, liso, ensaboado, desses que dão nó em pingo d’água. O caso é que a duplinha, atacando no
estilo Cosme e Damião, invadiu uma buate do centro da cidade que, pela freqüência e faixa etária,
bem que poderia se chamar 30-60-90. E eles não tinham mais que 21 anos... Terminaram fazendo
um trato, decidindo não beijar nenhuma moça muito feia, salvo se ficassem bêbados. Dito isso,
começaram a beber, para apagar qualquer culpa.
O ponteiro do relógio é cruel, gira, avança, sem trégua, afunilando as chances, numa roleta
russa etílica. Ambos já estavam – ahn, como dizer? – prontinhos – sim isso define bem - e feito
incursões em diversas presas escolhidas a dedo, colhendo uma boa quantidade de negativas.
Ninguém sabe como, mas fizeram amizade com um indivíduo insuportável, julgava-se “o
embaixador do Bierklause”, que cismou de nos apresentar a todo o mulherio aos dois caçadores da
carcaça perdida. Era cada bagulho que os meninos ficaram até assustados. Argh! O detalhe é que o
cara tinha um nome estranho e uma imensa ferida no rosto, de modo que convencionou-se chamá-lo
de “Micosão”, que, àquela altura, era íntimo e já estava enchendo o saco. Num drible seco,
escaparam velozes rumo ao banheiro, sem conseguir nada, porque o Micosão era pegajoso, arisco,
se recuperava bem e ria de qualquer coisa, seguindo os dois guerreiros até o reservado. Na saída
deu-se a catástrofe: Gargalo ia passando pela porta, ganhando a pista de acesso ao bar, quando
virou-se para olhar para trás e – SLEFT – deu um encontrão, ou melhor, uma nojenta esfregada,
face a face com o inimigo. A cara de nojo foi impagável, devia ter sido fotografada, o Micosão ria
desatinadamente, Gargalo quase chorava e o parceiro eqüino, não agüentando, explodiu em
gargalhadas. A bochecha da vítima estava toda coberta por uma espécie de líquen, um musgo
sinistro, um lodo, que ainda por cima fumegava.
Não tendo alternativa, Cavalo Xucro só conseguiu uma brecha para se desvencilhar da mala
pesada, o uso da mentira, cuja arte ele dominava com maestria. Aplicou o golpe do emprego longe,
que consistia na estória absurda de que eram jovens talentos da Texaco, moravam em Manaus,
estavam no Rio a trabalho e inclusive era a hora deles voltarem pro hotel. Depois de milhares de
perguntas imbecis e repostas cretinas acerca de extração de petróleo em plena selva, livraram-se
daquele “Monstro do Pântano”. No dia seguinte, Gargalo, sempre ele, ainda com a face
chamuscada, saiu à noite para filmar uma festa infantil (um bico para esticar a grana). Adivinhem
quem estava lá? Sim, ele, o Micosão, que encostou e encheu de mais perguntas nosso amigo, que
gaguejou o suficiente para explicar algo aceitável para a farsa da Texaco (foi coisa simples,
envolvendo corpos celestes, profecias de Nostradamus, amazonas encapuzadas, tipo assim). Disse o
Gargalo que a besta quadrada, mais chato que coceira na sola do pé, ficou a noite toda o
perseguindo, só indo embora depois de dar mais uma roçada gostosa com aquela cara asquerosa,
para delírio da torcida. Depois desse dia, Gargalo ficou uns 7 meses sem pegar mulher, foi
reprovado na faculdade, a namorada terminou, o carro quebrou, deu tendinite no cotovelo, o cabelo
encrespou e contraiu toxoplasmose. Tudo por culpa do Micosão...

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Fez? Então arrume!


Foi lá pelos idos dos anos oitenta. A molecada toda naquela fase pré-adolescente, em que o
garoto quer ser macho, mas ainda não tem chulé. Sim, porque o mal cheiro é coisa de adulto e só
vem depois – Ou será que alguém já viu criança com cheiro de corpo, o popular cecê? – Pois muito
bem... nessa época, os demônios eram o Siloé e o Godô, mas a culpa de tudo era sempre do Ângelo
– todo baixinho é folgado! – Todas as diabruras que eles faziam eram descobertas, mas a autoria
invariavelmente recaía no panaca do Ângelo que, só pela cara de cínico, praticamente já garantia o
veredicto. Teve uma vez em que a dupla maligna tampou todas as fechaduras do edifício. O misto
de tampinha e bode expiatório estava viajando e, assim mesmo, foi espinafrado: “Sonso! Não
adianta fazer essa cara! Todo mundo aqui já te conhece...”. Depois, o tempo passou e os, então,
rapazes aprontavam com as meninas e a culpa continuava parceira do mané: “Apagaram a luz do
elevador pra agarrar a Eliane? Foi idéia do Ângelo...”
O estranho é que a fama se espalha, o relógio dá as suas voltas e as estórias vão todas
virando verdade. Junto com elas, todo um passado negro foi infeliz e meticulosamente articulado,
de modo a tornar sua ficha num autêntico dossiê de maldades. E ai de você que tente negar! Dá até
briga... te chamam de mentiroso, farsante, tudo. Por causa disso, homem feito, o Ângelo adquiriu
até ares de canalhão, desses bem sem-escrúpulos. Mundo louco esse...

Abraços dele mesmo,


O perverso apedrejado moral de Olinda.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Yeti, a Lenda
A coisa toda começou com aquele papo de incompletude do ser humano, que é coisa de
intelectual bêbado, desses que cultuam Santa Teresa. Mas não foi num bar e sim numa aula de
Comunicação, onde a professora tentava incutir nos crânios cansados a idéia da busca infinita do
homem por suas origens, coisa e tal. Daí que a coisa derivou para lembranças amorfas do passado e
justo nesse momento eu viajei no tempo. Eu tava distraído olhando prum cara do meu lado que
tinha tirado o sapato, ficando só de meias. Detalhe fundamental: sua meia tinha um desenho bem na
ponta do pé. Imaginem só, um homem com uma meia branquinha com um tracejado afrescalhado
na ponta do pé. Preconceito? Lógico! É guerra!
Pro meu azar, numa das lacunas do minha quilométrica trajetória de sucessos e insucessos (o
placar anda meio desigual), tem um episódio meu envolvendo meias, pés e, naturalmente, risadas.
Foi numa época em que criaturas lendárias do subúrbio se reuniam para curtir os finais de semana,
lá pelos idos de 87, 88, por aí. De dia, vôlei de rua; à noite, dançar. Na sexta a pedida era o Robin
Hood Pub, que de pub não tinha nada, era uma boite – chega desses nomes franceses! Daqui pra
frente será buate e pronto! – bom, onde é que eu estava? Ah, lembrei: Robin Hood! O lugar era
muito maneiro, a música era dez, o público freqüentador era meio loucão, gente bonita, uma beleza.
Então fomos pra lá eu, Cláudio Caveira, Renato Bomba, Davi Bi, Márcio Jegue, também conhecido
como Tatu, e, por último, Rodolfo Bilha-Verde. O importante nessas manhas de apelido é o sujeito
ter um que se identifique de tal modo que até no altar a alcunha é pronunciada, assim tipo: “O
enlace matrimonial de Renato Bomba e Janaína Bonga...”. Mas, voltemos ao papinho que tá
gostoso: todo mundo dançando, rindo, fazendo bagunça (nessa época, o evento “represália” vivia
seus primeiros momentos). Como? O que é represália? Ora, é exatamente isso, o sentido literal da
palavra. Pegávamos o telefone (o lugar tinha uma cabine telefônica linda lá dentro) e ligávamos
para alguém que nos irritasse muito e merecesse ser acordado às 3 horas da manhã. Eu mesmo tratei
de inaugurar ligando pra minha própria casa, só pra ver o efeito. Nossa vítima preferida era a Berta,
uma baixinha que dividia seus momentos entre Renato Bomba e Masinho Batata. Quando a mãe
dela atendia, torta de sono, ouvia aquela voz disfarçada: “Alô, quero falar com a vadia da sua filha!
Chama ela, que tá toda aberta! A Berta!”. E batíamos o telefone, às gargalhadas. Muito bom isso,
faz muito bem à saúde, faço até hoje. Represália... é...
Lá dentro na buate tinha um baitolão, um careca metido que só chegava tarde, depois de
todo mundo, quando o lugar já estava lotado. Ele era tão puto que usava umas roupas exóticas,
chegou uma vez com um sobretudo de pele, ficou parado olhando para todos com uma cara de nojo
e, quando tocou uma música doida do Sisters of Mercy, ele se soltou, saiu dançando que nem um
bailarino do “Fame” (quem lembra?), deixando o sobretudo cair aos poucos pelo corpinho malhado.
Que safado! Pior é que o viado dançava pacas... Juntava gente em volta, fazendo corinho:
“UhUhhhhhhhllll”
Quando a noite acabava é que vinha a nossa via crucis, porque a gente pegava um “buzum”
até a Praça Saens Peña e esperava obrigatoriamente amanhecer pra pegar outro que nos levasse aos
subúrbios asilados. Só que, como todo mundo ficava mortinho, sempre rolava um cochilo nos
bancos da praça junto com a nata da mendicância. Tirei minha bota pra esticar os dedos e mostrar
uma meia invocada que eu tinha ganho, importada, com um design diferenciado, multi-colorida,
esportiva, a última palavra em sofisticação, com uma faixa azul e outra amarela, com o logotipo do
fabricante inserido, só visível se tirasse o calçado, algo realmente de primeiro mundo. Eu nunca
perderia uma chance de exibir aquela preciosidade pros caras e tirar uma ondinha de leve. Só que
ocorreu um fenômeno sinistro: por algum mistério, coisa de deuses astronautas, sei lá, a diaba da
meia se rasgou toda, deixando uns rombos que explodiam entre os meus dedos, como se um ácido
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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

chuléico tivesse corroído aquela peça. Ah, malandro, pra quê... Todo mundo riu da minha cara, o
Cláudio Caveira só gritava “Pé podre! Pé podre!”, o Renato Bomba tinha dado um finalzinho de um
espetinho de churrasco prum mendigo e este, vendo meu pé com aquela envoltória, detonou: “Pô,
semana passada eu ganhei uma dessas, mas não serviu nem pra enchimento de travesseiro.” E tome
mais risos. O Bilha-Verde botava muita pilha e me obrigaram a ir pra casa de só de meias (ou o que
restou delas), um vexame que só eu sei...
“Mas como? Se quero falar algo? Estou rindo do quê? Ô, professora, desculpe. É que eu tava
lembrando de umas estórias antigas.” – fui interrompido do meu sonho acordado dessa forma e,
pelo rosto dos outros alunos eu acabei chamando atenção de alguma forma, talvez por alguma
gargalhada ou coisa parecida. Fazer o quê, né?

É isso aí, um abraço do


O Abominável Pé-podre do Alto da Boa Vista.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Furos e mais furos


Tem gente que é especialista em cometer gafes (minha irmã chama de pagar mico),
conseguindo deixar qualquer concorrente para trás. O Godô, por exemplo, anos atrás, numa dessas
festas da vida, meio deslocadão, decidiu puxar papo com uma dona:
- A senhora é avó do Marcelo, não é mesmo?
A dita cuja, que era a mãe do rapaz e sofria de imenso complexo, face ao seu peso excessivo, além
da cabeça branca, tratou de chorar copiosamente. Pior que essa foi a do lendário Almeida que,
testemunhando um diálogo num elevador, resolveu intervir. O caso é que uma senhora debochava
de um jovem que usava um carrinho de supermercado para transportar cinco bolsas que, na sua
ótica, cabiam perfeitamente nas mãos. Ela falava assim:
- Puxa, você é tão jovem e com uma preguiça dessas!
- Ah, tô fora, ficar carregando peso à toa...
- Humm, eu gosto de carregar peso.
E o Almeida, sensível toda vida, olhando fixamente para o marido da intrometida, um “homem-
jaca” com garantidos 120 quilos:
- Nota-se... (depois disso seguiu-se aquele silêncio sepulcral.. O jovem, alvo inicial, prendeu o riso,
ficando com a aquela bolona de cuspe presa na boca fechada, até não agüentar, explodir tudo e
irromper numa sonora gargalhada).
Esta semana foi a minha vez: encontrei uma colega, gente finíssima, sentadinha num banco,
rodeada por umas amigas. Eu, sempre discreto, percebendo a aliançona dourada na mão esquerda,
dessas bem cafonas, iniciei a sessão-deboche:
- O quê?! De aliança?! Vai dizer que casou?
- Casei sim. Tô adorando...
- Mas como?! Você, até uns dois meses atrás, estava por aí no cio, doida por um valete quebrador...
- Garoto! Que absurdo!
- Pô, pára de vender imagem de santa! Cachorra é cachorra!
- Ângelo!
- Fala logo, quem é o corajoso? Enganou qual otário dessa vez?
- Esse que tá aí do teu lado. (agora são só reticências)
O interessante nisso tudo é que o furo só tem graça quando o cara da estória acima é fortão,
além de tudo. E era... E já que falei em fortão, sou obrigado a contar outra, mais antiga e igualmente
perigosa: eu estava saindo com uma ruiva que era um verdadeiro Boeing. O detalhe importante é
que eu sou franzino, ela é gigantesca e o namorado dela, penta-campeão carioca de taekwendô, um
verdadeiro armário-de-carne de 1,90 m que, numa briguinha simples, afogou docilmente seu
oponente num mictório de inox, tal a sua delicadeza. Daí que papo vai, papo vem, eis que surge no
barzinho, num desses azares infernais, o proprietário daquela máquina. A cena era patética, o
gigante sentado entre aquela deusa, os olhos saltando, ela calada e o microscópico amante calmo,
tentando aparentar tranqüilidade. Então eu levantei educadamente o dedo, chamei o garçom, pedi
três chopes, balancei a cabeça num pinote, passei a mão no cabelo e me salvei:
- Ai Claudinha, mas esse teu namorado é um gato!
E fecham-se as cortinas...

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Ele, Felipe, o Na Capa


Felipe era um desses sujeitos insuportáveis que chegam em qualquer lugar e vão logo
agradando. Era um saco, bastava o bicho surgir que o ambiente virava aquela festa. Lógico que ele
não fazia por menos, adotando seu apelido como identidade primeira. No telefone, sempre
começava assim: "É o Na Capa!". A alcunha tinha duas versões. Uma era fundamentada na sua
magreza, valendo o comentário de um colega: "Pô, Felipe. Tu 'tá na capa...". Outra remontava aos
tempos de criança, quando andava de Mobilette para tudo que é canto com uma capa de Batman
amarrada ao pescoço. Verdades à parte, o patife era um patife mesmo. Lembro bem de um episódio
em que sua mãe, Verinha, estava chegando do trabalho e presenciou um assalto na esquina. Olhou
bem e reconheceu traços familiares no larápio. Vera, que era guerreira, impetuosa, decidiu intervir e
foi se aproximando, se aproximando e testemunhou aquela cena patética: Felipe, seu filho caçula,
vulgo Na Capa, então com 12 anos, apontando uma ridícula espingarda de chumbinho para uma
velhinha, fazendo uso de um palavreado ameaçador, do tipo "Aí, minha tia. Libera dois contos
senão o Na Capa te derruba". A resposta veio em forma de uma violenta bolsada, desferida pela
indignada Verinha, tonta de ódio e vergonha por causa do filho. Testemunhas afirmam que ela
levantou o vestido e correu atrás dele por toda a Vila Valqueire, escutando as gargalhadas
ensandecidas do maldito que, quando foi pego, tomou uma surra daquelas. Os irmãos, com pena do
maninho, o acalentavam, ouvindo em troca sua conversinha diabólica: "Quase deu certo. Quase..."
Hoje, já aos vinte, presenteou-nos com mais uma arte, uma dessas esculturas merecedoras de
prêmio. Foi na casa de praia de uma tia, onde um grupo enorme passava um feriadão. Só de jovens
somavam mais de oito. Foi então que, depois do almoço, o pusilânime Na Capa surgiu na sala com
aquela conversa estranha: "Aí, galera. Ninguém usa o banheiro, está interditado. Eu fiz uma coisa
muito ruim, não desce de jeito nenhum. Na Capa é mau". A encarnação da garotada foi instantânea,
porém alguns duvidaram da proeza do crápula. Este não se fez de rogado, foi até a cozinha e pediu:
"Dinda, amarra um saco plástico no meu braço". A madrinha relutou, só que não teve jeito,
preparou aquela espécie de tipóia para o pupilo, que partiu feroz rumo ao banheiro e, usando a
singular indumentária, mergulhou o braço no vaso, partindo o cocô em duas partes, juntando toda a
massaroca na mão.
Adentrou a sala exibindo aquele monstro fétido, bradando contra todos: "'Tá aqui, seus
tralhudos! Isso aqui é a essência do Na Capa! É disso que o povo gosta!". A galera parecia não
acreditar naquilo, Verinha mais uma vez não sabia onde enfiar a cara, o pai Valdir, atônito diante
daquela coisa nojenta pingando no chão da sala, com o filho Na Capa mascarado numa expressão
de vitória, o sorriso do triunfo estampado, aquela assustadora estrutura orgânica ali, aquele perfume
no ar, foi o inferno de Dante. Detalhe: a namoradinha do filhote de Lúcifer estava presente e viu o
episódio antológico e não terminou o namoro com o diabão. Ninguém entende, mas ela o beija até
hoje. Coisas do "mondo-cane".

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Dinamite na pedreira
Tenho de voltar no tempo e explicar aspectos da nossa adolescência. Sem isso, nada faz
sentido e sugere baderna de panacas. Tudo bem que era isso mesmo, mas não vem ao caso. Em
primeiro lugar, a média de idade oscilava entre 15 e 19 anos. Segundo que, como ninguém tinha
carro ou dinheiro, as coisas aconteciam sempre na área comum do condomínio. Terceiro que todos
se reuniam, sem falta, nos finais de semana, para disputar um endiabrado vôlei de rua. Pra se ter
uma idéia do nível, um dos destaques da atual da seleção brasileira de vôlei, Nalbert, era amigo do
Valquir e do Tatá (jogavam juntos no CIB), certa vez foi lá brincar e foi expurgado de lá com a
pecha de molenga e sem jeito. Lógico que ele era só um compridão de 15 anos e depois evoluiu,
tornando-se o atleta de hoje, mas ilustra bem.
A galhofa era a marca das partidas, tinham uns caras que ficavam do lado de fora só
atiçando os que jogavam, fazendo pilhéria, encarnando em tudo e todos, protagonizando cenas que
beiravam o pastelão. Tinha um negão, Romildo, que fazia uma voz esganiçada, engraçadíssima, e
que implicava sempre com um primo, Adalberto, capacitado de fantástica impulsão e péssimo
domínio dos fundamentos. Daí que quando subia à rede para cortar e, segundo o jargão esportivo,
tirava o peito da fita, ouvia-se ao fundo aquela voz maluca: “AGORA!!!! CRAVA!!!”. Então era
TUUUMMM e a bola desaparecia num tiro ridículo, fortíssimo, rumo ao nada. O jogo parava,
dezenas de garotos rindo, alguns rolando no chão. O Adalberto era religioso, educadíssimo, evitava
xingar, só abaixava a cabeça. Era aí que o primo crescia e gritava mais: “Desiste! Não dá mais!!
Pára!!!”. Era tão divertido ficar do lado de fora que, às vezes, era mais legal do que jogar.
O Tatu também jogava, era baixinho, troncudo, um verdadeiro “homem-pedra” e, claro, todo
mundo debochava dele, com aquele corpinho de “inferno”, segundo me revelou certa vez o Davi Bi.
Foi Márcio o ator de uma das mais antológicas cenas daquele voleibol, com a excepcional medalha
que ganhou do Darlan, vulgo Pluto, apelido que eu descolei. Pra quem não sabe, medalha é o nome
que se dá quando o defensor leva um bolada no peito. Daí que o Pluto, que era alto e mau pra
cachorro, sem trocadilho, e ainda por cima jogava muito bem, recebeu um levantamento preciso,
daqueles em que o atacante sobe à rede babando, qual um lobo e encontrou pela frente o
poderosíssimo bloqueio do Dudu, um baixotinho de 1,45 m. O Cláudio Caveira, já prevendo o
desfecho, saiu correndo. Ao fundo, era nítida a narrativa do Romildo: “Ááá!!! Vai matar!!!!”. Ora
bolas, quem foi o louco que decidiu pegar a cortada? Ele, sim, ele, justamente ele, Márcio Jegue, o
Tatu, o Homem-Pedra, o Bat-Márcio...
O que aconteceu depois ninguém lembra direito, pois foi tudo muito rápido, qual fogos de
artifício. Vou dizer o que vi: a bola, pivô de toda a estória, descreveu uma agudíssima diagonal
rumo ao solo, sendo interceptada pelo tórax musculosinho do bravo Tatu. A força descomunal da
pancada provocou um som surdo, parecido com o da explosão de dinamite numa pedreira. O objeto
esférico ricocheteou, ganhou altura inimaginável, passou do segundo andar do edifício e caiu no
mato, bem longe. O Tatu ficou imóvel, num universo paralelo, e só voltou ao mundo dos vivos uns
2 segundos depois, já caído à beira de um bueiro. Após 3 ou 4 minutos de ininterruptas gargalhadas,
nosso herói se levantou e a marca da bola, invertida no seu peito nu, dava pra ser lida perfeitamente,
que nem um carimbo: ASAKIM. O jogo acabou, ninguém conseguia mais se manter de pé. Toda
vez que alguém dava um saque, era um ou dois toques e uma rajada de gargalhadas, que
rapidamente se espalhava.
São essas e outras lendas que criaram o mito do Jegue. Uma vez ele bebeu urina, que ainda
conseguirei contar ou já contei, não lembro mais...

