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Paulo Emilio Sales Gomes CINEMA: TRAJETORIA NO SUBDESENVOLVIMENTO 2° EDIGAO PAZE TERRA ‘Caleta Lis © Edivora Paz e Tera, 1996, Editar raposdvrsCiecne RBhing e Maia Elisa Cevasco ‘Elio de exe: Thais Nicolet: de Camargo Produ grfice: Katia Habe (Capa abel Carballo Dados Inernacionais de Ctalogacdo na Publiasto (CIP) \(Climara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Gomes, Paulo Emilio Sales, 1916-1977. equeno cinema antigo! Paulo Emiio. — So Paulo : Paz e Tera, 1996. — (Colegdo Leivura) ISBN85-219-0217-4 1. Cinema — Brasil — Histria 2, Cinema — Hiseia 1. Tira. 96-2225 epp-791.450981, Indices paca catélogosistemiico 1. Brasil: Cinema Histéri791.430981 EDITORA PAZ E TERRA S.A. Rua do Trunfe, 177 (01212-010— Sio Paulo — SP ‘el.(011) 223.6522 Rus Dias Ferrers #417 — Lojt Pare 722431-050 — Rio de Janeio — RJ Comb dir Celso Furado Fernando Gasparan Roberto Schwarz Ross Freire D'Aguiae 2001 Imprciso no Brasil / Prine Bom . Panorama do cinema brasileiro: 1896/1966: SUMARIO Pequeno cinema antigo .... pene] 19 1* Bpoca: 1896 a 1912... 2 Bpoca: 1912 a 1922. 3* Epoca: 1923 a 1933 .. 4+ Epoca: 1933 a 1949 5* Epoca: 1950 a 1966... . Cinema: trajetéria no subdesenvolvimento 85 PEQUENO CINEMA ANTIGO. (© Brasil se interessa pouco pelo préprio passado. Essa atitude saudével exprime a vontade de escapar a uma mal- digo de atraso e miséria. O descaso pelo que existiti ex- plica, nao s6 0 abandono em que se encontram os arquivos nacionais, mas até a impossibilidade de se criar uma cinemateca. Essa situagio dificulta o trabalho do historia- dor, particularmente 0 que se dedica a causas sem impor- ‘ncia como o cinema brasileiro Hi dez anos, apenas meia dizia de pessoas tinha curiosidade pelo passado de nosso cinema, No estrangei- 10, 0 tinico era Georges Sadoul, 0 que nao espanta pois 0 historiador francés procurava conhecer @ histéria do cine- ma de tados os paises. Hoje um grupo razoavel sente ne- cessidade de conhecer o que foi nosso cinema. As pesqui- sas obedecem a norma vélida para qualquer ramo do conhecimento: abordar criticamente 0 passado brasileiro com o espitito de servir o presente e 0 futuro, mas a0 mes- ‘mo tempo se impregnar de simpatia. Escrever sobre cine- ma brasileiro no é mais uma tarefa pioneira:jé se consti- ‘tuju no pais um pequeno pablico ledor familiarizado com 7 algumas dezenas de nomes de cineastas e tieulos de fil- mes. £ obvio que essa enumeragio nao teria qualquer po- der evocativo para o leitor estrangeito © aparecimento do cinema na Europa Ocidental e ‘na América do Norte na segunda década dos anos 90 foi 0 sinal de que a Primeira Revolugio Industrial estava na véspera de se estender ao campo do entretenimento. Esse fruto da aceleragio do progresso técnico e cientifico en- controu o Brasil estagnado no subdesenvolvimento, at- rastando-se sob a heranca penosa de um sistema econémi- co escravocrata € um regime politico monérquico que s6 haviam sido abolidos respectivamente em 1888 ¢ 1889. O atraso incrivel do Brasil, durante os Gileimos cingiienca anos do século passado e outro tanto deste, é um pano de fundo sem o qual se corna incompreenstvel qualquer ma- nifestacio da vida nacional, incluindo sua mais fina lice- rarura é com mais razio 0 tosco cinema, ‘Annovidade cinematogrifica chegou cedo a0 Brasil, 56 no chegou antes devido ao razoével pavor que causava aos Viajantes estrangeiros a febre amarela que os aguardava pon- tualmentea cada vero, Os aparelhos de projeco exibidos a0 pablico europeu e americano no inverno de 1895-1896 co- ‘megaram a chegar ao Rio de Janeiro em meio dese tileimo ano, durante o saudavel inverno tropical. No ano seguince, a novidade foi apresentada intimeras vezes nos centros de di- versio da capital, e em algumas outras cidades. Em 1898, foram realizadas as primeirasfilmagens no Brasil mrt B Durante dez anos, porém, 0 cinema vegetou, tanto como atividade comercial de exibigdo de fitas importadas, ‘quanto como fabricagio artesanal local. A explicacio, como sempre, esta no retardo do pats. No caso especifico, o que impedia 0 desenvolvimento do cinema no Rio, para no falar no resto do territ6rio ainda mais arcaico, era a insufi- ciéncia da energia elétrica. Nos poucos locais da capital da Repablica que dispunham dessa comodidade, o menor tem- poral ou ventania interrompia o fornecimento, como ainda hoje acontece em largas porgdes relativamente prosperas — pois possuem elecricidade — do interior brasileiro. S6 em 1907 houve no Rio energia elétrica produzida industrial- mente, e entdo o comércio cinematogréfico floresceu. A abercura continua de dezenas de salas no Rio, ¢ logo em Sao Paulo, animou a importagio de filmes estrangeiros, e foi seguido de perto por um promissor desenvolvimento de uma produgio cinematogréfica brasileira. Um niimeroabun- dante de curtas-metragens de atualidades abriu caminho ‘para numerosos filmes de ficgo cada vez mais longos. © quadro técnico, artistico e comercial do nascence cinema era constituido de estrangeiros, notadamente lianos cujo fluxo imigrat6rio foi considerével no final do século XIX e nos primérdios do XX. Em matéria de técni- ‘a, a incapacidade do brasileiro tornara-se tradicional. Essa situagao aflitiva provinha do tempo recente em que 0 ¢ra- balho com a mao era, quando mais simples, obrigagio de 9 escravo, ¢, quando mais complexo, funcio de estrangeiro. Tis atividades eram consideradas indignas de pessoa bem- nascida, isto é, qualquer brasileiro, a partic da segunda ge- ragdo, com a pele niio muito escura. Cinema era tido como dificil, e qualquer tarefa de filmagens, laborat6rio ou sim- plesmente projecio, foi de inicio executada exclusivamente por estrangeiros. Sé mais carde alguns brasileiros, vindos da profissio entio recente de for6grafo de jornal, aprende- ram a manejar uma cimara. No terreno mais propriamente arcistico, os encenadores ¢ intérpretes provinham de elen- cos dramiticos em fourné sul-americana ou de grupos aqui radicados onde predominava o elemento estrangeiro. Certa tradigo dramatica brasileira, outrora brilhante, havia fene- cido na obediéncia a uma das leis do subdesenvolvimento: as decadéncias prematuras. Os diretorese incérpretes brasi- leiros 56 tomaram-se mais numerosos quando o cinema se impregnou de géneros teatrais ligeiros, revistas e operetas. ~ Quanto aos homens que abordaram 0 cinema como negé- io, eles no pertenciam ao mundo comercial estabilizado e rotineiro dominado por porrugueses. Eram quase sempre italianos, freqiientemente aventureiros, em cujas vidas pi- torescas niio pesava muito o lastro da respeitabilidade. Es- ses empresétios argutos eram, ao mesmo tempo, produto- res, importadores e proprietarios de salas, situagio que condicionow ao cinema brasileiro um harmonioso desen- volvimento, pelo menos durante poucos anos. 10 Entre 1908 e 1911, 0 Rio conheceu a idade do ouro do cinema brasileiro, classificagio valida & sombra da cin- zenta frustragio das décadas seguintes. Os géneros dra- smiticos e cOmicos em voga eram bastante variados. Pre dominaram inicialmente os filmes que reconstitufam os crimes, crapulosos ou passionais, que impressionavam a imaginagio popular. No fim do ciclo o pablico era sobre- ‘tudo atraido pela adaptacio ao cinema do género de tevis- ‘tas musicais com temas de atualidade. Os artistas se pos- tavam atrés da tela, falando ou cantando os textos de maneira a coincidir com as imagens mudas projetadas. Foram igualmente filmados numerosos melodramas ¢ as- suntos com criticas aos costumes urbanos. Essa idade do ouro nio poderia durar, pois sua eclosio coincide com @ «cansformacio do cinema artesanal em importante indis- tria nos paises mais adiantados. Em troca do café que ex- portava, o Brasil importava até palito ¢ era normal que importasse também o entretenimento fabricado nos gran- des centros da Europa e da América do Norte. Em alguns _meses 0 cinema nacional eclipsou-se ¢ o mercado cinema- ogrfico brasileiro, em constante desenvolvimento, ficou inteiramente & disposigdo do filme estrangeiro. Inteira- ‘mente margem e quase ignorado pelo piblico, subsisciu contudo um debilissimo cinema brasileiro. Do grande ntimero de pessoas ativas até 1911, perseve- rraram apenas os cinegrafistas. Ao lado dos curtas-metragens de atualidade, que Ihes asseguravam a subsisténcia, esses pio- ret neiros teimosos se aventuraram ocasionalmente a realizar um filme dramético. De 1912 em diante, durante dez anos, fo- ram produzidos anualmente apenas cerca de seis filmes de enredo, nem todos com tempo de projegio superior a uma hora. Os novos recrutas da profissio, técnicos, artistas ou encenadores, so ainda predominantemente italianos, mas jé apontam alguns brasileiros anto no Rio como em Sio Paulo, Cidade cuja importincia crescia e onde se verificava uma ati- vidade cinematogrifica paralela & da capital da Repéblica. Paralela é a expressio exaca pois os cineastas de uma ¢ outra nunca se encontravam, mais do que isso, se igoravam quase totalmente. Entre os filmes desse tempo, destacam-se os cal- cados em obras célebres da literatura brasileira, principal- mente as do perfodo romantico. Anote-se igualmente a comicidadé involuntéria dos assuntos que tomaram como pretexto a participacio puramente simbélica do Brasil na Primeira Guerra Mundial. A linguagem desse cinema mar- sginalizado permanecera extremamente primitiva. O filme brasileiro se estiolava dentro de uma estrucura draméticari- gidamente compartimentada, na qual a definigio dos caracteres e situagées, assim como o desenvolvimento do en- redo, fcavam na inteira dependéncia dos letreiros explicativos. Essa sieuagdo mediocre vigorou até os primérdios da década de vinte. Daf por diante, sucedem-se 0s sinais de vitalidade, [Nessa ocasifo, as brasileiros j so maioria no quadro do ci- nema nacional, mas os tnicos técnicos razodveis ainda serio, durante algum tempo, os italianos, 12 ‘Aproximadamente a partir de 1925, dobra a média de produgio anual, ¢ ha progresso na qualidade, Além do Rio de Janeiro e de Sio Paulo, produzem também as capi- tais de Pernambuco, do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais. Nesta iitima provincia surgem movimentos e per- sonalidades promissoras até em pequenas cidades do inte- rior. Paulatinamente esses diversos grupos estabelecem contatos através de jornalistas do Rio e de Sao Paulo que se interessam de forma militante pelos nossos filmes, de- lineando-se assim, pela primeira vez, uma consciéncia ci- nematogrifica nacional. Um ou outro diretor consegue trabalhar com certa continuidade. Hé uma progressio or- ginica de filme para filme e surgem obras que atestam inconteseavel dominio de linguagem e expressio esti- Liscica. Em tomo de 1930, nasceram os clissicos do cine- ma mudo brasileiro e houve uma incutséo valida na van- guarda mais ou menos hermética, Era tarde, porém. Quan- do 0 nosso cinema mudo alcanga essa relativa plenitude, o filme falado jé esté vitorioso em toda parte. 