A peculiaridade presente nas obras de Jean de Léry e Hans Staden, que as fazem
precursoras da antropologia, reside em alguns fatores elencáveis. Podemos indicar, em
primeiro lugar, o lugar comum do qual ambos os escritores se colocam a relatar: o interior de
uma cultura nativa não-européia. De fato, apesar da crescente expansão temática da
antropologia nos anos recentes, os autores clássicos deste campo de estudo compartilham do
exame acerca das sociedades mais divergentes aos costumes europeus. Todavia, notemos que
o objeto comum é insuficiente para designar o caráter antropológico a um texto. Outro fator
típico da pesquisa antropológica consiste no teor descritivo-comparativo. Ora, os escritos dos
autores são destinados aos seus conterrâneos que, por sua vez, majoritariamente não
poderiam compreender o conteúdo por eles desconhecidos senão por comparação com aquilo
que já lhes é conhecido. Afinal, outra característica presente nos precursores consiste no
recolhimento dos dados empíricos por conta própria – o que apesar de não ter sido tomado
por essencial no trabalho antropológico clássico, hoje se consolidou e é chamado “trabalho de
campo”. Mas há também diferenças explícitas entre de Léry e Hans Staden que nos são
importantes. Enquanto aquele se ocupou de descrever por uma ótica mais benevolente para
com os nativos, este seguiu por uma narrativa mais aventuresca e menos compassiva. Decerto,
nenhum dos dois pode ser tomado por imparcial em seus juízos – o que é uma meta desejável
nos dias de hoje –, por outro lado, veremos adiante como o problema da parcialidade
tampouco foi dissolvido após o surgimento de antropólogos profissionais. Se por um lado as
teorias antropológicas hoje admitidamente parciais, como o evolucionismo, tinham em
desfavor preconceitos enraizados na estrutura teórica; já os precursores deixavam nítidos
também os alicerces religiosos em seus julgamentos. Nesse sentido, concluímos que os
principais fatores de aproximação entre os precursores e os antropólogos consistem na
descrição de culturas nativas não-européias e o teor comparativo; ao passo que o
distanciamento se funda principalmente na ausência de método. Mesmo não considerados
como verdadeiramente textos antropológicos, os escritos de Jean de Léry e Hans Staden não
deixam de contribuir para que possamos compreender mais uma faceta possível daquilo que
nos é comum para além das múltiplas formas de organização social – a humanidade.