É isso aí! É guerra! Abraços dele mesmo,


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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

O versátil atleta da Invernada de Olaria.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Rali Paris-Dakar
Kléver Kolberg é o nosso representante mais experimentado na prova mais exótica e
perigosa do mundo, o intrépido Rali Paris-Dakar. A prova exige perspicácia, resistência e fôlego,
muito fôlego. Analogamente, aquele sujeito franzino podia mesmo se intutilar como uma espécie de
Kolberg do Sexo. Sim, porque, ultimamente, tinha sido um real protagonista de verdadeiros e
excitantes ralis, onde marcara presença como competidor de impressionante regularidade e, tal qual
nosso amigo Kléver, que já competiu com motos variadas, carros e caminhões, também estivera
com mulheres de diversos tipos, formas e diâmetros. No final de semana passado, segundo um
vizinho bisbilhoteiro, pode-se dizer que o herói foi estrela de um verdadeiro Camel Trophy: a avant-
première começou na sexta-feira, quando ele estava se preparando para mais um final de semana de
repouso e meditação – no estilo dele - primeiro, recebe a visita de uma amiga, que não convém
deixar o nome aqui, pois trata-se de conhecida do prédio, etc. e tal. Resultado: um legítimo show,
com direito a acrobacias, peripécias mortais, num espetáculo circense que deixou a platéia atônita,
especialmente no instante em que ela mostrou sua destreza no número com espadas. Tarefas
cumpridas à parte, foi dormir falando sozindo, alegando ser o Orlando Orfei do Sexo.
No sábado, foi um dia quieto, as tradicionais missões domésticas, ida ao supermercado, água
as plantas, telefonema para a mãe, retoque na pintura aqui, acerto no armário ali, essas coisas. De
repente, não mais que de repente – TRIMMM – o telefone, ou “tele-sexo”, como queiram. Era uma
colega, avisando que rolaria um churrasco e que sua presença era obrigação. Ora, a noite chegou e
lá partiu nosso “Cavaleiro-Negro do Prazer” rumo ao regabofe. Na simpática casinha branca, bem
na varanda, havia uma vastíssima quantidade de cerveja e vinho e, ele, qual um provador
experimentado, tomou, ou melhor, bebeu todas, logicamente. Eis que – TRIMMM – balança, treme-
se todo o hot-phone – Era ele, o lendário amigo “facilitador”, com o seguinte discurso: “Bat! Larga
tudo aí e vem pra cá... a Devoradora tá vindo e te quer...”. O tal facilitador estava num barzinho
invocado, só que havia um porém, pois naquela altura do campeonato, o mítico “Língua de Lava-
Jato” já estava quase que comprometido com uma “presa” presente no churrasco, uma ex-vizinha,
poderosíssima a bordo de um portentoso tubinho preto. Teve então a idéia: “Essa tchorra vai morrer
agora...”. Fugiu do churrasco veloz, com a desculpa de que ia comprar alguma coisa e arrastou
consigo a proprietária do voluptuoso modelito. Depois de mais de 12 tentativas de abrir o
apartamento de um amigo com a chave do carro, ele desistiu e migrou para a escada de incêndio e lá
transformando-se num Capitão-Bombeiro, inflamando uma colossal “escada magirus”, de onde a
vizinha teve o fogo apagado. Rápido como se rouba, vestiu-se e, como uma flecha do asfalto, rumou
direto para o tal barzinho, metido num tubinho preto (nessa altura ele já estava tão alcoolizado que
misturava todas as estórias). Mas o tempo foi mau e era tarde demais, todos tinham partido e,
quando achou que estava tudo perdido – TRIMMM –, o telefone. Era uma outra amiga, dizendo que
estava bem ali do lado, montada num churrasco, ops, num tubinho (nossa, virou zona!), tinha uma
amiga de São Paulo com ela e que queriam se divertir muito, em cima de um caminhão de rali
(eeeita!). E lá se foi nosso “Highlander”, guerreiro imortal, disparado para a ilha da luxúria. Entrou,
pagou, não encontrou ninguém, foi embora e, já no caminho da volta, retornando à base –
TRIMMM – era ela, dizendo que estava lá dentro lhe procurando. Deu um meio-cavalo e, pasmem,
pagou novamente a entrada e dessa vez encontrou a “femme”. Por azar, a paulistinha se atracou
com um camarada e estava aos beijos. Restou a carioca, com a qual ficou fazendo “vidinha”.
Mas, como todo rali, a aventura sempre ganha momentos dramáticos no final e não se deve
largar a atenção nem por um instante: ela informou que tinha que passar no hotel em que a amiga
estava hospedada em Copacabana. Meio a contragosto foi, já falando tudo enrolado, o carro no
piloto automático. Mas dizem que Deus protege os “Titãs da sedução” e ele chegou intacto e com
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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

força suficiente para arquitetar maldades. Subiu ao quarto, o ar ligado, tudo geladinho e, enquanto a
paulistinha tomava banho, agarrou e efetuou as atrocidades com a carioquinha, notou que a paulista
não saía do banho. Foram lá olhar e – UÁÁÁ – a doida estava deitada no chão do box, doidona,
virada no jegue, montada no cangaceiro, bebaça (é assim que se fala?). Então sugeriu, com a
parcimônia satânica de sempre: “Deixa ela na cama e toma um banho você...”. Estava feito! Mal ela
entrou no banho, foi lá e começou a bolinar a outra, que grunhia algo como: “Coé meu! Tá
querendo fazer bagunça?”. No que recebeu como resposta: “Não querida, quê isso?!? Eu gostei
mesmo de você!!!”. Entendam o quiserem, mas a verdade é que o quarto amanheceu com cheiro de
borracha queimada, tal a fricção provocada pelo pequeno Multi-Homem!!!
Segundo testemunhas, o cão só voltou pra casa por volta das 15 horas do domingo, morto,
lânguido, consumido. Fez o almoço, deitou no chão e – RONC – esse foi o barulho que o acordou.
Havia vida dentro dele, ou ausência, percebeu... Lá pras 18 horas, mais um infortúnio do acaso –
TRIMMMM – era uma amiga arretada, sugadora, que conhecia de outros tempos. Ela chegou na
casa numa daquelas calças que entortam a visão, no toco, como se diz na gíria da “rapeize”. O
nosso franzino herói, num último esforço, se transforma em Charles Bronson – Desejo de Matar
(incrível a riqueza de detalhes do vizinho bisbilhoteiro). Entra no banho e repete uma reza que já
funcionou no passado, debaixo da água fria: “Senhor, dai-me forças para prosseguir.” Sai do banho
já mais animado (leia-se ereto) e, num último arroubo de selvageria, investe pesado contra a
oponente, que ficou sem chance nenhuma de defesa. Lógico que, experimentado pelas malícias da
guerra, começou atacando pelos flancos, usando sua arma-língua como ataque inicial,
complementando com dedos, mãos e objetos puntiformes. O resto foi só golpe de misericórdia.
Terminado o serviço, colocou-a no ponto de ônibus e ela foi pra casa. Ele, então, ficou olhando pro
nada, vitorioso, como um viking, um centurião, uma lenda viva. Voltou pra casa e ouviu a sentença
do vigia do edifício, silencioso e atento: “Ééééééé...”
Moral da estória: Por que a gente, que é a cara do Christopher Reeve, não consegue se dar
tão bem quanto aquele sujeito com corpinho de “ameixa seca”. Será que ele passa a glande no
esmeril? Talvez.

Abraços dele mesmo,


Ângelo Gland, o amigo do amigo do Kléver Kolberg do Sexo.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Beque Estrite Bosta


Todo mundo sabe que esse pessoal de rádio é meio baitola, disso não resta a menor dúvida.
Mas tem casos em que o sujeito é muito, mas muito, muito enrustido. Vejam o caso do meu amigo
Pablo, o sagaz homem-fumaça, vulgo Pixadão. O cara é fanqueiro (funkeiro é pra tralhudo),
marombeiro, pedreiro, o escambau. Só que foi visto, dia desses, no aeroporto, simplesmente
esperando, estilo fanzoca, os garotões sarados do “Beque Estrite Bois”. Aí, não, né, mano velho?
Será que já não bastou aquela outra vez em que ele foi pra Floresta da Tijuca com os “aborrecentes
dos Rensãos”? Tem gente que escreve Hansons, eu vou assim mesmo... Fizeram tanta amizade que
o Pixadão foi pra dentro da mata com a garotada. Um deles era praticante de vôo livre e convidou
nosso amigo para um vôo duplo. Tenho a foto: Pablo e o camarada, o gringo montado por cima, os
dois de sungão, voando nos céus de São Conrado, com o agravante de terem permanecido mais de
40 minutos além do tempo normal no alto. Olha que, ainda por cima, desceram abraçadinhos.
Tentando se justificar, Pablo disse: “Estava muito frio”. Sei não, sinistro...
Dessa vez, o boneco-verde Pablo pegou mais leve, limitando-se aos gritinhos histéricos e
aos tremeliques frenéticos. O máximo que fez foi ciceronear um dos rapazes, um tal de Toby – todo
grupinho desses tem um tal de Toby e um chamado Grob – levando-o a um bar maneiro lá no Baixo
Gay. É, bofe, se segura...

Abraços dele mesmo,


o observador maldito das ruelas de Botafogo.

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Aparência não é tudo


É das furadas que vêm as melhores estórias e, obedecendo à máxima, o impagável Costa não
pôde escapar. Foi há alguns anos quando ele, conhecido na família e nos bares como Luisinho, ou
simplesmente Costinha, para o povão. Era um homem de vendas, trabalhara na indústria
farmacêutica e era um desses tipos pitorescos – bigodão, cigarro na boca, casaco de couro, pochete,
carro grandão, pinta de delegado, cara de mau e tudo, apesar dos cinqüenta e poucos quilos – mas
não chegava a ser cafona. Na verdade, era uma figuraça. Depois que pegava intimidade, então, nem
se fala, soltava gargalhadas incontroláveis, contava piadas, dançava em cima das mesas, era
deboche puro. “Grande Costinha!” era o coro mais comum.
Daí que o Costa, um sacana de primeira, estava numa festa e já tinha tomado umas. Sentindo
vontade de ir ao banheiro, partiu, meio virado no jegue, rumo ao reservado. No caminho, passou
perto da esposa e, imbuído do seu espírito maligno, apertou fartamente as suas nádegas, soltando
um risinho frenético, dizendo: “Pode se preparar... hoje vai ser guerra...”, para, em seguida, ouviu
um “Aáááááá!!!!” – não era a Lazir, sua esposa, era outra mulher, mais ou menos parecida de
costas. E com o marido do lado, um cabra grande pra cachorro, um verdadeiro mamute branco. –
Nosso amigo Costinha não conseguia se explicar: “Desculpe, mil desculpas, eu não sabia, eu pensei
que fosse outra...”. E o mamute: “Palhaço! Quer dizer, então, que fica beliscando as senhoras por
aí?”. E o grilo-falante de Laranjeiras: “Não! Calma! Eu posso explicar... é que ela tem a bunda da
minha esposa, não foi por mal, eu só queria dar um quebrete...” – a cada emenda, a coisa piorava, a
dona estava possessa – Costinha prosseguia: “Olha, seu Mamute, digo, senhor, se quiser, eu trago a
minha esposa pro senhor descontar”. A vítima resolver intervir: “Que horror! Ele é um pervertido!”
A salvação mesmo só veio por causa da divina e providencial aparição de Lazir, bunda-pivô
de toda a confusão. Pegou o marido pelo braço e o arrastou para longe, sem nenhuma cerimônia.
Ah, esse danado...

Moral da estória: Melhor um peitinho na mão do que dois no sutiã.

Abraços dele mesmo,


O maldito historiador do Largo das Neves.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Não é nada do que você está pensando


O flagrante é aquele instante em que o sujeito é pego em situação adversa e simplesmente
fica inábil para contornar o problema. Mal comparando, é como se o camarada estivesse sentado no
vaso sanitário e fosse atacado por um maribondo. Não há escapatória, é inevitável e não há
condição de defesa. Resta somente esperar o desfecho, que quase sempre termina prejuízo, físico ou
moral. Particularmente, lembro de ter presenciado dois flagrantes que ficaram na memória: um,
quando um casal, que eu conhecia de vista, tomava um chope, tranqüilamente, na mesa ao meu
lado. Dava para perceber, pelo assunto, que eram amantes. Sempre curioso, fiquei sabendo que a
moça era noiva de um lutador famoso, mais forte que um estivador e com a doçura de um peão de
obra. O amante era um tipo franzino, desses sujeitos com jeito malicioso, um verdadeiro artista da
sedução. Em dado momento, aconteceu o pior: o tal troglodita apareceu do nada. A moça ficou
pálida e seu minúsculo amante, ainda menor perto do armário, já fuzilando-o com os olhos, ao vê-lo
sentar na mesa, tratou de salvar a pele:
- Ai, Claudinha, mas esse teu namorado é um gato!
- O quê? – O monstro se desarmou.
- É, Alexandre, eu esqueci de te avisar – ela emendou rápido – esse é o Lalacha, meu amigo do
curso de cabeleireiro.
- Bom, eu tenho que ir embora. – o pequenino Lalacha, empolgado com o novo apelido, incorporou
de vez – Tô atrasadinho... – o sacana falou assim, no diminutivo, valorizando ainda mais a
performance. E completou em grande estilo: - Tchau, bofe! Humm, Clau, você está de parabéns,
hein! Beijo! Depois a gente se fala. – E foi embora, rebolando, enquanto a ruiva, diga-se, de
passagem, de corpo torneadíssimo, terminava a consertar a encrenca.
Coincidência ou não, o meu outro testemunho de flagrante foi com o mesmo trio. Encontrei-
os na noite, o grandão com a namorada e uns amigos, tão ou mais fortes que ele; e o baixinho, a uns
20 metros, com uma outra presa. Quando os olhares se cruzaram, estabeleceu-se logo aquele mal-
estar, com o super-homem muito desconfiado. O outro, antevendo a própria morte, foi ao encontro
da desgraça. Eu, que não perderia aquilo por nada desse mundo, tratei de me aproximar para captar
tudo:
- Lembra de mim? Sou aquele amigo da Claudinha, o Laércio, digo, Lalacha!
- Porra, você não era viado?
- Era. Me curei! Eu conheci um fuzileiro, me desiludi e decidi que nunca mais iria querer saber de
homem. Estou há dois meses só saindo com mulher. É meio estranho, mas eu ‘tô me acostumando.
- Ah, é?
- É, mas deixa eu voltar pra lá, bofe... Porque, se eu ficar muito perto de você, não sei não, pode ser
que eu dê uma recaída e a Clau-clau ficaria uma fera se eu te fizesse...
- Sai fora, seu puto!
O falso baitola saiu todo rebolativo e o mastodonte ficou rindo com os amigos, apontando e
debochando do “amiguinho da namorada”. Refleti, pensativo: “Deus não dá asa a cobra”. Por
razões óbvias.

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Mal de mais
Tem uma frase que diz: “Falem mal, mas falem de mim.” Não lembro mais, talvez seja
atribuída a Napoleão Bonaparte, aquele que perdeu a guerra de quatro. Bem, pelo menos é isso que
a gente escuta dizer por aí. Nem ligo, o que importa mesmo é que um conhecido nosso, afeito aos
prazeres noturnos, anda meio fraco para bebida. Tanto é que, depois de vinte e poucos chopes,
nosso amigo começa a enrolar a língua. Testemunhas afirmam que, umas semanas atrás, após beber
uns quatro chopes no botequim de um tio português, o cretino invadiu um bar anexo e tomou mais
uns gorós. Nada muito, só umas três doses de vodka. Disseram que ele virou um monstro e que
caminhava com a desenvoltura de um ogro. A vergonha depois foi pior, pois, dali, o cão migrou
para Realengo, para se encontrar com sua tradicional namoradinha de sexta-feira. Putz, já no
destino, cismou de empreender uma manobra arrojada para olhar uma mulherzinha a bordo de um
espetacular tubinho azul. O resultado foi uma roda totalmente amassada, enterrada no meio-fio. Ah!
Importante: a boazuda no vestidinho era a dele mesmo, ou seja, de nada adiantou tanta presepada.
Só restou o cumprimento, à risca, das suas funções matrimoniais, embora estivesse meio combalido
por causa da manguaça.
Mas nada como um dia após o outro. Vem o sábado e o anti-herói decide sair com a
namoradinha do sábado – homem que é homem tem uma namorada para cada dia da semana –
Como não bebeu, tirou onda com a dama, perdendo todo o prestígio horas depois, já que foi visto
em Itaipava, prontinho, virado no jegue, com dois copos em cada mão. Relatos emocionados
garantem que ele foi resgatado pelos amigos na beira de um penhasco, dormindo. No domingo, para
desintoxicar, fez seu tradicional passeio ciclístico, na realidade, um truque, um despiste para o golpe
final: o repeteco das ações com a namoradinha de sábado, agora promovida a “primeira-suplente”
de domingo. A coisa ia bem até que um sujeito na mesa do bar pedir cachaça com mel – “Vixe, mas
é bom demais! Manda outra!”. Tá aí o “x” do problema: a palavra “outra” é que é o grande mal. O
mal de mais. Fica a dúvida paradoxal: ele ficou assim porque é mau demais, ou porque está com o
mal de mais?

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Five or Six?
Depois do carnaval, Luiz Fernando nunca mais foi o mesmo. Aquele patético episódio do
flagrante televisivo acabou transformando o brioso rapaz numa criatura furtiva, acuada, uma espécie
de veadinho amedrontado, prestes a fugir diante da ameaça do predador malvadão. Realmente tinha
sido forte demais a emoção, os pais vendo o próprio filho na TV, todo reluzente, deslumbrante,
magnífico, um show em pleno Gala Gay. Foi bravo. O rapaz tinha fibra e tudo, lutava contra a
hipocrisia dos preconceituosos, contra as lágrimas da mãe e o desprezo do pai. Ainda assim estava
conseguindo não apenas apagar, mas construindo uma nova imagem, baseada nos princípios do
Orgulho Gay Americano. Contava sempre com sua reconhecida competência, que não era pouca.
De irremediável mesmo só ficaram aqueles faniquitos esporádicos. De vez em quando, do nada, ele
explodia numa crise sem precedentes. Aí o pessoal acalmava: "Calma, Mona! Calma...".
Tudo agora andava mais ou menos dentro de um certo controle, uma certa ordem, até a
chegada, ao Brasil, do grupo musical inglês FIVE, composto por um grupo desse "aborrecentes"
imbecis, metidos a galãs juvenis, dançando, cantando e fazendo coreografias idiotas. Nada mais são
do que mera repetição de outros grupelhos similares, estilinho Menudo, New Kids On The Block,
entre outros, todos iguais, onde os integrantes sempre se chamam Roy, Ruy, Rey, Nick, Jordan,
Pablo Christhian, ou qualquer coisa ridícula assim. Os grupos acabavam sempre pelo mesmo
motivo: os seus componentes cresciam e tinham de ser substituídos, perdendo assim a identidade.
Foi nessa época que Tommy Mottola (também chamado de Boyola), na época empresário dos
Menudinhos, teve a grande sacada: contratou Nélson Ned e resolveu de vez o problema, uma vez
que o mega-mini-superstar não crescia mais. Boyola ficou rico, chegou à presidência da Sony
Music e gastou uma fortuna com o Pitanguy transformando um dos garotos numa espetacular
morena, casando-se com a danada, já com o novo nome de Mariah Carey. Os bambis porto-
riquenhos acabaram ficando órfãos do tio Tommy e contrataram um técnico de futebol
desempregado, Cilinho, que os levou para o time do São Paulo e transformou-os nos "Menudos do
Cilinho", rebatizando seus nomes para Careca, Müller, Silas e Pita. Um deles, Ricky Martin,
desertou da nau tricolor e decidiu seguir carreira-solo, peregrinando por vários lugares, com uma
passagem marcante pela Funabem, onde se consagrou como a alegria da rapaziada...
Mas vamos voltar ao assunto inicial porque o chope está esquentando: o caso é que o Luiz
Fernando ficou "doida" com os molecotes britânicos e fez absoluta questão de ciceroneá-los no
Brasil, tratando de todos os pormenores, alimentação, hospedagem, entrevistas, visitas, turismo,
tudo, estilo "bicha-mãe". O único senão, que deixou o pessoal da produção meio ressabiada foi o
fato do pessoal do FIVE, mais o nosso amigo, ficar trancadinho no hotel, sem sair pra nada, as
janelas fechadas, cortinas idem, visibilidade nenhuma, com um agravante: só foram reservadas duas
suítes para os seis, sendo uma cama de casal e uma de solteiro para cada quarto. Isso para não falar
dos gritinhos e das risadinhas histéricas que se vinham lá de dentro. Afff! Como diz o meu amigo
Januário de Oliveira: "Sinistro... Muito sinistro!".

É isso aí, é guerra Pai Nêgo!