1, Plenitude apenas ariscica. Comercialmente o cinema nacional pet- manecia marginalizado, A exibigio dos filmes brasileirs era mais do que preciria e dependia inteiramente da boa vontade de um ou outro dono de sala. $6 foram realmence vistas pelo pblicoalgumas ras obras _que, por um motivo qualquer, as distribuidoras estrangeiras inclufam ‘ocasionslmente em seus circuits de sala. 13, ‘A hist6ria do cinema falado brasileiro abre-se com um longo e penoso reinicio. Durante as décadas de 1930¢ 1940, a produgio se limica praticamente ao Rio, onde se criam esttidios mais ou menos aparethados. Algumas leis paternalistas de amparo asseguram 0 prolongamento dos péssimos jornais cinematograficos ¢, numa fase posterior, obrigam as salas a exibir uma pequena percentagem de fi mes brasileiros de enredo. Alguns comerciantes de cinema importado dispdem-se a produzir filmes afim de beneficia- rem-se a si proprios com o cumprimento da lei. Dessa ma- ncira, restabeleceu-se, pela primeira vez desde 1911, certa solidariedade de interesses entre 0 comércio de exibigéo € a fabricagio nacional. O resultado mais evidente foi a prolife- ragio de um género de filmes — a comédia popularesca, vulgar e freqiientemente musical — que desolou mais de ‘uma geragio de eriticos. Uma visio mais aguda permiciria vislumbrar nessas fitas — destinadas aos setores mais mo- destos da sociedade brasileira — algumas virtualidades que ‘mereceriam estudo ¢ desenvolvimento. Durante vinte anos esse género — que s6 decaiu no cinema quando foi absorvi- do pela televisio — registrou e exprimiu alguns aspectos aspiragoes do panorama humano do Rio de Janeiro. As ten- rativas de um cinema melhor nao sfo freqlientes. Pouguis- simos diretores do cinema mudo permanecem na profissio € conseguem, eventualmente, conciliar a voga das cangoes ‘com temas de realidade social. A critica de costumes, fildo 4 que nio s6 0 cinema mas também 0 magro teatro brasileiro sempre abordaram com proveito, aponta aqui e ali, de for- ‘ma despretensiosa mas eficaz. Acontecimentos como uma rebelido militar de inspiragio comunista ou a instauragio no pafs de um regime fascista ni deixaram tracos em nosso cinema. Nossa participagio modesta na Segunda Guerra ‘Mundial suscitou trés filmes de circunstincia, duas comé- dias € um drama. Também nao foram felizes as adaptacoes de romances brasileiros célebres, antigos ou modernos. Es- tas Gltimas anunciavam a preocupagio social — que jé in- vadira a literatura do pais — e que mais tarde se tornatia ‘Go aguda no panorama cinematogtéfico brasileiro. ‘A década de 1950, tiltima que nos cabe tratar, se abre em Sio Paulo, onde um imaginoso manager italiano venta implancar a indistria cinematogréfica logo apés ter pro- movido um importante movimento teatral. Revelou-se ‘enganosa a semelhanga entre os dois tipos de empreendi- mento. O ato de produzir e representar uma pega é um s6, ao passo que realizar ¢ exibir um filme séo duas operacdes diversas. Os filmes relativamente custosos de Séo Paulo foram entregues a firmas distribuidoras estrangeiras pou- co interessadas na audaciosa tentativa industrial, cuja vida foi efémera. O saldo mais positivo consistiu na melhoria ‘técnica gracas a vinda de experimentados especialistas in- gleses. Da Iedlia vieram encenadores e cendgrafos — que serviam igualmente aos propésitos teatrais'em curso —e 15 até roteitistas. O resultado final foi uma diizia de filmes razodveis com acentuado ressaibo de cosmopolitismo im- provisado e jé meio fora de moda. O maior éxito comercial e cultural derivou de uma incursio na temética do ban tismo rural brasileiro. ‘© malogro industrial nao ceve conséqiléncias fatas. Durante a década de 1950, a produgdo, com o Rio nova- mente & frente, nfo cessou de aumentar, chegando a esta- bilizar-se em corno de trinta filmes anuais. O principal beneficiério da heranga do esforgo cosmopolita foi um pe- ‘queno grupo paulista que adquiriu fisionomia prépria e ccuja influgncia se manifesta fortemente no cinema oficial de nossos dias. Justifica-se, pois, que se defina a ideologia do grupo apesar da pobreza de sua contribuigao & cultura nacional. Essa definigio facilitaré, alids, a compreensio de ‘um taco curioso no fenémeno do subdesenvolvimento: a onalidade especial que pode assumir 0 anseio de ascensio individual no status quo da sociedade. A afirmagio dos as- pectos exteriores da riqueza e do poder, isto é, oarrivismo, pode coexistir ou ser totalmente substirufda pela vivencia de sentimentos fantasiosos atribuidos a elite, nostalgia, pessimismo e gosto pela decadéncia, enfocados na mais total auséncia de senso critico e de humor. Os arrivistas do espirito desejam atingir verdades universais e perma- nentes do ser humano, acima de qualquer conjuntura so- cial definida. As intengGes sublimes nio se separam, po- 16 rém, — e aqui o grupo entra realmente em comunhéo com a camada social 2 qual aspira —, de um conservan- tismo que pode eventualmente descambar na delagao. Esse tipo de artivista é recrutado nas camadas modestas de uma pequena burguesia citadina de origem européia. Durance algum tempo, o empenho maior do grupo foi reagir pas- sionalmente contra o cinema do pés-guerra, notadamen- te 0 italiano, que dignificava uma humanidade que Ihes era biograficamente proxima mas & qual desesperavam em dar as costas. Seus filmes revelam no melhor dos casos. um ta-lento de feitura perdido na indigéncia dos argu- mentos ¢ roteiros. ‘A influéncia do cinema italiano do pés-guerra no teve apenas o efeito negativo acima registrado. Cineastas do Rio e de So Paulo adaptaram a ligo ao nosso cinema, tendo resultado obras profundamente nacionais sem a menor semelhanga com eventuais modelos originais. Os autores desses filmes provinham do Partido Comunista, to medfocres no terreno politico brasileiro quanto o fas- cismo ou o liberalismo, Um jovem intelectual comunista encontrava, porém, no Brasil do pés-guerra, estimulo para 4 imaginagio e gosto pela realidade nos livros de alguns auténticos grandes escritores membros do Partido. Essa formasao literéria, aliada ao método cinematogréfico ita- liano de identificagéo com 0 universo social circundante, condicionou a eclosio de quase todos os filmes significati- 7 vos realizados durante a década de 1950. A ressalva € para permitir a inclusio de alguns éxitos isolados e para mar- car 0 reaparecimento de um veterano do cinema mudo com um filme regional saboroso e maduro. No fim da dé- cada, a produgio, quantitativamente considerivel, quase s6 apresenta filmes vulgares, de natureza cémica ou, em ‘niimero menor, sentimental. O cinema de 1959 era tio fuim que, num dado momento, as expectativas se cristali- zaram em tomo de uma bobagem bem-cuidada e custosa do grupo dos arrivistas do espitito. No fim da década de 1950 e inicio da de 1960, 0 Brasil vivia momentos de aguda esperanga e tornava, pot ‘ontraste, ainda mais desalentador o panorama cinemato- gréfico. Jé estavam, porém, agindo os jovens desconheci- dos que iriam provocar uma reviravolta no cinema brasi- Ieito, sintonizando-o com o tempo nacional ¢ conferin- do-lhe, pela ptimeira vez, um papel pioneiro no quadro de nossa cultura 18 PANORAMA DO CINEMA BRASILEIRO: 1896/1966 1 EPOCA: 1896 a 1912 Em 1896, 0 cinema chegou ao Brasil. Ignora-se 0 nome do empresirio, mas a méquina chamava-se ‘Omniographo, e as exibigdes desenrolaram-se numa sala da rua do Ouvidor, 0 coragdo do velho Rio antes da inau- _guracio da avenida. Longamente os jornais comentaram a novidade e 0 aparelho deve ter funcionado duas ou trés semanas. Depois disso 0 Omniographo se eclipsou para provavelmente ressurgir mais tarde, com outro nome. A partir das primeiras semanas de 1897, aparelhos denominados Animatographo, Cineographo, Vidamo- togeapho, Biographo, Vitascopio, ou mesmo Cinemato- grapho, sio apresentados no Rio, em Petrépolis, ¢ logo tem seguida em Sao Paulo e outras cidades importantes Os prestidigitadores acrescentam o cinema aos seus nii- eros € torna-se freqiiente a presenca das fitinhas curtas de entio nos programas dos teatros de variedades e dos cafés-concertos. A nova invengio € manipulada por artis- 19 tas ambulances, em geral estrangeitos, dotados de algum conhecimento mecanico. ‘A primeira sala fixa foi instalada no nf 141 da rua do Ouvidor, em 31 de julho de 1897, e chamou-se “Salo de Novidades”. Cinema era novidade francesa € 0 local passou logo a ser 0 “Salio Paris no Rio”, nome com que cumpriu seu papel na histéria do cinema no Brasil e do filme brasileiro. O principal dono do empreendimento era Paschoal Segreto, Eram os Segreto um grupo de irmios imigrados da Ieélia, em épocas diversas, e no momento que nos ocupa vamos encontrar quatro deles no Rio: Gaetano, Afonso ¢ Luiz, além de Paschoal. £ de se presumir que Gaetano devia ser 0 mais velho: ndo traduziu o nome ej constieui- ra familia, Tinha um servico de distribuigéo de jornais € participava igualmente das atividades do “Salo. Paschoal devia andar pelos trinta anos e os dois outros itmios, cer- tamente mais jovens, trabalhavam para ele. Moravam to- dos nos andares superiores do salio de diversées da rua do Ouvidor. Além de cinema, 0 "Saldo Paris no Rio” oferecia gran- de variedade de divertimentos visuais e mecinicos. Con- tudo, as “vistas animadas” consticufam a principal atragio , como havia necessidade de se renovar constantemente 0 repert6rio, emissérios de Paschoal Segreto seguiam com freqliéncia para Nova York ou Paris, a fim de obter vistas 20 novas e aparelhamento mais aperfeigoado. Afonso era em zgeral o encarregado dessas missbes. Em 1898, voltando ele de uma das suas viagens, ti- rou algumas “vistas” da Bafa da Guanabara com a cimara de filmar que comprara em Paris. Nesse dia — domingo, 19 de junho —, a bordo do paquete francés “Brésil”, nas- ‘eu o cinema brasileiro.’ Dai por diante, sucedem-se as filmagens. Dia 29, Afonso registrou o cortejo que condu- ‘tiv ao cemitério os despojos de Floriano Peixoto e, no dia 5 de julho, o desembarque de Prudente de Morais ¢ comi- tiva no Arsenal da Marinha. Os pontos importantes da cidade foram focalizados: o Largo do Machado, a Praia de Santa Luzia, a Igreja da Candelaria, 0 Largo de So Fran- cisco de Paula... A rua do Ouvidor, apesar de sua impor ‘ncia, era estreita e demasiado sombreada para se prestar a filmagens que exigiam luz natural, Chegaram, pois, até nés, e razoavelmente bem, as circunsténcias em que foram rodadas no Brasil as primei- ras dezenas de metros de pelicula virgem. Muito mais di- ficil seré fixar quando foram projetadas pela primeira vez as “vistas” nacionais. Os jornais cariocas de julho e da pri- 1. Esse e muitos ouros dadosrelativos aos primsdios do cinema brasi- Ieiro encontram-se no importante trabalho, ainda inédito, de Vicente de aula Arasjo, O cinematégrafo no Rip de Jamie (1896-1912). (N. do E. — Publicado pela Editora Perspectiva, 8. Paulo, 1976, com o teulo: A (ela pea do cinema brasieir.) 