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Histórico da psiquiatria infantil no Brasil

Até o final do século XX não existia no Brasil uma Política de Saúde Mental para Crianças
e Adolescentes. O que se tinha, quando existiam, eram ações voltadas para a assistência
social e educação, com propostas reparadoras e disciplinares, onde as crianças e
adolescentes com necessidades de cuidados em saúde mental ficavam desassistidas ou
submetidas à institucionalização em sistemas psiquiátricos asilares (COUTO e DELGADO,
2015).[2]
Até as primeiras oito décadas da República, o Estado brasileiro manteve uma ação tutelar,
disciplinar, tendo como suporte a institucionalização para tratar de questões relacionadas à
criança e ao adolescente. Não haviam políticas públicas específicas criadas pelo Estado
para cuidar da saúde mental na infância e na adolescência, sendo frequentemente
considerados como consequências da pobreza e do abandono. Com isso, as políticas de
assistência tinham o caráter reparador, aliadas ao desenvolvimento de práticas corretivas
e disciplinares, onde se acreditava ser possível recuperar as crianças e adolescentes
pobres, compensar os danos por esses causados, tendo como objetivo desenvolver
cidadãos civilizados e produtivos, que dessem conta do projeto civilizatório no Brasil
(COUTO e DELGADO, 2015).[2]
No século XIX, as crianças consideradas "insanas", geralmente as pertencentes às
classes sociais desfavorecidas, compartilhavam o mesmo espaço dos adultos nos
manicômios criados em meados desse século, pois não havia ainda estudos específicos
sobre as doenças mentais infantis nem uma classificação que diferenciasse as formas e
manifestações da morbidade no adulto e na criança (RIBEIRO, 2006). [3]
Tal fato ocorreu no âmbito Jurídico, com a instituição do Código de Menores em 1927, que
foi o suporte legal necessário para recuperar o “menor” considerado em “situação
irregular”. Ocorreu de grande quantidade de crianças e adolescentes ser retirados da
tutela familiar, ficando sob a guarda do Estado e abrigados em instituições de internação e
recolhimento. Alguns exemplos dessas instituições são os internatos, educandários, asilos
e reformatórios. As justificativas para essas ações estavam voltadas para a ideia de que as
crianças em situação de risco tinham um ambiente familiar que as prejudicavam (COUTO
e DELGADO, 2015).[2]
Conforme afirma Ribeiro (2006), o que se percebe durante todo o período antes da
promulgação do primeiro Código de Menores do país, em 1927, era que a preocupação
com a criança, e os cuidados assistenciais a ela destinados, eram oriundos principalmente
de iniciativas particulares, com características filantrópicas e assistencialistas. Existe
pouca iniciativa e intervenção do governo e do poder publico. Após a promulgação do
primeiro Código de Menores, especificamente no campo da saúde mental, ocorrerão
várias iniciativas, mas “privadas”, onde a medicina criou o movimento da higiene mental,
um dos marcos iniciais que haveria de transformar o século XX no “século da criança”, que
tinha por base a prevenção e o método educativo, com propostas de intervenção que
resultavam no isolamento e na institucionalização dos sujeitos, principalmente quando a
prevenção não alcançava os resultados esperados, encaminhando crianças para
instituições fechadas e especiais ou de reeducação (RIBEIRO, 2006). [3]
A institucionalização das crianças no Brasil, no caso dos “menores”, foi realizada por meio
das instituições do campo da assistência social e filantropia, como educandários,
reformatórios, etc. Contudo, o mecanismo de institucionalização dos das crianças também
resultou em processos de exclusão e segregação, assim como ocorreu com aqueles
considerados “loucos”. Além disso, tanto no caso dos “menores”, quanto no caso dos
“loucos” institucionalizados, existia o problema de não conhecer as diferentes
especificidades de cada situação trazidas por esses sujeitos, não considerando sua
singularidade (COUTO & DELGADO, 2015). [2]
Algumas instituições destacam-se como os principais marcos da história da psiquiatria
infantil brasileira, dentre elas estão o Pavilhão Bourneville, criado em 1904, na era Juliano
Moreira nas dependências do Hospício Nacional de Alienados e o Hospital de
Neuropsiquiatria Infantil, Inaugurado em 1942, por Getúlio Vargas, no Engenho de Dentro
(RJ) (COUTO e DELGADO, 2015). [2]
A partir dos anos 80, século XX, houve o movimento de redemocratização e começou-se a
ser pensado na renovação das funções do Estado, levando a refletir de maneira diferente
sobre os problemas de saúde mental da criança e do adolescente. Havia uma necessidade
de pensar na definição de seus lugares, nas suas funções sociais e direitos, assim como
em uma nova concepção e função do Estado. A Constituição Brasileira de 1988 e a
doutrina de proteção integral foram às bases para que essas ideias começassem a ser
difundidas e, principalmente, para que no início do século XXI fossem criadas condições
possíveis para criar a Saúde Mental da Criança e do Adolescente (SMCA), pautada na
atenção psicossocial, em oposição à perspectiva apenas assistencialista que durou por
quase 80 anos na República Brasileira (COUTO e DELGADO, 2015). [2]
Em 1990, as ações e os princípios propostos pela Reforma Psiquiátrica brasileira são
reforçados pela promulgação da Lei da Saúde Mental (Lei 10.126), pela realização da III
Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM) em 2001 e com a promulgação do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Esses foram importantes acontecimentos
para emergir a Política de Saúde Mental para Crianças e Adolescentes no início do século
XXI (COUTO e DELGADO, 2015). [2]
Diante desses acontecimentos, os direitos humanos defendidos nesses encontros,
possibilitaram que houvesse uma nova concepção de criança, fazendo com que passem a
fazer parte das políticas públicas, sendo reconhecidos como sujeitos de direitos, colocando
o Estado brasileiro como o principal responsável pelo cuidado da infância. Cuidado esse
que deve ser em liberdade, de base comunitária, em rede, considerando a lógica do
território, fundamentado no reconhecimento das crianças como sujeitos psíquicos e de
direitos, tendo por objetivo a inclusão social e não a segregação (COUTO e DELGADO,
2015).[2]
Esses movimentos sociais fizeram emergir no Brasil no início do século XXI um conjunto
de ações voltadas para a formulação e desenvolvimento da Política de Saúde Mental para
Crianças e Adolescentes (SMCA) (COUTO & DELGADO, 2015). Essa Política tem como
objetivo construir redes ampliadas e intersetoriais de atenção, visando promover a
articulação de serviços com distintos níveis de complexidades a partir da oferta dos
Centros de Atenção Psicossocial Infantis e Juvenis (CAPS i) e da articulação intersetoriais
(COUTO, DUARTE e DELGADO, 2008).[4]

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