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Negando a peristaltia
Alguns assuntos são nocivos. Pior ainda é que conseguem provocar, em alguns idiotas,
gargalhadas intermináveis. Mais grave é que chegam, inclusive, a virar manifestação cultural. O
arroto é um exemplo clássico. Alguns povos consideram o estrondo de um arroto poderoso como
uma amostra de satisfação. Aqui na terrinha, é certeza de pilhéria e mau gosto. O pai do Filipe, por
exemplo, descobriu, depois de “burro-velho”, palavras do próprio filho, que sabe arrotar –
BRÁÁÁ!!!! É cada trovão que vou te contar. – A Irene odeia, todo mundo odeia, e a gente cai na
gargalhada. A gente, nesse caso, é representada pelos bobalhões, que somos nós mesmos. É aí é um
BRÁÁÁ atrás do outro. Sábado teve concurso, ele ganhou mais uma. Está imbatível o Leôncio...
Nojento mesmo é o tal do “pum”, que tem um outro nome que é uma podridão (não escrevo o
nome, senão meu pai não lê). Argh, que assunto! “Olha, vamos parando!”, grita de lá a chefona
Cely. E prossegue no protesto: “Droga! A gente cria os filhos pra isso...”. A indignada mulher mal
sabe que liberou a senha, ou melhor, o código para o inferno. Sim, o inferno, porque o capeta do
Erecê parece que acorda e desanda a explodir. Torna-se o homem-bomba. E tome FROF! VRUH!
AFONSO! – “Afonso?”, pergunta o Gargalo, também um expert na questão. Há, sobre ele, uma
lenda que o rapaz, após ficar curado de um problema crônico de flatulência, entrou em processo
agudo de depressão, só melhorando após a intervenção providencial do canalha-mor Beto
Bombeiro, que mandou suspender imediatamente o Silidron, levando depois o jovem pupilo a um
espetacular angu à baiana em Imbariê. Lembro com se fosse hoje do Gargalo, radiante, muito
empolgado, soltando fogo pelas entranhas e, depois de um acesso de 16 segundos, bradava: “Eu tô
voando! Eu tô voando!”
Beto Bombeiro é fogo, ou melhor, é combatente do fogo. É dele a cena antológica do diálogo
“butânico” (de gás butano). Foi num churrasco em Cabo Frio, a casa do Peck cheia, o talentoso
Rogerinho Clapton absoluto na grelha, quase um gaúcho, quando, de repente, não mais que de
repente, Beto Bombeiro começa a falar sozinho, olhando pro próprio corpo: “Não! Não! Pára!” E
continuava: “Pô, que isso? Na frente de todo mundo?” A namorada dele olhando perplexa, aliás,
todos. Ele prosseguia com aquele enigma do outro mundo: “Por favor, vamos conversar. Fica mais
um pouco.” E o povo olhando. Ele suplicava: “Não, não, não! Nããão!!!” – VAFROOOMP!!! –
Chega! Pensem o que quiserem.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Batom na cueca
O Wilson, antes de ficar bobo e casar, era desse tipo mulherengo e patifão, ávido por
aventuras com mocinhas tímidas. Havia uma que trabalhava num consultório medico, cujo doutor
só chegava depois do almoço. Sabedor de que ela ficava sozinha atendendo aos telefonemas na
parte da manhã, o inveterado canalha efetuava uma incursões esporádicas no consultório e, qual um
leão faminto, devorava sua gazelinha de todas as maneiras possíveis, ora sobre a mesa, ora na
própria cadeira giratória do medico, rodando é claro, ou sobre o carpete felpudo.
Até que, um dia, estavam os dois no habitual duelo quando ouviram o barulho da chave na
porta – Meu Deus! É o doutor! – Wilson enfiou uma perna na calça, pegou a camisa pela mão, os
sapatos, o cinto, e se escondeu no banheiro. Achou uma revista, sentou no trono, danou a folhear
um livro e ficou na escuta:
- Dona Flávia, que cheiro é esse?
- Cheiro?
- É! O que está havendo aqui?
- Hã? Nada! Só quem ligou foi dona Judite, avisando que só vai chegar às cinco.
- Sei, entendo.
- E também ligou o pessoal do convênio, para informar que já depositaram o dinheiro.
- Sei. Dona Flávia, faz o seguinte: vai lá na loteria pagar essas contas para mim.
- Mas...
- Agora!
A moça foi, fez-se um certo silencio até que o médico se aproximou do banheiro e tentou
abrir. O ranger da porta evidenciou o resto:
- Sabia que tinha homem na parada.
- Calma, amigo. Não é nada do que você está pensando – Nem conseguiu falar mais. O médico
fechou a porta e trancou por fora. A menina, por sua vez, voltou e o médico a encheu de tarefas, não
permitindo um minuto sequer de descanso. E o tempo passando. O Wilson trancado no banheiro...
Chegou a hora da menina ir embora e nenhuma solução à vista. Ainda trancado, Wilson,
indefeso, sem saber o que fazer, já tinha lido todas as revistas disponíveis, estava com fome e
estressado. O médico tornou a se comunicar:
- Agora, morre aí, seu bosta! – E foi embora, obrigando a funcionária a ir junto.
- Eu quero a sua cópia da chave, Dona Flávia. A senhorita está demitida.
- Mas... – começando a chorar, entendeu tudo e entregou o chaveiro.
- Não tem conversa! Amanhã, não quero vê-la mais aqui.
Está bem. – E foi embora, chorando e soluçando. O Wilson no banheiro... Só conseguiu sair lá pelas
oito da noite, quando a amante retornou ao consultório. Sorte dele: desconfiada, a moça aproveitou
a descida para pagar as contas e tirou outra cópia da chave, prevendo o desfecho maquiavélico do
doutor. Coisas da vida. Lições que ficam...

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Parodiando Nélson Rodrigues


O cínico do Gargalo podia esperar tudo, menos aquele flagrante. Tudo bem que ele
facilitava demais, chegava de manhã em casa, dava as desculpas mais esfarrapadas, ridículas
mesmo, daquelas que qualquer um dobra de rir só de imaginar. Só que o crápula era possuidor de
uma autoconfiança tal que julgava convincentes suas balelas. O irmão dele dizia que, no final das
contas, ele mentia tanto que acabava acreditando na própria farsa. A esposa não engolia um
centímetro, brigava o tempo todo, mas, coitada, tinha muitos indícios e nenhuma prova. Isso até
surgir a interferência da avó da vítima, vacinadíssima, nitroglicerina pura, doida por um “quid pro
quo” (bem, ela gostava mesmo era de um bom quiprocó). A anciã maquiavélica sugeriu a
contratação de um “faro fino”, apelido dado aos detetives particulares (pro pessoal leigo se inteirar).
Não deu outra, a sexta-feira veio e, automaticamente, trouxe agarrada mais uma incrível mentira do
biltre peçonhento, desta vez o evento seria um chopinho com o pessoal do trabalho, só que ela não
poderia acompanhá-lo e, mais que isso, a reunião só terminaria lá pras cinco da manhã, porque os
assuntos eram longos e envolviam muita discussão.
Dito e feito, a estória termina assim, com mais uma traição, ganhando um contorno todo
especial pelo desfecho sensacional, envolvente, uma verdadeira armadilha, engendrada segundo um
script intrincado, numa trama de suspense que remete ao melhor estilo “roliudiano”. Vamos aos
fatos: o detetive entra no motel com a esposa trêmula, qual um casal normal. Ela vasculha todas as
garagens até encontrar o carro. Ao achar, tem o primeiro acesso de fúria, arromba o automóvel e
furta o toca-fitas, para dar um prejuizinho no vaidoso e pedante marido. Percebe-se agora forte,
segura de si, vingativa, calculista, vil, impiedosa, a mais perfeita guerrilheira. Sobe a escada, fica
encostadinha junto à porta, atenta, ouvindo aqueles sons ininteligíveis que vinha lá de dentro –
Ininteligíveis uma ova! Eram gemidos, gritos, latidos, trinados, barulho de metais rangendo, uma
orgia sinfônica pra lá de esquisita. – Daí que distinguia claramente a voz dele, falando as mesmas
besteiras que dizia ao seu ouvido, quando desfrutavam da intimidade um do outro. Sabia o que ia
acontecer depois, ele aumentaria o tom de voz, a cama começaria a sacudir, ele passaria a berrar, a
rugir que nem um leão até que... - “MAAAAAAARCOS!!!!!!” – Ela não resistiu àquela tortura e
deu o maior grito que pôde. “In the other side” (esses termos em inglês valorizam que é uma
beleza...), o anti-herói aproximou-se, abriu a porta e exclamou: “Amor!?!”. Recebeu um safanão
fantástico como resposta, a miudinha tinha se tornado numa fera descomunal, adentrando o quarto
como um dragão ensandecido, se deparando com uma visão que a deixou imóvel, estarrecida: o
quarto todo apagado, a cama cercada por dezenas de velas acesas, um aparelho de som portátil
tocando uma estranha música oriental e a amante, vestida com um quepe, uma calcinha preta de
couro, um distintivo pregado no sutiã e munida com um chicote numa das mãos e uma filmadora na
outra. Ele, ainda tentando manter a pose, apesar da fantasia de Flash Gordon, amenizava: “Calma
benzinho, eu posso explicar”.A esposa, bafejando fogo, partiu dali e só foi localizada novamente
meses depois, perante o juiz, na audiência da separação.
O detalhe marcante vem agora: uma semana antes, o protagonista promoveu uma reunião
em casa, convocando os pais dela e dele, e fez inúmeras reivindicações, queixando-se a balde, com
uma máscara de moralidade que emocionaria até uma pedra. A moça, que de vítima passou a vilã,
foi repreendida por agir de maneira obsessiva, abafando e tomando a liberdade de ação do pobre
rapaz. Esse conjunto de atitudes valeu inclusive uma condecoração da Irmandade do Javali
Rasgador, mas ele, simplório, acha que ainda pode fazer melhor.
Hoje, nosso cão bravio vive com a amante, faz as mesmas coisas de outrora, dá as mesmas
desculpas, engana até os próprios pais e se acha, no fundo, um perseguido. Teve uma festa numa

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

buate em que o danado subiu ao palco, pegou um microfone e fez juras de amor eterno à mocinha,
só pra conquistar a família da dita cuja. Um perfeito artista.
Moral da estória: todo homem é canalha! Depois me perguntam por que digo “é guerra...”

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

REFLEXÕES, CHOPES, MANDA OUTRO!

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Bandeira Branca, amor


Dizem que, no Rio de Janeiro, o ano só começa depois do carnaval. Espero que não, porque,
se for assim, para mim, começou tudo errado. Logo na quarta-feira de cinzas toca o telefone e vem
um camarada me passando uma espinafrada telefônica. Eu até que não tinha muito com o caso, mas
acabei servindo como ouvidor, num clássico exemplo de “tem culpa eu”. No dia seguinte, já de
barba feita, ânimo renovado, vigor refeito após o transe festeiro, estou calmamente lendo o meu
livrinho no metrô – Mar sem fim, do sagaz Amyr Klink – quando me chega uma senhora gorda com
o seu filhinho, um meninote de uns quatro ou cinco anos. Eu, na minha gentileza e humor sem fim,
levantei e cedi o assento para a rotunda passageira, ficando de pé bem ao seu lado. Vai daí que,
quando eu percebo, o meu pé estava gelando e vinha, lá de baixo, um som esquisito: plé, plé, plé,
plé – era o garotinho vomitando paçoca no meu pé – isso às oito da manhã! E eu de paletó, gravata
e sapato novo! Eis, então, que saltei do trem, saí caminhando com aquele jeito estranho, com o pé
todo coalhado, até o primeiro botequim que avistei na Presidente Vargas. Tirei o sapato, sujei a
mão, lavei o bendito, olhei o estado do pé, reclamei contra os deuses e tratei de dar um brilho no
calçado, aproveitando um guardanapo de papel que estava perto. Até que o processo de limpeza não
foi tão traumático, diria até que fui bastante safo na resolução do problema, tirando o detalhe dos
sapatos brilhando novamente, só que um preto e o outro, meio amarronzado, por causa do creme
orgânico do meu algoz metroviário. Coisas da vida.
Aliás, meu estilo pós-carnaval está um verdadeiro fracasso. Lá pelos meados de janeiro,
mais ou menos, decidi parar de beber – ou reduzir consideravelmente o consumo – Ora, até aí,
problema meu, ficou até bacana, eu, com o meu estilo quase arrogante, bebendo água mineral ou
refrigerante. Economicamente, foi um sucesso. Mas, não é que o povo protestou forte, alegando que
eu me tornei sem graça, agressivo, indiferente, presunçoso, desses bestalhões que têm aquela
superioridade típica, que comentam, superiores: “Coitados...”. Não é bem assim, continuo o mesmo,
tenho bebido somente nos finais de semana ou em festinhas. Isso quando estou a fim. Para minha
sorte, nessa época, o que não falta é evento, e, como sou popular, vou a todos. Do contrário, já teria
virado monge. Tudo bem, já não sou o mesmo de antes, não tenho mais aquela volúpia etílica, mas
e daí? Não estou aqui para dar mau exemplo – Gostou dessa, primo Robson?
Bem, de bom mesmo no carnaval foi o movimento galináceo de libertação das cinqüentonas.
Nunca vi tanto fogo. Uma prima minha, na casa dos quarenta e oito, tentou explicar: “Elas ficaram
viúvas ou seus maridos não querem mais sair. E elas ainda têm muito para dar, ou querem dar
muito, tanto faz. Querem aproveitar e tirar a diferença dos anos passados, os anos de
comportamento cândido e tolhimento familiar.” Deve ser isso mesmo, porque nem mesmo os
agarrões da macharada imbecil nas adolescentes em Cabo Frio podem ser comparados ao frisson
que tomou conta dessas senhoras, outrora respeitáveis, nos blocos da cidade. A mulherada dos
bailes de dança de salão ataca na surdina, em meio ao cortejo momesco, capturando “garotelhos” na
faixa dos quarenta e tal, querendo basicamente apetite, sexo, discrição e carinho, não
necessariamente nessa ordem. Particularmente, tenho a minha opinião: “Bandeira Branca, amor.
Não posso mais...”

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Rio que mora no mar


Ando reparando seriamente no exuberante verão carioca e suas ofertas pro cidadão. Notei
que a “wonderful city” está, de fato, transbordando alegria e tem festa quase todo dia. Mas só num
setor da cidade. Os heróis da rapinagem dividiram a cidade em partes: o Rio Centro-Zona Sul, o Rio
Zona Norte-Subúrbio, o Rio Zona Oeste e o Rio Barra, este último atacando na antiga linha
japonesa de copiar e aprimorar, e perdendo, por isso mesmo, a espotaneidade. No final das contas,
deveria se chamar Barra All Cover. Tudo que se vê na Barra, sem exagero, é cópia de alguma coisa
já vista e retratada no Brasil ou no exterior. É impressionante. Não sei como ainda não montaram
uma escola de samba na Barra da Tijuca. Mas isso é outra estória. Quem sou eu, que moro num
bairro inferior, pra tacar pedra na bela região?
Curioso é que as badalações do super-verão carioca só vem acontecendo para alguns – “Os
suburbanos que se danem!” deve dizer o prefeito. Na ótima Lagoa Rodrigo de Freitas, onde
montaram um baita palco, decidiram preparar apresentações gratuitas para o contribuinte. Perfeito!
Democrático? Mais ou menos... Sim, porque tente ir lá e ouvir algo diferente de bossa nova, que o
gringo adora. Não vai ouvir nunquinha. Durante todo o mês de janeiro, toda sexta e domingo, só
show de bossa nova... aff... Cadê o jazz? O chorinho? Onde deixaram o groove carioca, tão bem
representado por gente do naipe de Jorge Ben e pela trupe do Farofa Carioca? Será que a turma do
soul, a saber Cassiano, Fábio Fonseca, Cláudio Zoli, perdeu o valor? Revelações recentes como Cris
Braun, Lenine, Paulinho Moska e Wilson Sideral foram simplesmente ejetados em nome dos
“bossanovistas”, que se acham mais brejeiros e cariocas que todo mundo, só que moram quase
todos nos EUA ou na Europa. Isso pra citar os medalhões do porte de Djavan, Alceu Valença, Gil e
Chico, este em lua de mel com a vida. Os organizadores ignoraram a Diva Leny Andrade, que canta
bossa-nova melhor do que ninguém, recebe tapete vermelho onde passa e é pule de dez no mundo
inteiro, menos no Brasil. Depois dessa, não precisa falar mais nada. Nivelou por baixo, como diz ela
mesma.
No subúrbio? Humpf! O subúrbio se faz por si só, vai se virando, sem muita ordem, sem
projetos faraônicos, vai atacando de leve com suas lonas culturais, que apesar de patrocinadas pela
mesma prefeitura que faz shows grátis na abastada Zona Sul, cobra ingressos para suas atrações.
Mesmo assim tem coisa muito boa. Outro dia rolou o ótimo e esquecido Pepeu Gomes na Lona
Cultural de Vista Alegre, que, pouca gente sabe, é um dos maiores músicos do mundo, na categoria
cordas percutidas, fazendo seu som genuinamente brasileiro. Quando canta piora bastante... O
público ficou tonto, pasmo, hipnotizado pelo virtuoso instrumentista, que parecia estar endiabrado.
Na realidade ele é e ponto final.
No bairro de São Cristóvão, que consegue a proeza de ser lusitano e nordestino ao mesmo
tempo, ocorre uma das maiores feiras nordestinas do Brasil, com o detalhe de ficar fora do
Nordeste. Na cidade vizinha Duque de Caxias tem outra. Experimentem dar uma chegada até lá.
Sentir-se-ão turistas.
Aqui na sem-graça Tijuca a dica é mesmo subir o Alto da Boa Vista e apreciar a maior
floresta urbana do planeta, quase totalmente replantada, já que foi dizimada pela lavoura cafeeira,
no século passado. Uma ordem de Dom João VI restaurou o lugar, que foi promovida a Reserva da
Biosfera desde 1991. O turista não compreende como ainda se encontra água própria para consumo
humano num manancial usado há mais de 50 anos, sem perda das características originais do local.
Isso é raríssimo e um orgulho pro carioca. Detalhe: toda a floresta é sinalizada, tem ciclovias,
restaurantes e custa nada, isso mesmo nada! Imperdível! E não tem festival de bossa-nova.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Contradições paradoxais
Simplesmente inexplicável! Só pode ser isso. Certas situações não fazem o menor sentido e
não há santo que possa justificar. Por exemplo: por que todo Severino é Bill? E por que algumas
pessoas registram os nomes dos seus filhos de um modo, para depois insistirem em chamar por um
apelido? Ora, então por que não registra logo com a bendita alcunha? Se gostam de Cadu, para que
Carlos Eduardo? Agora, está aí o mundo cheio de Tecas, Fredis, Xandes, Gabis, Léos e Patis...
outro dia, vi uma mocinha cuja cadela se chamava Malu – “Malu, de Maria Lúcia, viu!” – Eu,
depois da observação, só pude retrucar na mesma moeda: “Pode até ser Malu, mas solta pelo e faz
cocô que nem cachorro. Ó aí ó, tá fazendo!”
Tem umas coisas que também são mais completo mistério. No ramo da música, isso é batata. Sim,
vejamos: por que o público de heavy-metal é que inteiramente formado por homens? E por que o
público de axé-bunda-music é quase todo feminino? Por que os metaleiros adoram parecer porcos
lamacentos, esfarrapados e rasgados, mas só querem namoradinhas arrumadas? E por que todos os
símbolo sexuais da música baiana têm cara de sujos e de que não tomam banho? E, se preconceito
social não existe no Brasil, por que todo negro que faz sucesso só anda com mulher branca,
preferencialmente de cabelo pintado?
Quem puder explicar, favor se apresentar, garantindo, inclusive, a pole-position na corrida para
decifrar outros enigmas do mundo, como os manuscritos perdidos do Mar Morto e as inscrições nos
bonecos gigantes da Ilha de Páscoa.

Abraços dele mesmo,


Ângelo Acauã, o arqueólogo maldito da Rua Mem de Sá.

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

A Bola da Vez
Puseram o garoto na berlinda. Desde o primeiro dia, há alguns anos atrás. Foi a mesma coisa
que rolou no Flamengo quando Zico foi brindar os italianos com seu futebol insinuante; toda vez
que o time entrava em campo, um garoto era transformado no mais novo fenômeno rubro-negro,
carregando nas costas um número 10 do peso de uma bigorna. Até hoje ninguém encontrou
sucessor. No velho esporte bretão a máxima “ninguém é insubstituível” não tem valor. E certamente
na Fórmula 1 também não. Querem que o educado Rubens, o Barrichello, vire do nada uma espécie
de Nigel Mansell, com aquela fúria avassaladora; ou mostre uma técnica tão perfeita que pode levá-
lo ao Olimpo e daí colecione títulos sucessivos. Tende mais para um Damon Hill da vida, com
aquela prudência e fleugma. Certamente que isso não o desmerece, tampouco transforma seu
companheiro Schummacher, um piloto mais que regular, numa fera cruel e egoísta.
É sabido que a chamada igualdade de condições numa mesma equipe só foi vista nos
últimos tempos com Senna e Prost naquela McLaren excepcional da década passada. As condições
atuais infelizmente não são as mesmas, poucas escuderias realmente incomodam, o fator econômico
vem diferenciando muito. Há 15 ou 20 anos atrás, 5 equipes alternavam-se no topo, em duelos
memoráveis, arrebanhando uma legião de adeptos e uma popularidade jamais alcançada. Foi o
tempo de lendas como Rosberg, Piquet, Jones, Lauda, Prost, Reutemann, entre outros. Ô saudade...
De qualquer maneira, continuaremos torcendo pelo nosso simpático rapazinho da equipe
vermelha, fazendo figuinha para que, pelo menos, ele pare com aquela sambadinha (?) cafoníssima.

Abraços dele mesmo,


o Fantástico Piloto de Fusquinha da Penha Circular.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Desenterrando a ira
Certos assuntos definitivamente não devem ser fomentados em determinados locais. Pois foi
o que aconteceu, fui eu, como sempre, tentando desviar a carga emocional, que peguei meu pai e
puxei assunto, em pleno enterro de seu compadre: “Terminei de ler aquele, tem outro livro lá? Eu
separei alguns quando você estava viajando, mas sei que existem outros mais interessantes...”. Eu e
ele sempre trocamos livros e impressões. Falei de “O Capital”, de Karl Marx, chatíssimo, mas que
ele possui e que tenho que ler de qualquer maneira. Começou ali. Falei que havia um livro que
estava censurado, proibido e que eu precisava ler, porque a pior coisa que tem é o sujeito discutir
uma questão sem ter nenhum conhecimento decente a respeito. Daí que o pai não tem “Mein
Kampf”, de Adolf Hitler, mas me indicou uma coleção completa, denominada “Ascensão e Queda
do Terceiro Reich”, que vou ler com calma e somar ao meu legado ainda curto de conhecimento
histórico. Não se trata anti-semitismo ou coisa parecida, mas sim uma tentativa de descobrir as
origens do ódio direcionado contra esse povo.
O Zuenir Ventura, autor do ótimo livro “1968, o ano que não terminou”, foi citado na
conversa, por conta de um email que recebeu de um menino de 13 anos, que exige “merecido
respeito” pelo fato de ser nazista, se é que ele sabe o que é isso ou tem vaga idéia da origem da
xenofobia, como assim pregam os “neonazistas”, corrente política que mais cresce no planeta
atualmente. Para o jovenzinho da carta vai o recado: os “skinheads neonazistas” nada mais são do
que bobalhões desajustados, sem ideal, a escória, canalisam sua mediocridade na violência covarde.
Nós, terceiro-mundistas, somos tão ignóbeis que chegamos ao ridículo de imitar posturas que não se
aplicam aqui. Em 1993 vi, pela primeira vez, “skinheads” caminhando em Curitiba, ceteza de
confusão. No Rio, ações de pseudolutadores (na verdade não tem a honradez nem a postura de
atletas, são cânceres) mostram o ódio gratuito pelo aparentemente mais fraco. Em São Paulo não é
diferente. Não obstante, é fato consumado que existe um sentimento surdo, lento, perigoso, de raiva.
Ira despertada contra o feio, o miserável, o estranho, o isento de perspectiva. Há um problema
social, cujas raízes estão arraigadas firmemente.
Mas fiquem tranqüilos os judeus, dessa vez não serão eles os grandes perdedores. Só se
algum débil mental cismar de usar agenda velha. Ora, na época da Segunda Guerra, a comunidade
rabínica sofria ataques em todos os países da Europa. Não adianta transformar os alemães em
demônios e os aliados em anjinhos. Isso é balela. Na Inglaterra, na década de 30, os ataques contra
judeus eram idênticos aos existentes na Alemanha ou em toda a Europa. Na verdade, a
extraordinária capacidade econômica dos seus pares é diretamente proporcional à tradição guerreira
conquistadora dos judeus. Não são adeptos de batalhas sangrentas. Nunca formaram grandes
exércitos. Suas conquistas foram todas no estilo atual, onde o poder econômico ergue seus
tentáculos silenciosamente e domina se deixar notar. Hoje detêm o maior país do mundo e lá
elegem o presidente. Os 100 anos em que o mundo mais avançou, fez despontar uma nação, onde os
sionistas articulam com precisão, apesar de o preconceito religioso. Admiráveis são.
Voltando à Alemanha, é sabido que, naquela época, 80% dos universitários eram judeus.
Entretanto, correspondiam a somente 20% da população. Havia um descontentamento geral. Hitler,
que era Austríaco, filho bastardo de um judeu, não reconhecido, percebendo que era um bom filão
para explorar e pegou carona no discurso e, usando a bandeira do nacionalismo exacerbado,
transformou o povo judeu no bode expiatório da política da reconstrução e expansão germânica. Fez
política, nem mais limpa nem mais suja do que todas as outras que vemos por aí. O cubano Fidel
Castro, por exemplo, que hoje posa de esquerdista, era de direita e mudou de lado conforme
“conveniências”. E a Igreja Católica, tão boazinha, do Papa que beija o chão, exterminou,
comparativamente, de modo mais cruel e impiedoso que os nazistas na época da Inquisição. Tudo
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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

com a chancela de Jesus Cristo. Falando em Jesus, soube que agora “ensino religioso” é obrigatório
em todas as escolas. Deveriam colocar a nomenclatura correta. “Ensino cristão”. O mesmo se aplica
em Teologia. Poucos são os teólogos que conhecem mais de duas religiões e, normalmente, são
parciais, tendendo pra uma delas. Não são fáceis os católicos, pressionam governos, destroem se
necessário e ainda fazem rosto de purinhos.