21 ‘meira semana de agosto de 1898 noticiam com freqiiéncia 1 préxima apresentagao de vistas locais no Animatographo do “Salo Paris no Rio”; contudo, nenhuma dessas anun- ciadas exibig6es se realizard até 8 de agosto, data em que o escabelecimento foi totalmente destruido por um incén- dio, $6 alguns meses depois, em janeiro de 1899, € que se reabriu o “Salo”, tornando-se a exibicdo de filmagens de assuntos brasileiros ento habitual. Mas é possfvel que as primeiras atualidades de Afonso Segreto tenham sido pprojetadas no ano anterior, se ndo no Rio, pelo menos em Campos, no Estado do Rio de Janeiro, onde por ocasiio do incéndio estava Paschoal Segreto montando uma su- cursal de sua préspera empresa de diversdes. Durante alguns anos foram 0s irmios Segreto os prin- cipais exibidores de filmes e, até pelo menos 1903, os ini- cos produtores dos escassos filmezinhos nacionais de atua- lidades. Prosseguiu Afonso Segreto nas suas viagens de negécios aos Estados Unidos e a Europa ¢, ao que tudo indica, lé pelos meados de 1900, nao mais voltou ao Bra- sil. As tarefas técnicas de filmar e revelar foram entdo as- sumidas por outros colaboradores de Paschoal Segreto, ‘cujos nomes a pesquisa ainda no descobriu. O desaparecimento de Afonso Segreto, € 0 siléncio que ‘0 parentes guardaram em torno dele, fez com que seu nome caisse num quase total esquecimento; ¢fécil tragar os dados biogréficos de qualquer um dos seus itmaos, mas precisa 22 mente os dele tornam-se obscuros e no final se perdem com suas pegadas. Teria prosseguido com seus trabalhos no ex- terior? Ou tetia voltado para cd se dedicado a outras ativi- dades? Paschoal e Gaetano deixaram muitos sulcos na vida carioca até 0 dia em que foram levados ao Cemitério Sio Jodo Batista, onde se encontram sob o jazigo em marmore de Carrara, com figuras simbolizando a Arce Teatral ¢ a Imprensa amparadas pelo Anjo da Morte. Jéa passagem de Luiz Segreto foi mais modesta nos meios artisticos nacio- nais. Masa respeito de Afonso Segreto, o primeiro nome do cinema brasileiro, nio se sabe rigorosamente nada 5 dez primeitos anos de cinema no Brasil sfo pau- ppérrimos. As salas fixas de projegio sio poucas, e pratica- mente limitadas a Rio e Sa0 Paulo, sendo que os numero- 505 cinemas ambulantes nao alteravam muito a fisionomia de um mercado de pouca significaséo. A justificativa prin- cipal para o ritmo extremamente lento com que se desen- volveu 0 comércio cinematogréfico de 1896 a 1906 deve set procurada no atraso brasileiro em matéria de eletrici- dade. A utilizagio, em margo de 1907, da energia produ- zida pela usina do Ribeirdo das Lages teve conseqiiéncias imediatas para-o cinema no Rio de Janeiro. Em poucos ‘meses foram inscaladas umas vinte salas de exibigio,? sen- 2, Vicente de Paula Arasjo registra 18 inauguragSes de sas novas, ‘entre 10 de agosto ¢ 24 de dezembro de 1907, 23 do que boa parte delas na recém-construida Avenida Central, que ja havia desbancado a velha Rua do Ouvi- dor como centro comercial, artistico, mundano e jorna- istico da capital federal, Esse stibito florescimento do comércio cinematogréfico em 1907 influiu diretamen- te na producao de filmes brasileiros. Seguindo a erilha aberta pelo pioneiro Paschoal Segreto, alguns dos no- vos empresarios cinematogréficos procuraram se dedi- car simultaneamente a importagio, exibigo e produ- sao de filmes. Assim fizeram os italianos José Labanca ¢ Jécomo Rosario Staffa, até entéo empresirios do “jogo do bicho"; assim fizeram os franceses Marc Ferrez e fi- Ihos, instalados como fordgrafos. O mesmo caminho ain-da foi seguido pelo alemao Cristévao Guilherme Auler, fabricance de méveis da Rua do Ouvidor, e pelo espanhol Francisco Serrador. Tal entrosamento entre 0 comércio de exibigio cinematografica e a fabricagdo de filmes explica a singular viralidade do cinema brasilei- ro entre 1908 ¢ 1911 Todas as filmagens brasileiras realizadas até 1907 li- mitavam-se a assuntos naturais. A ficgo cinematogrifica, ou melhor a fita de enredo, 0 “filme posado”, como se dizia entdo, s6 apareceu com 0 surto de 1908. Pairam ain- da diividas sobre a primeira fita de ficgo realizada no Bra- sil, masa tradigéo aponta Os estranguladores, filme de grande relevo na histéria do cinema brasileiro. Nao sio levados 24 em muita consideragdo os filmezinhos produzidos por Francisco Serrador em Sao Paulo, provavelmente em 1907, filmes posados por um duo de cantores que sonorizavam a projecio escondidos atrés da tela, Nao se tratava propria mente de fitas de enredo. Vicente de Paula Araijo localizou uma comédia pro- jetada em junho de 1908, no Grande Cinematographo Pathé: Nbi Anastdcio chegou de viagem. ¥ uma sétia con- corrente ao titulo de primeira fita brasileira de ficgao. “Narrava as peripécias de um matuto que veio passear no Rio de Janeiro, desembarcou na estagdo da Central, andou pelas ruas, viu a caixa de conversio, entrou no Palacio Monroe, visicou o Passeio Pablico, enamorou-se de uma cantora, mas tudo se complicou com a chegada siibita da esposa. Por fim, a série de qiiiproqués, a perse- guigio cmica, a reconciliagéo geral, 0 happy end...” Foi filmada por Julio Ferrez, e interpretada por José Gon- alves Leonardo. “E a primeira vez, escreveu um cronista da época'; que se fazem entre nés fitas dese género.” Devia ser NAé Anastdcio uma fita curta, com uns quinze minutos de duragio no méximo. Vinte dias apés 0 langa- mento de Nhé Anastdcio, jé estava pronto um filme bra- 3. Vicente de Peule Aratjo— Cap. XVIII da obra citada 4, Figueiredo Pimentel, in Gazeta de Nori, de 20/junho/1908. Cia da por V. P, Aradjo 25 sileiro de mais de meia hora, o celebrado Os estrangula- dores, de Anconio Leal. Durante muito tempo foi o portugués Antonio Leal apresentado e aceito como o fundador e criador do cinema brasileiro. Teria ele, no s6 realizado o primeito filme de enredo, mas sido ainda o operador das primeiras filma- ‘gens feitas no Brasil. A dissipacio dessas lendas nao dimi- nui em nada a importancia de Leal. Em 1904 ainda o en- contramos como fordgrafo de O malbo e com atelié insta- lado & Rua do Ouvidor. Sem diivida foi no ano seguinte que comecou a filmar, mas s6 decorrido algum tempo € que se criaram condigdes para que ele se transformasse ‘num cinegrafisca profissional, o melhor da época na opi- rio da imprensa contemporinea. Em maio de 1907, re- cebe Leal o dificil encargo de cinematografar, por conta talvez do empresério Jécomo Rosario Staffa, a operagio das xif6pagas realizada pelo Dr. Chapot Prévost. No ano seguinte, associa-se ele a José Labanca para fundar a firma “Photo Cinematographia Brasileira”, inicialmente apenas uma “fébrica de vistas”, mas que logo em seguida se con- centraria nos filmes de enredo. Duas comédias curtas de Leal, Os capadcios da cidade nova € O comprador de rates, io quase contemporineas de NAi Anastacia, comédias esti- muladas certamente pelo éxito que o filme de Julio Ferrez alcangou. A realizagio, porém, de Os estranguladores colo- coua empresa de Labanca e Leal na lideranga da auspiciosa produgio de 1908. 26 Dois anos antes um crime cerrivel havia causado pro- funda impressio no Rio: dois adolescentes, os irmios Paulino € Carluccio Fuoco, sobtinhos ¢ empregados de um joalheiro da Rua da Carioca, foram estrangulados por uma quadrilha composta de Gerénimo Pegatto, proprie- tario do barco “Fé em Deus”, de Carletto Epitécio, dois comparsas, ¢ do contrabandista Eugenio Rocca, apelidado “occaborino do crime”, devido ao seu tipo enfatuado, cheio de recursos histriGnicos. Fothetos de literatura de corde! Circularam logo com versos sobre a crueldade de Rocca € sobre 0 destino trigico dos jovens Fuoco. Um cinegrafista de Paschoal Segreto filmou Rocca, Carletto e Pegatto, na Casa de Detencio. O Teatro Lucinda apresentou no palco Os estranguladores on Fé em Deus. Figueiredo Pimentel ¢ Rafael Pinheiro, ambos conhecidos jornalistas, escreveram odrama A quadrilha da morte, que serviu de roteiro para 0 filme Os estranguladores do Ria, conhecido depois como Os Estranguladores, que Leal devia langar em julho de 1908. Contornadas algumas dificuldades que surgiram com a policia, a fita iniciou sua carteira triunfal no cinema de Labanca, 0 “Palace” da Rua do Ouvidor, nos primeiros dias de agosto. Calcula-se que Os estranguladores foi exibida mais de oitocentas vezes, constituindo um empreendimento sem. precedentes no cinema brasileiro, Tinha setecentos metros, isto é, quase quarenta minutos de projesdo, e compunha- 27 se de dezessete quadtos: — 1* Trama do crime; 2° Na Ave- nida Central; 3 Embarque na Prainha; 4° Na Itha dos Ferreiros; 5# Primeiro estrangulamento; 6* A procura da pedra; 7# Desembarque em So Cristévio; 8 O assalto; * Segundo estrangulamento; 10* Divisio das jéias; 11° A pega; 12*O informante; 13° Prisio do primeiro bandido; 14* Nas matas de Jacarepagud; 15* Prisio do segundo ban- dido; 16° Dois anos depois; 17* Na prisio. Entre os colaboradores e intérpretes que Leal reuni em Os estranguladores encontram-se varios nomes que esta- rio sempre presentes nessa fase primitiva do cinema bra- sileiro: Emilio Silva, Francisco Marzulo, Joio de Deus, Antonio Serra e Jodo Barbosa’, Notadamente Antonio Serra voltard a aparecer como diretor de cena de quase todos os filmes de enredo da “Photo Cinematographia Brasileira”. Encorajados diante do sucesso desse filme, resolve- ram 0s produtores aumentar a metragem de suas fitas, lan gando-se a moda de aproveitar hist6rias calcadas nos cri- mes mais espetaculares da época. A filmografia de Leal, ‘cujo momento dureo parece ser 0 ano de 1909, contém titulos que resumem toda a cténica policial do tempo: a professorinha de Sio Paulo que anavalhou 0 noivo na ter- ga-feira de Carnaval é evocada em Noivado de sangue ou Tragédia paulinta. Um assassinaco que ficou famoso nos * Ndo E, — Em 70 Anu, consta também o nome de Eduardo Leite, 28 ‘irculos mundanos do Rio inspirou Um drama na Tijuca. Quando o estrangulador Miguel Trad esquartejou sua vi- ima Elias Farhar e a despachou dentro de uma mala, no s6 Leal e Labanca sentiram-se atraidos pelo macabro tema: Marc Ferrez também enviou seu filho Julio acompanhado de artistas a Sio Paulo e Santos com 0 objetivo de recons- tituir os fatos nos préprios locais da tragédia. Tiveram as fitas rivais titulo idéntico, A mala sinistra, foram langadas ‘quase ao mesmo tempo. Houve uma terceira fita sobre 0 mesmo epis6dio, filmada por Alberto Botelho’, jovem fo- t6grafo da Gazeta de Noticias, e que iniciava sua carreira ‘cinematogeéfica em Sio Paulo. cinema brasileiro no se especializou, porém, 56 em enredos de crimes. De 1908 a 1911, foram ensaiados no Rio todos os géneros de espetéculo cinematogréfico: melodramas tradicionais como A Cabana do Pai Tomds, O remorso vieo e Jodo José; dramas hist6ricos como Dona Inis de Castro, A Restauragio de Portugal em 1640 ¢ A Repiblica Portuguesa; pactidticos como A vida do Bardo de Rio Branco ‘ou abordando temas religiosos como Os milagres de Santo ‘Antonio e Os milagres de Nossa Senbora da Penba. Os temas ‘carnavalescos tiveram inicio com os filmes Pela vitbria des lubes e 0 corddo, Numerosas foram também as comédias, 5. Peri Ribes — "I cinema in Brasil fino al 1920", in Cinema Brasilia, Silva Bditore, Génova, 1961, p. 24, nota 2. 