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All content following this page was uploaded by Mário Alves da Silva Filho on 05 May 2020.
INTRODUÇÃO
1 Esse artigo é parte de nossa Dissertação de Mestrado “A Mística Islâmica em Terræ Brasilis:
o Sufismo e as Ordens Sufis em São Paulo”. PUC/SP, 2012, que foi apresentado no VII
Congresso Internacional de Ciências da Religião, realizado em Goiânia, na Pontifícia
Universidade Católica de Goiás, em 2014. Esse artigo foi publicado nos anais do Congresso da
página 696 a 704. Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/0BwzAI_6oXulkVHZlbUN5S1lpcXM/view
2 Mestre em Ciências da Religião (PUC/SP). Professor do Programa de Pós-Graduação do
APROXIMAÇÕES AO SUFISMO
Apesar de existirem inúmeras tentativas de se definir o Sufismo este
é praticamente impossível de ser definido, independentemente da profundidade
que a definição possa alcançar, ainda mais quando o que se pretende é
traduzir a conceitos e definições racionais, próprios do universo acadêmico,
aquilo que é formado por intuições, experiências e verdades associadas ao
impreciso, indescritível e irracional, como toda experiência religiosa e mística o
é. Neste sentido, observa-se que
atualmente no Ocidente, o nome [Sufismo] se tornou muito
conhecido, mas sua realidade se tornou mais obscura do que jamais
o foi no mundo Islâmico. O nome é um rótulo útil, mas a realidade
não pode ser encontrada em definições, descrições e livros.
(CHITTICK, 2008, p. 1)
Tariqa pode ser definida como uma instituição muçulmana hierárquica, com
uma multiplicidade de níveis funcionais. Seus líderes podem usá-las em
diferentes épocas e lugares para fins diversos. Em alguns casos, a Ordem Sufi
pode ser a única instituição islâmica existente na comunidade, podendo
assumir vários papéis, frequentemente se tornando uma organização versátil.
Ela tem um proveitoso papel social a executar, muito além de suas funções
puramente espirituais ou místicas. “Uma Tariqa pode se envolver na política,
oferecer ajuda médica ou psiquiátrica; tratar de assuntos de magia ou
astrologia para seus membros” (PACE, 2005, p. 187) e para a comunidade, “ou
pode incluir em seu seio notáveis magos ou curandeiros, que oferecem seus
serviços” a todos, indistintamente (MARTIN, 1972, p. 187).
O Sufismo demonstrou e ainda demonstra grande vitalidade social
justamente porque em cada época soube e sabe manter, por assim
dizer, “os pés nos dois estribos”: tensão elevada para a procura
espiritual mais rigorosa, por um lado, e elaboração de éticas
econômicas e sociais (e, às vezes, até de valor político) não
indiferentes, portanto, “ao mundo” da vida cotidiana, pelo outro.
(PACE, 2005, p. 187)
Turuq, sendo que se pode citar as feitas pela Tariqa Jerrahiyya e Qadiriyya no
auxílio às vítimas do terremoto no Paquistão e Turquia ocorridos no início de
2011, ou a distribuição de alimentos feita pela Tariqa Naqshbandiyya no
Turcomenistão, Índia e Bangladeche ou o auxílio a estudantes em diversas
faculdades pelo mundo feito pela Tariqa Tijaniyya.
O conhecimento do Islã pelo Shaykh ‘Ali Nur al-Din o habilitava a ser Professor
de várias disciplinas, incluindo a interpretação dos Ahadith3, princípios da
religião Islâmica, Shari’ah4, lógica e teologia, bem como outras disciplinas
(HANIEH, 2011, p.138).