É isso aí! Abraços dele mesmo,


o cansativo historiador da Tijuca.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Enfim, impressionando
Papo vai, papo vem, e sempre se descobre algo novo. O diacho é que faz tempo que não
percebo nada novo. Bom, mais ou menos, porque meu amigo Gargalo (grande sacana) notou uma
verborragia que aflora na juventude culta (sic) e não tive como discordar. E olha que discordar é
comigo mesmo.
O caso, que eu já tinha ouvido falar, mas nunca associei, é que as pessoas, especialmente as
mulheres, tem a mania de desenvolver certos modos padronizados de falar. Por exemplo, o
insuportável sotaque nos “esses” que a turma metida a chique gosta de fazer. Putz, tô até com medo
de flagrar minha irmã soltando um “pessoasssççççssss”. A galera não chega a carregar no erre
porque aí já vira coisa de caipira, mas no esse é tranqüilo, lembra o Sul-Maravilha, indicação
garantida de primeiro-mundismo. Humm... Aí tá certo...
Blargh! Carioca que se preza fala “cariocaixxxxs”, “txchio”, “pessoaxxxxs”, e jamais, isso,
jamais, nunca, nem pensar, sem chance, nunca, never, nunca ousará pronunciar “ô loco”, que aí
chega a ser um abuso, desrespeito, verdadeira blasfêmia perante os dogmas praianos. É guerra!
Pior não é isso, o podre foi que o Gargalo, sempre ele, captou um “carioquês” meio
medíocre, provavelmente causado pela pobreza do vocabulário, que certamente não alcança mais
que 800 palavras, o que não chega a ser tão grave perto do baiano, que usa umas 15, todas repletas
de vogais, estilo “ehôu”, “aitá”, “sinfô”, que não significam absolutamente nada, talvez um
grunhido que lembre preguiça. Não creio, os baianos não são disso... Mas voltando ao pacto da
mediocridade, já citado pelo nosso amigo Darcy Ribeiro, tá rolando uma mania de dizer “enfim”.
Toda mulher agora fala “enfim”. Se for loura pintada então, aí é batata. É “enfim” pra lá, “enfim”
pra cá, “enfim” que não acaba mais. O curioso é que elas não chegam a conclusão nenhuma.
Comentei o assunto com a cúpula da “Irmandade do Javali Rasgador” e, após intermináveis
discussões (ou chopes, não lembro mais, porque chapamos), ENFIM, concluímos que não é “enfim”
que elas dizem, é “ENFIA”. Só que como elas fazem charminho e usam o sotaquinho carioca,
acaba saindo “enfiann”, razão de toda a confusão. Ah, essas mulheres mais baratas, que agora
descobriram que podem virar produto, serem trocadas por moeda, são realmente esquisitas. Fazer o
quê? Desprezá-las? Nem pensar! Moro num país capitalista, sociedade de consumo, pram, coisa e
tal, então não ficarei fazendo tipinho. Enfim (tá vendo, nem dói), enquanto não aparece uma
verdadeira mulher, a gente vai se virando com as bandi, err, digo, as representantes da parcela
canina da sociedade.

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Lúmini!
Tive a espetacular oportunidade de assistir a, talvez, o mais belo espetáculo que meus olhos
puderam presenciar. Quem já viu as apresentações da Lúmini Companhia de Dança sabe do que
estou falando. Um espetáculo inteiro realizado na escuridão. Só os reflexos são vistos e os
bailarinos deslizam no palco, livres da vaidade e do individualismo. Confesso que fiquei em êxtase
total, diante daquela catarse coletiva que aqueles seres fantásticos provocaram, realizando na minha
frente imagens só antes presenciadas em sonhos ou simulações gráficas. Parecia um videoclip do
Kraftwerk ou do Peter Gabriel. Viajei na impecável trilha sonora (um delírio para a alma), na
coreografia matematicamente bolada (os carinhas que trabalham com pensamento neuro-lingüístico
deveriam assistir). Literalmente flutuei e pude testemunhar a doce hipnose imposta à platéia atônita,
diante do incrível, qual um ser no nirvana.
Eu, que me considero cético, frio, calculista, vi-me em lágrimas num simples segundo, ao
ser surpreendido com o surgimento de gaivotas, num vôo livre, feliz, a poucos metros diante de
mim. Levei minha mãe e presenciei sua fisionomia transformada, o sorriso de uma criança de 7
anos estava na sua face. Havia outras crianças no lugar, de todas as idades. E foi algo especial ver
os sustos, os suspiros e a surpresa diante dos desenhos amorfos singrando a visão siderada pela
satisfação perante o belo.
Curioso o mundo, o mesmo homem que destrói é capaz de cenas impagáveis como as que
pude participar. Sim, porque o show foi total, não se limitou ao palco somente. O público em transe,
a presença de crianças e adolescente carentes (sim, através da ação de entidades de assistência
social, o espetáculo é visto por todos), o apoio da direção do teatro, o incentivo da rádio (minha
preferida), tudo foi perfeito. Jamais esquecerei aquelas imagens. Foi o máximo!

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Foi o Costeau quem começou


Sem dúvida que o notável francês foi inspirador de muita gente. Suas viagens por todo o
planeta, as aventuras submarinas e os fantásticos documentários são relamente de encher os olhos.
Família Schürmann e Amyr Klink que o digam. Quem não ficou vaidoso ao assistir Jacques
Costeau na Amazônia, brincando com o Boto Rosa? Lembro que a repercussão do episódio valeu
um leque amplo de gordinhos apelidados de Boto. Meu camarada Cláudio Coutada é chamado de
Boto Cor-de-Rosa até hoje. Bonito isso, só que o ser humano é muito doido, deturpa tudo e sai
criando os modismos mais loucos logo que tomam ciência de certos fatos. Um exemplo disso está
na longínqua China, onde milhares de crianças cismaram de criar, pasmem, baratas. Isso mesmo,
baratas. Colocam em vidrinhos e passam o dia a observar, provavelmente por causa do agradável
aspecto do bicho. Quem tem entre 30 e 40 anos talvez recorde de um pacotinho que era vendido em
bancas de jornal. O garoto abria, jogava o conteúdo na água e – ZLINC – em duas semanas nasciam
milhares de micro-macaquinhos aquáticos, “mini-gremlins” vindos sabe-se lá de onde. Na verdade,
eram artêmias salinas. Meu irmão, otário, também comprou, colocando tudo num aquário que a
gente tinha. Putz, ficou um fedor da bexiga. Eu, mais novo e idiota, ainda fiquei monitorando o
aquário por mais um mês...
Pior é a estória do Betta – para quem não sabe, o Betta Splendens é um peixinho de água
doce, conhecido por sua agressividade. Basta que um outro macho surja no seu campo visual que o
danado abre suas guelras, desfralda suas vistosas barbatanas, mais a cauda colorida, proporcionando
um raro espetáculo. Pois é, sendo carnívoro, cismaram de enfiar o pobre peixe nas caixas d’água
residenciais, a fim de que nosso herói se alimente das larvas de mosquitos, evitando, assim, a
transmissão de doenças. Tem dado certo, o único senão é que andam reclamando que, volta e meia,
encontram um peixe dentro da garrafa de água.
Particularmente, ainda sou muito ignorante nesses assuntos da fauna, sequer sei no que as
baratas se transformam no inverno. Sim, porque elas somem. E também gostaria de tirar uma
dúvida que atormenta desde que me entendo por gente: afinal, qual a diferença entre burro, jumento,
mula e jegue? Fora o asno... Já tentei de tudo e só cheguei à conclusão de que jegue é o Márcio, um
cara que eu conheço; jumento é um crioulo que, ouvi dizer, dá nó no próprio corpo; burro é quem
não aprende; e mula sou eu.

Abraços dele mesmo,


Ângelo Acauã, o MULAto.

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Ninguém merece
Eis que, num desses dias inexpressivos, em que nada se espera, um sujeito destilava seu
verbo abraçado ao seu belo violão e, instante já combinado, chama alguns convidados ao mini-palco
improvisado, no bar de gosto duvidoso. Até aí o quadro é totalmente comum, impessoal, simples,
fácil no cenário carioca. Só que o último a subir ao pódio, digo, palco, foi um jovem que portava
uma minúscula gaita, de bolso, uma harmônica. Bah, Guri! Uma surpresa! Não só tocava com rara
destreza como executava repertório muito bem selecionado. Foi aí que surgiu o comentário, numa
mesa próxima: “Ninguém merece...” Fiquei pensando no que diabos significa esta nova gíria do
carioquês. Cheguei a conclusão de que não significa absolutamente nada, traduz somente o imenso
vazio do pensamento. Antigamente, os programas humorísticos debochavam do linguajar dos
surfistas, com suas frases absurdamente sem nexo, tipo “pô, aí, pois é, tô assim, sabe como é, falou,
meio down. Sacou? Acho que dá pra você entender o que digo.” A pilhéria saiu pela culatra, uma
vez que até os filhos daqueles que caçoavam agora caíram no marasmo do vácuo acéfalo, que saltou
de uma tribo para se disseminar por toda a sociedade. Impressionante o estrago causado pela
massificação do ensino, de modo que dá até medo quando se lê um texto de mais de 10 linhas, pois
é perceptível a incapacidade reinante.
Voltando ao “ninguém merece”, parei para raciocinar e, quem sabe, também usar esse novo
jargão bronzeado e ficar na moda também. Mas não consegui aplicação coerente. Quando uma
pessoa é fora de série em sua atividade, acima dos padrões, então os modernosos proferem:
“Ninguém merece!” Concluo que é um elogio, como que traduzindo: “Esse cara é tão genial, tão
fantástico, que nada nem ninguém está à sua altura e prestígio.” Por outro lado, quando nos
deparamos com uma estupenda zebra, um imbecil, um zero à esquerda, a famigerada expressão
também é dita. E aí, como ficamos? Fico com a sabedoria nordestina, através das sábias palavras da
paraibana Antônia, que apesar de analfabeta, definiu tudo e sentenciou: “Eita! Vai lá entender essa
bexiga...”
Pra terminar, uma estorinha curta, ocorrida recentemente num programa de TV, na CNT
mais precisamente, onde uma dessas moças torneadas, ditas “modelo e atriz”, disparou
solenemente: “A Playboy foi muito importante na minha vida, pois foi lá que tive reconhecido o
meu talento.” A bela meretriz, ops, quero dizer, ninfa, que possui um talento lindo, enorme, faz
propaganda de chás emagrecedores e, daqui mais algum tempo, deve se tornar apresentadora de
algum desses programas espinafrentos, tem nome, mas sequer merece citação aqui no texto por
razões óbvias, talvez talento demais. Ninguém merece...

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Lux Luxo
Outro dia, em plena madrugada de segunda-feira, a TV Globo exibiu o antológico filme de
Ridley Scott, o cult Blade Runner. O filme impõe umas mensagens que remontam ao segredo
humano: o medo, a vida e a morte. No final, o andróide revela seu encanto pela vida, os fatos que
presenciou, os testemunhos da própria existência, a conquista das emoções e sofre com a certeza da
data da morte. Termina chorando, pedindo ao seu criador, humilhado, apenas a dúvida do último
dia. Toda a sua revolta resumia-se nessa data específica.
Não sei por que, mas, numa apresentação de dança, me senti também um pouco replicante
(nome dados aos andróides no filme). Os seres que se moviam no palco causavam ilusões jamais
vistas, singrando a total escuridão em coreografias inimagináveis. Suas tênues formas
fosforescentes transportaram o público a um tipo de hiperespaço, numa viagem cerebral que parecia
não ter fim. A música foi o combustível, queimando nossas almas em ondas lisérgicas. O mais
incrível é que aqueles mágicos que se movimentavam no palco recebem apenas um apoio
praticamente simbólico de uns poucos e honrados colaboradores, numa espécie de cruzada em
busca do belo. A Companhia Lúmini de Dança decerto figura entre as mais criativas do gênero e
antagonicamente não é conhecida, constituindo-se de uma legião de heróicos guerreiros, sonhadores
e realizadores de sonhos, emocionando platéias, trazendo para o consciente sensações perdidas há
muito, como lágrimas na chuva...

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Óol Mate...
Uma paulista conhecida minha conhece uma gaúcha que toca baixo, escreve, salta de pára-quedas,
vai à praia de meias, navega na internet, o escambau. Não satisfeita, decidiu vir morar no Rio, virar
carioca e abraçar o sucesso. Pelo que observei, conseguirá. Só que vai pagar um pedagiozinho, o
que é bastante natural. Começando por certas expressões ou situações extremamente regionais,
muitas vezes beirando o hilário. Vejam que anda cheia de dificuldades por conta de um tal de
“GuaráPlus” (Guarápluixxxsss). Não sabe o que é ou que gosto tem, se é que se ingere. Ora,
molezinha, o nome nada mais é do que uma marca desses péssimos e batidíssimos refrescos
industrializados de Guaraná Natural. Vem num copinho de plástico, igualzinho ao Mate Leão
(óóóóóóóuuul Mate!!! Geladinho!!!). Pena, porque tanto o Mate quanto o Guará+ não têm a menor
graça no copinho com conservante, estabilizador, blá, blá, blá, coisa e tal.
Particularmente, sinto saudades da época em que a gente ficava sentado na areia, farofando mesmo,
e vinha lá de longe aquele negão, brilhando que nem sinteco de apartamento novo, suado, berrando
"Mate-Limão! Maaaate Limão!! Óol Mate!... - Pois não freguesa?! - Misturado?". Vinha
ultragelado, uma delícia (o mate, claro) e vendia os tubos. Cresci assim, bebendo e observando
aqueles homens trabalhando pesado, carregando aqueles dois tambores no sol escaldante para
ganhar o pão. Bravos guerreiros... Hoje não. Hoje é era da praticidade, tudo envazado, até água de
côco já engarrafaram, coisa de americano, onde tudo é de plástico, tudo é "junk". Nos shoppings, a
gente caminha por belos jardins floridos, coroados com a grama mais verdinha do mundo. Tudo de
plástico...
Saco! Qualquer dia vão criar até mulher de plástico pra rapaziada se divertir - Como? Já existe? -
Arre, égua! Mas que diacho doido é esse bichinho? Eita!

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Parco Vocabulário
Um amigo me pergunta porque sempre assino mensagens da mesma forma, inclusive com a
ridícula expressão “é guerra, Pai Nego”. Isto exige explicação séria, esclarecedora, porque ele está
começando a me achar doente. Acho até que ele está certo, mas não me abstenho de dirimir a
dúvida. Então lá vai, “vamo que vamo!”. A expressão "É guerra" deve-se ao Júlio Bronson, figura
pitoresca de Vila Isabel, dono da sapiência das ruas, executor de tiradas hilárias. Foi num dia de
muito calor, a gente estava saindo de Piabetá, quando o carro parou num retorno meio esquisito, que
exigia uma série de manobras. Um carro que estava atrás começou a buzinar e piscar o farol, como
que reclamando. Júlio, então, com seu indefectível estilo, mandou: "É guerra! É guerra!" E saiu em
disparada...
Já o termo "Pai Nêgo!", nada mais é do que um jargão típico, proveniente de uma brincadeira
de uma menininha de 5 anos, de nome Victoria. Ela é filho do meu irmão e mora em São Paulo. O
caso deu-se no ano retrasado, o mano estava de férias no Rio e eu estava na praia, jogando vôlei.
Obviamente que, quando voltei pra casa, estava bastante queimado de sol. A menininha, muito
espevitada, estava rolando por cima do pai dela, divertindo-se com o xodó, quando parou e disse:
“Olha, papoio (ela chama assim o meu irmão). Olha só o tio Ângelo, tá todo preto. É o Pai-Nêgo!”
A gente ficou rindo e eu usei a frase do Júlio: “É Vix, é guerra!” E ela emendou tudo: “É guerra, Pai
Nêgo!”
E hoje, quando falamos um com o outro, ela sempre diz "É guerra Pai Nêgo". Eu fiquei com o
troço na cabeça e como meu vocabulário é parco e cheio de gírias, acabo usando com todo mundo.
É guerra Pai Nêgo!

Abraços dele mesmo,


o malandreado plagiador da Rua da Glória.

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Ponto Pacífico
Não se pode duvidar dos dogmas religiosos. São certos e indiscutíveis. Se não há explicação
plausível, a saída é sempre a mesma e encerra qualquer discussão: “Eis o mistério da fé.” Bom isso
né? Você interpela, recebe um suntuoso fora em troca, fica tudo por isso mesmo e ainda por cima
termina visado, como o chato que está sempre questionando. Isso é ponto pacífico. Assim também
acontece com a sabedoria popular: o herege que contraria seus conceitos e lugares-comuns,
sucumbe no mais absoluto engano. Terrível isso. Algumas verdades são tão absurdas, que
convenhamos, qualquer forasteiro tem motivos de sobra para debochar das crenças provincianas.
Afinal, como pode uma pessoa morrer só porque chupou manga e tomou leite? O que dizer de quem
bebe vinho e come melancia? Ou ainda de uma criança brincando com chaves?
Certos preceitos chegam a beirar o ridículo. No passado, múmias eram reduzidas a pó e
vendidas em toda a Europa como medicamento, para “fortificar o sangue”. É, inclusive, um dos
ingredientes mágicos da infusão das bruxas em “Macbeth”, de Shakespeare. Já no nosso tempo, vó
Bababa (o nome é esse mesmo) dizia que mulher, quando menstruava, não podia lavar a cabeça.
Citava exemplos e completava com a versão masculina: “Faz mal ao homem barbear-se logo depois
do almoço.” Os índios Tupinambás e também os Potiguares consideram o pássaro Acauã de mau
agouro, acreditando que toda vez que a ave de rapina sobrevoa a tribo, é certeza de desgraça por vir.
Modernamente descobriu-se uma horda de situações de embasamento no mínimo curioso. O
renomado violonista Voltaire, pai do infame Caju, sentenciou certa vez: “Todo preto é bom de
briga. Lutam capoeira”. O Marcos Gargalo tem uma variante: “Todo preto sabe jogar bola”. Nem
sempre. O sábio e barrigudo Almeida, ícone da cultura paulista, mandou outra: “Cachorro, quando
lambe sabão, tá passando fome”. Júlio Bronson, num arroubo de preconceito, diz que “mineiro só é
solidário no câncer”. Essa combina com uma que ouvi de um colega que tem negócios em
Fortaleza: “o cearense é o judeu brasileiro”. Detectei, em outras opiniões, mais algumas certezas.
Querem ver? Ok. Alguém discorda de que todo sujeito chamado Fonseca tem bigodes? Se adotar o
primeiro nome junto, tipo Sebastião Fonseca, tem uma chance pequena de ele ter raspado, mas logo
cresce, é rifle! Ou alguém ousa negar que todo arquiteto que mora com mãe, é solteiro e tem mais
de 30 anos, é bicha? Se gostar de arte, música, freqüentar teatro e morar num barro estilo
Laranjeiras, nem é preciso conferir, não tem errada... E o carro de mil cilindradas? Ora, todo mundo
sabe que o cara que possui um Palio 1.0 normalmente usa óculos, nunca faz nada de errado e
jamais, isso mesmo, jamais ficou bêbado. Ainda por cima não dança nada, ficando sentado o tempo
todo na buate, só olhando e ajeitando o óculos. Um perfeito bobalhão. Se colocar aquele adesivo
“Amo minha esposa” pode saber que é corno...
Outro dia ouvi uma antológica: “Homem que tem amizade com mulher ou é bicha ou é
gordo!” Linda! Fantástica! Extraordinária? Falando de gordo, há um parêntese sobre motoristas
obesos: já notaram como só dirigem correndo, com o braço pendurado todinho pro lado de fora, que
nem pingente de cortina? Conduzem o veículo de maneira selvagem, vestindo aqueles blusões sem
manga, cafoníssimos, desfiados, para parecer que têm bração musculoso. Não permitem que
ninguém os ultrapasse. Um psicólogo amigo meu, formado na UFBO (Universidade Federal do
Botequim) me explicou que é uma vingança da robustez, isto é, uma resposta dos “rolhas-de-poço”
para as galhofas sofridas ao longo dos anos diante dos dotes físicos e do desempenho atlético-
esportivo. Deve ser isso mesmo, pois outro dia tomei uns gorós e uma amiga minha “chicano-
carioca” (nasceu no Rio, mas quer ser peruana), após presenciar mais uma manobra arrojada ao
volante, disparou: “Ângelo! Você está dirigindo que nem gordo!” Calei-me, prossegui pilotando,
qual um expert das pistas, parei diante de uma farmácia, me pesei e passei a direção...