29 baseadas algumas na atualidade politica, como Zé Bolas € © Famosoielegrama n 9 — onde era ridicularizado 0 chan- ler argentino Zeballos, adversirio de Rio Branco — € Pega na chaleira, sétita aos bajuladores mais em evidéncia na politica do pais. Outras comédias como Os capadécos da cidade nova, O comprador de rato, 0 9* mandamento, Uma liga de maxixe e Um cavalbeiro deveras obsequios” seguiaen uma linha mais do género de sketches criticando os costu- mes da época, Oportuno destacar aqui, entre as comédias mais longas, As aventuras de Zé Caipora, com oitocentos ‘metros e mais de vinte quadros narrando as peripécias de ‘um matuto. ‘A maior parte desses filmes — cdmicos ou draméti- 0s, curtos ou longos — foi realizada por Antonio Leal ¢ José Labanca, que dominaram a produgio nacional du- ance 08 dois anos que permaneceram juntos na “Photo Cinematrographia Brasileira”. Mas houve um género no ‘qual foram vencidos pelos concorrentes, notadamente Cris- t6vio Guilherme Auler ¢ Francisco Serrador: 0 dos cha- mados filmes cantantes ou falantes Desde os primeiros anos do século foram numerosas as apresentagdes no Rio, em Sao Paulo ¢ em outras capi- tais, de espetéculos de origem estrangeita, e nos quais ha- IN do E, —Em 70 Ama, consta também 0 tiulo Pasiapere ¢ compa hia 30 via a combinagio de cinematégrafo ¢ gramofone. Jé 0 fil- me cantante brasileiro exigia que os artistas se escondes- sem atrés das telas ¢ acompanhassem com @ voz a movi- mentagio das imagens. Esse tipo de espetaculo, que Serrador teria iniciado em Sio Paulo no ano de 1908, ad- quiriu no Rio de Janeiro, de 1909 @ 1911, um desenvol- vimento verdadeiramente surpreendente. Eram de inicio filmezinhos curtos: Eduardo das Ne- ves cantava um mimero de seu repert6rio, ou endo Santia- g0 Pepe e Claudina Montenegro interpretavam € canta- ‘vam em dueto um trecho de 6pera. Fitas curtas desse género foram produzidas as centenas; contudo, logo comecou a moda das operetas mais ou menos completas, mais ricas de enredo € movimentagio. Nao escapou nenhum titulo prestigioso do repertério internacional: A vitiua alegre, O conde de Luxemburgo, A geisha, Sonbo de valsa, A condessa descalga.. Algumas dessas fitas — com a trupe completa de ineérpretes atrés da tela — foram apresentadas cente- nas de veves. Intensa era a rivalidade entre os produtores, € assim houve um momento em que nada menos de trés ‘verses cinematogrificas de A viiiva alegre disputavam 0 favor do paiblico: uma de Leal, outra de Auler, e uma ter- ceira do tipo brejeiro, fabricada talvez por Serrador’, que +N. do E.— Em 70 Anas, em lugar do nome de Serrador esté 0 de aschoal Segreto. 31 se dedicava cada vez mais aos programas picantes, impr6- prios para menores, senhoras e senhoritas. Nido faltou uma parédia, O visivo alegre, de Mauri. (© que houve porém de mais interessante no género falado e cantado foram os filmes-revistas de atualidade po- litica, Retornava-se, assim, & antiga tradigdo da revista de fim de ano, ilustrada no havia muito por Artur de Aze- vedo, Em 0 chantecler, o titulo jé era uma alusio a Pinheiro ‘Machado, o chefe da vida politica na época. 0 cometa, es- ctito por Raul Pederneiras, fez também bastante sucesso, bem como 606, cujo titulo completo era 606 comtra 0 spirocbeta pdlido. Mas nenhum desses filmes teve 0 &xito financeiro e artistico de Paz e amor. Exibida mais de mil veves, a partir de marco de 1910, e saudada por toda a imprensa, essa produgio de Auler, filmada por Alberto Botelho, foi a primeira verdadeiramente a se enquadrar no género de filme-revista, focalizando as principais figu- ras € acontecimentos politico-sociais. Com roteiro e ver- 08 de José do Patrocinio Filho, o filme mal poupa o Pre- sidente Nilo, que aparece sob o transparente pseudénimo de “El Rei Olin”. Jé Rui Barbosa e Hermes da Fonseca surgem como tais, disputando a principal personagem fe- minina, a “Presidéncia”, Outras personagens femininas ‘como “A Imprensa”, a “Banda Alema” e a “Vitiva Alegre” tm atuagio destacada como simbolos da sociedade de entio, ao lado de “Compadre Xicara” e “Pajé-Acioly”, 32 reconhecidos imediatamente como os politicos Pires Ferreira e Nogueira Acioly. A ado era conduzida por ‘Tibtircio da Anunciagio, personificagio do matuto que a A Carta cornara popularissimo: chega 0 her6i para co- nhecer 0 Mundo da Lua, entdo sob o governo do Rei Olin ‘Como cicerone, é-Ihe oferecida "A Imprensa”, que ele te- ‘cusa por ser essa senhora sabidamente faladeira e venal Quem o acompanha entio nas aventuras é “Mussid Baboseira”, em quem o ptiblico imediatamente reconhece © poeta-profeta Mticio Teixeira. Terminava o filme com uma apoteose ao “Minas Gerais”, navio de guerra recente- mente adquirido que fizera do Brasil — na opinito de alguns patriotas — a terceira poténcia naval do mundo. Ismenia Mateos era a intérprete da principal perso- nagem feminina de Paz ¢ amor. Seria ela ainda a figura central de A geisha, Sonbo de valsa, A marcha de Cadiz, O cordan e intimeras outras fitas de menor importancia. Enor- me era 0 entusiasmo do piiblico por essa sua deusa que — segundo consta — tinha bela voz. “uma pléstica maravi Ihosa”, como muitos anos depois ainda recordaré um cro- nisea*, Mas nfo foi o cinema que a popularizou, pois quando Auler foi procuri-la para posar nos tais famosos filmes cantados, Ismenia Mateos estava no auge de sua carreira artistica. Os lineamentos de sua biografia assemelham-se 6, Pedro Lima — SELECTA — Ano X — nt 44, Ifnoverbro/1924, 33 aos de muitas atrizes de entio: nascida no estrangeiro, a _meninice nos meios teatrais, as andangas pela América do Sul, 0 encontro do amor no Rio... Perdurando ou nao 0 amor, foi no Brasil que tantas daquelas “divas” prolonga- ram suas carreiras no teatro, com incursdes no cinema, de mistura as vezes com 0 mundanismo elegante de boémio da belle ogue. Nos primérdios de 1911, reinava ainda animagio nos meios da produgio cinematogrifica: enquanto Serrador lan- ava A serrana, opereta de costumes porcugueses “inteira~ mente bailada ¢ cantada, sem nenhuma declamagio””, era exibida a revista 606, filmada por Paulino Botelho, o it- ‘mao mais velho de Alberto, também fotégrafo de imprensa ‘que 0 cinema acabara por conquistar. Continuava inten- saa concorréncia entre Auler e Serrador, cada qual apre~ sentando 0 seu Conde de Laxemburgo. Alberto Moreira — principal criador do filme-revista — realizou um drama cinematogrifico declamado: A Repiblica portuguesa ou 5 de autubro, Salvatore Lazzaro, um empresirio que até ento no cuidara de cinema, produziu pot sua vez O guarani, ‘em quatro partes", com intérpretes-cantores contratados em Buenos Aires. A publicidade apresentava ofilme como 7. Giada por V. P Atasijo. 8. ¥.P. Arai informa que Leal hava flmado ern 19080: Guarens, pega do palhago negro Benjamim de Olivera, baseada na obra de Alencat. 34 “a tinica épera lirica completa feita até hoje" Todo esse esforco era porém um canto de cisne. Em junho de 1911 era exibida A dangarina descalza, de Auler, 0 Gltimo filme ‘cantante. Os dois tiltimos filmes mudos de enredo, co média O casamento de Esteves © 0 drama Triste fim de wma vida de prazeres, jf datavam de 1910. Encetrava-se assim, em meados de 1911, um ciclo particularmente movimen- tado, talvez brilhante mesmo do cinema nacional. Em 1912, foi realizado apenas um filme de enredo no Rio de Janeiro, ¢ que nem foi exibido, censurado pela Marinha ‘de Guerra por ter focalizado a vida do cabo Joxo Candido, lider da rebelio dos marinheiros contra 0 uso da chibata como punigao. Intensifica-se a crise: quase todos aqueles que parti~ cipavam ativamente da fabricagio de filmes nacionais aban- cdonam as lides cinematogréficas. Argumentistas, roteiristas e diretores de cena que haviam surgido, 20s poucos vio retornando as suas origens jornalisticas e teatrais. O de- sinteresse generalizado atinge também os primeiros pro- dutores ¢ dele nio escapa nem um Paschoal Segreto, que cada ver mais se dedicaré apenas ao teatro ligeiro. Agrava~ se a deserglo: Labanca abandona definitivamente a profi siio cinematogrifica. Permanece Serrador, mas sua frutuosa carreira no cinema apéia-se agora exclusivamente no co- 9. Gitado por V.P. Arai, pp. 42:3. 35. meércio do filme produzido no estrangeiro. Rompe-se a antiga solidariedade de interesses entre os fabricantes de filmes nacionais 0 comércio local de cinematografia. Os ‘que persistem em fazer filmes nacionais encontram ctes- cente dificuldade em exibi-los. Entre esses teimosos, en- contramos Leal, os irmos Borelho, ¢ alguns outros pou- 0s técnicos e cinegrafistas que ndo desistem. Viriam eles ‘ assegurar um mfnimo de continuidade entre a época que se encerra em 1912 € a seguinte, que cobriré os préximos dez anos. 2 EPOCA: 1912 a 1922" Apés 0 colapso assinalado em 1911-12, a continui- dade do cinema brasileiro repousou inicialmente na ativi- dade de alguns cinegrafistas, ou seja, eécnicos em filma- ‘gem. Nio foi, entrecanto, realizando filmes de enredo que esses profissionais conseguiram ganhar a vida: tanto An- tonio Leal — veterano com sete anos de atividades cine- matogrificas — como Paulino ¢ Alberto Botelho dedi- cam-se sobretudo aos documentatios jornais cinema- ‘ograficos. E quando evencualmente filmam um enre- do, niio € por terem encontrado um empresétio interes- *N. do E, — Em 70 Ama, a 2 época se inicia em 1913, 36 sado em seus servigos técnicos, pois serdo seus préprios pprodutores nessas raras investidas no campo do cinema de ficgio. ‘A idéia de que o crime compensa — pelo menos como ‘enredo de filme — deve ter inspirado os responsiveis pela produgdes que tentaram artancar 0 cinema nacional do ‘marasmo em que mergulhara por volta de 1912. Histori- camente, a idéia é certa, € havia sido testada entre nds com o grande éxito de Os estranguladores, de Leal, e de ou- tras fitas de crime, nacionais ou estrangeiras. De qualquer forma, os tinicos trés filmes de enredo realizados no Brasil em 1913 giram em torno desse tema: 0 caso das caxotes, O crime de Paula Matos ¢ 0 crime dos Banbades, trindade de crimes famosos e recentes, como convinha para atingir maior pablico. 