Conta a tradição que Shaykh ‘Ali al-Din, enquanto fazia os atos da
peregrinação (Hajj) a Meca, viu o Profeta Abraão, que lhe ordenou que fosse
para Acre, na Palestina. Em 1850 se muda para Acre e 1862 estabelece uma
Zawiya5 da Tariqa Shadhiliyya nesta cidade. Lá o Shaykh ‘Ali Nur al-Din se
envolve profundamente nos debates contrários à Fé Bahai que eram bastante
acalorados. Com isso aumenta o número de seguidores, bem como de
detratores, que começam a discutir em praça pública, o que alarma as
autoridades do Império Otomano, culminando no banimento do Shaykh ‘Ali Nur
para a Ilha de Rodes. É perdoado cerca de dois anos depois, voltando para
Tarshiha e, em seguida, para Acre, onde continua seu debate contra as
doutrinas da Fé Bahai. Em 1899, com cento e oito anos, morre, sendo sua
tumba, em Acre, um lugar de peregrinação para os dervixes da Tariqa
Shadhiliyya-Yashrutiyya (HANIEH, 2011, p.139).
Após a morte do Shaykh ‘Ali Nur al-Din, sucedeu-lhe seu filho mais
velho o Shaykh Ibrahim Ibn ‘Ali Nur al-Din, que falece em 1928; com sua morte
assume o filho de Ibrahim, Shaykh Muhammad al-Hadi Ibn Ibrahim. Em 1948 o
Shaykh Muhammad al-Hadi se muda para o Líbano, onde morre em 1982
(HANIEH, 2011, p.139).
Shaykh Muhammad al-Hadi assume a Ordem muito jovem, tornando-
se Shaykh de direito, mas não de fato. Para auxiliá-lo vem em seu socorro a
tia, filha do Shaykh ‘Ali Nur al-Din, Fátima Ibn ‘Ali Nur al-Din, considerada uma
das Wali (amiga) de Allah, dada sua importância e erudição nas ciências
islâmicas e no Sufismo. Sua obra Rihla Ila al-Haqq (Jornada pela Verdade) é
considerada uma das grandes obras do Sufismo no Século XX. Foi
3 A Sunnah, tradição, é transmitida aos muçulmanos pelos Ahadith (plural, sing.: Hadith):
literalmente, narrativas. São compilações feitas para registrar as palavras e os atos do Profeta
Muhammad. O conjunto de narrativas (ahadith) foi recolhido junto aos companheiros do
Profeta, chamados de sahabah (plural); para ser um sahabiy (singular) há duas condições que
devem ser obrigatoriamente cumpridas: ter conhecido o Profeta pessoalmente e ter morrido
muçulmano. Dessa forma os ahadith estão diretamente ligados à Sunnah.
4 Lei islâmica.
5 Templo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pudemos perceber que a direção da Tariqa Yashrutiyya não tem
preocupação com a divulgação do Islã, não procura cooptar novos membros
para seus quadros e não possui um trabalho social ativo fora da Tariqa. Tudo o
que faz é interna corporis, dirigido exclusivamente aos seus membros. Isso
demonstra a forte identidade árabe encontrada nos dervixes da Tariqa.
Essa forte identidade de pertença faz com que os membros da
Tariqa Shadhiliyya-Yashrutiyya sejam exclusivamente árabes ou árabe-
descendentes, o que foge da ideia, muito propalada, de um Sufismo agregador.
No caso da Tariqa Shadhiliyya-Yashrutiyya o sentimento de pertença à
comunidade árabe é muito maior do que o sentimento de pertença a uma
comunidade Sufi. Isso é compreensível na medida em que os árabes temem
perder sua identidade muçulmana em um país em que são minoria. Ao
sentirem-se ameaçados vão procurar defendê-la e protegê-la dos “perigos”
exteriores, ou seja, de não árabes, mesmo que estes sejam muçulmanos.
A realização da “obrigação” da Tariqa Shadhiliyya-Yashrutiyya é um
momento em que os membros desta Ordem podem, sem dúvidas, sentirem-se
pertencentes a um grupo que congrega das mesmas origens étnicas e
religiosas, dando-lhes a possibilidade de terem sua “identidade” preservada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PACE, Enzo. Sociologia do Islã: fenômenos religiosos e lógicas sociais.
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TRIMINGHAM, J. Spencer. The Sufi Orders of Islam. Londres: Oxford
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