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Superseres
O século XX marca pelo avanço. Nossos avós certamente sofreram horrores com as
transformações sucessivas. Qualquer pessoa ainda viva que tenha nascido entre 1910 e 1930 sabe o
que digo. Uma tia, falecida aos setenta e poucos anos, dizia sempre: “Bobagem! Sou rica! Veja que
pego num ganchinho e falo alô. Ah, se minha mãe visse isso...”. Detalhe: morreu não faz 20 anos.
Ela testemunhou pelo rádio os boletins de guerra e a chegada do Homem à Lua; viu o Zepelim
sobrevoando a cidade e a primeira TV colorida; ficou pasma ao andar de metrô e quase não
entendeu ao ver suas economias de décadas resumidas a um cartão magnético; conheceu o
sintetizador musical eletrônico, o mágico invento do engenheiro Robert Moog; presenciou a histeria
provocada pelos Beatles e muito mais. Só que o que apreciava mesmo era música antiga, daquelas
com jeito de sinfonia, estilo concerto na Quinta da Boa Vista. “Ora, e daí?” – pergunta você – “Que
é que está querendo dizer com isso?” Muito simples: como pode algo feito com recursos arcaicos
ser até hoje insuperável, tal a perfeição e complexidade envolvida? Falo das preciosidades
executadas por figuras unas que, tanto quanto atletas de ponta, não podem ser comparadas ao
homem comum por absoluta falta de parâmetros. O mítico Teatro Municipal da Cidade do Rio de
Janeiro abriu sua temporada de concertos em grande estilo com a espetacular Carmina Burana, de
Carl Orff. A magnífica apresentação foi executada por uma esplêndida trupe de superseres aliada a
um coral poderoso causou paradas respiratórias em milhares de pessoas, boquiabertas com aquele
som hipnótico. A abertura colossal, uma espécie de passagem para outra dimensão, e o coro
mostrando todo o seu poder, deixou toda a platéia toda arrepiada, sentindo o decolar da nave, em
cenas de incrível perfeição. Ave, superseres!

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Os números não mentem jamais


Os grandes divisores de água do homem sempre foram o fogo, a roda, a escrita, a máquina, a
matemática e, modernamente, a numerologia. Sim, turba ignara, a numerologia, essa ciência
complexa. Sem ela, a humanidade estaria hoje vivendo sem a arte, este bálsamo da criatividade
humana. Após séculos e séculos de evolução intelectual, o homem chegou a uma espécie de
encruzilhada em que, no que se refere à arte, tudo já foi criado, nada representa o novo. O máximo
que se consegue é o chamado “remake”, ou seja, a mesma coisa de antes, só que com uma nova
roupagem. Para quem não compreende isso direito, um exemplo mais fácil: a Paloma Duarte! Chata
que nem a mãe, sem sal que nem a mãe, bobinha que nem a mãe, só que 30 anos mais nova e com
uma nova roupagem. Deu pra entender?
Pois bem, o pessoal não consegue criar mais nada inovador e decidiu invocar a tal da
numerologia com tábua de salvação:
- Sabe, Sandra, o público não agüenta mais os teus gritos, a tua camisa do Flamengo e a tua
conversa de malandro. Já encheu o saco...
- Pô, coé, brou? ‘Tá de zoação comigo? Que caô é esse de saco cheio?
- Saco cheio, ué... De encher o saco... Opa, peraí!
- Num vô esperá nada, sacô, meu cumpadi. Se liga na missão!
- De saco... de Sá... De Sá!!! É isso!!! – E assim, a numerologia – nesse caso, nem rolou nada –
muda a vida das pessoas, recuperando almas perdidas. Se bem que, às vezes, a coisa fica séria
mesmo e toma contornos perigosos. O numerólogo, que é uma cigana que estudou matemática,
impõe:
- A partir de hoje, você se chama Zagallo. Com dois eles! – E o velho Lobo, que já era chato, ganha
mais um "ele" e ainda por cima fica marrento:
- Você vão ter que me engolir!
Nada mais a ser dito. Só reticências...

85
Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Atrás da cortina de ferro


Ele já presenciara quase tudo, sabia a respeito do céu e da terra, tivera contato com grupos,
tribos, sociedades, culturas. Assimilara muita coisa e influenciara muita gente. Suas idéias não eram
suas, eram nada mais que um grande mosaico, uma gigantesca colagem de elementos absorvidos
aqui e ali. O discurso não era próprio e o conhecimento, forjado em conceitos formulados por
outrem. Não passava de uma fraude, uma farsa, um robô, um mero repetidor. Até o carisma, a
empatia e o encanto, eram extrações de testemunhos capturados com a observação aguda. Ele tinha
consciência disso, chorava por isso e morria por isso. Nem se dava ao trabalho de traçar planos e
erguer castelos de sonho. Simplesmente tentava viver a vida, esperando a sua hora final.
Sentia-se como um novo Dorian Gray, sujo, vil, demoníaco. Tinha um mecanismo de defesa
e usava-o com uma freqüência cada vez mais intensa. Era o sinal do escurecimento, era um
replicante dos nossos dias, sabia que de nada adiantava viver, pois sabia a data do clique último. O
tempo passava como a infinidade e ele conhecia o ponto final, não queria acreditar, mas já
enxergava bem longe. E a cada segundo da contagem regressiva, amava mais e mais a própria vida,
num ritual triste e sinistro. Era tão fraco que aguardava a morte sem ir ao seu encontro. E ela
parecia não chegar, preferindo minar sua resistência, roubando o seu sorriso.
Suas aparições ficaram cada vez mais raras, até que, um dia, desapareceu e nunca mais foi
encontrado. Disseram tê-lo visto cantando na escadaria de uma estação de trem, baixinho, velho,
carcomido e maltrapilho. Cantava um samba. Um desses de antigos, que falam de solidão, paixão e
ciúme. E que terminam fazendo as pessoas sorrirem, extasiada pela beleza dos versos e pela paz das
linhas mágicas.

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Sutileza de Gnu
Numa pesquisa recente, sociólogos cariocas detectaram que as mulheres preferem homem
tipo Jece Valadão a lordes sem sal, tipo César Filho, Tarcisinho e outros arrumadinhos. Bem, eu, se
tivesse nascido mulher, ia continuar preferindo a Magda Cotrofe, mas isso não vem ao caso. A
questão mesmo é que essas pesquisas podem ser perigosas. Imaginem que, outro dia, um jornal de
respeito publicou em letras garrafais, na seção de Ciência: "Cientistas descobrem que a mulher tem
o mesmo número de neurônios de uma vaca." A notícia gerou uma série de comentários maldosos,
unânimes em afirmar que aquilo era mais do que óbvio, provocando a ira de parcela significativa da
sociedade. Mulheres de vulto, de renome mesmo, como Sandra Cavalcanti, Cidinha Campos e
Ângela Rô-Rô, se levantaram e agitaram suas pochetes, como forma de protestar. As coisas só se
acalmaram quando conseguiram um pedido formal de desculpas do jornal. Refeitas e orgulhosas,
agora com a dignidade restituída, saíram para comemorar com seus garotões viris, machos de
primeira linha, tipo Victor Fasano, Miguel Fallabela e Ney Latorraca.
Voltando ao Jece Valadão, já que o negócio é virilidade, conheço, pelo menos, uns dois
caras que deram a volta por cima em situações adversas. Conheço e cito os nomes: o Filipe e o
Pablo. O primeiro é desses que, se percebe que o cachorro está doente e vai morrer, pega o revólver
e descarrega tudo na cabeça do cão. Certa feita, um cavalo comeu um coqueiro que ele plantara.
Sabem o que ele fez? Parou de falar com o cavalo. Eu, espantado com aquela atitude esquisita,
ousei perguntar, ouvindo como resposta: "Fomos criados juntos, comíamos a mesma comida, agora
não dou mais idéia, ele agora vai ver." Já o Pablo, vulgo Pixadão, é uma espécie de discípulo do
Filipe, mesmo sem sequer se conhecerem, incrível isso. Sei de uma vez, em Brasília, que a
namorada decidiu fantasiar o namoro, comprando chicote, algemas e cera. O Pixadão não fez por
menos, levando seus apetrechos: um soco inglês e um maçarico. Quando a farra estava ficando boa,
a mocinha ingenuamente chicoteou o rapaz, recebendo, em troca, um botadão nos rins. O dito cujo
finalizou a situação algemando por trás a pobrezinha, derretendo a cera com o maçarico, jogando
tudo na vítima. Dias depois, em visita ao CTI, perguntou para ela: "Foi bom pra você?"
Hoje, o Pablo está mais manso, meio na fossa, parado, embora, vez por outra, tenha uma recaída.
Dia desses, uma colega de trabalho se insinuou toda para ele, deu um sensual toque com a ponta do
indicador no nariz do bonachão. Nem chegou a abaixar a mão, o nosso cover do Burt Reinolds
torceu a mão da garota até que deitasse no chão, agonizante. E completou: "Ninguém bota a mão na
minha cara!" Soube que, agora, estão noivos. É isso aí, é guerra Pai Nego!

P.S.: Ângelo Acauã é X9, mas garante que tudo que está relatado é ficção. Qualquer semelhança
com fatos não passa de simples coincidência.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Tratado da Cafonalha
Podem falar o que quiserem, chamar do quiserem, suburbano, naíba, pobretão, aparaibado,
qualquer coisa, o fato é que na prática, o sujeito que faz certas coisas, sempre será CAFONA. E
você? Será que você também é? Tá com medo? Após estudos minuciosos, surge, em primeira mão,
o definitivo questionário "VOCÊ É CAFONA?". Se responder a sim a mais de 3 três perguntas,
nem precisa ler o resto, pois já estará definitivamente incluso no grupo.

1) Usa ou já usou bigode?


2) Usa ou já usou batom dourado, preto, ou roxo? (caso mulher)
3) Já passou esmalte incolor na unha?
4) Deixou a unha do dedo mindinho crescer?
5) Usa mais de um anel no dedo, de preferência dourado?
6) Se usa um só, é grandão e com a inicial do nome?
7) Usa aquele monte de cordões no pescoço?
8) Gosta de parar o carro num local movimentado, abrir a mala e deixar o som altão?
9) O carro tem mais de dois adesivos?
10) O carro tem aqueles decalques ridículos, tipo Kananga, Nike, Kenwood, Vagabonds, ou ainda
aqueles de péssimo gosto, com nomes de lugares horrorosos, todos terminando em "não sei o quê
do pagode"?
11) Usa luvas para dirigir?
12) Gosta de axé music, pagode e, ao mesmo tempo, techno?
13) Comprou CD Moonight, É o Tchan, Morenos e Terra Samba?
14) Já pisou no Village, Forest ou Ilha dos Pescadores? (se for do Rio)
15) Acha maneiro lugares como Rio Sampa, Excentric e similares?
16) Mora em Jacarepaguá e diz que é perto da Barra?
17) Tem vergonha de dizer que mora no subúrbio?
18) Faz a barba deixando aquelas merdas fininhas tipo "latin lover"?
19) Usa camisetas de malha com estampa nas costas?
20) Já usou ou usa roupas da Redley, Nosso Fruto, Abraxas, TCK, Public Image, Pixação, Celcar,
Di Santinni, Toulon, Taco, Botswana ou similares?
21) Usa cabelo tipo jiu-jitsu?
22) Pinta cabelo? (se for mulher)
23) Fala o número do telefone por dezenas (exemplo: 2707725 - "dois setenta, setenta e sete, vinte e
cinco")?
24) Usa o celular pendurado na cintura, bem à mostra, mesmo se estiver com blusa para fora da
calça ou algum tipo de bolsa?
25) Pendura os óculos escuros no retrovisor do carro?
26) Tem ou pretende ter Palio 1.0?
27) Dobra as mangas da camiseta de malha para ficar com bração?
28) Acha maneiras e conhece essas coreografias que neguinho faz em boites?
29) Fala gírias do padrão de "demorou...", "da hora...", "amarradão"?
30) Gosta de dizer, sem que ninguém te pergunte nada, que saiu com "aquela camisa da marca tal" e
foi para "tal lugar"?
31) Lê Paulo Coelho?
32) Diz que é Kardecista?
33) Gosta de Lulu Santos?
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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

34) Tem vontade de ter uma blusa da GAP, pensando que é uma baita griffe, sem sequer saber o
que é?
35) Vai ao Barra Shopping, mesmo morando a 25 km de distância?
36) Vai com freqüência à Parmê, por causa da pizza de 5 merréis?
37) Gosta de filmes do Van Damme e outros fortões?
38) Usa camisetas de jiu-jitsu sem sequer ter pisado num tatame?
39) Tem poster de alguém no quarto?
40) Tira foto ou vai falar com alguma personalidade quando encontra?
41) Usa vestido tubinho com plumas nas pontas? (se for mulher)
42) Usa terço pendurado no espelho do carro?
43) Tem bichinho de pelúcia?
44) Acha videokê maneiro?
45) Aderiu à onda de mergulho, alpinismo e ecoturismo?
46) Canta as músicas americanas, mesmo sem saber nada de inglês, mandando tudo errado?
47) Assiste à QUALQUER programa do SBT, mesmo o Jô?
48) Pensa que é onda dar cavalinho de pau ou cantar pneu na frente da galera?
49) Tem camisa de time da Europa? Ou usa as do seu time daqui em churrascos?
50) Compra na Casa e Vídeo?

Bem, tempos espaço para inserções...


That's all folks!!!!

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

De corpo fechado
Cheguei à conclusão que sou um tremendo ignorante sob todos os aspectos, em especial, o
religioso. Enquanto ando cheio de dúvidas e incertezas, pela fé que não possuo ou pela explicação
que me foi negada, observo um turma aí com respostas na ponta da língua. A sabedoria é tamanha
que temas sociais extremamente complexos são facilmente esclarecidos:
- Está tudo em Eclesiástes, capítulo não-sei-qual, versículo sei-lá-o-que: ''Verás que o passado do
fogo irromperá sua fúria contra o seio da terra.''
- Mas eu estou falando da legalização do aborto!
- Então, é isso! Como em Isaías x,y: ''A sede da traição consumirá todo o sentimento. E o passo do
criador será impiedoso com os fariseus''.
- Hã? Não entendi nada.
- Você tem que ter fé.
Noutra parte da discussão, há o pessoal espirita, linha branca, se é que alguém sabe o que significa
isso. Para mim, soa como graduação de arte marcial, tipo “fulano é faixa preta do 5o. dan, linha
branca”... Mas, isso não vem ao caso, pois essa turma parece ter poderes extra-sensoriais:
- Muito prazer, Robson.
- Olá, o prazer é meu. Meu nome é Leda – Tempos depois, os dois estão casados e, quando
perguntada sobre o sucesso da relação, Leda esclarece:
- A gente já tinha uma ligação em vidas passadas. – Então tá, então! Os leigos que se danem, porque
nunca conseguirão entender esse negócio... Eu fico literalmente pasmo com o nível de
conhecimento que algumas pessoas, auto-intituladas “médiuns” – atingem. Presenciei, uma vez, o
seguinte diálogo:
- O Deziel nunca vai ser ninguém na vida.
- Por quê?
- Ele tem o corpo fechado...
- E se deixarem o nome dele numa encruzilhada de metade, para desfazer o trabalho?
- Não adianta. A moça tá aí, eu sinto! Ela já avisou que só vai sossegar quando o rabo do bode
sangrar...
- Ah, então só se baixar o cigano...
Eu já disse, que sou um completo ignorante, fico literalmente pasmo, já disse, com esses ''médiuns''.
Minha curiosidade nesse assunto é tão grande que meus olhos chegam a brilhar, como se alguma
dica estivesse por chegar. Acabou chegando por via de duas senhoras que respondiam às minhas
perguntas insistentes. No meio do meu interrogatório, uma delas interrompeu o papo, olhou para a
outra e mudou o alvo da conversa, que passou a ser eu:
- Ele não é todo inhansã?
- Ué, você não tinha notado? – Pronto! só me faltava essa! Agora, virei uma entidade. Então tá,
então...
E assim confirmei minha vocação para devoto fiel de xoxossi.

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Docilidade à flor da pele II


Quem olha o Godô, hoje, não acredita no que ele era no passado. Pai de quatro de filhos, é
comovente assistir àquele paizão andando na rua, fazendo festa com a filharada, cheio de amor para
dar, feliz pela esposa, feliz pelos filhos, feliz pela felicidade. Parece outra pessoa, nada parecida
com o camarada que, na época dos namoricos, deixava a menina toda roxa, para depois se
desculpar: “Eu só estava dando uns amassos”. Godô era do tipo viril. Em vez de despir, rasgava; em
vez de beijar, mordia; em vez de toques e carícias, sacudidas que julgava provocantes. Mas, todo
sapato velho tem a sua meia furada: Godô casou. Casou e aquietou. Ninguém sabe qual foi o truque
da Adriana, mas o bicho ficou pianinho, como se diz na gíria. Sim, ele mesmo, Godô, o mesmo
sujeito que, num baile de carnaval, desapareceu com uma moça numa cadeira de rodas, para, uns 20
minutos depois, surgir, ele, sentando na cadeira, com a deficiente toda contente no colo, um sorriso
estranho no canto da boca. Problema algum, não há preconceito embutido. O grave foi o fato do
pilantra ficar brincando de “pega” com a cadeira de rodas no meio do salão de baile. Ainda por
cima com a aleijadinha no colo.
Voltando ao casamento, o pessoal da antiga se mantém incrédulo:
- Puxa, mas aquela esposa dele nem é de falar.
- Pra você ver. É aquela famosa chave...
- Será que ela manda nele?
- O quê? Dizem que ele é um cachorrinho na mão dela.
- Jura?
- Ué? Pergunta, que ele mesmo te diz, cheio de orgulho...
Ah, o amor...

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Modernidade é isso
Às vezes, fico me perguntando se o homem quer tomar o lugar de Deus ou virar seu
supervisor. Dá até para imaginar: Deus trabalhando, atendendo preces – nem para almoçar tem
pintado uma brechinha – e o homem lá, de chefe, fazendo a ronda, fiscalizando, mãos para trás,
cheio de pose, um autêntico sargento:
- Chiii! Quê isso?! Vamo trabalhá!
- Mas, Eu só parei pra fazer um lanchinho... - O pronome “eu” vem com a primeira letra em
maiúscula por se tratar do Criador, agora um réles ouvidor de orações, sem direito a tíquete nem
plano de saúde, trabalhando num moderno “Pray-center” (“Pray”, de prece. Não confundir com
“Play-center”, que é outra coisa).
- Não, senhor! Pó pará! Onde já se viu? E nada de celular!
- Mas...
- Chega! Sem papo! Trabalhá!
Com o tempo, Deus vai ficando esperto e melhorando a sua performance, chamando a
tenção da direção:
- Ô, Rodrigues? Estive analisando suas planilhas e reparei que aquele coroa da tua equipe está se
destacando.
- É verdade. Parece até que Ele tem um Dom especial.
- O que acha de promovê-lo? Há uma vaga para supervisor na nova seção de Pós-venda.
- Sei não, ele tem o cabelo muito desgrenhado e ainda insiste com aquela barba...
- Converse com ele.
A missão é árdua. O coordenador Rodrigues larga uma lábia em Deus e convence-o a mudar
o visual. Desconfiado, Deus topa, mas avisa que não quer fazer o serviço em cabeleireiro porcaria:
- Ô, chefia? Vê lá, hein! ‘Tô cabreiro...
- Calma, vou te levar no Ronald, um amigo meu. Você vai ficar divino...
- Ramm... só quero ver...
Ao chegar no salão, todo de vidro, temático, legítima boutique do corpo, Deus já é logo
apresentado ao baitolaço, que está num dia cada vez mais cada vez:
- Hummm... Peludão... Como é teu nome, bofe?
- De... Deus...
- Nossa, que chique! Grego? Hummm... Vem cá que eu vou dar um jeito nessa carapaça. – O
afetado cabeleireiro pega a jubona do Criador, sacode, balança, ajeita e lasca:
- Vamos preparar algo bem “fake”, selvagem mesmo. Algo íntimo, revolucionário...
- Hã?
- Fica tranqüilo, gato. Quando estiver pronto, Você nem vai se reconhecer.
Dito e feito. Ronald, hábil, mão macia, jeito doce, olho de laje, faz Deus dormir na cadeira,
para só acordar naquela fase da olhada no espelhão, na hora de conferir a nuca:
- Olha, gato! Você está arrasando!
Tempos depois, Deus pede demissão. Foi sondado por um homem na rua e virou galã de
novela, atendendo pelo nome artístico de Valmor Fagundes... Esse é o mundo louco, o mundo
moderno, o mundo cão, o mundo de Marlboro, em constante mutação.

Abraços dele mesmo,


O olheiro atento da TV.

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Tio, me compra um pintinho?


Aí tem aquela fase em que a criança cisma com um animalzinho de estimação, que pode ser
chamado tranqüilamente de bichinho de sacrifício, porque o que a criança quer mesmo é mexer com
o pobre coitado o tempo todo, todo o dia, até a criaturinha se defenestrar num montículo sem vida.
Por trás do brilho dos olhos infantis, inundados pela curiosidade, nascem tantas interrogações cujas
respostas só chegam através do experimento. Então, plagiando a grafia do português Saramago,
tome Mercurocromo no aquário; tome pintinhos no lago; tome pimenta na comida do xanxão; tome
agarramento com o cachorro. Mal sabe a criança que está maltratando quando pensa estar fazendo
carinho. A ingenuidade é co-irmã da perversidade. A criança só distingue prazer e dor, bem e mal,
com o tempo, com a vida.
Quando se cresce, é usual deixarmos de lado essas brincadeiras. Bem, quase sempre.
Algumas permanecem, sem que se tenha a mínima noção das atrocidades que por vezes cometemos.
Recordo uma frase de Leonardo Boff, proferida em 1995: “Como o homem não reconhece a face de
Deus na copa de uma árvore, ele a derruba sem remorso. Como não vê o sagrado da vida de uma
criança, não se escandaliza com o seu extermínio”. Afinal, o que será o futuro que hoje se faz?