0 caso dos caixotes, também conhecido como 0 roubo des 1400 contes, inspirou-se num assalto sensacional. 0 crime de Paula Matos focaliza o assassinato do industrial Adolfo Freire por Augusto Henriques, nomes que encontravam muito eco na imaginacio popular. Ambos esses filmes, rea- lizados no Rio pelos irmios Botelho, eram filmes médios, em tr@s partes, isto, davam cerca de quarenta minutos de projegio. Jé 0 terceiro filme, O crime das Banbades, era uma supermetragem, com quase duas horas de projegio. O produtor desse filme foi o velho ator portugués Francisco Santos, que se aposentara do palco ¢ resolvera, 37 por desfastio, fazer cinema na cidade gaticha de Pelotas. Inspirava-se a fita num barbaro episédio de recentes lutas politicas que haviam culminado no massacre de uma fa- milia inteira, na Fazenda de Passo da Estiva. Os nomes dos personagens sio ficticios, 0 mével do crime aparece como sendo 0 roubo, mas no se podia iludir o piiblico com esses e outros disfarces diante de um episédio que Ihe cera extremamente familiar; foi, sem diivida, devido a tal reconhecimento que 0 filme teve assegurada uma longa carreira Na prospera Pelotas da industrializagdo do charque, © patriarca Francisco Santos, dono de uma sala de cinema ¢ ligado ainda a outros negécios, escrevia, produzia, dit Bia, filmava e interpretava seus filmes. Além de O crime de Banhados, chegou a completar mais duas produgdes, A/- bum maldito ¢ a comédia Os éeulas do avd, supondo-se que ambos nio atingiram a importante metragem do primei- 10, Informa Peri Ribas que Francisco Santos era afilhado de Camilo Castelo Branco, ¢ assim teria aproveitado o fa- ‘moso romance Amor de perdigdo para um filme, como ho- ‘menagem ao padrinho. Isso em 1914. Com a eclosio da Primeira Guerra Mundial e devido a restrigio de filme vvirgem, o trabalho teve que ser interrompido.' 1. Peri Ribas, “I Cinema in Brasile ino al 1920" in Cima Brasilien, spit 38 Nesse ano, com efeito, em conseqiiéncia ou no da ‘guerra, as atividades cinematogrficas no Brasil foram mi- nimas. Além dos esforgos de Francisco Santos, s6 encon- tramos registro de mais de uma fita de enredo, A Estran- sgeira, esctita e dirigida em Petrpolis por um adolescente de quinze anos: Henrique Pongetti. Aos poucos, porém, recomesou 0 movimento. Enumera Peti Ribas mais de uma diizia de firmas produtoras criadas no Rio e em Sao Paulo durante os quatro anos que durou o conflito. Os ‘novos nomes sio em geralitalianos: Michele Milani, Franco Magliani, Italo Dandini*, Arturo Carrari, Guelfo Andal6, 0s irmaos Lambertini, Eduardo Vitorino, Vittorio Capel- laro, Paulo Aliano, Gilberto Rossi, Paulo Benedetti, Wil- liam Jansen... Os diretores desse grupo eram na maioria homens com alguma experiéncia teatral, quando no at- tistas profissionais que vieram para o Brasil em. tournée, como Vittorio Capellaro. Os cinegrafistas, as vezes muito bons, como Benedetti ou Rossi, pertencem a categoria daqueles imigrantes ricos de habilidade arcesanal, sem 0s quais o desenvolvimento tecnolégico brasileiro seria sem diivida mais precirio, A essa lista de estrangeiros — sem diivida incompleta — devem ser acrescentados alguns brasileiros que vieram ampliar 0 grupo nacional, até en- ‘Go representado quase que exclusivamente pelos Botelho. N do E.—Em 70 Ams em lugae de Ialo Dandini eseé Cesare Dandi. 39 Pouco mais de meia diizia dio uma idéia aproximada do novo contingente: Simées Coelho, Fausto Muniz, Salva- dor de Aragio, Antonio Campos, Joao Stamato, José Medina, Luiz de Barros... A esses cinegrafistas e diretores, acrescentemos o jornalista Irineu Marinho, que pelo me- ‘nos durante o ano de 1917 teve um estimulante papel de produtor. Mas até aproximadamente 1922-23, os cineas- tas de maior relevo serio Luiz de Barros, no Rio, e José ‘Medina, em Sio Paulo. Luiz de Barros nasceu no Rio, em 1893. Aos 19 anos. ‘vamos encontré-lo em Paris, estudando pintura na Aca- demia Julien. Acompanhou igualmente as aulas de ceno- srafia de Francesco Mallerba, na Academia Brera de Mi- ao. Em Paris, freqiientou assiduamence os estiidios de Leén Gaumont, onde aprendeu junto ao diretor Dubois os ru- dimentos da profissio; de volta ao Rio, aproximou-se de Italo Dandini e Joo Stamato, com os quais em 1914 ini- ciou-se profissionalmente em cinema. Da longa carreira de'Luiz de Barros, que se prolonga até nossos dias, os dez primeiros anos terio maior significago para o cinema bra- sileiro, verificando-se que de 1915 a 1920 foi ele cerea- mente a figura mais positiva no Rio. José Medina nasceu em 1894, em Sorocaba, Estado de Sao Paulo. Estudou pintura decorativa no Liceu de Artes ¢€ Oficios de Sio Paulo. Em 1910, interessou-se pelo cine- ‘ma ao ver Alberto Botelho realizar algumas filmagens, na 40 Fabrica Vororantim, nos arredores de Sorocaba: a entrada para a profissio cinematogréfica data de seu encontro.com o cinegeafista Gilberto Rossi, em 1918. ( faro de termos facilmente enumerado cerca de vinte novos cineastas pode levar a cter que foi grande a flores- céncia dos filmes de ficgdo no perfodo do cinema brasilei- ro que ora focalizamos. Contudo, a média anual entre 1912 € 1922 foi de apenas seis filmes. Da quase paralisagio dos anos 1912-14, chegamos a uma produgio relativamente abundante de dezesseis filmes em 1917, para haver uma brusca queda no ano seguinte, com uma mediocre reagio até 1922. ‘Ja nos referimos aos raros filmes dos anos 1912-14 Na produgio que se desenvolve a partir de 1915, 0 que chama logo a atengio é 0 ntimero de fitas inspiradas na nossa liveratura. Inocincia e A retirada da Laguna foram ba~ seadas nos romances de Taunay; de Bilac foi aproveitado (0 cagador deesmeraldas, ¢ de Macedo, A moreninha, Bernardo Guimariies foi lembrado para as bases de O garimpeiro, en- quanto de Aluisio Azevedo aproveitou-se O mulato, apre- sentado com 0 titulo 0 envzxio do sul. A obta de José de ‘Alencar foi naturalmente o ponto de partida para maior niimero de filmes: O guarani (duas verses), Iracema, Ubirajara e A viuvinba. Um conto de Monteito Lobato set- vviu de inspiragio para 0 Farolcir. Jé Medeiros Albuquerque, Cliudio de Sousa e Coelho Neto escreveram enredos espe- Al cialmente para o cinema, sendo que o de Coelho Neto era para um filme em série, Os Mistérios do Rio de Janeiro, do qual foi realizado s6 0 primeiro episédio. AA participacio do Brasil na guerra provocou um ni- mero razodvel de filmes, sobretudo se levarmos em conta ‘que essa participagio foi exclusivamente simbélica: Pd- tia ¢ Bandeina, com histéria escrita por Cléudio de Sousa, focalizando a espionagem alema em nosso territério, foi ‘uma das produgées que contou com a cooperacio das For- 6@5 Armadas, inclusive da nossa incipiente aviagio mili- tar. A essa ingénua veleidade patristica feita no Rio corresponde outra realizada em Sio Paulo, Patria brasilei- 1a, cuja filmagem foi seguida de perto por Olavo Bilac. Mais cutiosa ainda deveria ter sido a fita que recebeu um titulo ftancés, Le Film du Diable, com letreios em versos de Bastos Tigre, a acio desenrolando-se no Rioe na Bélgi- ca invadida pelos alemaes. A mesma inspiracio presidiu 0 primeiro desenho animado brasileiro, O Kaiser, do catica- ‘turista Seth, e que no deve ser confundido com 0 castigo do Kaiser, filme posado em 1918, Datam também desse perfodo alguns ensaios patri6ticos, como O grito do Ipiranga € Tiradentes, Com esse surto de filmes mais ou menos his- t6ricos, a crénica criminal perdeu aquela antiga vitalida- de, mas em 1920 retorna com O crime de Cravinbos, filme baseado num famoso assassinato que teria sido encomen- dado por uma fazendeira paulista, conhecida como a rai- 42 nha do café. O assalto a um banco italiano de Sio Paulo inspira também os cineastas da época, que no tardam em levar a hist6ria para a tela sob 0 titulo de 0 furto dos 500 milbies. ‘Apesar do interesse documental, ressentiam-se essas ficas da pressa nas filmagens de hist6rias que néo podiam esperar para nio perder a oportunidade. Muito mais ela- borados deveriam ser os filmes A quadritha do esqueleto ou Rosa que se desfolba, cujos crimes eram imagindrios, exi- _gindo assim uma ordenacio mais trabalhada ¢ licida. Fo- ram essas duas fitas produzidas pela empresa Veritas- Film, de Irineu Marinho, jornalista, diretor de A Noite, personalidade importante, cujo ingresso no mundo do fil- me deve ter significado uma grande esperanga para 0 nos- so cinema. Poderia ter sido 0 Auler do novo perfodo que se iniciava. Mas apés quatro fitas Irineu Marinho abando- na definitivamente as atividades cinematogrificas. Luiz de Barros é 0 responsével por mais de meia di- zia de filmes do periodo que ora focalizamos. Perdida, 0 primeiro a ser realizado, teve larga repercussio na crOnica da época, por contar talvez.com a participacio de Leopoldo Frées, ator jé famoso nos meios teatrais. Sobre Vivo on mor- 10, 0 segundo filme de Luiz de Barros, 0s testemunhos que ficaram foram undnimes em reconhecer seu grande inte- resse: é a hist6ria de uma mulher extremamente elegante ¢ vaidosa, abandonada pelo amante, A dama — interpre- 43 tada pela atriz italiana Tina d’Arco — jura que ele hé de voltar. Desenrola-se entdo a intriga em meio das mais com- plicadas peripécias até 0 momento em que o cadaver do amante é-lhe entregue afinal. Triunfance, com uma taca de champanhe na mao, ela exclama: “Ele voltou!” Esse melodrama eivado de sicuagies ridiculas teve um elenco de artistas de prestigio e foi filmado em cenografias cui- dadosamente montadas. Os documentos forograficos evo- ‘cam o cinema francés de antes da guerra; contudo, 0s con- temporineos foram surpreendidos pela vivacidade agilidade da interpretacio. Para o leitor de hoje, a maior parte dos velhos filmes de Luiz de Barros nao passa de simples eftulo com alguns rnomes de intérpretes, e uma ou outra foro. Mas, sempre ue se aprofundam as investigagBes a respeito dos traba- Ihos que realizou até aproximadamente 1920, avulta aim- portdncia de sua contribuigdo ao cinema brasileiro. Nao é pois de estranhar que na ocasiao fosse ele o cineasta mais procurado pelos jovens como os cariocas Pedro Lima Ademar Gonzaga ou o paulista Antonio Tibiriga. José Medina, diferentemente do que sucedeu com Luiz de Barros, s6 mais tarde dard sua melhor medida. Dentro do perfodo que nos ocupa, realizou ele, em erés anos, uma dtizia de filmes. Como Deus castiga era uma lon- ‘ga histéria em dez partes, situada na Espanha de 1850, toda feica de carrascos e inocentes. A acio de Perversidade 44 jd era mais moderna: um patrio simula um roubo, com 0 ineuito de provocar a prisio de um empregado, por cuja mulher se enamorara. Baseada num roteiro do estudance de direito, Canuto Mendes de Almeida, Do Rio a Sdo Pan- Jo para casar, ao contrétio das outras, vern a ser uma fita de historia leve e acio rdpida, sem resquicio de melodrama. ‘Mas de todos os filmes de Medina realizados nessa época 56 chegou até nossos dias Exemplo regenerador, datado de 1919, Teata-se de um filme de curta-mettagem, cujo en- redo todo moralizante se desenvolve com relativa fluidea: ‘um mordomo exemplar simula um romance com a patroa a fim de provocar citimes no marido negligente, alertando- © para o cumprimento dos deveres conjugais. Aparente- ‘mente, a estrutura dos filmes nacionais por volta de 1919 cera baseada ainda numa rigida compartimentagio em epi- sédios; desejando demonstrar ao seu companheiro de equi- pe, Gilberto Rossi, a possibilidade de se praticar no Brasil 1a continuidade cinematogréfica, Medina teria realizado Exemplo regenerador em algumas horas apenas, Contudo, ‘nos filmes Como Deus castiga ou Perversidade, de maior du- ragio e mais ambiciosos, nada indica que tenham sido apro- veitados os recursos que ele revelou na pequena experién- cia da ligio do mordomo. Depois de Luiz de Barros e José Medina, cabe igual- ‘mente uma mengio especial a um terceiro cineasta do pe- iodo: Vittorio Capellaro. Foi esse italiano o principal res- 45 ponsivel pela voga dos filmes inspirados em obras literé- tins brasileiras. Entte 1915 € 1918, adaptou Inocéncia, Ira cema, O guarani, O mulato e O garimpeiro; num outro perio~ do do cinema nacional, vamos encontré-lo como autor de nova versio de O guarani. Nenhum filme de Capellaro foi preservado, excetuando-se O cagador de diamante, de 1933. Lamentavelmente, a critica hist6rica tende a julgar as primeiras obras desse autor luz do pesado academicismo dessa produgio tardia, pois € bem provavel que suas fitas prtimitivas, baseadas nos romances brasileiros, tivessem a graca € 0 frescor que faltou a esse Gagador de diamantes. Mas da colegio de filmes inspirados na nossa litera- tura, 0 que provocou na época maior impressio foi sem diivida Luciola. Produzida e cinematografada pelo vetera- no Leal, a fita adquiriu as caracteristicas de um melodra- ‘ma mundano, com algumas semelhangas com View ou mor- 10, Coube a atriz. Aurora Fulgida viver na tela a heroina de Alencar, Alguns cronistas viram Lueola quando ainda ado- lescentes, € anos mais tarde registravam com calor suas impressdes, fazendo-nos vislumbrar 0 encantamento de toda uma geracio de estudantes pela erdtica atriz dos anos 1916-17. Durante 0 perfodo que abordamos neste capstu- lo, além de em Lucila, trabalhou ela no filme O dominé ‘misteriaso, uma das produgées de Irineu Marinho. Seu nome verdadeiro era Amélia Cocaneanu, Nascida em Bucareste, fugiu de casa aos dezessete anos para ser bailarina. Alcan- 46 ‘cou o objetivo, ¢ por ocasido de uma tournée pela América do Sul, para no fugir & regra, encontrou no Rio um amor, e ficou pelo Brasil. O fato de ter posado apenas para duas firas aumenta a singularidade do impacto que causou. ‘Antonia Denegti, atriz preferida de Luiz de Barros, teve momentos de alguma popularidade, mas nem sem- pre vinculados aos filmes ou pegas que interpretou. Nas- ida na California em 1901, veio pequena para o Brasil, onde fez um curso de bailarina, ao mesmo tempo em que se iniciava no teatro, na Companhia Lucinda; reve algum mérito, porém modesto, Maior fama alcangaram no teatro as atrizes Abigail Maia —a Cecy de uma das verses de O ‘quarani — ea portuguesa Orflia Amorim, que participou igualmente de alguns filmes de Luiz de Barros, entre os quais A/ma sertangja,em 1919. Nesse filme, Orilia Amorim aparecia nua, 0 que no foi esquecido; sua precursora foi Miss Ray, que tivera a audécia de aparecer também ua numa seqiiéncia com 0 deménio no Le Film du Diable brasileirissimo apesar do ticulo. E aqui convém lembrar que entre as atrizes que mais se destacaram no periodo incluem-se duas brasileiras, Jolanda Diniz’ e Iracema de Alencar, precisamente a heroi- nna de Iracema, Seu nome real era Ida Kerber, nascida em. IN. do B, — Esta frase € do texto 70 Ams. No original conta apenas Iracema de Alenca, “a nica brasileira ata” aT 1899 no Rio Grande do Sul. Aos dezessete anos, foge com ‘© namorado para tentar 0 teatro. Ingressou na Companhia Ieélia Fausca ¢ estreou no Rio de Janeiro no papel de Hamedryada. Quanto aos atores, nada hé de especial a registrar. guns veteranos da primeira fase, como Leonardo Loponte € Joio de Deus, reaparecem aqui com freqiiéncia, assim como alguns diretores, entre os quais Vietorio Capellaro e Franco Magliano’, como intérpretes das préprias fitas. Re- petindo o fenémeno das atrizes principais, quase todos os. astros sio estrangeiros oriundos do teatro, predominando no Rio os portugueses, ¢ em Sao Paulo, os italianos. Esta segunda época do cinema brasileiro esta bem longe da importancia e do brilho da primeira. Embora entre 1912 € 1922 0 comércio cinematogréfico tivesse se desenvolvido consideravelmente, cornou-se cada vez mais dificil 0 acesso da produgio nacional aos circuits de salas. De um modo geral, 0s filmes conseguem ser exibidos gra- 428 apenas & benevoléncia de um ou outro proprietério de cinema. Uma certa aproximagio de homens de prestigio como Irineu Marinho, Olavo Bilac, Coelho Neto ou ‘Medeiros Albuquerque, durou pouco, desde que essa apro- ximagio fora suscitada pela breve animagio que reinow em 1917, ano em que a producio atingiu 0 seu ponto 1N. do E.— © nome de Franco Magliano foi cortado em 70 Ama 48 mais alto. Tomada em conjunto, a realizagio de filmes de enredo foi precéria e escassa; os sessenta filmes posados encerram uma porcentagem considerével de curtas- metragens, destinados as vezes a mais variada publicidade comercial, indo desde a propaganda de loteria até a divul- gagio de remédios contra a sifilis. Por outro lado, a im- prensa que poderia colaborar exercendo sua influéncia na opiniio do piblico acaba por no tomar mais conheci- mento da produgio cinematogrifica que se define cada ‘vex mais como uma atividade marginal. Em 1922, o Presidente Epitacio Pessoa encarrega uma ‘comissio de organizar as comemoragées do Centenério da Independéncia, e entre os planos elaborados esté incluido o.cinema, Falou-se entéo muito na realizacio de um gran- de filme hist6rico, cujo roteiro seria escrito por Coelho Neto, sendo que o diretor da Exposigio do Centenério, Dr. Pinto de Almeida, chegou a sugerit um projeto divi- dido em quatro partes. A idéia foi tomando vulto: 0 em- ptesétio Mocchi, arrendatério do Teatro Municipal, dis- pés-se a participar do empreendimento, o deputado Cincinato Braga, em nome de toda a bancada paulista, propés que fossem produzidas varias fitas, para dar maior realce as festas programadas... Apesar de todo esse movi- ‘mento, 0 “filme do Centenério” nao foi feito. Observaram as pessoas bem-informadas que o governo deveria ter en carregado do trabalho uma companhia estrangeira. Tudo 49 ‘ocorreut como s¢ niio existissem no Brasil pessoas capazes de realizar um filme posado, cinema acabou por participar intensamente das comemoracdes do Centendrio, mas em forma de docu- mentérios ¢ jornais de atualidade. Nao houve cinegra- fista do Rio, de Sio Paulo ou de qualquer outra cidade que nao tivesse recebido encomendas de trabalhos nesse ano de 1922: ficou claro que no Brasil 0 tinico cinema possivel era o natural. E a partir dessa melancélica situa- ‘fio de fato que se iniciard a terceira época do filme bras leiro de enredo. 3* EPOCA: 1923 a 1933 Paratodos Selecta exam em 1923 as duas revistas bra- sileiras que mais se interessavam por cinema. O que no impediu que Mério Behring e Paulo Lavrador, respectiva- ‘mente 0s redacores principais, nutrissem pelo nosso filme de entedo 0 maior desprezo. "Esse fantasma que é a cine- ‘matografia nacional”, escreve Behring, “sem artistas, sem ‘€cnicos, sem direrores de cena, sem esttidios,e, finalmente, sem dinheiro.”' E conclui Paulo Lavrador: "Seria melhor ‘que niio existisse".? Paradoxalmente, a0 mesmo tempo que 1. Paratudor — \fmaego/1924 e 18ioutubro/1924. 2, Selecta — 1Olmaios924 50 difundiam essas idéias, tanto Selecta quainto Paratodos ‘transformavam-se nos maiores veiculos da primeira cam- panha continua sistematica em favor do cinema brasilei- r0 de ficgio. O que tornou possivel essa curiosa contradi- fo foi sem diivida o liberalismo daquelas publicacées, bem como a tenacidade e paixdo com que alguns jovens se dispuseram a lutar pelo cinema no Brasil. Pedro Lima em Selecta, ¢ Adhemac Gonzaga em Paratades, ambos mais tar~ de na revista Cineart, procuraram orientar e conjugar a ago de grupos em geral jovens, ignorando-se uns aos ou- tos, dispersos pelo pais. E desse momento em diante que se manifesta uma verdadeira tomada de consciéncia cine- matogrifica: as informagdes ¢ os vinculos fornecidos por essas revistas, 0 estimulo do didlogo e a propaganda tece- ram uma organicidade que se consticui como um marco partir do qual ja se pode falar em um movimento de cine- ‘ma brasileiro, Mesmo as manifestacées hostis — justas ou injustas — contra o filme de enredo revelaram 0 interesse pela nossa produgio, praticamente ignorada num passado préximo. Entre 1923 ¢ 1933, foram completados cerca de cento e vinte filmes, isto é, 0 dobro da década anterior. Qualita- sivamente, o avango foi ainda mais considerivel, surgindo nessa época os nossos clissicos do cinema mudo. A coexis- téncia do cinema mudo ¢ falado de 1929 a 1933 justifica por certo 0 fato extraordinério de terem sido feitas no ano 51 de 1930 cerca de vinte fitas. Realmente, 0 cinema falado desempenhou um papel estimulante na nossa produgio, mas isso antes de 1934, quando entio houve um colapso ‘quase to radical quanto o de 1911 ou de 1921. ‘Outra caracteristica da pujanga deste terceiro peri do é 0 aparecimento de focos de criagao em pontos diver- 305 do tertitério, além de Rio ¢ Sao Paulo, Em 1923, fil- ma-se em Campinas, Recife e Belo Horizonte, estenden- do-se 0 movimento ao Rio Grande do Sul e diversas cida- des mineiras do interior, sendo que numa delas, Pouso Alegre, jem 1921 haviam sido ensaiadas fitas de enredo. © homem de Pouso Alegre é Francisco de Almeida Fleming, nascido em Ouro Fino, no ano de 1900. Perten- cendo a uma famflia de recursos, dona de alguns cinemas na regio, bastante cedo Almeida Fleming maneja uma camara; aos vinte anos realiza seu primeiro filme posado, de curta-metragem, A