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

CONCEITOS E PRECONCEITOS

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Ovelha ultrapassada
Todo mundo sabe que esse negócio de tecnologia é coisa de doido. Mal você adquire um
equipamento moderno e pronto, já sai um novo lançamento que coloca você no mais completo
obscurantismo. Com computadores, então, nem se fala. Ora, eu ainda sou do tempo em que o
maquinário antigo é que funcionava para sempre.
- O senhor pode até comprar uma geladeira nova, mas motor igual a esse não existe mais não,
viu?!
- Ué? Quer dizer, então, que é melhor comprar usado do que novo?
- Isso. Hoje em dia eles só fazem porcaria.
E lá ficava a gente com um arsenal de eletro-velharias em casa, se gabando de que nada quebrava,
só que nenhum conforto. Você estava tranqüilamente dormindo e, de repente, – CATLAM – era o
condicionador de ar desarmando, num estrondo similar ao de uma hecatombe. Aparelho de som,
nem se fala, tinham aqueles móveis de sala com um adesivo da Grundig, onde o sujeito levantava
uma tampa de madeira e, lá dentro, funcionava uma moderna “pick-up”, que tocava discos em 33,
45 ou 78 rotações. Não era o máximo?
Século 21 e o avanço invade as nossas vidas. Termos como biotecnologia, DNA, microchip
e estação orbital hoje são pronunciados por qualquer criança de cinco anos. No meu tempo era
ácido desoxi-ribonucleico (é assim que se escreve?) e só se falava dele no programa Cosmos, do
Carl Sagan. A marcha do progresso é inexorável, mas, mesmo assim, assuntos triviais ainda têm
muito espaço, se bem que um pouco modificados:
- Fui na Feira de Caxias e comprei um papagaio com DNA do Francisco Cuoco. Tem que ouvir
como ele fala...
- É mesmo? Será que eu não consigo curió híbrido com o Cauby Peixoto?
- Dá até para conseguir. Tem que fazer a encomenda. O problema é a cabeleira e o fraque cheio de
paetês. Ele nunca repete o visual, parece que tá sempre na muda.
E como, no Rio de Janeiro, os assuntos acabam invariavelmente em samba ou futebol, já dá para
imaginar o discurso do presidente do Botafogo:
- O clube não tem dinheiro, vamos privilegiar a prata da casa e as contratações seguirão a linha do
“bom, bonito e barato”.
- Mas, presidente, há deficiências em várias posições, especialmente na zaga...
- Havia! Havia! Recebemos uma indicação e acabamos de contratar um zagueiro-zagueiro. Jogava
no Fluminense de Feira de Santana. O nome dele é Arnou Chuarzinêgo.
- Como?
- Sim, Chuarzinêgo. Seu passe pertence a um empresário e virá por empréstimo até o final de
agosto, mas temos a prioridade na compra do passe. Seu estilo é do tipo exterminador.
O presidente do Flamengo, sempre falastrão, lógico, não perderia a sua chance:
- Craque o Flamengo faz em casa! Nossa nova promessa é o Neliúcho, uma mistura de Nélio com
Iranildo, só com a pinta de galã do Renato Gaúcho.
Sei não, mas do jeito que as coisas vão, acho que, qualquer dia, teremos um clone do Cid
Moreira com o Galvão Bueno. Será o anúncio do apocalipse?

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Azaração Moderna I
Cenário: casa noturna badalada da Zona Sul carioca. Ele: 23 anos, 1,80m, forte, desocupado,
financiado pelo BPP (Banco do Pai Panaca). Ela: 1,82m (já contando a sapatranca de 15 cm de
salto), malhadinha, estudante de marketing, financiada pelo BQLSP (Banco do Quem Leva Para
Sair, Paga). Indumentária dele: calça chino, bute de alpinista, camiseta de tricot sem mangas.
Indumentária dela: calça stretch apertadíssima (dois números abaixo do manequim), sapato de
acrílico, blusinha tipo “frente única”. Penteado dele: curto, bem curto, curtíssimo, de máquina, todo
mundo igual. Penteado dela: comprido, bem comprido, pintado, esvoaçante, todo mundo igual.
Transporte dele: o carro reluzente que ganhou do pai. Transporte dela: o carro dele. O estilo dele:
atua em bando, faz cara de mal, o vocabulário alcançando a espantosa marca de quarenta e poucas
palavras. Hobby: brigas e sexo, sempre em bando. O estilo dela: atua em bando, jeito afetado,
vocabulário igualmente afetado, recheado de lugares comuns e umas cinco frases feitas com
palavras estrangeiras entremeadas. Hobby: homens, sempre em bando. O approaching:
- Pô, aí mina, teus corne é show! – pegando pelo braço.
- Mmfl – ela solta um muxoxo, para vender imagem de difícil.
- Pô, coé gata, tá de graça comigo, a fim de me esculachar? - puxando a presa e jogando contra
parede.
- Pára! Deixa eu sair! – já com os braços em volta do tronco dele, os pés fora do chão.
- Sair é o ca@%*#o! – o puro-sangue agarra a fêmea e enfia a língua na goela da dama, enquanto
crava a mão dentro da roupinha da donzela.
- Ai, você é demais! – ela fica empolgada e corresponde, excitada, ao assedio, dando outro beijo.
Depois, joga o cabelo para trás e aperta a bunda do garanhão.
Tem sido difícil a paquera no Rio de Janeiro...

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Eufemismo, metáfora e duplo-sentido


Sou do tempo em que as pessoas tinham certos cuidados para comentar determinados
assuntos. Câncer, por exemplo, era aquela “doença ruim”. Bicha, a família bania e até esquecia que
existia. Ou então, dizia que algo do tipo “fulaninho?” – sempre no diminutivo – “ah, fulaninho é
muito educado...”. Até hoje, quando mulher diz, na mesa do bar, que viajou com uma amigo, pode
saber que é amante. Ou melhor, “espécie de namorado”. Sim, porque esse papo de que mulher tem
muito mais amizade com homem do que com mulher é simplesmente porque elas gostam de homem
e não de mulher. Bem, pelo menos, uma boa parte delas. E no samba? Quando o sujeito diz
“cumpadi”, na verdade, quer dizer “camarada”. Aliás, no Rio de Janeiro e, no mundo do samba,
tudo funciona na base da expressão idiomática, não há quem entenda, nem mesmo o carioca. Outro
dia mesmo, ouvi um sujeito dizer: “Pô, o ripe é forte... pressão...”. Fiquei procurando o tal “bicho-
grilo” brutamontes de quem ele falava. Pura perda de tempo... no dialeto dele, o significado foi:
“Rapaz, como esse trabalho é pesado!”
No Nordeste do Brasil, a coisa piora bastante. Sei de um caso de um jogador de futebol
iugoslavo que foi jogar no Vitória da Bahia e que, depois de aprender o “baianês”, nunca mais
conseguiu falar português. Acabou no Flamengo e o pessoal preferia tentar um inglês surrado. Só
resolveram quando o baiano Edílson foi contratado e ganhou status de intérprete...
Já no sertão bravio, muitas vezes, uma brincadeira envolvendo trocadilho ou comparação
maliciosa, pode acabar em tragédia. O engraçado é que, no folclore nordestino, as rodas de desafio,
com seus repentistas, contém uma boa dose de malícia, ironia e duplo sentido. Algumas construções
verbais, inclusive, são tão criativas quanto hilárias. Tanto é que, como o meu ralo sangue paraibano,
dei várias gargalhadas num forró, quando o cantor mandava brasa numa música que contava a
estória de um sujeito que tinha deixado uns sacos de cimento do lado de fora de uma obra.
Resultado: “Vou botar o saco pra dentro! Vou botar o saco pra dentro!” Uma outra falava de um
cara que estava passando mal e, ao indicar a uma moça que socorria, um outro dizia: “Dá álcool pra
ele cheirar.” Falando rápido, já viu, né? Mas, pode aparecer coisa pior, tipo o camarada que tem um
filho chamado Paulo e termina por dizer: “Bota a mão na cabeça do meu Paulo.” Sem comentários...

Abraços dele mesmo,


aquele que gosta de QUIABO CRU...

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Casa, comida e roupa lavada


Enquanto folheio o jornal, paro os olhos numa reportagem de página inteira a respeito de
uma nova geração de jovens, todos na faixa dos 30 anos, que preferem morar com os pais a ir à luta,
morar sozinhos ou algo similar. Pois é, segundo um amigo meu, filósofo de bar, o negócio é que,
depois da Geração X, a dos “nerds” loucos por tecnologia, rpg’s e comportamento esquisito, agora,
surge a Geração Aba do Meu Chapéu. Sim, isso mesmo, igual a música inspiradora, só que nesse
caso, você pode ficar. Os depoimentos chegam a dar gosto:
- Para que vou sair de casa? Pô, faço tudo aqui dentro. Fumo, bebo, transo, tudo tranqüilo, sem
stress. De quebra, eu não faço, não pago nada, ninguém reclama de nada e ainda dou as minhas
broncas. Que melhor do que isso? – argumenta Neville, 32, executivo de uma multinacional.
- Me dou muito bem com os meus pais. Ele me libera das despesas, me deu até a picape de presente
e, inclusive, me dá uma mesada por fora, porque tem pena do meu salário. – defende-se Vivian,
uma médica de 29 anos, que trabalha 4 horas por dia, malha, faz shiatsu, expressão corporal, viaja
ao exterior duas vezes por ano e só compra roupas de griffe.
- Meu pai me deu um apê novo. Morei um tempo lá, mas saí fora. Pó, voltei pra casa e ainda
arranco uma grana com o aluguel. E lá em casa, dito as regras. Se não me obedecer, quebro tudo! E
ai se minha camisa Ralph Lauren não estiver bem passada. – analisa Guto, estudante do primeiro
período de Comunicação Social, aos 34 anos.
O curioso, na matéria feita por uma jornalista de um conceituado jornal, namorada de Guto,
é que nenhum dos pais foi consultado. Novamente, nosso antropólogo da Lapa detona, pesquisando
as opiniões dos progenitores:
- Meu filho é um banana. Prefiro-o aqui dentro, onde posso vê-lo. Se estivesse andando sozinho,
simplesmente não andaria sozinho.
- Minha filha é muito fútil, só pensa em roupinha da moda, musiquinha ruim e no novo galã da
novela das oito. Mas, cá pra nós, se dou boa vida à Gisolda, minha secretária, por que não bancar
também a minha filhinha. Depois, o panaca do futuro marido dela que fique com a bananosa. Além
do mais, tenho um amigo deputado que vai deixar ela bem daqui a uns seis meses, se bem que eu
acho que ele está de má intenção. Bem , se for por um bom dinheiro...
- Ele não pára em emprego nenhum, briga com todo mundo e se acha um perseguido. Se eu ainda
tivesse forças esse maldito iria ver. Qualquer dia, vão dar um tiro nele. Melhor deixar pra lá, sei de
um caso de um rapaz que batia nos pais...
Afinal, o que há na verdade? Por que, agora, os passarinhos não querem mais aprender a
voar? Serão parasitas ou estão encurralados? No que nos tornamos, afinal? Respostas com o analista
freudiano de Santa Teresa...

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Questão de classe
Para ser mentiroso não basta a mentira por si só. Esta, quando bem aplicada, é que nem
crença religiosa: tem que ter fé. Sei de um caso de um camarada que chegou da noitada e, enquanto
caminhava pela casa pé ante pé, foi flagrado pela esposa. Revistado de cima a baixo, deixou-se
entregar por uma famigerada carta de amor, escrita num guardanapo, endereçada à “maravilha
fogosa”. Em meio aos gritos da esposa, foi ajeitando:
- Mas, Marli, você nem deixa eu explicar! Eu estava bebendo e não parava de pensar em você. Aí,
decidi fazer essa música....
- Seu cretino cafajeste! Cínico! Que música?!?
- Essa: “Não posso nem chegar perto das tuas doces curvas da volúpia, meu sonho antigo de
pecado...”
- Agenor, seu patife, que estória é essa?! – E ele, sem perder sequer o ritmo nem a melodia que
acabara de criar:
- “Teus lábios quentes, ah, quanto te vejo, hum... Te quero sempre.”
- Ai que lindo, Gê. Foi você que fez?
- “Essas coxas estonteantes...”
- Como? Você nunca falou das minhas pernas...
- “Se eu pudesse, me casava novamente.”
- Ai, não fale assim.
- “Largava tudo para recomeçar contigo, só para conhecer de novo a felicidade.”
- Ai, te amo.
- “Então, eu far... MFLLIF...” – um beijo, outro beijo e mais outro beijo; e a esposa toda derretida.
Salvo pelo gongo, ufa.
E tem ainda o mentiroso viajado, desses que conhecem todos os lugares sem nunca terem
ido a nenhum. Se for desmascarado, apela para o tempo:
- É que quando eu fui, era muito diferente... – para depois seguir seus relatos, numa pose
fenomenal.
Já o pai do meu amigo Panda, o Azarias, esse é um expert no assunto. Tão bom que, se parar
de mentir, perde o encanto. Seu carisma podia ser medido num simples elevador:
- Caramba, subi com um camarada que fala quarenta e três línguas! Ele já foi até no Jô...
- Ahn, sei... o Azarias.
- Esse! Pô, muito maneiro! – Com o Azarias era assim, seu estilo era tão persuasivo que as pessoas
acabavam acreditando até no que nunca tinha acontecido, como competir na Olimpíada de
Munique, por exemplo. Uma vez decidiu se candidatar a vereador, pelo PL de Álvaro Valle, aquele
do ônibus da liberdade. Consegui expressiva votação, totalizando quatro votos, sendo que, só em
casa, moravam cinco pessoas. Anos depois, gabava-se:
- Sou irmão de leite do finado Álvaro e sou homem honesto, honrado. Nunca usufruí da minha
condição de suplente de deputado e homem de confiança no cenário político federal. – O mais
interessante é que o Azarias nunca se esqueceu de nenhuma das mentiras que apregoou, conferindo
a todas uma veracidade difícil de se contestar. Somando todos os seus imóveis negociados, mais os
anos de experiências como remador, militar, economista, sociólogo, garoto de programa, eletricista
e açougueiro, garante fácil umas duas capas de Veja e uma na Forbes. Sem sequer suar nas
têmporas, ele se defende, modesto:
- No meu tempo, os homens tinham várias profissões. Você nunca ouviu falar do Da Vinci?!?

É isso aí. Abraços dele mesmo,


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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

o contador de histórias com H.

102
Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Diálogos
Conversa telefônica, a partir de amizade feita na Internet:
- Achei seu nome bacana.
- Todo mundo fala isso.
- Mas como se escreve?
- Nyzzi. Ene, ipsilon, zê, zê, zê, i.
- Puxa, diferente. O que significa?
- Nada. É apelido para Lizidurina.
- Como?
- É. O meu verdadeiro nome é Lizidurina, mas, lá em casa, todo mundo só fala Nyzzi.
- O quê? Mas não tem nada a ver...
- Ora, tem sim. Lizidurina... Nyzzi! Não é óbvio?
- Pô, daqui a pouco, você vai dizer que não é advogada.
- E não sou. Na verdade, sou operadora de Raio-X.
- O quê?!
- É, eu sou assim, sempre me identifico ao contrário. Se o cara quiser sair comigo, terá de gostar de
mim pelo que eu sou e não pelo que eu não sou.
- Hã?!
- Isso mesmo! E você não se atreva a mexer comigo! Você não sabe quem eu sou, de fato.
- Argh! Sai de mim, sua maluca!
- Pare! Não admito que fale assim comigo!
- Sai fora! Você é uma doente encalhada!
- Sou nada! Sou é muito orgástica para você...
- Tá bom! E eu, na verdade, sou o Brad Pitt. – CLIC – o telefone é desligado com uma pancada
violenta. A bela moça reage do outro lado, indignada:
- Mas que cara abusado! – Na outra ponta, ele:
- É cada troço que me aparece...

Moral da História: Não dê conversa a estranhos, especialmente na Internet, um típico ambiente


estranho, onde tem muita gente estranha.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Manias insuportáveis
Ninguém consegue explicar direito a mania que as pessoas têm de criar manias. Aliás, esse
já é um assunto chato, repetitivo. Mas, não dá para deixar passar. Parece que a coisa remonta os
tempos antigos, na época dos eleitos de Deus, dos homens que atravessaram a barreira do tempo e
se tornaram mitos. Homens como Abraão, Moisés, Davi e Cid Moreira. De tanto falarem e rezarem,
sempre citando a Terra Prometida, surgiu o primeiro lugar-comum, uma expressão chinfrim que,
depois, assolou toda a humanidade, primeiro em hebraico, depois em todas as línguas. Aqui no
Brasil, no portentoso e complicado “português-brasileiro”, com sua gramática simples, quase sem
particularidades e sem assimilações estrangeiras, a coisa enveredou pelo caminho da bagunça
organizada, com o lugar-comum tomando conta de tudo, sem distinção de classe, cor ou credo,
numa espécie de anarquia morfo-semântica da sintaxe. Hoje, não há brasileiro relativamente
centrado que não conviva tranqüilamente com expressões como “venho por meio desta”, “sem mais
para o momento”, “vale ressaltar”, só para citar os usuais no ambiente de trabalho. Há os mais
fuleiros como “ninguém merece”, “enfim”, ou “Jesus amado” e também os lugares-comuns de
impacto forte na mídia como “politicamente correto”, “em termos de”, “a nível de”, “em tempos de
globalização” e o insuportável “vontade política”. O curioso é que essas expressões corriqueiras e
que não têm absolutamente nenhum significado se alastram como um vírus contagioso, chegando ao
cúmulo de algumas pessoas criarem um “estilo próprio”, só com palavras colhidas do bojo popular,
conquistando, inclusive uma “verdadeira legião” de admiradores, graças ao palavreado único, que,
na verdade, vem do coletivo.
Preocupado com o fenômeno, sem ligar se é chato ou não, decidi catalogar alguns para
anexar ao meu “vasto vocabulário” de 400 palavras, para ver se consigo melhorar o meu tipinho ou,
pelo menos, entra na moda. Depois de falar “lugarcomês” é um pulo para aprender as coreografias
de música baiana. Fácil, fácil. Difícil é entender o que os cantores, com suas dicções de fimose na
língua, dizem...

104
Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Vida de casado
- Jairo, acorda! Vai tomar um banho, você está com cecê...
- Mas, Elida, são três horas da manhã.
- Puxa, Jairo, não falei nada antes para não estragar o clima. Afinal, hoje é aniversário de
casamento. E fazia tempo que você não ficava por baixo.
- E vou ficar muito mais. Você está muito pesada, quase quebra a minha bacia.
- Jairo!
- É, Elida, eu já te avisei, mas você está relaxando. Depois fica chorando, dizendo que está feia, que
está cheia de flocos de celulite, que está com o pé rachado, que...
- E você? Já viu como está ridículo? Olha a tua unha do pé! E essa barriga horrorosa? Ai, que nojo...
- Ahn? Ahn? Olha só quem fala? Com essa pança, com esse joanete...
- E esses teus cravos na orelha?
- E as tuas varizes?
- E a tua pereba na perna?
- E o teu peito igual a bisnaga de pão?
- E esse teu furúnculo no cotovelo?
- E a tua calcinha com aquela freada de carro?
- E o teu calo esponjoso?
- Falar nisso, tenho que passar no Dr. Scholl...
- Aproveita e traz aquela palmilha, por causa do meu esporão.
- Ainda não ficou boa? Pode deixar, eu resolvo.
- Ai, Jairinho, você sempre lembra de tudo, né?
- Claro! Pra alguma coisa eu tenho que servir.
- Hum, então, dá aqui um beijinho.
- Peraí, eu vou tomar um banhozinho e já volto.
- Não! Quero você com cheiro de suor.
- Isso, por isso é que eu gosto de você.
- Quero você!
- Homem que é homem tem que ter cheiro de macho!
- Cheiro de cavalo!
- Hummmm...

105
Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

O Aurélio ficou vendido


Tralha (substantivo feminino).
1. Rede pequena, que pode ser lançada ou armada por um só homem.
2. Cacaréu. (!?!)

Pressionado pela dúvida, recorri à sapiência de Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, figura
ilustre, ímpar, lendária, membro da Academia Brasileira de Letras, da Academia Brasileira de
Filologia e da Hispanic Society of America. Chegou perto, mas o brilhante autor do mais conhecido
dicionário brasileiro simplesmente desconhece o significado da palavra tralhudo. Como bom
detetive, comecei do começo e lembrei: o introdutor (no bom sentido) do termo foi o Júlio Bronson,
o grande gozador (no bom sentido) de Vila Isabel. Na juventude, trabalhara com móveis e o pessoal
desse ramo costumava chamar de tralha a todo material inútil, toda a quinquilharia que não tinha
serventia. Passarinheiro de carteirinha, sempre implicava com os passarinhos que não cantavam
nada e, mais ainda, com seus donos, que insistiam naquela ladainha ridícula: “ó, tá chamando... não
ouviu?”. Então, o passarinho vagabundo virou tralha e o dono, tralhudo.
Como o mundo gira e só nota esse giro quem bebe, fui para o bar para tomar umas e definir
o termo “tralhudo”, que invadiu o segmento de vendas, depois o mundo do futebol, o universo da
malandragem e, finalmente, toda a sociedade. O fenômeno é tal que já ocorre o fenômeno da
ruminância semântica, isto é, o retorno da bodega à fonte disseminadora (de sêmem). Bem,
segundo a teoria evolutiva de Bronson, o tralhudo é, antes de mais nada, o cara que não tem estória
nenhuma para contar, é a pessoa mais sem graça do mundo. Não tem cicatriz na canela, não olha
mulher na rua, dirige atravancando o trânsito e tem medo de sair à noite porque uma vez foi
assaltado no ônibus quando tinha 12 anos. O tralhudo é sempre metódico, dá gorjeta a flanelinha,
mas faz vista grossa para mendigo. O tralhudo é um “zé-mané”, um “bocó”, um... um... um
tralhudo...
Ávido por informações mais esclarecedoras, entrevisto o ícone Arnaldo “Louco” Junior, o
atracadouro sexual do Engenho de Dentro e de fora: “Tralhudo é aquele cara que ganha um poodle
branquinho quando tem uns quinze anos. Se não quiser acabar veado, acaba tralhudo. É uma
questão de condicionamento...”. Pensando bem, até que faz sentido e, pelo que entendi, se todos os
moleques decidem jogar bola na rua (descalços ou com aquele kichute amarrado na canela), o
tralhudo é aquele que chega de “tenisinho” bonito que comprou quando foi à Disney (o sonho de
todo tralhudo é ir à Disneylândia). Se o sujeito só bebe Fanta e fica horrorizado quando arrotam,
nunca é visto amarrado, mal vestido ou com mulher feia, pode ter certeza: é tralhudo! Mais uma
vez, Arnaldo interfere: “Com mulher bonita, até o Clodovil sai... não vê o Gugu Liberato? Vai até
casar...”
É isso aí! Se você não tem nada contra o Fábio Júnior, é bom tomar cuidado. Se você está na
rua e tem nojo de todos os botequins e não come nenhum daqueles salgadinhos, cuidado. E se o seu
carro tem aquele adesivo “AMO MINHA ESPOSA”, então nem precisa tomar cuidado, porque
você certamente É UM TRALHUDO e tá dominado, tá tudo dominado...