cangao do bandido, seguindo-se In ‘ac signo vines, fita mistica mais longa ambiciosa, com reconstituigées de época. Essa ambicio nao se desmentiu ras duas outras fitas que fez.com alguns anos de intervalo, Paulo ¢ Virginia € 0 valle dos martyrios. Os precérios recur- 308 técnicos disponiveis em Pouso Alegre e Ouro Fino, somados & bisonha adaptacao do entio popularissimo ro- ‘mance de Bernadin de Saint Pierre e ao argumento origi- nal de Almeida Fleming, redundaram em melodramas que beiravam 0 cémico involuntério. Contudo, apesar de to- 52 das as falhas ¢ imperfeigdes, foi com esses dois filmes que Francisco de Almeida Fleming ingressou de forma honro- sa na histéria do cinema brasileiro. O talento inaco de Fleming em dirigir as cenas — fazendo esquecer.o grotes- co de certas cenografias ou tom carregado das sieuagdes —, bem como a sutileza que soube imprimir & pancomi- mae & mimica-dos incérpreces, parece ter salvo todo 0 conjunto, ¢ até o elenco, no qual figurava apenas um pro- fissional, Paulo Rosanova, de So Paulo. Em Belo Horizonte, o pioneiro dos filmes de ensedo foi Igino Bonfioli, nascido em 1886 na provincia de ‘Verona, chegando ao Brasil antes do fim do século: é bem © exemplo do artesio italiano imaginoso e hébil, to pre~ sente no amanhecer do nosso cinema. O dinheiro que ga- hou filmando documentatios para a Exposicio do Cen- tenério foi gasto na producio de Canpdo da primavera, seguida alguns anos mais tarde por A tormenta. Esses fil- mes, bem como mais uns quatro ou cinco realizados em Belo Horizonte até 1934, nio passaram de um esforgo sem maiot tepercussio, mesmo local. José Silva foi o responsé- vel por trés dessas producées, Boémias, Perante Deus © Calvério de Dolores’, cendo apelado para a colaboragio dos veteranos Antonio Leal e Paulino Botelho, e em seguida IN. do E. — 70 Anas nto inci este dltimo filme. 53 para de Almeida Fleming. E provavel que Entre as mon- tanbas de Minas, de Manuel Talon, tenha conseguido alcan- ‘gar maior repercussio do que as outras que passaram qua- se despercebidas Apresenga de Almeida Fleming e do ator Paulo Rosa- nova no genético de algumas produces belo-horizontinas indica o liame existence entre as tentativas de Pouso Ale- gre € 0 movimento da capital do Estado. Jé o mesmo en- trelagamento nio se verificou em Guaranésia, onde Américo Masotti — durante sua breve vida — animou tum grupo que produziu pelo menos Coragies em Supli- «io; aliés, o8 nomes conhecidos que se destacam no niicleo dessa cidade so os de pitorescos aventureiros como um Rolando ou um Kerrigan, que ainda aparecerio neste ca- pitulo. Mas a cidadé mineira que deu real importancia cine- matogrifica ao Estado foi Cataguases. Encontramos af Pedro Comello, tipo humano que jé nos é familiar: 0 do artesio italiano experiente e empreendedor. Foi ele o ini- ciador de Humberto Mauro em cinematografia, a primei~ ra personalidade de primeiro plano revelada pelo cinema brasileiro. Filho de pai italiano e mie mineira, nasceu ele em 30 de abril de 1897, na Fazenda Sio Sebastiio, em Volta Grande, distrito de Além Parafba. Iniciam-se em 1925 as experiéncias de Comello € Humberto Mauro. Munidos de uma Pathé-Baby, filmam. 34 uma histéria de cinco minutos, Valadido, 0 Cratera, onde hé um bandido que rouba uma mocinha e a leva para uma pedreira, No segundo ensaio, Os srét irmans, hd uma jo- ‘vem com amnésia e um incéndio, sendo que nessa altura ji trabalham com uma cimara comprada no Rio. Jé em 1926, realizam Na primavera da vida, historia de contta- bando de cachaga pelo Rio Pomba, ¢ que € exibida com éxito nas cidades da regio. Entusiasmados com os resul- tados dessas produgées, dois comerciantes de Cataguases asseguram os recursos para o prolongamento da aventura artistica de Comello e Mauro. Entretanto, desentendem- se no inicio das filmagens de Tesouro perdido: afasta-se Comello, produzindo mais tarde Senborita agora mesmo, €3- pecialmente para sua filha Eva Nil, artista sensivel € vibrévil, principal intérprete feminina de Na primavera da vida. Vémo-la figurar ainda em vérios filmes do Rio € Belo Horizonte. Humberto Mauro, que completara sua formagio gra- gas a0 grupo da revista Cinearte, no era mais um apren- diz. Com Tesoura perdido, iniciou ele em 1927 a primeira carreira continua, coerente ¢ bela que 0 cinema do Brasil conheceu. Além de Tesouro perdide, a fase de Cataguases compreende mais dois filmes igualmente importantes, Brasa dormida e Sangue minciro. Jé participava entdo de sua equipe Edgar Brasil, o primeiro cinegrafista brasileiro a igualar ¢ ulerapassar os melhores artesios estrangeiros, 35 como Rossi ou Benedetti. A préxima etapa de Humberto Mauro seré no Rio de Janeiro; s6 quando lé chegarmos é ‘que poderemos avaliar 0 que ele representou para 0 noss0 cinema mudo. (© movimento gaticho ceve importancia bem me- nor do que o mineiro, tanto em quantidade como em qualidade. Apés as tencativas de Pelotas — anteriores a Primeira Guerra Mundial — s6 em 1927 serio real zados novamente filmes de enredo no Estado. Concer tra-se a produgo em Porto Alegre, limitando-se até 1933 a meia diizia de filmes, alguns com razodvel dis- tribuigdo sobrecudo no interior. Mas nenhum deles al- cangou exibigao comercial fora do Rio Grande do Sul. Destacam-se trés nomes: José Picoral, Eduardo Abelim ¢ Eugénio Kerrigan. Enquanco o primeiro foi apenas um esforgado cinegrafista, Abelim, chauffeur de téxi, desdobrou-se em atividades de ator, produtor, diretor € eventualmente fordgrafo. “Sobretudo foi um sedutor”, segundo o definiu uma atriz que apés trabalhar ao seu lado em Castigo do orgullbo ou Pecado da vaidade envere- dou pelo mau caminho. Antes de se fixar em Niterdi, com uma reduzida empresa de cinema publicitério, Abelim foi palhago de pequenos circos ambulantes. A modesta aventura de sua vida aproxima-o de numero- 05 tipos semelhantes que episodicamente transitaram pelo pobre cinema nacional 56 Kertigan possui, certamente, maior envergaduta; jé imos seu nome no ciclo mineiro ¢ quando focalizarmos Campinas, onde iniciou sua carreira, procuraremos deli- near sua fisionomia; acrescentemos apenas, por ora, que 0 filme Amor que redime, resultado da associaio entre Kerrigan e Abelim, foi talvez a produgio gaticha de maior relevo. £ 0 que se deduz dos artigos esctitos na €poca por Pedro Lima e Fridolino Cardoso. Na mesma linha de Cas- tigo do orgulbo ox Pecado da vaidade — sem falar de Em defesa do irmao —, Amor que redime devia set um melodra- ma urbano, moralista e sentimental. Conhece-se methor, pelo menos o enredo, de Revelagd, cuja primeira parte gi- rava em corno de uma situacio bem moderna de conflito industrial, para cair em seguida — apesar de cerca preo- cupagio com a cor local — numa caricatura de filme de aventuras. A hist6ria foi de Lobo da Costa, responsivel também pelo argumento de Um Drama nos Pampas, varnos lo ainda como produtor de Ranchinbo do Ser que forma com a anterior a dupla mais tipicamente gati- cha de todaaa série. Ao movimento cinematogrifico tegio- nal acrescente-se pois o nome desse escritor rio-grandense. Quanto aos artistas mais constantes desses elencos, salien- tam-se Ivo Morgova, Nely Grant e Roberto Zango, ator carateristico que causou impressio. Dentre os ciclos regionais, o que mais produziu foi pernambucano, com um toral de treze filmes em oito anos. 37 No centro das atividades encontramos dois jovens ouri- ves, Edson Chagas ¢ Gentil Roiz. O circulo no tardou em se alargar, participando da realizacio de filmes cerca de trinta jovens, entre vinte e vinte e cinco anos: jornalis- tas, pequenos funcionérios, comerciantes, atesios, oper tins, atleras, mtisicos, atores de teatro... Em meio de polé- micas e divergéncias, apés muita briga, fundaram nada menos de nove firmas sucessivas, diferentes e rivais. Es- trelas surgitam, como Almeri Esteves ¢ Rilda Fernandes, ‘nome que se cornaram familiares dos leitores de Cinearte, outro nome que deve set registrado € 0 do ator, argu- ‘mentista e diretor Jota Soares, mais tarde o cronista do ciclo cinematografico de Recife. Os primeiros filmes, Retribuigao © Jurando vingar, cram de aventuras € tesouros escondidos, figurando al- guns personagens que lembravam cowboys, Os temas regi- ‘onais aparecem com os jangadeiros de Aitaré da praia ou com 0s coronéis e cultivadores de cana de Revezes e Sangue de irmdo; a nota iriosa de Filho sem me € que nessa fira aponta um cangaceiro. Com seus melodramas mundanos de grande cidade, Recife é assunto em A fitha do adngado, bem como teria sido alvo da comédia satitica Heri do seu Jo XX, onde Pedro Neves imitava Buster Keaton. Jé 0 ambiente de Danga, amor e ventura busca exotismo de ‘um acampamento de ciganos onde se passa intriga. Quan- to.ao drama religioso, pagou também Recife o seu tributo 58 com Histiria de uma alma, reconstituigdo fiel da vida de Santa Teresa de Lisieux Eram demasiado precérias as condigbes técnicas, ar- tisticas e econémicas dessas produgdes pernambucanas; s6 mesmo o fervor juvenil e o orgulho regional de fazer cine- ‘ma explicam a continuidade do esforgo, que no foi em vo, diance de alguns resultados alcangados. As fitas eram. exibidas num pequeno cinema da Rua Nova, 0 “Royal”, onde o co-proprietério Joaquim Matos transformava cada cestréia de fita pernambucana numa verdadeira festa, com a rua embandeirada, a fachada enfeitada com rosas ¢ a sala perfumada com folhas de canela profusamente espalhadas pelo chao. No trabalho ainda inédico de Lucila Ribeiro Bernardet sobre cinema pernambucano, conta-nos ela que algumas dessas estréias tinham tanta repercussio quanto as mais importantes regatas, partidas de futebol ou bailes de carnaval. O custo de algumas das produgées foi pago com esses langamentos no “Royal”, o que muito impressio- nou o grupo de Cinearte, preocupado com a dificuldade de se exibirem as fitas brasileiras. Mas sempre que o cinema pernambucano tentava transpor as fronteiras do Estado, fracassava; apenas um filme logrou ser apresentado comer- cialmente no sul do pats. Nos varios ciclos regionais que percorremos, a inicia~ tiva de realizar filmes foi tomada em geral por pequenos artesios ou jovens técnicos. Em Campinas, foi um intelec- 59 tual em plena maturidade que se fez pioneiro: Amilar Alves. Esse cineasta, que em 1923 ja tinha mais de qua- renta anos, teve uma infancia dspera: menino ainda, per- dew o pai, vitima da febre amarela. Sem recursos, chegan- do a alcangar apenas o 2° ano do Grupo Escolar, foi num absoluto autodidatismo que se tornou jornalista, flélogo, poeta e dramaturgo, Suas comédias, Qui, quae, quod ¢ Ta garelices de papagaio foram bastante divulgadas entre os amadores do interior, sendo que a primeira ainda é solici- tada a SBAT, por pequenos grupos teatrais. Ensaiador pre- dileto de Dom Nery, 1* Bispo de Campinas, liderava todo ‘© movimento campineiro de teatro amador, Jazo da Mata, um drama regional com diflogos impregnados de dialeto caipira, era sua pega mais importante; quando resolveu adapté-la ao cinema, encontrou na cidade tudo de que necessitava em matéria financeira, artistica e mesmo téc- nica, Seu fordgrafo, Tomas de Tullio, sera o cinegeafisea de quase todas as fitas do ciclo campineiro. A julgar pelos poucos fragmentos que chegaram até nossos dias, o filme Joao da Mata no s6.conservou ¢ transmitiu a visio da realidade cabocla que a pega continha, mas realcou os seus valores. O éxito de bilheteria em Campinas ¢ redondezas. cobrit largamente os oito contos que a fita custou; em Sio Paulo, mesmo numa apresentagio descuidada houve Iu- ro, € no Rio, embora nao tenha sido explorada comercial mente, numa exibigdo especial no Cinema Central, em 60 3 de novembro de 1923, valeu-lhe a mais calorosa critica ‘nos jornais cariocas. ‘Tal sucesso comercial ¢ artistico da fita de Amilar Alves ateou fogo na imaginagio campineira: fundaram-se companhias produtoras, terrenos foram adquiridos para a construgao de estiidios... Foi nesse clima propicio que sur- giu um personagem que se fazia chamar conde Eugenio Maria Piglinioni Rossiglione de Farner, e que logo apés preferiu adotar 0 nome de Eugenio C. Kerrigan. Afinal, seu nome verdadeiro seria Eugenio Centenaro, segundo afirma Georges Sadoul, baseando-se nas pesquisas de Caio Scheiby sobre o cinema campineiro’, Mas é como Kerrigan que prolongard sua carreira até 0 Rio Grande do Sul, con- forme ja foi visto. Dirige em Campinas Sofver para gozar — melodrama rural brasileiro que se desenvolve em parte num saloon provido de roleta ¢ croapier chinés —¢ colabo- ra numa versio de A came de Jilio Ribeiro. Contudo, neste diltimo filme a figura predominance é Felipe Ricci, (que jd dirigira Mocidade louca; juntamente com Tomés de Tullio, vem ele a ser 0 principal cineasta do movimento ‘campineiro desde que Amilar Alves — apesar de todo 0 sucesso de Jao da Mata — nao voltou & experiencia cine- matogrfica 5. Georges Suoul. Histria do Cinema Mundial Martins Ediora S, Paulo, 1963, vol. I, p. 498. 61 Acrescentando-se Alma gentil, de Antonio Dardes Neto, temos cinco produgdes completas entre 1923 ¢ 1926. Depois de quatro anos de intervalo, em 1930, Felipe Ricci € Tomés de Tullio conseguirdo realizar ainda Os faludvis, Essa meia diizia de ficas modestas, pouco vistas, com exe cego da primeira, constituem a coneribuigdo de Campi- nas 20 cinema mudo nacional. E chegamos a capital paulista, onde a produgio cine- matogrifica € relativamente intensa entre 1923 ¢ 1933. Com cingiienta filmes aproximadamente, Sio Paulo ul- trapassa o Rio durante esses dez anos, pelo menos em quan- tidade, Em macéria de qualidadade, tem-se a impresséo de que so numerosas as fitas de mérito razosvel, mas ex- tremamente raras as obras marcantes. A equipe formada por José Medina, Gilberto Rossi € Canuto Mendes de Almeida, que jé tinha nos dado Do Rio a Sao Paulo para casar, realiza ainda Gigi, baseada num conto de Viriato Corréa. Hi em seguida uma certa dispetsio do grupo, indo Canuco Mendes de Almeida associar-se a Jaime Redondo, produtor de Passe? minha vida num sonbo; para esse produtor, ditige Fogo de palha, comédia dramética em corno de um caca-dotes, vindo ainda a participar mais tarde da realizacio de Escrava Isaura. Nesse periodo, Canuto Mendes de Almeida faz ctiticas de filmes em jornais, vindo a ser 0 autor do pri- ‘meito livro importante sobre cinema publicado no Bra- 62 sil’. Nao se conclua, dai, que os filmes nos quais colabo- rou cenham sido algo de excepcional; mas nao resta di- vida de que foi ele uma das personalidades mais consis- tentes do cinema na época. Quanto a José Medina, acompanhado sempre do cinegrafista Rossi, realizou naqueles anos Fragmentes da vida, sua obra-prima ¢ 0 melhor filme paulista de entio; adaptando a cidade de Sio Paulo um conto de O. Henry, Soap, construiu Medina um trabalho extremamente sim- ples, de uma graga comovente, que é hoje revisto com crescente ineeresse pelos estudiosos. Muito contribuiu tam- bbém para a alta qualidade de Fragmentos da vida 0 gosto fotogeafico de Gilberto Rossi; jé alguns anos antes fora ele uum fator decisivo na valorizacdo de O segredo do corcunda, drama sieuado numa fazenda de café e dirigido por Alberto ‘Traversa, italiano que chegou ao Brasil com alguma expe- riéncia cinematografica, e que realizou ainda Risose igri- mas, em Niter6i. nome seguinte do cinema paulista que provocou maiores esperancas foi certamente o de Alberto Almada Fagundes. Proprietério da Fabrica Santa Catarina —con- siderada a maior indiiscria de lougas da América do Sul —,era figura destacada no mundo dos negécios. O estt- dio que fez construir na Barra Funda foi o primeiro do 4, Cinema Contra Cinema, Cia, Edivora Nacional, S. Paulo, 1931 63 Brasil a merecer realmente essa denominacio. Ligou-se a varias rodas cinematogrificas, inclusive ao inefavel Kerrigan, afirmando-se que depois de lancada sua pri- meira producdo, Quando elas querem, conseguira aumen- tar consideravelmente o capital da sua empresa, gracas a0 interesse de um grupo do qual participaria 0 velho Matarazzo, que era entdo o simbolo da prépria indéstria paulista. Por outro lado, Almada Fagundes no queria ser apenas um fabricante de lougas e de filmes: tinha preo- cupagies artisticas, gostava de ceorizar sobre a obra de arte, escrevendo alguns textos que impressionaram mui- too grupo de Cinearte, Mas tudo se limitou afinal aQuan- doelas querem, filme de média mecragem. Industrialmente, foi um parto da montanha. Resta-nos destacar a modernidade do tema, girando em torno de conflitos industriais, bem como @ linguagem, provavelmante a mais evoluida no seu tempo. Jé devia parecer entao bastante antiquado o estilo do veterano Vittorio Capellaro, que em 1926 realizou uma nova versio de O guarani, e em 1933 0 tardio Cayador de diamantes. Nao é ele todavia o Ginico a insistir nessa trilha: dois israelitas que se iniciam na produgao, Jorge Konchin ¢ Isac Saindemberg, escolhem respectivamente Iracema € Eserava Isaura, Na mesma linha ainda de reconstituigao, anote-se 0 insdlito Anchieta entre o amor e a religido e um filme bem primétio, Abnegagdo do gentio. 64 Alna do Brasil, de Libero Luxardo e Alexandre Willfes,filmado em Mato Grosso, moderniza 0 género de reconstituicao histérica, associando habilmente um documentério sobre as Forgas Armadas & evocagio da Re- tirada da Laguna. Inspirados na vit6ria da Revolugio de 1930, no tardaram a aparecer filmes cfvicos militares, como 0 Amore patriotism ou Alvorada de gliria. As Armas jd foi anterior ¢ se ocupava do servigo militar obtigatério; seu diretor era um jovem critico de prestigio crescente, ligado ao grupo de Cinearte: Otavio Gabus Mendes. Nem a presenca de generais importantes como Hastinphilo de Moura ou Bertholdo Klinger faltou a essas fitas pacriéti- cas, concordando eles em posar eventualmente para algu- mas das cenas. Anos antes José del Picchia havia abordado a revolugio de 1924 em 0 trem da morte, cuja incérprete principal era a esposa do célebre Tenente Cabanas, a atriz Olga Navarro. A fita religiosa — outra constante da hist6ria do ci- ‘nema brasileiro — estava na ocasifo representada em Sio Paulo por Rosas de Nossa Senbora, de Pascuale di Lorenzo, (© mesmo que dez anos antes j4 produzira um filme com idéntico titulo. No interyalo, s6 conhecemos de Pascuale i Lorenzo um filme policial situado no carnaval paulista, 0 mistério do dominé negro. Ainda com inspiragio mistica, temos0 Descrente, de autoria de Francisco de Simone, nome relativamente obscuro, apesar de o reencontrarmos no elen- co de Enguanto So Paulo dorme, de Francisco Madrigano. 65 Era este tiltimo conhecido vilio de numerosos filmes ¢ diretor de alguns deles, como Exphemia, nome da heroina, aproveitado num titulo de mau gosto que chegou a irritar ica da época, As fitas enumeradas neste parigrafo, bem como outras que seré desnecessério mencionag, rece- beram severo julgamento da crénica, na modestissima medida em que foram vistas ‘Quem conseguiu vasto puiblico para algumas das suas produgdes foi Antonio Tibirigé. Esse jovem advogado, como jé vimos, comesara sua carreira com Jéia maldita, dirigida por Luiz de Barros, responsavel também por Hei- de vencer, a segunda produgio de Tibirigé. Esce era um fil- me de aventuras, com avides pilotados por Anesia Pi- ttheiro Machado e Jodo Ribeiro de Barros, que com seus famosos reides logo se transformariam em herGis nacio- nais. Nao foi contudo essa fita que assegurou notoriedade € dinheiro a Antonio Tibirigé, mas a seguinte, dirigida por ele préprio, ¢ que se chamou Vicio¢ beleza. A publici- dade acentuava: “Incoveniente para senhoras” ou “S6 para homens”. O género nao era novidade, pois numerosos fil- ‘mes estrangeiros apresentados como cientificos, e ocasio- rnalmente proibidos, jé haviam provocado ésperos protes- tos da imprensa. Vicio e beleza era, porém, mais ambiguo do que 0s congéneres de outros paises, conseguindo sem ‘mmiores empecilhos fazer uma rendosa carreira, nao s6 em todo territério nacional, mas igualmente no Uruguai e na 66 Argentina, O préximo éxito de Tibirigé serdO orime da mala, baseado no drama de Pistone e Maria Fea, que também ins- pirou a Madrigano um filme com titulo idénti co. Enquan- 10 isso, Vici e Beleza fazia escola, € em pouco tempo sucede- ram-se Depravago, morfina, veneno branco, Messalina, Luiz de Barros — a quem se devem Messalina ¢ De- ravage — tudo tentou em matéria de géneros cinemato- gréficos. Num s6 ano, precisamente em 1923, vémo-lo filmar uma farsa no gosto americano, uma peca tipica bra- sileira, e uma aventura sem nacionalidade: Augusto Anibal quer casar, A capital federal e O cavaleiro negro. O chamado “ género livre” nao the foi, contudo, favordvel. Afastou-se temporariamente do cinema e, apés cuidar da publicida- de de uma agéncia americana, vem a ser o gerente da “Cia. de Variedades Tré-l muito sucesso ditigindo Genésio Arruda e Tom Bill, numa série de filmes falados, os primeitos produzidos no Brasil, ainda pelo sistema de discos. Dirigiu sucessivamente Aca- baram-se os otérias, Lua-de-mel ¢ O babe, Alcangou éxito duradouro o personagem encarnado por Genésio Arruda, oriundo — como tantos outros caipiras do cinema e do ‘teatro — do popular Jeca Tatu, criaglo de Monteito Lobato. Outro tipo de farsa cinematogréfica surgi naqueles anos, no Rio e em Sao Paulo, em filmes como A lei do inguilinato, de William Schocair, ou Filmando fitas, de Retornando ao cinema, teve or

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