106
Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

No meio do bolo
Desde que o mundo é mundo que existe esse negócio da lei do mais forte e, com ela, esse
lance do mais fraco admirar (ou odiar) o mais forte, valendo tudo para o mais fraco se tornar o mais
forte, copiando os maneirismos, hábitos e até modificando o físico. Tudo bem que, na prática, a
coisa não fica restrita a esse papo de forte ou fraco, alegre ou triste; cai mais para admirador e
admirado e, nesse campo, as possibilidades são muitos doidas. Vejam no samba: hoje, você assiste
ao desfile e já nota o número maciço de estrangeiros que compram o passe nas escolas, até nas
baterias (!). Chega a ser engraçado ver a gringada se desdobrando para parecer um grupo de
legítimas mulatas brejeiras. Particularmente, prefiro aqueles bonecos de posto de gasolina, mexem
muito mais bonito.
Mudando de assunto, no futebol, que é comandado por velhinhos na sem graça Suíça, a
moda agora é brasileiro virar europeu de uma hora para outra. O bravo Cafu, por exemplo, virou
italiano (sic), porque o avô da sua esposa era imigrante (!?!). E o goleiro Dida joga como português.
Tá bom, então Virgulino “Lampião” Ferreira era holandês! Mas, existe coisa pior. Ou será que os
modismos via satélite não são insuportáveis? Vez por outra vem uma novela em que lançam novos
e imbecis bordões. E tome francesismo, italianismo, inglesismo e outros ismos. Não faz muito
tempo e um cultuado autor de novela, imitador barato de Dias Gomes, inventou uma cidade
nordestina em que a influência inglesa era a marca. Resultado: o povo danou a entremear as falas,
com um ridículo sotaque, com expressões inglesas, prática outrora exclusiva de Nelsinho Motta e
seu filho bastardo, Ed Motta.
O caso mesmo é que, de três em três anos, eles nos empanturram com uma novela que
esbanja sensualidade, com louras com jeito provocante e roupas ousadas. Tudo isso numa aldeia
isolada do planeta, onde ninguém trabalha. A indústria do vestuário, em que pese a pouca roupa,
agradece, pelo reaquecimento do mercado, com suas ondas hippie, cigana, caribenha, o escambau.
Às vezes, os caras apelam tanto que você chega a dar risada. Ontem mesmo, vi a Glória Menezes
com um turbante maluco, igual ao personagem Abutre, de Omar Shariff, em Ashanti. Isso sem falar
nos personagens exóticos, como o de Fábio Assunção, que interpreta um dândi (!?!). Mas, poderia
ser pior. Já pensou se o Aguinaldo Silva, aquele que é uma espécie de clone do Joãozinho Trinta,
fizesse uma novela inspirada em advogados intrépidos e determinados? Seria uma repetição “ad
nauseum” de expressões latinas e um tal de “pectus fartus”, “coxosus suculentus” e “bundus
saborosus” que vou te contar. Estou doido para ver uma “morenis deliciosus”...

107
Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Nada a ver
O papo rolava solto no botequim e o Arnaldo, especialista em praticamente todos os
assuntos, liderava a discussão:
- Um homem não estuda psicologia!
- Deixa de ser bobo! O filho do Nestor vai fazer até vestibular para isso...
- É bicha!
- Deixa de ser bobo!
- Ele tem razão. – um outro interfere – Depois, começa a fazer a unha, usar roupa no vinco,
aprender harpa e negar bebida alcoólica.
- Eu sei o que eu digo! Um homem não faz psicologia e pronto! Nem isso nem artes cênicas. E nem
sociologia ou filosofia. E também não faz musculação!
- Musculação?
- É! Esse lance de ficar em aparelhinho, suando e se olhando numa sala repleta de espelhos... isso é
coisa de mariquinha, baitola, peroba, beija-pomba, bambi...
- Pô, nada a ver isso, Arnaldo.
- Pensando bem ,– um outro concorda – faz sentido.
- Ô, Fernandinho, vê se eu não tenho razão? Homem que é homem não malha em academia. Se está
a fim de ficar forte, usa aqueles alteres feitos com barra de ferro e duas latas com concreto nas
pontas.
- Pô, nada a ver isso, maluco.
- Que mane nada a ver? Todo carinha que malha em academia usa xampu e condicionador!
- Ué, e daí?
- E daí? Pô, ainda pergunta? Hum, sei não... ora, todo homem que lava a cabeça com essas coisas é
bicha! Homem que é homem usa sabão de côco!
- Pô, nada a ver isso, aí.
- Ah, ô, ô, ô?! Tá falando muito “nada a ver”, o que é que tá pegando? Vai dizer que você a
carapuça tá servindo?
- Vai ver é mordido de cobra.
- Vai ver lê Caras.
- Ler só, não. Deve ser assinante!
- Pô, nada a ver isso, Vou até sair fora, que vocês não estão com nada.
- Vai, vai, tá muito incomodado... Vou até te observar melhor...
- Pô, nada a ver isso, “brow”.
Meia hora depois, o tal sujeito, garotão pintoso, está todo suado, roupinha de griffe, dessas
apropriadas para ginástica, se olhando no espelho, vendo se está sarado, saudável e atraente... Se
olhando e olhando também para os outros carinhas da academia, cada corpão... Pô, nada a ver, aí.
Tem pai que é cego.

108
Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Globalização é isso I
Um mundo sem fronteiras. Vejam que barato, você está quietinho, lendo os seus e-mails e,
do nada, o computador solta um barulhinho familiar – ôh ôl – e começa a piscar um trocinho
amarelo no canto da sua tela. Você, curioso que nem peixe de aquário, vai direto lá e “duplo-clica”
– bacanas esses verbos novos que a informática trouxe para a língua portuguesa – no breguete. É
uma mensagem, de uma tal de Lind@, que pergunta se você quer “tc”. Você, com 50 anos, só
navega na Internet para acompanhar a conjuntura econômica no “saite” da Gazeta Mercantil Online
e não entende muito bem àquelas malandragens da geração X:
<TC? Tudo bem, eu tive um TL, em 73, mas esse tal de TC, eu nunca vi. É novo? Como faço para
ganhar?>
<Não é isso... rs... É uma maneira de falar no virtual...>
<Mas eu não estou ouvindo a sua voz.>
<Droga! De onde vc é?>
<Ahn, bem, eu sou de Brasília. E você>
<Do Ceará, mas moro em Zurique.>
<Como? Zurique? O que faz na Suíça?>
< Toco violoncelo. E também estudo. O que vc faz?>
<Sou vendedor de roupas>
<Roupas? De onde? Milão?>
<Não, de Jaraguá do Sul.>
<Nunca ouvi falar.>
<Mocinha, duas das dez maiores indústrias têxteis do planeta estão naquela região.>
<Olha, “Bom de Bola”...> – é o apelido dele na sala de bate-papo – <... pode até ser, mas aqui
ninguém compra roupa brasileira.>
<E daí? Aqui também ninguém ouve violoncelo nem conhece músico cearense.>
<É porque vocês são uns ignorantes! Saiba que o Nordeste tem muita coisa boa, viu! Tem o Alceu
Valença, tem o Antônio Nóbrega, tem o Zeca Baleiro... sabia que um dos músicos da banda do Zeca
Baleiro é Suíço?>
<Sabia não, mas isso não vem ao caso. Olha, do Nordeste, a única boa que eu conheço é a Elba
Ramalho! Aposto que você é feia! Humpf, troque esse apelido... “Pantera”, onde já se viu...>
<Cala a boca, seu tapado! Saiba que eu sou muito cobiçada por aqui e faço muito sucesso entre os
suíços.>
<Claro, sem concorrência... toda mulher suíça é aquele quadradão, mais parece um coturno...>
<ahahahaha.. é mesmo... como sabe?>
<Eu sei tudo.>
<Menos o meu nome. Nem eu, o seu. Como se chama?>
<É mesmo. Meu nome é Walmir e você?>
<Eu me chamo Walkíria, mas pode usar “Walk”.>
<Como? “Walk”? Pra onde?>
<Ai, não agüento! Vou desconectar. Tchau, otário!>
É isso aí, ou o sujeito se adapta aos tempos modernos ou ficará perdido com cara de bobo,
no meio da paquera, literalmente no limbo. E olha que a moça tinha tudo para ser um partidão,
estava quase rolando um clima...

109
Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Diferença de idade
Dizem que todo baixinho é folgado. Folgado e metido. Não sei muito bem em que se
fundamenta essa teoria doida, pois o Romário e o Marcelinho Paulista não eram nascidos quando
inventaram esse troço. Será que é por causa do galo garnizé, sempre posudo e brigão? Talvez. Eu,
baixinho clássico, nunca entendi essa bronca. Mas também nunca liguei, afinal, sou bonito, me
garanto. Se não gostou, me bate... Então, como eu ia dizendo, todo baixinho é marrento e, para fazer
jus à classe, tratei de arrumar namoradas mais velhas que eu, para impor logo respeito. Sei que nem
tudo foi sucesso e que capturei algumas que se encontravam naquela respeitável faixa etária em que
a gente usa “Dona” antes do nome. Bem, ficava meio estranho, porque, com dezenove ou vinte
anos, eu não tinha barba e media menos de 1,65m (só depois dos trinta é que cheguei aos 1,90m de
hoje). Mas, isso não vem ao caso... Mais maduras, eram observadoras:
- Ângelo, esse “bleiser” é da sua mãe?
- Mãe? Tá maluca? É meu! Comprei na Impecável Maré Mansa!
- Ah, tá bom! Com esse botão em forma de flor?
- Ahn, eu, mur... var... popli... err... – Como eu ia explicar que não tinha o tal “bleiser”? O pior
mesmo vinha mais tarde:
- O Super-Mouse...
- Ahn?
- A sua cueca tem um desenho do Super-Mouse.
- O que? Ahn... glup... blez... é a última moda em Milão. Não viu na TV?
- Sai fora, fedelho! Me leva embora daqui! Tralhudo!
Lógico que esse foi um fato isolado, tirando o dia da formatura da Olga. Ela, linda, loura,
absoluta, uma advogada e tanto. A festa rolando, o lugar cheio de convidados. Eu, um nada, um
mosquitinho, cheio de tipinho, meio alcoolizado (também pudera, passei dos limites, tomei dois
chopes). Na hora do abraço – UÁÁRRÔH – vomitei toda uma maquete das Cataratas do Iguaçu (em
dia de rio barrento, com movimento e tudo) bem no meio do decotão – bateram até foto, que até não
ficou ruim.
Tudo bem, admito que, de vez em quando, dava uns vacilos, porém não foram só derrotas.
Lembro, agora, rápido, de várias situações em que causei muita invejas aos meus amigos, a ponto
de ser endeusado e merecer placa em minha homenagem. Infelizmente, não me recordo de nenhuma
estória, mas juro que um dia conto. O problema é que faz muito tempo e, hoje, sou um novo
homem...

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Me sufoca
Existe uma fase da vida em que namorar é uma verdadeira perda de tempo, pois “ficar” é tão
simples e a rotatividade, tão interessante, que namorar é coisa para tralhudo. Claro que não é
preciso ser radical, há relação com faixa etária e, aqui, o foco está na turma entre 17 (14 na vida
real) e 25 anos (30 na vida real). Daí que, lá pelo final da década de 80, “ficar” com alguém era
mais fácil que pegar camarão em Sepetiba. E, dependendo da qualidade das “aquisições”, a
molecada ganhava os apelidos: “São Jorge”, “Guerreiro”, Highlander”, “Coronel”, e muitos outros.
O Anderson Panda, por exemplo, era um recordistas de derrotas: em poucos anos de desastrosa
carreira já acumulara uma sucessão de infortúnios, de nomes como “Zuruba”, “Boca de Massa”,
“Ralo de Esgoto” ou “Cabelo de Espada”. Já o Masinho Batata, esse era um sádico. Gostava de
moças com excesso de peso e havia uma que ele gostava muito, cujo nome não ouso revelar. O
Batata já era um sujeito experiente, com menos de dezoito anos: “Só quero olhar! Dança pra mim...
Isso, agora! Gira! Isso! Até o chão... que beleza...”
Outros, eram mais refinados. Marcos Gargalo só queria moça de voz fina, magra e com
lentes de contato coloridas, qualquer cor. E, então, aparecia ele com aqueles tipos esquisitos,
empolgadíssimo: “Pô, cara, ela é demais!”. O irmão dele, André Nareba, era mais exigente ainda, só
queria morena, de olhos verdes, linda, rica, de corpo perfeito, fogosa e submissa. Escolhia tanto que
uma vez, em Arraial do Cabo, acabaram as mulheres à altura do seu padrão e só restou a Marquesa,
o travesti mais famoso da região. Até hoje, posso ouvir os seus gritos na Praia Grande, bem longe:
“Socorrooooooo....”
Voltando ao Anderson Panda, o coitado, certa feita, quase morreu asfixiado. Salvou-o rum
creosotado, digo a intervenção do Dudu. Nosso brioso amigo estava num verdadeiro mergulho em
apnéia na imensidão mamária de uma mocinha chamada Adriana “Me Sufoca”. Dudu, seu parceiro
e salvador, namorava a irmã desta, a “Esbugalhada”. Foi fogo, mano. Eu vi com os meus próprios
olhos, esses que a terra há de comer. Quanto a mim, não tenho nenhuma estória. Nessa época, eu
tinha namorada. Tudo bem, entendo, era tralhudo, mas e daí? O máximo que pode acontecer é a
minha aposentadoria como solteiro ficar para mais tarde. Tá limpo! Prefiro assim...

Abraços dele mesmo,


Ângelo, a insalubre testemunha dos momentos difíceis.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Juventude transviada
A pior coisa para o jovem que chegou aos 30 e ainda não saiu de casa é ter de mentir para
não ofender aos pais:
- Luiz Fernando, precisamos conversar.
- O que foi dessa vez, mãe?
- Achei uma camisinha sua em cima da pia...
- Ampf... err... bem, eu... ê... puxa... né...
- Fernando, por que você me dá esse desgosto?
- Que desgosto, mãe?
- Essa falta de respeito comigo!
- Mãe, mas...
- Meu Deus... meu próprio filho!
O sujeito fica pressionado e não consegue compreender direito o que sua mãe quer na
verdade. Será que ela é contra o uso do preservativo ou será que ela é contra você sair com
mulheres? Você arrisca:
- Verinha... mãe... desculpe... não é o que você está pensando...
- Como não? Você trouxe alguma mundana para cá! Um péssimo exemplo pros seus irmãos!
- Mas, não é nada disso, mãe.
- Seu desgraçado! Criei vocês com tanto sacrifício e é isso que eu recebo, uma apunhalada pelas
costas...
Nessa altura, você não sabe se finge que é bicha ou otário. Prefere um plano alternativo,
dando uma de maluco:
- Mãe, na verdade eu me masturbei.
- O quê?!
- Isso, mãe. Pronto, falei! Chega! Não agüento mais! Me masturbei sim!
- Mas, meu filho, por que você fez isso? Você sempre teve de tudo...
- É que eu queria levar pro trabalho, pra tirar onda, mostrar pro pessoal...
- Ah, meu filho, que bobagem! Não seja tão infantil, você já é um rapazinho... fique tranqüilo, se
encarnarem em você, conta que está noivo, logo irá casar e, então, já poderá fazer essas coisas...
- Tá bom... desculpe, mãe.
Dessa vez, mesmo com a mentira estúpida e o papel de tralhudo, você se livrou de
constrangimentos familiares. Sua mãe está contente por ter, como sempre, lhe orientado e,
orgulhosa, enaltece para as amigas a sua responsabilidade de irmão mais velho, provando que é um
menino ajuizado, um verdadeiro homenzinho, cheio de qualidades, especialmente a limpeza. Feliz,
exibe para as amigas da igreja o seu pote de talco importado... cheio de cocaína... Pois é... o pior
cego é aquele que não quer ver... É guerra, Pai Nêgo!

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Revolução dos bits


De todos os benefícios que a eletrônica nos trouxe nos últimos quinze anos, não resta dúvida
de que o computador talvez seja o maior fenômeno do consumo burguês. Parece incrível, mas no
campo de supérfluos mais desejados, tirando o televisor, o micrinho caseiro simplesmente virou
artigo de primeira necessidade. Ou de status. O camarada chega a tirar proveito da situação: “Não
tenho TV em casa. Aliás, minto, tenho duas, só que uma está dentro do armário, virada para o fundo
do mesmo, e a outra, eu emprestei, há quase um ano, para o porteiro da noite. – ele queria assistir ao
Mortal Kombat – Não sinto nenhuma falta, é muita bobagem e alienação para o meu gosto. Prefiro
ouvir música.”
Agora, se o sujeito disser que não tem micro, aí ferrou, torcem até o nariz para ele. Claro que
existe todo um protocolo, ninguém sai perguntando se você tem computador em casa, assim, sem
mais nem menos. Não, a coisa é mais sutil: “Bem, Artur, manda aquela foto por e-mail, no padrão
JPEG.”. O coitado do Artur nem sabe o que dizer: “Err... bem, em não tenho scanner. Para falar a
verdade, eu não tenho micro em casa, só no trabalho...”. Pronto! Está lascado! Ganha logo uma
caveira preta na “carteirinha de mauricinho”. Puxa vida, pelo menos uma conta de e-mail, o
indivíduo tem que ter, do contrário, melhor cortar os pulsos. “Faz o seguinte: me manda o teu
currículo para contatos arroba sei lá o que...”. A resposta nunca poderá ser negativa, senão perde a
chance, afinal, a realidade está aí e quem não estiver antenado, dança, não é mesmo? De resto, tudo
é permitido, falar errado, base cultural zero, educação menos ainda, mas tem que ter micro em casa,
conta de e-mail e cursar faculdade – toda esquina, hoje em dia, tem uma faculdade – Conseguiu
pagar a mensalidade, vai se formar. Molezinha... o resto é conversa, das piores, claro, cheias de
“menas", “bastanta” e “derrepentementes”. E o Ministro ainda se gaba da “novo perfil educacional
do brasileiro”...

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

A incompletude do homem
Nascer, crescer, multiplicar, reproduzir e morrer. É a nossa missão, desde que o mundo é
mundo. Claro que a frase foi modificada na antiguidade clássica, afinal de contas, os filósofos
gregos passavam o dia todo discutindo o nada e, como não havia ainda as subprefeituras do rio para
empregar o pessoal ocioso, gastavam o tempo reescrevendo as máximas divinas. Então, esses
precursores do atual PFL Jovem, criaram a antológica frase “nascer, crescer, ficar bobo e casar”.
Nunca, até hoje, um pensador disse algo mais sábio e nunca alguém ousou discordar. A coisa é tão
profunda que os filósofos pré-socráticos dedicaram seus estudos à questão. Daí que pensadores
como Tales de Mileto, Anaximenes e Anaximandro, sempre com aquela ladainha esquisita de “tudo
é ar” e “tudo é água”, terminaram por influenciar gente sinistra. Não é à toa que o astuto
estratebispo, digo, estrategista, Edir Macedo lançou a máxima “tudo é força, mas deixe o seu
dízimo aí!”. O impacto foi tão profundo que seu séquito iniciou uma longa peregrinação, pregando
a nova ordem e arrebanhando jovens dispostos a adquirir conhecimentos e, principalmente, bens.
Dentre os seus fiéis e ilustres discípulos figuravam nomes de respeito como Nilson Fanini, José de
Paiva Neto e Caio Fabio, este último também conhecido com “bacon-boy”.
Voltando ao tema inicial, o sábio Platão, que só sabia que nada sabia, depois de ficar bobo
acabou casando com o belo Alcebíades, um baita negão com uma inteligência de dimensões
descomunais, segundo testemunhas. O “affair” começou num banquete, quando Alcebíades, becão
da zaga do Everest, um antigo time do campo do Vila, elogiava os deliciosos pratos preparados pelo
prendado Platão.
- Nossa, o seu cozinho é demais.
- Todo mundo diz.
- Especialmente a rabada e o lombinho.
- Eu prefiro o paio.
- Puxa, se eu pudesse, comia todo dia.
- Só depende de você, bofe.
- Bofe? Hummmmm...
E assim, formou-se o belo casal, que optou por não ter filhos, preferindo uma convivência
harmoniosa a dois, vivendo, assim, felizes para sempre.

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Paquerador
Analisando friamente, o sujeito “olhador”, como diz o Júlio Bronson, se for dos bons, é, em
síntese, um camarada quieto. Pode até ser falante, extrovertido e tudo, mas, quando o caso é o
“approaching” com uma “femme”, costuma agir calado, calculadamente, a passos frios, como uma
fera prestes a dar o bote. Só se dispõe a falar, a jogar a baba peçonhenta ou, ainda, como diria Beto
Bombeiro, “chamar no ovo”, quando já está pronto para o bote, na certeza da captura. Aí, nesse
momento, não poupa energias:
- Ei, desculpe, não quero incomodar, mas se tiver medo de baratas é melhor chegar para cá...
- Baratas? Ai, meu Deus!
- Calma, pode deixar, só estou alertando, porque naquela direção que você estava tem um monte
delas e, se serve de consolo, também tenho medo.
- Eu não tenho medo. Tenho nojo.
- O meu caso é medo mesmo. Talvez seja trauma de infância, não sei...
- Trauma? Infância?
- É... as pessoas são muito complexas. Todos somos, a começar pelos nossos preconceitos, já dizia
Jung. (sempre é bom mostrar cultura, impressiona...)
- Preconceitos? Jung? Nossa...
- Sim, quer ver? Como é o seu nome?
- Fabíola.
- Muito prazer, Adriano. Agora, pergunto: e se eu chamasse Anaximandro? Tudo bem, foi um
grande filósofo grego, pré-socrático, contestou a afirmação clássica de Tales de Mileto, coisa e tal,
mas, diga, a coisa não mudaria?
- Bem, não sei, sei lá.
- Viu? O nosso nome já é fator de aproximação. Ou de afastamento. Por exemplo: tenho 29 anos. E
você?
- Idade? 32.
- Veja como são as coisas. Se você dissesse que tinha 23, provavelmente eu daria uma desculpa
qualquer e o assunto acabaria. Tenho preconceito.
- Mas, por que?
- Preconceito, ora. Preconceito meu. Não sei explicar. Só gosto de mulheres mais velhas que eu. É
um modo de evitar problemas de maturidade em relacionamentos. Ou, pelo menos, diminuir as
chances.
- Ah, mas tem gente infantil com 40 anos e gente madura com 20.
- Concordo, só que você não sai com garototes de 17, né?
- Ah, mas mulher é diferente.
- Tá vendo? Preconceito...
Pausa. Chega o ônibus. Ele, cavalheirescamente, abre espaço para que a dama suba primeiro
no coletivo. Educado, se oferece para pagar a passagem. Com a recusa, limita-se a dar boa noite ao
trocador e agradecer após passar a roleta, tudo meticulosamente tramado, qual um enxadrista. O
ônibus está cheio de assentos vazios, no máximo oito pessoas espalhadas, era a deixa:
- Importa-se se eu sentar ao seu lado? Não é por nada não, é que eu sou muito sozinho e gosto
quando consigo conversar em bom nível.
- Ahn, claro! Eu também gosto de bom papo. Como é mesmo o seu nome?
- Adriano. O seu eu não esqueci, Fabíola, 32 anos, capricorniana, admiradora de boa música.
- Nossa, como é que você sabe o meu signo?
- Eu sei tudo...
115
Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Fim da história. Dois dias depois, o paquerador é visto em pleno combate, num espetacular
esgrima de línguas com Fabíola, a dama do lotação. Palmas para ele. Vai para o trono ou não vai?

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Pais e filhos
- Mãe, cheguei!
- Lava a mão!
- Tem comida?
- Porco!
- Pô, ensopado? De novo?
- Apaga a luz!
- Alguém me ligou?
- Escova os dentes!
- Cadê o livro que estava aqui?
- Coitada da mulher que se casar contigo.
- Olha o que eu ganhei.
- É só disso que você gosta. Não tem uma economia. Vai ficar velho nas costas dos outros.
- Vou para São Paulo amanhã.
- Com o sapato sujo?
- Que gravata coloco?
- Todo amarrotado... o pessoal comenta, com certeza.
- Humm... pizza!
- Pão! Pão! Você só come besteira!
- Vou tomar um banho.
- Não molha o cabelo, dá mofo.
- Boa noite.
- Mais um dia que você não vai ao dentista...
- ...
- Mais uma noite que você dorme menos de oito horas... também, amanhã, eu não te acordo!
Tomara que chegue atrasado no trabalho!
- ...
- Um beijo.

Moral da história: o diálogo com os pais, depois do 30, vira papo de bêbado.

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Azaração moderna II
Cenário: ambiente badalado no Rio de Janeiro, podendo ser um bar, danceteria, clube ou até
mesmo uma praça. Ele: 31 anos, 1,70 m, recém-separado, falante, financiado por ele mesmo. Ela:
28 anos, 1,82m, (incluindo o tamancaço de madeira), fora de forma física, promotora de vendas,
falante em excesso, financiada pela PJ (pensão judicial, paga por um estranho, pai do filho nascido
ao acaso). Indumentária dele: calça jeans, sapato bico fino, camisa pólo. Indumentária dela: calça
stretch tamanho 42, apertadíssima (dois números abaixo do manequim), sapato de madeira e
blusinha tipo “frente única” (mostrando muita carne fora do prato). Penteado dele: asa delta. O dela:
Chanel, mal pintado e formando cachinhos nas pontas. Transporte dele: o carro popular com as
prestações atrasadas. O dela: o Chevette amarelo que comprou do ex-namorado taxista. Hobby dele
e dela: churrasco e pagode. O estilo dele: atua sozinho, qual uma fera faminta. O vocabulário inclui
palavrões, gírias antigas e bordões ultrapassados. O estilo dela: atua em grupo, qual hienas em fúria.
O vocabulário é idêntico ao dele. A aproximação (approaching é pro pessoal mais novo):
- Ei, tua noite acabou... eu vou te destruir... – acaba de falar e dá uma baforada com o cigarro na
direção da “femme”.
- Sai da minha frente, seu bulha! – dá um “chega-pra-lá” no caboclo e some no mar de gente. – O
camarada decide usar outra técnica:
- Quero uma chance contigo! – pára na frente da mulher, abre um sorriso amarelo (efeito nicotina),
mostrando aquelas placas prateadas dentro da boca.
- Espera só eu voltar do banheiro. – ela desaparece e ele fica esperando até a alta madrugada até
desistir. Tenta a saideira:
- Demais! Estou apaixonado! – toca, de leve, o cabelo da musa, deixando as madeixas escaparem
aos poucos, com uma expressão cheia de malícia.
- ... – não há resposta, ela simplesmente ignora a sua presença.
Mais tarde, já naquela fase do mau hálito, o herói decide partir, disposto a obter melhor sorte
na próxima incursão noturna, não sem antes perceber que todas as mulheres com quem ousou
estabelecer contato estão aos beijos com outros caras. Sentindo-se insultado, ele lança a última
cartada:
- Tá sozinha, mina?
- Não, tenho namorado.
- Ah, mas ele não está aqui. Você não quer ficar comigo?
- Não. Não estou a fim e ele está bem atrás de você.
- Hã?! – ele se vira e – GLUP! – tem um tremendo armário de carne com cara de pouquíssimos
amigos. Não é mesmo o seu dia de sorte... no dia seguinte, no trabalho, ele espalha que arrebentou
na “night”, pegou várias, arrepiou mesmo, tirou onda, dançou até enlouquecer o mulheril,
transformando-se numa verdadeira máquina do prazer...

Moral da história: depois dos trinta, é melhor tentar a Internet.

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Silicone para mulher


Se a moda pegar, eu quero ver. As mulheres apelaram de vez – claro, não são todas, claro,
só 90% - Insatisfeitas com as pernas malhadas, o braço torado e o cabelo pintado, decidiram
comprar peitos novos, para o delírio do sindicato dos cirurgiões plásticos e também dos fabricantes
de plástico. Sim, porque nos tempos da androginia, da febre GLS e da liberdade sexual – estudei
num colégio de freiras e a chefona lá sempre falava numa tal de “libertinagem” – o
homossexualismo mudou de aparência e bicha que parece com mulher, de peito e tudo, virou
transformista. É, malandragem, sapatão de hoje usa batom, é toda gostosa e é modelo e atriz. Já o
baitola moderno, agora é forte pra caramba, pega mulher, pega homem, pega geral. É a extinção dos
bambis, aqueles seres frágeis, magrinhos, únicos, a alegria da rapaziada. É o fim da era dos viados
famosos, conhecidos nos seus bairros. Quem é do subúrbio e da antiga, talvez lembre das bichonas
da época, do Lalacha, do Pires, da Chica, do Los-Gay, todos já falecidos. Ou falecidas, como
quiserem. Aliás, comam vocês, se quiserem. Eu? Tô fora! Acabou-se a ditadura do silicone.. Droga!
Nunca mais assistiremos ao documentário “Manchete-Documento” mostrando o submundo dos
travecos que aplicaram silicone na bunda e depois ficaram com tudo torto. Pô, aí não tem graça...
Júlio Bronson me contou uma estória pra lá de interessante, sobre um sujeito que decidiu
colocar uma prótese peniana. Vai daqui, vai dali, o corpo rejeitou o breguete, a “coisa” meio que
gangrenou e a providência médica não teve outro jeito a não ser cortar tudo, desde a raiz. Eita! A
vítima já tentou uns dois suicídios. Coitado, não morreu nem conseguiu o pinto de volta. Voltando
às mulheres siliconadas, sei não, queria ver se fosse ao contrário. É, queria ver se soubessem, pelas
revistas de salão de beleza, que o galã da vez agora adquiriu um corpo todo malhado graças a um
aplique de silicone no tórax e no abdômen. Creio que não ia dar muito samba. Tenho certeza. E
olha, para quem não sabe, o famigerado processo cirúrgico já existe há mais de dez anos em Los
Angeles e tem muito bonitão com enxerto de polímero por aí, fazendo tipinho de atleta e posando
pras G Magazines da vida. Se fosse no Ceará ou na terra do meu pai, a Paraíba, o tomaria uma coça
de rabo de tatu, pra deixar de ser rego-galado. Arre!

É isso aí! É guerra, Pai-Nêgo!

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

A terra do professor aloprado


Ninguém sabe precisar quando foi que a onda começou. Foi assim, de repente, sem sentir e,
ao darem conta, era tarde demais, todos os jornais da cidade, quiçá do país, passaram a contar com
uma coluna semanal com um professor moderninho de língua portuguesa. Alguns chegaram ao
topete de criar tipos, imitando magos das letras, verdadeiros feiticeiros das facetas mais ocultas da
linguagem. Ah, sim, tá certo, são necessários, pois suas colunas no jornal estão prestando serviço,
ensinado e corrigindo falhas cometidas por todos nós no dia-a-dia. Claro, afinal, o que aprendemos
nas escolas é o iídiche, né? Fico me perguntando se as pessoas não ficam indignadas de ver, numa
coluna dominical, coisas que aprenderam ou deveriam ter aprendido no tempo do ginásio.
Conjugação de verbos, uso da preposição, concordância, será que esquecemos ou, de fato, ninguém
aprendeu isso? Melhor que seja a primeira hipótese, do contrário, evidencia o cinismo da sociedade,
ao aplaudir o ensino da redundância em vez de cobrar uma política séria por parte do governo na
área da educação. Ora, qualquer criança de catorze sabe conjugar todo tipo de verbo, com alguma
dúvida, no máximo, para verbos irregulares. Isso é o que se espere de um sistema educacional que
submete seus alunos a exames periódicos, passíveis ou não de aprovação. Se isso não ocorre,
alguém está sendo engano. Aliás, todo mundo está sendo engano, a começar pela criança, que pensa
que está aprendendo, quando, na realidade, está somente mudando de série com a conivência cínica
da sociedade, que contribui para o retrocesso da base intelectual do país. Ah, senhor ministro, que
pretende o governo? Simplesmente distribuir diplominhas, assim, no diminutivo?
Até nas ruas já se pode perceber as deficiências: as pichações de outrora, “Vazary”, “Tota”,
“Nicow”, eram nomes ininteligíveis que tentavam imitar os similares ianques. Hoje, quase vinte
anos depois, o que se vê são mensagens de respeito ou rebeldia, tanto faz, a ignorância se equivale,
com pérolas do padrão de “só tem TUMUTO”, “sangue de VALÔ", “NUM é pra COQUÉ um”, e
espetacular “mexeu com a Jovem Fla, vai pro TÚMBULO”. Muito bonito... ah, senhor ministro...

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Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Paquerador II
- Olá, eu te conheço, você é amigo da Ângela?
- Ahn?
- A Ângela, aquela que dança flamenco...
- Claro, fomos criados juntos em Marechal Hermes.
- Você mora lá?
- Morei quinze anos. Agora, moro na Glória.
- Legal. Como é seu nome?
- Gérson. Você é Lilian, não é mesmo?
- Nossa, como lembrou?
- Eu sei tudo.
- Hum... convencido...
- Brincadeira. Eu tenho memória, mas só para as pessoas que me chamam a atenção.
- Puxa.
- Você está sabendo do evento de Botafogo?
- Não, o que vai ter lá?
- Um festival de origami, as milenares dobraduras chinesas de papel. Lembra do Plim-plim, o
mágico do papel?
- Claro que lembro, adorava aquele programa, não perdia um. Puxa, você buscou longe, hein...
- Eu lembro de tudo.
- Ai, mas como é convencido!
- Brincadeira. À propósito, gostaria de sair? Seria muito bom ter a sua companhia. Aliás, para
qualquer passeio, não importa muito. O que eu quero mesmo é você!
- Gasp... ahn... o quê? Calma! Assim, eu fico sem graça.
- Achou muito direto? Desculpe, eu realmente sou péssimo nessa arte de flerte. Não sei enrolar,
galantear, cativar, conquistar, essas coisas. Mas sei que quero muito beijá-la. O problema é que sou
meio tímido...
- Tímido? Nossa, imagine se não fosse...
- Olha se você não quiser, tudo bem, eu entendo. Não é porque vai sair comigo que terá obrigação
de beijar ou ir para cama. Faço até um trato: eu não vou cantá-la, não tentarei beijá-la e mais: se
rolar um clima, posso até ir para o motel que não transo, pode apostar.
- Ah, ah, ah... Pois sim!
- O quê? Tá achando que não consigo? Tenta a sorte...
Fim da história. Em menos de duas horas, os dois estão na cama se amando como dois
animais. Ah, o amor...

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Decepções corrosivas
A decepção tem muitas faces. É ruim, diferente do encanto, fenômeno que se apresenta
inteiro, com seu manejo irresistível. Já a decepção, essa não, essa é dragão que vai se mostrando
devagar e termina devorando a vítima hipnotizada. Divagações à parte, o centro da discussão era, só
para variar, mulher. Marcos Gargalo, canalhaço de carteirinha, acusava um amigo de ser um galinha
inveterado. Este, por sua vez, se sentiu até lisonjeado pela pecha, mas optou por se defender:
- É porque sou exigente.
- Um cara de pau, isso sim! – rebatia o outro, entre gargalhadas. – Nunca vi você ficar direito com
uma mulher. Minto, uma vez, somente uma vez, você ficou...
- É porque me decepciono.
- Ah, ah, ah! Então, quer dizer que toda mulher te decepciona?
- De um jeito ou de outro, é mais ou menos assim. Pior que a coisa vem aos poucos: uma gafe aqui,
um comentário mesquinho ali, um desvio no caráter, uma mentira, uma cena lamentável, coisas
desse tipo. Mas, aprendi um teste que, em três tempos, resolve tudo...
- Teste? Que teste?
- Quem me ensinou foi o Jorge Peck, em 1994. Consiste num atalho, isto é, se a mulher passar pelo
crivo do gosto musical, das opções de lazer e da estrutura familiar – algumas disfarçam bem -, lance
a pergunta-chave.
- E qual é?
- Pergunte se ela conhece Amyr Klink.
- Aquele camarada maluco, o navegador solitário?
- Isso! Ele mesmo! Pode parecer meio estapafúrdio, mas é batata! Se a moça souber quem é ou, ao
menos, já tiver ouvido falar a respeito, as chances de decepção reduzem espantosamente. Já testei
várias vezes e não me arrependo.
- Você é maluco...
- Eu, não. Foi o Jorge Peck, mas eu assino em baixo!
Dias depois, Marcos Gargalo liga para o amigo:
- Dá certo!
- O quê?
- O Amyr!
- Como? Amyr? Olá, Sr. Amyr, com quem deseja falar?
- Não! Sou eu, mané! ‘Tô falando do teste do Amyr Klink. Eu fiz com a Sonara...
- Haannnn... Agora é que eu pesquei... E aí?
- Eu estava aqui na mesa, ela veio passando e eu perguntei, assim, como quem não quer nada, se ela
conhecia o Amyr Klink.
- E ela?
- Respondeu rápido: “Trabalha aqui?”

Conclusão: palmas para Jorge Peck!

122
Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Globalização é isso II
Não sei de onde ela tirou, mas minha sobrinha Victoria descolou uma musiquinha (ou seria
musicazinha?) em que a gaiata de 6 anos solta a voz, bradando uma tal de “teclonogia de fome”,
assim, trocando as sílabas. Não chega a ser a sua melhor inversão (gaba-se de já ter ido a um
churrasco em “Saquamera”. A mãe e o pai só se lembram de terem ido a Saquarema). O privilégio
da troca silábica não é exclusivo, é coisa de criança mesmo. Meu irmão mais novo costumava dar
“calhabotas” e brincar com uma “melhatadora”. Depois, cresceu e hoje, ainda bem, não gosta de
armas. Em contrapartida, não dá mais cambalhotas. Ninguém é perfeito mesmo...
Voltando à tecno, digo, tecnologia, fico pasmo: o homem já perdeu a conta de quantas vezes
foi ao espaço, está prestes a decifrar o código genético e já é capaz de clonar um ser vivo. Noutra
ponta, ainda entra em guerra, vive a xenofobia e, inexplicavelmente, ainda morre de fome. É aquele
tal negócio de começo-meio-e-fim. Não aprendemos a resolver as coisas simples da vida, como
comida ou serviços essenciais. Droga, se ao menos os telefones públicos do Rio Comprido
falassem...

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Histórias, estórias e muitas, mas muitas, mentiras

Os números não mentem jamais II


Pior é quando nem os numerólogos se entendem. A apresentadora de TV Ana Maria Braga,
que fazia muito sucesso em São Paulo, tenta arrumar uma outra forma de aparecer: no início da
carreira, quando ainda se chamava Henriqueta Brieba, até que era bacana. Depois, achando que
estava muito velha, fez algumas plásticas e ficou com um jeito de Vanusa misturada com Elke
Maravilha. Fez tanto sucesso que o marido fugiu. Desolada, restou se desencalhar com o segurança
do prédio onde trabalhava. Pode-se dizer que a medida deu certo, porque garantiu alguma coisa para
ser dita no seu programa. Falou disso por uns dois anos seguidos. Depois, veio a luva, uma espécie
de roupa íntima, rasgada no fundilho. Mas, apelidaram a calcinha velha de luva assim mesmo e
serviu de assunto por mais dois anos.
Agora, já dizia Renato Russo, quando está perdido, sempre existe uma luz: o numerólogo!
Sim, esses profissionais com poderes mágicos, dotados de uma sabedoria milenar, esses verdadeiros
pais-de-santo da matemática! Resultado: Ana Maria mudou o nome para Ana Marya, com ipsilon.
Os jornais, impressionados, publicaram em letras garrafais: “AM Braga muda de vida”. A Revistas
Caras, por sua vez, não fez por menos e estampou: “Ana Marya conta tudo e curte sua nova fase na
Ilha de Caras”. Uma semana depois, Ana Marya volta às manchetes: “Tudo diferente! Agora é com
I, só que sem o pinguinho”. Novamente, os meios de comunicação entram em polvorosa. O
numerólogo responsável pela revolução na vida da paulistona tala-larga fica famoso e vira o
preferido das estrelas. Após consultá-lo, o mago dos efeitos gráficos computadorizados Hans
Donner, uma espécie de Gugu Liberato menos bicha, também decide mudar e anuncia que passou a
gostar de mulher, mas vai continuar afetadinho. O modelo e ator (todo desocupado com pinta de
garoto de programa é modelo e ator) Reginaldo Janequinha, percebendo a oportunidade, consulta
sua esposa, numeróloga e dublê de apresentadora, Marilda Galinhela, uma espécie de Zora Ionara
mais feia: passa a se chamar Giafrancisquinho, para ficar mais fácil. Agora, imbatível mesmo foi o
caso do maestro Ray Conniff, que depois de se aposentar, veio para o Brasil, danou a engordar e
acabou virando apresentador de “talk-show”, dando uma canja vez por outra. A conselho de Oswald
de Souza, o Jair de Ogum do ábaco, trocou seu nome para Jofre Soares. Manteve a barba branca,
toca trumpete legal e tudo, mas fazer graça, que é bom, aí, é mais complicado...

124
Oxente Bichinho, esse menino ainda vai ser o presidente

Expressões idiomáticas
As diversas línguas espalhadas pelo mundo revelam curiosas particularidades. A mais interessante,
talvez, reside no contato com as outras culturas, quando esses idiomas sofrem acréscimos curiosos
de palavras estrangeiras. Agora mesmo, no Brasil, assistimos a discussões pra lá de controversas a
respeito da invasão das palavras com origem em outras línguas, mais especificamente o inglês. Para
mim, a culpa de tudo é a informática. Ora, como viver sem falar software? É o mesmo que não ter
um abajur (do francês abat-jour). E a memória RAM (Random Access Memory)? Passaremos a
chamar de MAR? “ô, moço? Quero um pente de 128 mega de MAR...”
Ainda com estrangeirismos, temos, hoje, pequenas expressões – few expressions – que denotam, e
modificam, toda uma postura. Por exemplo, o casual day (leia-se “cajual dei” ou “quejual dei”,
dependendo da frescura): os norte-americanos, sempre em dúvida entre a bobeira e a inovação,
decidiram que a sexta-feira era o dia para se trabalhar mais à vontade, mais despojados, a fim de
que seus managers, digo gerentes, labutassem de forma mais descontraída, com seus tênis cafonas,
seus camisões floridos e a camiseta de malha por baixo. Nós brasileiros, sempre espertos e loucos
para morar em Nova Iorque (tá aí uma tradução absurda – já imaginaram se eles chamassem aqui de
January River? E como chamaríamos Boston ou Chicago?), então decidimos fazer igual: ninguém
faz a barba, ninguém veste os paletós, ninguém usa gravata, essas coisas. Um inglês amigo meu
deixou a pergunta: “Mas por que você usam paletó e gravata neste calor infernal?”. Um
almofadinha ouvia a conversa e protestou indignado: “Ora, é protocolo entre executivos!”.
Pensando bem, será preciso um novo modismo para passemos a vestir uma indumentária mais
apropriada ao nosso clima – quem sabe um daqueles panos jogadões que os indianos usam? –. Até
lá, seguiremos com nossos sobretudos e blazers de lã, na friasca do nosso inverno carioca de 36
graus.
E só pra concluir, lembro que a expressão casual day é mais um triste exemplo da
exploração indecente entre colonizador e colonizado. É aquele tal negócio: mandamos a matéria-
prima, eles manufaturam, trazem para cá e vendem por preços exorbitantes. O caso se deu no
passado distante: em 1600 e sei lá quando, os ventos inquisidores chegaram por aqui e perseguiram,
com suas lufadas da morte, os novos cristãos que cá residiam, especialmente os judeus fixados em
Olinda-Recife na época da dominação holandesa (1630-1654). Já entrosados ao estilo de vida
nordestino, esses homens logo caíram na vida e, como ninguém é de ferro, na quinta-feira, todo
mundo caía na gandaia. No dia seguinte, era aquela ressaca. E nisso reside toda a explicação: todo
cachaceiro sabe que, para matar o cheiro implacável da cangibrina, o melhor remédio é o velho e
bom suco de caju. Daí que sexta-feira era dia de trabalho e a galera disfarçava o bafo bebendo
cajuada o dia todo. A roupa estava toda esgüelepada, no bagaço, mas bafo de cana, que era o
“brabo”, nadica de nada. O resto é história: tempos depois, 150 famílias saíram de Recife, rumaram
para o Norte e fundaram o povoado de Nova Amsterdã, atual Nova Iorque. As quintas de manguaça
continuaram – porque ninguém é de ferro –, trocaram a cachaça pela cerveja, a vodca e o uísque, e
aboliram o suquinho do dia seguinte – porque, lá, não tem caju –, ficando somente a ressaca e o
apelido “cajual day” (traduzido para casual day, claro!). Ah, sim, e a roupa esgüelepada, que, mais
tarde, passaram a vender aqui com a desculpa de serem griffes. E nós ainda agradecemos. Ai...

Abraços dele mesmo,


Acauã, o pássaro historiador da Ilha de Itamaracá.

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